Casa Salesiana de Castel Gandolfo

Entre as colinas verdes dos Castelli Romani e as águas tranquilas do Lago Albano, surge um lugar onde história, natureza e espiritualidade se encontram de forma singular: Castel Gandolfo. Neste contexto rico em memória imperial, fé cristã e beleza paisagística, a presença salesiana representa um ponto firme de acolhimento, formação e vida pastoral. A Casa Salesiana, com sua atividade paroquial, educativa e cultural, continua a missão de São João Bosco, oferecendo aos fiéis e visitantes uma experiência de Igreja viva e aberta, imersa em um ambiente que convida à contemplação e à fraternidade. É uma comunidade que, há quase um século, caminha a serviço do Evangelho no coração da tradição católica.

Um lugar abençoado pela história e pela natureza
Castel Gandolfo é uma joia dos Castelli Romani, situada a cerca de 25 km de Roma, imersa na beleza natural dos “Colli Albani” e de frente para o sugestivo Lago Albano. A cerca de 426 metros de altitude, este lugar se destaca pelo seu clima ameno e acolhedor, um microclima que parece preparado pela Providência para receber quem busca descanso, beleza e silêncio.

Já na época romana, este território fazia parte do Albanum Caesaris, uma antiga propriedade imperial frequentada pelos imperadores desde os tempos de Augusto. Foi, porém, o imperador Tibério o primeiro a residir ali de forma estável, enquanto Domiciano, mais tarde, mandou construir uma esplêndida vila, cujos restos são hoje visíveis nos jardins pontifícios. A história cristã do local começa com a doação de Constantino à Igreja de Albano: um gesto que simbolicamente marca a passagem da glória imperial para a luz do Evangelho.

O nome Castel Gandolfo deriva do latim Castrum Gandulphi, o castelo construído pela família Gandolfi no século XII. Quando, em 1596, o castelo passou para a Santa Sé, tornou-se residência de verão dos Pontífices, e o vínculo entre este lugar e o ministério do Sucessor de Pedro tornou-se profundo e duradouro.

O Observatório do Vaticano: contemplar o céu, louvar o Criador
De particular relevância espiritual é o Observatório do Vaticano, fundado pelo papa Leão XIII em 1891 e transferida nos anos 30 para Castel Gandolfo devido à poluição luminosa de Roma. Ela testemunha como também a ciência, quando orientada para a verdade, conduz a louvar o Criador.
Ao longo dos anos, o Observatório contribuiu para projetos astronômicos de grande importância como a Carte du Ciel [Mapa do Céu] e para a descoberta de numerosos objetos celestes.

Com o agravamento das condições de observação também nos Castelli Romani, nos anos 80 a atividade científica mudou-se principalmente para o Observatório Mount Graham, no Arizona (EUA), onde o Vatican Observatory Research Group [Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano] continua as pesquisas astrofísicas. Castel Gandolfo permanece, porém, um importante centro de estudos: desde 1986 recebe bienalmente a Vatican Observatory Summer School [Escola de Verão do Observatório do Vaticano], dedicada a estudantes e graduados em astronomia de todo o mundo. O Observatório também organiza congressos especializados, eventos de divulgação, exposições de meteoritos e apresentações de materiais históricos e artísticos com tema astronômico, tudo em um espírito de pesquisa, diálogo e contemplação do mistério da criação.

Uma igreja no coração da cidade e da fé
No século XVII, o papa Alexandre VII confiou a Gian Lorenzo Bernini a construção de uma capela palatina para os funcionários das Vilas Pontifícias. O projeto, inicialmente concebido em honra a São Nicolau de Bari, foi finalmente dedicado a São Tomás de Villanova, agostiniano canonizado em 1658. A igreja foi consagrada em 1661 e confiada aos Agostinianos, que a administraram até 1929. Com a assinatura dos Pactos de Latrão, o papa Pio XI confiou aos mesmos Agostinianos o cuidado pastoral da nova Paróquia Pontifícia de Santa Ana no Vaticano, enquanto a igreja de São Tomás de Villanova foi posteriormente confiada aos Salesianos.

A beleza arquitetônica desta igreja, fruto do gênio barroco, está a serviço da fé e do encontro entre Deus e o homem: hoje ali se celebram numerosos casamentos, batismos e liturgias, atraindo fiéis de todas as partes do mundo.

A casa salesiana
Os Salesianos estão presentes em Castel Gandolfo desde 1929. Naqueles anos, a vila conheceu um notável desenvolvimento, tanto demográfico quanto turístico, ainda mais graças ao início das celebrações papais na igreja de São Tomás de Villanova. Todo ano, na solenidade da Assunção, o papa celebrava a Santa Missa na paróquia pontifícia, uma tradição iniciada por São João XXIII em 15 de agosto de 1959, quando saiu a pé do Palácio Pontifício para celebrar a Eucaristia entre o povo. Essa prática se manteve até o pontificado do Papa Francisco, que interrompeu as estadias de verão em Castel Gandolfo. Em 2016, de fato, todo o complexo das Vilas Pontifícias foi transformado em museu e aberto ao público.

A casa salesiana fez parte da Inspetoria Romana e, de 2009 a 2021, da Circunscrição Salesiana Itália Central. Desde 2021 está sob a responsabilidade direta da Sede Central, com diretor e comunidade nomeados pelo Reitor-Mor. Atualmente, os salesianos presentes vêm de diferentes países (Brasil, Índia, Itália, Polônia) e atuam na paróquia, nas capelanias e no oratório.

Os espaços pastorais, embora pertençam ao Estado da Cidade do Vaticano e sejam considerados zonas extraterritoriais, fazem parte da diocese de Albano, à qual os Salesianos participam ativamente da vida pastoral. Estão envolvidos na catequese diocesana para adultos, no ensino na escola teológica diocesana e no Conselho Presbiteral como representantes da vida consagrada.

Além da paróquia de São Tomás de Villanova, os Salesianos também administram outras duas igrejas: Maria Auxiliadora (também chamada de “São Paulo”, pelo nome do bairro) e Madonna del Lago [Nossa Senhora do Lago], desejada por São Paulo VI. Ambas foram construídas entre as décadas de 60 e 70 para atender às necessidades pastorais da população crescente.

A igreja paroquial projetada por Bernini é hoje destino de numerosos casamentos e batismos celebrados por fiéis vindos de todo o mundo. Todo ano, com as devidas autorizações, são realizadas dezenas, às vezes centenas, de celebrações.

O pároco, além de guiar a comunidade paroquial, é também capelão das Vilas Pontifícias e acompanha espiritualmente os funcionários do Vaticano que ali trabalham.

O oratório, atualmente administrado por leigos, conta com o envolvimento direto dos Salesianos, especialmente na catequese. Em finais de semana, festas e atividades de verão como o Verão dos Meninos, colaboram também estudantes salesianos residentes em Roma, oferecendo um apoio valioso. Na igreja de Maria Auxiliadora existe também um teatro ativo, com grupos paroquiais que organizam espetáculos, um lugar de encontro, cultura e evangelização.

Vida pastoral e tradições
A vida pastoral é marcada pelas principais festas do ano: São João Bosco em janeiro, Maria Auxiliadora em maio com uma procissão no bairro de São Paulo, a festa da Madonna del Lago – e portanto a festa do Lago – no último sábado de agosto, com a estátua levada em procissão em um barco no lago. Esta última celebração está envolvendo cada vez mais as comunidades vizinhas, atraindo muitos participantes, incluindo motociclistas, com os quais foram iniciados momentos de encontro.

No primeiro sábado de setembro celebra-se a festa patronal de Castel Gandolfo em honra a São Sebastião, com uma grande procissão pela cidade. A devoção a São Sebastião remonta a 1867, quando a cidade foi poupada de uma epidemia que atingiu duramente as cidades vizinhas. Embora a memória litúrgica seja em 20 de janeiro, a festa local é celebrada em setembro, tanto em lembrança da proteção obtida quanto por razões climáticas e práticas.

No dia 8 de setembro celebra-se o padroeiro da igreja, São Tomás de Villanova, coincidindo com o Nascimento da Bem-Aventurada Virgem Maria. Nesta ocasião também ocorre a festa das famílias, dirigida aos casais que se casaram na igreja de Bernini: são convidados a retornar para uma celebração comunitária, uma procissão e um momento de confraternização. A iniciativa teve ótima aceitação e está se consolidando com o tempo.

Uma curiosidade: a caixa de correio
Ao lado da entrada da casa salesiana encontra-se uma caixa postal, conhecida como “Buca delle corrispondenze” [caixa das correspondências], considerada a mais antiga ainda em uso. Data de 1820, vinte anos antes da introdução do primeiro selo postal do mundo, o famoso Penny Black (1840). É uma caixa oficial dos Correios Italianos ainda ativa, mas também um símbolo eloquente: um convite à comunicação, ao diálogo, à abertura do coração. O retorno do papa Leão XIV à sua residência de verão certamente o aumentará.

Castel Gandolfo continua sendo um lugar onde o Criador fala através da beleza da criação, da Palavra proclamada e do testemunho de uma comunidade salesiana que, na simplicidade do estilo de Dom Bosco, continua a oferecer acolhimento, formação, liturgia e fraternidade, lembrando a quem se aproxima dessas terras em busca de paz e serenidade que a verdadeira paz e serenidade só se encontram em Deus e em sua graça.




Visitar Roma com Dom Bosco. Crônica de sua primeira viagem a Roma

A primeira vez que Dom Bosco esteve em Roma foi entre 18 de fevereiro e 16 de abril de 1858, acompanhado pelo seminarista de vinte e um anos, Miguel Rua. Quatro anos antes, a Igreja havia celebrado um Jubileu extraordinário de seis meses, convocado em ocasião da proclamação do dogma da Imaculada Conceição (8 de dezembro de 1854). Dom Bosco aproveitou a oportunidade dessa grande festa espiritual para publicar o volume “O Jubileu e Práticas devotas para a visita das igrejas”.
Durante aquela que seria sua primeira de outras vinte visitas à Cidade Eterna, Dom Bosco se comportou como um verdadeiro peregrino jubilar, dedicando-se fervorosamente às visitas e devoções previstas, inclusive participando dos solenes ritos pascais oficiados pelo Papa. Foi uma experiência intensa, que ele não guardou para si mesmo, mas a compartilhou com seus jovens com seus característicos entusiasmo e a paixão educativa.
Ao descrever minuciosamente a viagem, as etapas e os lugares sagrados, Dom Bosco tinha um claro objetivo apostólico e educativo: fazer reviver em quem o ouvia ou o lia a mesma profunda experiência de fé, transmitindo-lhes o amor pela Igreja e pela tradição cristã.
Convidamos agora também vocês, leitores, a se unirem espiritualmente a Dom Bosco, repercorrendo na imaginação as ruas da Roma cristã, e se deixando fascinar por seu entusiasmo e seu fervor, com ele renovar a sua fé.

De trem até Gênova
A partida para Roma estava marcada para 18 de fevereiro de 1858. Durante a noite caíra quase um palmo de neve, sobre os dois palmos que já cobriam a terra. Às oito e meia da manhã, enquanto ainda nevava, com a comoção que
experimenta um pai que deixa os seus filhos, despedi-me dos jovens para iniciar a viagem a Roma. Embora tivéssemos certa pressa para chegar a tempo ao trem, ainda nos detivemos um pouco para fazer o testamento: não queria deixar complicações para o Oratório, caso a Providência me quisesse chamar à Eternidade, dando-me em comida aos peixes do Mediterrâneo. […].  Então, correndo, fomos à estação ferroviária e, junto com o P. Mentasti […] partimos com o trem das dez da manhã.
Aqui aconteceu uma coisa desagradável: os vagões estavam quase cheios, então tive que deixar Rua e o P. Mentasti em um vagão e encontrar lugar em outro […].

O menino judeu
Por acaso estava perto de um garotinho de dez anos. Notando seu aspecto simples e seu rosto bondoso, comecei a conversar com ele e […] percebi que ele era judeu. Seu pai, que estava ao seu lado, me assegurou que o filho estava na quarta série, mas a mim parecia que sua escolaridade não era de quem estava nem mesmo na segunda série. No entanto, ele era de inteligência rápida. O pai ficou contente que eu fizesse perguntas ao menino, e nos sugeriu que falássemos sobre a Bíblia. Comecei, então, a questioná-lo sobre a criação do mundo e do ser humano, sobre o Paraíso terrestre, sobre a queda dos progenitores. Ele respondia razoavelmente bem, mas fiquei surpreso quando percebi que não tinha ideia do pecado original e da promessa de um Redentor.
– Não tem na sua Bíblia o que Deus prometeu a Adão quando o expulsou
do paraíso terrestre?
– Não tem, 
lhe respondeu o menino. Diga-me, por favor.
– Sim. Deus disse à serpente: Porque você enganou a mulher, será
maldita entre todos os animais, e Alguém que nascer da mulher esmagará
sua cabeça.
– Quem é este Alguém do qual se fala?
– Este alguém é o Salvador que devia libertar o gênero humano da escravidão do demônio.
– Quando virá o Salvador?
– Ele já veio, e é aquele que nós chamamos… 
Aqui o pai o interrompeu e disse:
– Essas coisas nós não as estudamos, porque não se referem à nossa lei.
– Vocês, porém, fariam bem estudá-las, porque estão contidas nos livros de Moisés e dos Profetas nos quais acreditam.
– Está bem, vamos pensar. Mas, pergunte-lhe alguma coisa de aritmética.
 Vendo que ele não desejava que eu falasse de religião ao seu filho, mudou de assunto e lhe fez várias perguntas sobre coisas indiferentes, de maneira que o pai, seu filho e outros que estavam juntos naquele compartimento se divertiram e riram um pouco. Na estação de Asti, o menino devia descer, e não sabia como separar-se de mim. Tendo lágrimas nos olhos, segurava minha mão e, emocionado, conseguiu apenas me dizer:
– Eu me chamo Sacerdote Leão de Moncalvo. Lembre-se de mim. Indo a Turim, espero fazer-lhe uma visita. O pai, para aliviar a emoção, disse que havia procurado em Turim a “História da Itália” [escrita por mim]. Não tendo encontrado, me pedia para enviar-lhe uma cópia. Prometi enviar a impressa especialmente para a juventude, então desci também para procurar meus companheiros de viagem para ver se havia lugar em seu vagão. Encontrei Rua, que estava com as mandíbulas cansadas de tanto bocejar, pois de Turim a Asti ele havia se entediado muito, não sabendo com quem conversar: seus companheiros de viagem só falavam de danças, teatro e outras coisas de pouco gosto […].

Rumo a Gênova
Chegamos aos Apeninos. Eles se erguiam diante de nós altíssimos e íngremes. Como o trem viajava a grande velocidade, tínhamos a impressão de que iríamos colidir com as rochas quando, de repente, tudo ficou escuro. Havíamos entrado nos túneis. Estes são “furos” que, passando sob as montanhas, economizam várias dezenas de milhas. […]. Sem túneis, seria impossível atravessar as montanhas e, visto que são muitas, existem muitos túneis. Um deles é tão longo quanto a distância entre Turim e Moncalieri; tanto que o comboio ficou no escuro por oito minutos, tempo necessário para percorrer o trecho do túnel.

Ficamos surpresos ao constatar que a neve diminuía à medida que o trem se aproximava da costa de Gênova. Mas qual não foi nossa maravilha quando avistamos os campos sem um fio de branco, as margens verdejantes, os jardins cheios de cores, as plantas de amendoeira floridas e as árvores de pêssego com os botões prestes a se abrir ao sol! Fazendo, então, uma comparação entre Turim e Gênova, dissemos que em Gênova é já primavera e que em Turim ainda é um rigoroso inverno.

Os dois montanheses
Já ia me esquecendo de falar de dois montanheses que subiram em nosso vagão na estação de Busalla. Um deles estava pálido e enfermo e movia-se de dar pena. O outro tinha um ar vivo e, se bem chegasse aos 70 anos, mostrava o vigor de um jovem de vinte e cinco anos. Ele vestia calças curtas e as polainas quase desatadas, de modo que se viam as pernas, os joelhos nus e flagelados pelo frio. Estavam em mangas de camisa com apenas uma malha e um casaco grosso que trazia sobre os ombros. Depois de tê-lo feito falar de várias coisas, eu disse:
– Por que não ajeita sua roupa para defender-se do frio? Ele respondeu:
– Veja, senhor, nós somos montanheses e estamos acostumados com o vento,
a chuva, a neve e o gelo. Quase não percebemos nem o inverno. Nossos meninos caminham também hoje com os pés nus no meio da neve e vão até para divertir-se sem olhar para o frio ou o calor.
 Então entendi que o ser humano vive de hábitos, e o corpo é capaz de suportar, conforme o caso, o frio ou o calor, e aqueles que desejam se proteger de cada pequeno desconforto correm o risco de enfraquecer sua condição em vez de fortalecê-la.

A parada em Gênova
Eis Gênova, eis o mar! Rua se apressa para vê-lo, estica o pescoço: num lado vê um navio, no outro alguns barcos, mais abaixo o farol, que é bem alto. Chegamos à estação e descemos do trem. O cunhado do abade Montebruno nos aguardava com alguns jovens e, assim que saímos do trem, nos acolheram com alegria, e carregando nossas bagagens, nos levaram à obra dos artigianelli (pequenos artesãos, n.d.r.), que é uma casa semelhante ao nosso Oratório. Os cumprimentos foram breves, pois todos estávamos com muita fome: eram três e meia da tarde e eu havia tomado apenas uma xícara de café. À mesa parecia que nada poderia nos saciar, no entanto, depois de comer bastante, estávamos satisfeitos.
Logo depois visitamos a casa: escolas, dormitórios, oficinas: parecia que eu estava vendo o Oratório de dez anos atrás. Os internos eram vinte; outros vinte, embora comessem e trabalhassem aqui, dormiam em outro lugar. Qual é a alimentação deles? No almoço, um bom prato de sopa e… nada mais. No jantar, um pãozinho, que se come em pé, e depois, se vai para a cama!
Ao final, saímos para um passeio pela cidade que, para dizer a verdade, é pouco atraente, embora tenha magníficos palácios e grandes lojas. As ruas são estreitas, tortuosas e íngremes. Mas a coisa mais irritante era um vento incômodo que, soprando quase sem interrupção, tirava o prazer de admirar qualquer coisa, mesmo a mais bela […].

Sendo assim, em Gênova nossas expectativas foram decepcionadas. Como se não bastasse, o vento contrário impediu a atracação do navio no qual deveríamos embarcar, portanto, contra nossa vontade, tivemos que esperar até o dia seguinte. […]. De manhã, celebrei missa na igreja dos Padres Pregadores (Dominicanos) no altar do Beato Sebastião Maggi, um frade que viveu há cerca de trezentos anos. Seu corpo é um prodígio contínuo, pois se conserva inteiro, flexível e com uma cor que você diria que está morto há poucos dias. […]. Depois fomos carimbar, ou seja, assinar o passaporte. O Cônsul Pontifício nos recebeu com muita cortesia. […]. Ele também tentou nos conseguir algum desconto no barco, mas não foi possível.

A Civitavecchia, pelo mar. O embarque
Às seis e meia da tarde, antes de nos dirigirmos ao barco a vapor chamado Aventino, nos despedimos de vários eclesiásticos que vieram dos Artigianelli para nos desejar boa viagem. Também os rapazes, atraídos pelas boas palavras, mas principalmente por alguma coisa a mais no almoço daquele dia, tornaram-se nossos amigos e pareciam estar tristes ao nos ver partir. Vários deles nos acompanharam até o mar e, e saltando com destreza num pequeno barco, quiseram nos escoltar até o barco. O vento estava bastante forte: não acostumados a viajar pelo mar, a cada movimento do barco temíamos virar de cabeça para baixo e afundar, e nossos acompanhantes riam muito. Depois de vinte minutos, finalmente chegamos ao navio.

À primeira vista, parecia um edifício cercado pelas ondas. Subimos a bordo, e levando nossa bagagem para um alojamento bastante espaçoso, nos sentamos para descansar e pensar: cada um de nós experimentava particulares sensações que não sabia como expressar. Rua observava tudo e todos em silêncio. E eis o primeiro contratempo: tendo chegado na hora do almoço, não fomos imediatamente comer; quando pedimos, já tinha acabado tudo. Rua jantou uma maçã, um pãozinho e um copo de vinho Bordô, eu me contentei com um pedaço de pão e um pouco daquele excelente vinho. Vale lembrar que, quando se viaja de navio, as refeições estão incluídas na passagem e, assim, comendo ou não, paga-se da mesma forma.

Depois subimos ao convés para conhecer melhor esse navio “Aventino”. Assim, soubemos que os navios recebem nomes dos lugares mais famosos das regiões para onde estão indo. Um se chama Vaticano, outro Quirinale, outro Aventino (como o nosso), para lembrar as sete famosas colinas de Roma. Este nosso navio partiu de Marselha, passa por Gênova, Livorno, Civitavecchia, depois segue para Nápoles, Messina e Malta. No retorno, repete o mesmo percurso até Marselha. Também é chamado de barco postal porque transporta cartas, pacotes, etc. Independentemente de fazer sol ou chuva, parte sempre.

O enjoo
Nos foi designada um beliche, que é uma espécie de armário com prateleiras onde os passageiros se deitam sobre um colchão em cada prateleira. Às dez, as âncoras foram levantadas e o barco, impulsionado pelo vapor e por um vento favorável, começou a correr em alta velocidade em direção a Livorno. Quando estávamos em alto-mar fiquei enjoado, coisa que me atormentou por dois dias. Esse desconforto causa vômitos frequentes, e quando não se tem mais nada para regurgitar, os espasmos ficam mais violentos, de modo que a pessoa fica tão exausta que recusa comer. A única coisa que pode trazer algum alívio é deitar-se e ficar, quando o vômito permite, com o corpo totalmente estendido.

Livorno
Aquela noite de 20 de fevereiro foi uma noite ruim. Não estávamos em perigo por causa do mar agitado, mas o enjoo me havia prostrado tanto que não conseguia ficar nem deitado, nem em pé. Sai da cama e fui ver se Rua estava vivo ou morto. No entanto, ele não tinha mais do que um pouco de cansaço, nada mais. Ele se levantou imediatamente, colocando-se à minha disposição para aliviar os desconfortos da travessia. Quando Deus quis, chegamos ao porto de Livorno. Por porto entende-se uma enseada do mar protegida da fúria dos ventos por barreiras naturais ou por barreiras construídas pelo ser humano. Aqui os navios estão a salvo de qualquer perigo, aqui descarregam suas mercadorias e carregam outras para outros destinos, aqui se fazem os abastecimentos. Os passageiros que desejam também podem descer à terra para dar uma volta pela cidade, desde que voltem a tempo. […].

Embora eu desejasse descer para visitar a cidade, celebrar a missa e cumprimentar alguns amigos, não pude fazê-lo, na verdade fui forçado a voltar para minha cama e ficar lá quieto e em jejum. Um garçom chamado Charles me olhava com um olhar de compaixão e de vez em quando se aproximava oferecendo seus serviços. Vendo-o tão gentil e cortês, comecei a conversar com ele, e entre outras coisas perguntei se ele não temia ser ridicularizado por ajudar um padre sob o olhar de tantas pessoas.
– Não, ele me disse em francês, veja que ninguém fica maravilhado. Aliás, todos
o admiram com bondade, mostrando desejo de poder de algum modo ajudá-lo. Por outro lado, minha boa mãe recomendou-me muitas vezes de ter grande respeito aos padres e que isso era um meio para obter a bênção do Senhor
. Charles, então, foi chamar um médico: cada navio tem seu médico e os principais remédios para qualquer necessidade. O médico veio e suas maneiras afáveis me animaram um pouco.
– Compreende o francês? Ele me disse. Respondi:
– Compreendo todas as linguagens do mundo, também aquelas não escritas, e até mesmo a linguagem dos surdos-mudos. Eu estava brincando para me despertar da sonolência que me havia tomado. O outro entendeu e começou a rir.
– Peut être, pode ser! Ele dizia enquanto me examinava. No final, me anunciou que ao enjoo havia se juntado a febre e que uma bebida de chá me faria bem. Agradeci e perguntei seu nome.
– Meu nome, disse, é Jobert de Marselha, doutor em medicina e cirurgia. Charles, atento às ordens do doutor, em poucos instantes preparou a Dom Bosco uma ótima xícara de chá, daí há pouco uma outra e depois uma outra. E me fez bem, tanto que consegui dormir.
Às cinco [da tarde] o barco levantou âncoras. Quando estávamos em alto-mar novamente, tive ânsias de vômito ainda mais violentas, ficando mal por cerca de quatro horas e depois, pelo esgotamento (não tinha mais nada no estômago) e ajudado pelo balanço do navio, adormeci e descansei em um sono tranquilo até chegar em Civitavecchia.

Pagar, pagar, pagar
O descanso da noite me fez recuperar as forças. Embora exausto pelo longo jejum, levantei-me e preparei as malas. Estávamos prestes a descer quando nos avisaram de uma dívida que não sabíamos ter contraído. O café não estava incluído na alimentação, mas deveria ser pago à parte e nós, que tomamos quatro xícaras, pagamos um suplemento de dois francos, ou seja, cinquenta centavos por xícara. O capitão, após fazer carimbar os passaportes, nos autorizou o desembarque; e aqui começaram as gorjetas: um franco de cada um para os barqueiros, meio franco para a bagagem (que nós tínhamos que carregar), meio franco para a alfândega, meio franco para quem nos convidava a entrar no carro, meio para o carregador que arrumava as malas, dois francos para o visto no passaporte, um franco e meio para o Cônsul Pontifício. Não dava nem tempo de abrir a boca que já tinha que pagar alguma coisa. Com a adição de que, variando as moedas de nome e valor, tínhamos que confiar em quem nos fazia a troca. […]. Na Alfândega respeitaram um pacote endereçado ao Cardeal Antonelli com o selo pontifício, dentro do qual colocamos as coisas mais importantes. […].

Terminadas as operações, fui ao barbeiro para fazer a barba de dez dias. Tudo correu bem, mas na loja não consegui desviar o olhar de dois chifres em uma mesinha. Eram longos cerca de um metro e adornados com anéis brilhantes e fitas. Pensava que eram destinados a algum uso especial, mas me disseram que eram de novilha, que nós chamamos de boi, colocados lá apenas para ornamentação. […].

Rumo a Roma de carruagem
Enquanto isso, o P. Mentasti estava furioso porque não nos via chegar, enquanto a carruagem já nos aguardava. Tivemos de correr para chegar a tempo. Subimos na carruagem e partimos para Roma. A distância a percorrer era de 47 milhas italianas, que correspondem a 36 milhas piemontesas; a estrada era muito bonita.
Como nossos lugares eram na parte alta podíamos contemplar os prados verdejantes e as cercas vivas floridas. Uma curiosidade nos divertiu bastante. Percebemos que tudo ia em grupos de três: os cavalos da nossa carruagem estavam atrelados em grupos de três; encontramos patrulhas de soldados que iam em grupos de três; até mesmo alguns camponeses caminhavam em grupos de três, assim como algumas vacas e alguns burros pastavam em grupos de três. Nós ríamos sobre essas estranhas coincidências. […].

Uma parada para os cavalos
Em Palo o cocheiro concedeu aos viajantes uma hora de liberdade para dar descanso aos cavalos. Nós aproveitamos para correr até uma estalagem próxima e saciar a fome. As ocupações quase nos fizeram esquecer de comer; desde o meio-dia de sexta-feira, eu não havia tomado mais do que uma xícara de café com leite. Nos reunimos em torno dos pãezinhos e comemos, ou melhor, devoramos tudo. Ao ver o garçom muito exausto e pálido, perguntei o que ele tinha.
– Tenho uma febre que me aflige há muitos meses, respondeu. Então eu fiz o bom médico:
– Deixe comigo, vou prescrever uma receita que eliminará a febre para sempre. Tenha apenas fé em Deus e em São Luís. Pegando então um pedaço de papel com o lápis, escrevi minha receita, recomendando-lhe que a levasse a algum farmacêutico. Ele não cabia em si de tanta alegria e, não sabendo o modo melhor de demonstrar sua gratidão, beijava minha mão e repetia o gesto, e queria beijar também a de Rua, que por modéstia não permitiu.

Foi também simpática a encontro com um policial pontifício. Ele achava que me conhecia, e eu acreditava conhecê-lo, assim nos cumprimentamos ambos com grande festa. E quando percebemos o equívoco, a amizade e as expressões de benevolência e respeito continuaram: para agradá-lo, tive que permitir que ele pagasse uma xícara de café, e da minha parte ofereci-lhe uma dose de rum. E como me pediu uma lembrança, dei-lhe a medalha de São Luís Gonzaga. O nome daquele bom policial era Pedrocchi.

Na cidade dos papas
Subimos novamente na carruagem e voando mais rápido com o desejo do que com as patas dos cavalos, parecia a cada momento que já estávamos em Roma. Com a noite caindo, toda vez que avistávamos ao longe um arbusto ou uma planta, Rua imediatamente exclamava:
– Eis a cúpula de São Pedro. Mas tivemos que continuar a viagem até às dez e meia da noite e, já sendo bastante escuro, não conseguíamos mais discernir nenhum detalhe. Sentimos um arrepio, no entanto, ao saber que estávamos entrando na cidade santa. […]. Finalmente chegando no ponto de parada e não tendo nenhum conhecimento do lugar, procuramos um guia que, por doze tostões nos acompanhou até a casa De Maistre, na via del Quirinale 49, nas Quattro Fontane. Já eram onze horas. Fomos recebidos com bondade pelo conde e pela condessa; os outros já dormiam. Após fazermos um lanche, nos despedimos e fomos dormir.

San Carlino
A parte do Quirinale onde estamos é chamada Quattro Fontane porque jorram quatro fontes perenes de quatro cantos de quatro bairros que aqui se unem. Em frente à casa onde nos hospedamos estava a igreja dos carmelitas. Estes, todos espanhóis, pertenciam à ordem conhecida como da Redenção dos Escravos. A igreja foi construída em 1640 e dedicada a São Carlos; mas para distingui-la de outras dedicadas ao mesmo santo, foi chamada de São Carlinhos[S. Carlino]. Fomos à sacristia, mostramos o Celebret (o documento para celebrar, n.d.r.) e assim pudemos celebrar a missa. […]. Passamos o dia quase inteiramente organizando nossos papéis, entregando recados e encomendas, levando cartas. […].

Pantheon
Aproveitando que ainda tínhamos ainda uma hora antes que escurecesse, fomos ao Pantheon, que é um dos monumentos mais antigos e célebres de Roma. Foi mandado construir por Marco Agripa, genro de César Augusto, vinte e cinco anos antes da era comum (do nascimento de Cristo, n.d.r.). Acredita-se que este edifício tenha sido chamado de Pantheon, que significa todos os deuses, porque de fato era dedicado a todas as divindades. A fachada é realmente estupenda. Oito grossas colunas compõem uma elegante moldura. Logo depois, há um pórtico formado por dezesseis colunas feitas de um único bloco de granito, depois o pronaos, ou ante-templo, constituído por quatro pilares canelados, dentro dos quais estão escavados nichos antigamente ocupados pelas estátuas de Augusto e Agripa.
No interior, apresenta uma alta cúpula aberta no meio, pela qual penetra a luz, mas também o vento, a chuva e a neve, quando cai por estas bandas. Aqui, os mais preciosos mármores foram usados como piso ou como decoração de tudo ao redor. O diâmetro é de cento e trinta e três pés, correspondendo a dezoito trabucos (cerca de 55 m). Este templo serviu ao culto dos deuses até 608 depois de Cristo, quando o Papa Bonifácio IV, para impedir as desordens que aconteciam durante os sacrifícios, o dedicou ao culto do verdadeiro Deus e a todos os santos.

Esta igreja passou por muitas modificações. Quando Bonifácio IV obteve este lugar do imperador Foca e o dedicou ao culto de Deus e de Nossa Senhora, fez transportar de vários cemitérios vinte e oito carros de relíquias que colocou sob o altar-mor. Desde então, começou a ser chamada de Santa Maria ad Martyres. Gostamos muito de ter visitado o túmulo do grande Rafaello. […]. Agora esta igreja também é chamada de Rotonda, pela forma arredondada de sua construção. À frente dela há uma praça cujo centro é ocupado por uma grande fonte de mármore, encimada por quatro golfinhos que jorram água continuamente.

San Pietro in Vincoli
No dia 23 de fevereiro […] ficamos muito contentes com a visita a S. Pietro in Vincoli, igreja ao sul de Roma, quase no fim da cidade. Foi um dia memorável porque coincidia com uma das raras vezes em que eram exibidas as correntes de São Pedro [catene di san Pietro], cujas chaves são guardadas pelo próprio Santo Padre.
Diz a tradição que foi o próprio Pedro quem ergueu aqui a primeira igreja, dedicando-a ao Salvador. Destruída pelo incêndio de Nero, foi reconstruída por São Leão Magno em 442 e dedicada ao primeiro Papa. Foi chamada de San Pietro in Vincoli porque o Pontífice deixou nela a corrente com a qual o Príncipe dos Apóstolos foi, por ordem de Herodes, acorrentado em Jerusalém. O patriarca Giovenale a havia presenteado à imperatriz Eudóxia, que por sua vez a enviou a Roma para sua filha Eudóxia Júnior, esposa de Valentiniano III. Em Roma também se conservava a corrente à qual São Pedro foi acorrentado no cárcere Mamertino. Quando São Leão quis fazer a comparação desta com a de Jerusalém, de maneira prodigiosa as duas correntes se uniram, de modo que hoje formam uma só, que é conservada em um altar específico ao lado da sacristia. Tivemos a consolação de tocar essas correntes com nossas mãos, beijá-las, colocá-las em nosso pescoço e aproximá-las da fronte. Também olhamos com bastante atenção para tentar ver onde as duas se uniam, mas não conseguimos. Apenas pudemos constatar que a corrente de Roma é menor que a de Jerusalém.

Em San Pedro in Vincoli encontra-se a magnífica sepultura de Júlio II. […]. É uma das obras-primas do célebre Michelangelo Buonarroti, que é considerado um dos maiores artistas do mármore, especialmente pela estátua de Moisés [statua del Mosè], colocada perto da urna. O patriarca é representado com as tábuas da lei dobradas sob o braço direito, em ato de falar ao povo que ele observa com atenção, pois se havia rebelado. A igreja tem três naves, separadas por vinte colunas de mármore pario e duas de granito, bem conservado.

San Luigi dei Francesi
Por volta das nove, fomos a Santa Maria sopra Minerva, onde fomos recebidos em audiência privada pelo Cardeal Gaude por cerca de uma hora e meia. Ele falou conosco em dialeto piemontês, interessando-se por nossos oratórios. […]. Depois do meio-dia fomos visitar o marquês Giovanni Patrizi. […]. Em frente ao seu palácio está a igreja de São Luís dos Franceses [chiesa di S. Luigi dei Francesi], que dá nome à praça e à vizinhança. É uma igreja bem cuidada e enriquecida com muitos mármores preciosos. Sua singularidade consiste nos sepulcros de ilustres personagens franceses que morreram em Roma. De fato, o piso e as paredes estão cobertos de epígrafes e lápides. […].
Santa Maria Maggiore all’Esquilino
Do Quirinale se abre uma via que leva ao Esquilino, assim chamado pelos muitos alces que o adornavam. Na parte mais elevada ergue-se Santa Maria Maggiore [S. Maria Maggiore], cuja origem assim é narrada por todos os que se ocupam da história sagrada. Um certo Giovanni, patrício romano, não tendo filhos, desejava empregar seus bens em alguma obra de piedade. […]. Na noite de 4 de agosto de 352, Nossa Senhora lhe apareceu em sonho e ordenou que lhe erguesse um templo no lugar onde, na manhã seguinte, encontraria neve fresca. A mesma visão teve o papa da época, Libério. No dia seguinte, espalhou-se a notícia de que havia caído abundante neve no monte Esquilino; Libério e Giovanni foram até lá e, constatando o prodígio, se colocaram de acordo para concretizar o que lhes foi ordenado no sonho. O papa fez o traçado do novo templo, que foi construído com os recursos de Giovanni: poucos anos depois, Libério o consagrou […]

Em frente à igreja se estende uma vasta praça, no centro da qual está a antiga coluna de mármore branco, retirada do templo da paz. No ano de 1614 o Papa Paulo V dotou-a de uma base e de um capitel, sobre o qual colocou a estátua de Nossa Senhora com o Menino Jesus [la statua della Madonna col Bambino]. A arquitetura da fachada é majestosa e é sustentada por grossas colunas de mármore que formam um espaçoso vestíbulo. No fundo deste foi colocada a estátua de Filipe IV, rei da Espanha, que fez muitas doações em favor desta igreja e quis ele mesmo ser inscrito entre os canônicos dela. O piso é de mosaico precioso trabalhado com mármores de vários tipos, todos de valor incalculável.

A capela à direita do altar-mor conserva a tumba de São Jerônimo, a manjedoura do Salvador [culla del Salvatore] e o altar do Papa Libério. O altar papal é coberto por preciosos mármores de porfírio e sustentado por quatro anjos de bronze dourado. Abaixo dele se abre a Confissão, que é uma capela dedicada a São Matias. Fomos visitá-la no dia da estação quaresmal, assim tivemos a sorte de encontrar exposto sobre um rico altar a cabeça de São Matias. Observando-a atentamente notamos a pele ainda presa à cabeça e que, também, ainda aparecem alguns cabelos presos ao venerado crânio.

A Virgem e a peste
Na capela à esquerda do altar pode-se observar uma pintura da Virgem atribuída a São Lucas [un dipinto della Vergine attribuito a san Luca], muito venerada pelo povo. A imagem sempre foi muito apreciada pelos papas. São Gregório Magno, na terrível peste de 590, a levou em procissão até o Vaticano. Era 25 de abril. Quando o cortejo chegou perto da Mole Adriana (torre Adriana, n.d.r.), foi visto um anjo que guardava a espada na bainha, indicando assim o término da peste. Em memória deste prodígio, a Mole Adriana foi chamada de Castel Sant’Angelo, e desde então a procissão se repete todo ano no dia de São Marcos Evangelista. Em Santa Maria Maggiore tudo é majestoso e grandioso; mas falar ou escrever sobre isso é insuficiente para descrevê-la com precisão. Quem a vê com seus próprios olhos fica maravilhado com tudo o que vê lá.

Hoje, Quarta-feira de Quaresma, aqui em Roma se jejua e isso significa que são proibidos não apenas os alimentos de carne, mas também qualquer sopa ou prato à base de ovos, manteiga ou leite. Óleo, água e sal são os temperos usados nestas Quartas-feiras. A prática é rigorosamente observada por todas as pessoas, de modo que nos mercados e nas lojas não se encontra carne, ovos ou manteiga naquele dia.

A lenda de São Galgano
À noite, a senhora De Maistre nos contou uma história digna de ser lembrada. Ela disse:
No ano passado veio aqui o Vigário Geral de Siena. Entre outras coisas que ele costumava contar havia uma sobre São Galgano, soldado. Esse santo morreu há séculos, e o seu corpo se conserva intacto. Mas a maravilha é que todo ano lhe cortam os cabelos, que crescem sensivelmente e voltam ao mesmo comprimento no ano seguinte. Um protestante, ouvindo sobre tal prodígio, começou a rir dizendo: – Deixa-me lacrar o caixão, e se os cabelos crescerem, eu reconheço o dedo de Deus no prodígio e me torno católico. A coisa chegou ao bispo, que disse: – Sim, logo! Colocarei os lacres episcopais para a autenticidade da relíquia. Que ele coloque os seus para assegurar-se do fato. Assim foi. Mas o protestante, impaciente para ver se o prodígio acontecia, depois de alguns meses pediu para abrir o caixão do santo. Mas, qual não foi sua surpresa quando viu os cabelos de São Galgano crescidos já em um considerável tamanho com a mesma proporção como se fosse vivo ainda?! Então exclamou: – Agora sou católico! De fato, no ano seguinte, no dia da festa do santo, ele, com sua família abjurou os erros de Calvino e de Lutero, e abraçou a religião católica, que agora professa exemplarmente.

Santa Pudenziana al Viminale
Das Quattro Fontane sobe-se ao Viminale, chamado assim pelos muitos vimes, ou seja, os juncos, que outrora o cobriam. Aos pés desta colina, na casa de Pudente, senador romano, hospedou-se São Pedro quando veio a Roma. O santo apóstolo converteu à fé seu anfitrião e transformou sua casa em igreja. São Pio I, por volta de 160, a pedido das virgens Pudenziana e Prassede, filhas do sobrinho do Senador Pudente, consagrou esta igreja, que […] posteriormente foi dedicada a Santa Pudenziana [dedicata a S. Pudenziana] porque ela ali havia habitado e foi ali que morreu. Muitos papas trabalharam na reestruturação deste lugar, que contém preciosos testemunhos da fé cristã. Merece especial atenção o poço de Santa Pudenziana. Acredita-se que ela tenha sepultado os corpos dos mártires neste poço. No fundo, pode-se notar uma grande quantidade de relíquias: a história diz que contém as relíquias de três mil mártires.

Ao lado do altar-mor há uma capela de forma alongada em cujo altar estão estátuas em mármore em que Jesus entrega as chaves a São Pedro. Acredita-se que o altar seja o mesmo sobre o qual São Pedro celebrou a missa, e sobre o qual, com grande consolação, eu também pude fazê-lo. Conservam-se vários pedaços de esponja, os mesmos que Pudenziana usava para recolher o sangue das chagas dos mártires ou da terra que estava impregnada dele.
Continuando à esquerda chega-se a uma capela onde se conserva o testemunho de um grande milagre. Enquanto celebrava a missa, um sacerdote caiu em dúvida sobre a possibilidade da presença real de Jesus na hóstia santa. Após a consagração, a hóstia lhe escapuliu das suas mãos e, caindo no chão, quicou primeiro em um degrau e depois em outro. Onde tocou pela primeira vez, o mármore ficou quase furado; também no segundo degrau formou-se uma cavidade muito profunda em forma de hóstia. Esses dois degraus de mármore são conservados naquele mesmo lugar, de modo bem seguro.

Santa Prassede
De Santa Pudenziana, subindo em direção ao Esquilino, a pouca distância de Santa Maria Maggiore, encontra-se a igreja de Santa Prassede [chiesa di S. Prassede]. Por volta do ano 162 d.C., sobre o local onde estavam as termas, ou seja, as casas de banho de Novato, São Pio I ergueu uma igreja em honra desta virgem, irmã de Novato, Pudenziana e Teotilo. O local serviu de refúgio para os antigos cristãos em tempos de perseguição. A Santa, que se esforçava para fornecer o que era necessário aos cristãos perseguidos, também se encarregava de recolher os corpos dos mártires, que depois sepultava, vertendo seu sangue no poço que está no meio da igreja. Ela é riquíssima em ornamentos e mármores preciosos, como quase todas as igrejas de Roma.

Há também a capela dos mártires Zenone e Valentino, cujos corpos, trazidos por São Pascoal I no ano 899, repousam sob o altar. Aqui se conserva também uma coluna de jaspe, alta cerca de três palmos, que um Cardeal chamado Colonna fez transportar da Terra Santa no ano 1223. Acredita-se que seja aquela à qual o Salvador foi atado durante a flagelação.

Celio
Do Esquilino, olhando para o oeste, vê-se a colina Celio. Antigamente, era chamada de Querchetulano pelas árvores de carvalho que a cobriam. Mais tarde, foi denominada Celio em homenagem a Cele Vilenna, capitão dos etruscos que vieram em socorro de Roma, e que Tarquínio Prisco acolheu nesta colina. A primeira coisa que se nota é o maior obelisco que se conhece. Ramsés, faraó do Egito, fez erguê-lo em Tebas, dedicando-o ao sol. Constantino, o Grande, mandou transportá-lo pelo Nilo até Alexandria, mas, tendo morrido, coube ao filho, Constâncio, levá-lo a Roma. Para a viagem, usou-se um navio de trezentos remos, e pelo rio Tibre foi conduzido à Urbe e colocado em um lugar chamado Circo Massimo. Aqui caiu, quebrando-se em três partes. O Papa Sisto V mandou restaurá-lo e erguê-lo na praça do Laterano no ano de 1588. O obelisco chega à altura de 153 pés romanos. É todo ornamentado com hieróglifos e coroado por uma alta cruz.

À direita da praça está o batistério de Constantino com a igreja de San Giovanni in Fonte [chiesa di S. Giovanni in Fonte]. Diz-se que foi construída por Constantino em ocasião do batismo que recebeu do pontífice São Silvestre no ano 324. Das duas capelas anexas, uma dedicada a São João Batista e a outra a São João Evangelista, recebeu o nome de igreja de San Giovanni in Fonte. O batistério, que é uma bacia de grande largura revestida de mármores preciosos, está no meio. A capelinha anexa, dedicada a São João Batista, acredita-se que fosse um cômodo de Constantino, transformada em oratório e dedicada ao santo Precursor pelo papa São Hilário.

San Giovanni in Laterano
Saindo do batistério e atravessando a vasta praça, encontra-se a basílica de San Giovanni in Laterano [basilica di S. Giovanni in Laterano]. Esta célebre construção é a primeira e principal igreja do mundo católico. Na fachada está escrito: Ecclesiarum Urbis et Orbis Mater et Caput (Mãe e Cabeça de todas as Igrejas de Roma e do Mundo). É a sede do Sumo Pontífice como bispo de Roma; após sua coroação, ele vem até aqui para, solenemente, tomar posse. Foi chamada também de Basílica Costantiniana, porque foi fundada por Constantino, o Grande. Depois foi chamada de Basílica Lateranense porque erguida onde estava o palácio de um certo Pláucio Laterano, assassinado por Nero; e também Basílica do Salvador, em decorrência de uma aparição do Salvador ocorrida durante a sua construção. Chamam-na ainda de Basílica Áurea pelos preciosos dons com que foi enriquecida, e Basílica de São João porque dedicada aos santos João Batista e Evangelista.

Foi Constantino, o Grande, quem a mandou construir perto de seu palácio, por volta do ano 324. Ampliada depois com novos edifícios, foi cedida ao santo Pontífice. Aqui habitaram os papas até a época de Gregório XI. Quando este trouxe a Santa Sé de Avinhão para Roma, transferiu sua residência para o Vaticano.
No ano de 1308 um terrível incêndio a destruiu, mas Clemente V, que então estava em Avinhão, imediatamente enviou seus agentes com grandes somas de dinheiro, e logo breve foi reconstruída. O pórtico é sustentado por vinte e quatro grossos pilares; ao fundo, está a estátua de Constantino encontrada em suas termas no Quirinale. A grande porta de bronze é de extraordinária altura. Ela foi retirada da igreja de Sant’Adriano in Campo Vaccino e trazida para cá. Constitui um raro exemplo de portas antigas chamadas Quadrifores, ou seja, construídas de modo que pudessem ser abertas em quatro partes, uma de cada vez, sem que nenhuma colocasse em perigo a estabilidade da outra. À direita, há uma porta murada que se abre apenas no ano do jubileu e, por isso, é chamada de Porta Santa.

Seu interior tem cinco naves. O comprimento, a altura, a preciosidade dos pavimentos, das esculturas e das pinturas são coisas que chamam a atenção. Deveria-se escrever grossos volumes para falar dignamente sobre isso. As relíquias mais insignes desta igreja são a cabeça dos dois príncipes dos Apóstolos, Pedro e Paulo. Elas estão sob o altar-mor e ficam dentro de uma outra cabeça de ouro. Há também uma relíquia insigne de São Pancrazio, mártir, e guarda-se uma mesa que se acredita ser a mesma sobre a qual Jesus celebrou a sagrada ceia com seus Apóstolos.

Saindo da igreja pela porta principal e atravessando a praça, encontra-se a Escada Santa [Scala Santa], um edifício que o Papa Sisto V mandou erguer para guardar a escada, que antes estava em pedaços no antigo palácio papal do Laterano. Ela é formada por vinte e oito degraus de mármore branco que eram do pretório de Pilatos, em Jerusalém, que Jesus subiu e desceu várias vezes durante sua paixão. Santa Helena, mãe de Constantino, os enviou a Roma junto com muitas outras coisas santificadas pelo sangue de Jesus Cristo. Esta célebre escadaria é mantida em grande veneração e, por isso, sobe-se de joelhos; e desce-se por uma das quatro escadas laterais. Esses degraus se afundaram pelo grande afluxo de cristãos que os subiram, por isso foram cobertos com tábuas de madeira. O próprio Sisto V fez colocar no alto da escada a célebre capela doméstica dos Papas, que está repleta das mais insignes relíquias, e que, por isso, é chamada de Sancta Sanctorum.

Cidade do Vaticano. A construção
A colina do Vaticano [colle Vaticano] contém o que existe de mais excelente nas artes e de memorável na religião; por isso, faremos um relato um pouco mais preciso. Foi chamada Vaticano, de Vagitanus, uma divindade que acreditavam que acompanhava o choro dos recém-nascidos. De fato, a primeira sílaba Uà (“va”, n.d.r.) da qual é composta a palavra é também o primeiro grito das crianças. A colina ficou conhecida quando Calígula construiu nela um circo, que depois ficou conhecido como circo de Nero. Calígula, para passar da margem esquerda para a direita do Tibre, construiu a ponte do Vaticano, também chamada de Triunfal, que agora, porém, não existe mais. O circo de Nero começava onde hoje está a igreja de Santa Marta e se estendia até as escadas da antiga basílica vaticana. Neste circo foi enterrado o corpo do Príncipe dos Apóstolos [corpo del Principe degli Apostoli] .[…].

Ali também foram enterrados os ossos de outros Papas, incluindo Lino, Cleto, Anacleto, Evaristo e outros mais. A Memória de São Pedro, ou seja, a capela construída sobre o túmulo dele, durou até os tempos de Constantino que, por desejo de São Silvestre, por volta de 319, começou a construção de uma igreja em honra do Apóstolo. Ela foi erguida exatamente em torno daquela capela, utilizando material retirado de edifícios públicos. A construção foi chamada de Basílica Constantiniana, e naqueles tempos era considerada uma das mais célebres da cristandade. No meio daquela igreja, feita em forma de cruz latina, havia o altar dedicado a São Pedro, sob o qual estava sepultado seu corpo, protegido por grades; desde então aquele lugar era chamado de Confissão de São Pedro. Terminada a construção e dotada de ricos adornos, o Papa Silvestre a consagrou em 18 de novembro de 324. […]. Os pontífices que vieram depois a embelezaram e a ampliaram. Por onze séculos foi objeto de devoção e admiração dos cristãos que se dirigiam a Roma.

No século XV, começou a ruir, por isso Nicolau V pensou em renová-la, mas teve apenas o mérito de iniciar os trabalhos, pois com a sua morte se suspendeu tudo. Júlio II retomou a construção, mudando o nome dela de Basílica Constantiniana para São Pedro no Vaticano, e colocou a primeira pedra em 18 de abril de 1506. Os arquitetos foram Bramante, depois Fra Giocondo Domenico e Raffaello Sanzio. E além deles, também trabalharam os mais célebres arquitetos e os mais sublimes gênios da época.

A grande praça
 […] Diante da basílica se abre uma vasta praça cuja extensão supera meio quilômetro. Ela é formada por 284 colunas e 64 pilares que, dispostos em semicírculo de ambos os lados em quatro fileiras, formam três corredores, dos quais o mais amplo, o central, pode permitir a passagem de duas carruagens. Sobre a colunata sobressaem 96 estátuas de santos, em mármore, com cerca de 10 pés de altura. No centro, ergue-se o obelisco egípcio. Ele é formado por um só bloco e é o único que permaneceu inteiro. Mede 126 pés de altura, incluindo a cruz e o pedestal. Não possui hieróglifos. Nuccoreo, rei do Egito, o havia erguido em Heliópolis, de onde foi retirado e trazido a Roma por Calígula no 3º ano de seu império. Foi colocado no circo construído ao pé da colina do Vaticano, como demonstram os dizeres que podem ser lidos. Este circo foi chamado de Nero porque foi muito frequentado por ele; aqui, aquele cruel imperador fez um massacre de cristãos, acusando-os de serem os autores do incêndio de Roma, que ele mesmo havia provocado.

Em 1818 foi construída uma meridiana na praça. Foram desenhados no chão os doze signos do zodíaco. O obelisco servia como ponteiro e com sua sombra indicava as estações do sol. Ao redor, foram escritos os nomes dos ventos na direção em que sopra cada um deles. Dos lados, duas fontes iguais jorram perpetuamente água de um grupo de jatos que se elevam até sessenta pés. A rainha da Escócia, recebida com pompa neste lugar, olhou com espanto para as duas fontes, pensando que haviam sido feitas especialmente para sua recepção. Não, disse um senhor que estava ao seu lado, esses jatos são perenes.

Visita a São Pedro
Caminhando em direção à fachada da basílica, chega-se a uma magnífica escadaria ladeada por duas estátuas, uma de São Pedro e a outra de São Paulo, colocadas ali pelo Papa Pio IX. Subindo as escadas, está-se diante da fachada que tem esta inscrição: Em honra do Príncipe dos Apóstolos, Paulo V, Pontífice Máximo, no ano de 1612, 7º de seu pontificado. Acima do pórtico se estende o grande Balcão das bênçãos. A fachada é majestosa e imponente. O pórtico é todo adornado com mármores, pinturas em mosaico e outros trabalhos elegantes. No fundo do vestíbulo, à direita, pode-se observar a belíssima estátua equestre de Constantino em ato de contemplar a prodigiosa cruz que lhe apareceu no céu antes da batalha final com Massenzio.

Do pórtico entra-se na basílica através de quatro portas, das quais a última à direita só se abre no ano santo. A porta maior é de bronze, muito alta, e são necessárias muitas e fortes mãos para abri-la. O interior apresenta-se em cinco naves além da cruz que termina com a tribuna. A curiosidade e a surpresa nos levaram ao meio da nave maior. Aqui paramos para admirar e refletir, sem pronunciar palavra. Pareceu-nos ver a Jerusalém celeste. O comprimento da basílica é de 837 palmos, sua largura de 607. É o maior templo de toda a cristandade. Depois de São Pedro, o maior é o de São Paulo em Londres. Se à igreja de São Paulo acrescentarmos a do nosso Oratório, forma-se o comprimento exato da de São Pedro.

Depois de estarmos por algum tempo imóveis, procuramos a pia de água benta. Avistamos dois anjos no primeiro pilar da basílica, à primeira vista muito pequenos, que seguravam uma espécie de concha. Ficamos maravilhados que uma igreja tão vasta tivesse uma pia de água benta tão pequena. Mas nossa maravilha se transformou em surpresa quando vimos os anjos se tornavam cada vez maiores à medida que nos aproximávamos deles. A concha tornou-se um recipiente de cerca de seis pés de circunferência, e os anjos ao lado nos mostravam suas mãos com dedos do tamanho de nosso braço. Isso demonstra que as proporções deste maravilhoso edifício são tão bem reguladas que tornam menos perceptível a amplitude, a qual, no entanto, se nota cada vez melhor ao examinar cada detalhe. Ao redor dos pilares da nave maior estão as estátuas dos fundadores das ordens religiosas, esculpidas em mármore.

No último pilar, à direita, está colocada a estátua de São Pedro, em bronze, venerada com grande reverência. Foi feita fundir por São Leão Magno com o bronze da estátua de Júpiter Capitolino. Ela recorda a paz que aquele Pontífice obteve de Átila, que estava enfurecido contra a Itália. O pé direito que se projeta para fora do pedestal está consumido pelos lábios dos fiéis que nunca passam diante dele sem beijá-lo com respeito. Enquanto estávamos admirando a estátua, passou o embaixador austríaco em Roma, que se curvou diante do príncipe dos Apóstolos e beijou seu pé.

Naves e capelas
Passamos agora a dizer alguma coisa sobre as naves menores e as capelas que lá se encontram. Na nave da direita encontramos, primeiro, a capela da Pietà. Além de magníficos mosaicos e das estátuas que a adornam, admira-se sobre o altar a célebre estátua esculpida por Michelangelo Buonarroti, em mármore branco, quando ele tinha apenas vinte e quatro anos de idade. Talvez seja a escultura mais bela do mundo. O mesmo Buonarroti se agradou tanto dela deixou a sua assinatura na faixa sobre o peito de Maria.

À esquerda da capela da Pietà está a capela interna dedicada ao Crucifixo e a São Nicolau. Daqui se entra na chamada Capelinha da Coluna Santa, onde se conserva, protegida por uma grade de ferro, uma das colunas em espiral que estavam antigamente diante do altar da Confissão de São Pedro. Esta é a coluna à qual Jesus Cristo se apoiou quando pregou no templo de Salomão. Admira-se com maravilha que a parte tocada pelos sagrados ombros do Salvador nunca está suja de poeira, e por isso não é necessário que seja limpa como o resto.

Após a capela da Pietà está o monumento fúnebre de Leão XII, feito por Gregório XVI. O Pontífice é retratado enquanto abençoa o povo do Balcão (Loggia, n.d.r.) acima do pórtico; ao redor vê-se as cabeças dos Cardeais que participavam da cerimônia. Em frente a este jazigo está o de Cristina Alessandra, rainha da Suécia, morta em Roma no dia 19 de abril de 1689. Esta, protestante, convencida da pouca consistência de sua religião, fez-se instruir no catolicismo e fez a solene abjuração em Ispruch em 3 de novembro de 1655. Vários baixos-relevos que adornam o túmulo representam o acontecimento.

Depois está a capela de São Sebastião, também essa rica em pinturas e mármores. Saindo à direita, encontra-se o túmulo de Inocêncio XII, dos Pignatelli de Nápoles. Em frente, está a sepultura da famosa condessa Matilde, ilustre benfeitora da Igreja e defensora da autoridade pontifícia. Urbano VIII transferir para cá as cinzas dela, retirando-as do mosteiro de São Bento em Mantova. Ela foi a primeira das ilustres mulheres que mereceram uma sepultura na basílica Vaticana. A condessa é representada em pé; a sepultura é ornada por um baixo-relevo que retrata a absolvição concedida por Gregório VII a Henrique IV, imperador da Alemanha, a pedido de Matilde e de outros personagens, em 25 de janeiro de 1077, na fortaleza de Canossa.

Chega-se assim à capela do Sacramento, rica em mármores e mosaicos. Ao lado do altar, uma escada leva ao palácio pontifício. Este altar é dedicado a São Maurício e companheiros mártires, patronos principais do Piemonte. As duas colunas em espiral de um só bloco que ornamentam o altar são duas das doze que se acredita terem sido trazidas a Roma do antigo templo de Salomão. No chão diante do altar, pode ser visto a sepultura em bronze de Sisto IV, Della Rovere. Ele foi executado por ordem de Júlio II, seu sobrinho, e representa as virtudes e a ciência próprias do falecido. Nele estão contidas as cinzas dos dois papas.

Ao sair da capela, à direita está a sepultura de Gregório XIII, Buoncompagni. O adornam duas estátuas: a Religião e a Fortaleza; ao centro, um grande baixo-relevo representa a reforma do calendário, por isso chamada Gregoriana. Aqui estão retratados uma grande quantidade de personagens ilustres que participaram daquela obra, todos em ato de reverenciar o Pontífice. Em frente, dentro de uma urna de estuque, repousam os ossos de Gregório XIV, da família Sfrondato. Aqui termina a nave menor e se entra na cruz grega segundo o desenho do Buonarroti.

Saindo da nave, à direita encontra-se a Capela Gregoriana. Acima do altar é venerada uma antiga imagem de Nossa Senhora dos tempos de Pascoal II. Abaixo repousa o corpo de São Gregório Nazianzeno, transferido por ordem de Gregório XIII da igreja das monjas de Campo Marzio. Prosseguindo o caminho chega-se ao monumento fúnebre de Bento XIV, Lambertini, erguido pelos cardeais que foram criados por ele. Nos dois lados da sepultura erguem-se duas magníficas estátuas que representam o Desinteresse e a Sabedoria, as duas virtudes mais luminosas deste papa. A estátua do Pontífice, em pé, abençoa o povo com gesto majestoso. Este trabalho é tão bem executado que basta olhar para o Papa para reconhecer a sua grandeza e a altivez de sua alma. Em frente está o altar de São Basílio Magno, e sobre ele um precioso quadro em mosaico do imperador Valente desmaiado na presença do Santo, enquanto o observava celebrar a missa.

Chega-se então à tribuna. O primeiro altar à direita é dedicado a São Venceslau, mártir, rei da Boêmia; o do meio é consagrado aos santos Processo e Martiniano, guardas do cárcere Mamertino, convertidos à fé por São Pedro, quando o Apóstolo estava preso. Desses santos toma nome o complexo; seus corpos repousam sob o altar. Três preciosos baixos-relevos representam São Pedro na prisão, libertado pelo Anjo (o do meio), São Paulo pregando no Areópago (o da direita), o terceiro os santos Paulo e Barnabé, considerados divindades pelos habitantes de Listra.
Encontra-se então a sepultura de Clemente XIII, Rezzonico, escultura de Antonio Canova. É uma obra-prima. O quadro do altar que fica em frente ao monumento retrata São Pedro em perigo de afundar, sustentado pelo Redentor. Mais adiante está o altar de São Miguel, depois o de Santa Petronila, filha de São Pedro. Esta santa é representada em um mosaico que narra a exumação de seu cadáver para mostrá-lo a Flaco, nobre romano, que a havia pedido em casamento. Na parte superior é retratada a alma dela que, através de suas orações conseguiu morrer virgem, e é acolhida por Jesus Cristo. Mais adiante, vê-se o sarcófago de Clemente X, Altieri: o baixo-relevo representa a abertura da porta santa no Jubileu de 1675. O altar é coroado pelo quadro de São Pedro que, às orações de uma multidão de pedintes, ressuscita a viúva Tabita.

Através de dois degraus de pórfiro, que faziam parte do altar-mor da antiga basílica, se sobre ao Altar da Cátedra. Um surpreendente grupo de quatro estátuas de metal sustenta a sede pontifical. As duas da frente representam dois padres latinos, Ambrósio e Agostinho; as duas de trás, os padres gregos, Atanásio e João Crisóstomo. O peso desses grupos totaliza 219.161 libras de metal. A cadeira em bronze reveste, como preciosa relíquia, a de madeira entalhada com vários baixos-relevos de marfim. Esta cadeira é a do senador Pudente que serviu o Apóstolo Pedro e muitos outros papas depois dele.

Acima do altar da Cátedra, como segundo plano está representado, em tela, o Espírito Santo entre vidros coloridos e radiantes, de modo que, a quem o olha, parece ver uma estrela de ouro resplandecente. Abaixo, à esquerda de quem olha, está o magnífico sepulcro de Paulo III, Farnese, monumento muito precioso por suas esculturas. A estátua do Pontífice sentado sobre a urna é de bronze, as outras duas estátuas, de mármore, e representam a Prudência e a Justiça. Em frente, está a sepultura do Papa Urbano VIII, cuja estátua é de bronze. A Justiça e a Caridade estão aos seus lados, esculpidas em mármore branco. Sobre a urna vê-se a imagem da morte em ato de escrever, em um livro, o nome do Pontífice. Aqui interrompemos a visita: estávamos cansados, a visita durou das onze da manhã às cinco da tarde.

Roma. Santa Maria della Vittoria
Do Quirinale, olhando para o sul, vê-se a via de Porta Pia, assim chamada pelo Papa Pio IV, que para embelezá-la executou não poucas obras. Ao longo desta estrada, perto da fonte Acqua Felice, ergue-se à esquerda a igreja de S. Maria della Vittoria, edificada por Paulo V em 1605 e assim chamada por causa de uma imagem milagrosa de Nossa Senhora levada para lá pelo P. Domenico, dos Carmelitas Descalços. A esta imagem, ou melhor, à proteção de Maria, Maximiliano, duque da Baviera, deve a grande vitória obtida em poucos dias contra os protestantes, que com um exército numerosíssimo haviam colocado o reino da Áustria de pernas para o ar. A prodigiosa imagem se conserva sobre o altar maior. Nas suas bordas estão penduradas as bandeiras tiradas dos inimigos: um glorioso monumento à proteção de Maria.

Em memória da libertação de Viena, foi instituída a festa do Nome de Maria, que é celebrada por toda a cristandade no domingo entre a oitava do nascimento de Maria. Aconteceu no dia 12 de setembro de 1683, sob o pontificado de Inocêncio XI. Nesta mesma igreja, celebra-se uma especial solenidade no segundo Domingo de novembro, recordando a famosa vitória obtida pelos cristãos contra os turcos, em Lepanto, no dia 7 de outubro de 1571, sob Pio V. Também algumas bandeiras tiradas dos turcos estão penduradas como troféus nos beirais desta igreja.
Diante de Santa Maria della Vittoria encontra-se a fontana di Termini, chamada fonte de Moisés, porque em um nicho está esculpida a estátua de Moisés que, com a vara na mão, faz jorrar água da pedra. É também chamada de Acqua Felice, em homenagem ao Frei Felice, que é o nome de Sisto V quando estava no convento.

A ilha Tiberina [L’isola Tiberina]À tarde, decidimos ir com o Conde De Maistre visitar a grande obra de São Miguel do outro lado do Tibre. Portanto, tivemos que atravessar o rio na altura de uma ilhota chamada Tiberina ou também Licaonia, em homenagem a um templo dedicado a Júpiter Licão. Esta ilha teve origem assim. Quando Tarquínio foi expulso de Roma, o Tibre estava quase sem água, deixando expostos alguns bancos de areia. Os romanos, movidos por ódio contra este rei, foram aos seus campos, cortaram o trigo e outros cereais que estavam próximos da maturação, e jogaram tudo no Tibre. A palha dos cereais se misturou com aquela areia e, uma vez se misturando com a lama do rio, se consolidou a tal ponto que pôde ser cultivada e habitada. Nesta ilha, os pagãos ergueram um templo em honra de Esculápio; mas, em 973, o corpo de São Bartolomeu foi transferido para o templo, e hoje repousa na urna sob o altar-mor.

Passado o Tibre e continuando em direção a São Miguel, encontra-se à direita a igreja de Santa Cecília [chiesa di S. Cecilia], edificada no local onde era sua casa. Urbano I, por volta da metade do terceiro século, a consagrou, e São Gregório Magno a enriqueceu com muitos objetos preciosos. Ao entrar, à direita, está a capela onde era o banheiro de Santa Cecília, no qual se diz que ela recebeu o golpe mortal. O altar-mor, protegido por uma grade de ferro, guarda o corpo da santa. Acima da urna foi esculpida uma comovente estátua em mármore, que a representa deitada e vestida como foi encontrada na sua sepultura.

Chegando ao Refúgio São Miguel, tivemos uma audiência com o Cardeal Tosti, que nos contou vários episódios que lhe aconteceram na época da república. Ele também foi forçado a viver por um tempo longe do refúgio para não ser vitimado por algum atentado. Entre as várias coisas roubadas deste pio purpurado, naquela triste circunstância, estão três caixas de tabaco muito preciosas, seja pela antiguidade seja pela procedência. Levadas aos membros do triunvirato, Mazzini pensou em ficar com uma para si e presentear as outras duas a seus companheiros. Mas eles não se atreveram a ficar com elas. Mazzini resolveu tudo e graciosamente colocou as três no bolso!

Campidoglio
Ao longo do trajeto de volta, a meio caminho se ergue a colina mais alta de Roma, o Campidoglio, assim chamado de caput Toli, cabeça de Tolo, que foi encontrado enquanto Tarquínio, o Soberbo, fazia aplainar o cume para construir nele uma fortaleza. Subimos uma longa escadaria, cuja extremidade se elevam duas estátuas colossais representando Castor e Pólux. O plano que forma a praça era antigamente chamado inter duos lucos, porque ficava entre os bosques que cobriam os dois picos. Aqui Rômulo havia criado um abrigo para os povos vizinhos que quisessem refugiar-se. O Campidoglio de hoje não tem mais a imponência bélica, mas é uma praça majestosa contornada por palácios que abrigam museus, e onde se tratam os assuntos municipais. Em uma parte desta praça existia o templo de Júpiter Ferétrio, assim chamado pelas armas dos vencidos que os vencedores iam pendurar no altar daquele templo.

No meio da praça se ergue a famosa estátua equestre de Marco Aurélio num gesto de pacificador. Ela é a mais bela entre as mais antigas estátuas de bronze que se conservaram intactas. Uma parte dos grandes edifícios que cercam a praça constitui o palácio senatorial, fundado por Bonifácio IX em 1390 sobre o mesmo terreno onde estava o antigo senado dos romanos. Ao lado encontra-se a fonte Acqua Felice, que é adornada por duas estátuas deitadas do Nilo e do Tibre. Daqui, através de uma pequena escada, chega-se à torre do Campidoglio, erguida em forma de campanário no mesmo lugar onde, antigamente, se montavam os observadores para admirar Roma e controlar os inimigos que tentassem se aproximar da cidade. […].
Na parte mais elevada, em direção ao oriente, havia o templo de Júpiter Capitolino, que era chamado de Júpiter ÓtimoMáximo, e havia sido erguido por Tarquínio, o Soberbo, sobre as fundações preparadas por Tarquínio Prisco, que havia feito voto durante a guerra contra os sabinos. Justamente enquanto se fazia a escavação foi encontrado o caput Toli.

Santa Maria in Aracoeli
Onde era o templo de Júpiter Capitolino agora está a majestosa igreja de Santa Maria in Aracoeli [maestosa chiesa di Santa Maria in Aracoeli], edificada no século VI da era cristã. Por algum tempo foi chamada de Santa Maria in Campidoglio, pelo lugar onde se erguia. Foi então chamada Aracoeli pelo seguinte fato. Tendo um raio atingido o Campidoglio, Otaviano Augusto, temendo alguma desgraça, mandou interrogar o oráculo de Delfos. […]. Por este fato, e por algumas ditas das Sibilas, que diziam respeito ao nascimento do Salvador, Augusto fez erguer um altar intitulado: Ara primogeniti Dei, altar do primogênito de Deus. Daí derivou o nome de Santa Maria in Aracoeli, depois que no local foi erguida uma igreja em honra da Mãe de Deus. O interior tem três naves divididas por 22 colunas de mármore que já foram do templo de Júpiter Ferétrio. O altar-mor é digno de especial observação, porque sobre ele se venera uma imagem de Maria, que se pensa ser de São Lucas. Esta, nos tempos de São Gregório Magno, foi levada processionalmente por Roma para obter a libertação da peste. O fato é representado em uma pintura no pilar ao lado do altar. Na interseção da cruz está a capela de Santa Helena, onde foi erguida a Ara Primogeniti. A mesa do altar é uma grande urna de porfírio, dentro da qual foram depositados os corpos de Santa Helena, mãe de Constantino, e dos santos Abundância e Abundâncio.

Em uma sala próxima à sacristia se conserva uma efígie milagrosa do Menino Jesus. As faixas que o revestem são enriquecidas com pedras preciosas. Ela é exposta em veneração durante as festas de Natal, em um belo presépio que é feito em uma capela da igreja. Junto do Menino estão também as figuras de Augusto e da Sibila, lembrando a tradição que afirma que a Sibila Cumaea previu o nascimento do Salvador e, por isso, Augusto erigiu um altar.

Saindo de Aracoeli e indo em direção à parte ocidental do Campidoglio encontra-se a rocha Tarpeia que ocupava a parte voltada para o Tibre, e assim chamada por causa da Virgem Tarpeia, que foi morta traiçoeiramente na guerra dos sabinos. Os traidores da pátria eram jogados do alto desta rocha. Aqui foram martirizados muitos cristãos que, em ódio à fé, foram jogados para baixo. Ali perto estava a Cúria e a cabana de Rômulo, onde, diz-se, ele aguardou o responso dos abutres. […].

Descendo, um pouco mais abaixo está o templo da Concordia [tempio della Concordia], construído por Camilo no ano 387 de Roma. […]. Perto deste templo, na parte esquerda de quem desce, estava o de Júpiter Tonante, do qual restam três colunas de mármore. Foi erguido por Augusto no penhasco capitolino e dedicado a Júpiter, em agradecimento por ter escapado ao raio que matou o servo que o precedia.

Carcere Mamertino
Na manhã de 2 de março, junto com a família De Maistre, fomos visitar o carcere Mamertino, que está aos pés do Campidoglio, na sua parte ocidental. Esta prisão é assim chamada de Mamerto ou Anco Március, quarto rei de Roma, que a fez construir para espalhar terror na plebe, e assim impedir os furtos e os assassinatos. Sérvio Túlio, sexto rei de Roma, acrescentou sob este outro cárcere, que foi chamado Tulliano. Ele tem dois subterrâneos, que na abóbada tem uma abertura onde mal passava um homem. Através desta se desciam com uma corda os condenados. […].

Aqui brota uma fonte de água que se diz ter sido milagrosamente feita jorrar por São Pedro quando, junto com São Paulo, estava preso ali. O príncipe dos Apóstolos usou desta água para batizar os santos Processo e Martiniano, guardiões da prisão, junto com outros 47 companheiros, todos martirizados. Esta água tem aspectos milagrosos. Seu gosto é natural. Nunca aumenta e nunca diminui de volume, qualquer que seja a quantidade que se retire dela. Dois senhores ingleses, quase para zombar dos católicos, quiseram tentar esvaziar a pequena fonte da água, que se assemelha a um recipiente de pequenas dimensões. Eles se cansaram, assim como seus amigos, mas a água permaneceu sempre no mesmo nível. Contam-se muitas curas milagrosas obtidas pelo seu uso. Ao lado da fonte está colocada uma coluna de pedra à qual foram atados os dois príncipes dos Apóstolos. Ao lado da coluna está localizado um altar pequeno e baixo onde, com grande consolação, celebrei a missa, à qual participaram a família De Maistre e outras pessoas piedosas. Acima do altar, um baixo-relevo representa Paulo pregando e Pedro batizando os guardas. […].

Em um canto do primeiro andar da prisão nota-se na parede a impressão de um rosto humano. Diz-se que São Pedro recebeu um forte tapa de um bandido, de modo que batendo com o rosto na parede deixou impresso seu rosto, que milagrosamente se conservou. Acima desta figura está esculpida esta antiga inscrição: “Nesta pedra Pedro bateu a cabeça, golpeado por um bandido, e o prodígio permanece”. Acima desta prisão foi edificada uma igreja, e sobre esta ainda outra, dedicada a São José. Aqui é a sede da confraria dos carpinteiros. Os membros se reúnem nos dias festivos, assistem às funções sagradas e providenciam o que é necessário para a manutenção da igreja e para a limpeza do cárcere. Antigamente, para chegar à entrada da prisão, descia-se por uma escada da qual no seu final estava a abertura por onde eram precipitados os condenados. Aquelas escadas foram chamadas Gemonie por causa dos gemidos dos condenados. […].

Cidade do Vaticano. Devoções jubilares
O dia 3 de março estava reservado para visitar São Pedro. Partindo às seis e meia de casa, com um frescor que alegrava a vida e tornava céleres nossos passos, tomamos a direção da colina vaticana. Chegando à Ponte Elio ou Ponte Sant’Angelo, sobre a qual se passa atravessando o Tibre, recitamos o Credo. Os Pontífices concedem cinquenta dias de indulgência àqueles que recitam o Símbolo dos Apóstolos enquanto passam sobre esta ponte. É chamada Elio por causa de Elio Adriano, que a construiu. Mas também é chamado de ponte Sant’Angelo da Castel Sant’Angelo, que é o primeiro edifício que se encontra na margem oposta.

Diremos algo sobre este castelo. O imperador Adriano quis erguer uma grande sepultura na margem direita do Tibre. Por sua largura, comprimento e altura, chamaram-no de Mole Adriana. Quando o imperador Teodósio fez retirar as colunas do mausoléu de Adriano para dotar a basílica de São Paulo, esta construção ficou sem a metade superior e sem colunas. No ano 537, as tropas de Belisário atacaram os godos para afastá-los de Roma, e então quase todos os restos daquele mausoléu foram reduzidos a pedaços. No século X foi chamado Castro e Torre de Crescencio por um certo Cescenzo Nomentano, que se apoderou dele e o fortificou. Pouco depois, a história lhe deu o nome de Castel Sant’Angelo, derivando talvez de uma igreja dedicada ao anjo Miguel. […]. Mas a opinião mais provável permanece aquela que narra de uma procissão de São Gregório Magno para obter da Virgem a libertação da peste: naquela ocasião apareceu no alto da Mole um anjo que recolocava a espada na bainha, sinal de que o flagelo estava prestes a cessar. Então, Castel Sant’Angelo foi reduzido a uma fortaleza e é a única de Roma.

Continuando nosso caminho, chegamos à grande praça de São Pedro. Passando diante do obelisco, tiramos o chapéu, porque os Papas concederam cinquenta dias de indulgência a quem faz reverência ou descobre a cabeça ao passar perto daquele obelisco, sobre o qual foi colocada uma cruz que contém um pedaço da Santa Cruz de Jesus.
Eis-nos, então, de volta à Basílica Vaticana. Já havíamos visitado a metade e mais a tribuna, que forma como o coro do altar papal, localizado no meio da interseção da cruz, em frente à cátedra de Pedro. Este coro foi feito por Clemente VIII e foi por ele consagrado no ano de 1594: abriga o altar já edificado por São Silvestre. Sendo o altar papal, nele celebra apenas o Papa, e quando algum outro deseja usá-lo, é necessário um “Breve” apostólico. Nos quatro lados se erguem quatro grandes colunas em espiral que sustentam um baldaquino ornamentado com frisos, todo de bronze. A altura deste baldaquino do piso do chão iguala a dos mais altos prédios de Turim.

A tumba de Pedro: curiosidades de um santo
Diante do altar papal, através de uma escada dupla de mármore, desce-se ao nível da Confissão. Na extremidade das escadas estão colocadas duas colunas de alabastro de Orte, um material bastante raro, transparente como diamante. Cento e doze lâmpadas ardem continuamente ao redor do venerando lugar. No fundo, abre-se um nicho formado no antigo oratório erguido por São Silvestre, onde São Anacleto “ergueu uma memória a São Pedro”. Aqui repousa o corpo do Príncipe dos Apóstolos. Nas paredes laterais abrem-se duas portas munidas de um portão de ferro, de onde se passa para as sagradas grutas. Bem em frente ao nicho, no dia 28 de novembro de 1822, foi colocada a estátua em mármore de Pio VI, que, de joelhos, está em fervorosa oração. Esta é uma das mais belas obras de Antonio Canova. Pio VI costumava, durante o dia e às vezes até à noite, ir até o túmulo de São Pedro para rezar. Em vida, mostrou o vivo desejo de ser sepultado ali e, ao morrer, quis que seu desejo fosse atendido. Mas, após uma escavação de pouca profundidade, foi descoberta uma sepultura sobre a qual estava escrito: Linus episcopus. Imediatamente, tudo foi colocado em ordem, e o Pontífice foi sepultado em outro canto da igreja. No lugar escolhido, em vez do corpo, foi colocada a estátua da qual falamos. Nós vimos e tocamos com as mãos o que há aqui de precioso, mas não pudemos ver o corpo do primeiro papa, porque há séculos o sepulcro não foi mais aberto, por temor de que alguém tentasse quebrar alguma relíquia.

Acima deste túmulo foi erguido um rico altar: aqui tive a consolação de celebrar a santa missa. Este altar, com uma pequena capela anexa, recebe luz de algumas claraboias cobertos com grades de metal. Durante a construção da basílica, ocorreu um fato prodigioso, relatado por uma testemunha ocular. Antes que o teto fosse terminado, caíram chuvas tão impetuosas que as águas inundaram o piso da basílica até um palmo de altura. Apesar de tanta abundância, a água não ousou se aproximar do altar da Confissão, e nem desceu no oratório inferior através das três claraboias mencionadas, porque, chegando perto, parou, permanecendo suspensa, de modo que nem uma gota chegou a molhar aquele santuário. Depois de observar cada objeto, olhar cada canto, as paredes, os tetos, o piso, perguntamos se não havia mais nada para ver.
– Nada mais, nos responderam.
– Mas o túmulo do santo apóstolo, onde está?
– Aqui embaixo. Está situado no mesmo lugar que ocupava quando a antiga basílica estava de pé […].
– Mas gostaríamos de vê-lo.
– Não é possível […].
– Mas o papa disse que poderíamos ver tudo. Se ao estar com ele novamente e ele nos perguntar se vimos tudo, eu ficaria triste por não poder responder afirmativamente.
O monsenhor [que nos acompanhava] mandou buscar algumas chaves e abriu uma espécie de armário. Aqui se abria uma cavidade que descia ao subterrâneo. Estava tudo escuro.
– Está satisfeito? Disse-me o monsenhor.
– Ainda não, gostaria de ver.
– E como quer fazer?
– Mande buscar uma vara e uma tocha. Trouxeram a vara e a tocha, que se apagou imediatamente ao ser descida naquele ar sem oxigênio. E a tocha não chegava até o fundo. Então foi trazida uma outra vara, que tinha na extremidade um gancho de ferro. Com ela se conseguiu tocar a tampa do túmulo de São Pedro. Estava a sete/oito metros de profundidade. Batendo levemente, o som que chegava até nós indicava que o gancho estava tocando ora no ferro, ora no mármore. E isso confirmava o que haviam escrito os antigos historiadores.

Seria necessário um volume para descrever as coisas vistas. O que existia na basílica constantiniana se conserva em lápides laterais, ou nos pisos ou nos tetos dos subterrâneos. Destaco apenas uma coisa, a imagem de Santa Maria della Bocciata, muito antiga, colocada em um altar subterrâneo. O nome deriva do seguinte fato. Um jovem, por desprezo ou, talvez, inadvertidamente, atingiu um olho da figura de Maria com uma bola. Ocorreu um grande prodígio. Sangue brotou da fronte e do olho que, ainda vermelho, se vê sobre as bochechas da imagem. Duas gotas espirraram lateralmente sobre a pedra que é zelosamente protegida atrás de dois portões de ferro.

Altares, capelas, sepulturas
Acima do altar papal e do túmulo de São Pedro se ergue a imensa cúpula que encanta quem a observa. Quatro grandes pilares a sustentam: cada um deles tem cento e cinquenta passos, cerca de vinte e cinco trabucos (70,85 m, n.d.r.), de circuito. Em tudo ao redor daquela alta cúpula há elegantes trabalhos em mosaico executados pelos mais célebres autores. Nos pilares estão esculpidos quatro nichos chamados Galeria das Relíquias, que são a Sagrada Face da Verônica, um pedaço da Santa Cruz, a Lança Sagrada e o crânio de Santo André. Entre estas é célebre a relíquia da Sagrada Face, que se crê ser aquele pano do qual se serviu o Divino Salvador para enxugar o rosto pingando sangue. Ele deixou a sua face impressa nele, que o deu a Santa Verônica, enquanto em lágrimas o acompanhava Calvário. Pessoas dignas de fé contam que esta Sagrada Face, em 1849, suou sangue mais vezes, aliás, mudou de cor, a ponto de variar as primeiras feições. Esses fatos foram escritos, e os cônegos de São Pedro o testemunham.

Partindo do altar papal e prosseguindo em direção à parte meridional encontra-se o sepulcro de Alexandre VIII, dos Ottobuoni. Foi erguido pelo sobrinho, o Cardeal Pietro Ottobuoni. A estátua do Papa sentado no trono é de metal. Duas estátuas em mármore estão nos dois lados, representando a Religião e a Prudência. A urna é coberta pelo baixo-relevo da canonização de Lorenzo Giustiniani, Giovanni da Capistrano, Giovanni de San Facondo, Giovanni di Dio e Pasquale Bajlon, feita por Alexandre VIII em 1690. Ao lado se ergue o altar de São Leão Magno, sobre o qual se admira o surpreendente baixo-relevo do Pontífice que vai ao encontro do feroz Átila. Acima estão figurados Pedro e Paulo, ao lado do Papa Átila, apavorado pela aparição dos dois e em ato de se curvar ao Pontífice. Em uma urna sob o altar repousa o corpo do santo Papa e Doutor da Igreja. À frente está o túmulo de Leão XII, morto em 1829, que tinha tanta veneração por este seu glorioso antecessor, que quis ser sepultado ao lado dele. […]

O altar que se segue é dedicado à Vergine della Colonna, assim chamada porque se venera a imagem de Maria pintada sobre uma coluna da antiga basílica constantiniana. Foi colocada ali em 1607. O altar guarda os corpos de Leão II, III e IV. Continuando o giro pela linha meridional, encontramos à direita a sepultura de Alexandre VII, Ghigi, com quatro estátuas: JustiçaPrudênciaCaridade e Verdade. Como este pontífice tinha sempre presente o pensamento da morte, o escultor estendeu uma colcha em relevo, sob a qual a figura da morte mostra uma ampulheta, ou seja, um relógio de areia, que está prestes a terminar sua carga. O Papa está ajoelhado, rezando de mãos postas. O altar à esquerda é dedicado aos apóstolos Pedro e Paulo. Está representada a queda de Simão, o Mago. Em frente está o altar dos Santos Simão e Judas, que aqui repousam. O altar à direita, por sua vez, é dedicado a São Tomé e guarda o corpo de Bonifácio IV, enquanto o da esquerda conserva os restos de Leão IX. Em frente à porta da sacristia, o altar dos Santos Pedro e André apresenta, em precioso mosaico, a morte de Ananias e Safira.

Chega-se assim à capela Clementina, cujo altar, dedicado a São Gregório Magno, tem no alto um belo mosaico do santo no ato de convencer os incrédulos. Sob o altar se venera o seu corpo. Acima da porta, que conduz até o órgão, está o monumento fúnebre de Pio VII. O Pontífice, sentado sobre uma rica cadeira e vestido com as vestes pontifícias, está abençoando. As estátuas colocadas aos lados representam a Sabedoria e a Fortaleza. Antes de chegar à nave lateral está o altar da Transfiguração, cujo mosaico apresenta a transfiguração do Salvador no Monte Tabor.

A nave menor, do lado esquerdo
Entrando na nave menor, em ambos os lados estão duas sepulturas, à direita a de Leão XI, dos Médici. Um baixo-relevo mostra o Pontífice que absolve Henrique IV, rei da França. […]. Mais abaixo há rosas esculpidas com o lema: Sic floruit, para indicar a caducidade da vida e simbolizar a brevidade do pontificado de Leão XI, que foi de apenas 21 dias.
O sarcófago à esquerda é de Inocêncio XI, Odescalchi. O baixo-relevo sobreposto retrata a libertação de Viena dos turcos, ocorrida sob seu pontificado. Avançando pela nave, chega-se à capela do coro, enriquecida com mosaicos e pinturas. Sob o altar repousa o corpo de São João Crisóstomo. Esta capela tem um subterrâneo onde se conservam as cinzas de Clemente XI. É chamada Capela Sistina por causa de Sisto IV, que erigiu outra no mesmo local da antiga basílica. À direita, acessa-se o lugar do coro e à Capela Giulia, assim chamada por causa de Júlio II, que a construiu. Acima desta porta existe uma urna de estuque que abriga as cinzas de Gregório XVI, morto em 1846. Esta urna está reservada para acolher o cadáver do último pontífice até que lhe seja dada uma sepultura.

O sepulcro de Inocêncio VIII, da família Cibo, está em frente. Duas são as figuras daquele Papa: uma sentada com o ferro da lança na mão, em alusão àquela com a qual foi ferido Jesus, enviada a ele como presente por Bajasetto II, imperador dos turcos; a outra deitada, sob a primeira. […]. De frente à portinha que leva à escada da cúpula está o cenotáfio de Tiago III, rei da Inglaterra, da família Stuart, morto em Roma no dia 1º de janeiro de 1766, e de seus dois filhos Carlos III e Henrique IX, cardeal, duque de York. Os três bustos em baixo-relevo são de Antonio Canova.
A última capela é a do Batistério. A pia batismal é de porfírio e era a tampa da urna do imperador Otão II, que foi aqui transportada quando suas cinzas foram colocadas nas grutas vaticanas […].

Roma. Sant’Andrea al Quirinale
Já que o tempo de visita terminava ao meio-dia e meia e visto que estávamos com fome, combinamos com o senhor Carlo, que nos guiava, de adiar para uma outra ocasião a subida à cúpula e a visita ao Palácio Vaticano. Após o almoço e algumas horas de descanso, demos uma olhada no Quirinale e nas coisas mais importantes próximas à nossa moradia. O Quirinale é uma das sete colinas da antiga Roma, assim chamada pelo povo Quirite, que vivia aqui, e por um templo dedicado a Rômulo, venerado com o nome de Quirino. À nossa esquerda, ao prosseguir em direção à praça Monte Cavallo, está a igreja de Santo André[chiesa di Sant’Andrea], onde hoje está o noviciado dos Jesuítas. Ela conserva, em uma capela dedicada a São Estanislau Kostka, o corpo do santo dentro de uma urna de lápis-lazúli, adornada com mármores preciosos. Ao lado desta igreja está o mosteiro das Dominicanas. Acredita-se que essas duas construções tenham surgido sobre as ruínas do templo de Quirino. À direita da estrada se ergue o majestoso Palácio do Quirinale, iniciado por Paulo III há cerca de 300 anos, e concluído por seus sucessores. Sua bela arquitetura é adornada com esculturas, pinturas e mosaicos de grande valor. O Papa reside nele por uma parte do ano. O Palácio tem um espaçoso jardim de cerca de um milha de perímetro. Entre as outras maravilhas que podem ser admiradas está um órgão que toca alimentado pela força da água que corre aqui.

Diante do Quirinale está a praça de Monte Cavallo, assim chamada por causa de dois cavalos colossais em bronze que representam Castor e Pólux. Pio VI fez erguer um obelisco no meio desta praça. Ele é um trabalho executado por ordem de Smarre e Efre, príncipes do Egito, e transportado a Roma pelo imperador Cláudio. Não tem hieróglifos. Ao sul domina o magnífico Palácio Rospigliosi, erguido onde antigamente estavam as termas de Constantino. Os amantes das belas artes podem aqui visitar muitas obras-primas da pintura e da escultura.

Santa Croce in Gerusalemme
O dia 4 de março estava reservado à basílica de Santa Croce in Gerusalemme [basilica di S. Croce in Gerusalemme]. O tempo estava nublado e, após percorrermos um pouco de caminho, fomos surpreendidos pela chuva. Não tendo guarda-chuva, chegamos molhados como dois ratos; mas a consolação sentida na visita nos compensou tanto pela água quanto pelo desconforto sofrido. Esta é uma das sete basílicas que se visitam para ganhar indulgências. Fundada por Constantino, o Grande, onde se erguia o palácio chamado Sassorio, foi por isso chamada de Basílica Sassoriana, e foi erguida em memória da descoberta da Santa Cruz, feita por Santa Helena, mãe do imperador, em Jerusalém. Aquela princesa fez transportar muita terra do Calvário, retirada do local onde foi encontrada a Cruz de Cristo. O edifício recebeu o nome de Santa Cruz pela parte considerável da santa Madeira que ali se conserva, e foi acrescentado em Jerusalém porque esta santa relíquia, junto com muitas outras, foi transportada daquela cidade. A igreja foi consagrada pelo Papa São Silvestre. Sob o altar-mor repousam os corpos de São Cesário e Santo Anastácio, mártires […].

Em frente ao altar está a capela Gregoriana, privilegiada porque se pode lucrar a indulgência plenária aplicável às almas do purgatório, tanto para aqueles que presidem a missa quanto para aqueles que dela participam. Neste altar, com grande consolação, celebrei também eu. Ao lado da igreja ergue-se o convento dos Cistercienses. O Padre Abade é um certo Marchini, piemontês, que nos tratou com muita cortesia. Entre outras coisas, ele nos fez visitar a biblioteca, rica em pergaminhos antigos e outras obras […].

Um dia de chuva
Já que o dia 5 de março foi chuvoso, passamos quase todo o tempo escrevendo. Há algo singular em Roma, que chove e faz sol ao mesmo tempo, de modo que em certas épocas do ano é preciso estar continuamente munido de guarda-chuva para se proteger ou do sol ou da chuva. Às dez horas deste dia faleceu o P. Lolli, reitor do noviciado dos jesuítas, na igreja de Sant’Andrea a Monte Cavallo, um piemontês que residiu por muito tempo em Turim, onde se tornou célebre pela pregação e pela solicitude no apostolado do confessionário. A rainha da Sardenha, Maria Teresa, o havia escolhido como seu confessor […].

Neste dia, soubemos que as doenças em Roma se multiplicaram e que a mortalidade atual é quatro vezes superior à média. Somente nos meses de janeiro e fevereiro morreram cerca de 6.600 pessoas; um número bastante alto, considerando que a população é de cerca de 130 mil habitantes. Quase de noite saí para fazer a barba. Entrei em uma barbearia e fui atendido bastante bem; mas prometi a mim mesmo de não voltar mais lá visto que foram muitos os empurrões e sacudidas que o barbeiro me deu com suas mãos grandes que ele teria deslocado meus dentes e mandíbulas se não tivessem raízes bem firmes.

O Refúgio de São Miguel
De acordo com o convite que nos foi feito pelo Cardeal Tosti, no dia 6 de março fomos com a família De Maistre visitar o Refúgio de São Miguel. Além do que disse na última vez, posso acrescentar o seguinte. O primeiro gesto de cortesia que nos foi oferecido foi um suntuoso café da manhã, do qual, no entanto, não pudemos participar, pois já o havíamos feito antes de partir, e sendo dia de jejum, não podíamos mais comer até o almoço. Assim, nos limitamos a uma pequena xícara de chocolate, que Sua Eminência nos disse ser compatível com o jejum. Também nos foi oferecida uma bebida de excelente sabor de tangerina, uma espécie de vinho feito com frutas secas e misturadas com água e açúcar. Somente Rua, não estando obrigado ao jejum, comeu algo mais sólido.

Depois, começamos a visita àquele espaçoso internato que acolhe mais de oitocentas pessoas. O Cardeal Tosti nos acompanhou por toda parte. Paramos especialmente para ver o trabalho dos jovens. Aqui aprendem os mesmos ofícios que aprendem conosco: a maioria se ocupa com desenho, a pintura e a escultura; e muitos trabalham em uma tipografia interna. O Santo Padre, para ajudar o Refúgio, concedeu-lhe o privilégio da exclusividade de exclusivamente os livros escolares que são usados nos Estados Pontifícios. Acima do edifício, há um terraço com uma vista magnífica: olhando para o oeste, avista-se o acampamento dos franceses que vieram libertar Roma. […]. Às doze e trinta, quando os meninos já estavam almoçando e o Cardeal já demostrando estar cansado, nos despedimos […].

Santa Maria em Cosmedin e a Boca da Verdade
Como de costume, chovia bastante e, como eu e Rua havíamos apenas um guarda-chuva muito pequeno, nos molhamos muito. Atravessamos o Tibre por uma ponte chamada Ponte Rotto porque, havia se arruinado, e foi substituída por uma ponte de ferro muito semelhante àquela que temos sobre o Pó, em Turim. Antigamente, chamava-se ponte Coclite, porque é a mesma em que Horácio Coclite opôs uma histórica resistência ao exército de Porsenna, até que a ponte foi destruída e ele, então, se jogou no Tibre, atravessando a nado até a outra margem, entre as flechadas dos inimigos maravilhados.

Aqui encontramos uma rua chamada Boca da Verdade [Bocca della Verità], porque no final da mesma havia o lugar onde eram levados aqueles que deviam fazer um juramento. Agora há uma igreja chamada S. Maria in Cosmedin, palavra que significa ornamento, porque foi magnificamente adornada pelo papa Adriano I. Em seu interior conserva-se a cátedra que foi usada por Santo Agostinho quando ensinava Retórica. Aguardamos sob o vestíbulo até que parasse a chuva, que já estava inundando todas as ruas. Enquanto aguardávamos, vimos a praça que também se chama Bocca della Verità.

Os vaqueiros
Havia muitos bois atrelados que pastavam, expostos à chuva, ao barro e ao vento. Os vaqueiros se abrigaram sob o mesmo vestíbulo, sentando-se para almoçar com um apetite invejável. Em vez de sopa ou alguma iguaria, tinham um pedaço de bacalhau cru, do qual cada um tirava um pedaço. Algumas broas de milho e centeio eram o seu pão. Água era a bebida. Ao perceber neles um ar de simplicidade e bondade, me aproximei para conversar com eles.
– Estão com muito apetite?
– Muito, respondeu um deles.
– Basta para vocês essa comida para matar a fome e sustentá-los?
– Sim, basta. E graças a Deus podemos tê-la, já que por sermos pobres
não podemos pretender mais do que isso.
– Por que não levam aqueles bois ao estábulo?
– Porque não temos.
– Deixam sempre eles expostos ao vento, à chuva e ao granizo, dia e noite?
– Sim, sempre.
– Fazem a mesma coisa em seus povoados?
– Sim, fazemos o mesmo, porque temos poucos estábulos. Por isso, faça sol, vento, faça neve, seja dia, seja noite estão sempre ao relento.
– E as vacas e os bezerros pequenos, também eles ficam expostos às intempéries?
– Sim, também. Entre nós temos este costume: os animais de estábulo estão sempre no estábulo, e os que começam a ficar fora, estarão sempre fora.
– Moram muito longe daqui?
– Quarenta milhas.
– Nos dias festivos, podem assistir às funções sagradas?
– Oh! Sem dúvida! Temos a nossa Capela, temos o padre que celebra a missa, faz a pregação e a catequese, e todos, mesmo distantes, fazem questão de participar.
– Alguma vez vão também confessar?
– Oh! Sem dúvida. Há cristãos que talvez não cumpram esses santos deveres? Agora tem o Jubileu e nós todos teremos o cuidado de fazê-lo bem.
Dessa conversa se percebe a boa índole desses camponeses, que em sua simplicidade vivem contentes com sua pobreza e alegres com seu estado, contanto que pudessem cumprir os deveres de bom cristão e desempenhar o que cabe ao humilde trabalho deles.

Santa Maria del Popolo
O domingo, 7 de março, estava destinado à visita de S. Maria del Popolo. Algumas piedosas e nobres pessoas desejavam que fôssemos lá celebrar a missa para poderem comungar. Era uma piedosa devoção. Às nove horas o senhor Foccardi, uma pessoa prestativa e cheia de fé, veio nos buscar com sua carruagem, para nos levar ao local indicado. Esta igreja foi construída no local onde foram sepultados Nero e a família Domícia. A tradição diz que ali apareciam continuamente fantasmas que aterrorizavam os cidadãos, de modo que ninguém queria habitar nas proximidades. O papa Pascoal II, no ano de 1099, fez erguer uma igreja lá, e para afastar a infestação diabólica, a dedicou a Maria Santíssima. No ano de 1227, a antiga igreja ameaçava cair e o povo romano contribuiu generosamente com os custos da reconstrução. Por isso, foi chamada Santa Maria do Povo. Uma igreja grandiosa, rica em mármores e pinturas. No altar-mor venera-se uma imagem milagrosa de Nossa Senhora, trazida por ordem de Gregório IX da capela do Salvador, em Latrão. Perto, está o convento dos padres Agostinianos.

Porta del Popolo, antigamente se chamava Porta Flaminia porque estava no início da via Flaminia […]. Fora desta porta, virando à direita, encontra-se a Villa Borghese, um majestoso edifício digno de ser visitado pelos turistas devido aos muitos objetos de arte que ali são conservados. Porta del Popolo delimita uma grande praça chamada Piazza del Popolo, embelezada por copiosas fontes e obeliscos, que, como todos sabem, são monumentos de uma remota antiguidade, erguidos pelos reis do Egito para tornar imortal a memória de suas ações. O soberbo obelisco que se eleva no meio da praça foi construído em Heliopólis por ordem de Ramsés, rei do Egito, que reinou em 522 a.C. O imperador Augusto o fez transportar para Roma; mas, por infortúnio, ele tombou, quebrando-se, e foi coberto por terra. O papa Sisto V, em 1589, fez desenterrá-lo, erguendo-o na praça, após dotar seu cume de uma alta cruz de metal. Suas quatro faces estão cobertas de hieróglifos, ou seja, de símbolos misteriosos que os egípcios usavam para expressar as coisas sagradas e os mistérios de sua teologia.

No fundo da praça ergue-se a igreja de Santa Maria dei Miracoli [chiesa di S. Maria dei Miracoli], construída por Alexandre VII, e chamada assim devido a uma imagem milagrosa de Nossa Senhora cuja pintura, antes, estava sob um arco nas proximidades do Tibre. À esquerda, há outra igreja, S. Maria di Monte Santo, porque foi edificada sobre outra igreja que pertencia aos carmelitas da província de Monte Santo. Foi inaugurada em 1662. Satisfeita, assim, nossa devoção e curiosidade, subimos novamente na carruagem que nos levou à casa da Princesa Potosca, dos Condes e Príncipes Sobieski, antigos soberanos da Polônia. O café da manhã preparado para nós era suntuoso, mas muito requintado, portanto pouco adequado ao nosso apetite. Nos ajustamos da melhor maneira. No entanto, ficamos muito satisfeitos com a conversa verdadeiramente cristã que aquelas senhoras mantiveram durante o tempo que nos detivemos em sua casa.
Uma coisa chamou nossa atenção. Terminada a refeição, a dona da casa mandou trazer um maço de charutos e começou a fumar. Apesar de uma conversa bastante animada, ela continuou com grande avidez a fumar um charuto após o outro, e isso me deixou desconfortável, sendo obrigado a suportar o cheiro de fumaça que impregnava toda a casa. Isso me provocava náuseas, tornando-se insuportável […].

Cidade do Vaticano. A subida à Cúpula
Reservamos o dia 8 de março para visitar a famosa cúpula de São Pedro. O Cônego Lantieri nos havia providenciado o bilhete necessário para satisfazer essa curiosidade. O horário em que é permitida a subida vai das 7h às 11h30 da manhã. O tempo estava ensolarado e, portanto, propício. Depois de celebrar a eucaristia no altar de São Francisco Xavier da Igreja de Jesus [Chiesa del Gesù], onde estão os jesuítas, chegamos ao Vaticano às 9h, acompanhados do senhor Carlo De Maistre. Entregue o bilhete, uma portinha nos foi aberta e começamos a subir por uma escada bastante confortável, como uma subida inclinada. Ao subir, encontramos várias inscrições que lembram o nome e o ano de todos os Papas que abriram e fecharam os anos jubilares. Perto do patamar do terraço estão escritos os mais célebres personagens, reis ou príncipes, que subiram até a bola da cúpula. Lemos com prazer também o nome de vários de nossos soberanos e da família real.

Demos uma olhada no terraço da basílica. Ele se apresenta como uma vasta praça pavimentada onde se pode jogar bola, bocha e coisas semelhantes. Aqui habitam algumas pessoas a quem é confiada a manutenção da parte superior do templo: carpinteiros, ferreiros, trabalhadores do asfalto. Quase no meio do terraço há uma fonte sempre funcionante, onde Rua foi beber.
Da praça abaixo, observamos as estátuas dos doze apóstolos que adornam o frontispício da basílica. De lá pareciam pequenas, mas de perto percebemos que o único dedo polegar do pé tinha a grossura do corpo de uma pessoa. Daí se pode entender a que altura estávamos. Também visitamos o sino maior, que tem um diâmetro de mais de três metros, o que significa três trabucos de circunferência (cerca de 9 metros, n.d.r.).

Uma coisa muito curiosa foi a vista do jardim vaticano, onde o papa costuma passear a pé. Penso que ele tenha a extensão que vai da Porta Susa ao início da Via Po (lugares de Turim, n.d.r.). Ao sul, se viam vastas campinas. Nosso guia nos disse:
– Todo aquele plano estava coberto de soldados franceses quando vieram libertar nossa cidade dos rebeldes. E nos indicava a basilica di S. SebastianoS. Pietro in Montorio, Villa PanfiliVilla Corsini, todos edifícios que sofreram danos gravíssimos por terem sido campos de batalha.
Uma escadinha em caracol ao lado da cúpula nos levou até a primeira balaustrada. Deste patamar parecia que estávamos voando alto e nos afastando da terra. O guia nos abriu uma portinha que levava a uma balaustrada interna que circundava a cúpula. Eu quis medir, e caminhando como um bom viajante, contei 230 passos antes de completar a volta. Uma curiosidade: em qualquer ponto do parapeito em que você esteja, falando até em voz baixa, com o rosto voltado para a parede, o mínimo som se comunica nitidamente de uma parede à outra. Também notamos que os mosaicos da igreja, que de baixo pareciam muito pequenos, de lá tomavam uma forma gigantesca.
– Coragem, nos exortou o guia, se quisermos ver outras coisas. Assim, pegamos outra escada em caracol e chegamos à segunda balaustrada. Aqui parecia que tínhamos sido elevados em direção ao Paraíso, e quando chegamos ao balaústre interno e vimos o chão da basílica, percebemos a extraordinária altura que havíamos alcançado. As pessoas que trabalhavam ou caminhavam lá embaixo pareciam crianças. O altar papal, que é coberto por um baldaquino de bronze que em altura supera as casas mais altas de Turim, de lá parecia uma simples cadeira de bebê.

O último andar sobre o qual subimos é aquele que estava sobre a ponta da cúpula, de onde se desfruta, talvez, a vista mais majestosa do mundo. O olhar se perde em tudo ao redor, em um horizonte formado pelos limites da visão humana. Dizem que olhando para o leste pode-se ver o mar Adriático, a oeste o Mediterrâneo. Nós, porém, só conseguimos avistar a neblina que o tempo chuvoso dos dias anteriores havia espalhado um pouco por toda parte.

Havia ainda a bola, um globo que da terra parece uma das bolas que usamos para passar um tempo; de lá parecia enorme. Os mais corajosos, passando por uma escadinha perpendicular e caminhando como dentro de um saco, subiram como gatos a uma altura de dois trabucos, ou seja, seis metros. Alguns não tiveram coragem suficiente. Nós, que éramos um pouco mais temerários, conseguimos. Da bola tudo parece maravilhoso. Disseram-me que poderia conter dezesseis pessoas; para mim, parecia que poderiam caber confortavelmente trinta. Alguns buracos, quase pequenas janelas, permitem observar a cidade e as campinas. Mas a grande altura causa uma sensação estranha e faz com que a vista não seja totalmente agradável. Pensávamos que lá em cima fizesse frio. Tudo ao contrário: o sol batendo no bronze da bola a aquecia a tal ponto que parecia que estávamos em pleno verão. Acredito que essa seja uma das razões pelas quais, após o almoço, não é permitido subir até lá: pelo calor insuportável. Aqui, depois de falar sobre várias coisas sobre os jovens do oratório, satisfeitos com nossa empreitada, quase como se tivéssemos trazido uma grande vitória, começamos a descida com passos lentos e graves, para não quebrarmos o pescoço, e sem nenhuma parada voltamos ao térreo.

Para descansar um pouco, fomos ouvir o sermão que havia começado exatamente naquele momento na basílica. O pregador nos agradou. Boa língua, belo gesto, mas o tema não nos interessou muito porque tratava da observância das leis civis. O que, no entanto, não serviu para nutrir o espírito serviu muito bem para dar descanso ao corpo. Restando-nos ainda um pouco de tempo, o empregamos para visitar a sacristia, que é uma verdadeira magnificência digna de São Pedro.
Sendo já onze e meia, estando ainda em jejum e de ter caminhado tanto, estávamos com grande apetite; por isso, fomos fazer um lanche. Rua, não satisfeito, achou melhor ir almoçar; assim eu fiquei sozinho com o senhor Carlo De Maistre, companheiro inseparável daquele dia. Restaurados um pouco, fomos visitar Monsenhor Borromeo, mordomo de Sua Santidade, que nos recebeu muito bem e, depois de falar sobre o Piemonte e Milão, sua terra natal, anotou nossos nomes para nos inserir no catálogo das pessoas que desejam receber a palma do Santo Padre na função do Domingo de Ramos.

Nos famosos museus
Ao lado da varanda deste prelado, em torno do pátio do Palácio Pontifício, estão os Museus Vaticanos [Musei Vaticani]. Entramos e vimos coisas realmente excepcionais. Descrevo apenas algumas. Há uma sala de comprimento extraordinário, enriquecida com mármores e pinturas preciosíssimas. No meio da segunda arcada se destaca uma pia batismal de cerca de um metro e meio, feita de malaquita, um dos mármores mais preciosos do mundo. Foi um presente feito pelo imperador da Rússia ao Sumo Pontífice. Há vários outros objetos semelhantes. No fundo daquela grande sala, à esquerda, se abre uma espécie de longo corredor que abriga o museu cristão. […]. No mesmo se entra na Biblioteca Vaticana, onde se conservam os manuscritos mais célebres da antiguidade […].

Pelas ruas de Roma
Do Vaticano, indo em direção ao centro de Roma, chegamos à praça Scossacavalli, onde trabalham os escritores do célebre periódico La Civiltà Cattolica. Paramos para fazer-lhes uma visita e sentimos um verdadeiro prazer ao observar que os principais apoiadores desta publicação são piemonteses. Sentia já um vivo desejo de voltar para casa, superando toda hesitação, e estávamos quase chegando ao Quirinale, quando o senhor Foccardi nos viu passar em frente à sua loja e nos chamou para dentro. A força de convites e cortesia, ele nos reteve um pouco, e quando pedimos para partir, ele disse:
– Aqui está a carruagem, eu os acompanho até em casa. Mesmo subindo de contragosto na carruagem, no entanto, para agradá-lo, acedi. Mas o Foccardi, desejando se prolongar mais conosco, nos fez dar uma longa volta, tanto que chegamos em casa já tarde da noite.

Aqui me foi entregue uma carta. Abri e li. Notifica-se ao senhor Abade Bosco que Sua Santidade se dignou a admiti-lo à audiência amanhã, dia nove de março, das 11h45 a uma hora. Esta notícia, esperada e muito desejada, me causou uma revolução interior e durante toda a noite não consegui falar de outra coisa senão do Papa e da audiência.

A audiência papal. Santa Maria sopra Minerva
Chegou o dia 9 de março, o grande dia da audiência papal. Antes, porém, eu precisava falar com o Cardeal Gaude; por isso, fui celebrar a missa na igreja de S. Maria sopra Minerva, onde o Cardeal tinha sua residência. Antigamente era um templo que Pompeu, o Grande, havia mandado edificar à deusa Minerva; foi chamada de Santa Maria sopra Minerva porque foi construída precisamente sobre as ruínas deste templo. No ano 750, o Papa Zacarias a doou a um convento de freiras gregas. No ano 1370 passou aos padres pregadores (dominicanos, n.d.r.) que ainda a oficiam. Em frente a esta igreja está uma praça onde admiramos um obelisco egípcio com hieróglifos, cuja base repousa sobre o dorso de um elefante de mármore. Entramos e pudemos admirar um dos edifícios sagrados mais belos de Roma. Sob o altar-mor repousa o corpo de Santa Catarina de Sena. Celebrada a missa e indo com toda pressa ao encontro do Cardeal Gaude, conversei com ele, então partimos em direção ao Quirinale.

O pequeno mentiroso
Pelo caminho encontramos um garoto que, com simpatia, nos pediu esmola, e para nos fazer conhecer sua condição nos disse que seu pai havia morrido, sua mãe tinha cinco filhas e que ele sabia falar italiano, francês e latim. Surpreso, dirigi-lhe um discurso em francês, ao qual ele respondeu com um simples oui, sem entender o que eu dizia, nem articular outras expressões; então o convidei a falar latim, e ele, sem prestar atenção às minhas palavras, começou a recitar de memória as seguintes palavras: ego stabam bene, pater meus mortuus est l’annus passatus et ego sum rimastus poverus. Mater mea etc. Aqui não conseguimos mais conter as risadas. Porém, depois o avisamos para não contar mentiras e lhe presenteamos com um tostão.

A antecâmara
Enquanto isso, a hora da audiência se aproximava. […]. Chegando ao Vaticano, subimos as escadas mecanicamente. Por toda parte havia guardas nobres, vestidos de modo a parecerem príncipes. No andar nobre, abriram-nos a porta que introduzia nas salas pontifícias. Guardas e camareiros, vestidos com grande luxo, nos saudavam com profunda reverência. Entregue o bilhete para a audiência, fomos conduzidos de sala em sala até a antecâmara papal. Como havia várias outras pessoas aguardando, esperamos cerca de uma hora e meia antes de sermos recebidos.

Esse tempo o empregamos para observar as pessoas e o lugar onde estávamos. Os domésticos do Papa estavam vestidos quase como os bispos de nossos países. Um Monsenhor, a quem se dá o título de prelado doméstico, introduzia por turno as pessoas para a audiência à medida que terminava a anterior. Admiramos grandes salas bem tapeçadas, majestosas, mas sem luxo. Um simples tapete de pano verde cobria o chão. As tapeçarias eram de seda vermelha, mas sem ornamentos. As cadeiras eram de madeira dura. Uma cadeira colocada sobre um estrado um tanto elegante indicava que aquela era a sala pontifícia. Vimos tudo isso com prazer, lembrando as mordazes e injustas acusações que alguns fazem contra a pompa e o luxo da corte pontifícia. Enquanto estávamos imersos em vários pensamentos, soou o sino, e o prelado nos fez sinal para avançar e nos apresentar a Pio IX. Nesse momento, eu realmente fiquei confuso e tive que cometer uma espécie de autoviolência para não perder o equilíbrio.

Pio IX
Rua me acompanhou trazendo consigo uma cópia das Leituras Católicas. Entramos, fizemos a genuflexão no início, depois no meio da sala, finalmente, a terceira, aos pés do Papa. Cessou toda apreensão quando avistamos no Pontífice a aparência de um homem afável, venerando, e ao mesmo tempo o mais belo que um pintor poderia retratar. Não pudemos beijar seu pé, porque ele estava sentado à mesa; beijamos, porém, sua mão, e Rua, lembrando da promessa feita aos clérigos, a beijou uma vez por si e uma vez por seus companheiros. Então o Santo Padre fez sinal para nos levantarmos e nos colocarmos à sua frente. Eu, segundo a etiqueta, gostaria de falar permanecendo de joelhos.
– Não, ele disse, levantem-se. Convém notar aqui que ao nos apresentarmos ao Papa, nosso nome foi lido errado. De fato, em vez de escrever Bosco, foi escrito Bosser, por isso o Papa começou a me interrogar:
– O senhor é piemontês?
– Sim, Santidade, sou piemontês, e neste momento sinto a maior consolação da minha vida, encontrando-me aos pés do Vigário de Cristo.
– E de que o senhor se ocupa?
– Santidade, eu me ocupo da instrução da juventude e das Leituras Católicas.
– A instrução da juventude sempre foi coisa útil em todos os tempos. Mas hoje em dia é mais do nunca necessária. Há um outro em Turim que se ocupa dos jovens. Então percebi que o Papa tinha em mãos um nome errado, mas, sem saber como, ele também se deu conta de que eu não era Bosser, mas Bosco; assim, assumiu uma aparência muito mais festiva e perguntou muitas coisas sobre os jovens, os clérigos, os oratórios […]. Então, com um rosto sorridente, ele me disse:
– Lembro-me do presente que me enviou em Gaeta e dos ternos sentimentos daqueles meninos que o acompanharam. Aproveitei para expressar a ele o apego de nossos jovens à sua pessoa e pedi-lhe que aceitasse uma cópia das Leituras Católicas: – Santidade, disse-lhe, ofereço-lhe um exemplar daqueles livrinhos até agora
impressos e ofereço-o em nome da direção. A encadernação é trabalho dos
jovens de nossa casa.
– Quantos são esses jovens?
– Santidade, os jovens da casa são perto de duzentos. Os encadernadores são quinze.
– Bem, ele respondeu, eu quero mandar uma medalha a cada um. Então, indo a outro aposento, depois de breves instantes voltou, trazendo pequenas medalhas da Conceição:
– Estas serão para os jovens encadernadores, disse enquanto as entregava a mim. Voltando-se então para Rua, deu-lhe uma maior dizendo:
– Esta é para seu companheiro. Então, voltando-se novamente para mim, me entregou uma pequena caixa que estava dentro de outra maior:
– E esta é para o senhor. Estando de joelhos para receber os presentes, o Santo Padre pediu que nos levantássemos, e pensando que queríamos nos retirar, estava para se despedir, quando eu comecei a falar com ele assim:
– Santidade, tenho algo em particular para comunicar-lhe.
– Está bem, respondeu […]. O Santo Padre é muito rápido em entender as perguntas e prontíssimo em dar as respostas, por isso com ele se trata em cinco minutos o que com outros exigiria mais de uma hora. No entanto, a bondade do Papa e meu vivo desejo de me deter com ele prolongaram a audiência por mais de meia hora, tempo bastante considerável tanto em relação à sua pessoa quanto em relação à hora do almoço, que por nossa causa estava atrasado […].

Gianicolo
Às 13h30 do dia 10 de março, o P. Giacinto, dos Carmelitas Descalços, veio nos buscar com uma carruagem para nos levar à basilica di S. Pancrazio e de S. Pietro in Montorio. São duas igrejas situadas no Gianicolo, chamado assim por causa de Jano que dizem ter vivido ali. Do outro lado do Tibre, no topo desta colina está situada a basílica de São Pancrácio, construída pelo Papa Félix II em 485, cerca de 100 anos após o martírio de Pancrácio. O general Narsete, vencidos os godos, fez uma solene procissão junto com o Papa Pelágio de São Pancrácio até São Pedro. São Gregório Magno, que tinha grande veneração por esta igreja, celebrou nela várias vezes a missa e fez algumas homilias, e finalmente a doou aos monges beneditinos. Em 1673, foi confiada aos Carmelitas Descalços com o convento anexo e um seminário para as missões das Índias […].

Sob o altar-mor, há outro altar subterrâneo onde antigamente era conservado o corpo do Santo, protegido por uma grade de ferro. Havia o costume de levar aqueles que eram suspeitos de perjúrio diante dessa grade, porque se fossem culpados, eram tomados por um visível tremor ou outro sinal.

As Catacumbas
– Venham comigo, nos disse o P. Giacinto, iremos às catacumbas. Ele havia preparado uma luminária para cada um. Nós começamos a segui-lo. No meio da igreja, ele nos indicou uma abertura no chão. Levantando a tampa, apareceu uma cavidade escura e profunda: começavam as catacumbas. Na entrada estava escrito em latim: “Neste lugar foi decapitado o mártir de Cristo Pancrácio”. Aqui estamos nas catacumbas. Imaginem longos corredores ora mais estreitos e mais baixos, ora mais altos e espaçosos, ora cortados por outros corredores, ora em descida, ora em subida, e vocês terão a primeira ideia desses subterrâneos. À direita e à esquerda há pequenas sepulturas escavadas paralelamente no tufo. Aqui antigamente eram sepultados os cristãos, especialmente os mártires. Aqueles que deram a vida pela fé eram designados com emblemas particulares. A palma era sinal da vitória obtida contra os tiranos; a galheta indicava que havia derramado sangue pela fé; o “χ” significava que havia morrido na paz do Senhor ou que havia sofrido por Cristo. Em outros apareciam os instrumentos com os quais foram martirizados. Às vezes, esses emblemas estavam fechados na pequena sepultura do santo. Quando as perseguições não eram muito severas, escrevia-se nome e sobrenome do mártir e algumas linhas que destacavam alguma circunstância importante de sua vida. […].
– Este é o lugar, nos disse o guia, onde estava sepultado São Pancrácio, e ao lado dele São Dionísio, seu tio, e aqui perto outro parente. Depois visitamos algumas sepulturas reunidas em uma saleta cujas paredes apresentavam inscrições antigas que não conseguimos ler. No meio da abóbada estava pintado um jovem que nos pareceu representar São Pancrácio […].

Desta vez o guia nos indicou uma cripta. Cripta, palavra grega, significa profundidade. É um espaço maior que o normal onde os cristãos costumavam se reunir, em tempo de perseguição, para ouvir a Palavra, assistir à missa e às funções sagradas. De um lado ainda há um altar antigo onde é possível celebrar. Na maioria das vezes, a sepultura de algum mártir servia como altar. Depois de um pouco de caminhada, nos mostraram a capela onde São Félix, Papa, costumava descansar e celebrar a Eucaristia. Seu sepulcro está a pouca distância. Por toda parte viam-se esqueletos humanos reduzidos a pedaços pelo tempo. Nossa guia nos assegurou que em breve chegaríamos a um lugar onde se conservavam lápides com as inscrições intactas.

Mas estávamos muito cansados, também porque o ar subterrâneo e as dificuldades do caminho – cada um tinha que cuidar para não bater a cabeça, não esbarrar com os ombros e não escorregar com os pés – nos haviam fatigado bastante. O guia nos advertia que os subterrâneos são muitos e alguns chegam a ter quinze/vinte milhas de comprimento. Se tivéssemos ido sozinhos, poderíamos ter cantado o requiescant in pace, porque teria sido muito difícil encontrar o caminho de volta para fora. Nossa guia, porém, era muito prática e em breve nos reconduziu ao ponto de onde partimos […].

San Pietro in Montorio
Subimos novamente na carruagem com o P. Giacinto e descemos o Gianicolo para ir até San Pedro em Montorio. A palavra é uma corrupção de “monte de ouro”, porque aqui o solo e a areia assumem uma cor amarela, semelhante a do ouro. Também foi chamado Castro Aureo, fortaleza de ouro, pelos restos da fortaleza de Anco Marzio que ainda existem no cume. É uma das igrejas fundadas por Constantino, o Grande, rica em estátuas, pinturas e mármores. Entre a igreja e o convento anexo se destaca um edifício chamado Tempietto di Bramante, de forma redonda. Trata-se de uma das mais notáveis obras de Bramante. Ele foi edificado no local onde foi martirizado São Pedro. Nos fundos, uma escadinha leva a uma capela subterrânea circular, no meio da qual há um buraco onde arde continuamente uma luz. É o lugar onde foi encaixada a ponta da cruz na qual São Pedro foi pregado de cabeça para baixo. A igreja está situada onde termina o Gianicolo e começa o Vaticano.

Perto de San Pietro em Montorio está localizada a magnífica Fontana Paolina, de Paulo V, que a fez construir em 1612. A água jorra de três colunas que parecem um rio. Vem de Bramário, um lugar a 35 milhas de Roma. Essas águas, ao descer, servem para mover moinhos e outras máquinas e se ramificam com grande vantagem em vários pontos da cidade […].

Uma adversidade
No dia 11 de março estivemos ocupados escrevendo e despachar encomendar particulares. Merece uma lembrança ode quando me perdi em Roma. Fui fazer uma visita ao Monsenhor Pacca, prelado doméstico de Sua Santidade. No retorno, estava acompanhado pelo P. Bresciani, tendo enviado Rua para procurar o P. Botandi em Ponte Sisto. O bom Bresciani me conduziu até a academia da Sapienza e, então, me indicou onde passar para chegar ao Quirinale:
– Atravesse esta rua, depois mantenha-se sempre à direita. Eu, em vez de pegar à direita, peguei à esquerda, de modo que após uma hora de caminhada me encontrei na Piazza del Popolo, a quase uma milha de casa. Pobre de mim! Ao menos se eu tivesse Rua comigo, poderíamos nos consolar mutuamente, mas eu estava sozinho. O tempo estava nublado, soprava um vento forte e começava a chover. O que fazer? Dormir no meio daquela praça me desagradava, por isso, com toda a paciência, subi ao Pincio, chamado assim por causa do palácio de um senhor chamado Pincio […]. Este monte não é muito habitado e não é uma das sete colinas de Roma […].

Sant’Andrea della Vale
Na sexta-feira, dia 12, fui celebrar a missa em S. Andrea della Valle, para distingui-lo de outras igrejas dedicadas ao mesmo Apóstolo. Valle foi acrescentado tanto porque a basílica se encontra no ponto mais baixo de Roma quanto também devido a um palácio pertencente à família Valle. Antigamente, a igreja era dedicada a São Sebastião, que aqui sofreu o martírio. Perto dela foi construída outra dedicada a São Luís, rei da França. Mas no ano de 1591, um rico senhor, chamado Gesualdo, fez uma reforma, modificando completamente o projeto. É uma das primeiras igrejas de Roma. Sua cúpula mede 64 palmos de diâmetro, e por isso, depois de São Pedro no Vaticano, é a cúpula mais ampla de todas as outras da cidade. A primeira capela, ao entrar à esquerda, tem um portão de ferro que indica o ponto da cloaca onde se acredita que o corpo do mártir São Sebastião foi jogado. Quase em frente a esta igreja está o palácio Stoppani, que serviu de moradia ao imperador Carlos V quando veio a Roma, como aparece em uma inscrição na parede ao pé da escada.

San Gregorio Magno
Às 13h30, com o senhor Francesco De Maistre, nosso guia, partimos para visitar a igreja de São Gregório Magno [chiesa di S. Gregorio Magno]. Ela está edificada sobre uma parte do monte Celio, chamado antigamente clivus Scauri, ou seja, descida de Scauro, e era a casa habitada por São Gregório e seus pais. Foi ele quem a converteu em mosteiro, onde depois residiu até o ano 590, inicialmente como simples monge, depois como Abade. Quando foi eleito papa (em 590), dedicou aquele edifício ao apóstolo São André, transformando uma parte dos cômodos em igreja. Após sua morte, a igreja foi dedicada a ele mesmo.

É certamente uma das mais belas igrejas de Roma. A primeira capela ao entrar, à esquerda, é dedicada a Santa Silvia, mãe de São Gregório. A última, à direita, é a do Sacramento, sobre cujo altar celebrava o próprio São Gregório. […]. Este altar, venerável pelo título e patrocínio do santo Papa, foi tornado célebre em todo o mundo pelos privilégios concedidos por muitos Papas. Aconteceu que um monge do mosteiro, tendo por ordem do santo oferecido a missa por trinta dias consecutivos em sufrágio da alma de um irmão falecido, outro monge a viu liberada das penas do purgatório.

Ao lado desta capela existe outra menor, onde São Gregório se retirava para descansar. Mostra-se ainda com precisão o lugar onde estava sua cama. Ali ao lado está a cadeira de mármore sobre a qual ele se sentava tanto quando escrevia quanto quando anunciava a palavra de Deus ao povo.
Passado o altar-mor, encontra-se a capela que guarda uma imagem de Nossa Senhora muito antiga e prodigiosa. Acredita-se que seja aquela que o Santo mantinha em casa e sempre que passava diante dela a saudava dizendo “Ave, Maria”. Um dia, porém, o bom Pontífice, por causa da pressa que tinha devido a alguns assuntos urgentes, ao sair não dirigiu à Virgem a saudação habitual. E Ela lhe fez esta doce reprimenda: “Ave, Gregori”, com as quais palavras o convidava a não esquecer aquela saudação que a ela era tão grata.

Em outra capela se ergue a estátua de São Gregório, um trabalho projetado e dirigido por Michelangelo Buonarroti. O Santo está sentado no trono com uma pomba perto do ouvido, que lembra o que afirma Pedro Diácono, familiar do Santo, ou seja, que sempre que Gregório pregava ou escrevia, uma pomba sempre lhe falava ao ouvido. No centro da capela está colocada uma grande mesa de mármore sobre a qual o Pontífice todos os dias oferecia comida a doze pobres, servindo-os com a própria mão. Um dia, sentou-se à mesa com os outros um anjo sob a forma de um jovem, que então, de repente, desapareceu. Desde então, o Santo aumentou para treze o número dos pobres que ele alimentava. Assim teve origem o costume de colocar treze peregrinos à mesa que, na quinta-feira santa, o Papa serve todos os anos com a própria mão. Acima da mesa está gravado o dístico seguinte: “Aqui Gregório alimentava doze pobres; um anjo sentou-se à mesa e completou o número de treze”.

Santi Giovanni e Paolo
Saindo desta igreja e virando à direita, encontra-se a dos Santos João e Paulo [Santi Giovanni e Paolo]. O imperador Joviano permitiu ao monge São Pammáquio construí-la, no ano 400, em honra destes dois irmãos mártires. Ela foi edificada sobre a sua habitação, exatamente onde sofreram o martírio. Foi depois restaurada por São Símaco, Papa, por volta de 444 […]. Ao entrar, apresenta-se à vista um majestoso edifício. No meio, uma grade de ferro delimita o lugar onde os santos foram mortos. Seus corpos, fechados em uma urna preciosa, repousam sob o altar-mor. Na capela ao lado, sob o altar, é guardado o corpo do Beato Paulo da Cruz, fundador dos passionistas, aos quais a igreja é confiada. Este servo de Deus é um piemontês, nascido em Castellazzo, na diocese de Alexandria. Morreu em 1775, aos 82 anos. Os muitos milagres que em Roma e em outros lugares ocorrem por sua intercessão, fizeram crescer a congregação dos passionistas, assim chamados por causa do quarto voto que fazem, ou seja, promover a veneração pela paixão do Senhor.

Um desses religiosos, um genovês, Frei André, depois de nos acompanhar para ver as coisas mais importantes da igreja, nos levou ao convento, um belo edifício que abriga cerca de oitenta padres, em sua maioria piemonteses.
– Este, nos disse Frei André, é o quarto em que morreu nosso santo Fundador. Entramos e admiramos em devoto recolhimento o lugar de onde partiu sua alma para voar ao céu.
– Ali está a cadeira, as vestes, os livros e outros objetos que serviram ao Beato. Cada coisa está selada e são distribuídas como relíquias aos fiéis cristãos. Aquele quarto hoje é uma capela onde se celebra a missa.

Arcos de Constantino e Tito
Cumprimentando ao cortês frei André, nos dirigimos para S. Lorenzo in Lucina. Depois de um pouco de caminho, nos encontramos sob o Arco di Costantino. Ele se conservou quase intacto. Uma inscrição do senado e do povo romano indica que foi dedicado ao imperador Constantino em ocasião da vitória sobre o tirano Massenzio. Este imperador, tornando-se cristão, fez colocar sobre o arco uma estátua com uma cruz na mão em memória da cruz que lhe apareceu diante do exército, para lembrar a todo o mundo que ele professava a religião de Jesus crucificado.
Após mais um trecho de estrada, eis outro arco, o Arco di Tito. Existem três arcos em Roma e o de Tito é o mais antigo e elegante. É enriquecido por baixos-relevos que comemoram as várias vitórias obtidas por aquele valente guerreiro: em um deles está esculpido o candelabro do templo de Jerusalém em memória da queda daquela cidade e de seu templo. Sob este arco passava a célebre Via Sacra, uma das mais antigas de Roma, assim chamada porque através dela se levavam todos os meses as coisas sagradas para a Rocha, e era percorrida pelos áugures para ir buscar suas respostas.

Chegando a San Lorenzo in Lucina, não conseguimos entrar devido aos trabalhos que lá se realizavam […]. Esta igreja é uma das mais vastas paróquias de Roma, e foi erguida por Sisto III com o consentimento do imperador Valentiniano em honra de São Lourenço, mártir. Para distingui-la das outras igrejas erguidas a este levita, foi denominada in Lucina, ou pela santa mártir de tal nome ou talvez porque este fosse o nome do lugar. Anexo a esta igreja, em direção à rua principal, está o Palácio Ottobuoni [palazzo Ottobuoni], construído por volta do ano 1300 sobre as ruínas de um grande edifício antigo chamado Palácio de Domiciano. Estando já cansados e aproximando-se a hora do almoço, voltamos para casa […].

Santa Maria degli Angeli
[…] No dia 13 de março, a estação quaresmal era em S. Maria degli Angeli, onde fomos tanto para lucrar a indulgência plenária quanto também para rezar a Deus em favor de nossa casa. Esta igreja é distinta de outra do mesmo nome, com o acréscimo das Terme di Diocleziano, porque é construída no local onde antigamente se erguiam as famosas termas, ou seja, as casas de banho do imperador Diocleciano. O sumo pontífice Pio IV encarregou Michelangelo Buonarroti, que com seu vasto engenho soube transformar em igreja uma parte daqueles edifícios magníficos. Em um salão das termas já existia uma capelinha dedicada a São Cirilo, mártir. Esta ficou confinada dentro da nova igreja, que o Pontífice dedicou a Santa Maria dos Anjos, para agradar ao duque e rei da Sicília, devotíssimo dos Anjos, que cooperou muito na sua edificação.

No dia da estação quaresmal, a igreja é ornada com especial elegância, e são expostas à veneração pública as relíquias mais insignes. Em uma capela ao lado do altar-mor estava colocado o relicário com muitas relíquias, entre as quais vimos os corpos de São Próspero, São Fortunato e São Cirilo, além da cabeça de São Justino e de São Máximo, mártires, e de muitos outros. Satisfeita assim a nossa devoção, chegamos em casa por volta das seis da tarde, bastante cansados e com bom apetite.

Santa Maria della Quercia
No domingo, 14 de março, celebramos em casa, depois fomos visitar um oratório, segundo as indicações recebidas do Marquês Patrizi. A igreja onde se reúnem os jovens chama-se S. Maria della Quercia. Eis a origem, que remonta aos tempos de Júlio II. Uma imagem de Maria foi pintada em uma telha por um certo Battista Calvaro, que a pendurou em um carvalho dentro de sua vinha, em Viterbo. Esta imagem permaneceu escondida por sessenta anos, até que em 1467 começou a se manifestar com tantas graças e milagres que os fiéis que a visitavam, com suas ofertas, ergueram uma igreja e um mosteiro. O Papa Júlio II desejou que também em Roma houvesse um templo dedicado a Nossa Senhora do Carvalho, que é aquele de que falamos.
Entrando na igreja e chegando na espaçosa sacristia, nos alegrou a presença
de uns quarenta jovens. Pela vivacidade do comportamento pareciam muito com nossos moleques do nosso oratório. As suas funções sagradas se realizam todas pela manhã. Missa, confissão, catecismo e uma breve instrução é o que se faz para eles […].

Após o meio-dia, os jovens vão a S. Giovanni dei Fiorentini, outro oratório onde há apenas recreação, sem funções de igreja. Fomos lá e vimos cerca de cem jovens que se divertiam a valer. Seus jogos eram a tombola e a campana, conhecidas também por nós. Praticam também o jogo do buraco, que consiste em cinco buracos bastante grandes nos quais se colocam duas castanhas ou outra coisa. De uma distância de seis passos, faz-se rolar uma bola. Quem consegue fazê-la entrar em um dos buracos ganha o que está dentro. Lamentamos muito que eles não tivessem outra coisa além da recreação. Se houvesse algum padre entre eles, este poderia fazer o bem para suas almas, pois há grande necessidade. Tanto mais nos entristeceu, pois encontramos neles boas disposições. Vários demonstraram prazer em dialogar conosco, beijando várias vezes a mão tanto a mim quanto a Rua, que, contra sua vontade, era constrangido a consentir […].

Voltando para casa, recebemos a visita de Monsenhor Merode, mestre de câmara de Sua Santidade. Após algumas conveniências, ele me anunciou que o Santo Padre me convidava a pregar os exercícios espirituais às detidas nas prisões perto de Santa Maria degli Angeli alle terme di Diocleziano. Cada desejo do Papa é para mim um comando e, portanto, aceitei com muito prazer […].

Na prisão feminina
Às duas da tarde, fui à superiora da prisão para combinar o dia e a hora em que começaria a pregação. Ela me disse:
– Se está bem para o senhor, pode pregar daqui há pouco, já que as mulheres estão na Igreja e não temos pregador. Assim, comecei naquele momento os exercícios e quase a semana inteira foi empregada inteiramente nesse ministério. A casa correcional chama-se Alle Terme di Diocleziano porque está situada no mesmo local onde estavam as termas daquele famoso imperador. Havia 260 detidas culpadas de graves delitos e condenadas à prisão […]. Os exercícios foram realizados com satisfação. A pregação simples e popular que usamos entre nós foi frutífera nesta prisão. No sábado, depois da última pregação, a madre
superiora, com prazer, falou-me que nenhuma das prisioneiras tinha deixado de aproximar-se dos Sacramentos.

Dois episódios
Um episódio agradável aconteceu ao Santo Padre nesta semana. O Conde Spada foi visitá-lo e teve esta conversa:
– Santidade, eu gostaria de pedir uma lembrança desta visita.
– Peça o que quiser e tentarei agradá-lo.
– Eu gostaria de algo extraordinário.
– Bem, peça.
– Santidade, eu gostaria de ter como lembrança a vossa tabaqueira.
– Mas está cheio de um tabaco de qualidade ínfima.
– Não importa; eu a guardarei com muito carinho.
– Leve-a, faço-lhe este presente com prazer. O Conde Spada partiu mais contente com aquele tabaqueira do que se fosse um grande tesouro. Ela é simples, de chifre de búfalo, unido com dois anéis de latão e não vale quatro tostões, mas é preciosíssimo pela procedência. O bom conde o mostra a seus amigos como um objeto digno de veneração […].

Outra anedota me foi contado sobre este venerando Pontífice. No ano passado, enquanto o Santo Padre viajava por seus estados, estava nas proximidades de Viterbo. Uma garotinha com um feixe de lenha, vendo que a carruagem pontifícia havia parado, pensou que aqueles senhores quisessem comprar seu feixe. Correu em direção a eles:
– Senhores, disse ao Santo Padre, compre-o, a madeira está bem seca.
– Não precisamos, respondeu o Papa.
– Compre-o, vendo-o pelo preço de três tostões.
– Pegue o valor e fique com seu feixe. O Santo Padre deu-lhe três escudos, então se preparou para voltar à carruagem. Mas a garotinha queria que o Santo Padre pegasse seu feixe.
– Leve-o, o senhor ficará contente; na sua carruagem há espaço de sobra. Enquanto o Papa e sua corte riam de tal negócio, a mãe da menina, que trabalhava em um campo próximo, correu gritando:
– Santo Padre, Santo Padre, perdoe-a; esta pobre menina é minha filha. Ela não o conhece. Tenha piedade de nós, que estamos em grande miséria. O Papa acrescentou mais seis escudos e continuou o caminho […].

San Paulo fuori le Mura
No dia 22 de março, Domingo, Dom Bosco foi ao Cardeal vigário, o eminentíssimo Constantino Patrizi […]. Saindo do Vicariato, peregrinou até S. Paolo fuori le Mura para venerar o sepulcro do grande Apóstolo dos Gentios e admirar as maravilhas daquele templo imenso. Depois de um milha de estrada, chegou ao célebre lugar denominado Ad Aquas Salvias, onde São Paulo derramou seu sangue por Jesus Cristo. Exatamente neste ponto, onde há três fontes milagrosas de água que brotaram dos torrões onde a cabeça do santo Apóstolo fez três saltos, foi construída uma igreja. Dom Bosco também rezou na igreja vizinha de Sancta Maria Scala Coeli, de forma octogonal, edificada sobre o cemitério de São Zenão, um tribuno que foi martirizado sob Diocleciano, junto com 10.203 de seus companheiros soldados […].

Colosseo
No dia 23 de março, seu olhar atônito contemplou as gigantescas ruínas do anfiteatro Flaviano ou Colosseo, de forma oval com 527 metros de circunferência externa, e cinquenta metros de altura por um longo trecho. Nos tempos de seu esplendor era coberto de mármores, ornado por colunatas, centenas de estátuas, obeliscos, quadrigas de bronze; e em seu interior sustentava tudo ao redor imensas arquibancadas, que podiam abrigar 200 mil pessoas para assistir aos combates de feras e de gladiadores, e ao massacre de milhares e milhares de mártires. Dom Bosco entrou na arena dos espetáculos que mede 241 metros de circunferência […]

San Clemente
No dia 24 de março Dom Bosco foi à Basílica de São Clemente [basilica di S. Clemente] para venerar as relíquias do quarto Papa depois de São Pedro, as de Santo Inácio, mártir, Bispo de Antioquia; foi também para admirar a arquitetura da antiquíssima igreja com três naves. Na do meio, diante do Altar da Confissão, há um recinto de mármore branco que é o coro para o clero menor, com dois púlpitos: um para o canto do Evangelho, junto ao qual se eleva uma pequena coluna destinada ao círio pascal e outro para o subdiácono que deve ler a epístola; ao lado deste último uma estante para os clérigos cantores e leitores das profecias e dos outros livros das sagradas escrituras. Ao redor da abside há um assento destinado aos sacerdotes e, no fundo, no centro, surge, sobre três degraus, a cátedra do bispo […].

Deaqui Dom Bosco foi para a igreja dos Quatro Coroados [chiesa dei Quattro Coronati]para visitar os sepulcros dos santos mártires Severo, Severino, Carpóforo e Vitorino, mortos sob Diocleciano. Depois passou por S. Giovanni diante da Porta Latina, junto da qual está uma Capela construída no lugar onde São João Evangelista foi colocado na caldeira de óleo fervente; dali avançou até a igrejinha do Quo Vadis, assim chamada porque apareceu naquele lugar o Salvador a São Pedro, que saía de
Roma para fugir do furor da perseguição:
– Senhor, para onde vai? gritou o Apóstolo maravilhado. E Jesus lhe respondeu:
– Venho para ser crucificado de novo. São Pedro entendeu e voltou para Roma onde o esperava o martírio. Desse pequeno templo, Dom Bosco retomou a estrada, depois de ter dado uma olhada à via Apia, ao longo da qual se contam muitíssimos mausoléus dos tempos do paganismo, que recordam qual fim ameace toda a grandeza humana

Dom Bosco… salesiano!
Uma cena graciosa aconteceu na manhã do dia 25 de março. Dom Bosco, atravessando o Tibre, viu em uma pequena praça uns trinta meninos que se divertiam. Sem mais, se pôs no meio deles, que, parando as brincadeiras,olhavam-no maravilhados. Dom Bosco levantou então a mão, mantendo
entre os dedos uma medalha, e depois exclamou:
– Vocês são muitos e sinto não ter muitas medalhas para dar uma para
cada um. 
Aqueles meninos, tomando coragem, gritaram a plenos pulmões, levantando as mãos:
– Não importa, não importa… para mim, para mim! Dom Bosco acrescentou:
– Está bem. Não tendo para todos, esta medalha quero dá-la ao melhor. Quem de vocês é o melhor?
– Sou eu, sou eu! gritaram todos juntos. Ele continuou:
– Mas o que posso fazer se todos são bons igualmente? Está bem: quero dá-la ao mais malandro! Quem entre vocês é o mais malandro?
– Sou eu, sou eu! responderam com gritos atordoantes.
O Marquês Patrizi e os seus amigos, a uma certa distância, sorriam comovidos e maravilhados ao ver Dom Bosco tratar assim familiarmente com aqueles meninos que pela primeira vez tinha encontrado. E exclamavam:
– Eis um outro São Filipe Neri, amigo da juventude. Dom Bosco, de fato, como se fosse um amigo já conhecido daqueles meninos, continuou a interrogá-los, se já tinham ouvido a Santa Missa, em qual igreja costumavam ir, se conheciam os oratórios que estavam por aquelas bandas […]. O diálogo estava animado e finalmente Dom Bosco, depois de tê-los exortados a serem sempre bons cristãos, prometia que passaria outra vez por aquela praça e traria uma medalha, ou melhor, uma imagem para cada um deles; depois, saudando-os afetuosamente, saiu do meio daquela turba, e, voltando àqueles senhores que o esperavam, mostrou-lhes a única medalha que tinha ainda na mão. Nada tinha dado àqueles meninos, no entanto, tinha-os deixado contentes.

Santo Stefano Rotondo
No dia 26 de março, Dom Bosco retornou ao Celio na espaçosa igreja de Santo Estêvão Redondo [chiesa di S. Stefano Rotondo], chamada assim por sua forma. O seu beiral circular é sustentado por 56 colunas. Em todas as paredes ao redor estão pintadas as cenas dos suplícios atrozes com os quais foram massacrados os mártires. É ornada por mosaicos do século VII, que representam Jesus crucificado, com alguns santos, e conserva os corpos de dois confessores da fé, Santo Primo e Santo Feliciano. Dali Dom Bosco passou para S. Maria in Dominica ou della Navicella (por causa de uma barca de mármore que está na praça). Tem três naves separadas por 18 colunas e contém mosaicos do século IX. Entre esses se vê a Virgem no lugar de honra entre muitos anjos e, aos pés dela, ajoelhado, o Papa Pascal […].

O Santo Padre, no entanto, tinha manifestado o desejo que Dom Bosco assistisse no Vaticano ao devoto e magnífico espetáculo de todas as funções da Semana Santa. Por isso, encarregou Monsenhor Borromeu de convidá-lo em seu nome e de arrumar-lhe um lugar no qual pudesse à vontade ser espectador dos ritos sagrados. O Monsenhor o fez procurar por todo o dia, mas sem êxito. Finalmente, quando voltou à residência do Conde De Maistre tarde da noite, soube que Dom Bosco tinha se retirado para o seu quarto. Todavia, dizendo que vinha por ordem do Papa, foi acompanhado até o quarto e apresentou a Dom Bosco a carta-convite com a qual era admitido a receber a palma bendita das mãos de Sua Santidade. Dom Bosco a leu logo e exclamou que iria com grande prazer.

Páscoa Romana de Dom Bosco. O Domingo de Ramos
No domingo, 28 de março, Dom Bosco com o Clérigo Rua entraram na Basílica de São Pedro muito antes que começassem as funções. O Conde Carlos De Maistre o acompanhou até a tribuna dos diplomatas, onde lhe fora preparado o lugar. Dom Bosco estava de olho porque conhecia a importância das cerimônias da Igreja. Ao seu lado estava um milorde inglês protestante, maravilhado com aquela solenidade de ritos. A certo ponto um cantor soprano da Capela Sistina cantou uma parte solo, mas tão bem que Dom Bosco ficou comovido às lágrimas e aquele milorde voltou-se para ele e exclamou em latim, porque em outra língua não sabia como entender-se:
– Post hoc paradisus! (Depois disso, o paraíso!, n.d.r.). Aquele senhor depois de algum tempo converteu-se ao catolicismo e depois foi padre e bispo. Como o Papa abençoara as palmas, quando chegou sua vez, o corpo diplomático desfilou em direção ao trono do Pontífice, e cada embaixador e ministro recebeu a palma de suas mãos. Também Dom Bosco e o Clérigo Rua se ajoelharam aos pés do Pontífice e receberam a palma. Assim Pio IX quis: e não era Dom Bosco um embaixador do Altíssimo? O Clérigo Rua, voltando junto dos rosminianos, presenteou sua palma ao P. Pagani, que muito agradeceu a gentileza […].

Dom Bosco caudatário
O Cardeal Marini, que era um dos dois cardeais diáconos assistentes ao trono, para que Dom Bosco pudesse assistir a todas as funções da Semana Santa, tomou-o como caudatário. Assim, ele esteve, em veste violeta, quase o tempo todo do cerimonial ao lado do Papa e pôde saborear os cantos gregorianos e as músicas de Allegri e de Palestrina.
Na Quinta-feira Santa, viu pontificar a Missa do Cardeal Mario Mattei como o mais ancião dos bispos suburbicários, em vez do cardeal decano do sacro colégio que estava impedido. Dom Bosco seguiu o Pontífice que em procissão levava o Santíssimo Sacramento à Capela Paulina para repô-lo na urna aí preparada; acompanhou-o no balcão vaticano do qual abençoa Roma e o mundo; assistiu ao lava-pés feito pelo Papa a treze sacerdotes e participou da ceia comemorativa
deles, servida pelo mesmo Vigário de Jesus Cristo.

A bênção Urbi et Orbi
[…] No dia 4 de abril as salvas da artilharia do Castel Sant’Angelo anunciavam o dia de Páscoa. Pio IX desceu pelas dez horas à Basílica para o pontifical. Logo depois, precedido por um cortejo de bispos e cardeais, ele foi até a Loggia para a bênção Urbi et Orbi. Dom Bosco, com o Cardeal Marini e um bispo, ficou por um instante perto da sacada, coberta por um magnífico tecido sobre o qual foram depositadas três áureas tiaras. O cardeal disse a Dom Bosco:
– Observe que espetáculo! Dom Bosco olhava atônito para a praça. Uma multidão
de 200 mil pessoas se aglomerava com o rosto voltado para a Loggia. Os tetos, as janelas, os terraços de todas as casas estavam ocupados. O Exército francês ocupava uma parte do espaço entre o obelisco e a escadaria de São Pedro. Os batalhões da infantaria pontifícia estavam enfileirados à direita e à esquerda. Atrás, a cavalaria e a artilharia. Milhares de carruagens estavam paradas nas duas alas da praça, perto dos pórticos de Bernini, e ao fundo perto das casas. Especialmente sobre aquelas alugadas estavam em pé grupos de pessoas que pareciam dominar a praça. Era um vozear clamoroso, um pisoteio de cavalos, uma confusão incrível. Ninguém pode fazer ideia de tal espetáculo.

Encurralado  
Dom Bosco, que deixara o Papa na Basílica no ato da veneração das insignes relíquias expostas, pensava que ele demoraria a chegar. Absorto em contemplar tanta gente de todas as nações, não percebeu a chegada do papa sentado na cadeira gestatória. Encontrou-se, então, numa posição difícil; apertado entre a cadeira e a balaustrada, apenas podia mexer-se; tudo ao redor da cadeira estava ocupado por cardeais, bispos, cerimoniários e sediários, de tal maneira que não via espaço para sair dali. Voltar o olhar para o Papa era inconveniente; dar-lhe os ombros, falta de educação; permanecer no centro do balcão, uma coisa ridícula. Não podendo fazer melhor, voltou-se de lado; então, a ponta de um pé do Papa pousou sobre seu ombro.

Nesse interim, um silêncio solene reinou na praça de modo que se podia ouvir o zumbido de uma mosca voando. Os próprios cavalos estavam imóveis. Dom Bosco, por nada perturbado, atento ao mínimo incidente, observou que um só relincho e o som de um relógio que batia as horas fizeram se ouvir enquanto o Papa, sentado, recitava algumas orações de rito. Ele, no entanto, visto que o pavimento da Loggia estava ornado de folhagens e flores, curvou-se e recolheu algumas daquelas flores e as colocou entre as páginas do livro que tinha em mãos. Finalmente Pio IX levantou-se para abençoar: abriu os braços, elevou ao céu as mãos, estendeu-as sobre a multidão, que inclinou a cabeça, e a sua voz no cantar a fórmula da bênção, sonora, forte, solene, se ouvia além da praça Rusticucci e do sótão do palácio dos escritores da Civiltà Cattolica.

A multidão respondeu à bênção do Papa com uma imensa ovação. Então o Cardeal Ugolini leu em latim o Breve da indulgência plenária e logo em seguida o Cardeal Marini o repetiu, mas em língua italiana. Dom Bosco havia se ajoelhado, e quando se levantou, o cortejo papal já havia desaparecido. Todos os sinos ocavam em festa, o canhão de Castel Sant’Angelo ribombava, as bandas militares faziam soar suas trompetas. O cardeal Marini, acompanhado pelo caudatário, desceu e foi em direção à sua carruagem. Assim que esta se moveu, Dom Bosco sentiu-se tomado pelo mal causado por aquele movimento que revirava seu estômago; não podendo mais resistir, manifestou ao cardeal seu desconforto. Por seu conselho, subiu na caixa com o cocheiro, mas o mal-estar não diminuiu, então desceu para caminhar a pé. Estando vestido de roxo, teria sido objeto de admiração ou escárnio se tivesse atravessado Roma assim; por isso, o secretário gentilmente desceu da carruagem e o acompanhou ao palácio […].

A lembrança do Papa
Dom Bosco, no dia 6 de abril, voltou para uma audiência particular com Pio IX em companhia do Clérigo Rua e do Teólogo Murialdo, admitido no Vaticano por gentil mediação do próprio Dom Bosco. Entraram na antessala às 9 horas da noite e logo Dom Bosco foi chamado. O Papa apenas o viu à sua frente e lhe disse com jeito sério:
– Dom Bosco, aonde o senhor se meteu no dia de Páscoa na hora da bênção papal? Ali, na frente do Papa! E tendo o ombro sob o meu pé como se o Pontífice tivesse necessidade de ser escorado por Dom Bosco.
– Santo Padre, respondeu Dom Bosco, tranquilo e humilde, fui pego de surpresa e peço-lhe perdão se de qualquer modo o ofendi!
– E o senhor acrescenta ainda a afronta em perguntar-me se me ofendeu? Dom Bosco olhou para o Papa, parecendo-lhe fictício tal comportamento. E, de fato, um sorriso sinalizava aparecer naqueles lábios venerandos. E o Pontífice continuou: Mas o que lhe passou na cabeça de colher flores naquele momento? Precisou de toda a gravidade de Pio IX para não desatar a rir. […].
– Beatíssimo Padre, suplicou Dom Bosco, tenha a bondade de sugerir-me uma máxima que eu possa repetir aos meus jovens como lembrança saída dos lábios do Vigário de Jesus Cristo.
– A presença de Deus! Respondeu o Papa. Diga aos seus jovens em meu nome que se guiem sempre com esse pensamento!… E agora não tem mais nada para me pedir? O senhor deseja certamente ainda alguma coisa.
– Santo Padre, a Vossa Santidade se dignou conceder-me tudo quanto pedi e por agora não me resta mais nada senão agradecê-la do mais íntimo do meu coração.
– No entanto, no entanto, o senhor deseja ainda algo. A essa réplica, Dom Bosco estava lá como suspenso sem proferir palavra, quando o Pontífice acrescentou:
– E como? Não deseja deixar alegres seus meninos, quando voltar a eles?
– Santidade, isso sim.
– Então, espere. Poucos instantes antes tinham entrado naquela sala o Teólogo Murialdo, o Clérigo Rua e P. Cerutti de Varazze, chanceler na Cúria Arquiepiscopal de Gênova. Eles ficaram maravilhados com a familiaridade com que o Papa tratava Dom Bosco e do que viram naquele momento. O Papa abriu o cofre, tirou com as duas mãos um monte de moedas romanas de ouro e sem contá-las entregou a Dom Bosco, dizendo:
– Pegue e dê uma boa merenda aos seus filhinhos. Cada um pode imaginar a impressão que fez em Dom Bosco esse gesto de paterna bondade de Pio IX que com grande amor se dirigia também aos eclesiásticos sobrevindos, abençoava os terços, os crucifixos e outros objetos de devoção que lhe apresentaram, e dava a todos uma preciosa lembrança em medalhas.

O desafio educativo de Dom Bosco
Entre os cardeais que passou a homenagear está o Eminentíssimo Tosti, a convite do qual dirigiu novamente algumas palavras aos jovens do Refúgio de São Miguel. O cardeal, satisfeito pela cortesia de Dom Bosco, sendo a hora de seu passeio, manifestou o desejo de tê-lo por companhia, e ambos saíram com a carruagem. Começou-se a falar do sistema mais apto para a educação dos jovens. Dom Bosco estava persuadido que os alunos daquele Internato não tinham familiaridade com os superiores, aliás, tinham medo deles: coisa pouco agradável, sob a direção de padres. Por isso dizia:
– Veja, Eminência, é impossível poder educar bem os jovens se eles não têm confiança nos superiores.
– Mas como, replicou o cardeal, se pode ganhar essa confiança?
– Procurando que eles se aproximem de nós, evitando qualquer causa que se afastem de nós.
– E como se pode fazer para aproximá-los de nós?
– Aproximando-nos deles, buscando adaptar-nos aos seus gostos, fazendo-nos semelhantes a eles. Quer fazer uma prova? Diga-me: em que ponto de Roma se pode encontrar um bom número de meninos?
– Na ‘iazza Termini e na Piazza del Popolo.
– Pois bem, vamos então à Piazza del Popolo.

O cardeal deu ordem ao cocheiro e foram. Assim que chegaram, Dom Bosco desceu da carruagem, e o cardeal ficou observando-o. Vendo um grupo de meninos que brincavam, Dom Bosco aproximou-se, mas os garotos fugiram. Então, chamou-os com boas maneiras e eles, depois de alguma hesitação, retornaram. Dom Bosco lhes deu alguma coisinha, pediu notícias de suas famílias, perguntou do que brincavam, convidou-os a retomar a brincadeira, pôs-se a comandar o divertimento deles, e ele mesmo tomou parte. Então, outros jovens que estavam olhando de longe correram em grande número dos quatro cantos da praça e rodearam o padre, que os acolheu amorosamente e tinha para todos uma boa palavra e um presentinho. Perguntava se fossem bons, se rezassem as orações, se iam se confessar. Quando quis ir embora, eles o seguiram por um bom trecho e só o deixaram quando subiu na carruagem. O cardeal estava maravilhado.
– Viu?
– Tem razão! exclamou o cardeal […].

As últimas visitas
Suas últimas visitas foram reservadas à Confissão de São Pedro e às Catacumbas. Depois de ter rezado na Basílica de São Sebastião [basilica di S. Sebastiano], visto as duas das flechas que feriram o santo tribuno e a coluna na qual foi amarrado, desceu às galerias que guardam os ossos de milhares e milhares de mártires e onde São Filipe Neri tantas noites esteve em vigília rezando fervorosamente. Passou, depois, às Catacumbas de São Calisto [Catacombe di san Callisto]. Aí esperava-o o Cavaleiro G. B. De Rossi, quem descobrira aquelas catacumbas e ao qual Monsenhor de San Marzano o tinha apresentado. Quem entra naqueles lugares experimenta uma tal comoção que permanece inesquecível pelo resto da vida; e Dom Bosco estava absorto em santos e doces pensamentos percorrendo aqueles subterrâneos, onde os primeiros cristãos, com a missa, as orações em comum, o canto dos salmos e das profecias, a comunhão eucarística, o ouvir a palavra dos bispos e dos papas tinham encontrado a força necessária para o martírio que os esperava. É impossível olhar com olhos enxutos aqueles lóculos que tinham guardado os corpos ensanguentados ou queimados de tantos heróis da fé, as tumbas de quase catorze papas que tinham dado a vida para testemunhar o que ensinavam e a cripta de Santa Cecília.

Dom Bosco observava os muitos afrescos antiquíssimos que simbolizavam Jesus Cristo e a Eucaristia; e as imagens que representavam o matrimônio de Maria Santíssima com São José; a Assunção de Maria ao céu, a Mãe de Deus com o Menino nos braços ou sobre os joelhos. Ele ficou encantado pelo sentimento de simplicidade que resplandece nessas imagens, nas quais a arte cristã primitiva soubera reproduzir a beleza incomparável da alma e o ideal altíssimo da perfeição moral que se deve atribuir à Virgem. Não faltavam outras figuras de santos e de mártires. Dom Bosco saiu das catacumbas às 6h da tarde e tinha entrado nelas às 8h da manhã […].

Rumo a casa
Dom Bosco, no dia 14 de abril, partia de Roma com o Clérigo Rua, feliz pelo lançamento das bases da Sociedade de São Francisco de Sales […]. Alugou uma carruagem, fez uma breve parada no povoado de Palo e encontrou o dono perfeitamente livre das febres: a sua cura fora instantânea. Ele nunca esqueceu o benefício e, depois de muito tempo, por volta do ano de 1875 ou 1876, tendo ido a Gênova por razões comerciais, quis avançar sua viagem até Turim. Informando-se e sabendo por telégrafo que Dom Bosco estava no Oratório, foi até lá; mas Dom Bosco, naquele dia, estava almoçando com o Sr. Carlos Occelletti. Foi logo encontrá-lo, numa felicidade sem fim. O Sr. Occelletti lembrava sempre com grande satisfação a história que ouvira sobre aquela cura. Tendo chegado em Civitavecchia e feita uma visita ao Delegado Pontifício, Dom Bosco foi ao porto para embarcar.

As ondas dessa vez estavam calmas e o tempo bom, assim Dom Bosco pôde descer em Livorno, conversar com algum amigo e visitar algumas igrejas. Retomado o mar à noite, Rua se lembra como a barca chegasse ao porto de Gênova ao surgir de uma esplêndida aurora que iluminava o magnífico panorama da soberba cidade. Dom Bosco tinha acabado de pôr os pés em terra e logo se dirigiu ao Colégio dos Artigianelli, onde o esperava o P. Montebruno e o Sr. Giuseppe Canale. Depois do meio-dia subiu no trem. Atravessando a cidade, teve uma grata surpresa: tocando os sinos, o Angelus, muitas pessoas pelas ruas e pelas praças tiraram o chapéu, e os mesmos carregadores se levantaram de seus bancos para recitar a oração. Muitas vezes ele descrevera esse espetáculo para a edificação de seus alunos. Chegou em Turim no dia 16 de abril, sendo acolhido pelos jovens com tal exultação e afeto que nenhum pai poderia desejar-se melhor dos próprios filhos.




O título de Basílica ao Templo do Sagrado Coração em Roma

No centenário da morte do Padre Paulo Álbera, foi destacado como o segundo sucessor de Dom Bosco realizou o que poderia ser descrito como um sonho de Dom Bosco. De fato, trinta e quatro anos após a consagração do templo do Sagrado Coração em Roma, que ocorreu na presença do já exausto Dom Bosco (maio de 1887), o Papa Bento XV – o papa da famosa e inédita definição da Primeira Guerra Mundial como “massacre inútil” – conferiu à igreja o título de Basílica Menor (11 de fevereiro de 1921). Para sua construção, Dom Bosco havia “dado sua alma” (e seu corpo também!) nos últimos sete anos de sua vida. Ele havia feito o mesmo nos vinte anos anteriores (1865-1868) com a construção da igreja de Maria Auxiliadora em Turim-Valdocco, a primeira igreja salesiana elevada à dignidade de basílica menor em 28 de junho de 1911, na presença do novo Reitor-Mor, P. Paulo Álbera.

A descoberta da súplica
Mas como foi alcançado esse resultado? Quem estava por trás disso? Agora sabemos com certeza graças à recente descoberta do rascunho datilografado da solicitação desse título pelo Reitor-Mor, P. Paulo Álbera. Está incluído em um livreto comemorativo do 25º aniversário do Sagrado Coração editado em 1905 pelo então diretor, P. Francesco Tomasetti (1868-1953). O texto datilografado, datado de 17 de janeiro de 1921, tem correções mínimas feitas pelo Reitor-Mor, mas, o que é importante, traz sua assinatura autógrafa.
Depois de descrever a obra de Dom Bosco e a incessante atividade da paróquia, provavelmente tirada do antigo arquivo, o padre Álbera se dirige ao Papa nos seguintes termos:

Enquanto a devoção ao Sagrado Coração de Jesus está crescendo e se espalhando por todo o mundo, e novos Templos estão sendo dedicados ao Divino Coração, também através da nobre iniciativa dos salesianos, como em São Paulo, no Brasil, em La Plata, na Argentina, em Londres, em Barcelona e em outros lugares, parece que o primeiro Templo-Santuário dedicado ao Sagrado Coração de Jesus em Roma, na qual uma devoção tão importante tem uma afirmação tão digna da Cidade Eterna, merece distinção especial. O abaixo-assinado, portanto, tendo ouvido o parecer do Conselho Superior da Pia Sociedade Salesiana, humildemente suplica que Vossa Santidade se digne conceder ao Templo-Santuário do Sagrado Coração de Jesus, no Castro Pretório, em Roma, o Título e os Privilégios de Basílica Menor, esperando dessa honrosa elevação o aumento da devoção, da piedade e de toda atividade catolicamente benéfica”.

A súplica, em cópia definitiva, assinada pelo padre Álbera, foi provavelmente enviada pelo procurador, padre Francisco Tomasetti, à Sagrada Congregação dos Breves, que a acolheu favoravelmente. Ele rapidamente redigiu a minuta do Breve Apostólico a ser mantido nos Arquivos do Vaticano, transcreveu-o por calígrafos especializados em um rico pergaminho e o passou para a Secretaria de Estado para a assinatura do titular do momento, o Cardeal Pedro Gasparri.
Hoje, os fiéis podem admirar esse original da concessão do título solicitado, muito bem emoldurado na sacristia da Basílica (veja a foto).
Só podemos agradecer à Dra. Patrícia Buccino, uma estudiosa de arqueologia e história, e ao historiador salesiano P. Jorge Rossi, que divulgou a notícia. Cabe a eles completar a investigação iniciada com a busca da correspondência completa nos Arquivos do Vaticano, que também será divulgada ao mundo científico por meio da conhecida revista de história salesiana “Ricerche Storiche Salesiane”.

Sagrado Coração: uma basílica nacional com alcance internacional
Vinte e seis anos antes, em 16 de julho de 1885, a pedido de Dom Bosco e com o consentimento explícito do Papa Leão XIII, Dom Caetano Alimonda, arcebispo de Turim, havia exortado calorosamente os italianos a participarem do sucesso da “nobre e santa proposta [do novo templo], chamando-a de voto nacional dos italianos”.
Pois bem, o Padre Álbera, em seu pedido ao pontífice, depois de recordar o insistente apelo do cardeal Alimonda, lembrou que todas as nações do mundo haviam sido convidadas a contribuir economicamente para a construção, a decoração do templo e as obras anexas (incluindo o inevitável oratório salesiano com uma casa de acolhida!), de modo que o Templo-Santuário, além de um voto nacional, se tornasse uma “manifestação mundial ou internacional de devoção ao Sagrado Coração”.
A esse respeito, num artigo histórico-ascético publicado por ocasião do 1º Centenário da Consagração da Basílica (1987), o estudioso Armando Pedrini o definiu como: “Um templo que é, portanto, internacional por causa da catolicidade e da universalidade de sua mensagem a todos os povos”, considerando também a “posição proeminente” da Basílica, adjacente à reconhecida internacionalidade da estação ferroviária.
Roma-Termini, portanto, não é apenas uma grande estação ferroviária com problemas de ordem pública e um território difícil de administrar, que é frequentemente mencionada nos jornais, como as estações ferroviárias de muitas capitais europeias. Mas é também a sede da Basílica do Sagrado Coração de Jesus. E se à tarde e à noite a área não transmite segurança aos turistas, durante o dia a Basílica distribui paz e serenidade aos fiéis que entram nela, param em oração e recebem os sacramentos.
Será que os peregrinos que passarão pela estação de trem Termini no próximo ano santo (2025) se lembrarão disso? Tudo o que precisam fazer é atravessar uma rua… e o Sagrado Coração de Jesus os espera.

PS. Em Roma há uma segunda basílica paroquial salesiana, maior e artisticamente mais rica do que a do Sagrado Coração: é a de São João Bosco em Tuscolano, que se tornou tal em 1965, poucos anos depois de sua inauguração (1959). Onde está localizada? “Obviamente” no bairro Don Bosco (a poucos passos dos famosos estúdios Cinecittà). Se a estátua sobre o campanhário da basílica do Sagrado Coração domina a praça da estação Termini, a cúpula da basílica de Dom Bosco, ligeiramente inferior à de São Pedro, no entanto, olha para ela de frente, embora a partir de dois pontos extremos da capital. E como não há o dois sem o três, há uma terceira esplêndida basílica paroquial salesiana em Roma: a de Santa Maria Auxiliadora, no distrito de Appio-Tuscolano, ao lado do grande Instituto Pio XI.

Carta apostólica intitulada Pia Societas, datada de 11 de fevereiro de 2021, com a qual Sua Santidade Bento XV elevou a igreja do Sagrado Coração de Jesus à categoria de Basílica.

Ecclesia parochialis SS.mi Cordis Iesu ad Castrum Praetorium in urbe titulo et privilegiis Basilicae Minoris decoratur.
Benedictus pp. XV

            Ad perpetuam rei memoriam.
            Pia Societas sancti Francisci Salesii, a venerabili Servo Dei Ioanne Bosco iam Augustae Taurinorum condita atque hodie per dissitas quoque orbis regiones diffusa, omnibus plane cognitum est quanta sibi merita comparaverit non modo incumbendo actuose sollerterque in puerorum, orbitate laborantium, religiosam honestamque institutionem, verum etiam in rei catholicae profectum tum apud christianum populum, tum apud infideles in longinquis et asperrimis Missionibus. Eiusdem Societatis sodalibus est quoque in hac Alma Urbe Nostra ecclesia paroecialis Sacratissimo Cordi Iesu dicata, in qua, etsi non abhinc multos annos condita, eximii praesertim Praedecessoris Nostri Leonis PP. XIII iussu atque auspiciis, christifideles urbani, eorumdem Sodalium opera, adeo ad Dei cultum et virtutum laudem exercentur, ut ea vel cum antiquioribus paroeciis in honoris ac meritorum contentionem veniat. Ipsemet Salesianorum Sodalium fundator, venerabilis Ioannes Bosco, in nova Urbis regione, aere saluberrimo populoque confertissima, quae ad Gastrum Praetorium exstat, exaedificationem inchoavit istius templi, et, quasi illud erigeret ex gentis italicae voto et pietatis testimonio erga Sacratissimum Cor Iesu, stipem praecipue ex Italiae christifidelibus studiose conlegit; verumtamen pii homines ex ceteris nationibus non defuerunt, qui, in exstruendum perficiendumque templum istud, erga Ssmum Cor Iesu amore incensi, largam pecuniae vim contulerint. Anno autem MDCCCLXXXVII sacra ipsa aedes, secundum speciosam formam a Virginio Vespignani architecto delineatam, tandem perfecta ac sollemniter consecrata dedicataque est. Eamdem vero postea, magna cum sollertia, Sodales Salesianos non modo variis altaribus, imaginibus affabre depictis et statuis, omnique sacro cultui necessaria supellectili exornasse, verum etiam continentibus aedificiis iuventuti, ut tempora nostra postulant, rite instituendae ditasse, iure ac merito Praedecessores Nostri sunt” laetati, et Nos haud minore animi voluptate probamus. Quapropter cum dilectus filius Paulus Albera, hodiernus Piae Societatis sancti Francisci Salesii rector maior, nomine proprio ac religiosorum virorum quibus praeest, quo memorati templi Ssmi Cordi Iesu dicati maxime augeatur decus, eiusdem urbanae paroeciae fidelium fides et pietas foveatur, Nos supplex rogaverit, ut eidem templo dignitatem, titulum et privilegia Basilicae Minoris pro Nostra benignitate impertiri dignemur; Nos, ut magis magisque stimulos fidelibus ipsius paroeciae atque Urbis totius Nostrae ad Sacratissimum Cor Iesu impensius colendum atque adamandum addamus, nec non benevolentiam, qua Sodales Salesianos ob merita sua prosequimur, publice significemus, votis hisce piis annuendum ultro libenterque censemus. Quam ob rem, conlatis consiliis cum VV. FF. NN. S. R. E. Cardinalibus Congregationi Ss. Rituum praepositis, Motu proprio ac de certa scientia et matura deliberatione Nostris, deque apostolicae potestatis plenitudine, praesentium Litterarum tenore perpetuumque in modum, enunciatum templum Sacratissimo Cordi Iesu dicatum, in hac alma Urbe Nostra atque ad Castrum Praetorium situm, dignitate ac titulo Basilicae Minoris honestamus, cum omnibus et singulis honoribus, praerogativis, privilegiis, indultis quae aliis Minoribus Almae huius Urbis Basilicis de iure competunt. Decernentes praesentes Litteras firmas, validas atque efficaces semper exstare ac permanere, suosque integros effectus sortiri iugiter et obtinere, illisque ad quos pertinent nunc et in posterum plenissime suffragari; sicque rite iudicandum esse ac definiendum, irritumque ex nunc et inane fieri, si quidquam secus super his, a quovis, auctoritate qualibet, scienter sive ignoranter attentari contigerit. Non obstantibus contrariis quibuslibet.

            Datum Romae apud sanctum Petrum sub annulo Piscatoris, die XI februarii MCMXXI, Pontificatus Nostri anno septimo.
P. CARD. GASPARRI, a Secretis Status.

***

A igreja paroquial do Santíssimo Coração de Jesus no Castelo Praetoriano, na cidade, é agraciada com o título e os privilégios de Basílica Menor.
Bento XV

            Para memória perpétua.
            A Pia Sociedade de São Francisco de Sales, fundada pelo venerável Servo de Deus João Bosco em Turim e hoje espalhada por diversas regiões do mundo, é amplamente conhecida por seus grandes méritos, não apenas pelo empenho ativo e diligente na formação religiosa e honesta de crianças órfãs, mas também pelo progresso da causa católica, tanto entre o povo cristão quanto entre os infiéis em missões longínquas e difíceis. Os membros dessa Sociedade também têm nesta nossa Alma Cidade a igreja paroquial dedicada ao Sacratíssimo Coração de Jesus, que, embora fundada há poucos anos, especialmente por ordem e sob os auspícios do nosso ilustre predecessor Leão XIII, é tão bem cuidada pelos fiéis urbanos e pelos mesmos membros, que sua prática do culto a Deus e louvor das virtudes rivaliza até com as paróquias mais antigas em honra e méritos. O próprio fundador dos membros salesianos, o venerável João Bosco, iniciou a construção deste templo na nova região da cidade, de ar muito saudável e povoada, que fica no Castelo Praetoriano, e, como se erguesse este edifício como um voto e testemunho de piedade do povo italiano ao Sacratíssimo Coração de Jesus, reuniu especialmente contribuições dos fiéis italianos; contudo, não faltaram homens piedosos de outras nações que, inflamados pelo amor ao Sacratíssimo Coração de Jesus, contribuíram generosamente para a construção e conclusão deste templo. No ano de 1887, o próprio edifício sagrado, segundo o belo projeto do arquiteto Virginio Vespignani, foi finalmente concluído, solenemente consagrado e dedicado. Posteriormente, com grande zelo, os membros salesianos não só ornamentaram a igreja com vários altares, imagens habilmente pintadas e estátuas, e todo o mobiliário necessário para o culto sagrado, mas também enriqueceram os edifícios anexos para a juventude, conforme as necessidades dos nossos tempos, para uma adequada formação, o que nossos predecessores aprovaram com justa alegria, e nós também aprovamos com não menor satisfação. Por isso, quando o amado filho Paulo Albera, atual reitor maior da Pia Sociedade de São Francisco de Sales, em seu próprio nome e em nome dos religiosos sob sua direção, suplicou para que, para maior honra do templo dedicado ao Santíssimo Coração de Jesus, fosse concedida a essa igreja paroquial urbana a dignidade, o título e os privilégios de Basílica Menor, nós, para estimular ainda mais a fé dos paroquianos e de toda a nossa cidade a cultuar e amar intensamente o Sacratíssimo Coração de Jesus, e para manifestar publicamente a benevolência com que acompanhamos os membros salesianos por seus méritos, consentimos de bom grado a esses piedosos desejos. Por isso, após consultas com os Eminentíssimos Senhores Cardeais Prefeitos da Congregação dos Ritos Sagrados, por nosso próprio movimento, com pleno conhecimento e madura deliberação, e pela plenitude do poder apostólico, declaramos por meio destas presentes cartas que o templo dedicado ao Sacratíssimo Coração de Jesus, situado nesta nossa alma cidade e no Castelo Praetoriano, é honrado com a dignidade e o título de Basílica Menor, com todas as honras, prerrogativas, privilégios e indulgências que por direito competem às outras Basílicas Menores desta alma cidade. Determinamos que estas cartas sejam sempre firmes, válidas e eficazes, produzindo seus plenos efeitos continuamente, e que sejam plenamente apoiadas por todos a quem dizem respeito, agora e no futuro; e que seja julgado e decidido assim, e que qualquer tentativa contrária, por qualquer autoridade, consciente ou ignorante, seja desde já nula e sem efeito. Não obstante quaisquer disposições contrárias.

            Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o Anel do Pescador, no dia 11 de fevereiro de 1921, no sétimo ano do nosso pontificado.
P. CARD. GASPARRI, Secretário de Estado.




As profecias de Malaquias. Os papas e o fim do mundo

As chamadas “Profecias de Malaquias” representam um dos textos proféticos mais fascinantes e controversos ligados ao destino da Igreja Católica e do mundo. Atribuídas a Malaquias de Armagh, arcebispo irlandês que viveu no século XII, essas previsões descrevem brevemente, através de enigmáticos lemas latinos, os pontífices desde Celestino II até o último papa, o misterioso “Pedro Segundo”. Embora sejam consideradas pelos estudiosos como falsificações modernas que remontam ao final do século XVI, as profecias continuam a suscitar debates, interpretações apocalípticas e especulações sobre possíveis cenários escatológicos. Independentemente de sua autenticidade, elas representam, ainda assim, um forte chamado à vigilância espiritual e à espera consciente do juízo final.

Malaquias de Armagh. Biografia de um “Bonifácio da Irlanda”
Malaquias (em irlandês Máel Máedóc Ua Morgair, em latim Malachias) nasceu por volta de 1094 perto de Armagh, de uma família nobre. Recebeu sua formação intelectual do erudito Imhar O’Hagan e, apesar de sua relutância inicial, foi ordenado sacerdote em 1119 pelo arcebispo Cellach. Após um período de aperfeiçoamento litúrgico no mosteiro de Lismore, Malaquias empreendeu uma intensa atividade pastoral que o levou a ocupar cargos de crescente responsabilidade. Em 1123, como Abade de Bangor, iniciou a restauração da disciplina sacramental; em 1124: nomeado Bispo de Down e Connor, prosseguiu a reforma litúrgica e pastoral e em 1132, tornado Arcebispo de Armagh, após difíceis disputas com os usurpadores locais, libertou a sé primacial da Irlanda e promoveu a estrutura diocesana sancionada pelo sínodo de Ráth Breasail.

Durante seu ministério, Malaquias introduziu reformas significativas adotando a liturgia romana, substituindo as heranças monásticas de clãs pela estrutura diocesana prescrita pelo sínodo de Ráth Breasail (1111) e promoveu a confissão individual, o matrimônio sacramental e a crisma.
Por essas intervenções reformadoras, São Bernardo de Claraval o comparou a São Bonifácio, o apóstolo da Alemanha.

Malaquias fez duas viagens a Roma (1139 e 1148) para receber o pálio metropolitano para as novas províncias eclesiásticas da Irlanda, e nessa ocasião foi nomeado legado pontifício. No retorno da primeira viagem, com a ajuda de São Bernardo de Claraval, fundou a abadia cisterciense de Mellifont (1142), a primeira de numerosas fundações cistercienses em terras irlandesas. Morreu durante uma segunda viagem a Roma, em 2 de novembro de 1148 em Claraval, nos braços de São Bernardo, que escreveu sua biografia intitulada “Vita Sancti Malachiae” [Vida de São Malaquias].

Em 1190, o Papa Clemente III o canonizou oficialmente, tornando-o o primeiro santo irlandês proclamado segundo o procedimento formal da Cúria Romana.

A “Profecia dos Papas”: um texto que surge quatro séculos depois
À figura deste arcebispo reformador foi associada, apenas no século XVI, uma coleção de 112 lemas que descreveriam outros tantos pontífices: desde Celestino II até o enigmático “Pedro Segundo”, destinado a assistir à destruição da “cidade das sete colinas”.
A primeira publicação dessas profecias data de 1595, quando o monge beneditino Arnold Wion as inseriu em sua obra Lignum Vitae, apresentando-as como um manuscrito redigido por Malaquias durante sua visita a Roma em 1139.
As profecias consistem em breves frases simbólicas que deveriam caracterizar cada papa através de referências ao nome, ao local de nascimento, ao brasão ou a eventos significativos do pontificado. A seguir, são apresentados os lemas atribuídos aos últimos pontífices:

109 – De medietate Lunae (“Da metade da lua”)
Atribuído a João Paulo I, que reinou por apenas um mês. Foi eleito em 26.08.1978, quando a lua estava no último quarto (25.08.1978), e morreu em 28.09.1978, quando a lua estava no primeiro quarto (24.09.1978).

110 – De labore solis (“Da fadiga do sol”)
Atribuído a João Paulo II, que liderou a Igreja por 26 anos, o terceiro pontificado mais longo da história depois de São Pedro (34-37 anos) e do Beato Pio IX (mais de 31 anos). Foi eleito em 16.10.1978, pouco depois de um eclipse solar parcial (02.10.1978), e morreu em 02.04.2005, poucos dias antes de um eclipse solar anular (08.04.2005).

111 – Gloria olivae (“Glória da oliveira”)
Atribuído a Bento XVI (2005-2013). O cardeal Ratzinger, engajado no diálogo ecumênico e inter-religioso, escolheu o nome de Bento XVI em continuidade com Bento XV, papa que trabalhou pela paz durante a Primeira Guerra Mundial, como ele mesmo explicou em sua primeira Audiência Geral de 27 de abril de 2005 (a paz é simbolizada pelo ramo de oliveira trazido pela pomba a Noé ao fim do Dilúvio). Essa conexão simbólica foi ainda reforçada pela canonização, em 2009, de Bernardo Tolomei (1272-1348), fundador da congregação beneditina de Santa Maria do Monte Oliveto (Monges Olivetanos).

112[a] – In persecutione extrema Sanctae Romanae Ecclesiae sedebit… [Durante a perseguição final à Santa Igreja Romana reinará…]
Este não é propriamente um lema, mas uma frase introdutória. Na edição original de 1595, aparece como uma linha separada, sugerindo a possibilidade de inserir outros papas entre Bento XVI e o profetizado “Pedro Segundo”. Isso contradiria a interpretação que identifica necessariamente o Papa Francisco como o último pontífice.

112[b] – Petrus Secundus [Pedro Segundo]
Referente ao último papa (a Igreja teve como primeiro pontífice São Pedro e terá como último outro Pedro) que guiará os fiéis em tempos de tribulação.
O parágrafo inteiro da profecia diz:
“In persecutione extrema Sanctae Romanae Ecclesiae sedebit Petrus Secundus, qui pascet oves in multis tribulationibus; quibus transactis, Civitas septicollis diruetur, et Iudex tremendus judicabit populum suum. Amen.”
“Durante a perseguição final à Santa Igreja Romana, reinará Pedro Segundo, que apascentará suas ovelhas em meio a muitas tribulações; passadas estas, a cidade das sete colinas [Roma] será destruída, e o Juiz terrível julgará o seu povo. Amém.”
“Pedro Segundo” seria, portanto, o último pontífice antes do fim dos tempos, com uma clara referência apocalíptica à destruição de Roma e ao juízo final.

Especulações contemporâneas
Nos últimos anos, as interpretações especulativas se multiplicaram: alguns identificam o Papa Francisco como o 112º e último pontífice, outros supõem que ele foi um papa de transição para o verdadeiro último papa, e há até quem calcule 2027 como a possível data do fim dos tempos.
Esta última hipótese baseia-se em um cálculo curioso: desde a primeira eleição papal mencionada na profecia (Celestino II em 1143) até a primeira publicação do texto (durante o pontificado de Sisto V, 1585-1590) passaram-se cerca de 442 anos; seguindo a mesma lógica, adicionando outros 442 anos desde a publicação, chegaríamos a 2027. Essas especulações, no entanto, carecem de fundamento científico, pois o manuscrito original não contém referências cronológicas explícitas.

A autenticidade contestada
Desde o surgimento do texto, numerosos historiadores expressaram dúvidas sobre sua autenticidade por diversas razões:
– ausência de manuscritos antigos: não existem cópias datáveis antes de 1595;
– estilo linguístico: o latim utilizado é típico do século XVI, não do XII;
– precisão retrospectiva: os lemas referentes aos papas anteriores ao conclave de 1590 são surpreendentemente precisos, enquanto os posteriores são muito mais vagos e facilmente adaptáveis a eventos posteriores;
– finalidades políticas: em uma época de fortes tensões entre facções curiais, uma lista profética como essa poderia influenciar o eleitorado cardinalício no Conclave de 1590.

A posição da Igreja
A doutrina católica ensina, como consta no Catecismo, que o destino da Igreja não pode ser diferente daquele de seu Chefe, Jesus Cristo. Nos parágrafos 675-677 descreve-se “A provação derradeira da Igreja”:

Antes do advento de Cristo, a Igreja deve passar por uma provação final que abalará a fé de muitos crentes. A perseguição que acompanha a peregrinação dela na terra desvendará o “mistério de iniquidade” sob a forma de uma impostura religiosa que há de trazer aos homens uma solução aparente a seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A impostura religiosa suprema é a do Anticristo, isto e, a de um pseudomessianismo em que o homem glorifica a si mesmo em lugar de Deus e de seu Messias que veio na carne.
Esta impostura anticrística já se esboça no mundo toda vez que se pretende realizar na história a esperança messiânica que só pode realizar-se para além dela, por meio do juízo escatológico: mesmo em sua forma mitigada, a Igreja rejeitou esta falsificação do Reino vindouro sob o nome de milenarismo, sobretudo sob a forma política de um messianismo secularizado, “intrinsecamente perverso”.
A Igreja só entrará na glória do Reino por meio desta derradeira Páscoa, em que seguirá seu Senhor em sua Morte e Ressurreição. Portanto, o Reino não se realizará por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o desencadeamento último do mal, que fará sua Esposa descer do Céu. O triunfo de Deus sobre a revolta do mal assumirá a forma do Juízo Final depois do derradeiro abalo cósmico deste mundo que passa.

Ao mesmo tempo, a doutrina católica oficial convida à prudência, baseando-se nas próprias palavras de Jesus:
«Surgirão cristos e falsos profetas, que enganarão muita gente » (Mt 24,11).
«Hão de surgir, de fato, falsos messias e falsos profetas, que farão grandes prodígios e maravilhas para enganar, se possível, até os eleitos» (Mt 24,24)
.

A Igreja sublinha, seguindo o Evangelho de Mateus (Mt 24,36), que o momento do fim do mundo não é conhecível pelos homens, mas somente por Deus. E o Magistério oficial – O Catecismo (n. 673-679) reitera que ninguém pode “ler” a hora do retorno de Cristo.

As profecias atribuídas a São Malaquias nunca receberam aprovação oficial da Igreja. No entanto, independentemente de sua autenticidade histórica, elas nos lembram uma verdade fundamental da fé cristã: o fim dos tempos acontecerá, como foi ensinado por Jesus.

Há dois mil anos, os homens refletem sobre este evento escatológico, muitas vezes esquecendo que o “fim dos tempos” para cada um coincide com o próprio fim da existência terrena. Que importa se o fim de nossa vida coincidirá com o fim dos tempos? Para muitos não será assim. O que realmente importa é viver autenticamente a vida cristã no cotidiano, seguindo os ensinamentos de Cristo e estando sempre prontos a prestar contas ao Criador e Redentor pelos talentos recebidos. Permanece sempre atual a advertência de Jesus: «Vigiai, portanto, pois não sabeis em que dia virá o vosso Senhor» (Mt 24,42).
Nessa perspectiva, o mistério do “Pedro Segundo” não representa tanto uma ameaça de ruína, mas sim um convite à constante conversão e à confiança no desígnio divino de salvação.




Habemus Papam (Temos Papa): Leão XIV

Em 8 de maio de 2025, memória da Bem-Aventurada Virgem do Rosário de Pompeia, foi eleito o Cardeal Robert Francis Prevost (69 anos) como 267º Pontífice. É o primeiro Papa nascido nos Estados Unidos e escolheu o nome de Leão XIV.


Apresentamos seu perfil biográfico essencial

Nascimento
: 14 de setembro de 1955, Chicago (Illinois, EUA)
Família: Louis Marius Prevost (de origem francesa e italiana) e Mildred Martínez (de origem espanhola); irmãos Louis Martín e John Joseph
Idiomas: inglês, espanhol, italiano, português e francês; lê latim e alemão
Apelido no Peru: “Latin Yankee” – síntese de sua dupla alma cultural
Cidadania: estadunidense e peruana

Formação
– Seminário menor agostiniano (1973)
– Licenciatura em Ciências Matemáticas, Villanova University (1977)
– Mestrado em Teologia, Catholic Theological Union, Chicago (1982)
– Licenciatura em Direito Canônico, Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino – Angelicum (1984)
– Doutorado em Direito Canônico, Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino – Angelicum (1987), com a tese: “O papel do prior local da Ordem de Santo Agostinho”
– Profissão religiosa: noviciado de Saint Louis da província de Nossa Senhora do Bom Conselho da Ordem de Santo Agostinho (1977)
– Votos solenes (29.08.1981)
– Ordenação sacerdotal: 19.06.1982, Roma (pelo arcebispo Jean Jadot)

Ministério e principais cargos
1985-1986: Missionário em Chulucanas, Piura (Peru)
1987: Diretor vocacional e diretor das missões da Província Agostiniana “Madre del Buon Consiglio” de Olympia Fields, em Illinois (EUA)
1988: Enviado à missão de Trujillo (Peru) como diretor do projeto de formação comum dos aspirantes agostinianos dos Vicariatos de Chulucanas, Iquitos e Apurímac
1988-1992: Diretor da comunidade
1992-1998: Professor dos professos
1989-1998: Vigário judicial na Arquidiocese de Trujillo, professor de Direito Canônico, Patrística e Moral no Seminário Maior “San Carlos e San Marcelo”
1999: Prior provincial da Província ‘Madre del Buon Consiglio’ (Chicago)
2001-2013: Prior Geral dos Agostinianos por dois mandatos (cerca de 2700 religiosos em 50 países)
2013: Professor dos professos e vigário provincial na sua Província (Chicago)
2014: Administrador apostólico da Diocese de Chiclayo e bispo titular de Sufar, Peru (nomeação episcopal em 03.11.2014)
2014: Consagração episcopal, na festa de Nossa Senhora de Guadalupe (12.12.2014)
2015: nomeado bispo de Chiclayo (26.09.2015)
2018: 2º vice-presidente da Conferência Episcopal do Peru (08.03.2018 – 30.01.2023)
2020: Administrador apostólico de Callao, Peru (15.04.2020 – 17.04.2021)
2023: Arcebispo “ad personam” [título honorífico dado pelo Papa, mesmo sem autoridade sobre uma Arquidiocese] (30.01.2023 – 30.09.2023)
2023: Prefeito do Dicastério para os Bispos (30.01.2023 [12.04.2023] – 09.05.2025)
2023: Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina (30.01.2023 [12.04.2023] – 09.05.2025)
2023: Criado cardeal diácono, titular de Santa Mônica dos Agostinianos (30.09.2023 [28.01.2024] – 06.02.2025)
2025: Promovido a Cardeal bispo da diocese suburbana de Albano (06.02.2025 – 08.05.2025)
2025: Eleito Sumo Pontífice (08.05.2025)

Serviço na Cúria Romana
Foi membro dos dicastérios para a Evangelização, Seção para a Primeira Evangelização e as Novas Igrejas Particulares; para a Doutrina da Fé; para as Igrejas Orientais; para o Clero; para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica; para a Cultura e a Educação; para os Textos Legislativos, e da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano

Que o Espírito Santo ilumine o seu ministério, como fez com o grande Santo Agostinho.
Rezemos por um pontificado fecundo e rico de esperança!




Eleição do 266º sucessor de São Pedro

Cada morte ou renúncia de um Pontífice abre uma das fases mais delicadas da vida da Igreja Católica: a eleição do Sucessor de São Pedro. Embora o último conclave tenha ocorrido em março de 2013, quando Jorge Mario Bergoglio se tornou o Papa Francisco, compreender como se elege um Papa continua fundamental para entender o funcionamento de uma instituição milenar que influencia mais de 1,3 bilhão de fiéis e – indiretamente – a geopolítica mundial.

1. A sede vacante
Tudo começa com a sede vacante, ou seja, o período entre a morte (ou renúncia) do Pontífice reinante e a eleição do novo. A Constituição apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 22 de fevereiro de 1996 e atualizada por Bento XVI em 2007 e 2013, estabelece procedimentos detalhados.

Verificação da vacância
Em caso de falecimento: o Cardeal Camerlengo – atualmente o Cardeal Kevin Farrell – constata oficialmente a morte, fecha e sela o apartamento pontifício, e notifica o evento ao Cardeal Decano do Colégio Cardinalício.
Em caso de renúncia: a sede vacante começa no horário indicado no ato de renúncia, como ocorreu às 20h do dia 28 de fevereiro de 2013 para Bento XVI.

Administração ordinária
Durante a sede vacante, o Camerlengo governa materialmente o patrimônio da Santa Sé, mas não pode realizar atos que competem exclusivamente ao Pontífice (nomeações episcopais, decisões doutrinárias, etc.).

Congregações gerais e particulares
Todos os cardeais – eleitores e não eleitores – presentes em Roma se reúnem na Sala do Sínodo para discutir questões urgentes. As “particulares” incluem o Camerlengo e três cardeais sorteados por rodízio; as “gerais” convocam todo o corpo cardinalício e são usadas, entre outras coisas, para definir a data de início do conclave.

2. Quem pode eleger e quem pode ser eleito
Os eleitores
Desde o Motu proprio Ingravescentem aetatem (1970) de Paulo VI, somente os cardeais que não tenham completado 80 anos antes do início da sede vacante têm direito a voto. O número máximo de eleitores é fixado em 120, mas pode ser temporariamente ultrapassado devido a consistórios próximos.
Os eleitores devem:
– estar presentes em Roma antes do início do conclave (salvo motivos graves);
– prestar juramento de segredo;
– hospedar-se na Domus Sanctae Marthae (Casa Santa Marta, n.d.r), a residência criada por João Paulo II para garantir dignidade e discrição.
O isolamento não é um capricho medieval: visa proteger a liberdade de consciência dos cardeais e resguardar a Igreja de interferências indevidas. Quebrar o segredo implica excomunhão automática.

Os elegíveis
Em teoria, qualquer batizado do sexo masculino pode ser eleito Papa, pois o ofício petrino é de direito divino. No entanto, desde a Idade Média até hoje, o Papa sempre foi escolhido entre os cardeais. Caso seja escolhido um não cardeal ou até mesmo um leigo, ele deverá receber imediatamente a ordenação episcopal.


3. O conclave: etimologia, logística e simbolismo
O termo “conclave” deriva do latim cum clave, “com chave”: os cardeais são “trancados” até a eleição, para evitar pressões externas. O isolamento é garantido por algumas regras:
– Locais permitidos: Capela Sistina (votações), Domus Sanctae Marthae (hospedagem), um percurso reservado entre os dois edifícios.
– Proibição de comunicação: aparelhos eletrônicos entregues, bloqueio de sinais, controle antiespionagem.
– Sigilo assegurado também por um juramento que prevê sanções espirituais (excomunhão latae sententiae) e canônicas.

4. Ordem do dia típica do conclave
1. Missa “Pro eligendo Pontifice” na Basílica de São Pedro na manhã do ingresso no conclave.
2. Procissão na Sistina recitando o Veni Creator Spiritus.
3. Juramento individual dos cardeais, pronunciado diante do Evangeliário.
4. Extra omnes! (“Fora todos!”): o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias despede os não autorizados.
5. Primeira votação (opcional) na tarde do dia de ingresso.
6. Duas votações diárias (manhã e tarde) com, ao final, a apuração.

5. Procedimento da votação
Cada rodada segue quatro momentos:
5.1. Praescrutinium. Distribuição e preenchimento, em latim, da cédula “Eligo in Summum Pontificem…”.
5.2. Scrutinium. Cada cardeal, levando a cédula dobrada, pronuncia: “Testor Christum Dominum…”. Deposita a cédula na urna.
5.3. Post-scrutinium. Três escrutinadores sorteados contam as cédulas, leem em voz alta cada nome, registram e perfuram a cédula com agulha e linha.
5.4. Queima. Cédulas e anotações são queimadas em um forno especial; a cor da fumaça indica o resultado.
Para ser eleito é necessária a maioria qualificada, ou seja, dois terços dos votos válidos.

6. A fumaça: preta, espera; branca, alegria
Desde 2005, para tornar o sinal inequívoco aos fiéis na Praça de São Pedro, é adicionado um reagente químico:
– Fumaça preta (fumata negra): nenhum eleito.
– Fumaça branca (fumata branca): Papa eleito; também tocam os sinos.
Após a fumaça branca, levará mais 30 minutos a uma hora até que o novo Papa seja anunciado pelo Cardeal Diácono na Praça de São Pedro. Pouco depois (de 5 a 15 minutos), o novo Papa aparecerá para conceder a bênção Urbi et Orbi.

7. “Acceptasne electionem?” – Aceitação e nome pontifício
Quando alguém alcança a maioria necessária, o Cardeal Decano (ou o mais velho por ordem e antiguidade jurídica, se o Decano for o eleito) pergunta: «Acceptasne electionem de te canonice factam in Summum Pontificem?» (Aceita a eleição?). Se o eleito concordar — Accepto! — é perguntado: «Quo nomine vis vocari?» (Com que nome quer ser chamado?). A escolha do nome é um ato carregado de significados teológicos e pastorais: remete a modelos (Francisco de Assis) ou intenções reformadoras (João XXIII).

8. Ritos imediatamente seguintes
8.1 Vestição.
8.2 Entrada na Capela do Choro, onde o novo Papa pode se recolher.
8.3 Obedientia: os cardeais eleitores desfilam para o primeiro ato de obediência.
8.4 Anúncio ao mundo: o cardeal Protodiácono aparece na Loggia (balcão, n.d.r.) central, com o famoso «Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam!».
8.5 Primeira bênçãoUrbi et Orbi” do novo Pontífice.

A partir desse momento, ele assume o cargo e inicia formalmente seu pontificado, enquanto a coroação com o pálio petrino e o anel do Pescador ocorre na Missa de inauguração (geralmente no domingo seguinte).

9. Alguns aspectos históricos e desenvolvimento das normas
Séculos I–III. Aclamação do clero e do povo romano. Na ausência de uma normativa estável, a influência imperial era forte.
1059 – In nomine Domini. Colégio cardinalício. Nicolau II limita a intervenção leiga; nascimento oficial do conclave.
1274 – Ubi Periculum. Clausura obrigatória. Gregório X reduz as manobras políticas, introduz o confinamento.
1621-1622 – Gregório XV. Escrutínio secreto sistemático. Aperfeiçoamento das cédulas; exigência dos dois terços.
1970 – Paulo VI. Limite de idade de 80 anos. Reduz o eleitorado, favorecendo decisões mais rápidas.
1996 – João Paulo II. Universi Dominici Gregis. Codificação moderna do processo, introduz a Domus Sanctae Marthae.

10. Alguns dados concretos deste Conclave
Cardeais vivos: 252 (idade média: 78,0 anos).
Cardeais votantes: 134 (135). O Cardeal Antonio Cañizares Llovera, Arcebispo emérito de Valência, Espanha, e o Cardeal John Njue, Arcebispo emérito de Nairóbi, Quênia, comunicaram que não poderão participar do conclave.
Dos 135 cardeais votantes, 108 (80%) foram nomeados pelo Papa Francisco. 22 (16%) foram nomeados pelo Papa Bento XVI. Os restantes 5 (4%) foram nomeados pelo Papa São João Paulo II.
Dos 135 cardeais votantes, 25 participaram como eleitores no Conclave de 2013.
Idade média dos 134 cardeais eleitores participantes: 70,3 anos.
Anos médios de serviço como cardeal dos 134 cardeais eleitores participantes: 7,1 anos.
Duração média de um papado: cerca de 7,5 anos.

Início do Conclave: 16h30 de 7 de maio, na Capela Sistina.
Cardeais votantes no Conclave: 134. Número de votos necessários para eleição é 2/3, ou seja, 89 votos.

Horário das votações: 4 sessões por dia (2 pela manhã, 2 à tarde).
Após 3 dias completos (a definir), a votação é suspensa por um dia inteiro (“para permitir uma pausa de oração, uma discussão informal entre os eleitores e uma breve exortação espiritual”).
Seguem-se outras 7 votações e outra pausa de até um dia inteiro.
Seguem-se outras 7 votações e outra pausa de até um dia inteiro.
Seguem-se outras 7 votações e então uma pausa para avaliar como proceder.

11. Dinâmicas “internas” não escritas
Mesmo dentro do rígido quadro jurídico, a escolha do Papa é um processo espiritual, mas também humano, influenciado por:
– Perfis dos candidatos (“papáveis”): origem geográfica, experiências pastorais, competências doutrinárias.
– Correntes eclesiais: curial ou pastoral, reformista ou conservadora, sensibilidades litúrgicas.
– Agenda global: relações ecumênicas, diálogo inter-religioso, crises sociais (migrantes, mudança climática).
– Línguas e redes pessoais: os cardeais tendem a se reunir por regiões (grupo dos “latino-americanos”, “africanos”, etc.) e a se encontrar informalmente durante refeições ou “passeios” nos jardins do Vaticano.

Um evento espiritual e institucional ao mesmo tempo
A eleição de um Papa não é um procedimento técnico comparável a uma assembleia societária. Apesar da dimensão humana, é um ato espiritual guiado essencialmente pelo Espírito Santo.
O cuidado com normas minuciosas – desde o selo das portas da Sistina até a queima das cédulas – mostra como a Igreja transformou sua longa experiência histórica em um sistema hoje percebido como estável e solene. Saber como se escolhe um Papa, portanto, não é apenas curiosidade: é compreender a dinâmica entre autoridade, colegialidade e tradição que sustenta a mais antiga instituição religiosa ainda em funcionamento em escala mundial. E, em uma época de mudanças vertiginosas, aquela “fumacinha” que sobe do telhado da Sistina continua a lembrar que decisões seculares ainda podem falar ao coração de bilhões de pessoas, dentro e fora da Igreja.
Que esse conhecimento dos dados e procedimentos nos ajude a orar mais profundamente, como se deve orar antes de toda decisão importante que afeta nossa vida.




A herança do Papa Francisco

No meio do fluxo de artigos e comentários que acompanharam estes dias, queremos simplesmente expressar nossa gratidão ao Papa Francisco pelo patrimônio humano e espiritual que nos deixa:

1. Pela Misericórdia divina. Obrigado por nos lembrar incansavelmente que «Deus não se cansa de perdoar» e pelo extraordinário Jubileu da Misericórdia.

2. Pela alegria da fé. Obrigado por nos ensinar que a fé em Jesus Cristo permite viver «nas asas da esperança»: realmente Spes non confundit.

3. Pela devoção a Maria. Obrigado pelo testemunho de devoção filial à Mãe de Deus, Maria Santíssima.

4. Pela simplicidade desarmante. Obrigado por um estilo de vida sóbrio que permeou cada gesto do seu pontificado.

5. Pelo primado dos últimos. Obrigado por colocar no centro os pobres, sem-teto, refugiados, migrantes e presos.

6. Pela denúncia da “cultura do descarte”. Obrigado por condenar a exploração e a instrumentalização das pessoas, o lucro sem escrúpulos e o consumismo desenfreado.

7. Pelo valor da família. Obrigado por nos alertar que animais de estimação não podem substituir os filhos.

8. Pela atenção aos idosos. Obrigado por lembrar que a vida frágil não deve ser descartada: os idosos não devem ser eutanasiados por serem inúteis ou improdutivos, mas são testemunhas de paz, amor e bênção.

9. Pela sinodalidade. Obrigado por mostrar que o cristianismo não é “faça você mesmo”, mas comunhão com Deus e com os irmãos.

10. Pela abertura ecumênica. Obrigado por buscar a unidade entre os cristãos com gestos concretos e corajosos.

11. Pela luta pela paz. Obrigado por levantar a voz em um mundo dilacerado por uma “terceira guerra mundial em pedaços”.

12. Pelo olhar profético sobre o tempo presente. Obrigado por nos fazer entender que não vivemos simplesmente uma época de mudanças, mas a mudança de uma época.

Obrigado. Que Deus recompense todo o bem semeado na terra.




O Jubileu de 2025 e as basílicas jubilares

No dia 24 de dezembro de 2024, na véspera de Natal, o Papa abriu a Porta de Bronze na Basílica de São Pedro, marcando assim o início do Jubileu de 2025. Este gesto foi repetido posteriormente em outras basílicas: no dia 27 de dezembro, por ocasião da festa de São João Apóstolo e Evangelista, na Basílica Lateranense (da qual é co-padroeiro); no dia 1º de janeiro de 2025, solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, na Basílica de Santa Maria Maior; e finalmente no dia 5 de janeiro, véspera da Epifania, na Basílica de São Paulo fora dos Muros. A seguir, explicamos brevemente o que é o Jubileu e quais são as basílicas jubilares onde é possível obter a Indulgência plenária.

Origem
Às vezes, há confusão entre o primeiro Jubileu e a primeira Bula que estabeleceu sua periodicidade, mas o Jubileu tem suas raízes na legislação bíblica. Foi Deus mesmo quem ordenou a Moisés que celebrasse um ano “jubilar” a cada cinquenta anos (Levítico 25). Ao longo dos séculos, essa prática passou para a comunidade cristã, adaptando-se gradualmente às necessidades e tradições da Igreja.

Em 1300, diante da grande afluência de peregrinos a Roma, o papa Bonifácio VIII publicou a bula Antiquorum habet fida relatio [Existe uma antiga tradição digna de fé], que não instituiu o Jubileu ex novo, mas reconheceu a tradição secular já existente. Ele realizou diversas investigações, interrogando até pessoas muito idosas, como um saboiano de 107 anos que lembrava de ter sido levado a Roma por seu pai cem anos antes para lucrar “grandes Indulgências”. Essa crença disseminada levou Bonifácio VIII a estabelecer solenemente o que era transmitido oralmente, ou seja, a possibilidade de obter a Indulgência plenária visitando a Basílica de São Pedro durante o ano “secular”.

Originalmente, segundo a bula de Bonifácio VIII, o Jubileu deveria ser celebrado a cada cem anos. No entanto, os prazos mudaram ao longo do tempo:
– O Papa Clemente VI reduziu para cada cinquenta anos (retomando assim a periodicidade do Antigo Testamento);
– O Papa Gregório XI fixou a cada trinta e três anos, em memória dos anos de vida de Jesus;
– O Papa Paulo II finalmente estabeleceu a periodicidade de vinte e cinco anos, para que mais fiéis, incluindo os jovens, pudessem desfrutar dessa graça pelo menos uma vez na vida (considerando a baixa expectativa de vida da época).

Além dos Jubileus “ordinários” (a cada 25 anos), às vezes são convocados Jubileus “extraordinários” por circunstâncias particulares ou necessidades da Igreja. Os últimos três Jubileus extraordinários foram:
– 1933-1934: Jubileu extraordinário da Redenção (1900º aniversário da Redenção de Cristo, tradicionalmente datado do ano 33 d.C.);
– 1983-1984: Jubileu extraordinário da Redenção (1950º aniversário da Redenção de Cristo);
– 2015-2016: Jubileu extraordinário da Misericórdia (para colocar em destaque o tema da Misericórdia).
Como nem todos podiam ir a Roma, os Pontífices concederam a possibilidade de obter a Indulgência plenária também àqueles que, por motivos econômicos ou de outra natureza, não podiam viajar. Em lugar da peregrinação, podiam ser realizadas outras obras de piedade, penitência e caridade, como ainda acontece hoje.

Significado e espírito do Jubileu
O Jubileu é um tempo forte de penitência e conversão, que visa à remissão dos pecados e ao crescimento na graça de Deus. Em particular, a Igreja nos convida a:

1. Renovar a memória da nossa Redenção e suscitar uma viva gratidão ao Divino Salvador.
2. Reavivar em nós a fé, a esperança e a caridade.
3. Proteger-nos, graças às luzes particulares que o Senhor concede neste período de graça, contra erros, impiedade, corrupção e escândalos que nos cercam.
4. Despertar e aumentar o espírito de oração, arma fundamental do cristão.
5. Cultivar a penitência do coração, corrigir comportamentos e reparar com boas obras os pecados que atraem a ira de Deus.
6. Obter, mediante a conversão dos pecadores e o aperfeiçoamento dos justos, que Deus antecipe em sua misericórdia o triunfo da verdade ensinada pela Igreja.

Um dos momentos culminantes para o fiel durante o Jubileu é a passagem pela Porta Santa, gesto que deve ser precedido por um percurso de preparação remota (oração, penitência e caridade) e por uma preparação próxima (o cumprimento das condições para receber a Indulgência plenária). É importante lembrar que não se pode receber a Indulgência plenária se estiver em estado de pecado grave.

As condições para receber a Indulgência plenária são:
1. Confissão sacramental.
2. Comunhão eucarística.
3. Oração segundo as intenções do Santo Padre (um Pai Nosso e uma Ave Maria).
4. Disposição interior de total desapego do pecado, mesmo venial (ou seja, a firme vontade de não querer mais ofender a Deus). Se faltar a plena disposição ou não forem respeitadas todas as condições, a indulgência é apenas parcial.

Informações sobre o Jubileu de 2025
Como de costume, também este Jubileu foi convocado por uma Bula de Proclamação, intitulada Spes non confundit, consultável AQUI. Estão disponíveis, além disso, as Normas sobre a Concessão da Indulgência durante o Jubileu Ordinário de 2025, legíveis AQUI. O site oficial do Jubileu de 2025, com informações sobre organização, eventos, calendário e mais, encontra-se AQUI.

Na tradição jubilar da Igreja Católica, os peregrinos, ao chegarem a Roma, realizam uma “peregrinação devota” nas igrejas enriquecidas de indulgência. Essa prática remonta à época dos primeiros cristãos, que amavam rezar sobre os túmulos dos apóstolos e mártires, certos de receber graças especiais pela intercessão de São Pedro, de São Paulo e dos muitos mártires que impregnaram a terra de Roma com seu sangue.

Em 2025, foram propostos diferentes percursos de peregrinação, e em cada uma das igrejas indicadas é possível obter a Indulgência plenária. Todas as basílicas e igrejas mencionadas a seguir foram enriquecidas com tal dom jubilar.

1. Itinerário das quatro Basílicas Papais
As quatro Basílicas Papais de Roma são:
1.1 São Pedro no Vaticano
1.2 São João de Latrão
1.3 Santa Maria Maior
1.4 São Paulo fora dos Muros

2. Peregrinação das 7 igrejas
A peregrinação das Sete Igrejas, iniciada por São Filipe Néri no século XVI, é uma das tradições romanas mais antigas. O itinerário, com cerca de 25 km, se estende por toda a cidade, passando também pela campanha romana e pelas catacumbas. Além das quatro Basílicas Papais, inclui:
2.5 Basílica de São Lourenço fora dos Muros
2.6 Basílica de Santa Cruz em Jerusalém
2.7 Basílica de São Sebastião fora dos Muros

3. “Iter Europaeum”
O Iter Europaeum [Percurso das igrejas da União Europeia] é uma peregrinação por 28 igrejas e basílicas de Roma, cada uma associada a um dos Estados membros da União Europeia por seu valor artístico, cultural ou pela tradição de acolher peregrinos provenientes daquele país específico.

4. Mulheres Patronas da Europa e Doutoras da Igreja
Este percurso oferece a oportunidade de conhecer mais de perto as santas europeias, em particular aquelas reconhecidas como Patronas da Europa ou Doutoras da Igreja. O itinerário leva os peregrinos pelas ruazinhas do Rione Monti, Praça Minerva e outros locais icônicos de Roma, à descoberta de figuras femininas de grande relevância na história do catolicismo.

5. Catacumbas cristãs
Locais ao mesmo tempo históricos e sagrados, onde estão conservados os restos mortais de numerosos santos e mártires.

6. Outras Igrejas Jubilares
Nessas igrejas serão realizadas catequeses em diferentes idiomas para redescobrir o significado do Ano Santo. Também será possível se aproximar do sacramento da Reconciliação e enriquecer a própria experiência de fé com a oração.

Basílicas ou igrejas enriquecidas com Indulgência plenária
Para facilitar a visita e a devoção, apresentamos aqui a lista de todas as basílicas e igrejas enriquecidas com Indulgência plenária para o Jubileu de 2025, acompanhada de links para os sites do Jubileu, para o Google Maps, para as páginas web oficiais dos locais de culto e outras informações úteis. Três delas foram repetidas porque estão incluídas em dupla categoria (Basílica Santa Maria sobre Minerva, São Paulo em Régola e Santa Brígida em Campo de Fiori [Campo das Flores]).




Basílicas
Papais (4)

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1

Basílica
de São Pedro no Vaticano

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2

Arquibasílica
de São João de Latrão

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3

Basílica
de São Paulo fora dos Muros

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4

Basílica
de Santa Maria Maior

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A
Peregrinação das Sete Igrejas (4 papais + 3)

5

Basílica
de São Lourenço fora dos Muros

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6

Basílica
de Santa Cruz em Jerusalém

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7

Basílica
de São Sebastião fora dos Muros

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Visita
às catacumbas cristãs (7)

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8

Catacumba de São Pancrácio (Praça
Ottavilla; Via Vitellia)

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9

Catacumba de Domitila (Via Ardeatina)

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10

Catacumbas de Calisto (Via Ápia)

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11

Catacumbas de São Sebastião (Via
Ápia)

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12

Catacumba dos Santos Marcelino e Pedro (“aos
dois loureiros”; Via Labicana)

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13

Catacumba de Santa Inês (Via Nomentana)

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14

Catacumba de Priscila (Via Salaria nova)

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Iter
Europaeum (28)

15

Basílica
de Santa Maria em Aracoeli

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16

Santíssimo
Nome de Maria no Fórum de Trajano

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17

São
Juliano dos Flamengos

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18

São
Paulo em Régola

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19

Basílica
de Santa Maria na Via Lata

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20

São
Jerônimo dos Croatas

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21

Santa
Maria em Transpontina

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22

Basílica
de Santa Sabina no Aventino

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23

Basílica
de Santa Maria sobre Minerva

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24

São
Luís dos Franceses

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25

Nossa
Senhora da Alma (Pontifício Instituto Teutônico)

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26

São
Teodoro no Palatino

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27

Santo
Isidoro em Capo le Case

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28

Basílica
de Santa Maria dos Anjos e dos Mártires

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29

Basílica
dos Quatro Santos Coroados

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30

Santíssimo
Nome de Jesus em (Torre) Argentina (Igreja de Jesus)

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31

Basílica
do Sagrado Coração de Jesus no Castro Pretório

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32

São
Paulo nas Três Fontes, lugar do martírio do Apóstolo

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33

São
Miguel e São Magno (São Miguel em Sassia)

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34

Santo
Estanislau dos Poloneses

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35

Santo
Antônio dos Portugueses (Santo Antônio em Campo
Márcio)

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36

Basílica
de São Clemente em Latrão

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37

São
Salvador em Coppelle

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38

Basílica
de Santa Praxedes

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39

Basílica
de Santa Maria Maior

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40

São
Pedro em Montório

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41

Santa
Brígida em Campo das Flores

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42

Basílica
de Santo Estêvão Redondo
no
Monte Célio

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Mulheres
Padroeiras da Europa e Doutoras da Igreja (7)

43

Basílica
de Santa Maria sobre Minerva (Santa Catarina de Sena)

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44

Santa
Brígida (Santa Brígida da Suécia)

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45

Santa
Maria da Vitória (Santa Teresa de Jesus, de Ávila)

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46

Santíssima
Trindade dos Montes (Santa Teresa do Menino Jesus)

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47

Basílica
de Santa Cecília no Trastevere (Santa Hildegarda de Bingen)

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48

Basílica
de Santo Agostinho em Campo Márcio

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49

Santo
Ivo em La Sapienza (Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein)

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As
Igrejas do Jubileu (12)

50

São
Paulo em Régola

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51

São
Salvador em Lauro

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52

Santa
Maria em Vallicella

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53

Santa
Catarina de Sena

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54

Espírito
Santo dos Napolitanos

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55

Santa
Maria do Sufrágio

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56

Basílica
de São João Batista dos Florentinos

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57

Basílica
de Santa Maria de Monserrat dos Espanhóis

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Os Cardeais Protetores da Sociedade Salesiana de São João Bosco

Desde o início, a Sociedade Salesiana teve, como muitas outras ordens religiosas, um cardeal protetor. Com o passar do tempo, até o Concílio Vaticano II, houve nove cardeais protetores, um papel de grande importância para o crescimento da Sociedade Salesiana.

A instituição de cardeais protetores para congregações religiosas é uma tradição antiga que remonta aos primeiros séculos da Igreja, quando o Papa nomeava defensores e representantes da fé. Com o passar do tempo, essa prática se estendeu às ordens religiosas, para as quais um cardeal foi designado com a tarefa de proteger seus direitos e prerrogativas junto à Santa Sé. A Sociedade Salesiana de São João Bosco também desfrutou desse favor, tendo vários cardeais para representá-la e protegê-la nas sedes eclesiais.

Origem da função de Cardeal Protetor
O costume de ter um protetor remonta aos primeiros séculos do Império Romano, quando Rômulo, o fundador de Roma, criou duas ordens sociais: patrícios e plebeus. Cada plebeu podia eleger um patrício como protetor, estabelecendo um sistema de benefício mútuo entre as duas classes sociais. Essa prática também foi adotada posteriormente pela Igreja. Um dos exemplos mais antigos de um protetor eclesiástico é São Sebastião, nomeado pelo Papa Caio em 283 d.C. como defensor da Igreja de Roma.

No século XIII, a designação de protetores cardeais para ordens religiosas tornou-se uma prática estabelecida. São Francisco de Assis foi um dos primeiros a solicitar um cardeal protetor para sua ordem. Após uma visão em que seus frades estavam sendo atacados por aves de rapina, Francisco pediu ao Papa que designasse um cardeal como protetor deles. Inocêncio III concordou e nomeou o cardeal Ugolino Conti, sobrinho do papa. A partir de então, as ordens religiosas seguiram essa tradição para obter proteção e apoio em suas negociações com a Igreja.

Essa prática se espalhou quase como uma necessidade, já que as novas ordens mendicantes e itinerantes tinham um estilo de vida diferente daquele dos monges com residência fixa, bem conhecidos pelos bispos locais. As distâncias geográficas, os diferentes sistemas políticos dos locais em que as novas ordens religiosas operavam e as dificuldades de comunicação na época exigiam uma figura autorizada que conhecesse bem seus problemas e necessidades. Essa figura poderia representá-las na Cúria Romana, defender seus direitos e interesses e interceder junto à Santa Sé em caso de necessidade. O cardeal protetor não tinha jurisdição ordinária sobre as ordens religiosas; seu papel era o de um protetor benevolente, embora em circunstâncias específicas ele pudesse receber poderes delegados.

Essa prática também se estendia a outras ordens religiosas e, no caso da Sociedade Salesiana, os cardeais protetores desempenharam um papel crucial para garantir o reconhecimento e a proteção da jovem congregação, especialmente em seus primeiros anos, quando ela estava tentando se consolidar dentro da estrutura da Igreja Católica.

A escolha do cardeal protetor
A relação entre Dom Bosco e a hierarquia eclesiástica era complexa, especialmente nos primeiros anos da fundação da congregação. Nem todos os cardeais e bispos viam com bons olhos o modelo educacional e pastoral proposto por Dom Bosco, em parte por causa de sua abordagem inovadora e em parte por causa de sua insistência em atender às classes mais pobres e desfavorecidas.

A escolha de um cardeal protetor não era aleatória, mas feita com muito cuidado. Normalmente, buscava-se um cardeal que estivesse familiarizado com a ordem ou que tivesse demonstrado interesse no tipo de trabalho realizado pela congregação. No caso dos salesianos, isso significava procurar cardeais que tivessem um foco especial em juventude, educação ou missões, já que essas eram as principais áreas de atividade da Sociedade. Naturalmente, a nomeação final dependia do Papa e da Secretaria de Estado.

O papel do Cardeal Protetor para os salesianos
Para a Sociedade Salesiana, o Cardeal Protetor era uma figura-chave em sua interação com a Santa Sé, ajudando a mediar quaisquer disputas, garantindo a interpretação correta das regras canônicas e assegurando que as necessidades da ordem fossem compreendidas e respeitadas. Diferentemente de algumas congregações mais antigas, que já haviam estabelecido um forte relacionamento com as autoridades eclesiásticas, os salesianos, nascidos em uma era de rápidas mudanças sociais e religiosas, precisavam de um apoio significativo para enfrentar os desafios iniciais, tanto interna quanto externamente.

Um dos aspectos mais importantes do papel do Cardeal Protetor era sua capacidade de apoiar os salesianos em suas relações com o Papa e a Cúria. Esse papel de mediador e protetor proporcionou à congregação um canal direto com os escalões superiores da Igreja, permitindo que expressassem preocupações e solicitações que, de outra forma, poderiam ter sido ignoradas ou adiadas. O cardeal protetor também era responsável por garantir que a Sociedade Salesiana cumprisse as diretrizes do Papa e da Igreja, assegurando que sua missão permanecesse alinhada com os ensinamentos católicos.

Em uma de suas visitas a Roma, em fevereiro de 1875, Dom Bosco pediu ao Santo Padre Pio IX a graça de ter um cardeal protetor:

Na mesma audiência, ele perguntou ao Papa se deveria, como as outras congregações religiosas, pedir um Cardeal Protetor. O Papa respondeu-lhe textualmente: – Enquanto eu estiver vivo, serei sempre seu Protetor e de sua Congregação” (MBp XI, 92).

No entanto, percebendo a necessidade de uma pessoa de referência que tivesse autoridade para realizar várias tarefas para a Sociedade Salesiana, em 1876 Dom Bosco voltou a pedir ao Papa um Cardeal Protetor:

Tendo eu depois pedido que, para resolver nossos negócios eclesiásticos em Roma, indicasse para nós um Cardeal Protetor que defendesse nossas causas junto à Santa Sé, como têm todas as demais Ordens e Congregações, sorridente, disse-me: – Mas quantos protetores querem? Já não os têm até mais de um? – Fazendo-me entender: Quero ser o Cardeal Protetor de vocês; querem ainda outros? Ouvindo palavras tão bondosas, agradeci-lhe de todo o coração e lhe disse: “Santo Padre, quando diz isso, eu não procuro mais outro defensor”. (MBp XII, 192).

Depois dessa resposta satisfatória, Dom Bosco ainda obteve um Cardeal Protetor no mesmo ano de 1876:

3º – Pedi um Cardeal Protetor para comunicar com Sua Santidade: a princípio parecia que queria ele mesmo ser nosso Protetor, mas quando lhe notei que o Cardeal Protetor era precisamente uma referência para os assuntos salesianos com Sua Santidade, pois não poderíamos tratar nas Sagradas Congregações porque elas estavam distantes, Sua Santidade precisamente teria sido de fato nosso Protetor; o Cardeal teria lidado com nossas coisas nos vários Dicastérios para relatá-las a Sua Santidade depois. – Neste sentido está bem, ele acrescentou, e vou comunicar tudo à Congregação dos Bispos e Regulares.O cardeal é o Em.mo Oreglia, que será o protetor de nossas Missões, dos Cooperadores Salesianos, da Obra de Maria Auxiliadora, da Arquiconfraria dos devotos de Maria Auxiliadora e de toda a Congregação Salesiana para os assuntos que devem ser tratados em Roma na Santa Sé”. (MBp XIII, 440)

Dom Bosco mencionou esse cardeal em seu escrito “A mais bela flor do colégio apostólico, isto é, a eleição de Leão XIII” (pp. 193-194):

XXVIII. Card. Luís Oreglia
Luís Oreglia dos Barões de Santo Estêvão honra o Piemonte como o Cardeal Bilio, pois nasceu em Benevagienna, na diocese de Mondovì, em 9 de julho de 1828. Fez seus estudos teológicos em Turim sob a orientação de nossos competentes professores, que admiravam sua mente perspicaz e seu incansável amor pelo trabalho. Em seguida, foi para Roma, para a Academia Eclesiástica, onde completou com louvor sua educação religiosa e se dedicou ao estudo de idiomas, especialmente o alemão, no qual é excelente. Tendo entrado na Prelatura, foi nomeado, em 15 de abril de 1858, referendário da Assinatura Apostólica, e depois enviado como internúncio para Haia, na Holanda, de onde seguiu para Portugal, depois de ter sido nomeado arcebispo de Damiata, sucedendo nesse importante cargo diplomático o eminentíssimo cardeal Perrieri. Ele encontrou certas tradições de Pombal ainda vivas em Portugal, contra as quais lutou com grande inteligência e coragem. Por isso, não agradou muito aos governantes da época. E voltou a Roma e o Santo Padre, para mostrar que se deixou de representar a Santa Sé em Portugal não foi por nenhum demérito, criou-o e o fez Cardeal no Consistório de 22 de dezembro de 1873, dando-lhe o título de Santo Anastácio e nomeando-o Prefeito da Sagrada Congregação das Indulgências e Sagradas Relíquias. O Cardeal Oreglia acrescentou às nobres maneiras do cavalheiro as virtudes do sacerdote exemplar. Pio Nono sempre o estimou e amava sua conversa cheia de reserva e graça. Ele vai devagar para se dedicar a algum negócio, mas, quando fala uma palavra, não se importa com os trabalhos e problemas, desde que seja bem-sucedido. Ele é muito indulgente. O novo Pontífice o tem em alta consideração e o confirmou no cargo de prefeito da Sagrada Congregação de Indulgências e Sagradas Relíquias”.

O cardeal Luís Oreglia permaneceu como protetor dos salesianos de 1876 a 1878, embora já tivesse desempenhado essa tarefa informalmente antes de 1876.

Entretanto, oficialmente, o primeiro cardeal protetor dos salesianos foi Lourenço Nina, que ocupou esse cargo de 1879 a 1885. Leão XIII concordou com o pedido de Dom Bosco de ter um cardeal protetor para a Sociedade, e a notificação oficial veio após uma audiência em 29 de março de 1879:

“Seis dias depois desta audiência, por meio de um bilhete da Secretaria de Estado, assinado por Mons. Serafim Cretoni, Dom Bosco foi avisado oficialmente da nomeação do Protetor, nestes honrosos termos: «A Santidade de Nosso Senhor, querendo que a Congregação Salesiana, que dia a dia vai recebendo novos títulos de especial benevolência da Santa Sé por causa das obras de caridade e de fé, implantadas nas várias partes do mundo, tenha especial Protetor, dignou-se benignamente conferir esta função ao Sr. Cardeal Lourenço Nina, seu Secretário de Estado”. No tempo de Pio IX, o Card. Oreglia era o protetor, mas unicamente a título oficioso, pois esse Pontífice tinha reservado para si a proteção da Sociedade, necessitada de particular e paterna assistência em seus primórdios. Agora, ao invés, tinha o Protetor verdadeiro e próprio, como outras Congregações religiosas. A escolha não poderia ser de Prelado mais benévolo. Conhecendo Dom Bosco antes do Cardinalato, nutria para com ele enorme consideração e lhe era sinceramente afeiçoado. Solicitado por Dom Bosco para ser o protetor dos salesianos, mostrara-se muito disposto, dizendo-lhe: – “Não poderia oferecer-me para isso ao Santo Padre. Mas se o Santo Padre me diz, aceito já”. – Comprovou seu bem-querer quando o Beato lhe propôs que, tendo Sua Eminência muitos afazeres, lhe indicasse alguém para tratar do caso das Missões. O Cardeal respondeu: – Não, não; quero que nós mesmos tratemos disso diretamente; passe amanhã às quatro e meia e conversaremos melhor. É um milagre uma Congregação prosperar nestes tempos em meio a ruínas de outras, quando tudo se quereria destruir. – O Beato experimentou frequentes vezes o quanto lhe fosse útil tão afetuosa proteção. Tendo voltado a Turim e comunicado ao Capítulo Superior a designação pontifícia de Protetor, enviou ao Cardeal, em nome de toda a Congregação, carta de agradecimento, por ter-se dignado aceitar essa função, de homenagem muito cordial e de oração pelas Missões, e talvez também para os privilégios; é o que se pode deduzir da seguinte resposta de Sua Eminência”. (MBp XIV, 65-66)

De agora em diante, a Congregação Salesiana terá sempre um cardeal protetor com grande influência na Cúria Romana.

Além dessa figura oficial, sempre houve outros cardeais e altos prelados que, compreendendo a importância da educação, apoiaram os salesianos. Entre eles estão os cardeais Alexandre Barnabò (1801-1874), José Berardi (1810-1878), Caetano Alimonda (1818-1891), Luís Maria Bilio (1826-1884), Luís Galimberti (1836-1896), Augusto Silj (1846-1926) e muitos outros.

Elenco dos Protetores da Sociedade Salesiana de São João Bosco:

  Cardeal Protetor SDB Período Nomeação
  Beato Papa Pio IX    
1 Luís OREGLIA 1876-1878  
2 Lourenço NINA 1879-1885 29.03.1879 (MB XIV,78-79)
3 Lúcido Maria PAROCCHI 1886-1903 12.04.1886 (ASV, Segr. Stato, 1886, prot. 66457; ASC D544, Cardeais Protetores, Parocchi)
4 Mariano RAMPOLLA DEL TINDARO 1903-1913 31.03.1093 (carta do Cardeal Rampolla a Dom Rua)
5 Pedro GASPARRI 1914-1934 09.10.1914 (AAS 1914-006, p. 22)
6 Eugênio PACELLI (Pio XII) 1935-1939 02.01.1935 (AAS 1935-027, p.116)
7 Vicente LA PUMA 1939-1943 24.05.1939 (AAS 1939-031, p. 281)
8 Carlos SALOTTI 1943-1947 29.12.1943 (AAS 1943-036, p. 61)
9 Bento Aloísio MASELLA 1948-1970 10.02.1948 (AAS 1948-040, p.165)

O último protetor dos salesianos foi o cardeal Bento Aloísio Masella, pois o papel dos protetores foi anulado pela Secretaria de Estado na época do Concílio Vaticano II, em 1964. Os protetores titulares permaneceram até sua morte e, com eles, o cargo que receberam também morreu.

Isso aconteceu porque, no contexto contemporâneo, o papel do cardeal protetor perdeu parte de sua relevância formal. A Igreja Católica passou por inúmeras reformas durante o século XX, e muitas das funções que antes eram delegadas aos cardeais protetores foram incorporadas às estruturas oficiais da Cúria Romana ou se tornaram obsoletas devido a mudanças na governança eclesiástica. Entretanto, mesmo que a figura do cardeal protetor não exista mais com as mesmas prerrogativas do passado, o conceito de proteção eclesiástica continua importante.

Hoje, os salesianos, como muitas outras congregações, mantêm um relacionamento próximo com a Santa Sé por meio de vários dicastérios e escritórios curiais, em particular o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Além disso, muitos cardeais continuam a apoiar pessoalmente a missão dos salesianos, mesmo sem o título formal de protetor. Essa proximidade e esse apoio continuam sendo essenciais para garantir que a missão salesiana continue a responder aos desafios do mundo contemporâneo, particularmente na educação dos jovens e nas missões.

A instituição de cardeais protetores para a Sociedade Salesiana foi um elemento crucial em seu crescimento e consolidação. Graças à proteção oferecida por essas eminentes figuras eclesiásticas, Dom Bosco e seus sucessores puderam levar adiante a missão salesiana com maior serenidade e segurança, sabendo que podiam contar com o apoio da Santa Sé. O trabalho dos cardeais protetores provou ser essencial não apenas para defender os direitos da congregação, mas também para favorecer sua expansão pelo mundo, ajudando a difundir o carisma de Dom Bosco e seu sistema educacional.




Um coração tão grande como as praias do mar

Um novo tempo nos é dado: do Coração de Deus ao coração da humanidade, no espelho do grande coração de Dom Bosco.

Caros amigos e leitores, nesta edição de dezembro, dirijo-me a vocês com os melhores votos de um novo ano! De um novo tempo que nos é dado viver com intensidade e com “novidade de vida”, e faço meu, como augúrio propício e oportuno, o dom que o Santo Padre nos deu nos últimos dias: a Carta Encíclica Dilexit Nos sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo.
Nós, salesianos, estamos acostumados a cantar: “Deus lhe deu um coração tão grande / como a areia do mar; / Deus lhe deu o seu espírito: / liberou o seu amor”.
O Papa Pio XI, que o conheceu bem, disse que Dom Bosco tinha uma “bela particularidade”: ele era “um grande amante das almas” e as via “nos pensamentos, no coração, no sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Afinal, no brasão de armas de nossa Congregação há um coração ardente.
O Papa Francisco se apresenta assim no n. 2 da Dilexit Nos: “Para exprimir o amor de Jesus Cristo, recorre-se frequentemente ao símbolo do coração. Há quem se interrogue se isto atualmente tenha um significado válido. Porém, é necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência”.
Quão forte é essa indicação do nosso Papa para nos mostrar um novo modo de viver, em um novo tempo que nos é dado, o ano que está por vir.
No n. 21, o Papa Francisco escreve: “Este núcleo de cada ser humano, o seu centro mais íntimo, não é o núcleo da alma, mas da pessoa inteira na sua identidade única, que é alma e corpo. Tudo está unificado no coração, que pode ser a sede do amor com todas as suas componentes espirituais, psíquicas e também físicas. Em última análise, se aí reina o amor, a pessoa realiza a sua identidade de forma plena e luminosa, porque cada ser humano é criado, sobretudo, para o amor; é feito nas suas fibras mais profundas para amar e ser amado.”
E acrescenta no número 27 da mesma Carta Encíclica: “Perante o Coração de Jesus vivo e atual, o nosso intelecto, iluminado pelo Espírito, compreende as palavras de Jesus. Assim, a nossa vontade põe-se em ação para as praticar. Mas isso poderia permanecer como uma forma de moralismo autossuficiente. Ouvir, saborear e honrar o Senhor pertence ao coração. Só o coração é capaz de colocar as outras faculdades e paixões e toda a nossa pessoa numa atitude de reverência e obediência amorosa ao Senhor”.
Não vou me alongar mais, esperando tê-los estimulado para ler essa esplêndida Carta Encíclica, que não é apenas um grande dom para viver de modo novo o tempo que nos é dado, o que já seria suficiente; é também uma indicação profundamente “salesiana”.
Quanto Dom Bosco escreveu e trabalhou para difundir justamente a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, como amor divino que acompanha a nossa realidade humana.

Um impulso magnífico
Nas Memórias Biográficas (em língua portuguesa), no volume VIII, p. 274, encontramos o seguinte escrito, referindo-se a Dom Bosco: “A devoção ao Sagrado Coração, que ardia fortemente em seu coração, animava todas as suas obras, conferia eficácia às suas conversas familiares, às suas homilias e ao exercício do sagrado ministério, de maneira que todos ficavam encantados e persuadidos (diz o testemunho do P. Bonetti); além disso, parecia que o Sagrado Coração de Jesus cooperava também com dons sobrenaturais para o cumprimento de sua árdua missão”.
Esse testemunho da devoção de Dom Bosco ao Sagrado Coração é “plasticamente” identificado com a Basílica homônima construída por Dom Bosco em Roma a pedido do Papa da época.
O edifício material recorda e admoesta a todos nós a devoção “monumental” de Dom Bosco ao Sagrado Coração. Como para Nossa Senhora, assim também para o Sagrado Coração, a devoção de Dom Bosco se manifesta nas igrejas que ele construiu. Porque a devoção ao Sagrado Coração é a Eucaristia, a adoração eucarística.
O coração de Dom Bosco em constante amor para com a Eucaristia é um magnífico impulso pessoal para tornar isso vivo e verdadeiro no novo ano. Um desejo verdadeiro e profundo de que o Ano Novo seja vivido em sua plenitude. Como diz o canto: “Formaste homens / de coração sadio e forte: / os enviaste ao mundo para proclamar / o Evangelho da alegria”.

Gostaria de concluir esta breve mensagem, desejando a todos um Feliz Ano Novo, com a imagem que o Papa Francisco traz nas primeiras páginas da encíclica, referindo-se aos ensinamentos de sua avó sobre o significado do nome dos doces de carnaval, as “mentiras”… porque quando são assados, a massa incha e fica vazia… portanto, têm uma exterioridade que corresponde a um vazio interior; eles parecem ser por fora, mas não são, são “mentiras”.
Que o Ano Novo seja para todos nós pleno e rico de substância, concretizando-se na acolhida de Deus que vem para o meio de nós.
Que Sua vinda traga paz e verdade, que o que é visto por fora corresponda ao que há no interior!
Augúrios de coração a todos vocês!