Coroa das sete dores de Maria

A publicação “Coroa das sete dores de Maria” representa uma devoção querida que São João Bosco incutia em seus jovens. Seguindo a estrutura da “Via Crucis” [Via Sacra], as sete cenas dolorosas são apresentadas com breves considerações e orações, para guiar a uma participação mais viva nos sofrimentos de Maria e de seu Filho. Rico em imagens afetivas e espiritualidade contrita, o texto reflete o desejo de unir-se a Nossa Senhora das Dores na compaixão redentora. As indulgências concedidas por vários Pontífices atestam o alto valor pastoral do texto, que é um pequeno tesouro de oração e reflexão, para alimentar o amor pela Mãe das dores.

Prólogo
O principal objetivo desta pequena obra é facilitar a lembrança e a meditação das amarguradíssimas dores do terno Coração de Maria, algo que a Ela é muito agradável, como revelou várias vezes a seus devotos, e um meio muito eficaz para nós obtermos seu patrocínio.
Para tornar mais fácil o exercício de tal meditação, praticar-se-á primeiramente com uma coroa na qual são indicadas as sete principais dores de Maria, que poderão ser meditadas em sete breves considerações distintas, do modo como se costuma fazer na Via Sacra.
Que o Senhor nos acompanhe com sua graça celestial e bênção para que se alcance o intento desejado, de modo que a alma de cada um fique vivamente penetrada pela frequente memória das dores de Maria, com proveito espiritual da alma, e tudo para maior glória de Deus.

Coroa das sete dores da Bem-Aventurada Virgem Maria com sete breves considerações sobre as mesmas expostas na forma da Via Sacra

Preparação
Queridos irmãos e irmãs em Jesus Cristo, fazemos nossos habituais exercícios meditando devotamente as amarguradíssimas dores que a Bem-Aventurada Virgem Maria sofreu na vida e morte de seu amado Filho e nosso Divino Salvador. Imaginemo-nos presentes a Jesus pendente na cruz, e que sua aflita mãe diga a cada um de nós: Venham e vejam se há uma dor igual à minha.
Convencidos de que esta Mãe piedosa quer nos conceder proteção especial ao meditarmos suas dores, invoquemos a ajuda divina com as seguintes orações:

Antífona: Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus fiéis e acende neles o fogo do teu amor.

Envia o teu Espírito e tudo será criado,
e renovarás a face da terra.
Lembra-te da tua Congregação,
que possuías desde o princípio.
Senhor, escuta a minha oração,
e chegue a ti o meu clamor.

Oremos.
Ilumina, Senhor, nossas mentes com a luz da tua claridade, para que possamos ver o que deve ser feito e agir corretamente. Por Cristo nosso Senhor. Amém.

Primeira dor. Profecia de Simeão
A primeira dor foi quando a Santa Virgem, Mãe de Deus, tendo apresentado seu Filho no Templo, o depôs nos braços do santo velho Simeão, que lhe disse: A espada da dor traspassará a tua alma: o que significa a Paixão e Morte de seu Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem dolorosa, por aquela agudíssima espada com que o santo velho Simeão te predisse que tua alma seria traspassada na paixão e morte do teu querido Jesus, suplico-te que me concedas a graça de ter sempre presente a memória do teu coração traspassado e das amarguradíssimas penas sofridas por teu Filho para minha salvação. Assim seja.

Segunda dor. Fuga para o Egito
A segunda dor foi quando a Santa Virgem se viu obrigada a fugir para o Egito a fim de evitar a perseguição do cruel Herodes, que impiamente procurava dar a morte a seu amado Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Maria, mar amarguíssimo de lágrimas, por aquela dor que sentiste fugindo para o Egito para proteger teu Filho da bárbara crueldade de Herodes, suplico que sejas minha guia, para que, por teu intermédio, eu fique livre das perseguições dos inimigos visíveis e invisíveis da minha alma. Assim seja.

Terceira dor. Perda de Jesus no templo
A terceira dor da Bem-Aventurada Virgem foi quando, pelo tempo da Páscoa, depois de ter estado com o seu esposo José e com o seu amado filho Jesus em Jerusalém, de volta à sua pobre casa, perdeu o seu divino Filho e por três dias seguidos o procurou, lamentando a perda de seu único amor.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Mãe desconsolada, tu que na perda da presença corporal de teu Filho o procuraste ansiosamente por três dias seguidos, rogo-te que obtenhas a graça para todos os pecadores, para que também eles o procurem com atos de contrição e o encontrem. Assim seja.

Quarta dor. Encontro de Jesus carregando a cruz
A quarta dor da Santa Virgem foi quando encontrou seu dulcíssimo Filho Jesus, que carregava uma pesada cruz, em seus ombros delicados, até ao Monte Calvário, para ser crucificado pela nossa salvação.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem mais apaixonada do que todas, por aquele sofrimento que sentiste no coração ao encontrar teu Filho enquanto ele carregava o madeiro da Santíssima Cruz rumo ao Monte Calvário, peço-te que eu o acompanhe continuamente com o pensamento, chore meus pecados, causa manifesta dos seus e dos teus tormentos. Assim seja.

Quinta dor. Crucificação de Jesus
A quinta dor da Santa Virgem foi quando viu seu Filho Jesus suspenso sobre o duro madeiro da Cruz, vertendo sangue de todo o seu Santíssimo Corpo e morrendo depois de três horas de agonia.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Rosa entre os espinhos, por aquelas dores amargas que traspassaram teu peito ao ver com teus próprios olhos teu Filho traspassado e elevado na Cruz, obtém para mim, peço-te, que eu busque com meditações assíduas somente Jesus crucificado por causa dos meus pecados. Assim seja.

Sexta dor. Deposição de Jesus da cruz
A sexta dor da Santa Virgem foi quando seu amado Filho Jesus, depois de ter sido traspassado no peito com um golpe de lança e despregado da cruz, foi deposto em seu santo regaço.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem aflita, tu que acolheste teu Filho morto no colo, vencido pela Cruz, e beijando aquelas santíssimas feridas, derramaste sobre elas um mar de lágrimas, rogo-te que eu também lave continuamente com lágrimas de verdadeiro arrependimento as feridas mortais que meus pecados te causaram. Assim seja.

Sétima dor. Sepultamento de Jesus
A sétima e última dor da Santa Virgem, Senhora e Advogada dos seus servos e dos pobres pecadores, foi quando viu sepultado o Corpo Santíssimo de seu Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Mártir dos Mártires, Maria, por aquele tormento amargo que sofreste quando, sepultado teu Filho, tiveste que afastar-te daquele túmulo amado, concede graça, peço-te, a todos os pecadores, para que conheçam o quanto é grave dano para a alma estar longe de seu Deus. Assim seja.

Digam-se em seguida três Ave-Marias em sinal de profundo respeito às lágrimas que a Santíssima Virgem derramou nas suas Dores, a fim de impetrar uma verdadeira dor dos nossos pecados e para ganhar as santas indulgências.
Ave Maria etc.

Terminada a Coroa, recita-se o pranto da Bem-Aventurada Virgem, ou seja, o hino Stabat Mater etc.

Hino – Pranto da Bem-Aventurada Virgem Maria

Stabat Mater dolorosa
Iuxta crucem lacrymosa,
Dum pendebat Filius.

Cuius animam gementem
Contristatam et dolentem
Pertransivit gladius.

O quam tristis et afflicta
Fuit illa benedicta
Mater unigeniti!

Quae moerebat, et dolebat,
Pia Mater dum videbat.
Nati poenas inclyti.

Quis est homo, qui non fleret,
Matrem Christi si videret
In tanto supplicio?

Quis non posset contristari,
Christi Matrem contemplari
Dolentem cum filio?

Pro peccatis suae gentis
Vidit Iesum in tormentis
Et flagellis subditum.

Vidit suum dulcem natura
Moriendo desolatum,
Dum emisit spiritum.

Eia mater fons amoris,
Me sentire vim doloris
Fac, ut tecum lugeam.

Fac ut ardeat cor meum
In amando Christum Deum,
Ut sibi complaceam.

Sancta Mater istud agas,
Crucifixi fige plagas
Cordi meo valide.

Tui nati vulnerati
Tam dignati pro me pati
Poenas mecum divide.

Fac me tecum pie flere,
Crucifixo condolere,
Donec ego vixero.

Iuxta Crucem tecum stare,
Et me tibi sociare
In planctu desidero.

Virgo virginum praeclara,
Mihi iam non sia amara,
Fac me tecum plangere.

Fac ut portem Christi mortem,
Passionis fac consortem,
Et plagas recolere.

Fac me plagis vulnerari,
Fac me cruce inebriari,
Et cruore Filii.

Flammis ne urar succensus,
Per te, Virgo, sim defensus
In die Iudicii.

Christe, cum sit hine exire,
Da per matrem me venire
Ad palmam victoriae.

Quando corpus morietur,
Fac ut animae donetur
Paradisi gloria. Amen.

Estava a mãe dolorosa
junto da cruz, lacrimosa,
via o filho que pendia.

Na sua alma gemia,
contristada e dolorida
por um gládio transpassada.

Oh! Quão triste e aflita
entre todas, Mãe bendita,
que só tinha aquele Filho.

Quanta angústia não sentia,
Mãe piedosa quando via
as penas do Filho seu.

Quem não chora vendo isso:
contemplando a Mãe de Cristo
num suplício tão enorme?

Quem haverá que resista
se a Mãe assim se contrista
padecendo com seu Filho?

Por culpa de sua gente
Viu Jesus inocente,
Ao flagelo submetido.

Vê agora o seu amado
pelo Pai abandonado,
entregando seu espírito.

Faze, ó Mãe, fonte de amor
que eu sinta o espinho da dor,
para contigo chorar.

Faze arder meu coração
do Cristo Deus na paixão
para que o possa agradar.

Ó Santa Mãe, dá-me isto,
trazer as chagas de Cristo
gravadas no coração.

Do teu filho que por mim
entrega-se a morte assim,
divide as penas comigo.

Oh! Dá-me enquanto viver,
com Cristo compadecer,
chorando sempre contigo.

Junto à cruz eu quero estar,
quero o meu pranto juntar
às lágrimas que derramas.

Virgem, que às virgens aclara,
não sejas comigo avara,
dá-me contigo chorar.

Traga em mim do Cristo a morte,
da Paixão seja consorte,
suas chagas celebrando.

Por elas seja eu rasgado,
pela cruz inebriado,
pelo sangue de teu Filho.

No Julgamento consegue,
que às chamas não seja entregue
quem por ti é defendido.

Quando do mundo eu partir,
dai-me, ó Cristo, conseguir
por tua Mãe a vitória.

Quando meu corpo morrer,
possa a alma merecer
do Reino Celeste, a glória. Amém.

O Sumo Pontífice Inocêncio XI concede indulgência de 100 dias toda vez que se reza o Stabat Mater. Bento XIII concedeu indulgência de sete anos a quem rezar a Coroa das sete dores de Maria. Muitas outras indulgências foram concedidas por outros sumos Pontífices, especialmente aos Confrades e Coirmãs da Companhia de Maria Dolorosa.

As sete dores de Maria meditadas na forma da Via Crucis

Invoque-se a ajuda divina dizendo:
Actiones nostras, quaesumus, Domine, aspirando praeveni, et adiuvando prosequere, ut cuncta nostra oratio et operatio a te semper incipiat, et per te coepta finiatur. Per Christum Dominum Nostrum. Amen. [Inspirai, Senhor, todas as nossas ações e orações, e ajudai-nos a realizá-las, para que em Vós comece e para Vós termine tudo aquilo que fizermos. Por Cristo, Senhor nosso. Amém.]

Ato de Contrição
Virgem muitíssimo aflita, ai! quão ingrato fui no tempo passado para com meu Deus, com quanta ingratidão correspondi aos seus inúmeros benefícios! Agora me arrependo, e na amargura do meu coração e no pranto da minha alma, peço humildemente a Ele perdão por ter ultrajado sua infinita bondade, estando decidido no futuro, com a graça celestial, a nunca mais ofendê-lo. Ah! por todas as dores que suportastes na bárbara paixão do vosso amado Jesus, peço-vos com os mais profundos suspiros que me obtenhais do mesmo, piedade e misericórdia dos meus pecados. Aceitai este santo exercício que estou para fazer e recebei-o em união com aquelas penas e dores que Vós sofrestes por vosso filho Jesus. Ah, concedei-me! sim, concedei-me que aquelas mesmas espadas que traspassaram o vosso espírito, atravessem também o meu, e que eu viva e morra na amizade do meu Senhor, para participar eternamente da glória que Ele me conquistou com seu precioso Sangue. Assim seja.

Primeira dor
Nesta primeira dor, imaginemo-nos no templo de Jerusalém, onde a Bem-Aventurada Virgem ouviu a profecia do velho Simeão.

Meditação
Ah! Que angústias terá sentido o coração de Maria ao ouvir as dolorosas palavras com que lhe foi predita pelo Santo velho Simeão a amarga paixão e a atroz morte do seu dulcíssimo Jesus: enquanto naquele mesmo instante lhe surgiram à mente os ultrajes, os tormentos e as carnificinas que os ímpios judeus fariam ao Redentor do mundo. Mas sabes qual foi a espada mais penetrante que a traspassou nessa circunstância? Foi considerar a ingratidão com que seu amado Filho seria retribuído pelos homens. Agora, refletindo que, por causa dos teus pecados, estás miseravelmente entre esses tais, ah! lança-te aos pés desta Mãe Dolorosa e dize chorando assim (todos se ajoelham): Ah! Virgem piedosíssima, que sentistes tão amarga dor no vosso espírito ao ver o abuso que eu, criatura indigna, teria feito do sangue do vosso amável Filho, fazei, sim fazei por vosso aflito Coração, que eu no futuro corresponda às Divinas Misericórdias, aproveite as graças celestiais, não receba em vão tantas luzes e inspirações que Vós vos dignareis obter para mim, para que eu tenha a sorte de estar entre aqueles para quem a amarga paixão de Jesus seja de salvação eterna. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Segunda dor
Nesta segunda dor, consideremos a dolorosíssima viagem que a Virgem fez ao Egito para libertar Jesus da cruel perseguição de Herodes.

Meditação
Considera a amarga dor que Maria terá sentido quando, à noite, teve que partir por ordem do Anjo para preservar seu Filho da matança ordenada por aquele feroz Príncipe. Ah! que a cada grito de animal, a cada sopro de vento, a cada movimento de folha que ouvia por aquelas estradas desertas, se enchia de medo temendo algum infortúnio para o menino Jesus que levava consigo. Ora se voltava para um lado, ora para o outro, ora apressava o passo, ora se escondia crendo ter sido alcançada pelos soldados, que, arrancando de seus braços seu amabilíssimo Filho, teriam feito sob seus olhos um tratamento bárbaro, e fixando o olhar lacrimoso sobre seu Jesus e apertando-o fortemente ao peito, dando-lhe mil beijos, mandava do coração os suspiros mais angustiados. E aqui reflete quantas vezes renovaste essa amarga dor a Maria, forçando seu Filho com teus graves pecados a fugir da tua alma. Agora que conheces o grande mal cometido, volta-te arrependido a esta piedosa Mãe e dize-lhe assim:
Ah, Mãe dulcíssima! Uma vez Herodes obrigou-vos, com vosso Jesus, a fugir da inumana perseguição por ele ordenada; mas eu, oh! quantas vezes obriguei meu Redentor e, por consequência, também a vós, a partir rapidamente do meu coração, introduzindo nele o maldito pecado, inimigo cruel vosso e do meu Deus. Ah! todo dolorido e contrito vos peço humildemente perdão.
Sim, misericórdia, ó querida Mãe, misericórdia, e prometo-vos no futuro, com a ajuda divina, manter sempre meu Salvador e Vós no total domínio da minha alma. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Terceira dor
Nesta terceira dor, consideremos a Virgem muitíssimo aflita que, lacrimosa, vai à procura do seu Jesus perdido.

Meditação
Quão grande foi a dor de Maria quando percebeu que havia perdido seu amável Filho! E como cresceu sua dor quando, tendo-o procurado diligentemente entre amigos, parentes e vizinhos, não pôde obter nenhuma notícia dele. Ela, não se importando com os incômodos, o cansaço, os perigos, vagou por três dias seguidos pelas regiões da Judeia, repetindo aquelas palavras de desolação: talvez alguém tenha visto aquele que verdadeiramente ama a minha alma? Ah! que a grande ansiedade com que o procurava a fazia imaginar a cada momento vê-lo ou ouvir sua voz; mas, ao se reconhecer frustrada, oh, como se aterrorizava e sentia mais intensamente o pesar por tão deplorável perda! Grande confusão para ti, pecador, que tantas vezes perdeste teu Jesus pelos graves pecados cometidos, e não te preocupaste em procurá-lo, claro sinal de que pouco ou nenhum valor dás ao precioso tesouro da amizade divina. Chora, pois, tua cegueira, e voltando-te a esta Mãe Dolorosa, dize-lhe suspirando assim:
Virgem muitíssimo aflita, fazei que eu aprenda de vós a verdadeira maneira de buscar Jesus que perdi para seguir minhas paixões e as iníquas sugestões do demônio, para que eu consiga encontrá-lo, e quando o tiver recuperado, repetirei continuamente aquelas vossas palavras: Encontrei aquele que verdadeiramente ama meu coração; o guardarei sempre comigo, e nunca mais o deixarei partir. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Quarta dor
Na quarta dor, consideremos o encontro que a Virgem Dolorosa teve com seu Filho apaixonado.

Meditação
Venham, ó corações endurecidos, e vejam se conseguem suportar este espetáculo lacrimoso. É uma mãe, a mais terna, a mais amorosa, que encontra seu Filho, o mais doce, o mais amável; e como o encontra? Oh Deus! no meio da mais ímpia turba que o arrasta cruelmente para a morte, carregado de feridas, pingando sangue, rasgado pelas feridas, com uma coroa de espinhos na cabeça e com um tronco pesado sobre os ombros, ofegante, cansado, exausto, que parece a cada passo querer exalar o último suspiro.
Ah! considera, minha alma, a parada mortal que a Santíssima Virgem faz ao primeiro olhar que fixa sobre seu Jesus atormentado; ela gostaria de lhe dar o último adeus, mas como, se a dor a impede de pronunciar palavra? Gostaria de lançar-se ao seu pescoço, mas fica imóvel e petrificada pela força da aflição interna; gostaria de desabafar com o pranto, mas sente o coração tão apertado e oprimido que não consegue derramar uma lágrima. Oh! e quem pode conter as lágrimas ao ver uma pobre Mãe imersa em tão grande aflição? Mas quem é a causa de tão amarga dor? Ah, sou eu; sim, sou eu com meus pecados que fiz uma ferida tão bárbara ao vosso terno coração, ó Virgem Dolorosa. Porém, quem acreditaria? Permaneço insensível sem me comover. Mas se fui ingrato no passado, no futuro não serei mais.
Enquanto isso, prostrado aos vossos pés, ó Santíssima Virgem, peço humildemente perdão por tanto sofrimento que vos causei. Sei e confesso que não mereço piedade, sendo eu a verdadeira causa de vossa dor ao encontrar vosso Jesus todo coberto de feridas; mas lembrai-vos, sim, lembrai-vos que sois mãe de misericórdia. Ah, mostrai-vos, pois, assim para comigo, que eu vos prometo no futuro ser mais fiel ao meu Redentor, e assim compensar tantos desgostos que causei ao vosso aflito espírito. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Quinta dor
Nesta quinta dor, imaginemo-nos no Monte Calvário onde a Virgem muitíssimo aflita viu seu amado Filho expirar na Cruz.

Meditação
Aqui estamos no Calvário onde já estão erguidos dois altares de sacrifício, um no corpo de Jesus, outro no coração de Maria. Oh espetáculo terrível! Vemos a Mãe afogada num mar de aflições ao ver ser levado à morte cruel o caro e amável fruto de suas entranhas. Ai de mim! Cada martelada, cada ferida, cada rasgo que o Salvador recebe em seu corpo ressoa profundamente no coração da Virgem. Ela está aos pés da Cruz tão penetrada pela dor e transpassada pelo sofrimento que não se sabe quem será o primeiro a expirar, se Jesus ou Maria. Fixa o olhar no rosto agonizante do Filho, considera as pupilas cansadas, o rosto pálido, os lábios lívidos, a respiração difícil e finalmente sabe que Ele não vive mais e que já entregou o espírito no seio do eterno Pai. Ah, então a alma dela faz todo esforço possível para se separar do corpo e unir-se à de Jesus. E quem pode suportar tal visão.
Ó Mãe muitíssimo dolorosa, em vez de se retirar do Calvário para não sentir tão intensamente as angústias, permaneceis imóvel para absorver até a última gota o cálice amargo de vossas aflições. Que confusão deve ser esta para mim que busco todos os meios para evitar as cruzes e os pequenos sofrimentos que, para meu bem, o Senhor se digna enviar-me? Virgem muitíssimo dolorosa, humilho-me diante de vós, ah! fazei que eu conheça claramente o valor e o grande mérito do sofrimento, para que me apegue tanto a ele que nunca me canse de exclamar com São Francisco Xavier: Plus Domine, Plus Domine, mais sofrer, meu Deus. Ah sim, mais sofrer, ó meu Deus. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Sexta dor
Nesta sexta dor, imaginemo-nos vendo a Virgem desconsolada que recebe nos braços o corpo morto de seu Filho, retirado da Cruz.

Meditação
Considera a dor mais amarga que penetrou a alma de Maria quando viu no seu colo o corpo morto do amado Jesus. Ah! ao fixar o olhar nas feridas e nas chagas dele, ao contemplá-lo tingido com seu próprio sangue, foi tal o ímpeto da dor interior que seu coração foi mortalmente traspassado, e se não morreu foi a onipotência divina que a conservou viva. Ó pobre Mãe, sim, pobre mãe, que conduzis ao túmulo o caro objeto de vossas mais ternas complacências, e que de um ramo de rosas se tornou um feixe de espinhos pelos maus-tratos e rasgos feitos pelos ímpios malfeitores. E quem não terá compaixão de vós? Quem não se sentirá dilacerado pela dor ao ver-vos num estado de aflição que comove até a pedra mais dura? Vejo João inconsolável, Madalena com as outras Marias que choram amargamente, Nicodemos que não pode mais suportar a aflição. E eu? Eu sozinho não derramo uma lágrima em meio a tanto sofrimento! Ingrato e ignorante que sou!
Ah! Mãe piedosíssima, aqui estou aos vossos pés, recebei-me sob a vossa poderosa proteção e fazei com que este meu coração seja traspassado por aquela mesma espada que atravessou de parte a parte o vosso aflito espírito, para que se amoleça uma vez e chore verdadeiramente meus graves pecados que vos causaram tão cruel martírio. E assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Sétima dor
Nesta sétima dor, consideremos a Virgem muitíssimo dolorosa que vê seu Filho morto ser sepultado.

Meditação
Considera o suspiro mortal que enviou o aflito coração de Maria quando viu seu amável Jesus ser colocado no túmulo! Oh que dor, que sofrimento sentiu seu espírito quando foi levantada a pedra com que se deveria fechar aquele sacratíssimo monumento! Não era possível afastá-la da borda do sepulcro, enquanto a dor era tal que a tornava insensível e imóvel, sem cessar de contemplar aquelas chagas e aquelas feridas cruéis. Quando então o túmulo foi fechado, oh, então sim, tal foi a força da dor interior que ela teria certamente caído morta se Deus não a tivesse conservado viva. Ó Mãe muitíssimo atribulada! Agora partireis com o corpo deste lugar, mas aqui certamente ficará vosso coração, pois aqui está vosso verdadeiro tesouro. Ah destino, que em companhia dele fique todo nosso afeto, todo nosso amor, como poderá ser que não nos derretamos de benevolência para com o Salvador, que deu todo seu sangue por nossa salvação? Como poderá ser que não amemos a Vós que tanto sofrestes por nossa causa.
Agora nós, chorando arrependidos por termos causado tantas dores a vosso Filho e a vós tanta amargura, prostramo-nos aos vossos pés e por todas aquelas dores que nos fizestes a graça de meditar, concedei-nos este favor: que a memória das mesmas fique sempre vivamente impressa em nossa mente, que nossos corações se consumam por amor ao nosso bom Deus, e a Vós, nossa doce Mãe, e que o último suspiro de nossa vida se una àqueles que derramastes do fundo da vossa alma na dolorosa paixão de Jesus, a quem seja honra, glória e ação de graças pelos séculos dos séculos. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Então se reza o Stabat Mater, como acima.

Antífona. Tuam ipsius animam (ait ad Mariam Simeon) pertransiet gladius. [Tua própria alma (disse Simeão a Maria) uma espada transpassará]
Rogai por nós, Virgem Dolorosa.
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos
Deus, em cuja paixão, segundo a profecia de Simeão, a doce alma da Gloriosa Virgem e Mãe Maria Dolorosa foi traspassada pela espada, concedei propício que, nós que recordamos a memória de suas dores, alcancemos felizmente o efeito da vossa paixão. Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos. Amém.

Louvado seja Deus e a Virgem Dolorosa.

Com permissão da Revisão Eclesiástica

A Festa das Sete Dores de Maria Virgem Dolorosa, celebrada pela Pia União e Sociedade, ocorre no terceiro domingo de setembro na Igreja de São Francisco de Assis.

Texto da 3ª edição, Turim, Tipografia de Giulio Speirani e filhos, 1871




A radicalidade evangélica do Beato Estêvão Sándor

Stefano Sándor (Szolnok 1914 – Budapeste 1953) é um mártir coadjutor salesiano. Jovem alegre e devoto, após os estudos em metalurgia ingressou nos Salesianos, tornando-se mestre tipógrafo e guia dos jovens. Animou oratórios, fundou a Juventude Operária Católica e transformou trincheiras e canteiros em “oratórios festivos”. Quando o regime comunista confiscou as obras eclesiais, continuou clandestinamente a educar e salvar jovens e máquinas; preso, foi enforcado em 8 de junho de 1953. Enraizado na Eucaristia e na devoção a Maria, encarnou a radicalidade evangélica de Dom Bosco com dedicação educativa, coragem e fé inabalável. Beatificado pelo papa Francisco em 2013, permanece como modelo de santidade laical salesiana.

1. Notas biográficas
            Sándor Estêvão nasceu em Szolnok, na Hungria, em 26 de outubro de 1914, filho de Estêvão e Maria Fekete, o primeiro de três irmãos. O pai era funcionário das Ferrovias Estatais, enquanto a mãe era dona de casa. Ambos transmitiram aos filhos uma profunda religiosidade. Estêvão estudou em sua cidade, obtendo o diploma de técnico metalúrgico. Desde jovem, era estimado pelos colegas, era alegre, sério e gentil. Ajudava os irmãos a estudar e a rezar, dando o exemplo. Fez a crisma com fervor, comprometendo-se a imitar seu santo protetor e São Pedro. Servia todos os dias a santa Missa com os padres franciscanos, recebendo a Eucaristia.
            Lendo o Boletim Salesiano, conheceu Dom Bosco. Sentiu-se imediatamente atraído pelo carisma salesiano. Conversou com seu diretor espiritual, expressando o desejo de entrar na Congregação salesiana. Também falou com seus pais sobre isso. Eles negaram o consentimento e tentaram de todas as maneiras dissuadi-lo. Mas Estêvão conseguiu convencê-los, e em 1936 foi aceito no Clarisseum, sede dos Salesianos em Budapeste, onde, em dois anos, fez o aspirantado. Frequentou na tipografia “Don Bosco” os cursos de técnico impressor. Iniciou o noviciado, mas teve que interrompê-lo devido à convocação para o serviço militar.
            Em 1939, obteve a dispensa definitiva e, após um ano de noviciado, fez sua primeira profissão em 8 de setembro de 1940 como salesiano coadjutor. Destinado ao Clarisseum, comprometeu-se ativamente no ensino nos cursos profissionais. Também teve a responsabilidade de assistência ao oratório, que conduziu com entusiasmo e competência. Foi o promotor da Juventude Operária Católica. Seu grupo foi reconhecido como o melhor do movimento. Seguindo o exemplo de Dom Bosco, mostrou-se um educador modelo. Em 1942, foi chamado para o front e ganhou uma medalha de prata por bravura militar. A trincheira era para ele um oratório festivo que animava salesianamente, encorajando os companheiros de farda. Ao final da Segunda Guerra Mundial, comprometeu-se na reconstrução material e moral da sociedade, dedicando-se especialmente aos jovens mais pobres, que reunia ensinando-lhes um ofício. Em 24 de julho de 1946, fez sua profissão perpétua. Em 1948, obteve o título de mestre-impressor. Ao final dos estudos, os alunos de Estêvão eram contratados nas melhores tipografias da capital Budapeste e da Hungria.
            Quando o Estado, em 1949, sob Mátyás Rákosi, confiscou os bens eclesiásticos e começaram as perseguições contra as escolas católicas, que tiveram que fechar as portas, Sándor tentou salvar o que fosse possível, ao menos algumas máquinas de impressão e algo da mobília que custou tantos sacrifícios. De repente, os religiosos se viram sem nada, tudo havia se tornado do Estado. O stalinismo de Rákosi continuou a se abater: os religiosos foram dispersos. Sem casa, trabalho ou comunidade, muitos se tornaram clandestinos. Adaptaram-se a fazer de tudo: garis, camponeses, operários, carregadores, servos… Até Estêvão teve que “desaparecer”, deixando sua tipografia que se tornara famosa. Em vez de se refugiar no exterior, permaneceu em sua terra para salvar a juventude húngara. Pegos em flagrante (estava tentando salvar algumas máquinas de impressão), teve que fugir rapidamente e permanecer escondido por alguns meses; depois, sob outro nome, conseguiu ser contratado em uma fábrica de detergentes da capital, mas continuou destemidamente e clandestinamente seu apostolado, mesmo sabendo que era uma atividade rigorosamente proibida. Em julho de 1952, foi capturado no local de trabalho e não foi mais visto pelos coirmãos. Um documento oficial certifica seu processo e a condenação à morte, executada por enforcamento em 8 de junho de 1953.
            A fase diocesana da Causa de martírio começou em Budapeste em 24 de maio de 2006 e terminou em 8 de dezembro de 2007. Em 27 de março de 2013, o Papa Francisco autorizou a Congregação das Causas dos Santos a promulgar o Decreto de martírio e a celebrar o rito de beatificação, que ocorreu no sábado, 19 de outubro de 2013, em Budapeste.

2. Testemunho original de santidade salesiana
            As rápidas notas sobre a biografia de Sándor nos introduziram no coração de sua trajetória espiritual. Contemplando a fisionomia que a vocação salesiana assumiu nele, marcada pela ação do Espírito e agora proposta pela Igreja, descobrimos alguns traços dessa santidade: o profundo sentido de Deus e a plena e serena disponibilidade à sua vontade, a atração por Dom Bosco e a cordial pertença à comunidade salesiana, a presença animadora e encorajadora entre os jovens, o espírito de família, a vida espiritual e de oração cultivada pessoalmente e compartilhada com a comunidade, a total consagração à missão salesiana vivida na dedicação aos aprendizes e aos jovens trabalhadores, aos meninos do oratório, à animação de grupos juvenis. Trata-se de uma presença ativa no mundo educativo e social, toda animada pela caridade de Cristo que o impulsiona interiormente!

            Não faltaram gestos que têm do heroico e do incomum, até aquele supremo de dar a própria vida pela salvação da juventude húngara. «Um jovem queria saltar no bonde que passava em frente à casa salesiana. Errando o movimento, caiu sob o veículo. O veículo parou tarde demais; uma roda o feriu profundamente na coxa. Uma grande multidão se reuniu para assistir à cena sem intervir, enquanto o pobre infeliz estava prestes a se esvair em sangue. Nesse momento, o portão do colégio se abriu e Pista (nome familiar de Estêvão) correu para fora com uma maca dobrável debaixo do braço. Jogou sua jaqueta no chão, se meteu debaixo do bonde e puxou o jovem com cautela, apertando seu cinto em torno da coxa sangrante, e colocou o rapaz na maca. Nesse momento, chegou a ambulância. A multidão aplaudiu Pista com entusiasmo. Ele ficou vermelho, mas não pôde esconder a alegria de ter salvado a vida de alguém».
            Um de seus meninos lembra: «Um dia, fiquei gravemente doente de tifo. No hospital de Újpest, enquanto ao meu lado meus pais se preocupavam com minha vida, Estêvão Sándor se ofereceu para me doar sangue, se fosse necessário. Esse ato de generosidade comoveu muito minha mãe e todas as pessoas ao meu redor».
            Embora já tenham se passado mais de sessenta anos desde seu martírio e profunda tenha sido a evolução da Vida Consagrada, da experiência salesiana, da vocação e da formação do salesiano coadjutor, o caminho salesiano para a santidade traçado por Estêvão Sándor é um sinal e uma mensagem que abre perspectivas para hoje. Assim se cumpre a afirmação das Constituições salesianas: «Os coirmãos que viveram ou vivem em plenitude o projeto evangélico das Constituições são para nós estímulo e ajuda no caminho de santificação». Sua beatificação indica concretamente aquela «medida alta da vida cristã ordinária» indicada por João Paulo II na Novo Millennio Ineunte.

2.1. Sob o estandarte de Dom Bosco
            É sempre interessante tentar identificar no plano misterioso que o Senhor tece sobre cada um de nós o fio condutor de toda a existência. Com uma fórmula sintética, o segredo que inspirou e guiou todos os passos da vida de Estêvão Sándor pode ser sintetizado com estas palavras: seguindo Jesus, com Dom Bosco e como Dom Bosco, em todo lugar e sempre. Na história vocacional de Estêvão, Dom Bosco irrompe de maneira original e com os traços típicos de uma vocação bem identificada, como escreveu o pároco franciscano, apresentando o jovem Estêvão: «Aqui em Szolnok, na nossa paróquia, temos um jovem muito bom: Estêvão Sándor, de quem sou pai espiritual e que, ao terminar a escola técnica, aprendeu o ofício em uma escola metalúrgica; faz a Comunhão diariamente e gostaria de entrar em uma ordem religiosa. Para nós, não teríamos nenhuma dificuldade, mas ele gostaria de entrar nos Salesianos como irmão leigo».
            O elogio do pároco e diretor espiritual evidencia: os traços de trabalho e oração típicos da vida salesiana; um caminho espiritual perseverante e constante com uma orientação espiritual; o aprendizado da arte tipográfica que, com o tempo, se aperfeiçoará e se especializará.
            Ele veio a conhecer Dom Bosco através do Boletim Salesiano e das publicações salesianas de Rákospalota. A partir desse contato através da imprensa salesiana, talvez tenha nascido sua paixão pela tipografia e pelos livros. Na carta ao Inspetor dos Salesianos da Hungria, o P. János [João] Antal, onde pede para ser aceito entre os filhos de Dom Bosco, declarava: «Sinto a vocação de entrar na Congregação salesiana. Há necessidade de trabalho em todo lugar; sem trabalho, não se pode alcançar a vida eterna. Eu gosto de trabalhar».
            Desde o início, emerge a vontade forte e decidida de perseverar na vocação recebida, como de fato acontecerá. Quando, em 28 de maio de 1936, ele fez o pedido de admissão ao noviciado salesiano, declarou ter «conhecido a Congregação salesiana e ter sido cada vez mais confirmado em sua vocação religiosa, tanto que confia poder perseverar sob o estandarte de Dom Bosco». Com poucas palavras, Sándor expressa uma consciência vocacional de alto perfil: conhecimento experiencial da vida e do espírito da Congregação; confirmação de uma escolha justa e irreversível; segurança para o futuro de ser fiel no campo de batalha que o aguarda.
            A ata da admissão ao noviciado, em língua italiana (2 de junho de 1936), qualifica unanimemente a experiência do aspirantado: «Com ótimo resultado, diligente, de boa piedade e se ofereceu espontaneamente ao oratório festivo, foi prático, de bom exemplo, recebeu o certificado de impressor, mas ainda não tem a prática perfeita». Já estão presentes aqueles traços que, consolidados posteriormente no noviciado, definirão a fisionomia de religioso salesiano leigo: a exemplaridade da vida, a generosa disponibilidade à missão salesiana, a competência na profissão de tipógrafo.
            Em 8 de setembro de 1940, emite sua profissão religiosa como salesiano coadjutor. Desse dia de graça, reproduzimos uma carta escrita por Pista, como era familiarmente chamado, a seus pais: «Queridos pais, tenho a relatar um evento importante para mim e que deixará marcas indeléveis em meu coração. No dia 8 de setembro, pela graça de Deus e com a proteção da Santa Virgem, comprometi-me com a profissão a amar e servir a Deus. Na festa da Virgem Mãe, fiz meu casamento com Jesus e prometi-lhe, com o triplo voto, ser Seu, nunca mais me afastar d’Ele e perseverar na fidelidade a Ele até a morte. Portanto, peço a todos vocês que não se esqueçam de mim em suas orações e nas Comunhões, fazendo votos para que eu possa permanecer fiel à minha promessa feita a Deus. Vocês podem imaginar que esse foi para mim um dia alegre, nunca vivido antes em minha vida. Penso que não poderia ter dado a Nossa Senhora um presente de aniversário mais agradável do que o presente de mim mesmo. Imagino que o bom Jesus os tenha olhado com olhos afetuosos, sendo vocês os que me doaram a Deus… Saudações afetuosas a todos. PISTA».

2.2. Dedicação absoluta à missão
            «A missão dá a toda a nossa existência seu tom concreto…», dizem as Constituições salesianas. Estêvão Sándor viveu a missão salesiana no campo que lhe foi confiado, incorporando a caridade pastoral educativa como salesiano coadjutor, com o estilo de Dom Bosco. Sua fé o levou a ver Jesus nos jovens aprendizes e trabalhadores, nos meninos do oratório, naqueles da rua.
            Na indústria gráfica, a direção competente da administração é considerada uma tarefa essencial. Estêvão Sándor era encarregado da direção, do treinamento prático e específico dos aprendizes e da fixação dos preços dos produtos gráficos. A tipografia “Dom Bosco” gozava em todo o país de grande prestígio. Faziam parte das edições salesianas o Boletim SalesianoJuventude Missionária, revistas para a juventude, o Calendário Dom Bosco, livros de devoção e a edição em tradução húngara dos escritos oficiais da Direção Geral dos Salesianos. É nesse ambiente que Estêvão Sándor começou a amar os livros católicos que eram por ele não apenas preparados para impressão, mas também estudados.
            No serviço da juventude, ele também era responsável pela educação colegial dos jovens. Essa também era uma tarefa importante, além de seu treinamento técnico. Era indispensável disciplinar os jovens, em fase de desenvolvimento vigoroso, com firmeza afetuosa. Em cada momento do período de aprendizado, ele os acompanhava como um irmão mais velho. Estêvão Sándor destacou-se por uma forte personalidade: possuía uma excelente formação específica, acompanhada de disciplina, competência e espírito comunitário.
            Não se contentava com um único trabalho determinado, mas se tornava disponível para toda necessidade. Assumiu a tarefa de sacristão da pequena igreja do Clarisseum e cuidou da direção do “Pequeno Clero”. Prova de sua capacidade de resistência foi também o compromisso espontâneo de trabalho voluntário no florescente oratório, frequentado regularmente pelos jovens dos dois subúrbios de Újpest e Rákospalota. Ele gostava de brincar com os meninos; nas partidas de futebol, atuava como árbitro com grande competência.

2.3. Religioso educador
            Estêvão Sándor foi educador da fé de cada pessoa, coirmão e jovem, especialmente nos momentos de prova e na hora do martírio. De fato, Sándor havia feito da missão para os jovens seu espaço educativo, onde vivia diariamente os critérios do Sistema Preventivo de Dom Bosco – razão, religião, amorosidade – na proximidade e assistência amorosa aos jovens trabalhadores, na ajuda prestada para compreender e aceitar as situações de sofrimento, no testemunho vivo da presença do Senhor e de seu amor indefectível.
            Em Rákospalota, Estêvão Sándor dedicou-se com zelo ao treinamento dos jovens tipógrafos e à educação dos jovens do oratório e dos “Pajens do Sagrado Coração”. Diante desses desafios, manifestou um acentuado senso de dever, vivendo com grande responsabilidade sua vocação religiosa e caracterizando-se por uma maturidade que despertava admiração e estima. «Durante sua atividade tipográfica, vivia conscientemente sua vida religiosa, sem qualquer vontade de aparecer. Praticava os votos de pobreza, castidade e obediência, sem qualquer forçação. Nesse campo, sua única presença valia um testemunho, sem dizer uma palavra. Até os alunos reconheciam sua autoridade, graças aos seus modos fraternos. Colocava em prática tudo o que dizia ou pedia aos alunos, e a ninguém ocorria contradizê-lo de qualquer forma».
            György Érseki conhecia os Salesianos desde 1945 e, após a Segunda Guerra Mundial, foi morar em Rákospalota, no Clarisseum. Seu conhecimento com Estêvão Sándor durou até 1947. Durante esse período, não apenas nos oferece um retrato da múltipla atividade do jovem coadjutor, tipógrafo, catequista e educador da juventude, mas também uma leitura profunda, da qual emerge a riqueza espiritual e a capacidade educativa de Estêvão: «Estêvão Sándor foi uma pessoa muito dotada por natureza. Na qualidade de pedagogo, posso sustentar e confirmar sua capacidade de observação e sua personalidade polifacética. Foi um bom educador e conseguia lidar com os jovens, um a um, de maneira ótima, escolhendo o tom adequado com todos. Há ainda um detalhe pertencente à sua personalidade: considerava cada um de seus trabalhos um santo dever, consagrando, sem esforços e com grande naturalidade, toda sua energia à realização desse objetivo sagrado. Graças a um instinto inato, conseguia captar a atmosfera e influenciá-la positivamente. […] Tinha um caráter forte como educador; cuidava de todos individualmente. Interessava-se por nossos problemas pessoais, reagindo sempre da maneira mais adequada a nós. Assim, realizava os três princípios de Dom Bosco: a razão, a religião e a amorosidade… Os coadjutores salesianos não usavam a batina fora do contexto litúrgico, mas a aparência de Estêvão Sándor se destacava da massa de pessoas. No que diz respeito à sua atividade de educador, nunca recorria à punição física, proibida segundo os princípios de Dom Bosco, ao contrário de outros professores salesianos mais impulsivos, incapazes de se dominar e que às vezes davam tapas. Os alunos aprendizes confiados a ele formavam uma pequena comunidade dentro do colégio, embora fossem diferentes entre si em termos de idade e cultura. Eles comiam no refeitório junto com os outros estudantes, onde habitualmente durante as refeições se lia a Bíblia. Naturalmente, Estêvão Sándor também estava presente. Graças à sua presença, o grupo de aprendizes industriais sempre se mostrava o mais disciplinado… Estêvão Sándor permaneceu sempre juvenil, demonstrando grande compreensão pelos jovens. Captando seus problemas, transmitia mensagens positivas e sabia aconselhá-los tanto no plano pessoal quanto no religioso. Sua personalidade revelava grande tenacidade e resistência no trabalho; mesmo nas situações mais difíceis, permanecia fiel aos seus ideais e a si mesmo. O colégio salesiano de Rákospalota abrigava uma grande comunidade, exigindo um trabalho com os jovens em vários níveis. No colégio, ao lado da tipografia, moravam jovens salesianos em formação, que estavam em estreito relacionamento com os coadjutores. Lembro-me dos seguintes nomes: József Krammer, Imre Strifler, Vilmos Klinger e László Merész. Esses jovens tinham tarefas diferentes das de Estêvão Sándor e também se diferenciavam em caráter. No entanto, graças à sua vida em comum, conheciam os problemas, as virtudes e os defeitos uns dos outros. Estêvão Sándor, em seu relacionamento com esses clérigos, sempre encontrou a medida adequada. Ele conseguiu encontrar o tom fraterno para adverti-los, quando mostravam alguma falha, sem cair no paternalismo. Na verdade, foram os jovens clérigos que pediram sua opinião. A meu ver, ele realizou os ideais de Dom Bosco. Desde o primeiro momento de nosso conhecimento, Estêvão Sándor representou o espírito que caracterizava os membros da Sociedade Salesiana: senso de dever, pureza, religiosidade, praticidade e fidelidade aos princípios cristãos».
            Um jovem daquela época recorda assim o espírito que animava Estêvão Sándor: «Minha primeira lembrança dele está ligada à sacristia do Clarisseum, onde ele, na qualidade de sacristão principal, exigia a ordem, impondo a seriedade devida à situação, permanecendo, no entanto, sempre ele mesmo, com seu comportamento, a nos dar o bom exemplo. Era uma de suas características dar-nos as diretrizes com um tom moderado, sem elevar a voz, pedindo-nos, em vez disso, cortesmente que cumpríssemos nossos deveres. Esse seu comportamento espontâneo e amigável nos conquistou. Nós realmente o amávamos. Ficamos encantados com a naturalidade com que Estêvão Sándor se ocupava de nós. Ele nos ensinava, rezava e vivia conosco, testemunhando a espiritualidade dos coadjutores salesianos daquela época. Nós, jovens, muitas vezes não nos dávamos conta de quão especiais eram essas pessoas, mas ele se destacava por sua seriedade, que manifestava na igreja, na tipografia e até mesmo no campo de jogo».

3. Reflexo de Deus com radicalidade evangélica
            O que dava espessura a tudo isso – a dedicação à missão e a capacidade profissional e educativa – e que impressionava imediatamente aqueles que o encontravam era a figura interior de Estêvão Sándor, a de discípulo do Senhor, que vivia em cada momento sua consagração, na constante união com Deus e na fraternidade evangélica. Dos testemunhos processuais emerge uma figura completa, também por aquele equilíbrio salesiano pelo qual as diferentes dimensões se unem em uma personalidade harmônica, unificada e serena, aberta ao mistério de Deus vivido no cotidiano.
            Um traço que impressiona de tal radicalidade é o fato de que, desde o noviciado, todos os seus companheiros, mesmo aqueles aspirantes ao sacerdócio e muito mais jovens que ele, o estimavam e o viam como modelo a ser imitado. A exemplaridade de sua vida consagrada e a radicalidade com que viveu e testemunhou os conselhos evangélicos o distinguiram sempre e em toda parte, de modo que em muitas ocasiões, mesmo no tempo da prisão, vários pensavam que ele era um sacerdote. Tal testemunho diz muito sobre a singularidade com que Estêvão Sándor viveu sempre com clara identidade sua vocação de salesiano coadjutor, evidenciando precisamente o específico da vida consagrada salesiana como tal. Entre os companheiros de noviciado, Gyula Zsédely fala assim de Estêvão Sándor: «Entramos juntos no noviciado salesiano de Santo Estêvão em Mezőnyárád. Nosso mestre foi Béla Bali. Aqui passei um ano e meio com Estêvão Sándor e fui testemunha ocular de sua vida, modelo de jovem religioso. Embora Estêvão Sándor tivesse pelo menos nove a dez anos a mais que eu, convivia com seus companheiros de noviciado de maneira exemplar; participava das práticas de piedade junto conosco. Não sentíamos de forma alguma a diferença de idade; ele estava ao nosso lado com afeto fraterno. Nos edificava não apenas através de seu bom exemplo, mas também dando-nos conselhos práticos sobre a educação da juventude. Já se via então como ele estava predestinado a essa vocação segundo os princípios educativos de Dom Bosco… Seu talento de educador saltava aos olhos também de nós noviços, especialmente nas atividades comunitárias. Com seu charme pessoal, nos entusiasmava a tal ponto que considerávamos garantido poder enfrentar com facilidade até as tarefas mais difíceis. O motor de sua profunda espiritualidade salesiana foram a oração e a Eucaristia, bem como a devoção à Virgem Maria Auxiliadora. Durante o noviciado, que durou um ano, víamos em sua pessoa um bom amigo. Tornou-se nosso modelo também na obediência, pois, sendo ele o mais velho, foi colocado à prova com pequenas humilhações, mas ele as suportou com maestria e sem dar sinais de sofrimento ou ressentimento. Naquela época, infelizmente, havia alguém entre nossos superiores que se divertia em humilhar os noviços, mas Estêvão Sándor soube resistir bem. Sua grandeza de espírito, enraizada na oração, era perceptível por todos».
            Sobre a intensidade com que Estêvão Sándor vivia sua fé, com uma contínua união com Deus, emerge uma exemplaridade de testemunho evangélico, que podemos bem definir como um “reflexo de Deus”: «Parece-me que sua atitude interior surgiu da devoção à Eucaristia e a Nossa Senhora, que também transformou a vida de Dom Bosco. Quando se ocupava de nós, “Pequeno Clero”, não dava a impressão de exercer um ofício; suas ações manifestavam a espiritualidade de uma pessoa capaz de rezar com grande fervor. Para mim e para meus colegas, “o Senhor Sándor” foi um ideal e nem por sonho pensávamos que tudo o que vimos e ouvimos fosse uma encenação superficial. Acredito que apenas sua íntima vida de oração pôde alimentar tal comportamento quando, ainda coirmão muito jovem, havia compreendido e levado a sério o método de educação de Dom Bosco».
            A radicalidade evangélica se expressou de diversas formas ao longo da vida religiosa de Estêvão Sándor:
            – Ao esperar pacientemente o consentimento dos pais para entrar com os Salesianos.
            – Em cada passagem da vida religiosa, ele teve que esperar: antes de ser admitido ao noviciado, teve que fazer o aspirantado; admitido ao noviciado, teve que interrompê-lo para prestar o serviço militar; o pedido para a profissão perpétua, antes aceito, será adiado após um novo período de votos temporários.
            – Nas duras experiências do serviço militar e na frente de batalha. O confronto com um ambiente que apresentava muitas armadilhas à sua dignidade de homem e cristão fortaleceu nesse jovem noviço a decisão de seguir o Senhor, de ser fiel à sua escolha de Deus, custe o que custar. De fato, não há discernimento mais duro e exigente do que o de um noviciado provado e testado na trincheira da vida militar.
            – Nos anos da supressão e depois da prisão, até a hora suprema do martírio.

            Tudo isso revela aquele olhar de fé que sempre acompanhará a história de Estêvão: a consciência de que Deus está presente e opera para o bem de seus filhos.

Conclusão
            Estêvão Sándor, do nascimento até a morte, foi um homem profundamente religioso, que em todas as circunstâncias da vida respondeu com dignidade e coerência às exigências de sua vocação salesiana. Assim viveu no período do aspirantado e da formação inicial, em seu trabalho de tipógrafo, como animador do oratório e da liturgia, no tempo da clandestinidade e da prisão, até os momentos que precederam sua morte. Desejoso, desde a primeira juventude, de consagrar-se ao serviço de Deus e dos irmãos na generosa tarefa da educação dos jovens segundo o espírito de Dom Bosco, foi capaz de cultivar um espírito de fortaleza e de fidelidade a Deus e aos irmãos que o capacitaram, no momento da prova, a resistir, primeiro às situações de conflito e depois à prova suprema do dom da vida.
            Gostaria de destacar o testemunho de radicalidade evangélica oferecido por este coirmão. Da reconstrução do perfil biográfico de Estêvão Sándor emerge um real e profundo caminho de fé, iniciado desde sua infância e juventude, fortalecido pela profissão religiosa salesiana e consolidado na exemplar vida de salesiano coadjutor. Nota-se em particular uma genuína vocação consagrada, animada segundo o espírito de Dom Bosco, por um intenso e fervoroso zelo pela salvação das almas, especialmente juvenis. Mesmo os períodos mais difíceis, como o serviço militar e a experiência da guerra, não abalaram o íntegro comportamento moral e religioso do jovem coadjutor. É sobre essa base que Estêvão Sándor sofrerá o martírio sem arrependimentos ou hesitações.
            A beatificação de Estêvão Sándor compromete toda a Congregação na promoção da vocação do salesiano coadjutor, acolhendo seu testemunho exemplar e invocando de forma comunitária sua intercessão nessa intenção. Como salesiano leigo, conseguiu dar bom exemplo até mesmo aos padres, com sua atividade entre os jovens e com sua exemplar vida religiosa. É um modelo para os jovens consagrados, pela maneira como enfrentou as provas e as perseguições sem aceitar pactuações. As causas a que se dedicou, a santificação do trabalho cristão, o amor pela casa de Deus e a educação da juventude, são ainda hoje uma missão fundamental da Igreja e de nossa Congregação.
            Como educador exemplar dos jovens, em particular dos aprendizes e dos jovens trabalhadores, e como animador do oratório e dos grupos juvenis, é um exemplo e um estímulo em nosso empenho de anunciar aos jovens o Evangelho da alegria através da pedagogia da bondade.




P. Elias Comini: sacerdote mártir em Monte Sole

No dia 18 de dezembro de 2024, o Papa Francisco reconheceu oficialmente o martírio do P. Elias Comini (1910-1944), Salesiano de Dom Bosco, que, portanto, será beatificado. Seu nome se junta ao de outros sacerdotes — como o P. João Fornasini, já Beato desde 2021 — que foram vítimas das violentas atrocidades nazistas na área de Monte Sole, nas colinas de Bolonha, durante a Segunda Guerra Mundial. A beatificação do P. Elias Comini não é apenas um evento de extraordinária relevância para a Igreja bolonhesa e a Família Salesiana, mas também constitui um convite universal para redescobrir o valor do testemunho cristão: um testemunho em que a caridade, a justiça e a compaixão prevalecem sobre qualquer forma de violência e ódio.

Dos Apeninos aos pátios salesianos
            O P. Elias Comini nasceu em 7 de maio de 1910 na localidade “Madonna del Bosco” em Calvenzano di Vergato, na província de Bolonha. Sua casa natal é contígua a um pequeno santuário mariano, dedicado à “Madonna del Bosco” [Nossa Senhora do Bosque], e essa forte marca sob a proteção de Maria o acompanhará por toda a vida.
            Ele é o segundo filho de Cláudio e Ema Limoni, que se casaram na igreja paroquial de Salvaro, em 11 de fevereiro de 1907. No ano seguinte nasceu o primogênito Hamlet. Dois anos depois, Elias veio ao mundo. Batizado no dia seguinte ao nascimento – 8 de maio – na paróquia de Santo Apolinário em Calvenzano, Elias recebeu naquele dia também os nomes de “Miguel” e “José”.
            Quando tinha sete anos, a família se mudou para a localidade “Casetta” em Pioppe di Salvaro, no município de Grizzana. Em 1916, Elias entrou para a escola: frequentou as três primeiras séries do ensino fundamental em Calvenzano. Nesse período, ele também recebeu a Primeira Comunhão. Ainda pequeno, mostrou-se muito envolvido no catecismo e nas celebrações litúrgicas. Recebeu a Crisma em 29 de julho de 1917. Entre 1919 e 1922, Elias aprendeu os primeiros elementos de pastoral na “escola de fogo” de D. Fidêncio Mellini, que, quando jovem, conheceu Dom Bosco, o qual lhe profetizou o sacerdócio. Em 1923, o P. Mellini orientou tanto Elias quanto seu irmão Hamlet para os Salesianos de Finale Emilia, e ambos aproveitarão o carisma pedagógico do santo dos jovens: Hamlet como docente e “empreendedor” na área da escola; Elias como Salesiano de Dom Bosco.
            Noviço desde 1º de outubro de 1925 em São Lázaro di Savena, Elias Comini ficou órfão de pai em 14 de setembro de 1926, a poucos dias (3 de outubro de 1926) de sua Primeira Profissão religiosa, que renovou até a Perpétua, em 8 de maio de 1931, no aniversário do batismo, no Instituto “São Bernardino” de Chiari. Em Chiari, ele também foi “tirocinante” no Instituto Salesiano “Rota”. Recebeu em 23 de dezembro de 1933 as ordens menores do ostiariado e do leitorado; em 22 de fevereiro de 1934, do exorcistado e do acolitado. Foi subdiácono em 22 de setembro de 1934. Ordenado diácono na catedral de Bréscia em 22 de dezembro de 1934, o P. Elias foi ordenado sacerdote pela imposição das mãos do Bispo de Bréscia, D. Jacinto Tredici, em 16 de março de 1935, com apenas 24 anos: no dia seguinte, celebrou a Primeira Missa no Instituto Salesiano “São Bernardino” de Chiari. Em 28 de julho de 1935, ele festejará com uma Missa em Salvaro.
            Matriculado na faculdade de Letras Clássicas e Filosofia da então Real Universidade de Milão, ele sempre foi muito querido pelos alunos, tanto como docente quanto como pai e guia no Espírito: seu caráter, sério sem rigidez, lhe valeu estima e confiança. O P. Elias também é um excelente músico e humanista, que aprecia e sabe fazer apreciar as “coisas belas”. Nos trabalhos escritos, muitos alunos, além de desenvolver a proposta, consideram natural abrir seu coração ao P. Elias, proporcionando-lhe assim a oportunidade de acompanhá-los e orientá-los. Do P. Elias “Salesiano” se dirá que era como a galinha com os pintinhos ao redor («Lia-se no rosto deles toda a felicidade de ouvi-lo: pareciam uma ninhada de pintinhos ao redor da galinha»): todos próximos a ele! Essa imagem remete à de Mt 23,37 e expressa sua atitude de reunir as pessoas para alegrá-las e protegê-las.
            O P. Elias se formou em 17 de novembro de 1939 em Letras Clássicas com uma tese sobre o De resurrectione carnis [Sobre a ressurreição da carne] de Tertuliano, sob a orientação do professor Luís Castiglioni (latinista de renome e coautor de um famoso dicionário de Latim, o “Castiglioni-Mariotti”): ao se deter nas palavras «resurget igitur caro [portanto a carne ressuscitará]», Elias comenta que se trata do canto de vitória após uma longa e extenuante batalha.

Uma viagem sem retorno
            Quando o irmão Hamlet se mudou para a Suíça, a mãe – Dona Ema Limoni – ficou sozinha nas montanhas: por isso, o P. Elias, em plena concordância com os Superiores, lhe dedicaria todos os anos suas férias. Quando voltava para casa, ajudava a mãe, mas – sacerdote – se tornava antes de tudo disponível na pastoral local, ao lado de D. Mellini.
            De acordo com os Superiores e em particular com o Inspetor, P. Francisco Rastello, o P. Elias voltou a Salvaro também no verão de 1944: naquele ano, esperava poder afastar a mãe de uma área onde, a uma curta distância, forças Aliadas, partidários da resistência italiana e efetivos nazifascistas constituíam uma situação de risco particular. O P. Elias estava ciente do perigo que corria ao deixar sua Treviglio para ir a Salvaro, e um coirmão, o P. José Bertolli, sdb, recorda: «ao me despedir, disse-lhe que uma viagem como a dele poderia também ser sem retorno; perguntei-lhe também, naturalmente brincando, o que ele me deixaria, se não voltasse; ele me respondeu no mesmo tom, que me deixaria seus livros…; depois não o vi mais». O P. Elias já estava ciente de que se dirigia para “o olho do furacão” e não buscou na Casa Salesiana (onde poderia facilmente ter permanecido) uma forma de proteção: «A última lembrança que tenho dele remonta ao verão de 1944, quando, em razão da guerra, a Comunidade começou a se dissolver; ainda lembro minhas palavras que, de forma amistosa, se dirigiam a ele, com um ar quase de brincadeira, lembrando-o de que ele, nesses períodos sombrios que estávamos prestes a enfrentar, deveria se sentir privilegiado, pois no telhado do Instituto havia sido traçada uma cruz branca e ninguém teria coragem de bombardeá-lo. Ele, porém, como um profeta, me respondeu para estar muito atento, porque durante as férias eu poderia ler nos jornais que o P. Elias Comini havia morrido heroicamente no cumprimento de seu dever». «Estava muito viva em todos a sensação do perigo ao qual ele se expunha», comentou um coirmão.
            No caminho para Salvaro, o P. Comini faz uma parada em Módena, onde cuida de uma grave ferida em uma perna: segundo uma versão, por ter se interposto entre um veículo e um pedestre, evitando assim um acidente mais grave; segundo outra versão, por ter ajudado um senhor a empurrar um carrinho. De qualquer forma, por ter socorrido o próximo. Dietrich Bonhoeffer escreveu: «Quando um louco joga seu carro na calçada, eu não posso, como pastor, me contentar em enterrar os mortos e consolar as famílias. Eu devo, se estiver naquele lugar, pular e agarrar o motorista ao volante».
            O episódio de Módena expressa, nesse sentido, uma atitude do P. Elias que em Salvaro, nos meses seguintes, se tornaria ainda mais evidente: interpor-se, mediar, acorrer pessoalmente, expor sua vida pelos irmãos, sempre consciente do risco que isso implica e serenamente disposto a arcar com as consequências.

Um pastor na linha de frente da guerra
            Coxeando, ele chega a Salvaro ao entardecer de 24 de junho de 1944, apoiando-se como pode em uma bengala: um instrumento incomum para um jovem de 34 anos! Encontra a casa paroquial transformada: Dom Mellini abriga dezenas de pessoas, pertencentes a núcleos familiares de desabrigados; além disso, as 5 irmãs Servas do Sagrado Coração, responsáveis pela creche, entre as quais irmã Alberta Taccini. Idoso, cansado e abalado pelos eventos bélicos, naquele verão D. Fidêncio Mellini tem dificuldade em decidir, tornou-se mais frágil e incerto. O P. Elias, que o conhece desde criança, começa a ajudá-lo em tudo e assume um pouco a situação. A ferida na perna também o impede de afastar a mãe: o P. Elias permanece em Salvaro e, quando pode novamente andar bem, as circunstâncias mudadas e as crescentes necessidades pastorais farão com que ele fique.
            O P. Elias reanima a pastoral, acompanha o catecismo, cuida dos órfãos abandonados a si mesmos. Ele também acolhe os desabrigados, encoraja os temerosos, modera os imprudentes. A presença do P. Elias torna-se agregadora, um sinal positivo naqueles momentos dramáticos em que as relações humanas são dilaceradas por desconfianças e oposições. Coloca a serviço de tanta gente as capacidades organizativas e a inteligência prática treinadas em anos de vida salesiana. Escreve ao irmão Hamlet: «Certamente são momentos dramáticos, presságios de outros piores. Esperamos tudo na graça de Deus e na proteção de Nossa Senhora, que vocês devem invocar por nós. Espero poder ainda lhes enviar notícias nossas».
            Os alemães da Wehrmacht patrulham a área e, nas colinas, está a brigada partisana “Estrela Vermelha”. O P. Elias Comini permanece uma figura estranha a reivindicações ou partidarismos de qualquer tipo: é um sacerdote e faz valer demandas de prudência e pacificação. Aos partisanos, ele dizia: «Rapazes, vejam o que fazem, porque estão arruinando a população…», expondo-a a retaliações. Eles o respeitam e, em julho e setembro de 1944, pedirão Missas na paróquia de Salvaro. O P. Elias aceita, fazendo descer os partisanos e celebrando sem se esconder, evitando, em vez disso, subir para a área partisana e preferindo – como sempre fará naquele verão – permanecer em Salvaro ou em áreas vizinhas, sem se esconder ou deslizar em atitudes “ambíguas” aos olhos dos nazifascistas.
            Em 27 de julho, o P. Elias Comini escreve as últimas linhas de seu Diário espiritual: «27 de julho: estou exatamente no meio da guerra. Sinto saudades de meus coirmãos e de minha casa em Treviglio; se pudesse, voltaria amanhã».
            Desde 20 de julho, compartilhava uma fraternidade sacerdotal com o padre Martinho Capelli, Dehoniano, nascido em 20 de setembro de 1912 em Nembro, na região de Bérgamo, e já docente de Sagrada Escritura em Bolonha, também hóspede de Dom Mellini e ajudando na pastoral.
            Elias e Martinho são dois estudiosos de línguas antigas que agora devem cuidar das coisas mais práticas e materiais. A casa paroquial de D. Mellini torna-se o que Dom Luciano Gherardi chamaria mais tarde de «a comunidade da arca», um lugar que acolhe para salvar. O P. Martinho era um religioso que se entusiasmou ao ouvir falar dos mártires mexicanos e desejava ser missionário na China. Elias, desde jovem, é perseguido por uma estranha consciência de “dever morrer” e já aos 17 anos havia escrito: «Persiste sempre em mim o pensamento de que devo morrer! – Quem sabe?! Vamos agir como o servo fiel: sempre preparado para o chamado, a “reddere rationem [prestar contas]” da gestão».
            Em 24 de julho, o P. Elias inicia o catecismo para as crianças em preparação para as primeiras Comunhões, agendadas para 30 de julho. No dia 25, nasce uma menina no batistério (todos os espaços, da sacristia ao galinheiro, estavam lotados) e um laço rosa é pendurado.
            Durante todo o mês de agosto de 1944, soldados da Wehrmacht estão estacionados na casa paroquial de D. Mellini e no espaço em frente. Entre alemães, desabrigados, consagrados… a tensão poderia explodir a qualquer momento: o P. Elias medeia e previne também em pequenas coisas, por exemplo, atuando como um “amortecedor” entre o volume excessivo do rádio dos alemães e a paciência já muito curta de D. Mellini. Houve também um pouco de Rosário todos juntos. O P. Ângelo Carboni confirma: «Na intenção sempre de confortar o Bispo, o P. Elias se esforçou muito contra a resistência de uma companhia de alemães que, estabelecendo-se em Salvaro em 1º de agosto, queria ocupar diversos ambientes da Casa Paroquial, tirando toda a liberdade e conforto das famílias e desabrigados ali hospedados. Acomodados os alemães no arquivo do Bispo, eles voltaram a perturbar, ocupando com seus carros boa parte do pátio da Igreja; com modos ainda mais gentis e palavras persuasivas, o P. Elias conseguiu também essa outra liberação para conforto do Bispo, que a opressão da luta havia forçado ao descanso». Naquelas semanas, o sacerdote salesiano é firme em proteger o direito de D. Mellini de se mover com certa liberdade em sua própria casa – bem como o dos desabrigados de não serem afastados da casa paroquial –: no entanto, reconhece algumas necessidades dos homens da Wehrmacht e isso atrai a benevolência deles em relação a D. Mellini, que os soldados alemães aprenderão a chamar de o bom pastor. Dos alemães, o P. Elias consegue comida para os desabrigados. Além disso, canta para acalmar as crianças e conta episódios da vida de Dom Bosco. Em um verão marcado por assassinatos e retaliações, com o P. Elias, alguns civis conseguem até ouvir um pouco de música, evidentemente transmitida pelo aparelho dos alemães, e se comunicar com os soldados através de breves gestos. O P. Rino Germani, sdb, Vice-Postulador da Causa, afirma: «Entre as duas forças em luta se insere a obra incansável e mediadora do Servo de Deus. Quando necessário, ele se apresenta ao Comando alemão e, com educação e preparação, consegue conquistar a estima de alguns oficiais. Assim, muitas vezes consegue evitar retaliações, saques e lutos».
            A casa paroquial foi liberada da presença fixa da Wehrmacht em 1º de setembro de 1944 – «Em 1º de setembro, os alemães deixaram livre a área de Salvaro; apenas alguns permaneceram por mais alguns dias na casa Fabbri» – e a vida em Salvaro pôde respirar aliviada. O P. Elias Comini persevera, enquanto isso, nas iniciativas de apostolado, auxiliado pelos outros sacerdotes e pelas irmãs.
            No entanto, enquanto o padre Martinho aceita alguns convites para pregar em outros lugares e sobe para a montanha, onde seus cabelos claros lhe causam um grande problema com os partidários da resistência, suspeitando que ele seja alemão, o P. Elias permanece essencialmente fixo. Em 8 de setembro, escreve ao diretor salesiano da Casa de Treviglio: «Deixo você imaginar nosso estado de espírito nesses momentos. Passamos por dias muito sombrios e dramáticos. […] Meu pensamento está sempre com você e com os queridos coirmãos daí. Sinto uma saudade vivíssima […]».

            Desde o dia 11, ele prega os Exercícios para as Irmãs sobre o tema dos Novíssimos, dos votos religiosos e da vida do Senhor Jesus.
            Toda a população – declarou uma consagrada – amava o P. Elias, também porque ele não hesitava em se dedicar a todos, a todo momento; não pedia apenas às pessoas que rezassem, mas oferecia-lhes um exemplo válido com sua piedade e aquele pouco de apostolado que, dadas as circunstâncias, era possível exercer.
            A experiência dos Exercícios imprime uma dinâmica diferente a toda a semana e envolve transversalmente consagrados e leigos. À noite, de fato, o P. Elias reúne 80-90 pessoas: tentava amenizar a tensão com um pouco de alegria, bons exemplos, caridade. Naqueles meses, tanto ele quanto o P. Martinho, como outros sacerdotes: primeiro entre todos, o P. João Fornasini, estavam na linha de frente em muitas obras de bem.

O massacre de Monte Sole
            A matança mais cruel e a maior realizada pelas SS nazistas na Europa, durante a guerra de 1939-45, foi aquela consumada em torno de Monte Sole, nos territórios de Marzabotto, Grizzana Morandi e Monzuno, embora seja comumente conhecida como o “massacre de Marzabotto”.
            Entre 29 de setembro e 5 de outubro de 1944, os mortos foram 770, mas no total as vítimas de alemães e fascistas, da primavera de 1944 até a libertação, foram 955, distribuídas em 115 diferentes localidades dentro de um vasto território que inclui os municípios de Marzabotto, Grizzana e Monzuno e algumas porções dos territórios vizinhos. Desses, 216 eram crianças, 316 mulheres, 142 idosos, 138 as vítimas reconhecidas como partisanos, cinco sacerdotes, cuja culpa aos olhos dos alemães consistia em terem estado próximos, com a oração e a ajuda material, a toda a população de Monte Sole nos trágicos meses de guerra e ocupação militar. Junto com o P. Elias Comini, Salesiano, e o padre Martinho Capelli, Dehoniano, naqueles dias trágicos também foram mortos três sacerdotes da Arquidiocese de Bolonha: o P. Ubaldo Marchioni, o P. Ferdinando Casagrande, o P. João Fornasini. De todos os cinco, está em andamento a Causa de Beatificação e Canonização. O P. João, o “Anjo de Marzabotto”, morreu em 13 de outubro de 1944. Tinha vinte e nove anos e seu corpo permaneceu não sepultado até 1945, quando foi encontrado gravemente mutilado; foi beatificado em 26 de setembro de 2021. O P. Ubaldo morreu em 29 de setembro, assassinado por uma metralhadora no altar de sua igreja em Casaglia; tinha 26 anos, havia sido ordenado sacerdote dois anos antes. Os soldados alemães o encontraram com a comunidade na oração do terço. Ele foi morto ali, aos pés do altar. Os outros – mais de 70 – no cemitério próximo. O P. Ferdinando foi morto, em 9 de outubro, com um tiro na nuca, junto com sua irmã Júlia; tinha 26 anos.

Da Wehrmacht às SS
            Em 25 de setembro, a Wehrmacht deixa a área e cede o comando às SS do 16º Batalhão da 16ª Divisão Blindada “Reichsführer – SS”, uma Divisão que inclui elementos SS “Totenkopf – Cabeça de Morto” e era precedida por um rastro de sangue, tendo estado presente em Sant’Ana di Stazzema (Lucca) em 12 de agosto de 1944; em São Terêncio Monti (Massa-Carrara, na Lunigiana) em 17 daquele mês; em Vinca e arredores (Massa-Carrara, na Lunigiana, ao pé das Alpes Apuanos) de 24 a 27 de agosto.
            Em 25 de setembro, as SS estabelecem o “Alto Comando” em Sibano. Em 26 de setembro, vão para Salvaro, onde também está o P. Elias: uma área fora da zona de imediata influência partisana. A dureza dos comandantes em manifestar o mais total desprezo pela vida humana, o hábito de mentir sobre o destino dos civis e a estrutura paramilitar – que recorria voluntariamente a técnicas de “terra queimada”, em desprezo a qualquer código de guerra ou legitimidade de ordens dadas de cima – tornava-os um esquadrão da morte que nada deixava intacto em seu caminho. Alguns haviam recebido uma formação de caráter explicitamente concentracionista e eliminacionista, destinada à: supressão da vida, com finalidades ideológicas; ódio contra aqueles que professavam a fé judaico-cristã; desprezo pelos pequenos, pelos pobres, pelos idosos e pelos fracos; perseguição de quem se opusesse às aberrações do nacional-socialismo. Havia um verdadeiro catecismo – anticristão e anticatólico – do qual os jovens das SS estavam impregnados.
            “Quando se pensa que a juventude nazista era formada no desprezo pela personalidade humana dos judeus e das outras raças ‘não eleitas’, no culto fanático de uma suposta superioridade nacional absoluta, no mito da violência criadora e das ‘novas armas’ portadoras de justiça no mundo, compreende-se onde estavam as raízes das aberrações, tornadas mais fáceis pela atmosfera de guerra e pelo temor de uma derrota decepcionante”.
            O P. Elias Comini – com o P. Capelli – corre para confortar, tranquilizar, exortar. Decide acolher na casa paroquial principalmente os sobreviventes das famílias em que os alemães haviam matado em retaliação. Ao fazer isso, ele retira os sobreviventes do perigo de encontrar a morte logo depois, mas, acima de tudo, os arranca – pelo menos na medida do possível – daquela espiral de solidão, desespero e perda da vontade de viver que poderia se traduzir até mesmo em desejo de morte. Ele também consegue falar com os alemães e, em pelo menos uma ocasião, fazer com que as SS desistam de seu propósito, fazendo-as passar adiante e podendo, assim, avisar os refugiados para saírem do esconderijo.
            O Vice-Postulador, P. Rino Germani, sdb, escrevia: “Chega o P. Elias. Ele os tranquiliza. Diz-lhes para saírem, porque os alemães foram embora. Fala com os alemães e os faz passar adiante”.
            Também é morto Paulo Calanchi, um homem cuja consciência nada lhe reprova e que comete o erro de não fugir. Será ainda o P. Elias a correr, antes que as chamas consumam seu corpo, tentando ao menos honrar seus restos mortais, não tendo chegado a tempo para salvar sua vida: “O corpo de Paulinho é salvo das chamas justamente pelo P. Elias que, arriscando sua vida, o recolhe e transporta com um carrinho até a Igreja de Salvaro”.
            A filha de Paulo Calanchi testemunhou: “Meu pai era um homem bom e honesto [“em tempos de racionamento e de fome, dava pão a quem não tinha”] e havia recusado fugir, sentindo-se tranquilo em relação a todos. Foi morto pelos alemães, fuzilado, em retaliação; mais tarde, a casa também foi incendiada, mas o corpo de meu pai havia sido salvo das chamas justamente pelo P. Comini, que, arriscando sua própria vida, o havia recolhido e transportado com um carrinho até a Igreja de Salvaro, onde, em um caixão que ele mesmo construiu, reaproveitando tábuas, foi sepultado no cemitério. Assim, graças à coragem do P. Comini e, muito provavelmente, também do Padre Martinho, terminada a guerra, eu e minha mãe pudemos encontrar e fazer transportar o caixão de nosso querido para o cemitério de Vergato, junto ao de meu irmão João Luís, que morreu 40 dias depois ao atravessar a linha de frente”.
            Uma vez, o P. Elias havia dito sobre a Wehrmacht: “Devemos amar também esses alemães que vêm nos perturbar”. “Amava a todos sem preferência”. O ministério do P. Elias foi muito precioso para Salvaro e para muitos deslocados, naqueles dias. Testemunhas declararam: “O P. Elias foi nossa sorte porque tínhamos o Pároco muito idoso e fraco. Toda a população sabia que o P. Elias tinha esse interesse por nós; o P. Elias ajudou a todos. Pode-se dizer que todos os dias o víamos. Ele celebrava a Missa, mas depois estava frequentemente no adro da igreja observando: os alemães estavam lá embaixo, em direção ao Reno; os partisanos vinham da montanha, em direção a Creda. Uma vez, por exemplo, (alguns dias antes do dia 26) vieram os partisanos. Nós saímos da igreja de Salvaro e havia os partisanos lá, todos armados; e o P. Elias pedia tanto que eles fossem embora, para evitar problemas. Eles o ouviram e foram embora. Provavelmente, se não fosse por ele, o que aconteceu depois teria ocorrido muito antes”. “Pelo que sei, o P. Elias era a alma da situação, pois com sua personalidade sabia controlar muitas coisas que, naqueles momentos dramáticos, eram de importância vital”.
            Embora fosse um sacerdote jovem, o P. Elias Comini era confiável. Essa sua confiabilidade, unida a uma profunda retidão, o acompanhava um pouco desde sempre, até mesmo desde que era coroinha, como resulta de um testemunho: “Tive-o por quatro anos em Rota, de 1931 a 1935, e, embora ainda coroinha, ele me deu uma ajuda que dificilmente teria encontrado em outro coirmão, mesmo mais velho”.

O tríduo da paixão
            No entanto a situação se agrava após poucos dias, na manhã de 29 de setembro, quando as SS cometem um terrível massacre na localidade de “Creda”. O sinal para o início do massacre são um foguete branco e um vermelho no ar: começam a atirar, as metralhadoras atingem as vítimas, posicionadas contra um pórtico e praticamente sem saída. Em seguida, são lançadas granadas, algumas incendiárias, e o estábulo – onde alguns conseguiram encontrar abrigo – pega fogo. Poucos homens, aproveitando um momento de distração das SS naquele inferno, se precipitam em direção à floresta. Atílio Comastri, ferido, se salva porque o corpo sem vida da esposa Inês Gandolfi lhe serviu de escudo: vagará por dias, em estado de choque, até conseguir passar a linha de frente e salvar a vida; havia perdido, além da esposa, a irmã Marcelina e a filha Bianca, de apenas dois anos. Carlos Cardi também consegue se salvar, mas sua família é exterminada: Walter Cardi tinha apenas 14 dias, foi a menor vítima do massacre de Monte Sole. Mário Lippi, um dos sobreviventes, atesta: “Não sei eu mesmo como me salvei milagrosamente, dado que de 82 pessoas reunidas sob o pórtico, 70 foram mortas [69, segundo a declaração oficial]. Lembro que, além do fogo das metralhadoras, os alemães também lançaram sobre nós granadas e acredito que alguns fragmentos dessas me feriram levemente no lado direito, nas costas e no braço direito. Eu, junto com outras sete pessoas, aproveitando que em [um] lado do pórtico havia uma portinha que levava para a rua, corri em direção à floresta. Os alemães, ao nos ver fugindo, atiraram atrás de nós, matando um de nós [chamado] Emílio Gandolfi. Preciso dizer que entre as 82 pessoas reunidas sob o mencionado pórtico havia também cerca de vinte crianças, das quais duas de colo, nos braços de suas respectivas mães, e cerca de vinte mulheres”.
            Em Creda, são 21 as crianças com menos de 11 anos, algumas muito pequenas; 24 mulheres (das quais uma adolescente); quase 20 os “idosos”. Entre as famílias mais atingidas estão os Cardi (7 pessoas), os Gandolfi (9 pessoas), os Lolli (5 pessoas), os Macchelli (6 pessoas).
            Da casa paroquial de D. Mellini, olhando para cima, em certo momento se vê a fumaça: mas é de manhã cedo, Creda permanece oculta à vista e a floresta atenua os ruídos. Na paróquia, naquele dia – 29 de setembro, festa dos Santos Arcanjos – celebram-se três Missas, de manhã cedo, em imediata sucessão: a de D. Mellini; a de P. Capelli que depois vai levar a Unção dos Enfermos na localidade de “Casellina”; a do P. Comini. E é então que o drama bate à porta: “Ferdinando Castori, que também escapou do massacre, chegou à igreja de Salvaro ensanguentado como um açougueiro e foi se esconder dentro da cúspide do Campanário”. Por volta das 8 horas, chega à casa paroquial um homem transtornado: parecia “um monstro pelo aspecto aterrorizante”, diz a Irmã Alberta Taccini. Pede ajuda para os feridos. Cerca de setenta pessoas estão mortas ou morrendo entre terríveis suplícios. O P. Elias, em poucos instantes, tem a lucidez de esconder 60/70 homens na sacristia, empurrando contra a porta um velho armário que deixava a entrada visível por baixo, mas era, no entanto, a única esperança de salvação: “Foi então que o P. Elias, pessoalmente, teve a ideia de esconder os homens ao lado da sacristia, colocando depois um armário na frente da porta (ele foi ajudado por uma ou duas pessoas que estavam na casa do Bispo). A ideia foi do P. Elias; mas todos eram contrários ao fato de que fosse ele mesmo a realizar aquele trabalho… Ele mesmo quis assim. Os outros diziam: «E se depois nos descobrem?»”.
Outra versão: “O P. Elias conseguiu esconder em um local adjacente à sacristia cerca de sessenta homens e empurrou um velho armário contra a porta. Enquanto isso, o crepitar das metralhadoras e os gritos desesperados das pessoas chegavam das casas vizinhas. O P. Elias teve a força de iniciar o Santo Sacrifício da Missa, a última de sua vida. Não havia terminado ainda, quando chegou aterrorizado e ofegante um jovem da localidade de “Creda” pedindo socorro porque as SS haviam cercado uma casa e prendido sessenta e nove pessoas, homens, mulheres, crianças”.
             “Ainda com os paramentos sagrados, prostrado ao altar, imerso em oração, invoca para todos a ajuda do Sagrado Coração, a intercessão de Maria Auxiliadora, de São João Bosco e de São Miguel Arcanjo. Depois, com um breve exame de consciência, recitando três vezes o ato de contrição, faz uma preparação para a morte. Recomenda à assistência das irmãs todas aquelas pessoas e à Superiora que conduza fortemente a oração para que os fiéis possam encontrar nela o conforto de que precisam”.
            A propósito do P. Elias e do padre Martinho, que chegou um pouco depois, «constatam-se algumas dimensões de uma vida sacerdotal doada conscientemente pelos outros até o último instante: a morte deles foi um prolongar o dom da vida na Missa celebrada até o último dia». A escolha deles tinha «raízes longínquas, na decisão de fazer o bem, mesmo que fosse na última hora, dispostos até ao martírio»: «muitas pessoas vieram buscar ajuda na paróquia e, sem o conhecimento do pároco, o P. Elias e o P. Martinho tentaram esconder o maior número possível de pessoas; depois de se certificarem de que estavam de alguma forma assistidas, correram para o local dos massacres para poder ajudar também os mais desafortunados; o próprio D. Mellini não se deu conta disso e continuava a procurar os dois padres para se fazer ajudar a receber toda aquela gente» («Temos a certeza de que nenhum deles era partisano ou tinha estado com os partisanos»).
            Naqueles momentos, o P. Elias atesta grande lucidez que se traduz tanto em espírito organizativo, quanto na consciência de colocar em risco a própria vida: «À luz de tudo isso, e o P. Elia sabia bem, não podemos, portanto, buscar aquela caridade que induz à tentativa de ajudar os outros, mas sim àquele tipo de caridade (que foi a mesma de Cristo) que induz a participar até o fundo do sofrimento alheio, não temendo nem mesmo a morte como sua última manifestação. O fato de que a sua foi uma escolha lúcida e bem pensada, também é demonstrado pelo espírito organizativo que manifestou até poucos minutos antes da morte, ao tentar com prontidão e inteligência ocultar o maior número possível de pessoas nos locais escondidos da casa paroquial; em seguida a notícia de Creda e, após, a caridade fraterna, a caridade heroica».
            Uma coisa é certa: se o P. Elias tivesse se escondido com todos os outros homens ou mesmo apenas tivesse permanecido ao lado de D. Mellini, não teria nada a temer. Em vez disso, o P. Elias e o P. Martinho pegam a estola, os óleos santos e uma teca com algumas Partículas consagradas «partiram, portanto, para a montanha, armados da estola e do óleo dos enfermos»: «Quando o P. Elias voltou depois de ter ido se encontrar com o Bispo, pegou a âmbula com as Hóstias e o Óleo Santo e se virou para nós: ainda aquele rosto! estava tão pálido, que parecia alguém já morto. E disse: “Orem, orem por mim, porque tenho uma missão a cumprir”». «Orem por mim, não me deixem sozinho!». «Nós somos sacerdotes e devemos ir e temos que cumprir o nosso dever». «Vamos levar o Senhor aos nossos irmãos».
            Lá em cima, em Creda há muita gente que está morrendo entre suplícios: devem acorrer, abençoar e – se possível – tentar interpor-se em relação às SS.
            A senhora Massimina [Zappoli], posteriormente também testemunha na investigação militar de Bolonha, lembra: «Apesar das orações de todos nós, eles celebraram rapidamente a Eucaristia e, impulsionados apenas pela esperança de poder fazer algo pelas vítimas de tanta ferocidade, ao menos com um conforto espiritual, pegaram o Santíssimo Sacramento e correram em direção a Creda. Lembro que enquanto o P.  Elias, já correndo, passou ao meu lado na cozinha, eu me agarrei a ele numa última tentativa de dissuadi-lo, dizendo que nós ficaríamos à mercê de nós mesmos; ele deu a entender que, por mais grave que fosse nossa situação, havia quem estivesse pior do que nós e era a esses que eles deveriam ir».
            Ele está irredutível e se recusa, como depois sugeriu D. Mellini, a adiar a subida a Creda quando os alemães tivessem ido embora: «Foi [portanto] uma paixão, antes de ser cruenta, […] do coração, a paixão do espírito. Naqueles tempos estávamos aterrorizados por tudo e por todos: não se tinha mais confiança em ninguém: qualquer um poderia ser um inimigo determinante para a própria vida. Quando os dois Sacerdotes perceberam que alguém realmente precisava deles, não hesitaram para decidir o que fazer […] e, sobretudo, não recorreram àquela que era a decisão imediata para todos, ou seja, encontrar um esconderijo, tentar se proteger e ficar fora da confusão. Os dois Sacerdotes, em vez disso, decidiram ser verdadeiramente sacerdotes: ou seja, assistir e confortar; para prestar também o serviço dos Sacramentos, portanto da oração, do conforto que a fé e a religião oferecem».
            Uma pessoa disse: «Para nós, o P. Elias já era santo. Se ele fosse uma pessoa normal […] não teria se arriscado; ele também se teria escondido, atrás do armário, como todos os outros».
            Com os homens escondidos, são as mulheres que tentam reter os sacerdotes, em uma tentativa extrema de salvar suas vidas. A cena é ao mesmo tempo agitada e bastante eloquente: «Lídia Macchi […] e outras mulheres tentaram impedi-los de partir, tentaram segurá-los pela batina, correram atrás deles, os chamaram em voz alta para que voltassem: impulsionados por uma força interior que é ardor de caridade e solicitude missionária, eles estavam já decididamente caminhando em direção a Creda, levando os confortos religiosos».
            Uma delas lembra: «Eu os abracei, os segurava firmes pelos braços, dizendo e suplicando: – Não vão! – Não vão!».
            E Lídia Marchi acrescenta: «Eu puxava Padre Martinho pela batina e o segurava […] mas os dois sacerdotes repetiam: – Precisamos ir; o Senhor nos chama».
            «Precisamos cumprir nosso dever. E [o P. Elias e padre Martinho,] como Jesus, foram ao encontro de um destino marcado».
            «A decisão de ir a Creda foi opção dos dois sacerdotes por puro espírito pastoral; apesar de todos tentarem dissuadi-los, eles quiseram ir, impulsionados pela esperança de poder salvar algum daqueles que estavam à mercê da fúria dos soldados».
            É quase certo que nunca chegaram a Creda. Capturados, segundo uma testemunha, perto de uma “pilarzinho”, logo fora do campo de visão da paróquia, o P. Elias e o P. Martinho foram vistos mais tarde carregados de munições, à frente de rastreados, ou ainda sozinhos, amarrados, com correntes, perto de uma árvore enquanto não havia nenhuma batalha em curso e as SS comiam. O P. Elias intimou uma mulher a fugir, a não parar para evitar ser morta: «Ana, por caridade, fuja, fuja».
            «Estavam carregados e curvados sob o peso de tantas caixinhas pesadas que das costas envolviam o corpo na frente e atrás. Com as costas faziam uma curva que os levava quase com o nariz ao chão».
            «Sentados no chão […] muito suados e cansados, com as munições nas costas».
            «Aprisionados, são forçados a carregar munições para cima e para baixo pela montanha, testemunhas de violências inauditas».
            «[As SS os obrigam a] descer e subir várias vezes pela montanha, sob sua escolta, e realizando ainda, sob os olhos das duas vítimas, as mais horripilantes violências».
            Onde estão, agora, a estola, os óleos santos e sobretudo o Santíssimo Sacramento? Não há mais nenhum vestígio. Longe de olhos indiscretos, as SS espoliaram à força os sacerdotes, livrando-se daquele Tesouro do qual nada mais seria encontrado.
            Perto da noite de 29 de setembro de 1944, foram levados com muitos outros homens (forçados e não por represália ou não porque eram pró-partisanos, como as fontes demonstram), para a casa “dos “Birociai” [Carroceiros]” em Pioppe di Salvaro. Mais tarde, eles, divididos em grupos, terão sortes muito diferentes: poucos serão libertados, após uma série de interrogatórios. A maioria, avaliados como aptos para o trabalho, será enviada para campos de trabalho forçado e poderá – posteriormente – retornar às suas famílias. Os avaliados como incapazes, por mero critério etário (cf. campos de concentração) ou de saúde (jovem, mas ferido ou que simula estar doente na esperança de se salvar) serão mortos na noite de 1° de outubro na “Botte [Reservatório de água]” da Canapiera [fábrica de cânhamo] de Pioppe di Salvaro, já em ruínas porque bombardeada pelos Aliados dias antes.
            O P. Elias e o P. Martinho – que foram interrogados – puderam se mover por toda a casa e receber visitas. O P. Elias intercedeu por todos e um jovem, muito sofrido, adormeceu em seus joelhos: em um deles, o P. Elias recebeu o Breviário, a ele tão caro e que quis manter consigo até os últimos instantes. Hoje, a minuciosa pesquisa histórica através das fontes documentais, apoiada pela mais recente historiografia científica, demonstrou como nunca havia sido bem-sucedido um intento, realizado pelo Cavalheiro Emílio Veggetti, de libertar o P. Elias, e como nem o P.  Elias nem o P. Martinho nunca foram realmente considerados ou pelo menos tratados como “espiões”.

O holocausto
            Finalmente, foram inseridos, embora jovens (34 e 32 anos), no grupo dos incapazes e com eles executados. Viveram aqueles últimos instantes orando, fazendo orar, absolvendo-se mutuamente e dando todo o possível conforto da fé. O P.  Elias conseguiu transformar a macabra procissão dos condenados até uma passarela em frente ao reservatório da “canapiera”, onde serão mortos, em um ato coral de entrega, segurando até onde pôde o Breviário aberto na mão (depois, lê-se, um alemão golpeou violentamente suas mãos e o Breviário caiu no reservatório) e, sobretudo, entoando as Ladainhas. Quando começaram a atirar, o P. Elias Comini salvou um homem porque o protegia com seu corpo e gritou «Piedade». O P. Martinho invocou, por sua vez, “Perdão”, erguendo-se com dificuldade no reservatório, entre os companheiros mortos ou moribundos, e traçando o sinal da Cruz poucos instantes antes de morrer ele mesmo, devido a uma enorme ferida. As SS quiseram se certificar de que ninguém sobrevivesse lançando algumas granadas. Nos dias seguintes, diante da impossibilidade de recuperar os corpos imersos em água e lama devido a chuvas abundantes (as mulheres tentaram, mas nem mesmo o P. Fornasini conseguiu), um homem abriu as comportas e a impetuosa corrente do rio Reno levou tudo. Nada mais foi encontrado deles: consummatum est!
            Tinha-se delineado seu estar dispostos «também ao martírio, mesmo que aos olhos dos homens pareça estulto recusar a própria salvação para dar um mísero alívio a quem já estava destinado à morte». Dom Benito Cocchi em setembro de 1977 em Salvaro disse: «Pois bem aqui diante do Senhor, dizemos que nossa preferência vai a esses gestos, a essas pessoas, àqueles que pagam com a própria vida: a quem num momento em que valiam apenas as armas, a força e a violência, quando uma casa, a vida de uma criança, uma família inteira eram avaliadas como nada, soube realizar gestos que não têm voz nos balanços de guerra, mas que são verdadeiros tesouros de humanidade, resistência e alternativa à violência; a quem assim colocava raízes para uma sociedade e uma convivência mais humana».
            Nesse sentido, «O martírio dos sacerdotes constitui o fruto de sua escolha consciente de compartilhar a sorte do rebanho até o sacrifício extremo, quando os esforços de mediação entre a população e os ocupantes, há muito perseguidos, perdem toda possibilidade de sucesso».
            O P. Elias Comini havia estado lúcido sobre seu destino, dizendo – já nas primeiras fases de detenção –: «Para fazer o bem nos encontramos em muitos sofrimentos»; «Era o P.  Elias que, apontando para o céu, saudava com os olhos lacrimejantes». «Elias se aproximou e me disse: “Vá a Bolonha, ao Cardeal, e diga a ele onde estamos”. Eu respondi: “Como posso ir a Bolonha?”. […] Enquanto isso, os soldados me empurravam com o cano do fuzil. O P. Elias me saudou dizendo: “Nos veremos no paraíso!”. Eu gritei: “Não, não, não diga isso”. Ele respondeu, triste e resignado: “Nos veremos no Paraíso”».
            Com dom Bosco…: «Eu [os] espero a todos no Paraíso»!
            Era a noite de 1° de outubro, início do mês dedicado ao Rosário e às Missões.
            Nos anos de sua primeira juventude, Elias Comini havia dito a Deus: «Senhor, prepara-me para ser o menos indigno para ser vítima aceitável» (“Diário” 1929); «Senhor, […] recebe-me também como vítima expiatória» (1929); «eu gostaria de ser uma vítima de holocausto» (1931). «[A Jesus] pedi a morte em vez de falhar na vocação sacerdotal e no amor heroico pelas almas» (1935).




As “Estações Romanas”. Uma tradição milenar

As “Estações romanas” são uma antiga tradição litúrgica que, durante a Quaresma e a primeira semana do Tempo Pascal, associa cada dia a uma igreja específica de Roma, dentro de um caminho de peregrinação. O termo “statio” (do latim stare, parar) remete à ideia de uma parada comunitária para a oração e a celebração. Nos séculos passados, o Papa e os fiéis se moviam em procissão da igreja chamada “collecta” até a estação do dia, onde se celebrava a Eucaristia. Este rito, embora tenha raízes nos primeiros séculos do cristianismo, mantém sua vitalidade até hoje, quando a indicação da igreja estacional ainda figura nos livros litúrgicos. É uma verdadeira peregrinação entre as basílicas e os santuários da Cidade Eterna que pode ser feita neste ano jubilar não apenas como um caminho de conversão, mas também como um testemunho de fé.

Origem e difusão
As origens das Estações romanas remontam pelo menos ao século III, quando a comunidade cristã ainda sofria perseguições. As primeiras testemunhas fazem referência ao Papa Fabiano (236-250) que se dirigia aos locais de culto surgidos nas catacumbas ou nos sepulcros dos mártires, distribuindo aos necessitados o que os fiéis ofereciam como esmola e celebrando a Eucaristia. Este costume se fortaleceu no século IV, com a liberdade de culto sancionada por Constantino: surgiram grandes basílicas, e os fiéis começaram a se reunir em dias precisos para celebrar a Missa nos locais ligados à memória dos santos. Com o passar do tempo, o itinerário assumiu um caráter mais orgânico, criando um verdadeiro calendário de estações que tocavam os diferentes bairros de Roma. A dimensão comunitária – com a presença do bispo, do clero e do povo – tornou-se assim um sinal visível de comunhão e de testemunho da fé.

Foi o Papa Gregório Magno (590-604) quem deu estrutura e regularidade ao uso das Estações, especialmente na Quaresma. Ele estabeleceu um calendário que, dia após dia, atribuía a uma igreja específica a celebração principal. Sua reforma não nasceu do nada, mas organizou uma prática já existente: Gregório quis que a procissão partisse de uma igreja menor (collecta) e se concluísse em um lugar mais solene (statio), onde o povo, unido ao Papa, celebrava os ritos penitenciais e a Eucaristia. Era uma forma de se preparar para a Páscoa: o próprio caminho que indicava a peregrinação terrena em direção à eternidade, as igrejas que, com sua arquitetura sagrada e obras de arte, desempenhavam uma função pedagógica numa época em que nem todos podiam ler ou acessar livros, as relíquias dos mártires conservadas nessas igrejas testemunhavam a fé vivida até dar a vida e sua intercessão trazia graças àqueles que as solicitavam, a celebração do Sacrifício da Missa santificava os fiéis participantes.

No decorrer da Idade Média, a prática das Estações romanas se difundiu cada vez mais, tornando-se não apenas um evento eclesial, mas também um fenômeno social de grande relevância. Os fiéis, de fato, que provinham das diferentes regiões da Itália e da Europa, se uniam aos romanos para participar desses encontros litúrgicos.

Estrutura da celebração estacional
O elemento característico dessas celebrações era a procissão. Pela manhã, os fiéis se reuniam na igreja da collecta, onde, após um breve momento de oração, se dirigiam em cortejo para a igreja estacional, entoando ladainhas e cânticos penitenciais. Ao chegarem ao destino, o Papa ou o prelado encarregado presidia a Missa, com leituras e orações próprias do dia. O uso das ladainhas tinha um forte sentido espiritual e pedagógico: enquanto se caminhava fisicamente pelas ruas, se rezava pelas necessidades da Igreja e do mundo, invocando os santos de Roma e de toda a cristandade. A celebração culminava na Eucaristia, conferindo a esta “parada” um valor sacramental e de comunhão eclesial.

A Quaresma tornou-se o tempo privilegiado para as Estações, a partir da Quarta-feira de Cinzas até o Sábado Santo ou, segundo alguns costumes, até o segundo domingo após a Páscoa. Cada dia era caracterizado por uma igreja designada, escolhida muitas vezes pela presença de relíquias importantes ou por sua história particular. Exemplos notáveis incluem Santa Sabina no Aventino, onde geralmente começa o rito da Quarta-feira de Cinzas, e Santa Cruz em Jerusalém, ligada ao culto das relíquias da Cruz de Cristo, meta tradicional da Sexta-feira Santa. Participar das Estações quaresmais significa entrar em uma peregrinação diária, que une os fiéis em um percurso de penitência e conversão, sustentado pela devoção aos mártires e santos. Cada igreja conta uma página da história, oferecendo imagens, mosaicos e arquiteturas que comunicam a mensagem evangélica de forma visual.

Um dos traços mais significativos dessa tradição é a ligação com os mártires da Igreja de Roma. No período das perseguições, muitos cristãos encontraram a morte por causa de sua fé; na época constantiniana e posterior, sobre seus sepulcros foram erguidas basílicas ou capelas. Celebrar uma statio nesses lugares significava evocar o testemunho de quem deu a vida por Cristo, reforçando a convicção de que a Igreja é edificada também sobre o sangue dos mártires. Cada visita litúrgica tornava-se assim um ato de comunhão entre os fiéis de ontem e os de hoje, unidos pelo sacramento da Eucaristia. Esta “peregrinação na memória” conectava o caminho quaresmal a uma história de fé transmitida de geração em geração.

Do declínio à redescoberta
Na Idade Média e nos séculos seguintes, a prática das Estações conheceu vicissitudes alternadas. Às vezes, devido a epidemias, invasões ou situações políticas instáveis, foi reduzida ou suspensa. Os livros litúrgicos, no entanto, continuaram a indicar as igrejas estacionais para cada dia, sinal de que a Igreja preservava pelo menos a lembrança simbólica. Com a reforma litúrgica tridentina (século XVI), a centralidade do Papa em tais celebrações tornou-se menos frequente, mas o uso de citar a igreja estacional permaneceu nos textos oficiais. Com o renovado interesse pela história e pela arqueologia cristã, a tradição estacional foi redescoberta e reapresentada como um caminho de formação espiritual.
Na época moderna, especialmente a partir de Leão XIII (1878-1903) e posteriormente com os papas do século XX, assistiu-se a um crescente interesse pela recuperação dessa tradição. Várias ordens religiosas e associações leigas começaram a promover a redescoberta da “peregrinação das estações”, organizando momentos comunitários de oração e catequese nas igrejas designadas.

Hoje, numa época caracterizada pelo frenesi e pela velocidade, a statio propõe redescobrir a dimensão da “parada”: parar para rezar, contemplar, ouvir, fazer silêncio e encontrar o Senhor. A Quaresma é por definição um tempo de conversão, de oração mais intensa e de caridade para com o próximo: realizar um itinerário entre as igrejas de Roma, mesmo que apenas em alguns dias significativos, pode ajudar o fiel a redescobrir o sentido de uma penitência vivida não como uma renúncia em si mesma, mas como uma abertura ao mistério de Cristo.

Ainda hoje, no Calendário Romano, encontramos indicada a igreja estacional para cada dia: isso remete à unidade do povo de Deus, reunido em torno do sucessor de Pedro, e à memória dos santos que dedicaram suas vidas ao Evangelho. Quem participa dessas liturgias – mesmo que esporadicamente – descobre uma cidade que não é apenas um museu a céu aberto, mas um lugar onde a fé se expressou de maneira original e duradoura.

Quem deseja redescobrir o sentido profundo da Quaresma e da Páscoa pode, portanto, deixar-se guiar pelo itinerário estacional, unindo sua voz à dos cristãos de ontem e de hoje no grande coro que conduz à luz pascal.

Apresentamos a seguir o itinerário das Estações Romanas, acompanhado da lista das igrejas e de sua localização geográfica. É importante notar que a ordem da lista permanece inalterada a cada ano; varia apenas a data de início da Quaresma e, consequentemente, as datas subsequentes. Desejamos uma proveitosa peregrinação a todos que desejarem percorrer, mesmo que apenas em parte, este caminho no ano jubilar.


     

Estação
Romana

Mártires
e santos conservados ou suas relíquias

1

03.05

Qa

S.
Sabina no Aventino

Santa Sabina e Santa Serápia, mártir († 126); Santo
Alexandre, Evêncio e Teódulo, mártires

2

03.06

Qi

S.
Jorge no Velabro

São Jorge,
mártir († 303)

3

03.07

Se

São
João e São Paulo no Célio

São João
e São Paulo
,
mártires († 362); São Paulo
da Cruz
(† 1775), fundador da Congregação da Paixão
de Jesus Cristo (os Passionistas)

4

03.08

Sa

S.
Agostino em Campo Márcio

Santa
Mônica († 387), mãe de Santo Agostinho;
relíquias de Santo Agostinho († 430)

5

03.09

Do

São
João de Latrão

Cabeças
de São Pedro e São Paulo:
essas relíquias estão guardadas em relicários
de prata colocados sobre o altar papal, visíveis através
de uma grade dourada; a Escada
Santa
(na capela próxima do “Sancta Sanctorum”); a
Mesa da Última Ceia – a mesa sobre a qual, segundo a
tradição, foi celebrada a Última Ceia
(relíquia significativa que se encontra sobre o altar do
Santíssimo Sacramento)

6

03.10

Se

S.
Pedro in Vincoli no Monte Ópio

Correntes
de São Pedro; relíquias atribuídas aos Sete
Irmãos Macabeus, personagens do Antigo Testamento venerados
como mártires

7

03.11

Te

S.
Anastácia no Palatino

Santa Anastásia
de Sírmio
(† 304); relíquias do Sagrado Manto de São
José; parte do Véu da Virgem Maria

8

03.12

Qa

S.
Maria Maior

Madeira
Sagrada do Presépio (a manjedoura do Menino Jesus);
“panniculum” (um pequeno pedaço de tecido,
parte dos panos com os quais foi envolto Jesus recém-nascido);
São Mateus,
apóstolo († 70 ou 74); São Jerônimo († 420); São Pio
V
,
papa († 1572)

9

03.13

Qi

S.
Lourenço em Panisperna

Local
do martírio de São Lourenço († 258); São Lourenço, mártir; Santa
Crispina, mártir († 304); Santa Brígida
da Suécia
(† 1373)

10

03.14

Se

Os
Santos Doze Apostolos no Foro Trajano

São Filipe,
apóstolo († 80); São Tiago
Menor
,
apóstolo († 62); São Crisanto e São
Dária, mártires († c. 283)

11

03.15

Sa

S.
Pedro no Vaticano

São Pedro († 67); São Lino († 76); São Cleto († 92); Santo Evaristo († 105); Santo Alexandre
I
(† 115); São Sixto
I
(† 126–128); São Telésforo († 136); Santo Higino († 140); São Pio
I
(† 155); Santo Aniceto († ?); Santo Eleutério († 189); São Vítor
I
(† 199); São João
Crisóstomo
(† 407, relíquias na Capela do Coro); São Leão
I
,
Magno († 461); São Simplício († 483); São Gelásio
I
(† 496); São Símaco († 514); Santo Homisda († 523); São João
I
(† 526); São Félix
IV
(† 530); Santo Agapito
I
(† 536); São Gregório
I, Magno
(† 604); São Bonifácio
IV
(† 615); Santo Eugênio
I
(† 657); São Vitaliano († 672); Santo Agatão († 681); São Leão
II
(† 683); São Bento
II
(† 685); São Sérgio
I
(† 701); São Gregório
II
(† 731); São Gregório
III
(† 741); São Zacarias († 752); São Paulo
I
(† 767); São Leão
III
(† 816); São Pascoal
I
(† 824); São Leão
IV
(† 855); São Nicolau
I
(† 867); São Leão
IX
(† 1054); Beato Urbano
II
(† 1099); Beato Inocêncio
XI
(† 1689); São Pio
X
(† 1914); São João
XXIII
(† 1963); São Paulo
VI
(† 1978); Beato João
Paulo I
(† 1978); São João
Paulo II
(† 2005); pedaço da cruz de Santo André;
lança de São Longino; pedaço da Cruz de
Cristo

12

03.16

Do

S.
Maria in Domnica na Navicella

São Lourenço,
mártir († 258); Santa Ciríaca, mártir

13

03.17

Se

S.
Clemente no Latrão

São Clemente
I
,
papa e mártir († 101); Santo Inácio
de Antioquia
,
bispo e mártir († c. 110); São Cirilo († 869), apóstolo dos eslavos

14

03.18

Te

S.
Balbina no Aventino

Santa Balbina,
virgem e mártir († 130); São Felicíssimo
e São Quirino (seu pai) associados ao martírio de
Santa Balbina

15

03.19

Qa

S.
Cecilia em Trastevere

Santa Cecília († 230); São Valeriano, marido de Cecília,
convertido ao cristianismo e martirizado († 229); São
Tibúrcio, irmão de Valeriano e companheiro de
martírio; São Máximo, o soldado ou
funcionário encarregado da execução de
Valeriano e Tibúrcio, que depois se converteu e foi
martirizado; Papa Urbano
I
(† c. 230), que supostamente teria batizado Cecília
e seu esposo Valeriano

16

03.20

Qi

S.
Maria em Trastevere

São Júlio
I
,
papa († 352); São Calisto
I
,
papa mártir († c. 222); São Florentino, Santa
Corona, São Sabino e Santo Alexandre, mártires

17

03.21

Se

S.
Vital em Fovea

São
Vital († 304), Santa Valéria († século II), São Gervásio
e São Protásio
(† século II)

18

03.22

Sa

São
Pedro e São Marcelino em Latrão

São
Marcelino e São Pedro
,
mártires († 304); Santa Márcia, mártir
associada a São Marcelino e São Pedro

19

03.23

Do

S.
Lourenço fora dos muros

São Lourenço († 258); Santo Estêvão,
protomártir (século I); Santo Hipólito († século III); São Justino,
mártir († 167); Papa São Sixto
III
(† 440); Papa São Zósimo († 418); Beato Pio
IX
,
papa († 1878)

20

03.24

Se

S.
Marcos no Capitólio

São Marcos,
o evangelista e mártir (século I); Papa São Marcos († 336); Santo Abdon e São Sénen, mártires
persas (século III)

21

03.25

Te

S.
Pudenciana no Viminale

Santa Pudenciana,
mártir (século II); Santa Praxedes,
sua irmã (século II)

22

03.26

Qa

S.
Sisto (São Nereu e Santo Aquileu)

São Sixto
I
,
papa († 125); São
Nereu e São Aquileu
(† 300); Santa Flávia
Domitila
,
mártir (século I)

23

03.27

Qi

São
Cosme e São Damião na Via sacra

São
Cosme e São Damião
,
médicos e mártires († 303); Santo Antímio
e São Leôncio, irmãos e mártires

24

03.28

Se

S.
Lourenço em Lucina

A
grade de São Lourenço, sobre a qual o santo teria
sido queimado vivo; vaso que contém a carne queimada de São
Lourenço

25

03.29

Sa

S.
Susanna nas Termas de Diocleciano

Santa Susana,
virgem e mártir († 294)

26

03.30

Do

S.
Cruz em Jerusalém

Fragmentos
da Verdadeira Cruz, parte do Titulus Crucis (a inscrição
“I.N.R.I.”); pregos da crucificação e
alguns espinhos da Coroa; um fragmento da cruz do Bom Ladrão,
São Dimas;
a falange de São Tomé,
apóstolo († século I)

27

04.31

Se

Os
Santos Quatro Coroados no Célio

São
Castório, São Sinfroniano, São Cláudio
e São Nicóstrato
,
mártires († século IV)

28

04.01

Te

S.
Lourenço em Dâmaso

São Lourenço,
mártir († 258); São Dâmaso,
papa e mártir († 384); Jovino e Faustino, mártires

29

04.02

Qa

S.
Paulo fuora dos Muros

São Paulo,
apóstolo († 67); a cadeia de São Paulo; o
bastão de São Paulo

30

04.03

Qi

São
Silvestre e São Martinho nos Montes

Santo
Artêmio, Santa Paulina e São Sisínio,
mártires; beato Ângelo
Paoli
(† 1720)

31

04.04

Se

S.
Eusébio no Esquilino

Santo Eusébio,
presbítero e mártir († 353); Santo Orósio
e São Paulino, sacerdotes e mártires

32

04.05

Sa

S.
Nicolau eem Cárcere

São Nicolau
de Bari
(† 270); São Marcelino e São Faustino,
mártires († 250)

33

04.06

Do

S.
Pedro no Vaticano

 

34

04.07

Se

S.
Crisógono em Trastevere

São Crisógono,
mártir († 303); Santa Anastácia, mártir
(† 250); São Rufo, mártir († século
I); beata Anna
Maria Taigi
(† 1837)

35

04.08

Te

S.
Maria em via Lata

Santo Agapito,
mártir († 273); Santo Hipólito e São
Dário, mártires († século IV);
fragmento da Verdadeira Cruz

36

04.09

Qa

S.
Marcelo no Corso

São Marcelino
I
,
papa († 309); Santa Digna e Santa Emérita, mártires

37

04.10

Qi

S.
Apolinário em Campo Márcio

Santo Apolinário († século II); Santo Eustáquio, São
Bardário, Santo Eugênio, Santo Orestes e Santo
Eusêncio, mártires

38

04.11

Se

S.
Estêvão no Célio

Santo Estêvão,
protomártir († 36); São
Primo e São Feliciano
,
mártires († 303); fragmentos da Cruz Verdadeira

39

04.12

Sa

S.
João em Porta Latina

Fragmentos
ósseos ou pequenos relicários contendo partes do
corpo ou objetos pessoais atribuídos a São João
Evangelista
(† 98); São Gordiano e Santo Epímaco,
mártires († século IV)

40

04.13

Do

S.
João de Latrão

 

41

04.14

Se

S.
Praxedes no Esquilino

Santa Praxedes,
mártir († século II); Santa Pudenciana,
mártir († século II); Santa Vitória,
mártir († 253); Coluna da Flagelação

42

04.15

Te

S.
Prisca no Aventino

Santa
Prisca, uma das primeiras mártires cristãs (†
século I); Santo
Áquila e Santa Priscila
,
cônjuges cristãos; fragmentos da Verdadeira Cruz

43

04.16

Qa

S.
Maria Maior

 

44

04.17

Qi

S.
João de Latrão

 

45

04.18

Se

S.
Cruz em Jerusalém

 

46

04.19

Sa

S.
João de Latrão

 

47

04.20

Do

S.
Maria Maior

 

48

04.21

Se

S.
Pedro no Vaticano

 

49

04.22

Te

S.
Paulo fora dos Muros

 

50

04.23

Qa

S.
Lourenço fora dos Muros

São Lourenço,
mártir († 258); Santo Estêvão,
protomártir († 36); São Sebastião,
mártir († 288); São Francisco
de Assis
(† 1226); Papa São Zósimo († 418), Papa São Sixto
III
(† 440), Papa Santo Hilário († 468), Papa São Damaso
II
(† 1048); beato Pio
IX
,
papa († 1878); fragmentos da Cruz Verdadeira

51

04.24

Qi

Os
Santos Doze Apóstolos

São Filipe,
apóstolo († 80); São Tiago
Menor
(† 62)

52

04.25

Se

S.
Maria dos Mártires (Panteão)

São Longino,
soldado romano que transpassou o lado de Jesus Cristo durante a
crucificação († século I); Santa Bibiana,
mártir († 362–363); Santa Lúcia,
mártir († 304); São Rásio e Santo
Anastácio, mártires; durante a consagração
da igreja, em 609 d.C., pelo Papa Bonifácio IV, foram
transferidos para cá, dos cemitérios romanos, os
ossos de cerca de 28 grupos de mártires

53

04.26

Sa

S.
João de Latrão

 

54

04.27

Do

S.
Pancrácio

São Pancrácio,
mártir († 304); fragmentos da Verdadeira Cruz





As novas salas da Postulação Geral Salesiana

No dia 4 de junho de 2024, foram inauguradas e abençoadas pelo então Reitor-Mor, Cardeal Ángel Fernández Artime, as novas salas da Postulação Geral Salesiana, localizadas na comunidade “Zeferino Namuncurá”, na Via della Bufalotta, em Roma.No plano de reestruturação da sede, o Reitor-Mor, com o seu Conselho, decidiu colocar as salas relativas à Postulação Geral Salesiana nessa nova presença salesiana em Roma.

            Desde Dom Bosco até hoje, reconhecemos uma tradição de santidade que merece atenção, porque é a encarnação do carisma que teve origem com ele e que se expressou em uma pluralidade de estados de vida e de formas. Trata-se de homens e mulheres, jovens e adultos, consagrados e leigos, bispos e missionários que, em diferentes contextos históricos, culturais e sociais, no tempo e no espaço, fizeram brilhar o carisma salesiano com uma luz singular, representando um patrimônio que desempenha um papel eficaz na vida e na comunidade dos crentes e das pessoas de boa vontade. A Postulação acompanha 64 Causas de Beatificação e Canonização referentes a 179 Santos, Beatos, Veneráveis, Servos de Deus. Vale a pena notar que cerca da metade dos grupos da Família Salesiana (15 de 32) tem pelo menos uma Causa de Beatificação e Canonização em andamento.

            O projeto da obra foi elaborado e supervisionado pelo arquiteto Toti Cameroni. Identificado o espaço para a localização das salas de Postulação, originalmente composto por um longo e amplo corredor e um grande salão, foi estudada a distribuição das salas, com base nas exigências requeridas. Assim, a solução final foi projetada e realizada:

A biblioteca com estantes de altura total divididas em quadrados de 40×40 cm que cobrem completamente as paredes. O objetivo é coletar e armazenar as várias publicações sobre figuras santas, sabendo que as vidas e os escritos dos santos, desde a antiguidade, constituem leitura frequente entre os fiéis, despertando a conversão e o desejo de uma vida melhor: eles refletem o esplendor da bondade, da verdade e da caridade de Cristo. Além disso, esse espaço também é adequado para pesquisas pessoais, hospedagem de grupos e reuniões.

            A partir daqui, passamos para a área de recepção, que pretende ser um espaço de espiritualidade e meditação, como nas visitas aos mosteiros do Monte Atos, onde o hóspede era apresentado primeiramente à capela das relíquias dos santos: era lá que se localizava o coração do mosteiro e de lá vinha o incitamento à santidade para os monges. Nesse espaço, há uma série de pequenas vitrines que iluminam relicários ou objetos de valor relacionados à santidade salesiana. A parede do lado direito é revestida de peças de madeira com painéis substituíveis que representam alguns dos santos, beatos, veneráveis e servos de Deus da Família Salesiana.
            Uma porta leva ao maior cômodo da postulação: o arquivo. Um compactador de 640 metros lineares permite o arquivamento de um grande número de documentos relacionados aos vários processos de beatificação e canonização. Uma longa cômoda está localizada sob as janelas: há imagens litúrgicas e paramentos.

            Um pequeno corredor da área de recepção, onde telas e pinturas podem ser admiradas nas paredes, leva primeiro a dois escritórios bem iluminados com móveis e depois à sala de relíquias. Também nesse espaço, os móveis preenchem as paredes, os armários e as gavetas acomodam as relíquias e as vestimentas litúrgicas.

Uma sala de armazenamento e uma pequena sala usada como área de descanso completam as salas de postulação.
            A inauguração e a bênção dessas salas nos lembram que somos guardiões de um patrimônio precioso que merece ser conhecido e valorizado. Além do aspecto litúrgico-celebrativo, o potencial espiritual, pastoral, eclesial, educativo, cultural, histórico, social, missionário… das Causas deve ser plenamente valorizado. A santidade reconhecida ou em vias de reconhecimento, por um lado, já é uma realização da radicalidade evangélica e da fidelidade ao projeto apostólico de Dom Bosco, a ser considerada como um recurso espiritual e pastoral; por outro lado, é uma provocação a viver fielmente a própria vocação para estar disponível a testemunhar o amor até o extremo. Os nossos Santos, Beatos, Veneráveis e Servos de Deus são a encarnação autêntica do carisma salesiano e das Constituições ou Regulamentos dos nossos Institutos e Grupos nos mais diversos tempos e situações, superando o mundanismo e a superficialidade espiritual que minam a nossa credibilidade e fecundidade pela raiz.
            A experiência confirma sempre mais que a promoção e o cuidado das Causas de Beatificação e Canonização da nossa Família, a celebração coral dos eventos relacionados à santidade, são dinâmicas de graça que suscitam alegria evangélica e sentido de pertença carismática, renovando intenções e compromissos de fidelidade ao chamado recebido e gerando fecundidade apostólica e vocacional. Os santos são verdadeiros místicos do primado de Deus no dom generoso de si, profetas da fraternidade evangélica, servidores de seus irmãos e irmãs com criatividade.

            Para promover as Causas de Beatificação e Canonização da Família Salesiana e para conhecer de perto o patrimônio de santidade que floresceu a partir de Dom Bosco, a Postulação está à disposição para acolher pessoas e grupos que desejem conhecer e visitar esses ambientes, oferecendo também a possibilidade de mini-retiros com itinerários sobre temas específicos e a apresentação de documentos, relíquias, objetos significativos. Para obter informações, escreva para postulatore@sdb.org.

Galeria de fotos – As novas salas da Postulação Geral Salesiana

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As novas salas da Postulação Geral Salesiana
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O Bom Pastor dá sua vida: Don Elia Comini no 80º aniversário de seu sacrifício

            Monte Sole é uma montanha nos Apeninos bolonheses que, até a Segunda Guerra Mundial, tinha vários pequenos vilarejos habitados ao longo de seus cumes: entre 29 de setembro e 5 de outubro de 1944, seus habitantes, em sua maioria crianças, mulheres e idosos, foram vítimas de um terrível massacre pelas tropas da SS (Schutzstaffel, “esquadrões de proteção”; uma organização paramilitar do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães criada na Alemanha nazista). 780 pessoas morreram, muitas delas refugiadas em igrejas. Cinco padres perderam suas vidas, incluindo o P. João Fornasini, proclamado beato e mártir em 2021 pelo Papa Francisco.
Esse é um dos massacres mais hediondos realizados pelas SS nazistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, que ocorreu em torno de Monte Sole, nos territórios de Marzabotto, Grizzana Morandi e Monzuno (Bolonha) e comumente conhecido como o “massacre de Marzabotto”. Entre as vítimas estavam vários sacerdotes e religiosos, entre os quais o salesiano P. Elias Comini, que durante toda a sua vida e até o fim se esforçou para ser um bom pastor e se dedicar sem reservas, generosamente, em um êxodo de si mesmo sem retorno. Essa é a verdadeira essência de sua caridade pastoral, que o apresenta como um modelo de pastor que cuida do rebanho, pronto para dar a vida por ele, em defesa dos fracos e dos inocentes.

“Recebe-me como uma vítima expiatória”
Elias Comini nasceu em Calvenzano di Vergato (Bolonha) em 7 de maio de 1910. Seus pais Cláudio, carpinteiro, e Ema Limoni, costureira, o prepararam para a vida e o educaram na fé. Ele foi batizado em Calvenzano. Em Salvaro di Grizzana, fez a Primeira Comunhão e recebeu a Crisma. Desde cedo, demonstrou grande interesse pelo catecismo, pelos serviços religiosos e pelo canto, em uma amizade serena e alegre com seus companheiros. O arcipreste de Salvaro, Monsenhor Fidenzio Mellini, quando era jovem soldado em Turim, frequentou o oratório de Valdocco e conheceu Dom Bosco, que lhe profetizou o sacerdócio. Monsenhor Mellini estimava muito Elias por sua fé, bondade e habilidades intelectuais únicas e o incentivou a se tornar um dos filhos de Dom Bosco. Por esse motivo, ele o encaminhou para o pequeno seminário salesiano em Finale Emilia (Modena), onde Elias cursou o ensino médio e o ginásio. Em 1925, ingressou no noviciado salesiano em Castel De’ Britti (Bolonha) e fez sua profissão religiosa em 3 de outubro de 1926. Nos anos de 1926-1928, como estudante de filosofia, frequentou o liceu salesiano de Valsalice (Turim), onde se encontrava o túmulo de Dom Bosco. Foi nesse lugar que Elias iniciou uma exigente jornada espiritual, testemunhada por um diário que ele manteve até pouco mais de dois meses antes de sua trágica morte. São páginas que revelam uma vida interior tão profunda quanto não é percebida do lado de fora. Na véspera da renovação de seus votos, ele escreveu: “Estou mais feliz do que nunca neste dia, na véspera do holocausto que espero que vos seja agradável. Recebe-me como uma vítima expiatória, mesmo que eu não mereça. Se crês, dá-me alguma recompensa: perdoa os meus pecados da vida passada; ajuda-me a me tornar santo.”
            Completou seu tirocínio prático como educador assistente em Finale Emilia, Sondrio e Chiari. Formou-se em Literatura na Universidade Pública de Milão. Em 16 de março de 1935, foi ordenado sacerdote em Brescia. Ele escreveu: “Pedi a Jesus: a morte, em vez de falhar em minha vocação sacerdotal; e amor heroico pelas almas”. De 1936 a 1941, lecionou Literatura no aspirantado “São Bernardino”, em Chiari (Brescia), dando excelentes provas de seu talento pedagógico e de sua atenção aos jovens. Nos anos de 1941-1944, a obediência religiosa o transferiu para o instituto salesiano de Treviglio (Bérgamo). Ele encarnou de modo especial a caridade pastoral de Dom Bosco e os traços da bondade salesiana, que transmitiu aos jovens com seu caráter afável, sua bondade e seu sorriso.

Tríduo de paixão
            A doçura habitual de seu comportamento e a dedicação heroica ao ministério sacerdotal brilharam claramente durante as curtas estadias anuais de verão com a mãe, que ficava sozinha em Salvaro, e na paróquia que adotou, onde o Senhor mais tarde pediria ao padre Elias a doação total de sua existência. Algum tempo antes, ele havia escrito em seu diário: “O pensamento de que devo morrer sempre persiste em mim. Quem sabe! Façamos como o servo fiel, sempre preparado para o chamado, para prestar contas da sua gestão”. Estamos no período de junho a setembro de 1944, quando a terrível situação criada na área entre Monte Salvaro e Monte Sole, com o avanço da linha de frente dos Aliados, a brigada guerrilheira “Stella Rossa” (Estrela Vermelha) instalada nas alturas e os nazistas em risco de ficarem encurralados, levou a população à beira da destruição total.
            Em 23 de julho, os nazistas, após a morte de um de seus soldados, iniciaram uma série de represálias: dez homens foram mortos, casas foram incendiadas. O P. Comini faz o possível para acolher os parentes dos mortos e esconder os procurados. Ele também ajuda o idoso pároco de São Miguel di Salvaro, Monsenhor Fidenzio Mellini: dá catequese, conduz exercícios espirituais, celebra, prega, exorta, toca, canta e faz as pessoas cantarem para manter a calma em uma situação que está caminhando para o pior. Depois, junto com o P. Martinho Capelli, um dehoniano, o P. Elias corre continuamente para ajudar, consolar, administrar os sacramentos e enterrar os mortos. Em alguns casos, ele até conseguiu salvar grupos de pessoas, conduzindo-as à casa paroquial. Seu heroísmo se manifesta com clareza cada vez maior no final de setembro de 1944, quando a Wehrmacht (Forças Armadas Alemãs) cede espaço às terríveis SS.
            O tríduo da paixão do P. Elias Comini e do P. Martinho Capelli começa na sexta-feira, 29 de setembro. Os nazistas causam pânico na região de Monte Salvaro e a população se dirige à paróquia em busca de proteção. O P. Comini, arriscando sua vida, esconde cerca de setenta homens em uma sala adjacente à sacristia, cobrindo a porta com um guarda-roupa velho.
            O estratagema é bem-sucedido. De fato, os nazistas, revistando três vezes as várias salas, não percebem. Nesse meio tempo, chega a notícia de que a terrível SS havia massacrado várias dezenas de pessoas em “Creda”, entre as quais havia feridos e moribundos que precisavam de conforto. O P. Elias celebra sua última missa no início da manhã e, em seguida, junto com o P. Martinho, levando o óleo sagrado e a Eucaristia, saem correndo na esperança de ainda poderem ajudar alguns dos feridos. Ele faz isso livremente. De fato, todos o dissuadem: desde o pároco até as mulheres que estão lá. “Não vá, padre. É perigoso!” Elas tentam reter o P. Elias e o P. Martinho à força, mas eles tomam essa decisão com plena consciência do perigo de morte. O P. Elias diz: “Rezem, rezem por mim, porque tenho uma missão a cumprir”; “Rezem por mim, não me deixem sozinho!”.
            Perto de Creda di Salvaro, os dois padres são capturados; usados “como juggernauts”, são forçados a carregar munição e, à noite, são trancados no estábulo de Pioppe di Salvaro. No sábado, 30 de setembro, o P. Elias e o P. Martinho gastaram toda a sua energia consolando os muitos homens presos com eles. O prefeito comissário de Vergato, Emílio Veggetti, que não conhecia o P. Martinho, mas conhecia muito bem o P. Elias, tenta em vão obter a libertação dos prisioneiros. Os dois padres continuam a rezar e a consolar. À noite, eles se confessam reciprocamente.
            No dia seguinte, domingo, 1º de outubro de 1944, ao anoitecer, a metralhadora ceifa inexoravelmente as 46 vítimas do que entraria para a história como o “Massacre de Pioppe di Salvaro”: eram os homens considerados incapazes para o trabalho; entre eles, os dois padres, jovens e os forçados dois dias antes a fazer trabalhos pesados. Testemunhas que estavam a uma curta distância, em linha reta, do local do massacre puderam ouvir a voz do P. Comini entoando as Ladainhas e depois ouviram o som de tiros. O P. Comini, antes de cair morto, deu a absolvição a todos e gritou: “Misericórdia, misericórdia!”, enquanto o P. Capelli se levantou aos fundos e fez grandes sinais da cruz, até cair de costas com os braços abertos em cruz. Nenhum corpo pôde ser recuperado. Depois de vinte dias, as grades foram abertas e as águas do Reno varreram os restos mortais, perdendo completamente o rastro deles. Naquele lugar, as pessoas morriam em meio a bênçãos e invocações, em meio a orações, atos de arrependimento e perdão. Aqui, como em outros lugares, as pessoas morreram como cristãs, com fé, com seus corações voltados para Deus na esperança da vida eterna.

História do massacre de Montesole
            Entre 29 de setembro e 5 de outubro de 1944, 770 pessoas foram mortas, mas, no total, as vítimas dos nazistas e fascistas, desde a primavera de 1944 até a libertação, foram 955, distribuídas em 115 locais diferentes em um vasto território que incluía os municípios de Marzabotto, Grizzana e Monzuno (e algumas partes de territórios vizinhos). Desses, 216 eram crianças, 316 mulheres, 142 idosos, 138 vítimas reconhecidas como guerrilheiros e cinco sacerdotes, cuja culpa aos olhos dos nazistas consistia em ter estado próximos, com orações e ajuda material, de toda a população de Monte Sole durante os trágicos meses de guerra e ocupação militar. Junto com o P. Elias Comini, salesiano, e o P. Martinho Capelli, dehoniano, três sacerdotes da Arquidiocese de Bolonha também foram mortos naqueles dias trágicos: P. Ubaldo Marchioni, P. Ferdinando Casagrande e P. João Fornasini. A causa de beatificação e canonização de todos os cinco está em andamento. O P. João, o “Anjo de Marzabotto”, morreu em 13 de outubro de 1944. Ele tinha vinte e nove anos e seu corpo permaneceu insepulto até 1945, quando foi encontrado com muitas torturas. Ele foi beatificado em 26 de setembro de 2021. O padre Ubaldo morreu em 29 de setembro, assassinado por uma metralhadora no altar de sua igreja em Casaglia; ele tinha 26 anos de idade e havia sido ordenado sacerdote dois anos antes. Soldados nazistas encontraram a ele e à comunidade durante a reza do rosário. Ele foi morto ali, aos pés do altar. Os outros – mais de 70 – no cemitério próximo. O P. Ferdinando foi morto com um tiro na nuca em 9 de outubro, junto com sua irmã Júlia; ele tinha 26 anos de idade.




Servo de Deus Akash Bashir

            No dia 25 de fevereiro, celebramos a festa de nossos protomártires salesianos, o bispo Luís Versiglia e o padre Calisto Caravario. O martírio, desde os tempos da primeira comunidade cristã, sempre foi um sinal claro de nossa fé, semelhante ao sacrifício de Jesus na cruz para nossa salvação. Atualmente, em nossa Congregação Salesiana, estamos lidando com a causa do martírio de Akash Bashir, um jovem ex-aluno salesiano do Paquistão, que deu sua vida pela salvação de sua comunidade paroquial aos 20 anos de idade. A fase de investigação diocesana para o processo de beatificação terminou em 15 de março, aniversário de seu martírio.
            O Paquistão é um dos países muçulmanos mais extremistas do mundo. A República Islâmica do Paquistão surgiu após a Segunda Guerra Mundial, com a independência da Índia em 1947. Entretanto, os cristãos já estavam presentes nessa região graças aos missionários dominicanos e franciscanos. Atualmente, os cristãos no Paquistão representam cerca de 1,6% da população total (católicos e anglicanos), ou cerca de 4 milhões de pessoas. As minorias religiosas enfrentam diariamente a discriminação, a marginalização, a falta de oportunidades iguais no emprego e na educação; e a discriminação religiosa e, às vezes, a perseguição persistem, tornando a liberdade religiosa uma questão crítica.
            Apesar dos desafios, as comunidades cristãs no Paquistão demonstram resiliência e esperança. As igrejas e as organizações cristãs desempenham um papel fundamental no fornecimento de apoio e na promoção da unidade inter-religiosa, e os salesianos têm contribuído significativamente com sua presença.
            A vida de Akash Bashir começou em um pequeno vilarejo perto do Afeganistão, em uma família de cinco filhos, sendo ele o terceiro. Akash, nascido no verão de 22 de junho de 1994, enfrentou condições climáticas extremas e sobreviveu com dificuldade. Apesar das dificuldades do clima adverso, da pobreza da família e da má nutrição, esses desafios ajudaram a moldar seu caráter.
            O sonho de Akash de servir no exército foi frustrado pela insegurança educacional e financeira. A família Bashir decidiu migrar para o leste, para Punjab, para a cidade de Lahore, perto da fronteira com a Índia, especificamente para o distrito cristão de Youhanabad, onde os salesianos administram um internato, uma escola primária e uma escola técnica. Em setembro de 2010, Akash Bashir entrou no Instituto Técnico Salesiano Dom Bosco e Centro Juvenil.
            Em um contexto político-religioso difícil, Akash foi voluntário como guarda de segurança na paróquia de Youhanabad em dezembro de 2014. Sua função como guarda de segurança na Paróquia de São João consistia em vigiar a entrada do pátio e controlar os fiéis no portão de entrada, pois as igrejas são protegidas por um muro com apenas uma porta de entrada. Em 15 de março de 2015, durante a celebração da missa, Akash estava de plantão.
            Naquele dia, o quarto domingo da Quaresma (o domingo “Laetare”) foi celebrado com 1.200 a 1.500 fiéis participando da missa, presidida pelo padre Francisco Gulzar, o pároco. Às 11h09, um primeiro ataque terrorista atingiu a comunidade anglicana a menos de 500 metros da igreja católica. Um minuto depois, às 11h10, uma segunda detonação ocorre bem na entrada do pátio da Paróquia Cristã, onde trabalha Akash Bashir, como segurança voluntário.
            Sua Eminência, o Cardeal Ángel Fernández, Reitor-Mor dos Salesianos, na introdução de sua biografia, descreve o martírio de Akash com estas palavras:
            «Em 15 de março de 2015, enquanto a Santa Missa estava sendo celebrada na paróquia de São João, o grupo de guardas de segurança formado por jovens voluntários, do qual Akash Bashir fazia parte, guardava fielmente a entrada. Naquele dia, algo incomum aconteceu. Akash percebeu que uma pessoa com explosivos sob a roupa estava tentando entrar na igreja. Ele a conteve, falou com ela e a impediu de continuar, mas, percebendo que não poderia impedi-la, abraçou-a com força dizendo: “Eu vou morrer, mas não vou deixar você entrar na igreja”. Assim, o jovem e o homem-bomba morreram juntos. Nosso jovem ofereceu sua vida para salvar a de centenas de pessoas, meninos, meninas, mães, adolescentes e homens adultos que estavam orando dentro da igreja naquele momento. Akash tinha 20 anos de idade».
            Após a explosão, quatro pessoas morreram no chão: o homem com os explosivos, um comerciante de legumes, uma menina de seis anos e nosso Akash Bashir. Seu sacrifício evitou que o número de mortos fosse muito maior. O Evangelho proclamado naquele dia relembrou as palavras de Jesus a Nicodemos: “Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz para que as suas obras não sejam reprovadas. Por outro lado, quem pratica a verdade vem para a luz, para que fique claro que suas obras foram feitas em Deus” (João 3,20-21). Akash selou essas palavras com seu sangue de jovem cristão.
            Em 18 de março, o arcebispo de Lahore presidiu uma celebração fúnebre ecumênica para Akash e os cristãos anglicanos, com a presença de 7.000 a 10.000 fiéis. Depois disso, o corpo foi transferido para o cemitério de Youhanabad, onde foi enterrado em um túmulo construído pelo pai de Akash.
            A vida de Akash Bashir é um poderoso testemunho das primeiras comunidades cristãs cercadas por filosofias, culturas adversas e perseguição. As comunidades dos Atos dos Apóstolos também eram minorias, mas com uma fé forte e coragem ilimitada, semelhante à dos cristãos no Paquistão.
            O exemplo brilhante do ex-aluno salesiano Akash Bashir continua a inspirar o mundo. Ele viveu as palavras de Jesus: “Ninguém tem maior amor do que este, de dar a vida pelos seus amigos” (João 15,13).
            Em 15 de março de 2022, o inquérito diocesano começou oficialmente, marcando um passo significativo em direção à possível beatificação do primeiro cidadão paquistanês. A conclusão do inquérito diocesano em 15 de março de 2024 é um marco fundamental no caminho para a beatificação e a canonização.
            Termino lembrando novamente as palavras de Sua Eminência, o Card. Ángel Fernández sobre Akash Bashir:
“Ser santo hoje é possível! E é, sem dúvida, o sinal carismático mais evidente do sistema educativo salesiano. De modo especial, Akash é a bandeira, o sinal, a voz de tantos cristãos que são atacados, perseguidos, humilhados e martirizados em países não católicos. Akash é a voz de tantos jovens corajosos que conseguem dar a vida pela fé, apesar das dificuldades da vida, da pobreza, do extremismo religioso, da indiferença, da desigualdade social e da discriminação. A vida e o martírio desse jovem paquistanês de apenas 20 anos de idade nos fazem reconhecer o poder do Espírito Santo de Deus, vivo, presente nos lugares menos esperados, nos humildes, nos perseguidos, nos jovens, nos pequeninos de Deus. Sua Causa de Beatificação é para nós um sinal de esperança e um exemplo de santidade juvenil até o martírio”.

P. Gabriel de Jesús CRUZ TREJO, sdb
vice-postulador da causa de Akash Bashir




Os protomártires salesianos: Luís Versiglia e Calisto Caravario

Luís e Calisto: a mesma vocação missionária para a salvação das almas, mas com uma história diferente.
O dia 25 de fevereiro deste ano marca o 94º aniversário do martírio do bispo Luís Versiglia e do padre Calisto Caravario, missionários em solo chinês.
Luís Versiglia e Calisto Caravario: duas figuras diferentes em muitos aspectos, mas unidas por um grande zelo apostólico e seu último ato de puro amor em defesa da religião católica e da pureza de três meninas chinesas.

Luís: o aspirante a veterinário que se tornou salesiano missionário

Luís Versiglia, nascido em 5 de junho de 1873 em Oliva Gessi (PV), quando criança, embora fosse um coroinha assíduo na igreja paroquial de seu vilarejo, não tinha a intenção de se tornar padre. Na verdade, ele ficava irritado quando seus companheiros de aldeia, vendo-o tão devoto na igreja, profetizavam seu futuro como padre. Isso não faz parte de seu plano de vida, nem mesmo quando, aos 12 anos de idade, ele é enviado para estudar no internato de Valdocco, em Turim. Ele adora cavalos e sonha em se tornar veterinário. Estudar em Turim reforça nele a esperança de mais tarde se matricular na prestigiosa Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Turim.

Versiglia com o Pe. Braga e os alunos do Instituto São José em Ho Sai

Em Valdocco, no entanto, ele conheceu Dom Bosco, já idoso e doente, e ficou quase fascinado com seu carisma.
Durante esses anos em Valdocco, algo começou a tomar forma na alma de Versiglia. A caridade e a devoção irradiadas pelo ambiente salesiano, juntamente com o fascínio de Dom Bosco, lentamente foram penetrando na alma de Luís, até que um fato decisivo aconteceu e, daquele dia em diante, ele não teria mais dúvidas. No dia 11 de março de 1888, na Basílica de Maria Auxiliadora, enquanto assistia à cerimônia de despedida de um grupo de missionários que partia para a Argentina, ele ficou impressionado com o comportamento modesto e tranquilo de um dos seis jovens que partiam. Daí sua vocação. A partir daquele dia, nasceu nele o forte desejo de se tornar padre, um padre missionário salesiano. (A história de sua vocação missionária está bem descrita na carta que escreveu ao seu diretor, P. Barberis, em 1890).
Luís, portanto, frequentou o noviciado de Foglizzo (1888-1890), onde teve um comportamento totalmente irrepreensível: caridoso com os companheiros, muito piedoso e, ao mesmo tempo, empreendedor e cheio de vida.  Em seguida, ganhou uma bolsa de estudos para o curso de filosofia na Universidade Gregoriana, em Roma, e, aos vinte anos, obteve o diploma de bacharel em filosofia.
Foi ordenado sacerdote quando tinha apenas vinte e dois anos de idade, com uma dispensa concedida pela Santa Sé em virtude de sua maturidade psíquica e moral, superior à sua idade.
Foi imediatamente enviado para lecionar filosofia aos noviços em Foglizzo, onde, com seu caráter franco e sempre alegre, foi estimado e admirado por todos por sua competência, afabilidade e imparcialidade. Ele exige a observância das regras, liderando todos por seu exemplo.
Depois de Foglizzo, foi-lhe confiada a direção do novo noviciado em Genzano de Roma, onde também transmitiu o ideal missionário aos seus clérigos.

Calisto: um jovem puro e desejoso de ser missionário

Clérigo Caravario em Xangai com o padre Garelli e 20 alunos batizados

A vocação de Calisto Caravario, por outro lado, tem uma história completamente diferente. Ele nasceu em 8 de junho de 1903, exatamente trinta anos depois de Luís Versiglia, em Courgnè (TO), e se mudou para Turim com a família aos cinco anos de idade. Era bem-humorado, muito apegado à mãe, para quem tinha gestos e atenção singulares, e desde cedo demonstrou uma vocação acentuada para o sacerdócio. Suas primeiras diversões foram imitar os gestos do padre que celebrava a missa. Ele logo aprendeu a ajudar a missa; fazia isso com devoção e frequentava o oratório São José em Turim com paixão e comprometimento, o qual se tornava seu segundo lar.

Nas escolas primárias do Colégio São João Evangelista, por dois anos, teve como professor o clérigo Carlos Braga, hoje Servo de Deus.
Ele repetia constantemente para sua mãe que se tornaria padre quando crescesse.
Em 1914, começou o ginásio no Oratório de Valdocco, onde se sentiu particularmente atraído pelos missionários que visitavam os Superiores e com os quais frequentemente se entretinha nos recreios, alimentando seu desejo pelas Missões.
Em 1918, começou seu noviciado em Foglizzo e fez seus votos religiosos no ano seguinte. Frequentou o Oratório de São Luís na Rua Ormea, no qual mais de um jovem se endereçou ao sacerdócio.
Em 1922, conheceu Dom Versiglia, que havia chegado a Turim, vindo da China, para participar do Capítulo Geral, e expressou seu forte desejo de segui-lo na missão. Os Superiores, porém, não permitiram que ele realizasse seu sonho imediatamente, pois isso o obrigaria a interromper os estudos, mas Calisto garantiu a Versiglia: “Excelência, o senhor verá que serei fiel à minha palavra: vou segui-lo até a China. O senhor verá que eu certamente o seguirei”.
No ano seguinte, por meio de um grupo de missionários que partia para a China, ele enviou uma carta ao P. Braga, missionário em Chiu Chow, pedindo-lhe que “preparasse um lugarzinho para ele”.

Luís e Calisto: experiências missionárias diferentes, mas unidas por sua total dedicação ao próximo e pela conquista do afeto e do apego dos jovens
O P. Versiglia manteve vivo o seu ideal missionário ao longo dos anos; e a oportunidade de partir em missão surgiu em 1906, quando o Reitor-Mor dos Salesianos, após negociações com o bispo de Macau, nomeou-o chefe de uma expedição a Macau, uma colônia portuguesa na costa sul da China, para dirigir e administrar um orfanato.
A expedição era composta por dois outros padres e três coadjutores: um alfaiate, um sapateiro e um tipógrafo. Os missionários chegaram a Macau em 13 de fevereiro de 1906.
O P. Versiglia adotou o método educacional de Dom Bosco, tentando criar um ambiente familiar baseado na bondade amorosa. Para os órfãos, seu “Luì San-fù” (Padre Luís) tem uma dedicação total e amorosa e é totalmente retribuído por eles. Assim que ele chega, eles correm até ele e o cumprimentam festivamente. É por isso que o P. Versiglia ficou conhecido em Macau como o “pai dos órfãos”.
No orfanato dirigido pelo P. Versiglia, os jogos e a música são ferramentas educativas fundamentais. Essa é a razão que o leva a abrir um oratório festivo e a montar uma banda musical, com instrumentos de sopro e bateria, que imediatamente capta a curiosidade e a simpatia de todos os chineses, aos olhos dos quais os pequenos músicos parecem ser “um grupo fantástico, vindo de outro mundo”.
Com o passar dos anos, o P. Versiglia transformou o orfanato em uma escola profissional de artes e ofícios para alunos órfãos, que é tão bem conceituada que é tomada como modelo para outras escolas de Macau. As crianças que se formam ali encontram imediatamente emprego nos escritórios administrativos da cidade ou conseguem abrir suas próprias lojas de artesanato. Essa escola dá uma contribuição valiosa para a promoção social e cultural e sua importância é reconhecida por todos.
Em 1911, o bispo de Macau confiou ao P. Versiglia a evangelização do distrito de Heung Shan, uma região no vasto delta do Rio das Pérolas.
Nesse território, a tarefa de evangelização é particularmente difícil. “Há tudo por fazer: preparar catequistas, professores, escolas…”, escreveu o P. Versiglia. Uma tarefa difícil, sobretudo devido à falta de pessoal, tanto masculino quanto feminino, e à grande desconfiança do povo chinês em relação aos missionários, considerados estrangeiros enviados pelos países colonialistas e, portanto, inimigos.
Poucos meses depois, a milenar monarquia chinesa foi derrubada e a República foi estabelecida em outubro de 1911, mas os confrontos entre as tropas imperiais e revolucionárias continuaram. A pirataria voltou a florescer e surgiram epidemias. A peste bubônica se espalhou e o P. Versiglia não poupou sacrifícios para ajudar os necessitados, visitando lazaretos, confortando os doentes e administrando batismos. Uma vez por mês, ele também visitava os leprosos relegados a uma ilha próxima.
No firme desejo do P. Versiglia de ajudar a todos, mesmo os mais miseráveis, afastados e esquecidos, de ajudá-los tanto materialmente nas necessidades diárias da vida quanto espiritualmente, salvando suas almas, não podemos deixar de ver nele um amor ilimitado pelo próximo.

Em 1918, surgiu a primeira missão salesiana completamente autônoma na China, a Missão Chiu Chow, que abrangia uma vasta região montanhosa, onde só se podia circular de barco, a pé ou a cavalo, e os habitantes estavam espalhados em aldeias distantes umas das outras.

Em 1921, ele foi ordenado bispo.
Os vários coirmãos deram testemunho da grande caridade do P. Versiglia, que o levou a ser quase um servo de seus missionários e, nas doenças, ele os assistia dia e noite. Caridade também nas pequenas coisas. O P. Garelli, por exemplo, contará que, quando chegou da Itália à residência em Chiu Chow, que era pequena, pobre e sem mobília, o P. Versiglia lhe disse: “Veja, aqui só há uma cama. Eu já estou acostumado com a vida missionária, mas você não! Ainda está acostumado com os confortos da vida civilizada. Portanto, você dorme nessa cama e eu durmo aqui no chão”.
Mesmo como bispo, ele continuou a se sacrificar por seus irmãos e pelos chineses, e se oferecia para qualquer serviço: tipógrafo, sacristão, jardineiro, pintor e até barbeiro.
Ele realiza visitas pastorais muito cansativas e muito longas, algumas com duração de até dois meses, em condições muito desconfortáveis, dorme nas pranchas de barcos públicos em meio a pessoas que pisam em você, em albergues semidestruídos, em meio a dilúvios…
Ele constrói escolas, residências, igrejas, dispensários, institutos para órfãos e abandonados, asilo para idosos, tudo graças às suas habilidades especiais: 1) ele tem habilidades como arquiteto; na verdade, ele mesmo projeta e planeja todos os edifícios e depois dirige o trabalho; 2) ele tem grandes habilidades de oratória que lhe permitem levantar os fundos necessários. Em suas duas únicas viagens à Itália, em 1916 e 1922, e em sua viagem ao Congresso Eucarístico em Chicago, onde foi por motivos específicos, ele deu vários seminários nos quais encantou as pessoas, abrindo os corações de muitos benfeitores.
Os anos em Chiu Chow foram ainda mais difíceis. O governo republicano, para expulsar os poderosos generais que ainda controlavam vastas áreas do norte, pede ajuda à Rússia, que envia seus armamentos, mas também começa a fazer propaganda bolchevique contra o imperialismo ocidental, e os missionários são vistos como inimigos que devem ser expulsos, suas residências são frequentemente ocupadas pelos militares etc. Com o passar dos anos, o clima se tornou cada vez mais quente, as viagens se tornaram cada vez mais perigosas, a pirataria se alastrou e alguns missionários foram sequestrados por piratas.
O bispo Dom Versiglia faz todo o possível para defender as residências e as pessoas em perigo e diz: “Se for necessária uma vítima para o Vicariato, peço ao Senhor que me leve”.

Calisto: jovem missionário apaixonado por Cristo a ponto de se doar totalmente
A experiência missionária de Calisto é diferente e mais curta, mas igualmente conduzida com a maior dedicação de si mesmo.
Ele conseguiu realizar seu sonho missionário aos vinte e um anos (1924), quando obteve permissão para seguir o padre Garelli até Xangai, onde os salesianos foram encarregados da direção de um grande instituto profissional.
Por ocasião da entrega da cruz missionária na Basílica de Maria Auxiliadora, o clérigo Caravario formulou esta oração: “Senhor, a minha cruz não quero que seja leve nem pesada, mas como o Senhor quiser. Dê-me a cruz como o Senhor quiser. Só peço que eu a carregue de boa vontade”. Palavras que nos dizem muito sobre sua disposição de aceitar a vontade de Deus, mesmo em meio aos sofrimentos e às dificuldades.
Caravario, portanto, chegou a Xangai em novembro de 1924 e aqui, além de estudar chinês, foi encarregado de uma enorme quantidade de trabalho: o cuidado completo, vinte e quatro horas por dia, de cem órfãos, a escola de catecismo, a preparação para o batismo e a confirmação, a animação de recreações. Perseguindo seu ideal de se tornar padre, ele também começou a estudar teologia com grande seriedade.
Em 1927, teve de deixar Xangai devido à eclosão da revolução e foi enviado para a distante ilha de Timor, uma colônia portuguesa no arquipélago indonésio, eclesiasticamente dependente do bispo de Macau, para abrir uma escola de artes e ofícios. Ele permanecerá no Timor por dois anos, que usará para enriquecer sua cultura religiosa e seu relacionamento com Deus em vista do sacerdócio. No Timor, como em Xangai, o seu apostolado frutificou em várias vocações, e ele conquistou a confiança e o afeto dos jovens “que choraram a sua partida” quando a casa salesiana de Dili foi fechada em 1929.
Por isso, foi enviado para a Missão Chiu Chow, onde conheceu seu professor de escola primária, o P. Carlo Braga, e o bispo Dom Versiglia, que o ordenou sacerdote em 18 de maio de 1929. Naquele dia, ele escreveu para sua mãe: “Mãe, escrevo para você com o coração cheio de alegria. Esta manhã fui ordenado, sou padre para sempre. Agora o seu Calisto não é mais seu: ele deve ser totalmente do Senhor. O tempo de meu sacerdócio será longo ou curto? Não sei. O importante é que, ao me apresentar ao Senhor, possa dizer que fiz frutificar a graça que Ele me concedeu”.
Caravario estava extremamente magro e fraco devido à malária contraída no Timor, e Versiglia confiou a ele a missão de Lin Chow, pensando que o bom clima daquela área beneficiaria sua saúde física.
Assim como Versiglia, Caravario enfrenta as dificuldades das viagens apostólicas com espírito de sacrifício e adaptação. “Nesta terra, há muitas almas a serem salvas e os trabalhadores são poucos; portanto, devemos, com a ajuda do Senhor, salvá-las mesmo à custa de qualquer sacrifício.”
Graças às suas qualidades de pureza, piedade, gentileza e sacrifício, ele é considerado por seus coirmãos como o modelo perfeito de sacerdote missionário.

Luís e Caravario: juntos no sacrifício supremo
Em 24 de fevereiro de 1930, Dom Versiglia partiu para a visita pastoral à residência de Lin Chow junto com o P. Calisto Caravario, dois professores e três moças que haviam estudado no internato de Chiu Chow. No dia 25 de fevereiro, quando subiam o rio Lin Chow, o barco foi parado por uma dúzia de piratas bolcheviques que exigiram quinhentos dólares como passe (que os missionários obviamente não tinham consigo) e tentaram sequestrar as meninas, mas Versiglia e Caravario se opuseram firmemente a isso a fim de proteger a pureza das moças. Dom Versiglia está determinado a cumprir seu dever a ponto de dar sua vida: “Se for necessário morrer para salvar aquelas que me foram confiadas, estou pronto”. Os piratas os atacam, insultando a religião católica, e os espancam brutalmente. Em seguida, eles os levam para um matagal, atiram neles e estraçalham seus corpos.
As moças, libertadas alguns dias depois pelo exército regular, testemunharão a serenidade com que os dois missionários morreram.
Luís e Calisto se sacrificaram para defender a fé e a pureza das três jovens.
Aqueles que os conheceram testemunham que a força de vontade e o apego a Deus permeavam toda a vida deles de maneira heroica, e que o zelo deles pela salvação das almas era singular.
A santidade dessas belas almas foi sua conquista diária e seu martírio constituiu sua coroação.

Dra. Joana Bruni




Beato Tito Zeman, mártir das vocações

Um homem destinado à eliminação
            Tito Zeman nasceu em Vajnory, perto de Bratislava (na Eslováquia), em 4 de janeiro de 1915, o primeiro de dez filhos de uma família simples. Aos 10 anos de idade, foi subitamente curado pela intercessão de Nossa Senhora e prometeu “ser seu filho para sempre” e se tornar um padre salesiano. Ele começou a realizar esse sonho em 1927, depois de superar a oposição de sua família por dois anos. Ele havia pedido à família que vendesse um campo para poder pagar seus estudos e acrescentou: “Se eu tivesse morrido, vocês teriam encontrado o dinheiro para o meu funeral. Por favor, usem esse dinheiro para pagar meus estudos”.
            A mesma determinação retorna constantemente em Zeman: quando o regime comunista se estabeleceu na Tchecoslováquia e perseguiu a Igreja, o P. Titus defendeu o símbolo do crucifixo (1946), pagando com sua demissão da escola onde lecionava. Tendo escapado providencialmente da dramática “Noite dos Bárbaros” e da deportação dos religiosos (13-14 de abril de 1950), ele decidiu atravessar a Cortina de Ferro com os jovens salesianos para Turim, onde foi recebido pelo Reitor-Mor, P. Pedro Ricaldone. Depois de duas travessias bem-sucedidas (verão e outono de 1950), a expedição fracassou em abril de 1951. O P. Zeman enfrentou uma semana inicial de tortura e mais dez meses de detenção preventiva, com mais torturas pesadas, até o julgamento em 20-22 de fevereiro de 1952. Ele passaria então por 12 anos de detenção (1952-1964) e quase cinco anos em liberdade condicional, sempre espionado e perseguido (1964-1969).
            Em fevereiro de 1952, o Procurador Geral pediu a pena de morte para ele por espionagem, alta traição e cruzamento ilegal de fronteira, que foi comutada para 25 anos de prisão dura sem liberdade condicional. No entanto, o P. Zeman é considerado um “homem destinado à eliminação” e passa a viver em campos de trabalho forçado. Ele é forçado a moer urânio radioativo à mão e sem proteção; passa longos períodos em confinamento solitário, com uma ração de comida seis vezes menor do que a dos outros. Ele fica gravemente doente, com doenças cardíacas, pulmonares e neurológicas. Em 10 de março de 1964, tendo cumprido metade de sua pena, é libertado da prisão, em liberdade condicional por sete anos, mas está fisicamente irreconhecível e passa por um período de intenso sofrimento, inclusive espiritual, devido à proibição de exercer publicamente seu ministério sacerdotal. Morreu, após receber anistia, em 8 de janeiro de 1969.

Salvador das vocações até o martírio
            O P. Tito viveu sua vocação e a missão especial à qual se sentiu chamado para trabalhar pela salvação das vocações com grande espírito de fé, abraçando a hora da “provação” e do “sacrifício” e testemunhando sua capacidade, também devido à graça recebida de Deus, de enfrentar a oferta de sua vida, a paixão da prisão e da tortura e, finalmente, a morte com uma consciência cristã, consagrada e sacerdotal. Isso é atestado pelo rosário de 58 contas, uma para cada período de tortura, que ele fez com pão e linha e, acima de tudo, pela referência ao Ecce homo, como Aquele que o acompanhou em seus sofrimentos e sem o qual ele não teria sido capaz de enfrentá-los. Ele guardou e defendeu a fé dos jovens em tempos de perseguição, para se opor à reeducação comunista e ao redesenvolvimento ideológico. Sua jornada de fé é um “resplendor” contínuo de virtudes, fruto de uma vida interior intensa, que se traduz em uma missão corajosa, em um país onde o comunismo pretendia eliminar todos os vestígios da vida cristã. Toda a vida do P. Titus se resume em encorajar os outros a essa “fidelidade na vocação” com a qual ele seguiu decisivamente a sua própria vocação. Seu amor pela Igreja e por sua própria vocação religiosa e missão apostólica era total. Seus empreendimentos ousados fluem desse amor unificado e unificador.

Testemunha de esperança
            O testemunho heroico do Beato Tito Zeman é uma das mais belas páginas de fé que as comunidades cristãs da Europa Oriental e a Congregação Salesiana escreveram durante os duros anos de perseguição religiosa pelos regimes comunistas no século passado. Particularmente brilhante nele foi seu compromisso com as jovens vocações consagradas e sacerdotais, decisivas para o futuro da fé naqueles territórios.
            Com sua vida, o P. Tito se mostra um homem de unidade, que rompe barreiras, medeia conflitos, busca sempre o bem integral da pessoa; além disso, sempre considera possível uma alternativa, uma solução melhor, uma não rendição às circunstâncias desfavoráveis. Nos mesmos anos em que alguns apostataram ou traíram, e outros desanimaram, ele fortaleceu a esperança dos jovens chamados ao sacerdócio. Sua obediência é criativa, não formalista. Ele age não apenas para o bem de seu próximo, mas da melhor maneira possível. Assim, ele não se limita a organizar as fugas dos clérigos para o exterior, mas os acompanha pagando pessoalmente, permitindo que cheguem a Turim, na convicção de que “na casa de Dom Bosco” eles teriam uma experiência destinada a marcar toda a sua vida. Na raiz está a consciência de que salvar uma vocação é salvar muitas vidas: em primeiro lugar, a de quem é chamado, depois aquelas que a vocação obedecida alcança, nesse caso, por meio da vida religiosa e sacerdotal.

            É significativo que o martírio do P. Titus Zeman tenha sido reconhecido na esteira do bicentenário do nascimento de São João Bosco. O seu testemunho é a encarnação do chamado vocacional de Jesus e da predileção pastoral pelas crianças e pelos jovens, especialmente pelos seus jovens irmãos salesianos, predileção que se manifestou, como em Dom Bosco, em uma verdadeira “paixão”, buscando o bem deles, colocando nisso toda a sua energia, toda a sua força, toda a sua vida em um espírito de sacrifício e de oferta: “Mesmo que eu perdesse a minha vida, não a consideraria desperdiçada, sabendo que pelo menos um daqueles que eu ajudei se tornou sacerdote em meu lugar”.




Alexandre Planas Saurì, o mártir surdo (2/2)

(continuação do artigo anterior)

O salesiano

            Ele está junto aos doentes, às crianças. O Oratório, que os salesianos haviam fundado no início da casa, terminou com sua partida em 1903. Mas a paróquia de Sant Vicenç pegou a tocha por meio de um jovem, João Juncadella, um catequista nato, e o Surdo, seu grande assistente. Nasceu entre eles uma amizade muito forte e uma colaboração permanente, que só terminou com a tragédia de 1936. Alexandre cuidava da limpeza e da ordem do local, mas logo se mostrou um verdadeiro animador dos jogos e das excursões que eram organizadas. E, se necessário, não hesitava em colocar à disposição o dinheiro que economizava.

E tinha dentro de si o coração salesiano. A surdez não lhe permitiu professar como salesiano, o que ele certamente desejava. No entanto, parece que fez votos privados, com a permissão do então inspetor, P. Filipe Rinaldi, de acordo com o testemunho de um dos diretores da casa, o P. Crescenzi.

            Demonstrou sua identificação com a causa salesiana de mil maneiras, mas de uma forma particularmente significativa, cuidando pessoalmente da casa por quase 30 anos e defendendo-a na difícil situação do verão e outono de 1936.

            “Ele parecia ser o pai de cada um de nós”. Quando, em 1935, três meninos se afogaram no rio, “a dor daquele homem foi como a de perder três filhos de uma vez”. Sabemos que os salesianos não o consideravam um empregado, mas um membro da família, ou um cooperador. Hoje talvez pudéssemos dizer um leigo consagrado, no estilo dos Voluntários com Dom Bosco. “Um salesiano de grande estatura espiritual”.

Abraçado à Cruz, verdadeira testemunha de fé e de reconciliação             No outono de 1931, os salesianos retornaram a Sant Vicenç dels Horts. Os distúrbios que levaram à queda da monarquia espanhola afetaram a casa de El Campello (Alicante), onde o Aspirantado estava localizado naquela época. Portanto, foi tomada a decisão de transferi-lo para Sant Vicenç. A casa, embora relativamente dilapidada, estava pronta. E pôde se expandir com a compra de uma torre adjacente. Foi aqui que se desenvolveu a vida dos aspirantes, cujo testemunho sobre o Surdo permitiu traçar o retrato do homem, do artista, do crente e do salesiano a que nos referimos.

Cristo pregado na cruz, no pátio da casa, por Alexandre

A deposição nas mãos de Maria, no pátio da casa, por Alexandre

O Santo Sepulcro, no pátio da casa, por Alexandre

            Não é o momento de nos referirmos à situação crítica dos anos 1931-1936 na Espanha. Apesar de tudo isso, a vida no Aspirantado de Sant Vicenç transcorria normalmente. A força motriz da vida cotidiana era a consciência vocacional dos jovens, que sempre os impulsionava a olhar para frente, na esperança de se vincularem definitivamente a Dom Bosco em uma data não muito distante.

            Até que veio a revolução em 18 de julho de 1936. No mesmo dia, os salesianos e os jovens fizeram sua excursão-peregrinação ao Tibidabo. Quando voltaram à tarde, as coisas estavam mudando. Em poucos dias, a casa paroquial do vilarejo foi incendiada, o seminário salesiano foi confiscado, um clima de intolerância religiosa se espalhou por toda parte. O pároco e o vigário foram presos e mortos. As forças da lei e da ordem não conseguiram ou não souberam lidar com os tumultos. Em Sant Vicenç, assumiu o poder o “Comitê Antifascista”, de matriz claramente anticristã.

            Embora no início a vida dos educadores tenha sido respeitada por causa do cuidado com as crianças que a casa abrigava, eles tiveram que testemunhar a destruição e a queima de todos os objetos religiosos, em especial os três monumentos erguidos pelo Surdo. “Como ele sofreu”, vendo-se obrigado a colaborar com a destruição do que era expressão de sua profunda espiritualidade e a testemunhar a expulsão dos padres.

            Naqueles dias, o Surdo se deu conta claramente do novo papel que a revolução o obrigou a assumir: sem deixar de ser o principal elo da comunidade com o mundo exterior (ele sempre se movimentou livremente como moço de recados e em todo tipo de necessidade), ele tinha que guardar a propriedade como antes e, acima de tudo, proteger os seminaristas. “Na realidade, era ele quem representava os salesianos e agia como nosso pai”. De fato, em poucos dias restavam apenas os coadjutores e um grupo cada vez menor de aspirantes.

            A expulsão definitiva de ambos ocorreu em 12 de novembro. Em Sant Vicenç, apenas o Sr. Alexandre permaneceu. Sobre seus últimos dias de vida, temos apenas três fatos certos: dois dos coadjutores expulsos voltaram à aldeia no dia 16 para convencê-lo a procurar um lugar mais seguro fora da aldeia, o que Alexandre recusou. Ele não podia deixar a casa que havia guardado por tantos anos, nem de manter o espírito salesiano mesmo em meio àquelas circunstâncias difíceis. Um deles, Eliseu García, não querendo deixá-lo sozinho, ficou com ele. Ambos foram presos na noite de 18 para 19. Alguns dias depois, vendo que Eliseu não havia retornado a Sarriá, outro coadjutor salesiano e um seminarista foram a Sant Vicenç para saber notícias deles. “Não sabem o que aconteceu?”, disse uma amiga que eles conheciam e que administrava um bar. “Ela nos contou em poucas palavras sobre o desaparecimento do Surdo e de Eliseu”.

            Como ele passou essa última semana? Conhecendo como se conhece a trajetória de vida do Surdo, sempre fiel aos seus princípios e à sua maneira de agir, não é difícil imaginá-lo: ajudando a uns e outros, sem esconder sua fé e caridade, com a consciência de que estava fazendo o bem, contemplando o mistério da paixão e morte de Cristo, real e presente na vida dos perseguidos, desaparecidos e assassinados… Talvez na esperança de que ele pudesse ser o guardião não apenas dos bens dos salesianos, mas o guardião de tantas pessoas que sofriam. Do crucifixo, como já lembramos, ele não quis se desfazer nem mesmo durante os meses de perseguição religiosa que culminaram em seu martírio. Com essa fé, com essa esperança, com esse imenso amor, ele ouviria do Senhor da glória: “Muito bem, servo bom e fiel. Foste fiel nas pequenas coisas; eu te confiarei muito mais. Entra na alegria do teu Senhor”. (Mt 25,21)

O Evangelho do Surdo

            Tendo chegado a esse ponto, qualquer espírito, por mais insensível que seja, só pode ficar em silêncio e tentar recolher, da melhor forma possível, o precioso legado espiritual que Alexandre deixou para a Família Salesiana, sua família adotiva. Podemos dizer algo sobre “seu evangelho”, ou seja, sobre a Boa Nova que ele proclamou e continua a nos propor com sua vida e morte?

            Alexandre é como o “surdo que mal consegue falar” de Mc 7,32. A súplica de seus pais a Jesus pela cura teria sido contínua. Como ele, Jesus o levou para um lugar solitário, longe de seu povo, e lhe disse: “Efata!” O milagre não estava na cura do ouvido físico, mas no ouvido espiritual. Parece-me que a aceitação de sua situação com um espírito de fé foi uma das experiências fundamentais de sua vida de crente que o levou a proclamar, como o surdo do Evangelho, aos quatro ventos: “Ele fez bem todas as coisas: faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37).

            E a partir daqui podemos contemplar na vida do Surdo “o tesouro escondido do Reino” (Mt 13,44); “o fermento que faz levedar toda a massa” (Mt 13,33); o próprio Jesus “que acolhe os doentes” e “abençoa as crianças”; Jesus que reza ao Pai por horas e horas e nos ensina o Pai Nosso (dar glória ao Pai, desejar o Reino, fazer a sua vontade, confiar no pão de cada dia, perdoar, livrar do mal. …) (Mt 7,9-13); “o administrador da casa que tira da sacola coisas novas e velhas, conforme melhor lhe parece” (Mt 13,52); “o bom samaritano que se compadece do homem espancado, aproxima-se dele, enfaixa suas feridas e se encarrega de sua cura” (Lc 10,33-35); “o bom pastor, guardião do redil, que entra pela porta, ama as ovelhas, a ponto de dar a vida por elas” (Jo 10,7-11)… Numa palavra, um ícone vivo das bem-aventuranças, de todas elas, na vida cotidiana (Mt 5,3-12).

            Mas, e ainda mais, podemos nos aproximar de Alexandre e contemplar com ele o Mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Um mistério que ocorre em sua vida desde o nascimento até a morte. Um mistério que o fortalece em sua fé, alimenta sua esperança e o enche de amor, com o qual pode dar glória a Deus, feito tudo para todos, com as crianças e os jovens da casa salesiana e com os habitantes de Sant Vicenç, especialmente os mais pobres, inclusive aqueles que lhe tiraram a vida: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Fazei de mim, Senhor, uma testemunha de fé e reconciliação. Que eles também possam, um dia, ouvir de teus lábios: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43).             Beato Alexandre Planas Saurì, leigo, mártir salesiano, testemunha da fé e da reconciliação, semente fecunda da civilização do Amor para o mundo de hoje, intercede por nós.

dom Joan Lluís Playà, sdb