O oratório festivo de Valdocco

Em 1935, após a canonização de Dom Bosco em 1934, os salesianos tiveram o cuidado de coletar testemunhos sobre ele. Um tal Pedro Pons, que quando menino tinha frequentado o oratório festivo de Valdocco por cerca de dez anos (de 1871 a 1882) e que também tinha frequentado dois anos de escola primária (com salas de aula sob a Basílica de Maria Auxiliadora), no dia 8 de novembro deu um belo testemunho daqueles anos. Extraímos dele algumas passagens, quase todas inéditas.

A figura de Dom Bosco
Ele era o centro de atração de todo o Oratório. É assim que o nosso ex-oratoriano Pedro Pons se lembra dele no final dos anos 1970: “Ele não tinha mais vigor, mas estava sempre calmo e sorridente. Tinha dois olhos que perfuravam e penetravam a mente. Comparecia entre nós: era uma alegria para todos”. O P. Rua, o P. Lazzero estavam ao seu lado como se tivessem o Senhor no meio deles. O P. Barberis e todos os rapazes corriam em sua direção, cercando-o, alguns andando ao seu lado, outros atrás dele com o rosto voltado para ele. Era uma sorte, um privilégio cobiçado poder estar perto dele, conversar com ele. Ele passeava devagar, conversando e olhando para todos, com aqueles dois olhos que se voltavam para todos os lados, eletrizando os corações com alegria”.
Entre os episódios que ficaram gravados em sua mente 60 anos depois, ele se lembra de dois em particular: “Um dia… ele apareceu sozinho na porta da frente do santuário. Então, um bando de meninos correu para encontrá-lo como uma rajada de vento. Mas ele segura na mão o guarda-chuva, que tem um cabo e uma haste tão grossa como a dos camponeses. Ele o levanta e, usando-o como uma espada, faz malabarismos para repelir aquele ataque afetuoso, ora para a direita, ora para a esquerda, para abrir a passagem. Toca um com a ponta, outro para o lado, mas, enquanto isso, os outros se aproximam pelo outro lado. Assim, o jogo, a brincadeira continua, alegrando os corações, ansiosos por ver o bom Pai voltar de sua viagem. Ele parecia um pároco de aldeia, mas daqueles bem simples”.

Os jogos e o teatrinho
É impensável um oratório salesiano sem jogos. O ex-aluno idoso recorda: “O pátio era ocupado por um prédio, a igreja de Maria Auxiliadora e no final de um muro baixo… no canto esquerdo havia uma espécie de cabana, onde sempre havia alguém para vigiar quem entrava… Logo na entrada à direita, havia um balanço com um único assento, depois as barras paralelas e a barra fixa para os meninos maiores, que gostavam de dar piruetas e cambalhotas, e também o trapézio e o passo do gigante, que ficavam, porém, perto das sacristias, além da capela de São José”. E ainda: “Esse pátio era bem comprido e se prestava muito bem as corridas de velocidade que partiam da lateral da igreja e retornavam para lá no caminho de volta. Também se brincava com “prende e solta”, corridas de sacos e quebra-pote. Esses últimos jogos eram anunciados desde o domingo anterior. O mesmo acontecia com o pau de sebo, mas o pau era fincado com a ponta fina na parte inferior para que fosse mais difícil subir. Havia loterias, e o bilhete custava um ou dois centavos. Dentro da casinha havia uma pequena biblioteca em um armário”.

O jogo era acompanhado pelo famoso “teatrinho”, no qual eram apresentados dramas autênticos, como “O filho do cruzado”, as canções de Dom Cagliero e os “musicais”, como o Sapateiro, personificado pelo lendário Carlos Gastini [um brilhante animador dos ex-alunos]. A peça, assistida gratuitamente pelos pais, era realizada no salão sob a nave da igreja de Maria A., mas o antigo oratoriano também lembra que “uma vez foi apresentada na casa Moretta [atual igreja paroquial perto da praça]. As pessoas pobres viviam lá na mais miserável pobreza. Nos porões que podem ser vistos sob a varanda, havia uma mãe pobre que, ao meio-dia, levava nos ombros seu filho Carlos, cujo corpo era rígido por causa de uma doença, a fim de poder tomar sol”.

As funções religiosas e as reuniões formativas
No oratório festivo não faltavam as funções religiosas nas manhãs de domingo: Santa Missa com a Sagrada Comunhão, orações do bom cristão; à tarde, seguia-se a recreação, o catecismo e a pregação do P. Júlio Barberis. Já idoso, “Dom Bosco nunca vinha para rezar a missa ou pregar, mas apenas para visitar e entreter-se com os meninos durante o recreio… Os catequistas e assistentes levavam seus alunos com eles para a igreja durante as funções e lhes ensinavam o catecismo. A pequena pregação era feita para todos. Exigia-se que a lição fosse memorizada em cada festa e também a explicação”. As festas solenes terminavam com uma procissão e um lanche para todos: “Ao sair da igreja depois da missa, havia um lanche. Um jovem à direita, do lado de fora da porta, dava o pão, outro à esquerda colocava duas fatias de salame com um garfo”. Aqueles meninos se contentavam com pouco, mas estavam muito felizes. Quando os meninos internos se juntavam aos oratorianos para cantar as vésperas, suas vozes podiam ser ouvidas na Rua Milão e na Rua Corte de Apelação!
As reuniões formativas do grupo também eram realizadas no oratório festivo. Na casinha perto da igreja de São Francisco, havia “uma sala pequena e baixa com capacidade para cerca de vinte pessoas… Na sala havia uma pequena mesa para o palestrante, havia bancos para as reuniões e conferências para os mais crescidos em geral e para a Companhia de São Luís, quase todos os domingos”.

Quem eram os oratorianos?
De seus cerca de 200 companheiros – mas seu número diminuía no inverno devido ao retorno dos trabalhadores sazonais para suas famílias – nosso alegre senhor lembrava que muitos eram de Biella “quase todos ‘bic’, ou seja, carregavam o balde de madeira cheio de cal e o cesto de vime cheio de tijolos para os pedreiros das construções”. Outros eram “aprendizes de pedreiros, mecânicos, funileiros”. Pobres aprendizes: trabalhavam da manhã à noite, todos os dias, e somente aos domingos podiam se dar ao luxo de um pouco de recreação “na casa de Dom Bosco” (como era chamado seu oratório): “Brincávamos de “Elefante voa”, sob a direção do então Sr. Milanesio [um futuro padre que foi um grande missionário na Patagônia]. O senhor Ponzano, mais tarde padre, era professor de ginástica. Ele nos obrigava a fazer exercícios corporais sem instrumentos, com bastões, em aparelhos”.
As lembranças de Pedro Pons são muito mais amplas, tão ricas em sugestões distantes quanto permeadas por uma sombra de nostalgia; elas esperam para serem conhecidas em sua totalidade. Esperamos que isso aconteça em breve.




Visita à Basílica do Sagrado Coração de Jesus em Roma (também em 3D)

A Basílica do Sagrado Coração de Jesus em Roma é uma igreja de grande importância para a cidade, localizada no bairro Castro Pretório, na via Marsala, do outro lado da rua da Estação Términi. Ela é sede paroquial e também título cardinalício, tendo ao lado a Sede Central da Congregação Salesiana. Celebra sua festa patronal justamente na solenidade do Sagrado Coração. Sua posição próxima à Estação Términi a torna um ponto visível e reconhecível para quem chega à cidade, com a estátua dourada no campanário que se destaca no horizonte como símbolo de bênção para moradores e viajantes.

Origens e história
A ideia de construir uma igreja dedicada ao Sagrado Coração de Jesus remonta ao papa Pio IX, que em 1870 colocou a primeira pedra de um edifício, inicialmente desejado em honra a São José; no entanto, já em 1871 o pontífice decidiu dedicar a nova igreja ao Sagrado Coração de Jesus. Foi a segunda grande igreja dedicada ao Sagrado Coração de Jesus após a de Lisboa, Portugal, iniciada em 1779 e consagrada em 1789, e antes da famosa Sacré-Cœur de [Sagrado Coração] de Montmartre, Paris, França, iniciada em 1875 e consagrada em 1919.
A obra começou em condições difíceis: com a anexação de Roma ao Reino da Itália (1870), os trabalhos foram interrompidos por falta de fundos. Foi somente graças à intervenção de São João Bosco, a convite do pontífice, que a construção pôde ser retomada definitivamente em 1880, graças ao seu esforço sacrificado de arrecadar doações na Europa e reunir recursos para a conclusão do edifício. O arquiteto encarregado foi Francesco Vespignani, “Arquiteto dos Sacros Palácios” sob Leão XIII, que completou o projeto. A consagração ocorreu em 14 de maio de 1887, marcando o fim da primeira fase construtiva.

Desde sua construção, a igreja assumiu uma função paroquial: a paróquia do Sagrado Coração de Jesus em Castro Pretório foi instituída em 2 de fevereiro de 1879 com decreto vicarial “Postremis hisce temporibus” [Nestes últimos tempos]. Posteriormente, o papa Bento XV elevou-a à dignidade de basílica menor em 11 de fevereiro de 1921, com a carta apostólica “Pia societas” [Pia sociedade]. Em época mais recente, em 5 de fevereiro de 1965, o papa Paulo VI instituiu o título cardinalício do Sagrado Coração de Jesus em Castro Pretório. Entre os cardeais titulares destacam-se Maximilien de Fürstenberg (1967–1988), Giovanni Saldarini (1991–2011) e Giuseppe Versaldi (desde 2012 até hoje). O título cardinalício reforça o vínculo da basílica com a Cúria papal, contribuindo para manter viva a atenção sobre a importância do culto ao Sagrado Coração e sobre a espiritualidade salesiana.

Arquitetura
A fachada apresenta-se em estilo neorrenascentista, com linhas sóbrias e proporções equilibradas, típicas da retomada renascentista na arquitetura eclesiástica do final do século XIX. O campanário, concebido no projeto original de Vespignani, permaneceu incompleto até 1931, quando foi colocada no topo a imponente estátua dourada do Sagrado Coração abençoando, doada pelos ex-alunos salesianos na Argentina: visível de longa distância, constitui um sinal identificador da basílica e um símbolo de acolhimento para quem chega a Roma pela estação ferroviária próxima.

O interior é organizado segundo uma planta em cruz latina com três naves, separadas por oito colunas e dois pilares de granito cinza que sustentam arcos de meio ponto, incluindo transepto e cúpula central. A nave central e as naves laterais são cobertas por teto em caixotões, com lacunas decoradas no registro central. As proporções internas são harmoniosas: a largura da nave central de cerca de 14 metros e o comprimento de 70 metros criam um efeito de amplitude solene, enquanto as colunas de granito, com veios marcados, conferem um caráter de sólida majestade.
A cúpula central, visível do interior com seus afrescos e lacunas, capta a luz natural através de janelas na base e confere verticalidade ao espaço litúrgico. Nas capelas laterais conservam-se pinturas do pintor romano Andrea Cherubini, que realizou cenas devocionais em sintonia com a dedicação ao Sagrado Coração.
Além das pinturas de Andrea Cherubini, a basílica conserva várias obras de arte sacra: estátuas de madeira ou mármore que representam a Virgem, os santos padroeiros da Congregação Salesiana e figuras carismáticas como São João Bosco.

Os ambientes de São João Bosco em Roma
Um elemento de grande valor histórico e devocional é constituído pelos “Aposentos de Dom Bosco” nos fundos da basílica, ambiente onde São João Bosco ficou hospedado em nove das vinte vezes que esteve em Roma. Originalmente dois cômodos separados – escritório e quarto com altar portátil –, foram depois unidos para acolher peregrinos e grupos em oração, constituindo um local de memória viva da presença do fundador dos Salesianos. Aqui são conservados objetos pessoais e relíquias que remetem a milagres atribuídos ao santo naquele período. Este espaço foi recentemente renovado e continua a atrair peregrinos, estimulando reflexões sobre a espiritualidade e a dedicação de Bosco aos jovens.
A basílica e os edifícios anexos são propriedade da Congregação Salesiana, que fez deles um dos centros nevrálgicos para sua presença romana: desde a estadia de Dom Bosco, o edifício ao lado da igreja abrigava a casa dos Salesianos e posteriormente tornou-se sede de escolas, oratórios e serviços para jovens. Hoje a estrutura acolhe, além das atividades litúrgicas, um trabalho significativo voltado a migrantes e jovens em dificuldade. Desde 2017, o complexo é também a Sede Central do governo da Congregação Salesiana.

Devoção ao Sagrado Coração e celebrações litúrgicas
A dedicação ao Sagrado Coração de Jesus se traduz em práticas devocionais específicas: a festa litúrgica do Sagrado Coração, celebrada na sexta-feira seguinte à oitava de Corpus Christi, é vivida com solenidade na basílica, com novenas, celebrações eucarísticas, adoração eucarística e procissão. A piedade popular em torno do Sagrado Coração – difundida principalmente desde o século XIX com a aprovação da devoção por Pio IX e Leão XIII – encontra neste lugar um ponto de referência em Roma, atraindo fiéis para orações de reparação, consagração e agradecimento.

Para o Jubileu de 2025, à Basílica do Sagrado Coração de Jesus foi concedido o privilégio da indulgência plenária, como a todas as outras igrejas do Iter Europaeum.
Lembramos que, para celebrar o 50º aniversário das relações diplomáticas entre a União Europeia e a Santa Sé (1970-2020), foi realizado um projeto da Delegação da União Europeia junto à Santa Sé e as 28 Embaixadas dos Estados-membros acreditadas junto à Santa Sé. Este projeto consistia em um percurso litúrgico e cultural no qual cada país indicava uma igreja ou basílica de Roma à qual está particularmente ligado por motivos históricos, artísticos ou de tradição de acolhimento dos peregrinos provenientes daquele país. O objetivo principal era duplo: por um lado, favorecer o conhecimento mútuo entre os cidadãos europeus e estimular uma reflexão sobre as raízes cristãs comuns; por outro, oferecer a peregrinos e visitantes uma ferramenta para descobrir espaços religiosos menos conhecidos ou com significados particulares, evidenciando as conexões da Igreja com toda a Europa. Ampliando a perspectiva, a iniciativa foi então reapresentada no âmbito dos caminhos jubilares ligados ao Jubileu de Roma 2025, com o nome latino “Iter Europaeum”, inserindo o percurso entre os caminhos oficiais da Cidade Santa.
Iter Europaeum prevê paradas nas 28 igrejas e basílicas de Roma, cada uma “adotada” por um Estado-membro da União Europeia. A Basílica do Sagrado Coração de Jesus foi “adotada” por Luxemburgo. As igrejas do Iter Europaeum podem ser vistas AQUI.

Visita à Basílica
A Basílica pode ser visitada fisicamente, mas também virtualmente.

Para uma visita virtual em 3D clique AQUI.

Para uma visita virtual guiada, você pode seguir os seguintes links:

1. Introdução
2. A história
3. Fachada
4. Campanário
5. Nave central
6. Parede interna da fachada
7. Piso
8. Colunas
9. Paredes da nave central
10. Teto 1
11. Teto 2
12. Transepto
13. Vitrais do transepto
14. Altar-mor
15. Presbitério
16. Cúpula
17. Coro Dom Bosco
18. Naves laterais
19. Confessionários
20. Altares da nave lateral direita
21. Afrescos das naves laterais
22. Cúpulas pequenas da nave esquerda
23. Batistério
24. Altares da nave lateral esquerda
25. Afrescos das cúpulas pequenas da nave esquerda
26. Sacristia
27. “Aposentos” de Dom Bosco (versão anterior)
28. Museu de Dom Bosco (versão anterior)

A Basílica do Sagrado Coração de Jesus no Castro Pretório é um exemplo de arquitetura neorrenascentista ligada a eventos históricos marcados por crises e renascimentos. A combinação de elementos artísticos, arquitetônicos e históricos – desde as colunas de granito às decorações pictóricas, da célebre estátua no campanário aos Aposentos de Dom Bosco – torna este lugar um destino de peregrinação espiritual e cultural. Sua localização próxima à Estação Términi faz dela um sinal de acolhimento para quem chega a Roma, enquanto as atividades pastorais voltadas aos jovens continuam a encarnar o espírito de São João Bosco: um coração aberto ao serviço, à formação e à espiritualidade encarnada. Vale a visita.




O título de Basílica ao Templo do Sagrado Coração em Roma

No centenário da morte do Padre Paulo Álbera, foi destacado como o segundo sucessor de Dom Bosco realizou o que poderia ser descrito como um sonho de Dom Bosco. De fato, trinta e quatro anos após a consagração do templo do Sagrado Coração em Roma, que ocorreu na presença do já exausto Dom Bosco (maio de 1887), o Papa Bento XV – o papa da famosa e inédita definição da Primeira Guerra Mundial como “massacre inútil” – conferiu à igreja o título de Basílica Menor (11 de fevereiro de 1921). Para sua construção, Dom Bosco havia “dado sua alma” (e seu corpo também!) nos últimos sete anos de sua vida. Ele havia feito o mesmo nos vinte anos anteriores (1865-1868) com a construção da igreja de Maria Auxiliadora em Turim-Valdocco, a primeira igreja salesiana elevada à dignidade de basílica menor em 28 de junho de 1911, na presença do novo Reitor-Mor, P. Paulo Álbera.

A descoberta da súplica
Mas como foi alcançado esse resultado? Quem estava por trás disso? Agora sabemos com certeza graças à recente descoberta do rascunho datilografado da solicitação desse título pelo Reitor-Mor, P. Paulo Álbera. Está incluído em um livreto comemorativo do 25º aniversário do Sagrado Coração editado em 1905 pelo então diretor, P. Francesco Tomasetti (1868-1953). O texto datilografado, datado de 17 de janeiro de 1921, tem correções mínimas feitas pelo Reitor-Mor, mas, o que é importante, traz sua assinatura autógrafa.
Depois de descrever a obra de Dom Bosco e a incessante atividade da paróquia, provavelmente tirada do antigo arquivo, o padre Álbera se dirige ao Papa nos seguintes termos:

Enquanto a devoção ao Sagrado Coração de Jesus está crescendo e se espalhando por todo o mundo, e novos Templos estão sendo dedicados ao Divino Coração, também através da nobre iniciativa dos salesianos, como em São Paulo, no Brasil, em La Plata, na Argentina, em Londres, em Barcelona e em outros lugares, parece que o primeiro Templo-Santuário dedicado ao Sagrado Coração de Jesus em Roma, na qual uma devoção tão importante tem uma afirmação tão digna da Cidade Eterna, merece distinção especial. O abaixo-assinado, portanto, tendo ouvido o parecer do Conselho Superior da Pia Sociedade Salesiana, humildemente suplica que Vossa Santidade se digne conceder ao Templo-Santuário do Sagrado Coração de Jesus, no Castro Pretório, em Roma, o Título e os Privilégios de Basílica Menor, esperando dessa honrosa elevação o aumento da devoção, da piedade e de toda atividade catolicamente benéfica”.

A súplica, em cópia definitiva, assinada pelo padre Álbera, foi provavelmente enviada pelo procurador, padre Francisco Tomasetti, à Sagrada Congregação dos Breves, que a acolheu favoravelmente. Ele rapidamente redigiu a minuta do Breve Apostólico a ser mantido nos Arquivos do Vaticano, transcreveu-o por calígrafos especializados em um rico pergaminho e o passou para a Secretaria de Estado para a assinatura do titular do momento, o Cardeal Pedro Gasparri.
Hoje, os fiéis podem admirar esse original da concessão do título solicitado, muito bem emoldurado na sacristia da Basílica (veja a foto).
Só podemos agradecer à Dra. Patrícia Buccino, uma estudiosa de arqueologia e história, e ao historiador salesiano P. Jorge Rossi, que divulgou a notícia. Cabe a eles completar a investigação iniciada com a busca da correspondência completa nos Arquivos do Vaticano, que também será divulgada ao mundo científico por meio da conhecida revista de história salesiana “Ricerche Storiche Salesiane”.

Sagrado Coração: uma basílica nacional com alcance internacional
Vinte e seis anos antes, em 16 de julho de 1885, a pedido de Dom Bosco e com o consentimento explícito do Papa Leão XIII, Dom Caetano Alimonda, arcebispo de Turim, havia exortado calorosamente os italianos a participarem do sucesso da “nobre e santa proposta [do novo templo], chamando-a de voto nacional dos italianos”.
Pois bem, o Padre Álbera, em seu pedido ao pontífice, depois de recordar o insistente apelo do cardeal Alimonda, lembrou que todas as nações do mundo haviam sido convidadas a contribuir economicamente para a construção, a decoração do templo e as obras anexas (incluindo o inevitável oratório salesiano com uma casa de acolhida!), de modo que o Templo-Santuário, além de um voto nacional, se tornasse uma “manifestação mundial ou internacional de devoção ao Sagrado Coração”.
A esse respeito, num artigo histórico-ascético publicado por ocasião do 1º Centenário da Consagração da Basílica (1987), o estudioso Armando Pedrini o definiu como: “Um templo que é, portanto, internacional por causa da catolicidade e da universalidade de sua mensagem a todos os povos”, considerando também a “posição proeminente” da Basílica, adjacente à reconhecida internacionalidade da estação ferroviária.
Roma-Termini, portanto, não é apenas uma grande estação ferroviária com problemas de ordem pública e um território difícil de administrar, que é frequentemente mencionada nos jornais, como as estações ferroviárias de muitas capitais europeias. Mas é também a sede da Basílica do Sagrado Coração de Jesus. E se à tarde e à noite a área não transmite segurança aos turistas, durante o dia a Basílica distribui paz e serenidade aos fiéis que entram nela, param em oração e recebem os sacramentos.
Será que os peregrinos que passarão pela estação de trem Termini no próximo ano santo (2025) se lembrarão disso? Tudo o que precisam fazer é atravessar uma rua… e o Sagrado Coração de Jesus os espera.

PS. Em Roma há uma segunda basílica paroquial salesiana, maior e artisticamente mais rica do que a do Sagrado Coração: é a de São João Bosco em Tuscolano, que se tornou tal em 1965, poucos anos depois de sua inauguração (1959). Onde está localizada? “Obviamente” no bairro Don Bosco (a poucos passos dos famosos estúdios Cinecittà). Se a estátua sobre o campanhário da basílica do Sagrado Coração domina a praça da estação Termini, a cúpula da basílica de Dom Bosco, ligeiramente inferior à de São Pedro, no entanto, olha para ela de frente, embora a partir de dois pontos extremos da capital. E como não há o dois sem o três, há uma terceira esplêndida basílica paroquial salesiana em Roma: a de Santa Maria Auxiliadora, no distrito de Appio-Tuscolano, ao lado do grande Instituto Pio XI.

Carta apostólica intitulada Pia Societas, datada de 11 de fevereiro de 2021, com a qual Sua Santidade Bento XV elevou a igreja do Sagrado Coração de Jesus à categoria de Basílica.

Ecclesia parochialis SS.mi Cordis Iesu ad Castrum Praetorium in urbe titulo et privilegiis Basilicae Minoris decoratur.
Benedictus pp. XV

            Ad perpetuam rei memoriam.
            Pia Societas sancti Francisci Salesii, a venerabili Servo Dei Ioanne Bosco iam Augustae Taurinorum condita atque hodie per dissitas quoque orbis regiones diffusa, omnibus plane cognitum est quanta sibi merita comparaverit non modo incumbendo actuose sollerterque in puerorum, orbitate laborantium, religiosam honestamque institutionem, verum etiam in rei catholicae profectum tum apud christianum populum, tum apud infideles in longinquis et asperrimis Missionibus. Eiusdem Societatis sodalibus est quoque in hac Alma Urbe Nostra ecclesia paroecialis Sacratissimo Cordi Iesu dicata, in qua, etsi non abhinc multos annos condita, eximii praesertim Praedecessoris Nostri Leonis PP. XIII iussu atque auspiciis, christifideles urbani, eorumdem Sodalium opera, adeo ad Dei cultum et virtutum laudem exercentur, ut ea vel cum antiquioribus paroeciis in honoris ac meritorum contentionem veniat. Ipsemet Salesianorum Sodalium fundator, venerabilis Ioannes Bosco, in nova Urbis regione, aere saluberrimo populoque confertissima, quae ad Gastrum Praetorium exstat, exaedificationem inchoavit istius templi, et, quasi illud erigeret ex gentis italicae voto et pietatis testimonio erga Sacratissimum Cor Iesu, stipem praecipue ex Italiae christifidelibus studiose conlegit; verumtamen pii homines ex ceteris nationibus non defuerunt, qui, in exstruendum perficiendumque templum istud, erga Ssmum Cor Iesu amore incensi, largam pecuniae vim contulerint. Anno autem MDCCCLXXXVII sacra ipsa aedes, secundum speciosam formam a Virginio Vespignani architecto delineatam, tandem perfecta ac sollemniter consecrata dedicataque est. Eamdem vero postea, magna cum sollertia, Sodales Salesianos non modo variis altaribus, imaginibus affabre depictis et statuis, omnique sacro cultui necessaria supellectili exornasse, verum etiam continentibus aedificiis iuventuti, ut tempora nostra postulant, rite instituendae ditasse, iure ac merito Praedecessores Nostri sunt” laetati, et Nos haud minore animi voluptate probamus. Quapropter cum dilectus filius Paulus Albera, hodiernus Piae Societatis sancti Francisci Salesii rector maior, nomine proprio ac religiosorum virorum quibus praeest, quo memorati templi Ssmi Cordi Iesu dicati maxime augeatur decus, eiusdem urbanae paroeciae fidelium fides et pietas foveatur, Nos supplex rogaverit, ut eidem templo dignitatem, titulum et privilegia Basilicae Minoris pro Nostra benignitate impertiri dignemur; Nos, ut magis magisque stimulos fidelibus ipsius paroeciae atque Urbis totius Nostrae ad Sacratissimum Cor Iesu impensius colendum atque adamandum addamus, nec non benevolentiam, qua Sodales Salesianos ob merita sua prosequimur, publice significemus, votis hisce piis annuendum ultro libenterque censemus. Quam ob rem, conlatis consiliis cum VV. FF. NN. S. R. E. Cardinalibus Congregationi Ss. Rituum praepositis, Motu proprio ac de certa scientia et matura deliberatione Nostris, deque apostolicae potestatis plenitudine, praesentium Litterarum tenore perpetuumque in modum, enunciatum templum Sacratissimo Cordi Iesu dicatum, in hac alma Urbe Nostra atque ad Castrum Praetorium situm, dignitate ac titulo Basilicae Minoris honestamus, cum omnibus et singulis honoribus, praerogativis, privilegiis, indultis quae aliis Minoribus Almae huius Urbis Basilicis de iure competunt. Decernentes praesentes Litteras firmas, validas atque efficaces semper exstare ac permanere, suosque integros effectus sortiri iugiter et obtinere, illisque ad quos pertinent nunc et in posterum plenissime suffragari; sicque rite iudicandum esse ac definiendum, irritumque ex nunc et inane fieri, si quidquam secus super his, a quovis, auctoritate qualibet, scienter sive ignoranter attentari contigerit. Non obstantibus contrariis quibuslibet.

            Datum Romae apud sanctum Petrum sub annulo Piscatoris, die XI februarii MCMXXI, Pontificatus Nostri anno septimo.
P. CARD. GASPARRI, a Secretis Status.

***

A igreja paroquial do Santíssimo Coração de Jesus no Castelo Praetoriano, na cidade, é agraciada com o título e os privilégios de Basílica Menor.
Bento XV

            Para memória perpétua.
            A Pia Sociedade de São Francisco de Sales, fundada pelo venerável Servo de Deus João Bosco em Turim e hoje espalhada por diversas regiões do mundo, é amplamente conhecida por seus grandes méritos, não apenas pelo empenho ativo e diligente na formação religiosa e honesta de crianças órfãs, mas também pelo progresso da causa católica, tanto entre o povo cristão quanto entre os infiéis em missões longínquas e difíceis. Os membros dessa Sociedade também têm nesta nossa Alma Cidade a igreja paroquial dedicada ao Sacratíssimo Coração de Jesus, que, embora fundada há poucos anos, especialmente por ordem e sob os auspícios do nosso ilustre predecessor Leão XIII, é tão bem cuidada pelos fiéis urbanos e pelos mesmos membros, que sua prática do culto a Deus e louvor das virtudes rivaliza até com as paróquias mais antigas em honra e méritos. O próprio fundador dos membros salesianos, o venerável João Bosco, iniciou a construção deste templo na nova região da cidade, de ar muito saudável e povoada, que fica no Castelo Praetoriano, e, como se erguesse este edifício como um voto e testemunho de piedade do povo italiano ao Sacratíssimo Coração de Jesus, reuniu especialmente contribuições dos fiéis italianos; contudo, não faltaram homens piedosos de outras nações que, inflamados pelo amor ao Sacratíssimo Coração de Jesus, contribuíram generosamente para a construção e conclusão deste templo. No ano de 1887, o próprio edifício sagrado, segundo o belo projeto do arquiteto Virginio Vespignani, foi finalmente concluído, solenemente consagrado e dedicado. Posteriormente, com grande zelo, os membros salesianos não só ornamentaram a igreja com vários altares, imagens habilmente pintadas e estátuas, e todo o mobiliário necessário para o culto sagrado, mas também enriqueceram os edifícios anexos para a juventude, conforme as necessidades dos nossos tempos, para uma adequada formação, o que nossos predecessores aprovaram com justa alegria, e nós também aprovamos com não menor satisfação. Por isso, quando o amado filho Paulo Albera, atual reitor maior da Pia Sociedade de São Francisco de Sales, em seu próprio nome e em nome dos religiosos sob sua direção, suplicou para que, para maior honra do templo dedicado ao Santíssimo Coração de Jesus, fosse concedida a essa igreja paroquial urbana a dignidade, o título e os privilégios de Basílica Menor, nós, para estimular ainda mais a fé dos paroquianos e de toda a nossa cidade a cultuar e amar intensamente o Sacratíssimo Coração de Jesus, e para manifestar publicamente a benevolência com que acompanhamos os membros salesianos por seus méritos, consentimos de bom grado a esses piedosos desejos. Por isso, após consultas com os Eminentíssimos Senhores Cardeais Prefeitos da Congregação dos Ritos Sagrados, por nosso próprio movimento, com pleno conhecimento e madura deliberação, e pela plenitude do poder apostólico, declaramos por meio destas presentes cartas que o templo dedicado ao Sacratíssimo Coração de Jesus, situado nesta nossa alma cidade e no Castelo Praetoriano, é honrado com a dignidade e o título de Basílica Menor, com todas as honras, prerrogativas, privilégios e indulgências que por direito competem às outras Basílicas Menores desta alma cidade. Determinamos que estas cartas sejam sempre firmes, válidas e eficazes, produzindo seus plenos efeitos continuamente, e que sejam plenamente apoiadas por todos a quem dizem respeito, agora e no futuro; e que seja julgado e decidido assim, e que qualquer tentativa contrária, por qualquer autoridade, consciente ou ignorante, seja desde já nula e sem efeito. Não obstante quaisquer disposições contrárias.

            Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o Anel do Pescador, no dia 11 de fevereiro de 1921, no sétimo ano do nosso pontificado.
P. CARD. GASPARRI, Secretário de Estado.




O P. Pedro Ricaldone renasce em Mirabello Monferrato

O P. Pedro Ricaldone (Mirabello Monferrato, 27 de abril de 1870 – Roma, 25 de novembro de 1951) foi o quarto sucessor de Dom Bosco à frente dos Salesianos, homem de vasta cultura, profunda espiritualidade e grande amor pelos jovens. Nascido e criado entre as colinas de Monferrato, sempre carregou consigo o espírito daquela terra, traduzindo-o em um compromisso pastoral e formativo que o tornaria uma figura de destaque internacional. Hoje, os habitantes de Mirabello Monferrato querem trazê-lo de volta às suas terras.

O Comitê P. Pedro Ricaldone: renascimento de uma herança (2019)
Em 2019, um grupo de ex-alunos e ex-alunas, historiadores e apaixonados por tradições locais deu vida ao Comitê P. Pedro Ricaldone em Mirabello Monferrato. O objetivo – simples e ambicioso ao mesmo tempo – foi desde o início trazer a figura do P. Pedro de volta ao coração da cidade e dos jovens, para que sua história e sua herança espiritual não se percam.

Para preparar o 150º aniversário de nascimento (1870-2020), o Comitê pesquisou o Arquivo Histórico Municipal de Mirabello e o Arquivo Histórico Salesiano, encontrando cartas, anotações e volumes antigos. Desse trabalho nasceu uma biografia ilustrada, pensada para leitores de todas as idades, na qual a personalidade de Ricaldone emerge de forma clara e cativante. Fundamental, nesta fase, foi a colaboração com o P. Egídio Deiana, estudioso da história salesiana.

Em 2020, estava prevista uma série de eventos – exposições fotográficas, concertos, espetáculos teatrais e circenses – todos centrados na memória do P. Pedro. Embora a pandemia tenha obrigado a reprogramar grande parte das celebrações, em julho do mesmo ano, realizou-se um evento comemorativo com uma exposição fotográfica sobre as etapas da vida de Ricaldone, uma animação infantil com oficinas criativas e uma celebração solene, com a presença de alguns Superiores Salesianos.
Aquele encontro marcou o início de uma nova fase de atenção ao território de Mirabello.

Além dos 150 anos: o concerto pelo 70º aniversário de morte
O entusiasmo pela recuperação da figura do P. Pedro Ricaldone levou o Comitê a prolongar suas atividades mesmo após o 150º aniversário.
Em vista do 70º aniversário de morte (25 de novembro de 1951), o Comitê organizou um concerto intitulado “Apressar a aurora radiosa do dia esperado”, frase extraída da circular do P. Pedro sobre o Canto Gregoriano de 1942.
Em plena Segunda Guerra Mundial, o P. Pedro – então Reitor-Mor – escreveu uma célebre circular sobre o Canto Gregoriano na qual destacava a importância da música como caminho privilegiado para reconduzir os corações dos homens à caridade, à mansidão e, sobretudo, a Deus: “A alguns poderá causar espanto que, em meio a tanto fragor de armas, eu vos convide a ocupar-vos de música. No entanto, penso, mesmo prescindindo de alusões mitológicas, que este tema responde plenamente às exigências da hora atual. Tudo o que possa exercer eficácia educativa e reconduzir os homens a sentimentos de caridade e mansidão e, sobretudo, a Deus, deve ser por nós praticado, diligentemente e sem demora, para apressar a aurora radiosa do dia esperado”.

Passeios e raízes salesianas: o “Passeio de Dom Bosco”
Embora tenha nascido como uma homenagem ao P. Ricaldone, o Comitê acabou por divulgar novamente também a figura de Dom Bosco e de toda a tradição salesiana, da qual o P. Pedro foi herdeiro e protagonista.
A partir de 2021, a cada segundo domingo de outubro, o Comitê promove o “Passeio de Dom Bosco”, repropondo a peregrinação que Dom Bosco realizou com os jovens de Mirabello a Lu Monferrato de 12 a 17 de outubro de 1861. Naqueles cinco dias, foram planejados os detalhes do primeiro colégio salesiano fora de Turim, confiado ao Beato Miguel Rua, com o P. Álbera entre os professores. Embora a iniciativa não diga respeito diretamente ao P. Pedro, ela destaca suas raízes e o vínculo com a tradição salesiana local que ele mesmo levou adiante.

Hospitalidade e intercâmbios culturais
O Comitê tem incentivado o acolhimento de grupos de jovens, escolas profissionais e clérigos salesianos de todo o mundo. Algumas famílias oferecem hospitalidade gratuita, renovando a fraternidade típica de Dom Bosco e do P. Pedro. Em 2023, um numeroso grupo da Crocetta passou por Mirabello, enquanto durante todo o verão chegam grupos internacionais acompanhados pelo P. Egídio Deiana. Cada visita é um diálogo entre memória histórica e a alegria dos jovens.

Em 30 de março de 2025, quase cem capitulares salesianos fizeram uma parada em Mirabello, nos locais onde Dom Bosco abriu seu primeiro colégio fora de Turim e onde o P. Pedro viveu seus anos de formação. O Comitê, junto com a Paróquia e a Pro Loco [escritório de promoção cultural e turística], organizou a acolhida e produziu um vídeo informativo sobre a história salesiana local, apreciado por todos os participantes.

As iniciativas continuam e hoje o Comitê, liderado por seu presidente, colabora na criação do Caminho Monferrino de Dom Bosco, um itinerário espiritual de aproximadamente 200 km pelas rotas outonais percorridas pelo Santo. O objetivo é obter o reconhecimento oficial em nível regional, mas também oferecer aos peregrinos uma experiência formativa e de evangelização. Os passeios juvenis de Dom Bosco, de fato, eram experiências de formação e evangelização: o mesmo espírito que o P. Pedro Ricaldone defenderia e promoveria depois durante todo o seu reitorado.

A missão do Comitê: manter viva a memória do P. Pedro
Por trás de cada iniciativa está a vontade de destacar a obra educativa, pastoral e cultural do P. Pedro Ricaldone. Os fundadores do Comitê guardam memórias pessoais da infância e desejam transmitir às novas gerações os valores de fé, cultura e solidariedade que animaram o sacerdote de Mirabello. Numa época em que tantos pontos de referência vacilam, redescobrir o caminho do P. Pedro significa oferecer um modelo de vida capaz de iluminar o presente: “Onde passam os Santos, Deus caminha com eles e nada mais é como antes” (São João Paulo II).
O Comitê P. Pedro Ricaldone se faz porta-voz dessa herança, confiando que a memória de um grande filho de Mirabello continue a iluminar o caminho para as gerações futuras, traçando uma senda sólida feita de fé, cultura e solidariedade.




São Domingos Sávio. Os lugares da infância

São Domingos Sávio, o “pequeno grande santo”, viveu sua breve mas intensa infância entre as colinas do Piemonte, em lugares hoje repletos de memória e espiritualidade. Por ocasião de sua beatificação em 1950, a figura deste jovem discípulo de Dom Bosco foi celebrada como símbolo de pureza, fé e dedicação evangélica. Percorremos os principais lugares de sua infância — Riva presso Chieri, Morialdo e Mondonio — através de testemunhos históricos e relatos vívidos, revelando o ambiente familiar, escolar e espiritual que forjou seu caminho rumo à santidade.

            O Ano Santo de 1950 foi também o da beatificação de Domingos Sávio, que ocorreu em 5 de março. O discípulo de Dom Bosco, de 15 anos de idade, foi o primeiro santo leigo “confessor” a subir aos altares em uma idade tão jovem.
            Naquele dia, a Basílica de São Pedro estava repleta de jovens que deram testemunho, com sua presença em Roma, de uma juventude cristã totalmente aberta aos ideais mais sublimes do Evangelho. Segundo a Rádio Vaticana, a Basílica se transformou em um imenso e barulhento oratório salesiano. Quando o véu que cobria a figura do novo Beato caiu dos raios de Bernini, um aplauso frenético se elevou de toda a basílica e o eco chegou até a praça, onde a tapeçaria que representava o Beato foi descoberta na “Loggia” [balcão] das Bênçãos.
            Naquele dia, o sistema educativo de Dom Bosco recebeu seu maior reconhecimento. Quisemos revisitar os lugares da infância de Domingos, depois de reler as informações detalhadas do P. Miguel Molineris naquela Nova Vida de Domingos Sávio, na qual ele descreve com a sua conhecida seriedade de documentação o que as biografias de São Domingos Sávio não dizem.

Em Riva perto de Chieri
            Em primeiro lugar, estamos em São João de Riva perto de Chieri, o vilarejo onde nosso “pequeno grande santo” nasceu em 2 de abril de 1842, filho de Carlos Sávio e Brígida Gaiato, o segundo de dez filhos, herdando do primeiro, que sobreviveu apenas 15 dias após seu nascimento, seu nome e seu direito de primogenitura.
            Seu pai, como sabemos, veio de Ranello, um vilarejo de Castelnuovo d’Asti, e quando jovem foi morar com seu tio Carlos, um ferreiro em Mondonio, em uma casa na atual Rua Junípero, no número 1, ainda chamada de “ca dèlfré” ou casa do ferreiro. Lá, com o “Barba Carlòto” [Tio Carlòto”], ele aprendeu o ofício. Algum tempo depois de seu casamento, contraído em 2 de março de 1840, ele se tornou independente, mudando-se para a casa dos Gastaldi em São João de Riva. Ele alugou uma acomodação com cômodos no andar térreo adequados para uma cozinha, depósito e oficina, e quartos no primeiro andar, acessíveis por uma escada externa que agora desapareceu.
            Os herdeiros de Gastaldi venderam a casinha e o rancho adjacente para os salesianos em 1978. E hoje um moderno centro de acolhida juvenil, administrado por ex-alunos e cooperadores salesianos, dá memória e nova vida à pequena casa onde Domingos nasceu.

Em Morialdo
            Em novembro de 1843, ou seja, quando Domingos ainda não tinha completado dois anos de idade, a família Sávio, por motivos de trabalho, mudou-se para Morialdo, o vilarejo de Castelnuovo ligado ao nome de São João Bosco, que nasceu na propriedade Biglione, um vilarejo no distrito de Becchi.
            Em Morialdo, os Sávio alugaram alguns quartos pequenos perto da varanda de entrada da propriedade de Joana Viale, que havia se casado com Estêvão Persoglio. Mais tarde, todo o campo foi vendido por seu filho, Alberto Persoglio, para José Pianta e família.
            Atualmente, esse terreno também é, em sua maior parte, propriedade dos salesianos que, depois de restaurá-la, a utilizam para encontros de crianças e adolescentes e para visitas de peregrinos. A menos de 2 km do Colle Don Bosco, ela está situada em um ambiente campestre, em meio a parreirais, campos férteis e prados ondulantes, com um ar de alegria na primavera e nostalgia no outono, quando as folhas amareladas são douradas pelos raios do sol, com um panorama encantador em dias bonitos, quando a cadeia dos Alpes se estende no horizonte desde o pico do Monte Rosa, perto de Albugnano, até o Gran Paradiso, Rocciamelone e Monviso, é realmente um lugar para se visitar e usar em dias de intensa vida espiritual, uma escola de santidade no estilo de Dom Bosco.
            A família Sávio permaneceu em Morialdo até fevereiro de 1853, ou seja, por nove anos e três meses. Domingos, que viveu apenas 14 anos e 11 meses, passou quase dois terços de sua curta existência lá. Portanto, ele pode ser considerado não apenas o aluno e filho espiritual de Dom Bosco, mas também seu conterrâneo.

Em Mondonio
            O P. Molineris sugere a razão de a família Sávio ter deixado Morialdo. Seu tio, o ferreiro, havia morrido e o pai de Domingos poderia herdar não apenas as ferramentas do ofício, mas também a clientela em Mondonio. Esse foi provavelmente o motivo da mudança, que ocorreu, no entanto, não para a casa na Rua Junípero, mas para a parte baixa da vila, onde alugaram dos irmãos Bertello a primeira casa à esquerda da rua principal da vila. A pequena casa consistia, e é assim ainda hoje, em um andar térreo com dois cômodos, adaptados como cozinha e sala de trabalho, e um andar superior, acima da cozinha, com dois quartos e espaço suficiente para uma oficina com uma porta na rampa da rua.
            Sabemos que o Sr. e a Sra. Sávio tiveram dez filhos, três dos quais morreram muito jovens e outros três, incluindo o nosso, não chegaram a completar 15 anos de idade. A mãe morreu em 1871, aos 51 anos de idade. O pai, ficando sozinho em casa com o filho João, depois de ter acolhido as três filhas sobreviventes, pediu hospitalidade a Dom Bosco em 1879 e morreu em Valdocco em 16 de dezembro de 1891.
            Domingos havia entrado em Valdocco aos 29 de outubro de 1854, permanecendo lá, exceto por curtos períodos de férias, até 1º de março de 1857. Ele morreu oito dias depois em Mondonio, no pequeno quarto ao lado da cozinha, em 9 de março daquele ano. Sua permanência em Mondonio foi, portanto, de cerca de 20 meses no total, e em Valdocco, de 2 anos e 4 meses.

Lembranças de Morialdo
            A partir dessa breve análise das três casas da família Sávio, fica claro que a de Morialdo deve ser a mais rica em lembranças. São João de Riva lembra o nascimento de Domingos, e Mondonio um ano na escola e de sua santa morte; mas Morialdo lembra sua vida na família, na igreja e na escola. Quantas coisas “Minòt”, como era chamado lá, deve ter ouvido, visto e aprendido com seu pai e sua mãe, quanta fé e amor ele demonstrou na pequena igreja de São Pedro, quanta inteligência e bondade na escola do P. João Zucca, e quanta diversão e vivacidade no parquinho com seus companheiros da vila.
            Foi em Morialdo que Domingos Sávio se preparou para a Primeira Comunhão, que ele fez na igreja paroquial de Castelnuovo em 8 de abril de 1849. Foi lá, quando tinha apenas 7 anos de idade, que ele escreveu as “Lembranças”, ou seja, os propósitos de sua Primeira Comunhão:
            1. Irei me confessar com muita frequência e comungarei sempre que o confessor me der permissão;
            2. Quero santificar os dias de festa;
            3. Meus amigos serão Jesus e Maria;
            4. A morte, mas não os pecados.
            Lembranças que foram o guia de suas ações até o fim de sua vida.
            O comportamento, a maneira de pensar e de agir de um menino refletem o ambiente em que ele viveu e, especialmente, a família em que passou a infância. Portanto, para entender algo sobre Domingos, é sempre bom refletir sobre sua vida naquela propriedade de Morialdo.

A família
            Sua família não era de agricultores. Seu pai era ferreiro e sua mãe costureira. Seus pais não eram de constituição robusta. Os sinais de cansaço podiam ser vistos no rosto de seu pai, enquanto a delicadeza das linhas distinguia o rosto de sua mãe. O pai de Domingos era um homem de iniciativa e coragem. Sua mãe veio da não muito distante Cerreto d’Asti, onde mantinha uma oficina de costura “e, com sua habilidade, livrava aqueles habitantes da chateação de descer ao vale para comprar tecidos”. E ela ainda era costureira em Morialdo também. Será que Dom Bosco sabia disso? Curioso, porém, o seu diálogo com o pequeno Domingos, que tinha ido procurá-lo nos Becchi:
– Bem, o que você acha?
            – Eh, parece-me que seja um bom tecido
(em piem.: Eh, m’a smia ch’a-j’sia bon-a stòfa!).
– Para que pode servir esse tecido?
            – Para fazer uma linda roupa para oferecer ao Senhor.
            – Então, eu sou o tecido: o senhor seja o alfaiate; leve-me consigo
(em piem.: ch’èmpija ansema a chiel) e fará uma bela roupa para o Senhor” (OE XI, 185).
            Um diálogo inestimável entre dois conterrâneos que se entenderam à primeira vista. E a linguagem deles era perfeita para o filho da costureira.
            Quando sua mãe morreu, em 14 de julho de 1871, o pároco de Mondonio, P. João Pastrone, dizia às filhas chorosas para consolá-las: “Não chorem, porque a mãe de vocês era uma mulher santa; e agora ela já está no Paraíso”.
            Seu filho Domingos, que a precedeu no céu por vários anos, também disse a ela e a seu pai, antes de falecer: “Não chorem, já vejo o Senhor e Nossa Senhora de braços abertos esperando por mim”. Essas suas últimas palavras, testemunhadas por sua vizinha Anastácia Molino, que estava presente no momento de sua morte, foram o selo de uma vida alegre, o sinal manifesto daquela santidade que a Igreja reconheceu solenemente em 5 de março de 1950, dando-lhe mais tarde a confirmação definitiva em 12 de junho de 1954 com sua canonização.

Foto na página de rosto. A casa onde Domingos morreu em 1857. É uma construção de tipo rural, datada provavelmente do final de 1600. Reconstruída sobre outra casa ainda mais antiga, é um dos monumentos mais queridos pelos Mondonienses.




A nova Sede Central dos Salesianos. Roma, Sagrado Coração

Hoje, a vocação original da casa do Sagrado Coração vê um novo início. Tradição e inovação continuam a caracterizar o passado, o presente e o futuro desta obra tão significativa.

Quantas vezes Dom Bosco desejou vir a Roma para abrir uma casa salesiana. Desde a primeira viagem, em 1858, o seu objetivo era estar presente na Cidade Eterna com uma presença educativa. Veio a Roma por vinte vezes e somente na última viagem, em 1887, conseguiu realizar seu sonho abrindo a casa do Sagrado Coração, no “Castro Pretorio”.
A Obra salesiana está localizada no bairro “Esquilino”, nascido em 1875, após a abertura da “brecha de Porta Pia” e a exigência dos Savoia de construir, na nova capital ,os ministérios do Reino da Itália. O bairro, também chamado “Umbertino”, é de arquitetura piemontesa, e todas as ruas tem o nome de batalhas ou eventos ligados ao estado sabaudo. Não podia faltar neste lugar, que remete a Turim, um Templo, que fosse também paróquia, construído por um piemontês, o P. João Bosco. O nome da igreja não foi escolhido por Dom Bosco, mas era o desejo do Papa Leão XIII para relançar a devoção, mais atual do que nunca, ao Coração de Jesus.
Hoje, a casa do Sagrado Coração está completamente renovada para responder às exigências da Sede Central dos Salesianos. Desde o momento de sua fundação até hoje a casa passou por diversas transformações. A Obra nasce como Paróquia e Templo Internacional para a difusão da devoção ao Sagrado Coração, e desde o seu início Dom Bosco tinha o claro objetivo de construir ao lado um Abrigo para hospedar até 500 jovens pobres. O P. Rua concluiu a Obra e abriu oficinas para artesãos (escola de artes e ofícios). Nos anos seguintes foram abertas a escola de Ensino Fundamental e o Ensino Médio clássico. Por alguns anos foi também a sede da Universidade do “Pontificio Ateneo Salesiano” e uma casa de formação para os salesianos que estudavam nas universidades romanas, mas que também se dedicavam à escola e ao oratório (entre estes estudantes está “Don Quadrio”). Foi também a sede da Inspetoria Romana e, a partir de 2008, da Circunscrição da Itália Central. Desde 2017, uma vez deixada a casa de “via della Pisana”, tornou-se a Sede Central dos Salesianos. Em 2022 se iniciou sua reforma para adequar os ambientes à função de casa do Reitor-Mor. Nesta casa viveram ou passaram: Dom Bosco, o P. Rua, o cardeal Cagliero (o seu apartamento era no primeiro andar de “via Marsala”), Zeferino Namuncurá, Dom Versiglia, Artêmides Zatti, todos os Reitores-Mores que sucederam Dom Bosco, São João Paulo II, Santa Teresa de Calcutá, o Papa Francisco. Entre os diretores da casa está D. Giuseppe Cognata: durante o seu reitorado, foi colocada em 1930 a estátua do Sagrado Coração no campanário.
Graças ao Sagrado Coração o carisma salesiano se difundiu em vários bairros de Roma; todas as outras presenças salesianas de Roma, de fato, eram uma ramificação desta casa: “Testaccio”, “Pio XI”, “Borgo Ragazzi Don Bosco”, “Don Bosco Cinecittà”, “Gerini”, “Università Pontificia Salesiana”.

Lugar de acolhida
Desde o seu início, os traços característicos da Casa do Sagrado Coração são dois:
1) a catolicidade, pois abrir uma casa em Roma sempre significou para os fundadores das ordens religiosas uma proximidade ao Papa e uma ampliação dos horizontes em nível universal. Na primeira conferência aos Salesianos Cooperadores, no mosteiro romano de “Tor De’ Specchi”, em 1874, Dom Bosco afirmou que os salesianos se espalhariam por todo o mundo e ajudar suas obras significava viver o mais autêntico espírito de catolicidade;
2) a atenção aos jovens pobres: a localização vizinha à estação, lugar de chegadas e partidas, onde sempre se reuniram os mais pobres, está presente na história do Sagrado Coração.
No início, o Abrigo hospedava os jovens pobres para lhes ensinar um ofício, sucessivamente o oratório acolhia os jovens do bairro; após a guerra, os engraxates (jovens que lustravam os sapatos das pessoas que saíam da estação) foram acolhidos e cuidados, primeiro nesta casa e depois foram transferidos para o “Borgo Ragazzi Don Bosco”; na metade dos anos 80, com a primeira imigração na Itália, jovens imigrantes foram hospedados em colaboração com a nascente Caritas; nos anos 90, um Centro Diurno acolhia jovens em alternativa à prisão e lhes ensinava os fundamentos da leitura e da escrita, e também um ofício; desde 2009 um projeto de integração entre jovens refugiados e jovens italianos viu florescer tantas iniciativas de acolhimento e de evangelização. A Casa do Sagrado Coração por cerca de 30 anos foi, também, sede do Centro Nacional das Obras Salesianas da Itália.

O novo início
Hoje, a vocação original da casa do Sagrado Coração vê um novo início. Tradição e inovação continuam a caracterizar o passado, o presente e o futuro desta obra tão significativa.
Em primeiro lugar, a presença do Reitor-Mor com seu conselho e dos salesianos que se ocupam da dimensão mundial da Congregação indica a continuidade da catolicidade. Uma vocação à acolhida de tantos salesianos provenientes de todo o mundo e que encontram no Sagrado Coração um lugar para se sentirem em casa, experimentarem a fraternidade, encontrarem-se com o sucessor de Dom Bosco. Ao mesmo tempo, é o lugar no qual o Reitor-Mor anima e governa a Congregação, traçando as linhas para ser fiéis a Dom Bosco hoje.
Em segundo lugar, a presença de um significativo lugar salesiano onde Dom Bosco escreveu a “Carta de Roma” e onde compreendeu o sonho dos nove anos. Dentro da casa haverá o “Museu Casa Dom Bosco de Roma”, que em três andares contará a presença de Dom Bosco na Cidade Eterna. A centralidade da educação como “coisa do coração” em seu Sistema Preventivo, a relação com os Papas que amaram Dom Bosco e que ele, em primeiro lugar, amou e serviu, o Sagrado Coração como lugar de expansão do carisma em todo o mundo, o fatigante percurso de aprovação das Constituições Salesianas, a compreensão do sonho dos nove anos e seu último suspiro educativo ao escrever a “Carta de Roma” são os elementos temáticos que, em formato multimídia imersivo, serão contados àqueles que visitarem o museu.
Em terceiro lugar, a devoção ao Sagrado Coração representa o centro do carisma. Dom Bosco, antes mesmo de receber o convite para construir a igreja do Sagrado Coração, havia orientado os jovens para esta devoção. No livro “O jovem instruído” existem orações e práticas de piedade dirigidas ao Coração de Cristo. Mas depois que aceitou a proposta de Leão XIII, Dom Bosco se torna um verdadeiro apóstolo do Sagrado Coração. Não poupa suas forças para procurar dinheiro para a construção da igreja. O cuidado dos mínimos detalhes infunde nas escolhas arquitetônicas e artísticas da Basílica o seu pensamento e a sua devoção ao Sagrado Coração. Para financiar a construção da igreja e da casa, ele funda a Pia Obra do Sagrado Coração de Jesus, a última das cinco fundações realizadas por Dom Bosco ao longo de sua vida, junto com os Salesianos, as Filhas de Maria Auxiliadora, os Salesianos Cooperadores e a Associação de Maria Auxiliadora. A Pia Obra foi criada para a celebração perpétua de seis missas diárias na igreja do Sagrado Coração de Roma. Dela fazem parte todas as pessoas inscritas, vivas e falecidas, através da oração e das boas obras feitas pelos Salesianos e pelos jovens em todas as suas casas.
A visão de Igreja que deriva da fundação da Pia Obra é a de um “corpo vivo” composto por fiéis vivos e falecidos em comunhão entre si através do Sacrifício de Jesus, renovado quotidianamente na celebração eucarística a serviço dos jovens mais pobres. O desejo do Coração de Jesus é que todos sejam uma coisa só (ut unum sint) como Ele e o Pai. A Pia Obra conecta, através da oração e das ofertas, os benfeitores vivos e falecidos, os Salesianos de todo o mundo e os jovens que vivem no Sagrado Coração. Somente através da comunhão, que tem sua fonte na Eucaristia, os benfeitores, os Salesianos e os jovens podem contribuir para construir a Igreja, para fazer resplandecer o seu rosto missionário. A Pia Obra tem, ainda, a tarefa de promover, difundir e aprofundar a devoção ao Sagrado Coração em todo o mundo, adaptando-a aos tempos e ao sentir da Igreja.

A estação central para evangelizar
Finalmente, a atenção aos jovens pobres se manifesta na vontade missionária de alcançar os jovens de toda Roma através do Centro Juvenil aberto na “via Marsala”, bem na saída da estação “Termini”, onde a cada dia passam cerca de 300.000 pessoas. Um lugar que seja casa para os tantos jovens italianos e estrangeiros que visitam ou vivem em Roma e têm sede, nem sempre se dando conta, de Deus. Além do mais, desde sempre ao redor da estação “Termini” se aglomera muita gente pobre, marcada pelo cansaço da vida. Uma outra porta também aberta na “via Marsala”, além daquelas do Centro Juvenil e da Basílica, expressa o desejo de responder às necessidades dessas pessoas com o Coração de Cristo: nelas também resplandece a glória de seu rosto.
A profecia de Dom Bosco sobre a Casa do Sagrado Coração, de 5 de abril de 1880, acompanha e guia a realização do que aqui foi dito:

Mas Dom Bosco mirava longe. Nosso Dom João Marenco lembrava uma misteriosa palavra dele que o tempo não deve deixar cair no esquecimento. No mesmo dia em que aceitou a pesadíssima oferta, o Beato perguntou-lhe:
– Sabe por que aceitamos a casa de Roma?
– Eu não, respondeu Marenco.
– Pois então, preste atenção. Nós a aceitamos porque, quando o Papa for aquele que agora não é, e como deve ser, colocaremos na nossa casa a estação central para evangelizar o campo romano. Será trabalho não menos importante do que esse de evangelizar a Patagonia. Então, os salesianos serão conhecidos e sua glória resplandecerá. (MB XIV, 480-481).

dom Francesco Marcoccio




O P. Rinaldi nos Becchi

O beato dom Filippo Rinaldi, terceiro sucessor de dom Bosco, é lembrado como uma figura extraordinária, capaz de unir em si as qualidades de Superior e Pai, insigne mestre de espiritualidade, pedagogia e vida social, além de guia espiritual incomparável. Sua profunda admiração por dom Bosco, que teve o privilégio de conhecer pessoalmente, o tornou um testemunho vivo do carisma do fundador. Consciente da importância espiritual dos lugares ligados à infância de dom Bosco, dom Rinaldi dedicou atenção especial a visitá-los, reconhecendo seu valor simbólico e formativo. Neste artigo, revisitamos algumas de suas visitas ao Colle Don Bosco, à descoberta do laço especial que o unia a esses lugares sagrados.

Para o pequeno santuário de Maria Auxiliadora
Com a inauguração do pequeno santuário de Maria Auxiliadora, desejado em frente à Casinha de Dom Bosco pelo P. Paulo Álbera, e precisamente a partir de 2 de agosto de 1918, quando Dom Morganti, Arcebispo de Ravena, assistido pelos nossos Superiores Maiores, abençoou solenemente a igreja e os sinos, teve início a presença permanente dos salesianos nos Becchi. Naquele dia, o padre Filipe Rinaldi, Prefeito Geral, também estava presente, e com ele o P. Francisco Cottrino, primeiro diretor da nova casa.
            A partir de então, as visitas do P. Rinaldi aos Becchi se renovaram a cada ano em um ritmo constante, uma verdadeira expressão de seu grande afeto pelo bom pai Dom Bosco e de seu grande interesse na aquisição e no arranjo adequado dos lugares memoráveis da infância do Santo.
            A partir da escassa crônica da casa salesiana dos Becchi, é fácil deduzir o cuidado e o amor com que o P. Rinaldi promoveu e acompanhou pessoalmente o trabalho necessário para honrar Dom Bosco e servir adequadamente aos peregrinos.
            Assim, em 1918, o P. Rinaldi, depois de ir aos Becchi para a bênção da igreja, voltou para lá em 6 de outubro, junto com o Card. Cagliero para a Festa do Santo Rosário, e aproveitou a oportunidade para iniciar as negociações para a compra da Casa Cavallo, atrás da casa de Dom Bosco.

Cuidados com a obra da casinha
            Em 1919, o padre Rinaldi fez duas visitas aos Becchi: uma em 2 de junho e outra em 28 de setembro, ambas em vista do trabalho de restauração a ser realizado na área histórica da Colina.
            Houve três visitas em 1920: a de 16 e 17 de junho, para negociar a compra da casa Graglia e do prado dos irmãos Bechis; a de 11 de setembro, para visitar as obras e a propriedade Graglia; e, finalmente, a de 13 do mesmo mês, para assistir à redação do instrumento notarial para a compra da mesma casa Graglia.
            Em 1921, houve duas visitas: em 16 de março, com o Arquiteto Valotti, para o projeto de uma estrada que levasse ao Santuário e de um Pilar e um Galpão para os peregrinos na pracinha; em 12-13 de setembro, com o Arquiteto Valotti e o Cavalheiro Melle, para o mesmo fim.
            Em 1922, o P. Rinaldi esteve novamente nos Becchi por duas vezes: em 4 de maio, com o Card. Cagliero, P. Ricaldone, P. Conelli e todos os membros do Capítulo Geral (inclusive os bispos salesianos), para rezar na Casinha depois de sua eleição como Reitor-Mor; e em 28 de setembro com seus colaboradores mais próximos.
            Em seguida, em 10 de junho de 1923, chegou à Casinha para celebrar a festa de Maria Auxiliadora. Ele presidiu as Vésperas no santuário, fez o sermão e deu a bênção eucarística. Na Academia que se seguiu, ele apresentou a Cruz “Pro Ecclesia et Pontifice” [pela Igreja e o Papa] ao Sr. João Febbraro, nosso benfeitor. Em outubro, ele voltou ao local com o Card. João Cagliero para a festa do Santo Rosário, celebrando a missa às 7h da manhã e levando o Santíssimo Sacramento na procissão eucarística, que foi seguida pela bênção dada pelo Cardeal.
            Em 7 de setembro de 1924, o P. Rinaldi liderou a Peregrinação dos Pais de Família e Ex-alunos das Casas de Turim aos Becchi. Ele celebrou a Santa Missa, fez o sermão e, depois do café da manhã, participou do concerto organizado para a ocasião. Ele retornou novamente em 22 de outubro do mesmo ano, juntamente com o P. Ricaldone, o Sr. Valotti e o Sr. Barberis, para resolver a espinhosa questão da estrada para o santuário, que envolvia dificuldades por parte dos proprietários de terras adjacentes.
            Dom Rinaldi esteve nos Becchi três vezes em 1925: em 21 de maio, para o descerramento da placa a Dom Bosco, e depois em 23 de julho e 19 de setembro, acompanhado novamente pelo Card. Cagliero.
            Em 13 de maio de 1926, o padre Rinaldi guiou uma peregrinação de cerca de 200 sócios da União dos Professores de Dom Bosco, celebrando a missa e presidindo a reunião. Em 24 de julho do mesmo ano, retornou, junto com todo o Capítulo Superior, para liderar a peregrinação dos Diretores das Casas da Europa; e novamente em 28 de agosto, com o Capítulo Superior e os Diretores das Casas da Itália.

Reestruturação do centro histórico
            Três outras visitas do P. Rinaldi aos Becchi datam de 1927: a de 30 de maio, com o P. Giraudi e o Sr. Valotti, para definir os trabalhos de edificação (construção do pórtico etc.); a de 30 de agosto, com o P. Tirone e os diretores dos oratórios festivos; e a de 10 de outubro, com o P. Tirone e os jovens missionários de Ivrea. Nessa última ocasião, o P. Rinaldi pediu ao diretor da época, P. Fracchia, que colocasse plantas atrás da casa Graglia e no prado do Sonho,
            Em 1928 o P. Rinaldi esteve nos quatro vezes nos Becchi: – Em 12 de abril, com o P. Ricaldone, para um exame do trabalho realizado e em andamento. – Nos dias 9 e 10 de junho, com P. Candela e P. V. Bettazzi, para a festa de Maria Auxiliadora e para a inauguração do Pilar do Sonho. Nessa ocasião, cantou a Santa Missa e, após as Vésperas e a Bênção Eucarística da tarde, abençoou o Pilar do Sonho e o novo Pórtico, dirigindo sua palavra a todos da varanda. À noite, participou da iluminação. – Em 30 de setembro, foi com o P. Ricaldone e o P. Giraudi visitar a localidade de “Gaj”. – Em 8 de outubro, voltou à frente da peregrinação anual dos jovens missionários de Ivrea. Foi nesse ano que o P. Rinaldi expressou seu desejo de comprar a casa de campo de Damevino para usá-la como alojamento para os peregrinos ou, melhor ainda, para cedê-la aos aspirantes a missionários dos Filhos de Maria.
            Foram seis as visitas aos Becchi em 1929: – A primeira, em 10 de março, com o P. Ricaldone, foi para visitar a casa Damevino e a casa Graglia (a primeira das quais foi comprada naquele mesmo ano). Como a beatificação de Dom Bosco era iminente, o padre Rinaldi também queria que um pequeno altar ao Beato fosse colocado na cozinha da Casinha (o que foi feito mais tarde, em 1931). – A segunda, em 2 de maio, foi também uma visita de estudo, com o P. Giraudi, o Sr. Valotti e o pintor, Prof. Guglielmino. – A terceira, em 26 de maio, foi para participar da festa de Maria Auxiliadora. – A quarta, em 16 de junho, foi com o Capítulo Superior e todos os membros do Capítulo Geral para a festa de Dom Bosco. – A quinta, em 27 de julho, foi uma breve visita ao P. Tirone e a Dom Massa. – A sexta, finalmente, foi com Dom Mederlet e os jovens missionários da Casa de Ivrea, pelos quais o P. Rinaldi não escondia suas predileções.
            Em 1930, o P. Rinaldi foi mais duas vezes aos Becchi: em 26 de junho, para uma breve visita de reconhecimento das várias localidades; e em 6 de agosto, com o P. Ricaldone, o Sr. Valotti e o Cav. Sartorio, para procurar água (que o P. Ricaldone encontrou em dois lugares, a 14 e 11 metros da fonte chamada Bacolla).
            Em 1931, ano de sua morte em 5 de dezembro, o padre Rinaldi foi aos Becchi pelo menos três vezes: em 19 de julho, à tarde. Naquela ocasião, ele recomendou que se fizesse a comemoração de Dom Bosco no dia 16 de cada mês ou no domingo seguinte. No dia 16 de setembro, quando aprovou e elogiou o campo esportivo preparado para os jovens da Comunidade. Em 25 de setembro, e foi a última, quando, com o P. Giraudi e o Sr. Valotti, examinou o projeto das árvores a serem plantadas na área (será executado mais tarde, em 1990, quando começou a realização do projeto de arborização de 3000 plantas nos vários lados do Colle dei Becchi, exatamente no ano de sua beatificação).
            Sem contar as visitas anteriores, portanto, são 41 as visitas feitas pelo padre Rinaldi aos Becchi entre 1918 e 1931.




Onde nasceu Dom Bosco?

            No primeiro aniversário da morte de Dom Bosco, seus Antigos Alunos quiseram continuar a celebrar a Festa do Reconhecimento, como faziam todos os anos no dia 24 de junho, organizando-a para o novo Reitor-Mor, Padre Rua.
            Em 23 de junho de 1889, depois de colocar uma placa na Cripta de Valsalice, onde Dom Bosco estava sepultado, celebraram a festa do Padre Rua em Valdocco no dia 24.
            O professor Alessandro Fabre, ex-aluno de 1858-66, tomou a palavra e disse, entre outras coisas:
            “Caríssimo P. Rua, o senhor não ficará desapontado ao saber que decidimos acrescentar, como apêndice, a inauguração, no próximo dia 15 de agosto, de outra placa, cuja encomenda já foi feita e cujo desenho está reproduzido aqui, e que colocaremos na casa onde nasceu e viveu por muitos anos o nosso querido Dom Bosco, para que fique assinalado, para os contemporâneos e para a posteridade, o lugar em que, em primeiro lugar, palpitou o coração daquele grande homem que mais tarde encheria a Europa e o mundo com seu nome, suas virtudes e suas admiráveis instituições”.
            Como se pode ver, a intenção dos Antigos Alunos era colocar uma placa na “Casetta” dos Becchi, considerada por todos como o local de nascimento de Dom Bosco, porque ele sempre a indicou como sua casa. Mas depois, encontrando a “Casetta” em ruínas, foram induzidos a retocar o rascunho da inscrição e colocar a placa na casa vizinha de José com a seguinte redação ditada pelo próprio Prof. Fabre: “Em 11 de agosto, poucos dias antes do aniversário de Dom Bosco, os Antigos Alunos foram aos Becchi para descerrar a placa. O Teól. Félix Reviglio, Cura de Santo Agostinho, um dos primeiros alunos de Dom Bosco, fez o discurso na ocasião. Falando sobre a Pequena Casa, ele disse: “A mesma casa perto daqui, onde ele nasceu, que está quase completamente arruinada…” é “um verdadeiro monumento à pobreza evangélica de Dom Bosco”.
            A “ruína completa” da “Casetta” já havia sido mencionada no Boletim Salesiano em março de 1887 (BS 1887, março, p. 31), e o P. Reviglio e a inscrição na placa (“uma casa agora demolida”) estavam evidentemente falando dessa situação. A inscrição cobria tristemente o fato desagradável de que a “Casetta”, que ainda não era propriedade salesiana, parecia já inexoravelmente perdida.
            Mas o P. Rua não desistiu e, em 1901, ofereceu-se para restaurá-la às custas dos salesianos, na esperança de obtê-la mais tarde dos herdeiros de Antônio e José Bosco, como aconteceu em 1919 e 1926, respectivamente.
            Quando o trabalho foi concluído, uma placa foi colocada na “Casetta” com a seguinte inscrição: NESTA HUMILDE CASINHA, AGORA PIEDOSAMENTE restaurada, nasceu o p. João Bosco em 16 de agosto de 1815.
            Em seguida, a inscrição na casa de José também foi corrigida da seguinte forma: “Nascido aqui perto em uma casa agora restaurada… etc.”, e a placa foi devidamente substituída.
            Depois, quando o centenário do nascimento de Dom Bosco foi celebrado em 1915, o Boletim publicou a foto da “Casetta”, especificando: “E aquela onde nasceu o Venerável João Bosco em 16 de agosto de 1815, foi salva da ruína à qual a voracidade do tempo a condenou, com uma restauração geral no ano de 1901”.
            Na década de 1970, as pesquisas de arquivo realizadas pelo Comendador Segundo Caselle convenceu os salesianos de que Dom Bosco havia de fato vivido de 1817 a 1831 naquela “Casetta”, comprada por seu pai, portanto sua casa, como ele sempre disse; mas que havia nascido na propriedade Biglione, onde seu pai era agricultor; e viveu aí com a família até a morte, em 11 de maio de 1817, no alto da colina onde hoje se encontra o Templo de São João Bosco.
            A placa na casa de José foi alterada, enquanto a placa na “Casetta” foi substituída pela atual inscrição em mármore: ESTA É A MINHA CASA. DOM BOSCO.
            Permanece assim inconsistente a opinião recentemente expressa de que os Antigos Alunos, em 1889, com as palavras: “Nascido perto daqui em uma casa agora demolida” não pretendiam falar da Pequena Casa dos Becchi.

Os nomes de lugares dos Becchi
            A família Bosco morava em propriedade Biglione quando João nasceu?
            Alguns disseram que é permitido duvidar disso, porque é quase certo que eles moravam em outra casa de propriedade de Biglione em “Meinito”. A prova disso seria o Testamento de Francisco Bosco, redigido pelo notário C. G. Montalenti em 8 de maio. G. Montalenti, em 8 de maio de 1817, onde se lê: “… na casa do Senhor Biglione, habitada pelo abaixo-assinado testador na região do Monastero, no vilarejo de Meinito…”. (S. CASELLE, Cascinali e Contadini del Monferrato: i Bosco di Chieri nel secolo XVIII, Roma, LAS, 1975, p. 94).
            O que pode ser dito sobre essa opinião?
            Hoje, “Meinito” (ou “Mainito”) é apenas o local de uma propriedade rural situada ao sul do “Colle Don Bosco”, além da estrada provincial que vai de Castelnuovo em direção a Capriglio; porém, tempos atrás indicava um território mais extenso, contíguo àquele chamado Sbaraneo (ou Sbaruau). E Sbaraneo não era outra coisa senão o vale a leste do “Colle”.
            “Monastero”, portanto, não correspondia apenas à atual área arborizada perto de Mainito, mas cobria uma vasta área, de Mainito a Barosca, tanto que a mesma “Casetta” dos Becchi foi registrada em 1817 como “região de Cavallo, Monastero” (S. CASELLE, o. c., p. 96).
            Quando ainda não havia mapas com lotes numerados, as propriedades e lotes eram identificados com base em nomes de lugares ou topônimos, derivados de sobrenomes de famílias antigas ou características geográficas e históricas.
            Serviam como pontos de referência, mas não correspondiam ao significado atual de “região” ou “vilarejo”, exceto de forma muito aproximada, e eram usados com muita liberdade de escolha pelos notários.
            O mapa mais antigo de Castelnovese, preservado nos arquivos municipais e gentilmente disponibilizado para nós, data de 1742 e é chamado de “Mapa Napoleônico”, provavelmente devido ao seu maior uso durante a ocupação francesa. Um extrato desse mapa, editado em 1978 com elaboração fotográfica do texto original pelos Senhores Polato e Occhiena, que compararam os documentos do arquivo com os lotes numerados no Mapa Napoleônico, fornece uma indicação de todas as terras pertencentes à família Biglione desde 1773 e trabalhadas pela família Bosco de 1793 a 1817. A partir desse “Extrato”, parece que a família Biglione não possuía nenhuma terra ou casa em Mainito. Por outro lado, nenhum outro documento foi encontrado até o momento que prove o contrário.
            Então, que significado podem ter as palavras “na casa do Sr. Biglione… na região de Monastero, no vilarejo de Meinito”?
            Em primeiro lugar, é bom saber que, apenas nove dias depois, o mesmo notário que redigiu o testamento de Francisco Bosco escreveu no inventário de sua herança: “… na casa do senhor Jacinto Biglione, habitada pelos meninos citados abaixo [filhos de Francisco] na região de Meinito…”. (S. CASELLE, o. c., p. 96), promovendo assim Mainito de “vilarejo” para “região” em apenas alguns dias. Além disso, é curioso notar que até a mesma propriedade Biglione, em diferentes documentos, aparece em Sbaconatto, em Sbaraneo ou Monastero, em Castellero, e assim por diante.
            Então, como podemos entender isso? Levando tudo em conta, não é difícil perceber que é sempre a mesma área, o Monastero, que em seu centro tinha Sbaconatto e Castellero, a leste o Sbaraneo e ao sul o Mainito. O notário Montalenti escolheu “Meinito”, enquanto outros escolheram “Sbaraneo” ou “Sbaconatto” ou “Castellero”. Mas o local e a casa eram sempre os mesmos!
            Sabemos, além disso, que o Sr. e a Sra. Damevino, donos da propriedade Biglione de 1845 a 1929, também possuíam outras propriedades, em Scajota e Barosca; mas, como nos asseguram os anciãos locais, eles nunca tiveram casas em Mainito. No entanto, eles compraram as propriedades que a família Biglione havia vendido ao Sr. José Chiardi em 1818.
            Só resta concluir que o documento redigido pelo notário Montalenti em 8 de maio de 1817, mesmo que não contenha erros, refere-se à propriedade Biglione propriamente dita, onde Dom Bosco nasceu em 16 de agosto de 1815, onde seu pai morreu em 11 de maio de 1817 e onde foi construído o grandioso Templo de São João Bosco em nossos dias.
            A existência, finalmente, de uma casa fictícia em Biglione, habitada pela família Bosco em Mainito e depois demolida não se sabe quando, por quem ou por qual motivo antes de 1889, como alguns especularam, não tem (pelo menos até agora) nenhuma evidência real a seu favor. Os próprios Antigos Alunos, quando colocaram na placa dos Becchi as palavras “Nascido aqui perto…” (veja nosso artigo de janeiro), eles certamente não poderiam estar se referindo a Mainito, que fica a mais de um quilômetro da casa de José!

Propriedades, administradores e meeiros
            Francisco Bosco, administrador da propriedade Biglione, desejando montar seu próprio negócio, comprou terras e a casa dos Becchi, mas a morte o levou repentinamente em 11 de maio de 1817, antes que pudesse pagar todas as suas dívidas. Em novembro, sua viúva, Margarida Occhiena, mudou-se com os filhos e a sogra para a “Casetta”, que havia sido reformada para esse fim. Até então, essa “Casetta”, já contratada por seu marido desde 1815, mas ainda não paga, consistia apenas em “uma crotta e um estábulo adjacente, cobertos com telhas, em más condições” (S. CASELLE, Cascinali e contadini […], p. 96-97) e, portanto, inabitável para uma família de cinco pessoas, com animais e ferramentas. Em fevereiro de 1817, a escritura pública de venda havia sido lavrada, mas a dívida ainda estava pendente. Margarida teve que resolver a situação como guardiã de Antônio, José e João Bosco, na época pequenos proprietários nos Becchi.
            Não era a primeira vez que a família Bosco passava do status de administradores para o de pequenos proprietários e vice-versa. O falecido Comendador Segundo Caselle nos forneceu ampla documentação sobre isso.
            O trisavô de Dom Bosco, João Pedro, antes administrador na Cascina Croce di Pane, entre Chieri e Andezeno, de propriedade dos Padres Barnabitas, em 1724 tornou-se administrador na Cascina de São Silvestre, perto de Chieri, pertencente à Paróquia de São Jorge. E que ele morava mesmo na Propriedade de São Silvestre com sua família está documentado nos “Registros do Sal” de 1724. Seu sobrinho, Filipe Antônio, órfão de pai e acolhido pelo filho mais velho de João Pedro, João Francisco Bosco, foi adotado por um tio-avô, de quem herdou uma casa, um jardim e 2 hectares de terra em Castelnuovo. Mas, devido à situação econômica crítica em que se encontrava, teve que vender a casa e a maior parte de suas terras e se mudar com a família para o vilarejo de Morialdo, como administrador de Cascina Biglione, onde morreu em 1802.
            Paulo, seu filho primogênito, tornou-se assim o chefe da família e o administrador, conforme registrado no censo de 1804. Mas, alguns anos depois, ele deixou a fazenda para seu meio-irmão Francisco e foi se estabelecer em Castelnuovo, após receber sua parte da herança e realizar a compra e venda. Foi então que Francisco Bosco, filho de Filipe Antônio e Margarida Zucca, tornou-se administrador de Cascina Biglione.
            O que se entendia naquela época por “cascina”, “massaro” e “meeiro”?
            A palavra “cascina” (em piemontês: cassin-a) indica em si uma casa do colono ou toda a propriedade agrícola; mas nos lugares de que estamos falando, a ênfase estava na casa, ou seja, a construção da propriedade usada em parte como moradia e em parte como abrigo para o gado etc. O “massaro” (em piemontês: massé) em si é o inquilino da fazenda e dos lotes, enquanto o “mezzadro” (em piemontês: masoé) é apenas o cultivador da terra de um senhor com quem ele compartilha as colheitas. Mas, na prática, nesses lugares o massaro também era meeiro e vice-versa, de modo que a palavra massé não era muito usada, enquanto masoé geralmente indicava também o massaro.
            O Sr. e a Sra. Damevino, proprietários de Cascina “Bion” ou Biglione em Castellero de 1845 a 1929, também possuíam outras propriedades, em Scajota e Barosca, e, como nos garantiu o Sr. Angelo Agagliate, tinham cinco “massari” ou meeiros, um na priedade Biglione, dois em Scajota e dois em Barosca. Naturalmente, os vários “massari” viviam em suas propriedades.
            Ora, se um agricultor era um “massaro”, por exemplo, em Cascina Scajota, de propriedade da família Damevino, ele não era chamado de “morador na casa Damevino”, mas simplesmente “em Scajota”. Se Francisco Bosco tivesse morado na suposta casa de Biglione em Mainito, não se diria, portanto, que ele morava “na casa do Sr. Biglione”, mesmo que essa casa pertencesse à família Biglione. Se o tabelião escreveu: “Na casa do senhor Biglione, habitada pelo testador abaixo-assinado”, é sinal de que Francesco vivia com a família na propriedade Biglione propriamente dita.
            E isso é mais uma confirmação dos artigos anteriores que refutam a hipótese do nascimento de Dom Bosco em Mainito “em uma casa agora demolida”.
            Em conclusão, não se pode dar importância exclusiva ao significado literal de certas expressões, mas deve-se examinar seu verdadeiro significado no uso local da época. Em estudos desse tipo, o trabalho do pesquisador local é complementar ao do historiador acadêmico e particularmente importante, porque o primeiro, auxiliado pelo conhecimento detalhado da área, pode fornecer ao segundo o material necessário para suas conclusões gerais e evitar interpretações errôneas.




Exposição para os 200 anos do sonho de Dom Bosco

Diálogo entre passado, presente e futuro: exposição temporária para os 200 anos do sonho de Dom Bosco. Museu Casa Dom Bosco

Falar da biografia de Dom Bosco sem mencionar o mundo dos sonhos é suprimir um aspecto importante de sua identidade. A vida do santo foi marcada pelo sobrenatural, por visões e sonhos que Deus lhe enviou desde a infância, quando, entre os nove e dez anos de idade, João Bosco teve seu primeiro sonho, que o marcou profundamente e o acompanhou por toda a vida.

O sonho foi considerado profético porque iluminou seu projeto de vida, tanto na escolha do estado eclesiástico quanto na dedicação total à juventude pobre e abandonada. De fato, em certo sentido, marcou seu caminho, pois começou nos prados dos Becchi, sua cidade natal, foi realizado em Turim quando ele se estabeleceu no distrito de Valdocco e foi recordado na igreja do Sagrado Coração de Jesus, no Castro Pretório, em Roma, um ano antes de sua morte. Ao mesmo tempo, a partir de 1875, com as missões salesianas, ele abraçou vários continentes do mundo, chegando até os dias de hoje, onde a presença salesiana trabalha para manter vivo o sonho do fundador.

Dois séculos depois, ciente de que o sonho de Dom Bosco ainda está vivo, o museu da casa-mãe em Valdocco – Turim, Museu Casa Don Bosco, inaugurou em 22 de maio uma exposição temporária que permanecerá aberta até 22 de setembro de 2024.

A exposição, resultado de uma pesquisa anterior, é dividida em várias seções que exploram a narrativa, a história e a iconografia do sonho nas artes e a ressonância do sonho hoje, duzentos anos depois.

A seleção de objetos histórico-artísticos em diferentes mídias ajuda a descobrir diferentes momentos da história salesiana que relembram esse evento crucial na vida do santo. Juntamente com as fotografias históricas, objetos do período entre a beatificação (1929) e a canonização (1934), quando começou a representação do Sonho nas artes: ilustrações em livros, cartões postais, moedas comemorativas, pinturas a óleo e em papel etc.

A exposição apresenta uma importante seleção de gravuras originais. Os artistas Conrado Mezzana (1890-1952), Guido Grilli (1905-1967), Cosme [Nino] Musio (1933-2017) e Alarico Gattia (1927-2022) são alguns dos autores. As histórias em quadrinhos de Grilli, Musio e Gattia foram encomendadas pela Libreria della Dottrina Cristiana (1941), fundada pelo quarto sucessor de Dom Bosco, o P. Pedro Ricaldone (1870-1951). Essas obras, que foram distribuídas em várias publicações, mídias, formatos e idiomas em todo o mundo, são preservadas pela atual editora Elledici (LDC).

A exposição é completada com as dezessete fotografias vencedoras do concurso internacional de fotografia realizado desde janeiro de 2024 e promovido pela casa museu com o objetivo de destacar o talento artístico e criativo de todo o mundo salesiano. As fotos são descritas pelos próprios autores no idioma original e provêm da Itália, México, Panamá, Eslováquia, Espanha e Venezuela.

Essas imagens dialogam entre passado, presente e futuro e nos fazem refletir sobre como, dois séculos depois, o Sonho de Dom Bosco se tornou realidade nas presenças salesianas em todo o mundo.

Além disso, o setor de Pastoral Juvenil da Congregação Salesiana promove a celebração do Sínodo Juvenil Salesiano em todo o mundo e, por ocasião do bicentenário do sonho, reuniu mais de 200 sonhos de jovens de todo o mundo na publicação “Diamantes escondidos”, alguns dos quais estão presentes na exposição.

Foto: Guido Grilli (1905-1967), Sonho de Joãozinho, 16,6 x 23 cm, 1952, filme D15, imagem n. 4. Arquivo Histórico Editora Elledici.

dra. Ana MARTÍN GARCÍA
Historiadora de arte, curadora de patrimônio cultural e doutora europeia (Doctor Europaus) em artes visuais pela Universidade de Bolonha. Ex-aluna dos Salesianos de Estrecho (Madri, Espanha). Desde 2023, trabalha na direção do Museu Casa Dom Bosco em Valdocco – Turim como Coordenadora Geral.




Dom Bosco e “a Consolata”

            O pilar mais antigo da área de Becchi parece datar de 1700. Foi erguido na parte inferior da planície em direção ao “Mainito”, onde as famílias que viviam na antiga “Scaiota” costumavam se encontrar. Depois, tornou-se uma propriedade rural salesiana, que agora foi reformada e convertida em uma casa para jovens que recebe grupos de jovens peregrinos do Templo e da Casa Dom Bosco.
            Este é o pilar da Consolata, com uma estátua da Virgem Consoladora dos Aflitos, sempre homenageada com flores do campo trazidas pelos devotos. João Bosco deve ter passado muitas vezes por esse pilar, tirando o chapéu e murmurando uma Ave Maria, como sua mãe lhe ensinara.
            Em 1958, os salesianos restauraram o velho pilar e, com uma solene função religiosa, inauguraram-no para um renovado culto da comunidade e da população, conforme registrado na Crônica daquele ano, mantida nos arquivos do Instituto “Bernardi Semeria”.
            Aquela estátua da Consolata poderia, portanto, ser a primeira imagem de Maria Santíssima que Dom Bosco venerou em sua infância, perto de sua casa.

Na “Consolata” em Turim
            Já como estudante e seminarista em Chieri, Dom Bosco deve ter ido a Turim para venerar a Virgem Consoladora (MB I, 267-68 – MBp I, 217). Mas é certo que, como neossacerdote, celebrou sua segunda Santa Missa precisamente no Santuário da Consolata, como ele mesmo escreveu: “para agradecer à excelsa Virgem Maria os incontáveis favores que me havia alcançado de seu divino Filho Jesus” (MO 115 – MOp 112).
            Nos dias do Oratório errante, sem residência fixa, Dom Bosco ia com seus meninos a alguma igreja de Turim para a missa dominical e, na maioria das vezes, iam à Consolata (MB II, 248; 346 – MBp II, 215; 295).
            No mês de maio de 1846-47, para agradecer à Virgem Consoladora por ter-lhes dado, finalmente, um lar estável, ele levou seus jovens até lá para fazer a Sagrada Comunhão, enquanto os bons Padres Oblatos da Virgem Maria, que oficiavam no Santuário, se prestavam a ouvir suas confissões (MB II, 430 – MBp II, 363).
            Quando, no verão de 1846, Dom Bosco adoeceu gravemente, seus filhos não só demonstraram sua dor em lágrimas, mas, temendo que os meios humanos não fossem suficientes para sua recuperação, eles se revezavam de manhã à noite no Santuário da Consolata para rezar a Maria Santíssima para preservar a saúde de seu amigo e pai.
            Houve até quem fizesse votos infantis e quem jejuasse a pão e água para que Nossa Senhora os ouvisse. Eles foram ouvidos e Dom Bosco prometeu a Deus que até seu último suspiro seria para eles.
            As visitas de Dom Bosco e de seus filhos à Consolata continuaram. Convidado uma vez para cantar uma missa no santuário com seus jovens, ele chegou na hora marcada com a improvisada “Schola cantorum”, trazendo consigo a partitura de uma “missa” que havia composto para a ocasião.
            O organista do santuário era o famoso maestro Bodoira, que Dom Bosco convidou para tocar o órgão. Este nem sequer deu uma olhada na partitura de Dom Bosco, mas quando estava prestes a tocar a música, não entendeu nada dela e, deixando o posto de organista com raiva, foi embora.
            Dom Bosco, então, sentou-se ao órgão e acompanhou a missa seguindo sua composição repleta de sinais que só ele podia entender. Os jovens, que antes se perdiam com as notas do famoso organista, continuaram até o fim sem desafinar, e suas vozes argentinas atraíram a admiração e a simpatia de todos os fiéis presentes à missa (MB III, 148 – MBp III, 119).
            De 1848 a 1854, Dom Bosco acompanhou seus meninos em procissão pelas ruas de Turim até a Consolata. Seus jovens cantavam louvores à Virgem ao longo do caminho e depois participavam da Santa Missa que ele celebrava.
            Quando Mamãe Margarida morreu, em 25 de novembro de 1856, Dom Bosco foi naquela manhã celebrar a Santa Missa de sufrágio na capela subterrânea do Santuário da Consolata, parando para rezar longamente diante da imagem de Maria Consoladora, implorando que fosse mãe para ele e seus filhos. E Maria atendeu suas preces (MB V, 566 – MBp V, 484).
            No Santuário da Consolata, Dom Bosco não só teve a oportunidade de celebrar a Santa Missa várias vezes, mas um dia também quis servi-la. Ao entrar no santuário para fazer uma visita, ouviu o sinal para o início da missa e percebeu que o ministro não estava presente. Levantou-se, foi até a sacristia, pegou o missal e serviu a missa com devoção (MB VII, 86 – MBp VII, 109-110).
            E a presença de Dom Bosco no Santuário nunca cessou, especialmente por ocasião da Novena e da Festa da Consolata.

Estatueta da Consolata na Capela Pinardi
            Em 2 de setembro de 1847, Dom Bosco comprou, pelo preço de 27 liras, uma estatueta de Maria Consoladora, colocando-a na Capela Pinardi.
            Em 1856, quando a capela estava sendo demolida, o P. Francisco Giacomelli, companheiro de seminário e grande amigo de Dom Bosco, desejando guardar para si o que ele chamava de monumento mais ilustre da fundação do Oratório, levou a estatueta para Avigliana, para sua casa paterna.
            Em 1882, sua irmã mandou construir um pilar com um nicho na casa e colocou ali a preciosa relíquia.
            Quando os salesianos souberam da existência da coluna em Avigliana, após a extinção da família Giacomelli, conseguiram recuperar a antiga estatueta que, em 12 de abril de 1929, retornou ao Oratório de Turim, depois de 73 anos desde o dia em que o P. Giacomelli a havia retirado da primeira capela (E. GIRAUDI, L’Oratorio di Don Bosco, Torino, SEI, 1935, p. 89-90).
            Hoje, a pequena estátua histórica é a única lembrança do passado na nova Capela Pinardi, constituindo seu tesouro mais caro e precioso.
            Dom Bosco, que difundiu o culto a Maria Auxiliadora em todo o mundo, nunca esqueceu sua primeira devoção à Virgem, venerada desde a infância na coluna dos Becchi, sob a efígie da “Consolata”. Quando chegou a Turim como jovem sacerdote diocesano, durante o período heroico do seu “Oratório”, foi da Virgem Consoladora, no seu Santuário, que tirou luz e conselho, coragem e conforto para a missão que o Senhor lhe havia confiado.
            É também por isso que ele é considerado, com razão, um dos santos de Turim.