Rumo ao alto! São Pier Giorgio (Pedro Jorge) Frassati

“Queridos jovens, nossa esperança é Jesus. É Ele, como dizia São João Paulo II, «quem desperta em vocês o desejo de fazer da sua vida algo grandioso […], para melhorar a si mesmos e a sociedade, tornando-a mais humana e fraterna» (XV Jornada Mundial da Juventude, Vigília de Oração, 19 de agosto de 2000). Mantenham-se unidos a Ele, permaneçam em sua amizade, sempre, cultivando-a com a oração, a adoração, a Comunhão eucarística, a confissão frequente, a caridade generosa, como nos ensinaram os beatos Pedro Jorge Frassati e Carlos Acutis, que em breve serão proclamados Santos. Aspirai a coisas grandes, à santidade, onde quer que estejam. Não se contentem com menos. Então verão crescer a cada dia, em vocês e ao redor de vocês, a luz do Evangelho” (Papa Leão XIV – homilia do Jubileu dos jovens – 3 de agosto de 2025).

Pier Giorgio (Pedro Jorge) e P. Cojazzi
O senador Alfredo Frassati, embaixador do Reino da Itália em Berlim, era proprietário e diretor do jornal La Stampa de Turim. Os salesianos tinham uma grande dívida de gratidão para com ele. Na ocasião do grande escândalo conhecido como “Os fatos de Varazze”, em que tentaram manchar a honra dos salesianos, Frassati os defendeu. Enquanto até alguns jornais católicos pareciam perdidos e desorientados diante das graves e dolorosas acusações, o La Stampa, após uma rápida investigação, antecipou as conclusões da justiça proclamando a inocência dos salesianos. Assim, quando da casa dos Frassati chegou o pedido de um salesiano para acompanhar os estudos dos dois filhos do senador, Pedro Jorge e Luciana, o P. Paulo Álbera, Reitor-Maior, sentiu-se na obrigação de aceitar. Enviou o P. Antônio Cojazzi (1880-1953). Era o homem certo: boa cultura, temperamento jovem e uma capacidade comunicativa excepcional. O P. Cojazzi formou-se em letras em 1905, em filosofia em 1906, e obteve o diploma de habilitação para o ensino da língua inglesa após um sério aperfeiçoamento na Inglaterra.
Na casa dos Frassati, o P. Cojazzi tornou-se algo mais que o ‘preceptor’ que acompanha os jovens. Tornou-se um amigo, especialmente de Pedro Jorge, de quem diria: “Conheci-o com dez anos e o acompanhei por quase todo o ginásio e o liceu com aulas que nos primeiros anos eram diárias; o acompanhei com interesse e afeto crescentes”. Pedro Jorge, que se tornou um dos jovens de destaque da Ação Católica de Turim, ouvia as conferências e aulas que o P. Cojazzi dava aos sócios do Círculo C. Balbo, acompanhava com interesse a Revista dos Jovens, subia às vezes a Valsalice em busca de luz e conselho nos momentos decisivos.

Um momento de notoriedade
Pedro Jorge o teve durante o Congresso Nacional da Juventude Católica italiana, em 1921: cinquenta mil jovens desfilando por Roma, cantando e rezando. Pedro Jorge, estudante do politécnico, segurava a bandeira tricolor do círculo turinense C. Balbo. As tropas reais, de repente, cercaram a enorme procissão e a atacaram para arrancar as bandeiras. Queriam impedir distúrbios. Uma testemunha relatou: “Eles batiam com os canos dos mosquetes, agarravam, quebravam, arrancavam nossas bandeiras. Vi Pedro Jorge lutando com dois guardas. Corremos para ajudá-lo, e a bandeira, com o mastro quebrado, ficou em suas mãos. Presos à força em um pátio, os jovens católicos foram interrogados pela polícia. A testemunha lembra o diálogo conduzido com os modos e as cortesias utilizadas nessas situações:
– E você, como se chama?
– Pedro Jorge Frassati, filho de Alfredo.
– O que seu pai faz?
– Embaixador da Itália em Berlim.
Surpresa, mudança de tom, desculpas, oferta de liberdade imediata.
– Sairei quando saírem os outros.
Enquanto isso, o espetáculo brutal continuava. Um sacerdote foi jogado, literalmente jogado no pátio com a batina rasgada e uma bochecha sangrando… Juntos nos ajoelhamos no chão, no pátio, quando aquele padre maltrapilho ergueu o rosário e disse: “Rapazes, por nós e por aqueles que nos espancaram, vamos rezar!”.

Amava os pobres
Pedro Jorge amava os pobres, ia procurá-los nos bairros mais distantes da cidade; subia as escadas estreitas e escuras; entrava nos sótãos onde só habitam a miséria e a dor. Tudo o que tinha no bolso era para os outros, assim como tudo o que guardava no coração. Chegava a passar as noites ao lado de doentes desconhecidos. Numa noite em que não voltou para casa, o pai, cada vez mais ansioso, telefonou para a delegacia, para os hospitais. Às duas horas ouviu a chave girar na porta e Pedro Jorge entrou. O pai explodiu:
– Escuta, você pode ficar fora de dia, de noite, ninguém diz nada. Mas quando chega tão tarde, avisa, telefona!
Pedro Jorge olhou para ele e, com a simplicidade de sempre, respondeu:
– Papai, onde eu estava, não havia telefone.
As Conferências de São Vicente de Paulo o viram como colaborador assíduo; os pobres o conheceram como consolador e socorrista; os miseráveis sótãos o acolheram frequentemente entre suas paredes sombrias como um raio de sol para seus habitantes desamparados. Dominado por uma profunda humildade, o que fazia não queria que fosse conhecido por ninguém.

Jorginho belo e santo
Nos primeiros dias de julho de 1925, Pedro Jorge foi atacado e derrubado por um violento surto de poliomielite. Tinha 24 anos. Na cama de morte, enquanto uma doença terrível devastava suas costas, ainda pensava nos seus pobres. Em um bilhete, com uma grafia quase ilegível, escreveu para o engenheiro Grimaldi, seu amigo: Aqui estão as injeções para Converso, a apólice é de Sappa. Esqueci, renove você.
De volta do funeral de Pedro Jorge, o P. Cojazzi escreveu rapidamente um artigo para a Revista dos Jovens: “Vou repetir a velha frase, mas muito sincera: não acreditava que o amaria tanto. Jorginho belo e santo! Por que essas palavras insistentes cantam no meu coração? Porque as ouvi repetir, ouvi pronunciar por quase dois dias, pelo pai, pela mãe, pela irmã, com uma voz que dizia sempre e nunca repetia. E porque surgem certos versos de uma balada de Deroulède: «Falarão dele por muito tempo, nos palácios dourados e nas casinhas perdidas! Porque dele falarão também os barracos e os sótãos, onde passou tantas vezes como anjo consolador». Conheci-o com dez anos e o acompanhei por quase todo o ginásio e parte do liceu… o acompanhei com interesse crescente e afeto até sua atual transfiguração… Escreverei sua vida. Trata-se da coleta de testemunhos que apresentam a figura desse jovem na plenitude de sua luz, na verdade espiritual e moral, no testemunho luminoso e contagiante de bondade e generosidade”.

O best-seller da editoria católica
Incentivado e impulsionado também pelo arcebispo de Turim, Dom José Gamba, o P. Cojazzi pôs-se a trabalhar com afinco. Os testemunhos chegaram numerosos e qualificados, foram organizados e cuidadosamente avaliados. A mãe de Pedro Jorge acompanhava o trabalho, dava sugestões, fornecia material. Em março de 1928 saiu a vida de Pedro Jorge. Luís Gedda escreve: “Foi um sucesso estrondoso. Em apenas nove meses, 30 mil cópias do livro foram esgotadas. Em 1932, já haviam sido distribuídas 70 mil cópias. Em 15 anos, o livro sobre Pedro Jorge alcançou 11 edições, e talvez tenha sido o best-seller da editoria católica naquele período”.
A figura iluminada pelo P. Cojazzi foi uma bandeira para a Ação Católica durante o difícil tempo do fascismo. Em 1942, tinham adotado o nome de Pedro Jorge Frassati: 771 associações juvenis da Ação Católica, 178 seções aspirantes, 21 associações universitárias, 60 grupos de estudantes do ensino médio, 29 conferências de São Vicente, 23 grupos do Evangelho… O livro foi traduzido para pelo menos 19 idiomas.
O livro do P. Cojazzi marcou uma virada na história da juventude italiana. Pedro Jorge foi o ideal apontado sem reservas: alguém que soube demonstrar que ser cristão em profundidade não é de fato utópico, nem fantasioso.
Pedro Jorge Frassati também marcou uma virada na história do P. Cojazzi. Aquele bilhete escrito por Pedro Jorge na cama de morte revelou-lhe de forma concreta, quase brutal, o mundo dos pobres. Escreve o próprio P. Cojazzi: “Na Sexta-feira Santa desse ano (1928), com dois universitários, visitei por quatro horas os pobres fora da Porta Metrônia. Essa visita me proporcionou uma lição e humilhação muito saudáveis. Eu tinha escrito e falado muito sobre as Conferências de São Vicente… e, no entanto, nunca tinha ido uma única vez visitar os pobres. Naqueles barracos imundos, muitas vezes me vieram lágrimas aos olhos… A conclusão? Aqui está clara e crua para mim e para vocês: menos palavras bonitas e mais obras de bondade”.
O contato vivo com os pobres não é apenas uma aplicação imediata do Evangelho, mas uma escola de vida para os jovens. São a melhor escola para os jovens, para educá-los e mantê-los na seriedade da vida. Quem vai visitar os pobres e toca com as próprias mãos suas feridas materiais e morais, como pode desperdiçar seu dinheiro, seu tempo, sua juventude? Como pode reclamar de seus trabalhos e dores, quando conhece, por experiência direta, que outros sofrem mais do que ele?

Não sobreviva, viva!
Pedro Jorge Frassati é um exemplo luminoso de santidade juvenil, atual, “enquadrado” em nosso tempo. Ele atesta mais uma vez que a fé em Jesus Cristo é a religião dos fortes e dos verdadeiramente jovens, que só ela pode iluminar todas as verdades com a luz do “mistério” e que somente ela pode oferecer a perfeita alegria. Sua existência é o modelo perfeito da vida normal ao alcance de todos. Ele, como todos os seguidores de Jesus e do Evangelho, começou pelas pequenas coisas; chegou às alturas mais sublimes ao se afastar dos compromissos de uma vida medíocre e sem sentido, empregando a natural teimosia em seus firmes propósitos. Tudo, em sua vida, foi degrau para subir; até aquilo que deveria ter sido um obstáculo. Entre os companheiros, era o intrépido e exuberante animador de toda empreitada, reunindo ao seu redor tanta simpatia e admiração. A natureza lhe foi generosa: de família renomada, rico, de engenho sólido e prático, físico forte e robusto, educação completa, nada lhe faltava para se destacar na vida. Mas ele não queria apenas sobreviver, queria conquistar seu lugar ao sol, lutando. Era um homem de fibra e uma alma de cristão.
Sua vida tinha em si uma coerência que repousava na unidade do espírito e da existência, da fé e das obras. A fonte dessa personalidade tão luminosa estava na profunda vida interior. Frassati rezava. Sua sede da Graça o fazia amar tudo o que preenche e enriquece o espírito. Aproximava-se todos os dias da Santa Comunhão, depois permanecia aos pés do altar, por muito tempo, sem que nada o distraísse. Rezava nas montanhas e pelo caminho. Porém, sua fé não era ostentação, embora os sinais da cruz feitos na rua pública ao passar diante das igrejas fossem grandes e seguros, embora o Rosário fosse rezado em voz alta, em um vagão de trem ou no quarto de um hotel. Mas era, antes, uma fé vivida tão intensamente e sinceramente que brotava de sua alma generosa e franca com uma simplicidade de atitude que convencia e emocionava. Sua formação espiritual se fortaleceu nas adorações noturnas, das quais foi fervoroso defensor e participante assíduo. Fez mais de uma vez os exercícios espirituais, deles tirando serenidade e vigor espiritual.
O livro do P. Cojazzi termina com a frase: “Conhecê-lo ou ouvir falar dele significa amá-lo, e amá-lo significa segui-lo”. O desejo é que o testemunho de Pedro Jorge Frassati seja “sal e luz” para todos, especialmente para os jovens de hoje.




Dom Bosco com seus salesianos

Se com seus meninos Dom Bosco brincava alegremente para vê-los alegres e serenos, com seus salesianos revelava também em tom de brincadeira a estima que tinha por eles, o desejo de vê-los formar com ele uma grande família, pobre sim, mas confiante na Divina Providência, unida na fé e na caridade.

Os feudos de Dom Bosco
Em 1830, Margarida Occhiena, viúva de Francisco Bosco, fez a divisão dos bens herdados de seu marido entre seu enteado Antônio e seus dois filhos José e João. Consistia, entre outras coisas, de oito lotes de terra com prado, campo e vinhedo. Não sabemos nada exato sobre os critérios seguidos por Mamãe Margarida ao dividir a herança paterna entre os três. Entretanto, entre os lotes de terra havia um vinhedo próximo aos Becchi (em Bric dei Pin), um campo em Valcapone (ou Valcappone) e outro em Bacajan (ou Bacaiau). De qualquer forma, essas três terras constituem os “feudos” que Dom Bosco, às vezes, chamava por brincadeira de sua propriedade.
Os Becchi, como todos sabemos, são o humilde povoado do vilarejo onde Dom Bosco nasceu; Valcapponé (ou Valcapone) era um local a leste do Colle, sob a Serra di Capriglio, mas no fundo do vale, na área conhecida como Sbaruau (= espantalho), porque era densamente arborizada, com algumas cabanas escondidas entre os galhos, que serviam como local de armazenamento para lavanderias e como refúgio para bandidos. Bacajan (ou Bacaiau) era um campo a leste do Colle, entre os lotes de Valcapone e Morialdo. Estes são os “feudos” de Dom Bosco!
As Memórias Biográficas dizem que, por algum tempo, Dom Bosco conferiu títulos de nobreza a seus colaboradores leigos. Assim, havia o Conde dos Becchi, o Marquês de Valcappone, o Barão de Bacaiau, isto é, os três terrenos que Dom Bosco devia conhecer como parte de sua herança. “Com esses títulos costumava chamar Rossi, Gastini, Enria, Pelazza, Buzzetti, não só em casa, mas também fora, sobretudo quando viajava com alguns deles” (MB VIII, 198-199 – MB VIII, 231-232).
Entre esses “nobres” salesianos, sabemos com certeza que o conde dos Becchi (ou do Bricco del Pino) era José Rossi, o primeiro salesiano leigo, ou “Coadjutor”, que amava Dom Bosco como um filho muito afeiçoado e lhe foi fiel para sempre.
Um dia, Dom Bosco foi à estação de Porta Nova e José Rossi o acompanhou carregando sua mala. Eles chegaram quando o trem estava prestes a partir e os vagões estavam cheios de gente. Dom Bosco, não conseguindo encontrar um assento, voltou-se para Rossi e, em voz alta, disse-lhe:
– Oh, senhor conde, lamento que esteja tendo tanto trabalho por mim!
– Imagine, Dom Bosco, é uma honra para mim!
Alguns viajantes que estavam na janela, ao ouvirem aquelas palavras “Senhor Conde” e “Dom Bosco”, olharam uns para os outros com espanto e um deles gritou do vagão:
– Dom Bosco! Senhor Conde! Subam aqui; ainda há dois lugares!
– Mas eu não queria incomodá-los – respondeu Dom Bosco.
– Subam! É uma honra para nós. Vou retirar minhas malas; estarão à vontade!
E assim o “Conde dos Becchi” pôde entrar no trem com Dom Bosco e a mala.

As bombas e uma cabana
Dom Bosco viveu e morreu pobre. Para comer, ele se contentava com muito pouco. Até mesmo um copo de vinho já era demais para ele, e ele sistematicamente misturava com água.
“Muitas vezes se esquecia de beber por estar absorto em outros pensamentos, e cabia aos vizinhos de mesa completar-lhe o copo. Então, se o vinho era do bom, logo procurava água “para fazê-lo melhor”, dizia. E acrescentava sorrindo: ‘Renunciei ao mundo e ao demônio, mas não às pompas’, aludindo às bombas que tiram água dos poços” (MB IV, 191-192 – MBp IV, 181).
Até mesmo para as acomodações, sabemos como ele vivia. Em 12 de setembro de 1873, foi realizada a Conferência Geral dos Salesianos para reeleger um ecônomo e três conselheiros. Naquela ocasião, Dom Bosco pronunciou palavras memoráveis e proféticas sobre o desenvolvimento da Congregação. Então, quando chegou a hora de falar sobre o Capítulo Superior, que a essa altura parecia precisar de uma residência adequada, ele disse, em meio à hilaridade universal: “Se fosse possível, eu gostaria de fazer no meio do pátio uma ‘söpanta’ (leia-se: supanta = barraca, abrigo), onde o Capítulo Superior pudesse ficar separado de todos os mortais. Como os membros deste Capítulo Superior têm o direito de continuar a viver nesta terra, ele poderá estar ora aqui, ora lá, nas diversas casas, segundo parecer melhor!” (MB X, 1061-1062 – MBp X, 888-889).

Otis, botis, pija tutis
Um jovem lhe perguntava um dia como ele conhecia o futuro e adivinhava tantos segredos. Respondeu-lhe:
– “Escute-me. A maneira é esta, e se explica com: Ótis, bótis, pija tútis. Sabe o que significam estas palavras? Preste atenção. São palavras gregas. E soletrando, repetiu: Ó-tis, bó-tis, pi-ja tú-tis. Entende?
– É um negócio complicado de entender!
– Também sei disso. Eu mesmo nunca quis revelar a ninguém o que significa essa epígrafe. E ninguém sabe mesmo. Nem nunca saberá. É conveniente não o revelar. Este é o grande segredo com que opero todas as coisas fora do comum. Com ele eu leio as consciências, e por meio dele revelam-se os mistérios. Mas se você é esperto, veja se pode entender alguma coisa.
E repetia aquelas quatro palavras, acentuando-as sucessivamente ao pronunciar cada uma delas. Passava o indicador na testa, sobre a boca, sobre o queixo, sobre o peito do jovem e acabava por dar-lhe, de improviso, um tapinha no rosto. O jovem ria, mas insistia:
– Mas, ao menos, traduza-me as quatro palavras em língua vulgar.
– Posso traduzi-las, mas não entenderá a tradução.
E, brincando, falava em dialeto piemontês:
– Quand ch’at dan ed bòte, pije tute (Quando lhe dão bofetadas, tome-as todas) (MB VI, 424 – MB VI, 401-402). E queria dizer que, para se tornar santo, é preciso aceitar todos os sofrimentos que a vida nos reserva.

Protetor dos funileiros
Todos os anos, os jovens do Oratório de São Leão, em Marselha, faziam um passeio à casa do Sr. Olive, um generoso benfeitor dos Salesianos. Naquela ocasião, o pai e a mãe serviam os superiores à mesa, e seus filhos, os alunos.

Em 1884, o passeio aconteceu durante a estada de Dom Bosco em Marselha.
Enquanto os alunos estavam se divertindo nos jardins, o cozinheiro correu até a Madame Olive para lhe dizer:
– Madame, a panela de sopa para os meninos está vazando e não há como remediar a isso. Terão de ficar sem sopa!
A senhora, que tinha muita fé em Dom Bosco, teve uma ideia. Mandou chamar todos os jovens:
– “Escutem”, disse-lhes ela, “se quiserem comer a sopa, ajoelhem-se aqui e rezem uma oração a Dom Bosco para que a panela deixe de vazar”.
Eles obedeceram. A panela parou de vazar instantaneamente. Mas Dom Bosco, ao ouvir o fato, riu muito e disse:
– De agora em diante, chamarão Dom Bosco de patrono dos funileiros (MB XVII, 55-56).




Ninguém assustava as galinhas (1876)

Ambientada em janeiro de 1876, a peça apresenta um dos mais sugestivos “sonhos” de Dom Bosco, instrumento predileto com que o santo turinense sacudia e guiava os jovens do Oratório. A visão se abre para uma planície interminável onde fervilham os trabalhos dos semeadores: o trigo, símbolo da Palavra de Deus, só germinará se protegido. Mas galinhas vorazes caem sobre a semente e, enquanto os camponeses cantam versículos evangélicos, os clérigos encarregados da custódia permanecem mudos ou distraídos, deixando que tudo se perca. A cena, animada por diálogos argutos e citações bíblicas, torna-se parábola da murmuração que apaga o fruto da pregação e advertência à vigilância ativa. Com tons ao mesmo tempo paternos e severos, Dom Bosco transforma o elemento fantástico em lição moral incisiva.

Na segunda metade de janeiro o Servo de Deus teve um sonho simbólico do qual falou com alguns Salesianos. P. Barberis pediu-lhe para contá-lo em público porque os seus sonhos agradavam muito aos jovens, faziam-lhes muito bem e os afeiçoava ao Oratório.
– Sim, isso é verdade, respondeu o Beato, fazem bem e são ouvidos com avidez; o único prejudicado sou eu, pois precisaria ter pulmões de ferro. Bem se pode dizer que no Oratório não há sequer um que não se sinta emocionado com tais narrações, pois na maioria das vezes esses sonhos impressionam a todos e cada um quer saber em que situação o tenha visto, o que deva fazer, que significado tenha isto ou aquilo. E eu fico aflito dia e noite. Se depois quero despertar o desejo das confissões gerais, não tenho outra coisa a fazer senão narrar um sonho. Escute, faça uma coisa. Domingo irei falar aos jovens e você interrompe-me em público. Eu então contarei o sonho.
No dia 23 de janeiro, após as orações da noite, ele subiu na cátedra. O seu rosto, radiante de alegria, manifestava, como sempre, a própria alegria de encontrar-se entre seus filhos. Após um pouco de silêncio, P. Barberis pediu para falar e perguntou:
– Desculpe, senhor Dom Bosco, permite-me fazer-lhe uma pergunta?
– Pois não, diga.
– Ouvi dizer que nestas noites passadas, teve um sonho de semeadura, com semeador, com galinhas e que já o contou ao clérigo Calvi. Poderia fazer o favor de contá-lo também a nós? Isso nos daria muito prazer.
– Curioso! – disse Dom Bosco em tom de bronca. E então explodiu uma gargalhada geral.
– Não importa, sabe, que me chame de curioso; contanto que nos conte o sonho. E com este meu pedido creio interpretar a vontade de todos os jovens que certamente o ouvirão com muito gosto.
– Se é assim, eu o conto. Não queria dizer nada porque há coisas que se referem a vários de vocês em particular e algumas também para você, que fazem arder um pouco as orelhas; mas já que me pediram, eu contarei.
– Mas, eh!, senhor Dom Bosco, se há alguma paulada para mim, poupe-a aqui em público.
– Eu contarei as coisas como as sonhei, cada um tome a sua parte. Mas antes de tudo é preciso que cada um tenha em mente que os sonhos me acontecem dormindo e dormindo não se pensa; por isso, se há algo de bom, alguma advertência a tomar, se tome. Além disso, ninguém fique preocupado. Disse que sonhando eu de noite dormia, porque alguns sonham também de dia e algumas vezes até mesmo estando acordados e com não leve incômodo dos professores para os quais tornam-se estudantes que importunam.

Parecia-me estar longe daqui e encontrar-me em Castelnuovo d’Asti, minha terra. Diante de mim, havia uma grande extensão de terra, situada em uma vasta e bela planície; mas aquele terreno não era nosso e não sabia de quem era.
Naquele campo vi muitos que trabalhavam com pás, enxadas e outros instrumentos. Havia um que arava, quem semeava o grão, quem aplainava a terra, quem fazia outras coisas. Havia aqui e lá chefes escolhidos para dirigir os trabalhos e, entre esses, parecia-me estar também eu. Coros de camponeses estavam em outro lugar cantando. Eu observava maravilhado e não sabia dar-me conta daquele lugar. Dizia a mim mesmo: – Mas, com que finalidade estas pessoas trabalham tanto? E respondia a mim mesmo: – Para prover o pão de cada dia aos meus jovens. E era realmente uma maravilha ver como aqueles bons agricultores não desistiam sequer um instante do trabalho e sem cessar continuavam no seu trabalho com um ardor contínuo e com a mesma constância. Só alguns estavam rindo e brincando entre eles.
Enquanto eu contemplava tão belo quadro, olho ao meu redor e vejo que me rodeavam alguns padres e muitos dos meus clérigos, alguns próximos e outros a uma certa distância. Dizia comigo mesmo: – Mas eu sonho; os meus clérigos estão em Turim, aqui, ao invés, estamos em Castelnuovo. E depois, como pode ser isso? Eu estou com roupa de inverno da cabeça aos pés, somente ontem eu estava com tanto frio e agora aqui se semeia o grão. Eu me tocava as mãos e caminhava e dizia: – Mas realmente não estou sonhando, este é um campo real; este clérigo aqui é o clérigo A… em pessoa; este outro é o clérigo B. E depois, como no sonho eu poderia ver esta coisa e aquela outra?
Nesse meio tempo, vi ali perto mais à parte, um velho que aparentemente se mostrava muito benévolo e sensato, prudente, atento a observar-me e aos outros. Aproximei-me dele e lhe perguntei: – Diga-me, bravo homem, escute-me! Que é isso que eu vejo e não compreendo nada? Onde estamos aqui? Quem são esses trabalhadores? De quem é este campo?
– Oh, respondeu-me aquele homem; belas perguntas a serem feitas! É um padre e não sabe estas coisas?
– Mas por isso diga-me! Você acredita que eu sonho ou que esteja acordado? Pois me parece sonhar e não me parecem possíveis as coisas que vejo.
– Possibilíssimas, antes, reais e me parece que o senhor esteja bem desperto. Não se percebe? Fala, ri, brinca.
– E no entanto há alguns, eu acrescentei, que no sonho parecem falar, escutar, agir, como se estivessem acordados.
– Mas não; deixe de lado tudo isso. O senhor está aqui com corpo e alma.
– Seja pois assim; e se eu despertar, diga-me, então, de quem é este campo.
– O senhor estudou latim; qual é o primeiro nome da segunda declinação que estudou no Donato? Sabe-o ainda?
– Eh, claro que sei; mas o que tem a ver isso com a minha pergunta?
– Tem a ver e muitíssimo. Diga, pois, qual é o primeiro nome que se estuda na segunda declinação.
– É Dominus.
– E como é o genitivo?
– Domini!
– Bravo, bem, Domini; este campo é pois Domini, do Senhor.
– Ah! Agora começo a compreender alguma coisa! – exclamei.
Estava maravilhado pela conclusão obtida daquele bom velho. No momento vi várias pessoas chegando com sacos de grãos para semear e um grupo de camponeses cantava: Exit, qui seminat, seminare semem suum (O semeador saiu a semear a sua semente – Lc 8,5).
A mim parecia um pecado jogar fora aquela semente e fazê-las morrer enterrada. Era tão belo aquele grão! Não seria melhor, dizia comigo mesmo, não seria melhor triturá-lo e fazer dele pão ou massa? – Mas depois pensava: – Quem não semeia não recolhe. Se não se lança a semente e essa não apodrece, o que se recolherá depois?
Naquele instante vejo sair de todas as partes uma multidão de galinhas e irem para a semeadura bicar todo grão que outros espalhavam.
E aquele grupo de cantores continuava o seu canto: Venerunt aves caeli, sustulerunt frumentum e reliquerunt zizaniam (Vieram as aves do céu, pegaram o trigo e deixaram a cizânia – cf. Mt 12,43).
Dou uma olhada ao redor e observo aqueles clérigos que estavam comigo. Um com as mãos entrelaçadas estava olhando com fria indiferença; outro tagarelava com os colegas, outros se abraçavam; outros olhavam o céu, outros riam daquele quadro, outros continuavam tranquilamente o seu recreio e os seus jogos, outros terminavam algum trabalho seu; mas ninguém espantava as galinhas para fazê-las ir embora. Eu me dirijo a eles muito magoado e, chamando cada um pelo nome, dizia: – Mas o que fazem? Não veem aquelas galinhas comendo todo o grão? Não veem que destroem a boa semente, fazem desaparecer as esperanças destes bons lavradores? O que colherão depois? Por que estão assim calados? Por que não gritam, por que não as fazem ir embora?
Mas os clérigos encolhiam os ombros, olhavam-me e nada diziam. Alguns nem sequer se viraram: não cuidavam antes daquele campo nem cuidarão depois que eu ralhei.
Vocês são todos insensatos! – eu continuava. As galinhas já estão todas com o papo cheio. Vocês não poderiam bater as mãos e fazer assim? E, no entanto, eu batia as mãos encontrando-me em uma verdadeira confusão, pois de nada adiantavam as minhas palavras. Então alguns se puseram a afugentar as galinhas, mas eu repetia comigo mesmo: – Eh, sim! Agora que todo o grão foi comigo, se espantam as galinhas!
Naquele momento me surpreendeu o ouvido o canto daquele grupo de lavradores os quais cantavam assim: Canes muti nescientes latrare (São cães mudos incapazes de ladrar – cf. Is 56,10).
Então me dirigi àquele bom velho e, entre estupefato e indignado, disse-lhe: – Vamos lá! Dê-me uma explicação do que vejo; eu não entendo nada disso. O que é aquela semente que se lança por terra?
– Oh, amigo! Semen est verbum Dei (A semente é a Palavra de Deus – Lc 8,11).
– Mas o que quer dizer isso, pois vejo que lá as galinhas a comem?
O velho, mudando o tom de voz, prosseguiu:
– Oh! Se quer uma explicação mais completa eu lha dou. O campo é a vinha do Senhor, da qual se fala no Evangelho, e se pode também entender do coração do homem. Os cultivadores são os operários evangélicos que, especialmente com a pregação, semeiam a Palavra de Deus. Esta palavra produziria muito fruto naquele coração, terreno bem preparado. Mas quê? Vêm os pássaros do céu e a levam embora.
– O que significam esses pássaros?
– Quer que eu lhe diga o que indicam? Indicam as murmurações. Ouvida aquela pregação que traria efeito, vai-se com os colegas. Um faz o comentário sobre um gesto, em voz alta, durante uma palavra do pregador, e então se perde todo o fruto da pregação. Um outro culpa o pregador por algum defeito físico ou intelectual, um terceiro ri do seu italiano, e todo o fruto da pregação fica perdido. O mesmo deve-se dizer de uma boa leitura cujo bem fica impedido por uma murmuração. As murmurações são tanto piores, pois geralmente são secretas, ocultas e ali vivem e crescem onde nada mais podemos esperar. O grão, ainda que seja num campo não muito cultivado, todavia nasce, cresce, alcança uma boa altura e produz fruto. Quando num campo, há pouco semeado, vem um temporal, então ele se torna chão batido e não produz mais tanto fruto, mas ainda produz. Se também a semeadura não for tão boa, no entanto crescerá: trará pouco fruto, mas o trará. Ao invés, quando as galinhas ou os pássaros bicam as sementes, não tem mais jeito: o campo não produz mais nada; não traz fruto de qualidade. Do mesmo modo, se às pregações, aos conselhos, aos bons propósitos houver por trás alguma outra coisa como distração, tentação etc., haverá menos fruto; mas quando há murmuração, o falar mal ou coisa semelhante, aqui não há o pouco que permanece, mas há logo o tudo que é levado embora. E a quem compete bater palmas, insistir, ralhar, vigiar, para que estas murmurações, estas más conversas não aconteçam? O senhor o sabe!
– Mas o que faziam esses clérigos? – eu lhe perguntei. Não podiam eles impedir tanto mal?
– Não impediram nada, ele prosseguiu. Alguns estavam observando como estátuas mudas, outros não olhavam, não pensavam, não viam e ali estavam com os braços cruzados, outros não tinham a coragem para impedir esse mal; alguns poucos, porém, se uniam também aos murmuradores, tomavam parte nas suas maledicências, faziam o papel de destruidores da Palavra de Deus. Você que é padre insista sobre isto: prega, exorta, fala, não tenha medo de jamais falar demais; e todos saibam que criticar quem prega, quem exorta, quem dá bom conselho é o que provoca a parte maior do mal. E o ficar calado quando se vê alguma desordem e não impedi-la, especialmente quem poderia ou deveria, isto é, em resumo, tornar-se cúmplice do mal alheio.
Eu, ciente de tudo por essas palavras, queria ainda olhar, observar esta e aquela coisa, repreender os clérigos, estimulá-los a cumprir o próprio dever. E eles já se mexiam e procuravam afugentar as galinhas. Mas eu, tendo dado alguns passos, tropecei num rastelo, destinado a aplainar a terra, deixado naquele campo, e acordei. Agora deixemos de lado tudo e vamos à moral. P. Barberis, o que nos diz a respeito deste sonho?
– Digo, respondeu P. Barberis, que é uma boa surra e um golpe a quem toca.
– Está certo, retomou Dom Bosco, é uma lição que precisa fazer-nos bem; e tenham em mente isto, meus queridos jovens, evitar entre vocês de qualquer maneira a murmuração, como um mal extraordinário, fugindo dela como se foge da peste, e não só evitá-la vocês, mas com toda força procurar fazer com os outros a evitem. Algumas vezes santos conselhos, ótimas obras não fazem o bem, que leva a impedir uma murmuração e qualquer palavra que possa prejudicar a outros. Armemo-nos de coragem e combatamo-la com franqueza. Não há pior desgraça do que a de fazer perder a palavra de Deus. E basta um mote, basta uma brincadeira.
Contei-lhes um sonho ocorrido já em várias noites, mas nesta noite passada tive um outro que agora desejo narrar-lhes. Ainda não é muito tarde; são apenas as nove eu posso expô-lo a vocês. Contudo procurarei não demorar.
Pareceu-me, então, encontrar-me num lugar que agora não me lembro mais qual fosse; eu não estava mais em Castelnuovo, mas parece-me que nem mesmo estivesse no Oratório. Veio alguém apressadamente me chamar: – Dom Bosco, venha! Dom Bosco, venha!
– Mas qual é o motivo de tanta pressa? – eu respondi.
– Está sabendo das coisas acontecidas?
– Eu não entendo o que você quer dizer: explique-me claramente, respondi ansioso.
– Não sabe, Dom Bosco, que tal jovem tão bom, tão animado, está gravemente enfermo, aliás, moribundo?
– Eu duvido que você queira brincar comigo, lhe disse: porque exatamente esta manhã falei e passeei com o mesmo jovem que você agora me diz estar moribundo.
– Ah, Dom Bosco! Eu não o estou enganando e me julgo na obrigação de narrar-lhe a pura verdade. Aquele jovem tem grande necessidade do senhor e deseja vê-lo e falar-lhe pela última vez. Mas venha logo porque senão não chega em tempo.
Eu, sem saber o lugar, fui apressadamente atrás daquele tal. Chego em um lugar e vejo gente triste e chorando que me diz:  Ajude-nos logo, por favor, porque está nas últimas.
– Mas o que aconteceu? – respondo. Fui levado em um quarto onde vejo deitado um jovem muito pálido no rosto, com uma cor quase cadavérica, com uma tosse e um estertor que o sufocava e mal permitia que ele falasse.
– Mas você não é o fulano de tal? – eu lhe disse:
– Sim, sou o tal.
– Como está?
– Estou mal!
– E como é que agora o vejo neste estado? Você não estava andando tranquilo sob os pórticos ontem e esta manhã?
– Sim, respondeu o jovem, ontem e esta manhã passeava sob os pórticos; mas agora faça depressa que eu tenho necessidade de confessar-me; vejo que me resta muito pouco tempo.
– Não se aflija, não se aflija; você confessou-se há poucos dias.
– É verdade e me parece não havia nenhuma falta grave no meu coração; todavia desejo receber a santa absolvição antes de apresentar-me ao Divino Juiz.
Eu ouvi a sua confissão. Mas observei que piorava visivelmente e um catarro estava para sufocá-lo. – Mas aqui é preciso agir rápido, digo comigo mesmo, se quiser que receba ainda o santo viático e o óleo santo. Antes, o viático não poderá mais recebê-lo, seja porque requer mais tempo para os preparativos, seja porque a tosse poderia impedi-lo de engolir. Depressa, o óleo santo!
Assim dizendo, saio do quarto e mando imediatamente um homem pegar a bolsa com os óleos santos. Os jovens que estavam na sala me perguntavam:
– Mas está realmente em perigo? Está mesmo moribundo, como se está dizendo?
– Infelizmente! – eu respondia. Não vê que a respiração se lhe torna cada vez mais lenta e o catarro o sufoca?
– Mas será melhor trazer-lhe também o viático e assim fortalecido mandá-lo nos braços de Maria.
Mas enquanto eu me apressava preparando o necessário, ouço um voz. – Expirou!
Entro de novo no quarto e encontro o enfermo com os olhos arregalados; não respira mais; está morto.
– Está morto? – perguntei para aqueles dois que o assistiam.
– Está morto, responderam-me. Está morto.
– Mas como vai, assim tão depressa? Diga-me: não é esse o fulano?
– Sim, é o fulano.
– Não posso acreditar! Ainda ontem passeava comigo sob os pórticos.
– Ontem passeava e agora está morto, me replicaram.
– Felizmente era um jovem bom! – exclamei. E dizia aos jovens que estavam ao meu redor: – Veem, veem? Este não pôde nem mesmo receber o viático e a extrema unção. Agradeçamos, porém, ao Senhor que lhe deu tempo para confessar-se. Este jovem era bom, frequentava bastante os sacramentos, e esperamos que tenha ido para uma vida feliz, ou ao menos no purgatório. Mas se tocasse um pouco a outros o mesmo destino, o que seria agora de alguns?
Dito isso, colocamo-nos todos de joelhos e rezamos um De profundis pela alma do pobre falecido.
Enquanto eu ia para o quarto, vejo chegar Ferraris [Coadjutor João Antônio Ferraris, livreiro] da livraria, o qual todo aflito, me diz:
– Sabe, Dom Bosco, o que aconteceu?
– Eh, infelizmente já sei! Morreu o tal! – respondo.
– Não é isso que eu quero dizer; há outros dois mortos.
– Como? Quem?
– O sicrano e o beltrano.
– Mas quando? Não compreendo.
– Sim, dois outros que morreram antes que o senhor chegasse.
– E por que não me chamou?
– Faltou tempo. Mas o senhor sabe dizer-me quando este aqui morreu?
– Morreu agora, respondi.
– O senhor sabe que dia é hoje e de que mês? – continuou Ferraris.
– Claro que sei: hoje é 22 de janeiro, segundo dia da novena de São Francisco de Sales.
– Não, disse Ferraris. O senhor se engana, Dom Bosco; veja bem. – Eu ergo os olhos para o calendário e vejo: 26 de maio.
– Mas esta é boa! – exclamei. Estamos em janeiro e eu bem consciente de como estou vestido; não se veste assim em maio; em maio o aquecedor não estaria ligado.
            – Eu não sei o que dizer-lhe ou que explicação dar-lhe, mas agora estamos no dia 26 de maio.
– Mas se apenas ontem faleceu este nosso companheiro e estávamos em janeiro.
– Engana-se, insistiu Ferraris; estávamos no tempo pascal.
– Mais uma você acrescenta e ainda maior!
– Tempo pascal, sem dúvida; estávamos no tempo pascal, e ele teve mais sorte de morrer na Páscoa do que os outros dois, que morreram no mês de Maria.
– Você está zombando de mim, eu lhe disse. Explique-se melhor, do contrário eu não o entendo.
– Eu não estou zombando, em absoluto. A coisa é assim. Se depois quiser saber mais, e que eu me explique melhor, eis! Esteja atento!
– Abri os braços, depois bati as duas mãos uma contra a outra bem forte. E despertei. Então exclamei: – Oh, que sorte! Não é realidade, mas um sonho. Que medo que eu tive!
Eis o sonho que tive na noite passada. Vocês deem a ele a importância que quiserem. Eu mesmo não quero dar-lhe fé totalmente. Hoje, porém, quis ver se aqueles que me pareceram mortos no sonho estavam vivos ainda, e os vi sãos e fortes. Certamente não convém que eu diga e não direi quem são aqueles. Todavia estarei de olho sobre os dois; se for necessário algum conselho para viver bem, lhes darei, e os prepararei fazendo vistas largas sem que percebam; porque assim, se lhes ocorresse morrer, a morte não os encontre despreparados. Mas ninguém fique falando: Será este, será aquele. Cada um pense em si.
E não fiquem preocupados com isso. O efeito que deve surtir em vocês é simplesmente o que nos sugere o Divino Salvador no Evangelho: Estote parati, quia, qua hora non putatis, filius hominis veniet (Estejam preparados porque o Filho do homem virá na hora em que não pensais – Lc 12,4). É esta uma importante advertência que nos faz o Senhor, meus queridos jovens. Estejam sempre preparados porque na hora em que menos esperamos pode vir a morte, e aquele que não estiver preparado para morrer bem, corre o grave risco de morrer mal. Eu procuro estar preparado o melhor que posso e vocês façam o mesmo, a fim de que a qualquer hora que agrade ao Senhor chamar-nos, possamos estar prontos para passar à eternidade. Boa noite!

As palavras de Dom Bosco eram ouvidas sempre em religioso silêncio, mas quando ele falava destas coisas extraordinárias, entre as centenas de meninos que lotavam o lugar, não se ouvia um rumor de tosse nem a mais leve roçadura dos pés. A forte impressão durava semanas e meses; e com a impressão aconteciam mudanças radicais no comportamento de alguns endiabrados. Fazia-se depois fila ao redor do confessionário de Dom Bosco. Não vinha à cabeça de ninguém supor que ele inventasse aquelas narrativas para assustar e melhorar a vida dos jovens, porque os anúncios de mortes próximas tornavam-se realidade sempre e certos estados de consciência vistos em sonhos correspondiam à realidade.
Mas o temor produzido por tão lúgubres prognósticos não era uma angústia opressora? Não parece. Apresentavam-se muitas possibilidades e hipóteses a uma multidão de mais de oitocentos jovens a fim de que cada um pudesse preocupar-se disso. Além do mais, a persuasão realmente difundida, que quem morria no Oratório ia certamente para o Paraíso, e que Dom Bosco preparava os designados sem assustá-los, contribuía para expulsar todo temor do espírito. Por outro lado, sabe-se bem quão grande é a volubilidade juvenil, num instante a fantasia dos jovens é atingida e abalada; mas depois aquela lembrança se liberta bem depressa de qualquer preocupação. É o que nos atestavam unânimes os sobreviventes daqueles tempos.
Tendo os jovens ido dormir, alguns coirmãos que rodeavam o Beato cobriam-no de perguntas para saber se algum deles estava entre aqueles que deviam morrer. O Servo de Deus, sorrindo conforme o seu costume e girando a cabeça, repetia:
– Já, já! Virei dizer-lhes quem é, com perigo de fazer alguém morrer antes do tempo!
Visto que ali não se tirava nada, perguntaram-lhe se no primeiro sonho havia também clérigos fazendo parte das galinhas, que se entregassem à murmuração. Dom Bosco, que passeava, parou, olhou para os interlocutores e deu um risinho como para dizer: – Eh! Alguém sim; mas poucos, e não acrescentou nada mais. – Então lhe pediram que dissesse ao menos se eles estavam entre os cães mudos; o Beato se firmou nos princípios gerais, observando que era preciso estar atentos para evitar e fazer evitar as murmurações e em geral todas as desordens, especialmente as más conversas. – Ai do padre e do clérigo, disse, o qual, encarregado da vigilância, vê as desordens, e não as impede! Desejo que se saiba e se lembrem que com a palavra “murmurações” eu não entendo apenas o cortar a casaca pelas costas, mas toda conversa, todo gracejo, toda palavra que possa diminuir em um colega o fruto da Palavra de Deus ouvida. Em geral, entendo dizer que é um grande mal calar-se, quando se conhece alguma desordem, não a impedindo ou não procurando que a impeça quem de direito.
Um mais ousado fez ao Servo de Deus uma pergunta um tanto arriscada.
– E P. Barberis, por que entra no sonho? O senhor disse que havia também para ele, e o próprio P. Barberis parecia esperar para si uma boa paulada. – P. Barberis estava presente. Inicialmente Dom Bosco acenava a não querer responder. Mas depois, permanecendo ao seu lado apenas alguns padres e mostrando-se P. Barberis satisfeito que ele revelasse o segredo, o Beato disse:
– Eh! P. Barberis não prega suficientemente sobre este ponto; não insiste quanto é preciso sobre este assunto. – P. Barberis confirmou que nem no ano anterior nem no ano em curso jamais se tinha fixado de propósito sobre aqueles temas aos seus noviços; gostou muito da observação e pendurou-a na orelha para o futuro.
Dito isto, subiram as escadas e todos, após beijar a mão de Dom Bosco, se afastaram e foram dormir. Todos, menos P. Barberis que, conforme o costume, acompanhou-o até a porta do seu quarto. Dom Bosco, vendo que ainda era cedo e pressentindo que não poderia dormir, porque fortemente impressionado pelas coisas expostas, contra o seu hábito costumeiro, fez P. Barberis entrar em seu aposento, dizendo:
– Já que ainda temos tempo podemos dar dois passos num vai-e-vem pela sala.
Assim continuou a discorrer por uma meia hora. Disse então outras coisas: – Eu, no sonho, vi todos e vi o estado em que cada um se encontrava; se galinha, se cão mudo, se no número daqueles que avisados se puseram mãos à obra ou não se moveram. Sirvo-me desta doutrina confessando, exortando em público até ver que produzam o bem. No início não dava muita importância a esses sonhos; mas percebi que na maior parte das vezes são mais eficazes que as pregações; antes, para alguns são mais eficazes do que um curso de Exercícios Espirituais, por isso sirvo-me deles. E por que não? Lê-se na Sagrada Escritura: Probate spiritus: quod bonum est tenete (Examinai vossas almas; guardai o que é bom – cf. 1Ts 5,21). Vejo que valem, vejo que agradam, e por que mantê-los secretos? Antes, vejo que contribuem para afeiçoar muitos à Congregação.
– Experimentei eu mesmo, interrompeu P. Barberis, quão úteis são esses sonhos e quão salutares. Mesmo narrados alhures, fazem bem. Onde Dom Bosco é conhecido, pode-se dizer que são sonhos que ele teve; onde não é conhecido, pode-se apresentar como semelhança. Oh, se se pudesse fazer disso uma antologia, expondo-lhes em forma de semelhanças! Seriam procurados e lidos por crianças e por adultos, por jovens e por idosos, com vantagem para suas almas.
– Já, já! Fariam bem, estou intimamente convicto disso.
– Mas, talvez, lamentou P. Barberis, ninguém os recolheu por escrito.
– Eu, retomou Dom Bosco, não tenho tempo e de muitas coisas não me lembro mais.
– Aquilo de que me lembro, replicou P. Barberis, são os sonhos que se referiam aos progressos da Congregação, ao estender-se do manto de Nossa Senhora.
– Ah, sim! – exclamou o Beato. E acenou a várias visões deste gênero. Tomando depois um ar mais sério e meio conturbado, prosseguiu:
– Quando penso na minha responsabilidade na posição em que me encontro, tremo inteiramente… Que contas tremendas deverei prestar a Deus por todas as graças que nos concede para o bom andamento da nossa Congregação!
(MBp XII, 36-48)

Foto: shutterstock.com




A árvore

Um senhor tinha quatro filhos. Ele queria que seus filhos aprendessem a não julgar as coisas rapidamente. Por isso, convidou cada um deles a fazer uma viagem para ver uma árvore que havia sido plantada em um lugar distante. Ele os enviou um de cada vez, com três meses de intervalo. As crianças obedeceram.
Quando o último voltou, ele os reuniu e pediu que descrevessem o que tinham visto.
O primeiro filho disse que a árvore era feia, retorcida e curvada.
O segundo filho disse, entretanto, que a árvore estava coberta de brotos verdes e prometia vida.
O terceiro filho discordou; ele disse que a árvore estava coberta de flores, que tinham um cheiro tão doce e eram tão bonitas que ele disse que se tratava da coisa mais bonita que já tinha visto.
O último filho discordou de todos os outros; ele disse que a árvore estava cheia de frutos, vida e abundância.
O homem então explicou aos filhos que todas as respostas estavam corretas, pois cada um havia visto apenas uma estação da vida da árvore.
Ele disse que não se pode julgar uma árvore, ou uma pessoa, por uma única estação, e que sua essência, o prazer, a alegria e o amor que advêm dessas vidas só podem ser medidos no final, quando todas as estações estiverem completas.

Quando a primavera vai embora, todas as flores morrem, mas quando ela retorna, elas sorriem felizes. Em meus olhos tudo passa, em minha cabeça tudo embranquece.
Mas nunca acredite que na agonia da primavera todas as flores morrem porque, ainda ontem à noite, um ramo de pessegueiro estava florescendo.
(anônimo do Vietnã)

Não deixe que a dor de uma estação destrua a alegria do que virá depois.
Não julgue sua vida em uma estação difícil. Persevere nas dificuldades e, com certeza, tempos melhores virão quando menos esperar! Viva cada uma de suas estações com alegria e com a força da esperança.




O voluntariado missionário transforma a vida dos jovens no México

O voluntariado missionário representa uma experiência que transforma profundamente a vida dos jovens. No México, a Inspetoria Salesiana de Guadalajara desenvolveu, há décadas, um percurso orgânico de Voluntariado Missionário Salesiano (VMS) que continua a impactar de forma duradoura o coração de muitos rapazes e moças. Graças às reflexões de Margarita Aguilar, coordenadora do voluntariado missionário em Guadalajara, compartilharemos o caminho referente às origens, evolução, fases de formação e motivações que levam os jovens a se comprometerem para servir as comunidades no México.

Origens
O voluntariado, entendido como um compromisso em favor do outro nascido da necessidade de ajudar o próximo tanto no plano social quanto no espiritual, fortaleceu-se ao longo do tempo com a contribuição de governos e ONGs para sensibilizar sobre temas como saúde, educação, religião, meio ambiente e outros. Na Congregação Salesiana, o espírito voluntário está presente desde as origens: Mamãe Margarida, ao lado de Dom Bosco, foi uma das primeiras “voluntárias” no Oratório, dedicando-se ao cuidado dos jovens para cumprir a vontade de Deus e contribuir para a salvação de suas almas. Já o Capítulo Geral XXII (1984) começou a falar explicitamente sobre voluntariado, e os capítulos seguintes insistiram nesse compromisso como uma dimensão inseparável da missão salesiana.

No México, os salesianos estão divididos em duas Inspetorias: Cidade do México (MEM) e Guadalajara (MEG). Foi justamente nesta última que, a partir da metade dos anos 80, estruturou-se um projeto de voluntariado juvenil. A Inspetoria de Guadalajara, fundada há 62 anos, oferece há quase 40 anos a possibilidade para jovens desejosos de experimentar o carisma salesiano de dedicar um período de vida ao serviço das comunidades, especialmente nas zonas de fronteira.

Em 24 de outubro de 1987, o inspetor enviou um grupo de quatro jovens junto com salesianos para a cidade de Tijuana, numa zona de fronteira em forte expansão salesiana. Foi o início do Voluntariado Juvenil Salesiano (VJS), que se desenvolveu gradualmente e se organizou de forma cada vez mais estruturada.

O objetivo inicial era proposto a jovens de cerca de 20 anos, disponíveis para dedicar de um a dois anos para construir os primeiros oratórios nas comunidades de Tijuana, Ciudad Juárez, Los Mochis e outras localidades do norte. Muitos lembram os primeiros dias: pá e martelo na mão, convivendo em casas simples com outros voluntários, tardes passadas com crianças, adolescentes e jovens do bairro brincando no terreno onde surgiria o oratório. Às vezes faltava o teto, mas não faltavam a alegria, o senso de família e o encontro com a Eucaristia.

Essas primeiras comunidades de salesianos e voluntários levaram nos corações o amor a Deus, a Maria Auxiliadora e a Dom Bosco, manifestando espírito pioneiro, ardor missionário e cuidado total pelos outros.

Evolução
Com o crescimento da Inspetoria e da Pastoral Juvenil, surgiu a necessidade de itinerários formativos claros para os voluntários. A organização se fortaleceu por meio de:
Questionário de candidatura: cada aspirante a voluntário preenchia uma ficha e respondia a um questionário que delineava suas características humanas, espirituais e salesianas, iniciando o processo de crescimento pessoal.

Curso de formação inicial: oficinas teatrais, jogos e dinâmicas de grupo, catequese e ferramentas práticas para as atividades de campo. Antes da partida, os voluntários se reuniam para concluir a formação e receber o envio nas comunidades salesianas.

Acompanhamento espiritual: convidava-se o candidato a ser acompanhado por um salesiano em sua comunidade de origem. Por um certo período, a preparação foi realizada junto com aspirantes salesianos, fortalecendo o aspecto vocacional, embora essa prática tenha sofrido modificações conforme a animação vocacional da Inspetoria.

Encontro anual da Inspetoria: todos os anos, em dezembro, próximo ao Dia Internacional do Voluntário (5 de dezembro), os voluntários se reúnem para avaliar a experiência, refletir sobre o caminho de cada um e consolidar os processos de acompanhamento.

Visitas às comunidades: a equipe de coordenação visita regularmente as comunidades onde atuam os voluntários, para apoiar não apenas os jovens, mas também salesianos e leigos da comunidade educativo-pastoral, fortalecendo as redes de apoio.

Projeto de vida pessoal: cada candidato elabora, com a ajuda do acompanhante espiritual, um projeto de vida que ajude a integrar a dimensão humana, cristã, salesiana, vocacional e missionária. Prevê-se um período mínimo de seis meses de preparação, com momentos online dedicados às várias dimensões.

Envolvimento das famílias: encontros informativos com os pais sobre os processos do VJS, para fazer compreender o percurso e fortalecer o apoio familiar.

Formação contínua durante a experiência: a cada mês é abordada uma dimensão (humana, espiritual, apostólica etc.) por meio de materiais de leitura, reflexão e trabalho de aprofundamento em andamento.

Pós-voluntariado: após a conclusão da experiência, organiza-se um encontro de encerramento para avaliar a experiência, planejar os passos seguintes e acompanhar o voluntário na reinserção na comunidade de origem e na família, com fases presenciais e online.

Novas etapas e renovações
Recentemente, a experiência passou a se chamar Voluntariado Missionário Salesiano (VMS), em linha com a ênfase da Congregação na dimensão espiritual e missionária. Algumas novidades introduzidas:

Pré-voluntariado breve: durante as férias escolares (dezembro-janeiro, Semana Santa e Páscoa, e especialmente o verão) os jovens podem experimentar por curtos períodos a vida em comunidade e o compromisso de serviço, para ter um primeiro “gosto” da experiência.

Formação para a experiência internacional: foi instituído um processo específico para preparar os voluntários a viver a experiência fora das fronteiras nacionais.

Maior ênfase no acompanhamento espiritual: não mais apenas “enviar para trabalhar”, mas colocar no centro o encontro com Deus, para que o voluntário descubra sua vocação e missão.

Como destaca Margarita Aguilar, coordenadora do VMS em Guadalajara: “Um voluntário precisa ter as mãos vazias para poder abraçar sua missão com fé e esperança em Deus.”

Motivações dos jovens
Na base da experiência VMS está sempre a pergunta: “Qual é a sua motivação para se tornar voluntário?”. Podem ser identificados três grupos principais:

Motivação operacional/prática: quem acredita que realizará atividades concretas ligadas às suas competências (ensinar numa escola, servir em refeitório, animar um oratório). Muitas vezes descobre que o voluntariado não é apenas trabalho manual ou didático e pode ficar desapontado, se esperava uma experiência meramente instrumental.

Motivação ligada ao carisma salesiano: os que já se beneficiaram de obras salesianas e desejam aprofundar e viver mais intensamente o carisma, imaginando uma experiência intensa como um longo encontro festivo do Movimento Juvenil Salesiano, mas por um período prolongado.

Motivação espiritual: quem pretende compartilhar sua experiência de Deus e descobri-lo nos outros. Às vezes, porém, essa “fidelidade” é condicionada por expectativas (ex.: “sim, mas só nesta comunidade” ou “sim, mas se eu puder voltar para um evento familiar”), e é necessário ajudar o voluntário a amadurecer o “sim” de forma livre e generosa.

Três elementos-chave do VMS
A experiência do Voluntariado Missionário Salesiano se articula em três dimensões fundamentais:

Vida espiritual: Deus é o centro. Sem oração, sacramentos e escuta do Espírito, a experiência corre o risco de se reduzir a um simples compromisso operacional, cansando o voluntário até o abandono.

Vida comunitária: a comunhão com os salesianos e com os demais membros da comunidade fortalece a presença do voluntário junto a crianças, adolescentes e jovens. Sem comunidade não há apoio nos momentos de dificuldade nem contexto para crescer juntos.

Vida apostólica: o testemunho alegre e a presença afetiva entre os jovens evangelizam mais do que qualquer atividade formal. Não se trata apenas de “fazer”, mas de “ser” sal e luz no cotidiano.

Para viver plenamente essas três dimensões, é necessário um percurso de formação integral que acompanhe o voluntário do início ao fim, abraçando todos os aspectos da pessoa (humano, espiritual, vocacional) segundo a pedagogia salesiana e o mandato missionário.

O papel da comunidade de acolhida
O voluntário, para ser um instrumento autêntico de evangelização, precisa de uma comunidade que o apoie, sirva de exemplo e guia. Da mesma forma, a comunidade acolhe o voluntário para integrá-lo, apoiando-o nos momentos de fragilidade e ajudando-o a se libertar de vínculos que dificultam a dedicação total. Como destaca Margarita: “Deus nos chamou para ser sal e luz da Terra e muitos dos nossos voluntários encontraram a coragem de pegar um avião deixando para trás a família, os amigos, a cultura, seu modo de viver para escolher esse estilo de vida centrado em ser missionários.”

A comunidade oferece espaços de diálogo, oração comum, acompanhamento prático e emocional, para que o voluntário possa permanecer firme em sua escolha e dar frutos no serviço.

A história do voluntariado missionário salesiano em Guadalajara é um exemplo de como uma experiência pode crescer, se estruturar e se renovar aprendendo com erros e acertos. Colocando sempre no centro a motivação profunda do jovem, a dimensão espiritual e comunitária, oferece um percurso capaz de transformar não apenas as realidades servidas, mas também a vida dos próprios voluntários.
Margarita Aguilar nos diz: “Um voluntário precisa ter as mãos vazias para poder abraçar sua missão com fé e esperança em Deus.”

Agradecemos a Margarita por suas preciosas reflexões: seu testemunho nos lembra que o voluntariado missionário não é um mero serviço, mas um caminho de fé e crescimento que toca a vida dos jovens e das comunidades, renovando a esperança e o desejo de se doar por amor a Deus e ao próximo.




Os cordeirinhos e a tempestade de verão (1878)

O relato onírico que se segue, narrado por Dom Bosco na noite de 24 de outubro de 1878, é muito mais do que um simples entretenimento noturno para os jovens do Oratório. Através da delicada imagem dos cordeirinhos surpreendidos por uma violenta tempestade de verão, o santo educador traça uma alegoria vívida das férias escolares: um tempo aparentemente despreocupado, mas carregado de perigos espirituais. O prado convidativo representa o mundo exterior, o granizo simboliza as tentações, enquanto o jardim protegido alude à segurança oferecida pela vida de graça, pelos sacramentos e pela comunidade educativa. Neste sonho, que se torna catequese, Dom Bosco lembra aos seus meninos — e a nós — a urgência de vigiar, recorrer à ajuda divina e apoiar-se mutuamente para voltar íntegros à vida cotidiana.

            Da partida para as férias e do retorno, nenhuma novidade neste ano, se não fosse um sonho em torno dos efeitos que as férias costumam produzir. Dom Bosco narrou-o na noite de 24 de outubro. Assim que fez seu anúncio, viram-se manifestações gerais de júbilo.
            Estou feliz em ver meu exército armado contra diabolum (contra o demônio). Essa expressão, embora latina, também é entendida por Cottino [ajudante no refeitório, que se gabava de ser poeta]. Tantas coisas gostaria de dizer-lhes, sendo a primeira vez que lhes falo depois das férias; mas por enquanto quero contar-lhes um sonho. Sabem que os sonhos são feitos dormindo e que não se deve acreditar neles; mas se não há mal em não acreditar, às vezes não há mal em acreditar e pode até servir como instrução, como, por exemplo, este.
            Eu estava em Lanzo no primeiro turno de exercícios espirituais e dormia quando, como eu disse, tive um sonho. Encontrei-me num lugar onde não sabia qual região fosse, mas era perto de uma cidade onde se estendia um jardim, e próximo a este jardim um vasto prado. Estava na companhia de alguns amigos que me convidaram para entrar no jardim. Entro e vejo muito cordeiros que pulavam, corriam, davam cambalhotas, segundo seu costume. Quando eis que uma porta se abre no gramado e os cordeiros saem para pastar.
            Muitos, no entanto, não se importam em sair, mas param no jardim; e iam aqui e ali cortando um pouco de grama, e assim pastavam, embora não houvesse capim em abundância como fora no prado, aonde chegara o maior número. – Quero ver o que esses cordeirinhos fazem lá fora, – eu disse. Fomos ao prado e vimo-los pastando em paz. E eis que o céu se escurece rapidamente, raios e trovões seguem e uma tempestade se aproxima.
            – O que será desses cordeirinhos, se pegam a tempestade? – eu ia falando. Vamos nos retirar em lugar seguro. – E comecei a chamá-los. Então eu de um lado e os meus companheiros espalhados em lugares diferentes, tentamos empurrá-los para a porta do jardim. Mas eles não queriam saber de entrar; corre aqui, foge de lá, eh, sim! Os cordeirinhos tinham pernas melhores que as nossas. Enquanto isso, gotas grossas começaram a cair, então veio a chuva e eu não conseguia reunir aquele rebanho. Uma ou duas ovelhinhas entraram no jardim, mas todas as outras, e estavam em grande quantidade, permaneceram no prado. – Bem, eu disse, se elas não querem vir, pior para elas! No entanto, nós nos retiramos. – E fomos para o jardim.
            Lá havia uma fonte sobre a qual estava escrito em grandes letras: Fons signatus, fonte selada. Estava coberta e eis que se abre; a água se eleva e se divide em forma de arco-íris, mas parecido a uma abóbada como esse pórtico.
            Enquanto isso, os raios se tornaram mais frequentes, o trovão mais ruidoso e o granizo começou a cair. Nós, com todos os cordeiros que estavam no jardim, nos abrigamos e nos reunimos embaixo daquela abóbada maravilhosa e a água e o granizo não penetravam ali.
            – Mas o que é isso? – eu perguntava aos amigos. O que acontecerá com os pobrezinhos do lado de fora?
            – Verá! – responderam-me. Olhe na testa desses cordeiros; o que vê? – Observei e vi que na testa de cada um desses animais estava escrito o nome de um jovem do Oratório.
            – O que é isso? – perguntei.
            – Verá, verá!
            Enquanto isso, eu não conseguia mais me conter e queria sair para ver o que faziam aqueles pobres cordeiros que tinham ficado de fora. – Vou recolher os que morreram e enviá-los para o Oratório, pensava eu. – Saindo fora daquele arco, eu também peguei a chuva; e vi aquelas pobres criaturinhas caídas no chão que, enquanto se moviam, tentavam se levantar e ir em direção ao jardim; mas não podiam andar. Eu abri a porta, levantei minha voz; mas seus esforços foram inúteis. A chuva e o granizo os machucavam tanto e continuavam a maltratá-los, que dava pena: um ficara ferido na cabeça, outro na mandíbula, outro num olho, ou numa perna, outros em outras partes do corpo.
            Depois de algum tempo a tempestade cessou. – Olhe, me disse aquele que estava ao meu lado; olhe na testa desses cordeiros. – Observei e li em cada fronte o nome de um jovem do Oratório. – Mah! – eu disse; conheço o jovem que tem esse nome e não acho que é um cordeiro.
            Verá, verá, foi-me respondido. – Em seguida, um vaso de ouro com uma tampa de prata foi-me apresentado, e me foi dito: – Toque nas feridas dessas criaturas depois de molhar a mão nesse unguento e imediatamente as feridas sararão.
            Eu me coloco a chamá-las:
             – Brr, brr! – e elas não se mexem. Repito a chamada; nada: tento aproximar-me de uma e ela se afasta. – Não quer? Pior para você, exclamei. Vou para outra. – E vou, mas mesmo essa me escapa. A quantas me aproximava para ungi-las e curá-las, muitas fugiam de mim. Eu as seguia, mas repetia esse jogo inutilmente. Por fim, cheguei a uma que, coitadinha, tinha os olhos fora das órbitas e tão surrada que dava pena. Toquei-a com a mão e ela sarou e pulou para o jardim.
            Então muitas outras ovelhas, tendo visto isto, não mais tiveram repugnância e permitiram ser tocadas, curadas e entraram no jardim. Mas muitas e geralmente as mais feridas ficaram de fora, nem foi possível abordá-las.
            – Se não querem curar-se, pior para elas! Mas não sei como posso levá-las de volta para o jardim.
            – Deixe isso, disse-me um dos amigos que estavam comigo; elas virão, elas virão.
            – Vamos ver! – eu disse, e recoloquei o vaso de ouro lá onde estava antes e voltei ao jardim. Este tinha-se mudado e li sobre a entrada: Oratório. Assim que entrei, eis que aqueles cordeiros que não queriam vir, se aproximam, entram furtivamente e correm para se esconder aqui e ali; e nem mesmo então consegui abordar algum. Havia também vários que, não tendo recebido de bom grado o unguento, esse convertera-se em veneno e, em vez de curá-los, exacerbava suas feridas.
            – Olhe! Vê aquele estandarte? – disse-me um amigo.
            – Virei e vi uma grande bandeira abanar, e podia-se ler nela uma palavra em grandes letras: Férias. – Sim, estou vendo, respondi.
            – Eis o efeito das férias, explicou quem estava me acompanhando, estando eu fora de mim pela dor daquele espetáculo. Os meus jovens deixam o Oratório para ir de férias, com boa vontade para alimentar-se da palavra de Deus e para se manterem bons: mas depois vem a tempestade, que são as tentações; então a chuva, que são os assaltos do diabo; enfim, o granizo cai e é quando os coitados caem em culpa. Alguns ainda se recuperam com a confissão, mas outros não usam bem este sacramento, ou não o frequentam. Tenha isso em mente e nunca se canse de dizer aos seus jovens que as férias são uma grande tempestade para suas almas.
            Observava eu esses cordeiros e via em alguns feridas mortais; e estava tentando encontrar uma maneira de curá-los, quando P. Scappini, que fizera barulho, levantando-se no quarto ao lado, me acordou.
            Este é o sonho, e embora seja um sonho, tem um significado que não prejudicará aqueles que nele prestarão atenção. Também posso dizer que notei alguns nomes entre os muitos cordeiros do sonho e, comparando-os com os jovens, vi que estes se comportavam exatamente como aconteceu no sonho. Seja qual for o caso, devemos nesta novena dos Santos corresponder à bondade de Deus que quer usar de misericórdia e com uma boa confissão purgar as feridas de nossa consciência. Devemos, então, todos concordar em lutar conta o demônio e com a ajuda de Deus sairemos vitoriosos desta batalha e iremos receber o prêmio da vitória no Paraíso.
            Este sonho deve ter tido uma grande influência no início do novo ano escolar; de fato, na novena da Imaculada, as coisas estavam progredindo tão bem, que Dom Bosco expressou sua satisfação dizendo: – Os jovens estão agora no ponto em que, nos últimos anos, mal chegavam em fevereiro. – Na festa da Imaculada Conceição esses viram renovar-se a bela função de despedida da quarta expedição de missionários.
(MB XIII 761-764 / MB PT XIII, 661-665)




Dom Bosco e as procissões eucarísticas

Um aspecto pouco conhecido, mas importante, do carisma de São João Bosco são as procissões eucarísticas. Para o santo dos jovens, a Eucaristia não era apenas uma devoção pessoal, mas uma ferramenta pedagógica e um testemunho público. Em uma Turim em transformação, Dom Bosco viu nas procissões uma oportunidade para fortalecer a fé dos jovens e anunciar Cristo nas ruas. A experiência salesiana, que se espalhou pelo mundo, mostra como a fé pode se encarnar na cultura e responder aos desafios sociais. Ainda hoje, vividas com autenticidade e abertura, essas procissões podem se tornar sinais proféticos de fé.

Quando se fala de São João Bosco (1815-1888), pensa-se imediatamente em seus oratórios populares, na paixão educativa pelos jovens e na família salesiana nascida de seu carisma. Menos conhecido, mas não menos decisivo, é o papel que a devoção eucarística — e em particular as procissões eucarísticas — teve em sua obra. Para Dom Bosco, a Eucaristia não era apenas o coração da vida interior; constituía também uma poderosa ferramenta pedagógica e um sinal público de renovação social em uma Turim em rápida transformação industrial. Revisitar a ligação entre o santo dos jovens e as procissões com o Santíssimo significa entrar em um laboratório pastoral onde liturgia, catequese, educação cívica e promoção humana se entrelaçam de maneira original e, por vezes, surpreendente.

As procissões eucarísticas no contexto do século XIX
Para compreender Dom Bosco, é preciso lembrar que o século XIX italiano viveu um intenso debate sobre o papel público da religião. Após a época napoleônica e o movimento do “Ressurgimento” [Unificação], as manifestações religiosas nas ruas das cidades não eram mais garantidas: em muitas regiões, delineava-se um estado liberal que olhava com desconfiança qualquer expressão pública do catolicismo, temendo aglomerações em massa ou ressurgimentos “reacionários”. As procissões eucarísticas, no entanto, mantinham uma força simbólica muito poderosa: lembravam o senhorio de Cristo sobre toda a realidade e, ao mesmo tempo, faziam emergir uma Igreja popular, visível e encarnada nos bairros. Contra esse pano de fundo, destaca-se a obstinação de Dom Bosco, que nunca desistiu de acompanhar seus jovens no testemunho da fé fora dos muros do oratório, fossem as avenidas de Valdocco ou as áreas rurais ao redor.

Desde os anos de formação no seminário de Chieri, João Bosco desenvolveu uma sensibilidade eucarística de sabor “missionário”. As crônicas contam que ele frequentemente parava na capela, após as aulas, para longas orações diante do sacrário. Nas “Memórias do Oratório”, ele mesmo reconhece ter aprendido com seu diretor espiritual, o P. Cafasso, o valor de “fazer-se pão” para os outros: contemplar Jesus que se doa na Hóstia significava, para ele, aprender a lógica do amor gratuito. Essa linha atravessa toda a sua trajetória: “Mantenham-se amigos de Jesus sacramentado e Maria Auxiliadora”, repetia aos jovens, indicando a comunhão frequente e a adoração silenciosa como pilares de um caminho de santidade laical e cotidiana.

O oratório de Valdocco e as primeiras procissões internas
Nos primeiros anos da década de 1840, o oratório de Turim ainda não possuía uma igreja propriamente dita. As celebrações aconteciam em barracas de madeira ou pátios adaptados. Dom Bosco, no entanto, não desistiu de organizar pequenas procissões internas, quase “ensaios gerais” daquilo que se tornaria uma prática estável. Os jovens carregavam velas e estandartes, cantavam louvores marianos e, ao final, paravam ao redor de um altar improvisado para a bênção eucarística. Essas primeiras tentativas tinham uma função eminentemente pedagógica: acostumar os jovens a uma participação devota, mas alegre, unindo disciplina e espontaneidade. Na Turim operária, onde muitas vezes a miséria desembocava em violência, desfilar ordenadamente com o lenço vermelho no pescoço já era um sinal contra a corrente: mostrava que a fé podia educar ao respeito por si mesmo e pelos outros.

Dom Bosco sabia muito bem que uma procissão não se improvisa: são necessários sinais, cantos, gestos que falem ao coração antes mesmo da mente. Por isso, ele cuidava pessoalmente da explicação dos símbolos. O baldaquino tornava-se a imagem da tenda da congregação, sinal da presença divina que acompanha o povo em caminhada. As flores espalhadas pelo percurso lembravam a beleza das virtudes cristãs que devem adornar a alma. Os lampiões, indispensáveis nas saídas noturnas, aludiam à luz da fé que ilumina as trevas do pecado. Cada elemento era objeto de uma pequena “pregação” convivencial no refeitório ou na recreação, de modo que a preparação logística se entrelaçasse com a catequese sistemática. O resultado? Para os jovens, a procissão não era um dever ritual, mas uma ocasião festiva carregada de significado.

Um dos aspectos mais característicos das procissões salesianas era a presença da banda formada pelos próprios alunos. Dom Bosco considerava a música um antídoto contra o ócio e, ao mesmo tempo, uma poderosa ferramenta de evangelização: “Uma marcha alegre bem executada — escrevia — atrai as pessoas como o ímã atrai o ferro”. A banda precedia o Santíssimo, alternando peças sacras com árias populares adaptadas com textos religiosos. Esse “diálogo” entre fé e cultura popular reduzia as distâncias com os transeuntes e criava ao redor da procissão uma aura de festa compartilhada. Não poucos cronistas leigos testemunharam ter sido “intrigados” por aquele grupo de jovens músicos disciplinados, tão diferente das bandas militares ou filarmônicas da época.

Procissões como resposta às crises sociais
A Turim do século XIX conheceu epidemias de cólera (1854 e 1865), greves, fomes e tensões anticlericais. Dom Bosco reagiu frequentemente propondo procissões extraordinárias de reparação ou súplica. Durante a cólera de 1854, levou os jovens pelas ruas mais afetadas, recitando em voz alta as ladainhas pelos enfermos e distribuindo pão e remédios. Nesse momento nasceu a promessa — depois cumprida — de construir a igreja de Maria Auxiliadora: “Se Nossa Senhora salvar meus jovens, lhe erguerei um templo”. As autoridades civis, inicialmente contrárias a cortejos religiosos por medo de contágio, tiveram que reconhecer a eficácia da rede de assistência salesiana, alimentada espiritualmente justamente pelas procissões. A Eucaristia, levada entre os doentes, tornava-se assim um sinal tangível da compaixão cristã.

Ao contrário de certos modelos devocionais fechados nas sacristias, as procissões de Dom Bosco reivindicavam um direito de cidadania da fé no espaço público. Não se tratava de “ocupar” as ruas, mas de devolvê-las à sua vocação comunitária. Passar sob as varandas, atravessar praças e pórticos significava lembrar que a cidade não é apenas lugar de troca econômica ou de confronto político, mas sim de encontro fraterno. Por isso, Dom Bosco insistia em uma ordem impecável: capas escovadas, sapatos limpos, filas regulares. Queria que a imagem da procissão comunicasse beleza e dignidade, persuadindo até os observadores mais céticos de que a proposta cristã elevava a pessoa.

A herança salesiana das procissões
Após a morte de Dom Bosco, seus filhos espirituais difundiram a prática das procissões eucarísticas pelo mundo todo: das escolas agrícolas da Emília às missões da Patagônia, dos colégios asiáticos aos bairros operários de Bruxelas. O que importava não era duplicar servilmente um rito piemontês, mas transmitir o núcleo pedagógico: protagonismo juvenil, catequese simbólica, abertura à sociedade ao redor. Assim, na América Latina, os salesianos inseriram danças tradicionais no início do cortejo; na Índia adotaram tapetes de flores segundo a arte local; na África subsaariana alternaram cantos gregorianos a ritmos polifônicos tribais. A Eucaristia tornava-se ponte entre culturas, realizando o sonho de Dom Bosco de “fazer de todos os povos uma única família”.

Sob o ponto de vista teológico, as procissões de Dom Bosco incorporam uma forte visão da presença real de Cristo. Levar o Santíssimo “para fora” significa proclamar que o Verbo não se fez carne para ficar trancado, mas para “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Essa presença pede para ser anunciada em formas compreensíveis, sem se reduzir a um gesto intimista. Em Dom Bosco, a dinâmica centrípeta da adoração (reunir os corações em torno da Hóstia) gera uma dinâmica centrífuga: os jovens, nutridos no altar, sentem-se enviados a servir. Da procissão surgem microcompromissos: assistir um companheiro doente, pacificar uma briga, estudar com mais diligência. A Eucaristia se prolonga nas “procissões invisíveis” da caridade cotidiana.

Hoje, em contextos secularizados ou multirreligiosos, as procissões eucarísticas podem levantar questionamentos: ainda são comunicativas? Não correm o risco de parecer folclore nostálgico? A experiência de Dom Bosco sugere que a chave está na qualidade relacional mais do que na quantidade de incenso ou paramentos. Uma procissão que envolve famílias, explica os símbolos, integra linguagens artísticas contemporâneas e, sobretudo, se conecta a gestos concretos de solidariedade, mantém uma surpreendente força profética. O recente Sínodo dos Jovens (2018) ressaltou várias vezes a importância de “sair” e “mostrar a fé com a carne”. A tradição salesiana, com sua liturgia itinerante, oferece um paradigma já testado de “Igreja em saída”.

As procissões eucarísticas não eram para Dom Bosco simples tradições litúrgicas, mas verdadeiros atos educativos, espirituais e sociais. Elas representavam uma síntese entre fé vivida, comunidade educativa e testemunho público. Através delas, Dom Bosco formava jovens capazes de adorar, respeitar, servir e testemunhar.
Hoje, em um mundo fragmentado e distraído, resgatar o valor das procissões eucarísticas à luz do carisma salesiano pode ser uma maneira eficaz de reencontrar o sentido do essencial: Cristo presente no meio do seu povo, que caminha com ele, o adora, serve e anuncia.
Em uma época que busca autenticidade, visibilidade e relações, a procissão eucarística – se vivida segundo o espírito de Dom Bosco – pode ser um sinal poderoso de esperança e renovação.

Foto: Shutterstock




São Francisco de Sales o ensina. Futuro sobre as vocações (1879)

No sonho profético que Dom Bosco relata em 9 de maio de 1879, São Francisco de Sales aparece como um mestre atencioso e entrega ao Fundador um livrinho cheio de advertências para noviços, professos, diretores e superiores. A visão é dominada por duas batalhas épicas: jovens e guerreiros primeiro, depois homens armados e monstros, enquanto o estandarte de “Maria Auxilium Christianorum” garante a vitória a quem o segue. Os sobreviventes partem para o Oriente, Norte e Sul, prefigurando a expansão missionária salesiana. As palavras do Santo insistem na obediência, castidade, caridade educativa, amor ao trabalho e temperança, colunas indispensáveis para que a Congregação cresça, resista às provações e deixe aos filhos uma herança de santidade operosa. Termina com um caixão, um severo chamado à vigilância e à oração.

            Seja o que for desse sonho [cura de doença dos olhos com suco de chicória], o Beato teve outro dos costumeiros, que ele narrou no dia 09 de maio. Nele viu as lutas renhidas que os chamados à Congregação deveriam enfrentar; recebeu uma série de vários conselhos para todos os seus e alguns para o futuro.

            Grande e longa batalha de jovens contra guerreiros de diferentes fisionomias, formas diversas, com armas estranhas. No fim sobraram poucos sobreviventes.
            Outra batalha mais renhida e horrível aconteceu entre monstros gigantescos contra homens de alta estatura bem armados e bem treinados. Estes tinham um estandarte alto e largo, no centro o qual estavam pintadas em ouro estas palavras: Maria Auxilium Christianorum. (Maria Auxílio dos Cristãos). A luta foi longa e sanguinolenta. Contudo, os que seguiam o estandarte ficaram como que invulneráveis, tornando-se donos de vastíssima planície. A estes agregaram-se jovens que sobreviveram à batalha anterior, formando juntos como que um exército, tendo cada um como arma o santíssimo crucifixo na mão direita, na esquerda um pequeno estandarte de Maria Auxiliadora, feito como foi falado acima.
            Os novos soldados realizaram muitas manobras nessa ampla planície; depois se separaram e foram uma parte para o Oriente, uns poucos para o Norte, muitos para o Sul.
            Desaparecidos estes, as mesmas batalhas aconteceram novamente, as mesmas manobras e partidas para as mesmas direções.
            Conheci alguns das primeiras lutas. Os que vieram depois me eram desconhecidos, mas eles mostravam conhecer-me e me dirigiam muitas perguntas.
            Houve depois uma chuva de pequenas chamas esplendentes que pareciam de fogo com cores variadas. Trovejou, depois o céu ficou sereno, e encontrei-me numa agradabilíssimo jardim. Um homem com a fisionomia de São Francisco de Sales ofereceu-me um livreto sem dizer palavra. Perguntei quem era.
            – Leia o livro – foi a resposta.
            Abri o livro, mas era difícil lê-lo. Pude, porém, perceber essas precisas palavras:
Aos noviços: – Obediência em tudo. Com a obediência merecerão as bênçãos do Senhor e a simpatia os homens. Com a diligência combaterão e vencerão as insídias dos inimigos espirituais.
Aos professos: – Guardar ciosamente a virtude da castidade. Amar o bom nome dos irmãos e promover a dignidade da Congregação.
Aos diretores: – Todo cuidado, todo esforço para observar e fazer observar as regras pelas quais cada um se consagrou a Deus.
Para o superior: – Holocausto absoluto para ganhar Deus para si e seus súditos.
            Muitas outras coisas estavam impressas nesse livro, mas não pude mais ler, pois o papel ficou azul como a tinta.
            – Quem é o senhor? – Perguntei novamente; e esse homem, que me fitava com olhar sereno, me respondeu:
            – Meu nome é conhecido de todos os bons e fui enviado para comunicar algumas coisas futuras.
            – Quais?
            – As que estão expostas e as que me perguntará.
            – O que devo fazer para promover as vocações?
            – Os salesianos terão muitas vocações com seu comportamento exemplar, tratando os alunos com muita caridade e insistindo na frequência à comunhão.
            – O que é preciso observar na aceitação dos noviços?
            – Excluir os preguiçosos e os glutões.
            – Ao aceitar para os votos?
            – Vigiar se há garantia quanto à castidade.
            – Como fazer para mais bem conservar o bom espírito em nossas casas?
            – Escrever, visitar, acolher e tratar com bondade; e isto frequentemente por parte dos superiores.
            – Como devemos nos regular quanto às missões?
            – Enviar indivíduos seguros na moralidade; chamar a atenção dos que deixarem perceber dúvida grave; cuidar e cultivar as vocações indígenas.
            – Nossa Congregação vai bem?
            – Qui justus est justificetur adhuc. Non progredi est regredi. Qui perseveraverit, salvus erit (Que o justo continue praticando a justiça. Não progredir é retroceder. Quem perseverar será salvo – Ap 22,11; Mt 10,22).
            – Vai crescer muito?
            – Enquanto os superiores exercerem sua função, crescerá e ninguém poderá impedir sua propagação.
            – Durará muito tempo?
            – A Congregação de vocês durará enquanto os sócios amarem o trabalho e a temperança. Se faltar uma destas duas colunas, o edifício de vocês cairá, esmagando superiores, inferiores e seus seguidores.
            Nesse instante apareceram quatro indivíduos carregando um caixão de defunto. Vieram em minha direção.
            – Para quem é isto? – eu falei.
            – Para você!
            – Já?
            – Não pergunte. Somente pense que é mortal.
            – O que querem dizer-me com este caixão?
            – Que deve fazer cumprir durante a vida o que deseja que seus filhos devam praticar depois de você. Esta é a herança, o testamento que deve deixar a seus filhos; mas deve prepará-lo e deixá-lo bem completo e bem praticado.
            – Haverá mais flores ou espinhos?
            – Haverá muitas rosas, muitas consolações; mas há iminentes espinhos pungentíssimos, causando em todos amargura profunda e tristeza. Há necessidade de rezar muito.
            – Iremos a Roma?
            – Sim, mas devagar, com a maior prudência e com refinada cautela.
            – Será iminente o fim de minha vida mortal?
            – Não se preocupe com isso. Você tem as regras, tem os livros; faça o que a outros ensina. Vigie.
            Queria perguntar mais, porém houve um tremendo trovão com relâmpagos e raios, enquanto alguns homens, melhor falando, horríveis monstros se lançaram contra mim para me despedaçar. Nesse momento negra escuridão tirou-me a visão de tudo. Achei que tinha morrido, e comecei a gritar como louco. Acordei e me vi ainda vivo. Eram quatro horas e quarenta e cinco da manhã.
            Se houver alguma coisa de bom, aceitemos.
            Em tudo haja honra e glória a Deus por todos os séculos dos séculos.
(MBp XIV, 102-104)

Foto na página de rosto. São Francisco de Sales. Anônimo. Sacristia da Catedral de Chieri




Novena a Maria Auxiliadora 2025

Esta novena a Maria Auxiliadora 2025 nos convida a nos redescobrirmos filhos sob o olhar materno de Maria. A cada dia, através das grandes aparições – de Lourdes a Fátima, de Guadalupe a Banneux – contemplamos um traço do seu amor: humildade, esperança, obediência, assombro, confiança, consolação, justiça, doçura, sonho. As meditações do Reitor-Mor e as orações dos “filhos” nos acompanham em um caminho de nove dias que abre o coração à fé simples dos pequenos, alimenta a oração e encoraja a construir, com Maria, um mundo curado e cheio de luz, para nós e para todos aqueles que buscam esperança e paz.

1º Dia
Ser Filhos – Humildade e fé

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de Lurdes
A pequena Bernadette Soubirous
11 de fevereiro de 1858. Eu acabara de completar 14 anos. Era uma manhã como qualquer outra, um dia de inverno. Estávamos com fome, como sempre. Havia uma caverna, com uma entrada escura. No silêncio, senti uma grande brisa. O arbusto moveu-se, foi sacudido por uma grande força. Vi, então, uma jovem mulher, branca, não mais alta do que eu, que me cumprimentou com uma leve inclinação da cabeça; ao mesmo tempo, afastou um pouco do corpo os braços estendidos, abrindo as mãos, como as estátuas de Nossa Senhora; fiquei com medo. Então, ocorreu-me rezar: peguei o terço que sempre levo comigo e comecei a rezar o rosário.

Maria mostra-se a sua filha Bernadette Soubirous. A ela, que não sabia ler nem escrever, que falava dialeto e não frequentava o catecismo. Uma menina pobre, alvo de bullying de todos na aldeia, no entanto mesmo assim pronta a confiar e entregar-se, como quem não tem nada. E nada a perder. Maria confia-lhe os seus segredos, e o faz porque confia nela. Trata-a com ternura, dirige-se a ela com gentileza, diz-lhe “por favor”. E Bernadette se abandona e acredita nela, exatamente como uma criança faz com a própria mãe. Acredita na promessa que Nossa Senhora lhe faz: de não a fazer feliz neste mundo, mas no outro. E ela se lembra dessa promessa por toda a vida. Uma promessa que lhe permitirá enfrentar todas as dificuldades de cabeça erguida, com força e determinação, fazendo o que Nossa Senhora lhe pediu: rezar, rezar sempre por todos nós, pecadores. Ela também promete: guarda os segredos de Maria e dá voz ao seu pedido de um Santuário no local da aparição. E, no momento da morte, Bernadette sorri, recordando o rosto de Maria, seu olhar terno, seus silêncios, suas poucas, mas intensas palavras e, sobretudo, aquela promessa. E se sente filha, filha de uma Mãe que cumpre as suas promessas.

Maria, Mãe que promete
Tu, que prometeste ser mãe da humanidade, ficaste ao lado dos teus filhos, a começar pelos pequenos e mais pobres. A eles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Tem fé: Maria se mostra também a nós se soubermos despojar-nos de tudo.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, humildade e fé

Podemos dizer que a Bem-Aventurada Virgem Maria é para nós um farol de humildade e de fé que acompanha o nosso tempo, acompanha a nossa vida, acompanha a experiência de todos e de cada um de nós. Não esqueçamos, porém, que a humildade de Maria não é, antes de qualquer coisa, uma simples modéstia exterior, não é uma fachada, mas sim uma profunda consciência da sua pequenez diante da grandeza de Deus.

O seu “sim, eis aqui a serva do Senhor”, que ela pronunciou diante do anjo, é um ato de humildade, não de presunção; é um abandono confiante de quem se reconhece instrumento nas mãos de Deus. Maria não busca reconhecimento, Maria busca simplesmente ser serva, colocando-se silenciosamente em último lugar, com humildade, com simplicidade que nos desarma. Esta humildade, uma humildade radical, é a chave que abriu o coração de Maria à Graça Divina, permitindo que o Verbo de Deus, com a sua grandeza, com a sua imensidão, se encarnasse no seu seio humano.

Eis que Maria nos ensina a sermos como somos, com a nossa humildade, sem orgulho, sem depender da nossa autoridade, da nossa autorreferência, colocando-nos livremente diante de Deus para que possamos colher com plena liberdade e disponibilidade, como o fez Maria, o amor divino e viver a Sua vontade. Eis o segundo ponto, eis a fé de Maria. A humildade de serva a coloca em um caminho constante de adesão incondicional ao projeto de Deus, mesmo nos momentos mais obscuros e incompreensíveis, o que significa enfrentar com coragem a pobreza da sua experiência na gruta de Belém, a fuga para o Egito, a vida escondida em Nazaré, mas sobretudo aos pés da cruz, onde a fé de Maria atinge o seu ápice.

Sob a cruz, com um coração trespassado pela dor, Maria não vacila, Maria não cai, Maria crê na promessa. Sua fé não é um sentimento passageiro, mas uma rocha sólida sobre a qual se fundamenta a esperança da humanidade, a nossa esperança. A humildade e a fé em Maria estão intrinsicamente ligadas.

Deixemos que esta humildade de Maria ilumine a nossa humanidade para que também a fé possa brotar em nós, para que, reconhecendo a nossa pequenez diante de Deus, não nos sintamos abandonados por sermos pequenos, não nos deixemos vencer pelas presunções, mas nos coloquemos ali, como Maria, com uma atitude de grande liberdade, com uma atitude de grande disponibilidade, reconhecendo a nossa dependência de Deus, vivamos com Deus na simplicidade, mas ao mesmo tempo na grandeza. Assim, Maria nos exorta a cultivar uma fé serena e firme, capaz de superar as provações e confiar na promessa de Deus. Contemplemos a figura de Maria, humilde e fiel, para que também nós possamos dizer generosamente o nosso “sim”, como ela o fez.

E nós, somos capazes de acolher as suas promessas de amor com o olhar de uma criança?

Oração de um filho infiel
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna puro o meu coração.
Torna-me humilde, pequeno, capaz de perder-me no teu abraço de mãe.
Ajuda-me a redescobrir a importância do papel de filho e guia os meus passos.
Tu prometes, eu prometo, num pacto que só mãe e filho podem fazer.
Eu cairei, mãe, tu o sabes.
Nem sempre cumprirei as minhas promessas.
Nem sempre confiarei.
Nem sempre conseguirei te ver.
Mas tu, permanece presente, em silêncio, com o teu sorriso, os braços estendidos e as mãos abertas.
E eu pegarei o terço e rezarei contigo por todos os filhos como eu.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

2º Dia
Ser Filhos – Simplicidade e esperança

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de Fátima
Os pequenos pastorinhos na Cova da Iria
Na Cova da Iria, por volta das 13h, o céu se abre e o sol aparece. De repente, por volta das 13h30, acontece o improvável: diante de uma multidão admirada, ocorre o milagre mais espetacular, grandioso e incrível já visto desde os tempos bíblicos. O sol inicia uma dança frenética e assustadora que durará mais de dez minutos. Um tempo longuíssimo.

Três pastorinhos, humildes e felizes, testemunham e espalham o milagre que abala milhões de pessoas. Ninguém consegue explicar, dos cientistas aos homens de fé. No entanto, três crianças viram Maria, ouviram a sua mensagem. E acreditam, acreditam nas palavras daquela mulher que apareceu e pediu-lhes para voltarem à Cova da Iria todo dia 13 do mês. Não precisam de explicações, pois depositam toda a sua esperança nas palavras repetidas de Maria. Uma esperança difícil de manter viva, que teria assustado qualquer criança: Nossa Senhora revela a Lúcia, Jacinta e Francisco sofrimentos e conflitos mundiais. Mas eles não têm dúvidas: quem confia na proteção de Maria, mãe protetora, pode enfrentar tudo. E sabem disso muito bem, sentiram na própria pele ao arriscar serem mortos para não trair a palavra dada à mãe celeste. Os três pastorinhos estavam prontos para o martírio, presos e ameaçados diante de um caldeirão de óleo fervente.
Tinham medo:
«Por que temos que morrer sem abraçar os nossos pais? Eu queria tanto ver a minha mãe».
Mesmo assim, decidiram continuar a ter esperança, a acreditar num amor maior do que eles:
«Não tenhais medo. Ofereçamos este sacrifício pela conversão dos pecadores. Pior seria se Nossa Senhora não voltasse mais».
«Por que não rezamos o Terço?».
Uma mãe jamais ignora o clamor dos filhos. E nela os filhos depositam esperança.
Maria, Mãe que protege, permaneceu ao lado dos seus três filhos de Fátima e os salvou, fazendo com que permanecessem vivos.
E hoje ainda protege todos os seus filhos no mundo que peregrinam até o santuário de Nossa Senhora de Fátima.

Maria, Mãe que protege
Tu, que cuidas da humanidade desde o momento da Anunciação, continuas ao lado dos teus filhos mais humildes e cheios de esperança. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Deposita a tua esperança em Maria: ela saberá proteger-te.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, esperança e renovação

A Bem-Aventurada Virgem Maria é a aurora da esperança, fonte inesgotável de renovação.
Contemplar a figura de Maria é como voltar o olhar para um horizonte luminoso, um convite constante a crer num futuro cheio de Graça. E esta Graça é transformadora. Maria é a personificação da esperança cristã em ação. A sua fé inabalável perante as provações, a sua perseverança em seguir Jesus até à cruz, a sua confiante expectativa da ressurreição são as coisas mais importantes. Para nós, são um farol de esperança para toda a humanidade.

Em Maria vemos como a certeza é, por assim dizer, a confirmação da promessa de um Deus que nunca falha em cumprir a sua palavra. Que a dor, o sofrimento, a escuridão não têm a última palavra. Que a morte é vencida pela vida.

Maria é a esperança! Ela é a estrela da manhã que anuncia a vinda do sol da justiça. Recorrer a Ela significa confiar as nossas expectativas, as nossas aspirações a um coração materno que as apresenta amorosamente ao seu Filho Ressuscitado. De alguma forma, a nossa esperança é sustentada pela esperança de Maria. E se há esperança, as coisas não permanecem como antes; há renovação! A renovação da vida. Ao acolher o Verbo encarnado, Maria tornou possível crer na esperança e na promessa de Deus. Ela tornou possível uma nova criação, um novo começo.
A maternidade espiritual de Maria continua a nos gerar na fé, acompanhando-nos no nosso caminho de crescimento e transformação interior.

Peçamos à Santíssima Maria a graça necessária para que esta esperança que vemos realizada nela renove os nossos corações, cure as nossas feridas, faça-nos ultrapassar o véu da negatividade para empreender um caminho de santidade, um caminho de proximidade com Deus. Peçamos a Maria, a mulher que está com os apóstolos na oração, que nos ajude hoje, fiéis e comunidades cristãs, para que sejamos sustentados na fé e abertos aos dons do Espírito, para que a face da terra seja renovada. Maria nos exorta a nunca nos resignarmos ao pecado e à mediocridade, mas, cheios de esperança nela realizada, desejamos ardentemente uma nova vida em Cristo. Que Maria continue sendo para nós modelo e apoio para continuarmos sempre a acreditar na possibilidade de um novo começo, de um renascimento interior que nos conforme cada vez mais à imagem de seu filho Jesus.

E nós, somos capazes de confiar nela e nos deixarmos proteger com os olhos de uma criança?

Oração de um filho desanimado
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração simples e cheio de esperança.
Eu confio em ti: protege-me em todas as situações.
Entrego-me a ti: protege-me em todas as situações.
Eu escuto a tua palavra: protege-me em toda as situações.
Dá-me a capacidade de crer no impossível e de fazer tudo o que está ao meu alcance
para levar o teu amor, a tua mensagem de esperança e a tua proteção ao mundo inteiro.
Peço-te, minha Mãe, protege toda a humanidade, mesmo aquela que ainda não te reconhece.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

3º Dia
Ser Filho – Obediência e dedicação

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de Guadalupe
O jovem Juan Diego
«Juan Diego», disse a Senhora, «pequeno e preferido entre os meus filhos…». Juan ficou de pé num salto.
«Aonde vais, Juanito?», perguntou a Senhora.
Juan Diego respondeu com a maior educação possível. Disse à Senhora que ia à igreja de Santiago para assistir à Missa em honra à Mãe de Deus.
«Meu filho amado», disse a Senhora, «sou eu a Mãe de Deus, e quero que me escutes com atenção. Tenho uma mensagem muito importante para ti. Desejo que me construam uma igreja neste lugar, de onde poderei mostrar o meu amor ao teu povo».

Um diálogo doce, simples e terno, como o de uma mãe com seu filho. E Juan Diego obedeceu: foi até o bispo para relatar o que tinha visto, mas este não lhe deu crédito. Então, o jovem voltou até Maria e explicou-lhe o que tinha acontecido. Nossa Senhora deu-lhe outra mensagem e exortou-o a tentar novamente, de novo e de novo. Juan Diego obedecia, não se dava por vencido: cumpriria a tarefa que a Mãe celeste estava a confiar-lhe. Certo dia, porém, absorvido pelos problemas da vida, estava prestes a faltar ao encontro com Nossa Senhora: seu tio estava morrendo. «Acreditas mesmo que eu me esqueceria de quem amo tanto?» Maria curou o seu tio, enquanto Juan Diego obedecia mais uma vez:
«Meu amado filho», disse a Senhora, «sobe ao topo da colina onde nos encontramos pela primeira vez. Corta e colhe as rosas que lá encontrares. Coloque-as na tua tilma e traga-as até aqui. Eu lhe direi o que deves fazer e dizer». Mesmo sabendo que naquela colina não cresciam rosas, e certamente não no inverno, Juan correu até o topo. E lá estava o jardim mais lindo que já vira. Rosas de Castela, ainda brilhantes de orvalho, estendiam-se a perder de vista. Ele cortou delicadamente os botões mais bonitos com sua faca de pedra, encheu o seu manto com eles e voltou rapidamente até onde a Senhora o esperava. A Senhora pegou as rosas e as arrumou novamente na tilma de Juan. Depois, amarrou-a atrás do seu pescoço e disse: «Este é o sinal que o bispo quer. Rápido, vai até ele e não pares pelo caminho».

No manto aparecera a imagem de Nossa Senhora e, à vista de tal milagre, o bispo se convenceu. E hoje o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe ainda conserva o manto milagroso.

Maria, Mãe que não se esquece
Tu, que não esqueces nenhum dos teus filhos, não deixas ninguém para trás, olhaste para os jovens que depositaram em ti as suas esperanças. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Obedece mesmo quando não compreendes: uma mãe não se esquece, uma mãe não abandona.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, maternidade e compaixão

A maternidade de Maria não se limita ao seu “sim” que tornou possível a encarnação do Filho de Deus. Certamente, aquele momento é o fundamento de tudo, mas a sua maternidade é uma atitude constante, um modo de ser para nós, de nos relacionarmos com toda a humanidade.
Na cruz, Jesus confia João a ela com as palavras: “Mulher, eis aí o teu filho”, estendendo simbolicamente a sua maternidade a todos os fiéis de todos os tempos.
Maria torna-se assim a mãe da Igreja, a mãe espiritual de cada um de nós.

Vejamos, então, como esta maternidade se manifesta num cuidado terno e atencioso, numa atenção constante às necessidades dos seus filhos e num profundo desejo pelo seu bem. Maria acolhe-nos, nutre-nos com a sua expressão de fidelidade, protege-nos sob o seu manto. A maternidade de Maria é um dom imenso que nos aproxima dela; sentimos sua presença amorosa que nos acompanha a cada momento.

Portanto, a compaixão de Maria é a consequência natural da sua maternidade. Compaixão que não é somente um sentimento superficial de piedade, mas uma profunda participação na dor dos outros, um “sofrer com”. Vemo-la manifestada de forma tocante durante a paixão de seu filho. E da mesma forma que Maria não permanece indiferente à nossa dor, ela intercede por nós, nos consola, nos oferece sua ajuda maternal.

O coração de Maria se torna um refúgio seguro onde podemos depositar nossas fadigas, encontrar conforto e esperança. Maternidade e compaixão em Maria tornam-se, por assim dizer, dois lados da mesma experiência humana em nosso favor, duas expressões de seu infinito amor a Deus e à humanidade.
Sua compaixão é a manifestação concreta de seu ser mãe, compaixão como consequência da maternidade. Contemplar Maria, então, como mãe, abre nossos corações à esperança de que nela encontramos uma experiência verdadeiramente completa. Mãe Celeste que nos ama.
Pedimos a Maria que nos faça vê-la como modelo de humanidade autêntica, de uma maternidade capaz de “sentir com”, capaz de amar, capaz de sofrer com os outros, seguindo o exemplo do seu filho Jesus, que sofreu e morreu na cruz por nosso amor.

E nós, temos certeza de que uma mãe não se esquece, com a mesma certeza das crianças?

Oração de um filho perdido
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração obediente.
Quando não te escuto, peço-te, insiste.
Quando não retorno, peço-te, vem buscar-me.
Quando não me perdoo, peço-te, ensina-me a indulgência.
Porque nós homens nos perdemos e nos perderemos sempre,
mas tu não te esqueças de nós, teus filhos errantes.
Vem buscar-nos, vem pegar-nos pela mão.
Não queremos e não podemos ficar sozinhos aqui.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

4º Dia
Ser Filhos – Admiração e reflexão

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de la Salette
Os pequenos Melânia e Maximino de La Salette
Sábado, 19 de setembro de 1846, os dois pastorinhos subiram logo cedo as encostas do monte Planeau, acima do vilarejo de La Salette, cada um levando quatro vacas para pastar. No meio do caminho, perto de uma pequena fonte, Melânia foi a primeira a ver, sobre um monte de pedras, um globo de fogo «como se o sol tivesse caído ali» e mostrou-o a Maximino. Daquela esfera luminosa começou a surgir uma mulher, sentada com a cabeça entre as mãos, os cotovelos sobre os joelhos, profundamente triste. Diante do espanto deles, a Senhora levantou-se e, com uma doce voz, em francês, disse-lhes: «Aproximai-vos, meus filhos, não tenhais medo, estou aqui para anunciar-vos uma grande notícia». Encorajados, os meninos se aproximaram e viram que a figura estava chorando.

A mãe anuncia uma grande notícia aos seus filhos, e o faz chorando. Mesmo assim, os meninos não estranham o seu choro. Escutam no mais terno dos momentos entre mãe e filhos. Porque as mães também às vezes se preocupam, porque as mães também confiam aos filhos os seus sentimentos, pensamentos e reflexões. E Maria confia aos dois pastorinhos, pobres e carentes de afeto, uma grande mensagem: «Estou preocupada com a humanidade, estou preocupada convosco, meus filhos, que estais se afastando de Deus. E a vida longe de Deus é uma vida complicada, difícil, feita de sofrimentos». É por isso que ela chora. Chora como qualquer mãe que anuncia aos seus filhos menores e mais puros uma mensagem tão surpreendente quanto grandiosa. Uma mensagem a ser anunciada a todos, a ser levada ao mundo.
E eles o farão, porque não podem guardar para si um momento tão belo: a expressão do amor da mãe pelos seus filhos precisa ser anunciada a todos. O Santuário de Nossa Senhora de La Salette, que se ergue no local das aparições, fundamenta-se na revelação da dor de Maria diante do peregrinar de seus filhos pecadores.

Maria, Mãe que anuncia/que narra
Tu, que te entregas completamente aos teus filhos, a ponto de não ter medo de lhes contar sobre ti, tocaste o coração dos teus menores filhos, capazes de refletir sobre as tuas palavras e acolhê-las com assombro. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Maravilha-te com as palavras de uma mãe: elas sempre serão as mais autênticas.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, amor e misericórdia

Sentimos estas duas dimensões de Maria? Maria é a mulher com um coração transbordante de amor, cuidado e misericórdia. Sentimo-la como um porto seguro, um refúgio seguro quando atravessamos momentos de dificuldade ou de provação.
Contemplar a imagem de Maria é como mergulhar num oceano de ternura, de compaixão. Sentimo-nos envolvidos por um ambiente, por uma atmosfera inesgotável de conforto e esperança. O amor de Maria é um amor materno que abraça toda a humanidade, porque é um amor que tem as suas raízes no seu “sim” incondicional ao desígnio de Deus.

Maria, ao acolher o seu Filho no seu ventre, acolheu o amor de Deus. Consequentemente, o seu amor não conhece fronteiras nem distinções, inclina-se sobre as fragilidades e misérias humanas, com infinita delicadeza. Vemos este amor manifestado na sua atenção a Isabel, na sua intercessão nas bodas de Caná, na sua presença silenciosa e extraordinária aos pés da cruz.
O amor de Maria, este amor materno, é um reflexo do próprio amor de Deus, um amor que se aproxima, que consola, que perdoa, que nunca se cansa, que nunca acaba. Maria nos ensina que amar significa entregar-se completamente, estar perto de quem sofre, compartilhar as alegrias e as tristezas dos nossos irmãos e irmãs com a mesma generosidade e a mesma dedicação que animavam o seu coração. Amor-misericórdia.

A misericórdia torna-se então a consequência natural do amor de Maria, uma compaixão, podemos dizer visceral, diante do sofrimento da humanidade, do mundo. Olhamos para Maria, contemplamo-la, encontramo-la com o seu olhar materno e sentimo-lo repousar sobre as nossas fraquezas, sobre os nossos pecados, sobre a nossa vulnerabilidade, sem agressividade, mas com infinita doçura. Ela tem um coração imaculado, sensível ao grito de dor.
Maria é uma mãe que não julga, não condena, mas acolhe, consola, perdoa. Sentimos a misericórdia de Maria como um bálsamo para as feridas da alma, um abraço que aquece o coração. Maria nos lembra que Deus é rico em misericórdia e que Ele nunca se cansa de perdoar aqueles que se voltam para Ele com um coração contrito, sereno, aberto e disponível.

O amor e a misericórdia em Maria Santíssima se fundem em um abraço que envolve toda a humanidade. Peçamos a Maria que nos ajude a abrir nossos corações ao amor de Deus, como ela fez, para que esse amor permeie nossos corações, especialmente quando nos sentimos mais necessitados, mais sob o peso das provações e das dificuldades. Em Maria, encontramos uma mãe muito terna e poderosa, pronta para nos acolher em seu amor e interceder por nossa salvação.

E nós, será que ainda conseguimos maravilhar-nos como uma criança diante do amor de mãe?

Oração de um filho distante
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de compaixão e conversão.
No silêncio, eu te reencontro.
Na oração, eu te escuto.
Na reflexão, eu te descubro.
E diante das tuas palavras de amor, Mãe, fico admirado
e descubro a força da tua ligação com a humanidade.
Longe de ti, quem me dá a mão nos momentos de dificuldade?
Longe de ti, quem me conforta no meu pranto?
Longe de ti, quem me aconselha quando estou pegando o caminho errado?
Eu retorno a ti, na unidade.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

5º Dia
Ser Filhos – Confiança e oração

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

A medalha de Catarina
A pequena Catarina Labouré
Na noite de 18 de julho de 1830, por volta das 23h30, ela ouviu chamarem o seu nome. Era um menino que lhe dizia: «Levanta-te e vem comigo». Catarina seguiu-o. Todas as luzes estavam acesas. A porta da capela abriu-se assim que o menino a tocou com a ponta dos dedos. Catarina ajoelhou-se.
À meia-noite, Nossa Senhora chegou, sentou-se na poltrona que havia ao lado do altar. «Então, pulei para perto dela, aos seus pés, nos degraus do altar, e coloquei minhas mãos sobre seus joelhos», contou Catarina. «Fiquei assim não sei por quanto tempo. Pareceu-me o momento mais doce da minha vida…».
«Deus quer confiar-lhe uma missão», disse a Virgem a Catarina.

Catarina, órfã aos 9 anos, não se conformava em viver sem a mãe. E aproxima-se da Mãe do Céu. Nossa Senhora, que a observava de longe, jamais a abandonaria. Pelo contrário, tinha grandes projetos para ela. Ela, uma filha atenta e amorosa, teria uma grande missão: viver uma vida cristã autêntica, uma relação pessoal forte e sólido com Deus. Maria acredita no potencial da sua filha e confia-lhe a Medalha Milagrosa, capaz de interceder e alcançar graças e milagres. Uma missão importante, uma mensagem difícil.
Contudo, Catarina não desanima, confia em sua Mãezinha do Céu e sabe que jamais será abandonará por ela.

Maria, Mãe que dá confiança
Tu, que confias nos teus filhos e lhes entregas missões e mensagens,
acompanha-os no seu caminho com uma presença discreta, permanecendo ao lado de todos, mas sobretudo daqueles que viveram grandes dores.
A eles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Confia: a mãe sempre te confiará apenas tarefas que conseguirás realizar e estará ao teu lado por todo o caminho.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, confiança e oração

A Bem-Aventurada Virgem Maria se apresenta a nós como uma mulher de uma confiança inabalável, uma poderosa intercessora através da oração. Contemplando esses dois aspectos, confiança e oração, vemos duas dimensões fundamentais do relacionamento de Maria com Deus.

Podemos dizer que a confiança de Maria em Deus é como um fio de ouro que percorre toda a sua existência, do começo ao fim. Aquele “sim” pronunciado com a consciência das consequências, é um ato de abandono total à vontade divina. Maria confia; Maria vive a confiança em Deus com um coração firme na Divina Providência, sabendo que Deus nunca a abandonaria.

Para nós, em nossa vida quotidiana, olhar para Maria, com uma atitude proativa, não passiva, e confiante, é um convite, não para esquecer nossas ansiedades e medos, para olhar tudo à luz do amor de Deus, que no caso de Maria nunca faltou e não falta em nossas vidas. Essa confiança leva à oração, que podemos dizer que é como o sopro da alma de Maria, é o canal privilegiado de sua comunhão íntima com Deus. A confiança leva à comunhão; Maria que se abandona em Deus é um diálogo contínuo de amor entre ela e o Pai; uma oferta constante de si mesma, de suas preocupações, mas também de suas decisões.

A visita de Maria à sua prima Isabel é um exemplo de oração que se faz serviço. Vemos Maria acompanhando Jesus até a cruz. Após a ascensão, a vemos no cenáculo junto aos apóstolos em uma expectativa/esperança fervorosa. Maria nos ensina o valor da oração constante como consequência da confiança total e completa, abandonando-se nas mãos de Deus … precisamente encontrar a Deus e viver com Deus.

Confiança e oração e Maria Santíssima estão intimamente interligadas. Uma profunda confiança em Deus que dá à luz, traz à tona uma oração perseverante. Peçamos a Maria que ela seja nosso exemplo de oração diária porque queremos nos sentir constantemente abandonados nas mãos misericordiosas de Deus.

Recorramos a ela com confiança filial para que, imitando-a, imitando sua confiança e perseverança na oração, possamos experimentar a paz que se sente somente quando nos abandonamos em Deus e possamos receber as graças necessárias para o nosso caminho de fé.

E nós, somos capazes de confiar de maneira incondicional como as crianças?

Oração de um filho desanimado
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de orar.
Não sou capaz de te escutar, abre os meus ouvidos.
Não sou capaz de te seguir, guia os meus passos.
Não sou capaz de ser fiel ao que me confiaste, fortalece a minha alma.
As tentações são muitas, faze que eu não ceda.
As dificuldades parecem insuperáveis, faze que eu não caia.
As contradições do mundo gritam alto, faze que eu não as siga.
Eu, teu filho arruinado, estou aqui para que te sirvas de mim,
fazendo de mim um filho obediente.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

6º Dia
Ser Filhos – Sofrimento e cura

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se deixa ver.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora das dores de Kibeho
A pequena Afonsina Mumiremana e o seus companheiros
A história começou às 12h35 de um sábado, 28 de novembro de 1981, em um colégio administrado por freiras locais, frequentado por pouco mais de cem meninas da região.
Um colégio rural, pobre, onde se aprendia a ser professora ou secretária.
O complexo não possuía Capela e, por isso, não havia um clima religioso particularmente intenso.
Naquele dia, todas as meninas do colégio estavam no refeitório.
A primeira do grupo a “ver” foi Afonsina Mumureke, de 16 anos.
Segundo o que ela mesma escreveu em seu diário, estava servindo suas colegas à mesa, quando ouviu uma voz feminina que a chamava: “Minha filha, vem aqui”.
Ela foi ao corredor, ao lado do refeitório, e ali apareceu-lhe uma mulher de beleza incomparável.
Estava vestida de branco, com um véu branco na cabeça que escondia os cabelos, e que parecia unido ao resto do vestido, que não tinha costuras.
Estava descalça e suas mãos estavam juntas sobre o peito, com os dedos voltados para o céu.

Posteriormente, Nossa Senhora apareceu a outros companheiros de Afonsina que, a princípio céticos, tiveram que mudar de opinião diante da aparição de Maria. Maria, falando com Afonsina, apresenta-se como a Senhora das Dores de Kibeho e conta aos jovens todos os acontecimentos cruéis e sangrentos que ocorreriam logo em seguida, com a eclosão da guerra em Ruanda. A dor será grande, mas também a consolação e a cura dessa dor, porque ela, a Senhora das Dores, nunca deixaria sozinhos os seus filhos da África. Os jovens ficam ali, atônitos, diante das visões, mas acreditam nesta mãe que lhes estende os braços, chamando-os de “meus filhos”. Sabem que somente nela haverá consolação. E a fim de rezar para que a mãe consoladora aliviasse os sofrimentos de seus filhos, foi erguido o santuário dedicado a Nossa Senhora das Dores de Kibeho, hoje um lugar marcado pelos extermínios e genocídios. E Nossa Senhora continua a estar ali e a abraçar todos os seus filhos.

Maria, Mãe que consola
Tu, que consolaste os teus filhos como João ao pé da cruz, dirigiste o olhar para aqueles que vivem no sofrimento. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Não tenhas medo de passar pelo sofrimento: a mãe que consola enxugará as tuas lágrimas.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, sofrimento e convite à conversão

Maria é uma figura emblemática de sofrimento que se transforma em um poderoso convite à conversão. Quando contemplamos o seu caminho doloroso, é um alerta, silencioso e ao mesmo tempo eloquente, e um profundo apelo a rever um pouco a nossa vida, as nossas escolhas, e o chamado a retornar ao “coração” do Evangelho. O sofrimento atravessa a vida de Maria como uma espada afiada, profetizado pelo velho Simeão, marcado pelo desaparecimento do Menino Jesus e a dor indizível aos pés da cruz. Maria vive tudo isso, o peso da fragilidade humana e o mistério da dor inocente, de uma forma única.

O sofrimento de Maria não foi um sofrimento estéril, uma resignação passiva, mas de alguma forma percebemos que há uma ação frutuosa, uma oferta silenciosa e corajosa, unida ao sacrifício redentor do seu filho Jesus.

Quando olhamos para Maria, a mulher que sofre, com os olhos da nossa fé, esse sofrimento ao invés de nos deprimir, revela-nos a profundidade do amor de Deus por nós. Maria, de alguma forma, nos ensina que mesmo na dor mais aguda podemos encontrar um sentido, uma possibilidade de crescimento espiritual, que se dá com a união ao Mistério Pascal.

Da experiência da dor transfigurada, emerge um poderoso convite à conversão. Olhando e contemplando como Maria suportou o sofrimento por amor a nós e por nossa salvação, também nós somos chamados a não permanecermos indiferentes diante do mistério da redenção.

Maria, a mulher doce e materna nos impele a abandonar os caminhos do mal e abraçar o caminho da fé. A famosa frase de Maria nas bodas de Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser” ainda ressoa para nós hoje como um convite urgente a ouvir a voz de Jesus nos momentos de dificuldade, nos momentos de provação, nos momentos de situações inesperadas e desconhecidas.

Percebemos facilmente que o sofrimento de Maria não é um fim em si mesmo, mas está intimamente ligado à redenção realizada por Cristo. Que o seu exemplo de fé inabalável, mesmo na dor, seja para nós luz e guia para transformar o nosso sofrimento em oportunidade de crescimento espiritual e responder com generosidade ao urgente chamado à conversão. Que pela intercessão de Maria, o chamado de Deus que ressoa no mais profundo do coração de cada ser humano possa encontrar sentido, vazão, crescimento, mesmo nos momentos mais difíceis e mais dolorosos.

E nós, deixamo-nos consolar como as crianças?

Oração de um filho que sofre
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de se curar.
Quando estou no chão, mãe, estende-me a mão.
Quando me sinto destruído, mãe, junta os pedaços.
Quando o sofrimento toma conta, mãe, abre-me à esperança.
Para que eu não busque apenas a cura do corpo, mas perceba o quanto o meu coração
precisa de paz.
E do pó levanta-me, mãe.
Levanta-me e todos os teus filhos que estão em provação.
Os que estão sob as bombas,
os perseguidos,
os injustamente encarcerados,
os feridos em seus direitos e dignidade,
aqueles cujas vidas são ceifadas cedo demais.
Levanta-os e consola-os
porque são teus filhos. Porque somos teus filhos.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

7º Dia
Ser Filhos – Justiça e dignidade

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora Aparecida
Os pequenos pescadores Domingos, Filipe e João
Ao amanhecer de 12 de outubro de 1717, Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves empurraram o barco às águas do rio Paraíba que corria perto da sua aldeia. Não pareciam ter sorte naquela manhã: lançaram as redes por horas, sem nada pescar. Tinham quase decidido desistir, quando João Alves, o mais jovem, quis fazer uma última tentativa. Lançou então a rede nas águas do rio e puxou-a lentamente. Havia algo, mas não era um peixe… parecia mais um pedaço de madeira. Quando o libertou das malhas da rede, o pedaço de madeira revelou-se como uma estátua da Virgem Maria, infelizmente sem a cabeça. João lançou novamente a rede na água e desta vez, ao puxá-la, encontrou preso outro pedaço de madeira de forma arredondada que parecia ser a cabeça da mesma estátua: tentou juntar as duas peças e percebeu que se encaixavam perfeitamente. Como obedecendo a um impulso, João Alves lançou novamente a rede na água e, quando tentou puxá-la, viu que não conseguia, porque estava cheia de peixes. Os seus companheiros também lançaram as redes na água e a pesca daquele dia foi verdadeiramente abundante.

A mãe vê as necessidades dos filhos; Maria viu as necessidades dos três pescadores e foi em socorro deles. Os filhos deram-lhe todo o amor e a dignidade que se pode dar a uma mãe: juntaram os dois pedaços da estátua, colocaram-na numa cabana e fizeram dela um santuário. Do alto da cabana, Nossa Senhora Aparecida – que quer dizer aquela que apareceu – salvou um filho seu, um escravo que fugia dos patrões: viu o seu sofrimento e devolveu-lhe a dignidade. E hoje, aquela cabana é o maior santuário mariano do mundo e traz o nome de Basílica de Nossa Senhora Aparecida.

Maria, Mãe que vê
Tu, que viste o sofrimento dos teus filhos maltratados, a começar pelos discípulos, te colocaste ao lado dos teus filhos mais pobres e perseguidos. Foi deles que te aproximaste, foi a eles que te manifestaste.
Não te escondas do olhar da mãe: ela enxerga até os teus desejos e necessidades mais secretos.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, dignidade e justiça social

A Bem-Aventurada Virgem Maria é um espelho da dignidade humana plenamente realizada, silenciosa, mas poderosa e inspiradora para um correto sentido da experiência social. Refletir sobre a figura de Maria em relação a esses temas revela uma perspectiva profunda e surpreendentemente atual.

Olhemos para Maria, a mulher plena de dignidade, como um dom que, para nós hoje, nos ajuda a olhar para a sua pureza original, que não a coloca num pedestal inacessível, mas a revela na plenitude daquela dignidade pela qual todos nos sentimos um pouco atraídos, chamados.

Contemplando Maria, vemos brilhar a beleza e a nobreza precisamente da dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, livre do jugo do pecado, plenamente aberto ao amor divino, uma humanidade que não se perde nos detalhes, nas coisas superficiais.

Podemos dizer que o “sim” livre e consciente de Maria é aquele gesto de autodeterminação que a eleva ao nível da vontade de Deus, que entra de alguma forma na lógica de Deus. Sua humildade a torna ainda mais livre, longe de ser diminuída pela humildade. A humildade de Maria se torna a consciência da verdadeira grandeza que vem de Deus.

Essa dignidade de Maria nos ajuda a olhar como nós estamos vivendo a nossa dignidade no cotidiano. O tema da justiça social pode parecer menos explícito, mas a partir de uma leitura contemplativa e atenta do Evangelho, especialmente do Magnificat, somos capazes de captar, sentir e encontrar aquele espírito revolucionário que proclama a derrubada dos poderosos de seus tronos e a elevação dos humildes, isto é, a derrubada da lógica mundana e a atenção privilegiada de Deus para com os pobres e os famintos.

Palavras que fluem de um coração humilde, cheio do Espírito Santo. Podemos dizer que são um manifesto de justiça social “ante litteram”, uma antecipação do Reino de Deus, onde os últimos serão os primeiros.

Contemplemos Maria para que nos sintamos atraídos por esta dignidade que não se limita a fechar-se em si mesma, mas é uma dignidade que no Magnificat nos desafia a não permanecer fechados na nossa lógica, mas a abrir-nos, louvando a Deus, procurando viver o dom recebido para o bem da humanidade, com dignidade para o bem dos pobres, para o bem daqueles que são os descartados da sociedade.

E nós, nos escondemos ou dizemos tudo, como fazem as crianças?

Oração de um filho que tem medo
Maria, tu que te mostras a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de restituir dignidade.
Na hora da provação, olha para as minhas falhas e preenche-as.
Na hora do cansaço, olha para as minhas fraquezas e cura-as.
Na hora da espera, olha para as minhas impaciências e cuida delas.
Para que eu, olhando para os meus irmãos, possa olhar para as suas falhas e preenchê-las,
ver as suas fraquezas e curá-las, sentir as suas impaciências e cuidar delas.
Porque nada cura como o amor e ninguém é forte como a mãe que busca justiça para seus filhos.
Então, também eu, Mãe, detenho-me aos pés da cabana, olho com olhos confiantes para a tua imagem e peço-te pela dignidade de todos os teus filhos.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

8º Dia
Ser Filhos – Doçura e quotidianidade

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa senhora de Banneaux
A pequena Marieta de Banneaux
No dia 18 de janeiro, Marieta está no jardim, rezando o terço. Maria aparece e leva-a até uma pequena nascente à beira da floresta, dizendo: «Esta nascente é minha», e convida a menina a mergulhar a mão e o terço na água. O pai e mais duas pessoas acompanharam, com indescritível espanto, todos os gestos e palavras de Marieta. Naquela mesma noite, o primeiro a ser tocado pela graça de Banneaux foi justamente o pai de Marieta, que correu para se confessar e receber a Eucaristia: ele não se confessava desde a Primeira Comunhão.
No dia 19 de janeiro, Marieta pergunta: «Senhora, quem és?». «Sou a Virgem dos pobres».
À nascente, acrescenta: «Esta nascente é minha, para todas as nações, para os doentes. Venho consolá-los!».

Marieta é uma garota comum que vive os seus dias como todos nós, como os nossos filhos, os nossos netos. A sua vila é pequena e desconhecida. Ela reza para permanecer próxima de Deus. Reza para a sua mãe celeste manter viva a sua ligação com ela. E Maria fala-lhe com doçura, num lugar que lhe é familiar. Aparecerá para ela várias vezes, a ela confiará segredos e dirá para rezar pela conversão do mundo: para Marieta, essa é uma mensagem forte de esperança. Todos os filhos são abraçados e consolados pela Mãe, toda a doçura que Marieta encontra na “Senhora gentil” ela transmite ao mundo. E desse encontro nasce uma grande corrente de amor e espiritualidade que encontra o seu cumprimento no santuário de Nossa Senhora de Banneaux.

Maria, Mãe que permanece ao lado
Tu, que permaneceste ao lado dos teus filhos, sem nunca perder nenhum deles, iluminaste o caminho de todos os dias dos mais humildes. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Abandonados no abraço de Maria: não temas, ela vai consolar-te.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, educação e amor

A Bem-Aventurada Virgem Maria é uma mestra de educação incomparável, porque é uma fonte inesgotável de amor e quem ama educa; educa verdadeiramente quem ama.

Refletindo sobre a figura de Maria em relação a esses dois pilares do crescimento humano e espiritual, temos aqui um exemplo a contemplar, a levar a sério, a adotar em nossas escolhas diárias.
A educação que emana de Maria não se faz de preceitos, de ensinamentos formais, mas se manifesta através de seu exemplo de vida. Um silêncio contemplativo que fala; sua obediência à vontade de Deus, humilde e grande ao mesmo tempo; sua profunda humanidade.

O primeiro aspecto educativo que Maria nos comunica é o da escuta.
Escuta da Palavra de Deus, escuta daquele Deus que está continuamente presente para nos ajudar, para nos acompanhar. Maria guarda em seu coração, medita com cuidado, promove a escuta atenta da Palavra de Deus e, da mesma forma, das necessidades dos outros. Maria nos educa àquela humildade que não escolhe permanecer distante e passiva, mas sim para aquela humildade que, ao mesmo tempo em que reconhecemos nossa pequenez diante da grandeza de Deus, nos colocamos como protagonistas a seu serviço. Nosso coração está aberto para sermos verdadeiramente aqueles que acompanhamos, vivemos o projeto que Deus tem para nós.

Maria é um exemplo que nos ajuda a nos deixarmos educar pela fé; ela nos educa para a perseverança, permanecendo firmes no amor a Jesus, até o pé da cruz.
Educação e amor. O amor de Maria é o coração pulsante de sua existência, continua sendo para nós; cada vez que nos aproximamos de Maria sentimos esse amor materno que se estende a todos nós. É um amor por Jesus que se torna amor pela humanidade. O coração de Maria que se abre com aquela ternura infinita que ela recebe de Deus, que ela comunica a Jesus, aos seus filhos espirituais.

Peçamos ao Senhor que, contemplando o amor de Maria, que é um amor que educa, sejamos impelidos a superar o nosso egoísmo, os nossos fechamentos e a abrir-nos aos outros. Em Maria, vemos uma mulher que educa com amor e que ama com um amor que é educativo. Peçamos ao Senhor que nos dê o dom de um amor, que é o dom do Seu amor, que por sua vez é um amor que nos purifica, nos sustenta, nos faz crescer, para que o nosso exemplo seja verdadeiramente um exemplo que comunica amor e, comunicando amor, possamos deixar-nos educar por ela e que ela nos ajude, para que o nosso exemplo também eduque os outros.

E nós, somos capazes de nos entregar como fazem as crianças?

Oração de um filho dos nossos dias
Maria, tu que te mostras a quem sabe ver…
torna o meu coração manso e dócil.
Quem vai reconstruir-me, depois de quebrar-me sob o peso das cruzes que carrego?
Quem vai trazer luz aos meus olhos, depois de ver os escombros da crueldade humana?
Quem vai aliviar o sofrimento da minha alma, depois dos erros que cometi no meu caminho?
Só tu, minha mãe, podes consolar-me.
Abraça-me e permanece comigo para evitar que eu me quebre em mil pedaços.
Minha alma descansa em ti e encontra paz como uma criança nos braços da mãe.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

9º Dia
Ser Filhos – Construção e sonho

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Maria Auxiliadora
O pequeno Joãozinho Bosco
Quando eu tinha 9 anos, tive um sonho que ficou profundamente gravado na minha mente para toda a vida. No sonho, parecia estar perto de casa, em um pátio muito espaçoso, onde uma multidão de crianças estava reunida, brincando. Algumas riam, outras jogavam, e não poucas blasfemavam. Ao ouvir aquelas blasfêmias, imediatamente me lancei no meio delas, usando golpes e palavras para fazê-las calar. Naquele momento, apareceu um homem venerando, de idade viril, vestido nobremente.
— Não com golpes, mas com mansidão e caridade deves conquistar esses teus amigos.
— Quem és tu, perguntei, que me ordenas algo impossível?
— Justamente porque essas coisas te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com obediência e com a aquisição da ciência.
— Onde, e por quais meios, poderei adquirir a ciência?
— Eu te darei a mestra sob cuja disciplina podes tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se torna tolice.
Naquele momento, vi ao lado dele uma mulher de aspecto majestoso, vestida com um manto que brilhava por todos os lados, como se cada ponto dele fosse uma estrela muito brilhante.
— Eis o teu campo, eis onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte e robusto: e o que agora vês acontecer com esses animais, tu deverás fazer pelos meus filhos.
Então voltei o olhar e, em vez de animais ferozes, apareceram muitos cordeiros mansos, que, pulando, corriam ao redor balindo, como para festejar aquele homem e aquela senhora. Nesse ponto, ainda no sonho, comecei a chorar e pedi para que falasse de modo que eu pudesse entender, pois eu não sabia o que aquilo queria significar. Então ela colocou a mão sobre minha cabeça dizendo:
— A seu tempo, tudo compreenderás.

Maria guia e acompanha Joãozinho Bosco ao longo da sua vida e missão. Ele, ainda criança, descobre a sua vocação através de um sonho. Não entenderá, mas se deixará guiar. Não compreenderá por muitos anos, mas no final estará consciente de que “foi ela que tudo fez” E a mãe, tanto a terrena quanto a celeste, será a figura central na vida desse filho que se fará pão para os seus filhos. E, depois de encontrar Maria em seus sonhos, João Bosco, já sacerdote, erguerá um santuário a Nossa Senhora para que todos os seus filhos possam entregar-se a ela. Será dedicado a Maria Auxiliadora, porque ela foi o seu porto seguro, a sua ajuda constante. Assim, todos que entram na Basílica de Maria Auxiliadora em Turim são acolhidos sob o manto protetor de Maria, que se torna sua guia.

Maria, Mãe que acompanha / que guia
Tu, que acompanhaste o teu filho Jesus em todo o seu caminho, te propuseste como guia para aqueles que souberam ouvir-te com o entusiasmo que só as crianças sabem ter. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Deixe-se acompanhar: a Mãe estará sempre ao teu lado para indicar-te o caminho.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, auxílio na conversão

A Bem-Aventurada Virgem Maria é uma ajuda poderosa e silenciosa em nossa jornada de crescimento.
É uma jornada que precisa se libertar continuamente daquilo que a impede de crescer. É uma jornada que deve se renovar continuamente, não para retroceder ou se deter em cantos escuros de sua existência. Eis aí a conversão.

A presença de Maria é um farol de esperança, é um convite constante para continuarmos caminhando em direção a Deus, para ajudar nosso coração a estar continuamente focado em Deus, em Seu amor. Refletir sobre Maria, sobre seu papel, significa descobrir uma Maria que não impõe, que não julga, mas que apoia e encoraja, com sua humildade, com seu amor materno; ajuda nosso coração a permanecer próximo dela para nos aproximarmos cada vez mais de seu filho Jesus, que é o caminho, a verdade e a vida.

Este “sim” de Maria na anunciação continua válido também para nós, que abre à humanidade a história da salvação que é alcançável e acessível. Sua intercessão nas Bodas de Caná ampara aqueles que se encontram em situações inesperadas, inéditas. Maria é um modelo de conversão contínua. Sua vida, uma vida de Imaculada, foi, no entanto, uma adesão progressiva à vontade de Deus, um caminho de fé que a conduziu por alegrias e tristezas, culminando no sacrifício do Calvário.

A perseverança de Maria em seguir Jesus torna-se um convite para nós, para que também possamos experimentar essa proximidade contínua, essa transformação interior, que sabemos bem ser um processo gradual, mas que requer perseverança, humildade e confiança na graça de Deus.

Maria auxilia na conversão por meio de uma escuta muito atenta e focada da Palavra de Deus. Uma escuta que nos ajuda a encontrar a força para abandonar os caminhos do pecado, porque reconhecemos a força, a beleza de caminhar em direção a Deus. Dirijamo-nos a Maria com confiança filial, porque isso significa que nós, ao mesmo tempo que reconhecemos nossas fragilidades, nossos pecados, nossos defeitos, queremos fomentar esses desejos de mudança. Uma mudança de coração que quer ser acompanhada pelo coração materno de Maria. Em Maria encontramos essa preciosa ajuda para discernir as falsas promessas do mundo e redescobrir a beleza e a verdade do Evangelho. Que Maria, auxílio dos cristãos, seja para todos nós uma ajuda contínua para descobrir a beleza do Evangelho, para aceitar caminhar em direção à bondade e à grandeza da Palavra de Deus viva nos corações e para poder comunicá-la aos outros.

E nós, somos capazes de deixar-nos pegar pela mão como as crianças?

Oração de um filho entorpecido
Maria, tu que te mostras a quem sabe ver…
faz com que o meu coração seja capaz de sonhar e construir.
Eu, que não deixo ninguém me ajudar.
Eu, que desanimo, perco a paciência e nunca acredito ter construído algo.
Eu, que sempre penso ser um fracasso.
Hoje quero ser filho, aquele filho capaz de te dar a mão, minha Mãe,
para ser acompanhado pelos caminhos da vida.
Mostra-me meu campo,
mostra-me meu sonho
e faz com que, no final, eu também possa compreender tudo e reconhecer a tua passagem
pela minha vida.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.




Presentes dos jovens a Maria (1865)

No sonho narrado por Dom Bosco na Crônica do Oratório, datado de 30 de maio, a devoção mariana converte-se num vívido juízo simbólico sobre os jovens do Oratório: um cortejo de jovens apresenta-se, cada qual com um dom, diante de um altar esplendidamente adornado para a Virgem. Um anjo, guardião da comunidade, acolhe ou rejeita as oferendas, desvendando-lhes o significado moral – flores perfumadas ou murchas, espinhos de desobediência, animais que personificam vícios graves como a impureza, o roubo e o escândalo. No âmago da visão, ecoa a mensagem educativa de Dom Bosco: humildade, obediência e castidade são os três pilares para se merecer a coroa de rosas de Maria.

            O Servo de Deus se consolava com a devoção a Maria Santíssima, honrada no mês de maio pela comunidade inteira de maneira especial. De suas pequenas falas à noite, a Crônica tem-nos conservado somente aquela do dia 30 do mês, que, entretanto, é de enorme preciosidade.

30 de maio

            Vi um grande altar dedicado a Maria, magnificamente decorado. Vi todos os jovens do Oratório, que em procissão se dirigiam para ele. Cantavam os louvores à Virgem Celeste, mas nem todos do mesmo modo, ainda que cantassem o mesmo hino. Muitos cantavam verdadeiramente bem e com precisão de ritmo, alguns mais forte outros mais suave. Outros cantavam com vozes péssimas e roucas. Uns destoavam. Havia os que avançavam silenciosos e saíam da fila. Uns bocejavam e pareciam enjoados; uns se empurravam e riam entre si. Todos também levavam seus presentes para oferecer a Maria. Todos tinham um ramalhete de flores, uns grandes e outros menores, diferentes um do outro. Quem tinha rosas, quem cravos, outro, violetas etc. Alguns levavam à Virgem presentes de fato estranhos: um a cabeça de um porco, outro um gato, quem um prato de sapos, quem um coelho, outro um cordeiro e outras ofertas.
            Um belo jovem estava na frente do altar, o qual, se observado com atenção se via que tinha asas nas costas. Talvez fosse o Anjo da Guarda do Oratório. À medida que os jovens chegavam, ele pegava as ofertas e as colocava sobre o altar.
            Os primeiros ofereceram magníficos buquês de flores; o anjo, sem nada dizer, os colocou no altar. Muitos outros trouxeram seus ramalhetes. O anjo os olhou, mandou desmanchar o ramalhete, fez tirar algumas flores que estavam estragadas, jogando-as fora e, refeito o ramalhete, o colocou sobre o altar. A outros que tinham flores bonitas, mas sem aroma, como seriam as dálias, as camélias etc., o anjo as fez jogar fora, pois Maria quer a realidade e não as aparências. E assim, refeito o ramalhete, o anjo o ofereceu à Virgem. Dentre as flores, muitas tinham espinhos, poucos ou muitos. Outras tinham pregos, e o anjo retirou estes e aqueles.
            Chegou, então, aquele trazia o porco, e o anjo lhe disse: – Tem coragem de oferecer a Maria este presente? Sabe o que significa o porco? Significa o vício feio da impureza. Maria que é toda pura não pode aceitar este dom. Retire-se, portanto, pois você não é digno de ficar na frente dela.
            Aproximaram-se os que tinham um gato. O anjo lhes disse: – Vocês também ousam trazer a Maria estes presentes? Sabem o que significa o gato? Simboliza o roubo, e vocês o oferecem à Virgem? São ladrões os que pegam dinheiro, coisas, livros dos companheiros; os que roubam comida do Oratório; que estragam as roupas por despeito, e desperdiçam o dinheiro dos pais porque não estudam. – E fez que estes também se retirassem à parte.
            Vieram os que tinham os pratos com sapos, e o anjo, indignado, disse: – Os sapos significam os vergonhosos pecados de escândalo, e vocês vêm para oferecê-los à Vigem? Voltem; retirem-se com os outros indignos. – Retiraram-se confusos.
            Alguns vinham com um punhal cravado no coração. Este punhal significava os sacrilégios. O anjo lhes disse: – Vocês não percebem que estão com a morte na alma? Que se estão com vida, é por misericórdia especial de Deus? De outra maneira estariam perdidos. Por favor, façam arrancar esse punhal! – E estes também foram rejeitados.
            Aos poucos todos os jovens se aproximaram. Há quem ofereceu cordeiros, coelhos, peixes, nozes, uva etc., etc. O anjo aceitou tudo e tudo colocou sobre o altar. E, após ter separados os jovens bons dos maus, mandou todos, dos quais foram aceitos os presentes a Maria, fazerem fila diante do altar. Os que tinham sido postos à parte, foram, para minha dor, muito mais numerosos do que acreditava.
            Apareceram, então, de um e de outro lado do altar, outros dois anjos. Seguravam duas riquíssimas cestas cheias de coroas feitas de rosas estupendas. Essas rosas não eram propriamente rosas da terra, mas sim, eram como que artificiais, símbolos da imortalidade.
            E o Anjo da Guarda pegou uma por uma daquelas coroas, e coroou todos os jovens que estavam enfileirados diante do altar. Entre as coroas havia umas maiores e outras menores, mas todas de admirável beleza. Notem que não estavam presentes somente os jovens atualmente da casa, mas também muitos outros que eu nunca vi. Pois bem, aconteceu uma coisa maravilhosa! Havia jovens de fisionomia tão feia que quase causavam nojo e repugnância. As estes couberam as coroas mais bonitas, significando que um exterior tão feio era suprido pelo presente, a virtude da castidade em grau eminente. Muitos se distinguiam por outras virtudes, como obediência, humildade, amor a Deus, e todos, de acordo com a grandeza destas virtudes, recebiam coroas correspondentes. E o anjo lhes disse:
            – Maria hoje quis que vocês fossem coroados com tão belas rosas. Recordem-se, contudo, de continuar de forma que não lhes sejam tiradas. Os meios para conservá-las são três. Pratiquem: 1º a humildade; 2º a obediência; 3º a castidade. Três virtudes que os farão sempre aceitos por Maria e, um dia, os tornarão dignos de receber uma coroa infinitamente mais linda do que estas.
            Então os jovens começaram a entoar diante do altar o Ave, Maris Stella (Ave, estrela do mar).
            E, tendo cantado a primeira estrofe, se movimentaram para retornar em procissão como tinham vindo, cantando o hino: Lodate Maria! Suas vozes eram tão fortes que eu fiquei espantado e maravilhado. Segui-os ainda por alguns instantes, voltando para ver os jovens separados pelo anjo. Porém não os vi mais.
            Meus caros! Sei quem foi coroado e quem o anjo expulsou. Di-lo-ei aos interessados, a fim de que procurem levar à Virgem presentes que ela se digne aceitar.
            Enquanto isso, algumas observações. – A primeira: Todos levavam flores à Virgem; havia flores de todos os tipos. Porém, observei que todos, quem mais quem menos, no meio das flores tinham espinhos. Pensei e pensei o que significariam aqueles espinhos, e descobri que realmente significavam a desobediência. Conservar dinheiro sem autorização e sem querer entregá-lo ao Prefeito [ecônomo]; solicitar permissão para ir a um lugar e depois ir num outro; ir para a aula quando os outros lá já se encontram há algum tempo; preparar saladas e outras comidas às escondidas; ir aos dormitórios dos outros quando é absolutamente proibido, qualquer que seja o motivo que possam ter; levantar-se tarde de manhã; deixar as práticas de piedade prescritas; conversar quando é tempo de fazer silêncio; comprar livros sem os mostrar; enviar sem licença cartas por meio de terceiros, para que não sejam vistas, e recebê-las usando o mesmo expediente; fazer contratos de compra e venda um com o outro. Eis o que significam os espinhos. Muitos de vocês perguntarão: é então pecado transgredir as regras da casa? Pensei seriamente nesta questão; respondo-lhes absolutamente, sim. Não lhes digo se grave ou leve: as circunstâncias dirão, mas é pecado. Alguém me dirá: mas na lei de Deus não está que devemos obedecer às regras da casa! Ouçam: está nos mandamentos: – honra pai e mãe! Sabem o que significam estas palavras pai e mãe? Referem-se também a quem lhes faz as vezes. Não está também escrito na sagrada escritura: oboedite praepositis vestris (Obedecei aos vossos dirigentes – Hb 13,17)? Se vocês têm de obedecer, é natural que eles têm de mandar. Eis a origem das regras de um Oratório, e eis se são obrigatórias ou não.
            Segunda observação: – Alguns tinham pregos no meio de suas flores, pregos que tinham servido para pregar o Senhor Jesus. E como? Sempre se começa pelas pequenas coisas e depois se chega às grandes. Aquele um queria ter dinheiro para satisfazer seus caprichos, portanto, para gastá-lo à sua maneira, não quis entregá-lo; depois começou a roubar livros de aula e terminou por furtar dinheiro e coisas dos colegas. Esse outro queria satisfazer a gula, e por isso garrafas etc., depois se permitiu licenças, em suma, caiu em pecado mortal. Eis como se acharam pregos naqueles ramalhetes; eis como o bom Jesus foi crucificado. O apóstolo diz que os pecados colocam de novo o Salvador na Cruz: Rursus crucifigentes filium Dei (Crucificam novamente o Filho e Deus – Hb 6,6).
            Terceira observação. – Muitos jovens tinham, entre as flores frescas e odoríferas, também flores murchas e podres, ou flores bonitas, mas sem aroma. Aquelas significavam as obras boas, mas feitas em pecado mortal, obras que não ajudam a aumentar seus merecimentos. As flores sem aroma são as obras realizadas por objetivos humanos, por ambição, somente para agradar aos professores e aos superiores. Então o anjo os censurava por ousarem levar semelhantes ofertas a Maria, e os mandava de volta para refazer o ramalhete. Eles se retiravam, o desfaziam, tiravam as flores estragadas e, depois, ajeitadas de novo as flores, as amarravam como antes, e as levavam ao anjo que, então, as aceitava e as colocava na mesa. Estes ao voltar não seguiam nenhuma ordem de fila, mas mal estavam prontos, quem antes, quem depois, cada um trazia de volta seu ramalhete e ia se colocar com aqueles que deviam receber a coroa.
            Neste sonho eu vi tudo o que foi e o que será de meus jovens. Para muitos já o disse. Aos outros, di-lo-ei. Por enquanto, procurem que esta Virgem Celeste sempre receba de vocês presentes que nunca tenham de ser recusados.
(MBp VIII, 157-161)

Foto de abertura: Carlo Acutis durante uma visita ao Santuário Mariano de Fátima.