Dom José Malandrino e o Servo de Deus Nino Baglieri

Dom José Malandrino, IX bispo da diocese de Noto, retornou à Casa do Pai, no último dia 3 de agosto de 2025. Nesse dia se celebrava a festa da Padroeira da Diocese de Noto, Maria Scala del Paradiso [Maria, Escada do Paraíso]. Estava com 94 anos de idade, 70 anos de sacerdócio e 45 anos de consagração episcopal. São números respeitáveis para um homem que serviu a Igreja como Pastor com “o cheiro das ovelhas”, como o Papa Francisco costumava enfatizar.

Para-raios da humanidade
Na experiência como pastor da Diocese de Noto (19.06.1998 – 15.07.2007), teve a oportunidade de cultivar a amizade com o Servo de Deus Nino Baglieri. Quase nunca faltava uma “parada” na casa de Nino quando motivos pastorais o levavam a Módica. Em seu testemunho, Dom Malandrino diz: “…encontrando-me ao lado de Nino, tinha a percepção viva de que este nosso amado irmão enfermo era verdadeiramente um ‘para-raios da humanidade’, segundo uma concepção dos sofredores que me é muito cara e que quis propor também na Carta Pastoral sobre a missão permanente ‘Sereis minhas testemunhas’ (2003).” Dom Malandrino escreve: “É necessário reconhecer nos doentes e sofredores o rosto de Cristo sofredor e assisti-los com o mesmo cuidado e amor de Jesus em sua paixão, vivida em espírito de obediência ao Pai e solidariedade aos irmãos.” Isso foi plenamente encarnado pela querida mãe de Nino, a senhora Peppina. Ela, típica mulher siciliana, com um caráter forte e muita determinação, respondeu ao médico que propôs a eutanásia para seu filho (dadas as graves condições de saúde e a perspectiva de uma vida de paralisia): “se o Senhor quiser, Ele o levará, mas se me deixá-lo assim, fico feliz em cuidar dele por toda a vida.” A mãe de Nino, naquele momento, estava consciente do que estava por vir? Maria, mãe de Jesus, estava consciente da dor que teria que sofrer pelo Filho de Deus? A resposta, vista com olhos humanos, parece não ser fácil, especialmente em nossa sociedade do século XXI, onde tudo é efêmero, flutuante, consumido num “instante”. O “Fiat” da mãe Peppina tornou-se, como o de Maria, um Sim de Fé e adesão àquela vontade de Deus que se cumpre no saber carregar a Cruz, no saber dar “alma e corpo” à realização do Plano de Deus.

Da dor à alegria
A relação de amizade entre Nino e Dom Malandrino já estava iniciada quando este último ainda era bispo de Acireale; de fato, já em 1993, por meio do Padre Atílio Balbinot, um camiliano muito próximo a Nino, ele presenteou-o com seu primeiro livro: “Da dor à alegria”. Na experiência de Nino, a relação com o Bispo de sua diocese era uma relação de filiação total. Desde o momento em que aceitou o Plano de Deus para ele, fazia sentir sua presença “ativa” oferecendo seus sofrimentos pela Igreja, pelo Papa e pelos Bispos (bem como pelos sacerdotes e missionários). Essa relação de filiação era renovada anualmente no dia 6 de maio, data da queda vista depois como o início misterioso de um renascimento. No dia 8 de maio de 2004, poucos dias após celebrar o 36º aniversário da Cruz de Nino, Dom Malandrino foi à sua casa. Em memória daquele encontro, Nino escreveu em suas memórias: “é sempre uma grande alegria toda vez que o vejo e recebo muita força e energia para carregar minha Cruz e oferecê-la com tanto Amor pelas necessidades da Santa Igreja e, em particular, pelo meu Bispo e pela nossa Diocese; que o Senhor lhe conceda cada vez mais santidade para nos guiar por muitos anos sempre com mais ardor e amor…”. Ainda: “… a Cruz é pesada, mas o Senhor me concede muitas Graças que tornam o sofrimento menos amargo e a Cruz se torna leve e suave, a Cruz se faz Dom, oferecida ao Senhor com muito Amor pela salvação das almas e pela Conversão dos Pecadores…”. Por fim, é importante destacar que, nessas ocasiões de graça, nunca faltava o pedido insistente e constante de “ajuda para me tornar Santo com a Cruz de cada dia”. Nino, de fato, queria absolutamente se tornar santo.

Uma beatificação antecipada
Momento de grande relevância foram, nesse sentido, as exéquias do Servo de Deus em 3 de março de 2007, quando justamente Dom Malandrino, no início da Celebração Eucarística, com devoção se inclinou, mesmo com dificuldade, para beijar o caixão que continha os restos mortais de Nino. Foi uma homenagem a um homem que viveu 39 anos de sua existência em um corpo que “não sentia”, mas que irradiava alegria de viver em 360 graus. Dom Malandrino ressaltou que a celebração da Missa, no pátio dos Salesianos que se tornou para a ocasião uma “catedral” a céu aberto, foi uma autêntica apoteose (milhares de pessoas participaram em lágrimas) e se percebia claramente e comunitariamente que não se tratava de um funeral, mas de uma verdadeira “beatificação”. Nino, com seu testemunho de vida, tornou-se um ponto de referência para muitos, jovens ou menos jovens, leigos ou consagrados, mães ou pais de família, que graças ao seu precioso testemunho conseguiam ler sua própria existência e encontrar respostas que não conseguiam achar em outro lugar. Dom Malandrino também enfatizou esse aspecto várias vezes: «de fato, cada encontro com o querido Nino foi para mim, como para todos, uma forte e viva experiência de edificação e – na sua doçura – um poderoso estímulo à doação paciente e generosa. A presença do Bispo lhe conferia imensa alegria porque, além do afeto do amigo que o visitava, ele percebia a comunhão eclesial. É óbvio que o que eu recebia dele era sempre muito mais do que aquele pouco que eu podia lhe dar». A “fixação” de Nino era “se tornar santo”: ter vivido e encarnado plenamente o evangelho da Alegria no Sofrimento, com seus padecimentos físicos e seu dom total para a amada Igreja, fez com que tudo não terminasse com sua partida para a Jerusalém do Céu, mas continuasse ainda, como ressaltou Dom Malandrino nas exéquias: “… a missão de Nino continua agora também através de seus escritos. Ele mesmo havia antecipado isso em seu Testamento espiritual”: “… meus escritos continuarão meu testemunho, continuarei a dar Alegria a todos e a falar do Grande Amor de Deus e das Maravilhas que Ele fez em minha vida”. Isso ainda está se cumprindo porque não pode ficar escondida “uma cidade situada sobre um monte e não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo do alqueire, mas no candelabro, para iluminar todos os que estão em casa” (Mateus 5,14-16). Metaforicamente, quer-se destacar que a “luz” (entendida em sentido amplo) deve ser visível, mais cedo ou mais tarde: o que é importante virá à luz e será reconhecido.
Relembrar nestes dias – marcados pela morte de Dom Malandrino, seus funerais em Acireale (5 de agosto, Madonna della Neve [Nossa Senhora da Neve]) e em Noto (7 de agosto) com sepultamento na sequência na catedral que ele mesmo desejou fortemente reformar após o desabamento de 13 de março de 1996 e que foi reaberta em março de 2007 (mês em que Nino Baglieri faleceu) – significa revisitar esse laço entre duas grandes figuras da Igreja de Noto, fortemente entrelaçadas e ambas capazes de deixar nela uma marca que não se apaga.

Roberto Chiaramonte




Aparição da Bem-Aventurada Virgem na montanha de La Salette

Dom Bosco propõe uma narrativa detalhada da “Aparição da Bem-Aventurada Virgem na montanha de La Salette”, ocorrida em 19 de setembro de 1846, com base em documentos oficiais e nos testemunhos dos videntes. Ele reconstrói o contexto histórico e geográfico – dois jovens pastores, Maximino e Melânia, nas encostas dos Alpes – o encontro prodigioso com a Virgem, sua mensagem de advertência contra o pecado e a promessa de graças e providências, bem como os sinais sobrenaturais que acompanharam as manifestações. Apresenta os eventos da difusão do culto, a influência espiritual sobre os habitantes e sobre o mundo inteiro, e o segredo revelado somente a Pio IX para fortalecer a fé dos cristãos e testemunhar a presença constante dos prodígios na Igreja.

Protesto do Autor
            Para obedecer aos decretos de Urbano VIII, protesto que, no que se dirá no livro sobre milagres, revelações ou outros fatos, não pretendo atribuir outra autoridade senão humana; e ao dar algum título de Santo ou Beato, não o faço senão segundo a opinião; excetuando aquelas coisas e pessoas que já foram aprovadas pela Santa Sé Apostólica.

Ao leitor
            Um fato certo e maravilhoso, atestado por milhares de pessoas, e que todos ainda hoje podem verificar, é a aparição da bem-aventurada Virgem, ocorrida em 19 de setembro de 1846 (Sobre este fato extraordinário podem ser consultadas muitas pequenas obras e vários jornais impressos na época, especialmente: Notícia sobre a aparição de Maria Santíssima, Turim, 1847; Santo oficial da aparição etc., 1848; O livrinho impresso aos cuidado do padre José Gonfalonieri, Novara, junto a Enrico Grotti).
Nossa piedosa Mãe apareceu em forma e figura de grande Senhora a dois pastores, ou seja, a um menino de 11 anos e a uma jovem de 15 anos, lá no alto de uma montanha da cadeia dos Alpes situada na paróquia de La Salette, na França. E ela apareceu não apenas para o bem da França, como disse o Bispo de Grenoble, mas para o bem de todo o mundo; e isso para nos advertir da grande ira de seu Divino Filho, acesa especialmente por três pecados: a blasfêmia, a profanação dos domingos e festas e o comer à saciedade nos dias de jejum.
A seguir, outros fatos prodigiosos também recolhidos de documentos públicos, ou atestados por pessoas cuja fé exclui qualquer dúvida sobre o que relatam.
Que esses fatos sirvam para confirmar os bons na religião, para refutar aqueles que talvez por ignorância queiram impor um limite ao poder e à misericórdia do Senhor, dizendo: Não é mais tempo de milagres.
Jesus disse que em sua Igreja se operariam milagres maiores do que Ele operou: e não fixou nem tempo nem número; por isso enquanto houver Igreja, veremos sempre a mão do Senhor manifestar seu poder com acontecimentos prodigiosos, porque ontem, hoje e sempre Jesus Cristo será aquele que governa e assiste sua Igreja até a consumação dos séculos.
Mas esses sinais sensíveis da Onipotência Divina são sempre prenúncio de graves acontecimentos que manifestam a misericórdia e a bondade do Senhor, ou sua justiça e seu desagrado, mas de modo que se tire a maior glória e o maior proveito para as almas.
Façamos que para nós sejam fonte de graças e bênçãos; sirvam de estímulo à fé viva, fé operosa, fé que nos mova a fazer o bem e a fugir do mal para nos tornarmos dignos de sua infinita misericórdia no tempo e na eternidade.

Aparição da Bem-Aventurada Virgem nas montanhas de La Salette
            Maximino, filho de Pedro Giraud, carpinteiro da vila de Corps, era um menino de 11 anos; Francisca Melânia, filha de pais pobres, natural de Corps, era uma jovem de 15 anos. Não tinham nada de singular: ambos ignorantes e rústicos, ambos encarregados de cuidar do gado nas montanhas. Maximino não sabia mais que o Pai-Nosso e a Ave-Maria; Melânia sabia um pouco mais, tanto que por sua ignorância ainda não havia sido admitida à sagrada Comunhão.
Mandados por seus pais para guiar o gado nos pastos, foi por puro acaso que no dia 18 de setembro, véspera do grande acontecimento, se encontraram na montanha enquanto davam água às suas vacas numa fonte.
Naquela noite, ao voltarem para casa com o gado, Melânia disse a Maximino: “Quem será o primeiro a estar na Montanha amanhã?” E no dia seguinte, 19 de setembro, que era um sábado, subiram juntos, conduzindo cada um quatro vacas e uma cabra. O dia estava bonito e sereno, o sol brilhante. Por volta do meio-dia, ouvindo tocar o sino do Angelus, fizeram uma breve oração com o sinal da cruz; depois pegaram suas provisões e foram comer perto de uma pequena nascente, que ficava à esquerda de um riacho. Terminada a refeição, atravessaram o riacho, deixaram suas sacolas perto de uma fonte seca, desceram mais alguns passos e, ao contrário do habitual, adormeceram a certa distância um do outro.
Agora ouçamos o relato dos próprios pastores, tal como o fizeram na noite do dia 19 para seus patrões e depois milhares de vezes para milhares de pessoas.
“Nós tínhamos adormecido…” conta Melânia, “eu acordei primeiro; e, não vendo minhas vacas, acordei Maximino dizendo: Vamos procurar nossas vacas. Passamos o riacho, subimos um pouco, e as vimos do lado oposto deitadas. Elas não estavam longe. Então voltei para baixo; e a cinco ou seis passos antes de chegar ao riacho, vi um clarão como o Sol, mas ainda mais brilhante, porém não da mesma cor, e disse a Maximino: Venha, venha depressa para ver um clarão lá embaixo (Era entre duas e três horas depois do meio-dia).”
Maximino desceu imediatamente dizendo-me: “Onde está esse clarão?” E eu o indiquei com o dedo apontando para a pequena fonte; e ele parou quando o viu. Então vimos uma Senhora no meio da luz; ela estava sentada sobre um monte de pedras, com o rosto entre as mãos. De medo, deixei cair meu bastão. Maximino me disse: “Segure o bastão; se ela fizer algo, eu lhe darei uma boa surra.”
Depois essa Senhora levantou-se, cruzou os braços e nos disse: “Avancem, meus meninos: Não tenham medo; estou aqui para lhes dar uma grande notícia.” Então atravessamos o riacho, e ela avançou até o lugar onde antes tínhamos adormecido. Ela estava entre nós dois, e nos disse chorando todo o tempo que falou (eu vi claramente suas lágrimas): “Se meu povo não quiser se submeter, sou obrigada a deixar livre a mão de meu Filho. Ela é tão forte, tão pesada, que não posso mais contê-la.”
“Já faz muito tempo que sofro por vocês! Se quero que meu Filho não os abandone, devo orar constantemente; e vocês não dão importância a isso. Vocês podem orar, podem fazer o bem, mas jamais poderão compensar o cuidado que tive por vocês.”
“Dei-lhes seis dias para trabalhar, reservei o sétimo para mim, e não querem concedê-lo a mim. Isso é o que torna tão pesada a mão de meu Filho.”
“Se as batatas estragarem, é tudo por causa de vocês. Eu lhes mostrei isso no ano passado (1845); e vocês não quiseram dar atenção, e, encontrando batatas estragadas, blasfemavam colocando no meio o nome de meu Filho.”
“Continuarão a estragar, e este ano, no Natal, vocês não terão mais (1846).”
“Se tiverem trigo, não devem semeá-lo: tudo o que semearem será comido pelos vermes; e o que nascer será pó quando o debulharem.”
“Virá uma grande fome” (De fato, houve uma grande fome na França, e nas estradas havia grandes grupos de mendigos famintos, que iam aos milhares pelas cidades pedindo esmolas: e enquanto aqui na Itália o trigo encareceu na primavera de 1847, na França durante todo o inverno de 1846-1847 sofreu-se muita fome. Mas a verdadeira escassez de alimentos, a verdadeira fome foi experimentada nos desastres da guerra de 1870-71. Em Paris, um grande personagem ofereceu a seus amigos um lauto almoço com carnes na Sexta-feira Santa. Poucos meses depois, nessa mesma cidade, os cidadãos mais abastados foram obrigados a se alimentar de alimentos pobres e de carnes dos animais mais sujos. Muitos morreram de fome.)
“Antes que venha a fome, as crianças abaixo de sete anos serão tomadas por um tremor e morrerão nas mãos das pessoas que as segurarem; os outros farão penitência pela fome.”
“As nozes estragarão, e as uvas apodrecerão…” (Em 1849 as nozes estragaram por toda parte; e quanto às uvas, todos ainda lamentam o estrago e a perda. Todos lembram o enorme dano que o oídio (fungo) causou às uvas em toda a Europa por mais de vinte anos, de 1849 a 1869).
“Se se converterem, as pedras e os penhascos se transformarão em montes de trigo, e as batatas nascerão da própria terra.”
Então ela nos disse:
“Vocês rezam bem suas orações, meus meninos?”
Ambos respondemos: “Não muito bem, Senhora.”
“Ah, meus meninos, vocês devem dizê-las bem à noite e de manhã. Quando não tiverem tempo, digam pelo menos um Pai-Nosso e uma Ave-Maria; e quando tiverem tempo, digam mais.”
“À Missa vão apenas algumas mulheres idosas, e as outras trabalham aos domingos durante todo o verão; e no inverno os jovens, quando não sabem o que fazer, vão à Missa para zombar da religião. Na quaresma vão ao açougue como cães.”
Então ela disse: “Você não viu, meu menino, trigo estragado?”
Maximino respondeu: “Oh! não, Senhora.” Eu, sem saber a quem ela fazia a pergunta, respondi em voz baixa.
“Não, Senhora, ainda não vi.”
“Você deve ter visto, meu menino (dirigindo-se a Maximino), uma vez perto do território de Coin com seu pai. O dono do campo disse a seu pai para ir ver seu trigo estragado; vocês foram os dois. Pegaram algumas espigas nas mãos, e ao esfregá-las todas viraram pó, e vocês voltaram. Quando ainda estavam a meia hora de Corps, seu pai deu a você um pedaço de pão, e disse: «Tome, meu filho, coma ainda pão este ano; não sei quem comerá no próximo ano, se o trigo continuar a estragar assim.»”
Maximino respondeu: “Oh! sim, Senhora, agora me lembro; pouco antes não me lembrava.”
Depois disso, aquela Senhora nos disse: “Bem, meus meninos, vocês vão contar isso a todo o meu povo.”
Então ela atravessou o riacho, e a dois passos de distância, sem se voltar para nós, disse novamente: “Bem, meus meninos, vocês vão contar isso a todo o meu povo.”
Ela subiu depois uns quinze passos, até o lugar onde fomos procurar nossas vacas; mas ela caminhava sobre a grama; seus pés tocavam apenas o topo. Nós a seguimos; eu passei na frente da Senhora e Maximino um pouco de lado, a dois ou três passos de distância. E a bela Senhora se elevou assim (Melânia faz um gesto levantando a mão mais de um metro); Ela ficou suspensa no ar por um momento. Depois ela lançou um olhar para o Céu, depois para a terra; depois não vimos mais a cabeça… nem os braços… nem os pés… parecia que se dissolvia; só se viu um clarão no ar; e depois o clarão desapareceu.
Eu disse a Maximino: “Será talvez uma grande santa?” Maximino me respondeu: “Oh! se soubéssemos que era uma grande santa, teríamos pedido para nos levar com ela.” E eu lhe disse: “E se ainda estivesse aqui?” Então Maximino estendeu a mão para alcançar um pouco do clarão, mas tudo havia desaparecido. Observamos bem para ver se ainda a víamos.
E eu disse: “Ela não quer se mostrar para não nos deixar saber para onde foi.” Depois disso fomos atrás de nossas vacas.”
Este é o relato de Melânia; que, interrogada sobre como aquela Senhora estava vestida, respondeu:
“Ela usava sapatos brancos com rosas ao redor… havia de todas as cores; usava meias amarelas, um avental amarelo, uma veste branca toda coberta de pérolas, um lenço branco no pescoço contornado de rosas, uma touca alta um pouco pendente na frente com uma coroa de rosas ao redor. Tinha uma correntinha, à qual estava pendurada uma cruz com seu Cristo: à direita uma torquês, à esquerda um martelo; na extremidade da cruz pendia outra grande corrente, como as rosas ao redor do seu lenço de pescoço. Tinha o rosto branco, alongado; eu não podia olhar muito tempo, porque ofuscava.”
Interrogado separadamente, Maximino faz o mesmo relato, sem nenhuma variação, nem na substância nem na forma; por isso nos abstemos de repeti-lo aqui.
São infinitas e estranhas as perguntas capciosas que lhes fizeram, especialmente por dois anos, e sob interrogatórios de 5, 6, 7 horas seguidas com a intenção de embaraçá-los, confundi-los, fazê-los contradizer-se. Certo é que talvez nenhum réu tenha sido tão duramente interrogado pelos tribunais de justiça sobre um crime que lhe fora imputado.

Segredo dos dois pastores
            Logo após a aparição, Maximino e Melânia, ao retornarem para casa, perguntaram um ao outro por que a grande Senhora, depois de ter dito «as uvas vão apodrecer», demorou um pouco para falar e só mexia os lábios, sem deixar entender o que dizia?
Ao se interrogarem mutuamente sobre isso, Maximino disse a Melânia: «Ela me disse uma coisa, mas me proibiu de te contar.» Ambos perceberam que haviam recebido da Senhora, cada um separadamente, um segredo com a proibição de o revelar a alguém. Agora pense, leitor, se os jovens conseguem guardar segredo.
É inacreditável o que foi feito e tentado para arrancar deles esse segredo de alguma forma. É impressionante ler as milhares de tentativas feitas para esse fim por centenas e centenas de pessoas durante vinte anos. Orações, surpresas, ameaças, insultos, presentes e seduções de toda espécie, tudo foi em vão; eles são impenetráveis.
O bispo de Grenoble, um homem octogenário, achou que devia ordenar aos dois privilegiados meninos que pelo menos entregassem seu segredo ao Santo Padre, Pio IX. Ao nome do Vigário de Jesus Cristo, os dois pastorezinhos obedeceram prontamente e decidiram revelar um segredo que até então nada havia conseguido arrancar deles. Eles mesmos o escreveram (desde o dia da aparição estavam sendo instruídos, cada um separadamente); depois dobraram e lacraram suas cartas; tudo isso na presença de pessoas respeitáveis, escolhidas pelo próprio bispo para servir de testemunhas. Então o bispo enviou dois sacerdotes para levar a Roma essa misteriosa correspondência.
Em 18 de julho de 1851, entregaram a Sua Santidade Pio IX três cartas: uma do Senhor bispo de Grenoble, que credenciava esses dois enviados, e as outras duas continham o segredo dos dois jovens de La Salette; cada um havia escrito e lacrado sua carta contendo seu segredo na presença de testemunhas que declararam a autenticidade das mesmas na capa.
Sua Santidade abriu as cartas e, ao começar a ler a de Maximino, disse: «Tem realmente a candura e a simplicidade de uma criança.» Durante a leitura, uma certa emoção se manifestou no rosto do Santo Padre; seus lábios se contraíram, suas bochechas se inflaram. «Trata-se, disse o Papa aos dois sacerdotes, de flagelos que ameaçam a França. Não é apenas ela culpada, também a Alemanha, a Itália, toda a Europa, e merecem castigos. Eu temo muito a indiferença religiosa e o respeito humano.»

Afluência em La Salette
            A fonte, perto da qual a Senhora, ou seja, a Virgem Maria, havia descansado, estava seca, como dissemos; e, segundo todos os pastores e camponeses da região, só dava água após chuvas abundantes e o derretimento das neves. Agora, essa fonte, seca no mesmo dia da aparição, no dia seguinte começou a jorrar água, e desde então a água corre clara e límpida sem interrupção.
Aquela montanha nua, íngreme, deserta, habitada pelos pastores apenas quatro meses por ano, tornou-se o palco de uma imensa concentração de pessoas. Populações inteiras vêm de todos os lados para aquela montanha privilegiada; e, chorando de ternura e cantando hinos e cânticos, inclinam a testa sobre aquela terra abençoada, onde ressoou a voz de Maria: vê-se que beijam respeitosamente o lugar santificado pelos pés de Maria; e descem cheios de alegria, confiança e gratidão.
Todos os dias, um número imenso de fiéis vai devotamente visitar o local do prodígio. No primeiro aniversário da aparição (19 de setembro de 1847), mais de setenta mil peregrinos de todas as idades, sexos, condições e até de todas as nações cobriam a superfície daquele terreno…
Mas o que faz sentir ainda mais o poder daquela voz vinda do Céu é que houve uma mudança maravilhosa nos costumes dos habitantes de Corps, de La Salette, de todo o cantão e arredores, e que ainda se espalha por lugares distantes… Eles pararam de trabalhar aos domingos; abandonaram as blasfêmias… Frequentam a Igreja, atendem à voz de seus pastores, aproximam-se dos santos sacramentos, cumprem com edificação o preceito da Páscoa, até então geralmente negligenciado. Não falo das muitas e estrondosas conversões e das graças extraordinárias no âmbito espiritual.
No local da aparição ergue-se agora uma majestosa igreja com um edifício vastíssimo, onde os viajantes, depois de satisfazerem sua devoção, podem repousar confortavelmente e até passar a noite à vontade.

Após o fato de La Salette, Melânia foi enviada para a escola, com progresso maravilhoso na ciência e na virtude. Mas sentia-se sempre tão ardente em devoção à Bem-Aventurada Virgem Maria que decidiu consagrar-se inteiramente a Ela. Entrou de fato para a Ordem das Carmelitas Descalças, entre as quais, segundo o jornal Echo de Fourvière de 22 de outubro de 1870, teria sido chamada pela Santa Virgem ao céu. Pouco antes de morrer, escreveu a seguinte carta para sua mãe.

11 de setembro de 1870.

Queridíssima e amadíssima mãe,

Que Jesus seja amado por todos os corações. – Esta carta não é só para você, mas para todos os habitantes da minha querida terra de Corps. Um pai de família, muito amoroso com seus filhos, vendo que eles esqueciam seus deveres, desprezavam a lei imposta por Deus, tornavam-se ingratos, resolveu castigá-los severamente. A esposa do pai de família pedia clemência, e ao mesmo tempo ia aos dois filhos mais jovens do pai de família, ou seja, os dois mais fracos e ignorantes. A esposa, que não pode chorar na casa do seu esposo (que é o Céu), encontra nos campos desses miseráveis filhos lágrimas em abundância: ela expõe seus temores e ameaças, se não voltarem atrás, se não observarem a lei do dono da casa. Um número muito pequeno de pessoas abraça a reforma do coração e começa a observar a santa lei do pai de família; mas, ai de nós! a maioria permanece no pecado e se afunda cada vez mais nele. Então o pai de família envia castigos para punir e tirar esses filhos desse estado de endurecimento. Esses filhos desgraçados pensam que podem escapar do castigo, agarram e quebram as varas que os castigam, em vez de se ajoelharem, pedir clemência e misericórdia, e especialmente prometer mudar de vida. Finalmente, o pai de família, ainda mais irritado, pega uma vara ainda mais forte e bate e continuará batendo até que eles reconheçam, se humilhem e peçam misericórdia àquele que reina na terra e nos céus.
Vocês me entenderam, querida mãe e queridos habitantes de Corps: esse pai de família é Deus. Somos todos seus filhos; nem eu nem vocês o amamos como deveríamos; não cumprimos, como convinha, seus mandamentos: agora Deus nos castiga. Um grande número de nossos irmãos soldados morre, famílias e cidades inteiras são reduzidas à miséria; e se não nos voltarmos para Deus, não terminará. Paris é muito culpada porque premiou um homem mau que escreveu contra a divindade de Jesus Cristo. Os homens têm apenas um tempo para cometer pecados; mas Deus é eterno e castiga os pecadores. Deus está irritado pela multiplicidade dos pecados e porque é quase desconhecido e esquecido. Agora, quem poderá deter a guerra que faz tanto mal na França e que em breve recomeçará na Itália? etc., etc. Quem poderá deter esse flagelo?
É preciso 1º que a França reconheça que nesta guerra está unicamente a mão de Deus; 2º que se humilhe e peça com mente e coração perdão por seus pecados; que prometa sinceramente servir a Deus com mente e coração, e obedecer aos seus mandamentos sem respeito humano. Alguns rezam, pedem a Deus o triunfo dos franceses. Não, não é isso que o bom Deus quer: Ele quer a conversão dos franceses. A Santíssima Virgem veio à França, e esta não se converteu: por isso é mais culpada que as outras nações; se não se humilhar, será grandemente humilhada. Paris, esse foco da vaidade e do orgulho, quem poderá salvá-la, se fervorosas orações não se elevarem ao coração do bom Mestre?
Lembro-me, querida mãe e queridos habitantes, da minha querida terra, lembro-me das devotas procissões que faziam no sagrado monte de La Salette, para que a ira de Deus não atingisse sua terra! A Santa Virgem ouviu suas fervorosas preces, suas penitências e tudo o que fizeram por amor a Deus. Penso e espero que atualmente vocês devam fazer ainda mais belas procissões pela salvação da França; ou seja, para que a França volte a Deus, pois Deus só espera isso para retirar a vara com que castiga seu povo rebelde. Oremos muito, sim, oremos; façam suas procissões, como fizeram em 1846 e 1847: acreditem que Deus sempre escuta as orações sinceras dos corações humildes. Oremos muito, oremos sempre. Nunca amei Napoleão, porque lembro toda a sua vida. Que o divino Salvador lhe perdoe todo o mal que fez; e que ainda faz!
Lembremo-nos de que fomos criados para amar e servir a Deus, e que fora disso não há verdadeira felicidade. As mães devem educar cristãmente seus filhos, porque o tempo das tribulações não acabou. Se eu lhes revelasse o número e a qualidade delas, ficariam horrorizados. Mas não quero assustá-los; tenham confiança em Deus, que nos ama infinitamente mais do que podemos amá-lo. Oremos, oremos, e a boa, divina e terna Virgem Maria estará sempre conosco: a oração desarma a ira de Deus; a oração é a chave do Paraíso.
Oremos por nossos pobres soldados, oremos por tantas mães desoladas pela perda de seus filhos, consagremo-nos à nossa boa Mãe celeste: oremos por esses cegos que não veem que é a mão de Deus que agora castiga a França. Oremos muito e façamos penitência. Mantenham-se todos ligados à santa Igreja e ao nosso Santo Padre, que é seu chefe visível e o Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra. Em suas procissões, em suas penitências, orem muito por ele. Finalmente, mantenham-se em paz, amem-se como irmãos, prometendo a Deus observar seus mandamentos e realmente cumpri-los. E pela misericórdia de Deus serão felizes e terão uma boa e santa morte, que desejo a todos, colocando todos sob a proteção da augustíssima Virgem Maria. Abraço de coração (aos parentes). Minha salvação está na Cruz. O coração de Jesus vela por mim.

Maria da Cruz, vítima de Jesus

Primeira parte da publicação “Aparição da Bem-Aventurada Virgem na montanha de La Salette com outros fatos prodigiosos, recolhidos de documentos públicos pelo sacerdote João Bosco”, Turim, Tipografia do Oratório de São Francisco de Sales, 1871.




O Venerável Mons. Stefano Ferrando

Monsenhor Stefano Ferrando foi um exemplo extraordinário de dedicação missionária e serviço episcopal, unindo o carisma salesiano a uma vocação profunda ao serviço dos mais pobres. Nascido em 1895 no Piemonte, entrou jovem na Congregação Salesiana e, após servir no exército durante a Primeira Guerra Mundial, o que lhe valeu a medalha de prata por valor, dedicou-se ao apostolado na Índia. Bispo de Krishnagar e depois de Shillong por mais de trinta anos, caminhou incansavelmente entre as populações, promovendo a evangelização com humildade e profundo amor pastoral. Fundou instituições, apoiou os catequistas leigos e encarnou em sua vida o lema “Apóstolo de Cristo”. Sua vida foi um exemplo de fé, entrega a Deus e doação total, deixando um legado espiritual que continua a inspirar a missão salesiana no mundo.

O Venerável Bispo Dom Estêvão Ferrando soube conjugar a vocação salesiana com o carisma missionário e o ministério episcopal. Nascido em 28 de setembro de 1895, em Rossiglione (Gênova, diocese de Acqui), filho de Agostinho e Josefina Salvi, distinguiu-se por um ardente amor a Deus e uma terna devoção à Santíssima Virgem Maria. Em 1904, ingressou nas escolas salesianas, primeiramente em Fossano e depois em Turim-Valdocco, onde conheceu os sucessores de Dom Bosco e a primeira geração de salesianos, e iniciou seus estudos sacerdotais; nesse meio tempo, alimentou o desejo de partir como missionário. Em 13 de setembro de 1912, fez sua primeira profissão religiosa na Congregação Salesiana de Foglizzo. Convocado às armas em 1915, participou da Primeira Guerra Mundial. Por sua coragem, recebeu a medalha de prata por bravura. Voltou para casa em 1918; emitiu seus votos perpétuos em 26 de dezembro de 1920.
Foi ordenado sacerdote no Bairro São Martinho (Alessandria) em 18 de março de 1923. Em 2 de dezembro do mesmo ano, com nove companheiros, embarcou em Veneza como missionário para a Índia. Em 18 de dezembro, após 16 dias de viagem, o grupo chegou a Bombaim e, em 23 de dezembro, a Shillong, local de seu novo apostolado. Como mestre de noviços, ele educou os jovens salesianos no amor de Jesus e Maria e tinha um grande espírito de apostolado.
Em 9 de agosto de 1934, o Papa Pio XI o nomeou Bispo de Krishnagar. Seu lema era “Apóstolo de Cristo”. Em 26 de novembro de 1935, foi transferido para Shillong, onde permaneceu como bispo por 34 anos. Enquanto trabalhava em uma situação difícil de impacto cultural, religioso e social, o Bispo Dom Ferrando trabalhou incansavelmente para estar perto das pessoas que lhe foram confiadas, trabalhando com zelo na vasta diocese que abrangia toda a região do nordeste da Índia. Ele preferia viajar a pé em vez do carro, que teria à sua disposição: isso lhe permitia conhecer as pessoas, parar e conversar com elas, envolver-se em suas vidas. Esse contato ao vivo com a vida das pessoas foi um dos principais motivos da fecundidade de sua proclamação evangélica: a humildade, a simplicidade e o amor pelos pobres levaram muitos a se converterem e a pedir o batismo. Ele fundou um seminário para a formação de jovens salesianos indianos, construiu um hospital, ergueu um santuário dedicado a Maria Auxiliadora e fundou a primeira congregação de irmãs autóctones, a Congregação das Irmãs Missionárias de Maria Auxiliadora (1942).

Homem de caráter forte, ele não desanimou diante das inúmeras dificuldades, que enfrentou com um sorriso e a mansidão. A perseverança diante dos obstáculos era uma de suas principais características. Ele procurou unir a mensagem do Evangelho à cultura local na qual ela deveria ser inserida. Era intrépido em suas visitas pastorais, que fazia aos lugares mais remotos da diocese, a fim de recuperar a última ovelha perdida. Mostrou sensibilidade e promoção especiais para com os catequistas leigos, que considerava complementares à missão do bispo e dos quais dependia grande parte da fecundidade da proclamação do Evangelho e de sua penetração no território. Sua atenção ao trabalho de pastoral familiar também era imensa. Apesar de seus inúmeros compromissos, o Venerável era um homem com uma rica vida interior, alimentada pela oração e pelo recolhimento. Como pastor, era apreciado por suas irmãs, sacerdotes, irmãos salesianos e no episcopado, bem como pelo povo, que o sentia profundamente próximo a eles. Ele se doou de forma criativa ao seu rebanho, cuidando dos pobres, defendendo os intocáveis, cuidando dos doentes de cólera.
As pedras angulares de sua espiritualidade eram o vínculo filial com a Virgem Maria, o zelo missionário, a referência contínua a Dom Bosco, como se depreende de seus escritos e de toda a sua atividade missionária. O momento mais luminoso e heroico de sua vida virtuosa foi sua partida da diocese de Shillong. Dom Ferrando teve que apresentar sua renúncia ao Santo Padre quando ainda estava na plenitude de suas faculdades físicas e intelectuais, para permitir a nomeação de seu sucessor, que deveria ser escolhido, de acordo com as instruções superiores, entre os sacerdotes autóctones que ele havia formado. Foi um momento particularmente doloroso, vivido pelo grande bispo com humildade e obediência. Ele entendeu que era hora de se retirar em oração, de acordo com a vontade do Senhor.
Retornou a Gênova em 1969 e continuou sua atividade pastoral, presidindo as cerimônias de confirmação e dedicando-se ao sacramento da penitência.
Foi fiel à vida religiosa salesiana até o fim, decidindo viver em comunidade e renunciando aos privilégios que sua posição como bispo poderia ter-lhe reservado. Continuou a ser “um missionário” na Itália. Não “um missionário que se desloca, mas […] um missionário que é. Sua vida nessa última temporada tornou-se uma vida “irradiante”. Ele se tornou um “missionário da oração” que dizia: “Estou feliz por ter vindo embora para que outros pudessem me substituir e fazer obras tão maravilhosas”.
De Gênova Quarto, ele continuou a animar a missão em Assam, aumentando a conscientização e enviando ajuda financeira. Viveu essa hora de purificação com espírito de fé, de abandono à vontade de Deus e de obediência, tocando com as próprias mãos o pleno significado da expressão evangélica “somos apenas servos inúteis”, e confirmando com sua vida o caetera tolle, o aspecto oblativo-sacrifical da vocação salesiana. Morreu em 20 de junho de 1978 e foi sepultado em Rossiglione, sua terra natal. Em 1987, seus restos mortais foram levados de volta à Índia.

Na docilidade ao Espírito, desenvolveu uma fecunda ação pastoral, que se manifestou no grande amor aos pobres, na humildade de espírito e na caridade fraterna, na alegria e no otimismo do espírito salesiano.
Junto com muitos missionários que compartilharam com ele a aventura do Espírito na terra da Índia, entre os quais os Servos de Deus Francisco Convertini, Constantino Vendrame e Orestes Marengo, Dom Ferrando inaugurou um novo método missionário: ser missionário itinerante. Esse exemplo é um incentivo providencial, especialmente para as congregações religiosas tentadas por um processo de institucionalização e fechamento, para que não percam a paixão de ir ao encontro das pessoas e das situações de maior pobreza e miséria material e espiritual, indo aonde ninguém quer ir e confiando, como ele fez. “Olho para o futuro com confiança, confiando em Maria Auxiliadora… Vou me confiar a Maria Auxiliadora, que já me salvou de tantos perigos”.




Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, testemunha de esperança

Uma mulher de fé inabalável, de lágrimas fecundas, atendida por Deus após dezessete longos anos. Um modelo de cristã, esposa e mãe para toda a Igreja. Uma testemunha de esperança que se transformou em poderosa intercessora no Céu. O próprio Dom Bosco recomendava às mães, aflitas pela vida pouco cristã de seus filhos, que se encomendassem a ela nas orações.

Na grande galeria dos santos e santas que marcaram a história da Igreja, Santa Mônica (331-387) ocupa um lugar singular. Não por milagres espetaculares, não pela fundação de comunidades religiosas, nem por feitos sociais ou políticos de destaque. Mônica é lembrada e venerada sobretudo como mãe, a mãe de Agostinho, o jovem inquieto que, graças às suas orações, às suas lágrimas e ao seu testemunho de fé, tornou-se um dos maiores Padres da Igreja e Doutores da fé católica.
Mas limitar sua figura ao papel materno seria injusto e redutor. Mônica foi uma mulher que soube viver sua vida ordinária – esposa, mãe, crente – de forma extraordinária, transfigurando o cotidiano pela força da fé. É um exemplo de perseverança na oração, de paciência no casamento, de esperança inabalável diante dos desvios do filho.
As informações sobre sua vida chegam até nós quase exclusivamente pelas Confissões de Agostinho, um texto que não é uma crônica, mas uma leitura teológica e espiritual da existência. Ainda assim, nessas páginas Agostinho traça um retrato inesquecível da mãe: não apenas uma mulher boa e piedosa, mas um autêntico modelo de fé cristã, uma “mãe das lágrimas” que se tornam fonte de graça.

As origens em Tagaste
Mônica nasceu em 331 em Tagaste, cidade da Numídia, Souk Ahras na atual Argélia. Era um centro vibrante, marcado pela presença romana e por uma comunidade cristã já enraizada. Proveniente de uma família cristã abastada: a fé já fazia parte de seu horizonte cultural e espiritual.
Sua formação foi marcada pela influência de uma ama austera, que a educou na sobriedade e na temperança. Santo Agostinho escreverá sobre ela: “Não falarei, portanto, de seus dons, mas dos teus dons a ela, que não se fez sozinha, nem foi educada sozinha. Tu a criaste sem que nem o pai nem a mãe soubessem que filha teriam; e a ensinaste no teu temor com a vara do teu Cristo, ou seja, a disciplina do teu Unigênito, numa casa de crentes, membro saudável da tua Igreja.” (Confissões IX, 8, 17).

Nas mesmas Confissões, Agostinho também relata um episódio significativo: a jovem Mônica havia adquirido o hábito de beber pequenos goles de vinho da adega, até que uma serva a repreendeu chamando-a de “bêbada”. Essa repreensão foi suficiente para que ela se corrigisse definitivamente. Essa historieta, aparentemente sem importância, mostra sua honestidade em reconhecer seus pecados, em deixar-se corrigir e em crescer em virtude.

Aos 23 anos, Mônica foi dada em casamento a Patrício, um funcionário municipal pagão, conhecido por seu temperamento colérico e sua infidelidade conjugal. A vida matrimonial não foi fácil: a convivência com um homem impulsivo e distante da fé cristã colocou à prova sua paciência.
No entanto, Mônica nunca caiu em desânimo. Com uma atitude de mansidão e respeito, soube conquistar progressivamente o coração do marido. Não respondia com dureza às explosões de raiva, não alimentava conflitos inúteis. Com o tempo, sua constância deu frutos: Patrício se converteu e recebeu o batismo pouco antes de morrer.
O testemunho de Mônica mostra como a santidade não se expressa necessariamente em gestos grandiosos, mas na fidelidade cotidiana, no amor que sabe transformar lentamente as situações difíceis. Nesse sentido, é um modelo para muitas esposas e mães que vivem casamentos marcados por tensões ou diferenças de fé.

Mônica mãe
Do casamento nasceram três filhos: Agostinho, Navígio e uma filha cujo nome desconhecemos. Mônica derramou sobre eles todo seu amor, mas sobretudo sua fé. Navígio e a filha seguiram um caminho cristão linear: Navígio tornou-se sacerdote; a filha seguiu o caminho da virgindade consagrada. Agostinho, por sua vez, tornou-se logo o centro de suas preocupações e lágrimas.
Desde garoto, Agostinho mostrava uma inteligência extraordinária. Mônica o enviou para estudar retórica em Cartago, desejosa de garantir-lhe um futuro brilhante. Mas junto com os progressos intelectuais vieram também as tentações: sensualidade, mundanismo, más companhias. Agostinho abraçou a doutrina maniqueísta, convencido de encontrar nela respostas racionais para o problema do mal. Além disso, começou a conviver sem casar com uma mulher, da qual teve um filho, Adeodato. Os desvios do filho levaram Mônica a negar-lhe acolhida em sua casa. Mas não por isso deixou de orar por ele e de oferecer sacrifícios: “do coração sangrante de minha mãe te era oferecido por mim noite e dia o sacrifício de suas lágrimas”. (Confissões V, 7,13) e “derramava mais lágrimas do que jamais derramam as mães pela morte física dos filhos” (Confissões III, 11,19).

Para Mônica foi uma ferida profunda: o filho, que ela havia consagrado a Cristo no ventre, estava se perdendo. A dor era indescritível, mas ela nunca deixou de esperar. O próprio Agostinho escreverá: “O coração de minha mãe, atingido por tal ferida, nunca mais sararia: porque não sei expressar adequadamente seus sentimentos por mim e quão maior foi seu trabalho ao me dar à luz em espírito do que aquele com que me deu à luz na carne.” (Confissões V, 9,16).

Surge espontânea a pergunta: por que Mônica não batizou Agostinho logo após o nascimento?
Na verdade, embora o batismo infantil já fosse conhecido e praticado, ainda não era uma prática universal. Muitos pais preferiam adiá-lo para a idade adulta, considerando-o um “banho definitivo”: temiam que, se o batizado pecasse gravemente, a salvação estaria comprometida. Além disso, Patrício, ainda pagão, não tinha interesse em educar o filho na fé cristã.
Hoje vemos claramente que foi uma escolha infeliz, pois o batismo não só nos torna filhos de Deus, mas nos dá a graça de vencer as tentações e o pecado.
Uma coisa, porém, é certa: se ele tivesse sido batizado quando criança, Mônica teria poupado a si mesma e ao filho muitos sofrimentos.

A imagem mais forte de Mônica é a de uma mãe que ora e chora. As Confissões a descrevem como uma mulher incansável em interceder junto a Deus pelo filho.
Um dia, um bispo de Tagaste – segundo alguns, o próprio Ambrósio – a tranquilizou com palavras que ficaram célebres: “Vai, não pode se perder o filho de tantas lágrimas”. Essa frase tornou-se a estrela guia de Mônica, a confirmação de que sua dor materna não era em vão, mas parte de um misterioso desígnio de graça.

Tenacidade de uma mãe
A vida de Mônica foi também uma peregrinação nos passos de Agostinho. Quando o filho decidiu partir às escondidas para Roma, Mônica não poupou esforços; não deu a causa como perdida, mas o seguiu e o procurou até encontrá-lo. Ela o alcançou em Milão, onde Agostinho havia conseguido uma cátedra de retórica. Ali encontrou um guia espiritual em Santo Ambrósio, bispo da cidade. Entre Mônica e Ambrósio nasceu uma profunda sintonia: ela reconhecia nele o pastor capaz de guiar o filho, enquanto Ambrósio admirava sua fé inabalável.
Em Milão, a pregação de Ambrósio abriu novas perspectivas para Agostinho. Ele abandonou progressivamente o maniqueísmo e começou a olhar para o cristianismo com novos olhos. Mônica acompanhava silenciosamente esse processo: não forçava os tempos, não exigia conversões imediatas, mas orava, apoiava e permanecia ao lado dele até sua conversão.

A conversão de Agostinho
Parecia que Deus não a ouvia, mas Mônica nunca deixou de orar e oferecer sacrifícios pelo filho. Após dezessete anos, finalmente suas súplicas foram atendidas – e como! Agostinho não só se tornou cristão, mas também sacerdote, bispo, doutor e padre da Igreja.
Ele mesmo reconhece: “Tu, porém, na profundidade dos teus desígnios, atendeste ao ponto vital do seu desejo, sem te importares com o objeto momentâneo de seu pedido, mas cuidando de fazer de mim aquilo que sempre te pedia que fizesse.” (Confissões V, 8,15).

O momento decisivo chegou em 386. Agostinho, atormentado interiormente, lutava contra as paixões e resistências de sua vontade. No célebre episódio do jardim de Milão, ao ouvir a voz de uma criança dizendo “Tolle, lege” (“Toma, lê”), abriu a Carta aos Romanos e leu as palavras que mudaram sua vida: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não atendais aos desejos e paixões da vida carnal” (Rm 13,14).
Foi o início de sua conversão. Junto com o filho Adeodato e alguns amigos, retirou-se para Cassicíaco para se preparar para o batismo. Mônica estava com eles, participando da alegria de ver finalmente atendidas as orações de tantos anos.
Na noite de Páscoa de 387, na catedral de Milão, Ambrósio batizou Agostinho, Adeodato e os outros catecúmenos. As lágrimas de dor de Mônica se transformaram em lágrimas de alegria. Continuou a servi-los, tanto que em Cassicíaco Agostinho dirá: “Cuidou como se fosse mãe de todos e nos serviu como se fosse filha de todos.”.

Óstia: o êxtase e a morte
Após o batismo, Mônica e Agostinho se prepararam para voltar à África. Parando em Óstia, aguardando o navio, viveram um momento de intensa espiritualidade. As Confissões narram o êxtase de Óstia: mãe e filho, à janela, contemplaram juntos a beleza da criação e se elevaram a Deus, antecipando a bem-aventurança do céu.
Mônica dirá: “Filho, quanto a mim não encontro mais nenhum atrativo nesta vida. Não sei por que ainda estou aqui e o que faço aqui. Este mundo não é mais objeto de desejos para mim. Havia apenas um motivo para querer ficar um pouco mais nesta vida: ver-te cristão católico antes de morrer. Deus me atendeu além de toda minha expectativa, concedeu-me ver-te a seu serviço e liberto das aspirações de felicidade terrena. Para que estou aqui?” (Confissões IX, 10,11). Ela havia alcançado seu objetivo terreno.
Alguns dias depois, Mônica adoeceu gravemente. Sentindo a proximidade da morte, disse aos filhos: “Meus filhos, sepultem aqui sua mãe: não se preocupem com o lugar. Só lhes peço uma coisa: lembrem-se de mim no altar do Senhor, onde quer que estejam”. Essa foi a síntese de sua vida: não importava o local do sepultamento, mas o vínculo na oração e na Eucaristia.
Morreu aos 56 anos, em 12 de novembro de 387, e foi sepultada em Óstia. No século VI, suas relíquias foram transferidas para uma cripta escondida na mesma igreja de Santa Áurea. Em 1425, as relíquias foram transladas para Roma, na basílica de Santo Agostinho no Campo de Márcio, onde ainda hoje são veneradas.

O perfil espiritual de Mônica
Agostinho descreve sua mãe com palavras bem medidas:
“[…] feminina na aparência, viril na fé, vigilante na serenidade, maternal no amor, cristã na piedade […]”. (Confissões IX, 4,8).
E ainda:
“[…] viúva casta e sóbria, assídua na esmola, devota e submissa aos teus santos; que não deixava passar um dia sem levar a oferta ao teu altar, que duas vezes ao dia, de manhã e à noite, sem falta visitava tua igreja, e não para conversar inutilmente e tagarelar como as outras velhas, mas para ouvir tuas palavras e fazer ouvir suas orações. As lágrimas de tal mulher, que com elas te pedia não ouro nem prata, nem bens volúveis ou instáveis, mas a salvação da alma de seu filho, tu poderias desprezá-las, tu que assim a fizeste com tua graça, recusando-lhe teu socorro? Certamente não, Senhor. Tu, ao contrário, estavas ao lado dela e a atendias, operando segundo a ordem com que predestinaste que devesse operar.” (Confissões V, 9,17).

Desse testemunho agostiniano, emerge uma figura de surpreendente atualidade.
Foi uma mulher de oração: nunca deixou de invocar a Deus pela salvação de seus entes queridos. Suas lágrimas tornam-se modelo de intercessão perseverante.
Foi uma esposa fiel: em um casamento difícil, nunca respondeu com ressentimento à dureza do marido. Sua paciência e mansidão foram instrumentos de evangelização.
Foi uma mãe corajosa: não abandonou o filho em seus desvios, mas o acompanhou com amor tenaz, capaz de confiar nos tempos de Deus.
Foi uma testemunha de esperança: sua vida mostra que nenhuma situação é desesperadora, se vivida na fé.
A mensagem de Mônica não pertence apenas ao século IV. Fala ainda hoje, em um contexto em que muitas famílias vivem tensões: filhos se afastam da fé, pais experimentam a dificuldade da espera.
Ensina aos pais a não desistir, a crer que a graça opera de maneiras misteriosas.
Mostra às mulheres cristãs como a mansidão e a fidelidade podem transformar relações difíceis.
A quem se sinta desanimado na oração, testemunha que Deus escuta, mesmo que os tempos não coincidam com os nossos.
Não é por acaso que muitas associações e movimentos escolheram Mônica como padroeira das mães cristãs e das mulheres que rezam pelos filhos afastados da fé.

Uma mulher simples e extraordinária
A vida de Santa Mônica é a história de uma mulher simples e extraordinária ao mesmo tempo. Simples porque vivida no cotidiano de uma família; extraordinária porque transfigurada pela fé. Suas lágrimas e suas orações moldaram um santo e, através dele, marcaram profundamente a história da Igreja.
Sua memória, celebrada em 27 de agosto, na véspera da festa de Santo Agostinho, nos lembra que a santidade muitas vezes passa pela perseverança oculta, pelo sacrifício silencioso, pela esperança que não decepciona.
Nas palavras de Agostinho, dirigidas a Deus pela mãe, encontramos a síntese de sua herança espiritual: “Não posso dizer o quanto minha alma lhe é devedora, meu Deus; mas tu sabes tudo. Recompensa-a com tua misericórdia pelo que te pediu com tantas lágrimas por mim” (Conf., IX, 13).

Santa Mônica, através dos acontecimentos de sua vida, alcançou a felicidade eterna que ela mesma definiu: “A felicidade consiste, sem dúvida, em alcançar o fim e devemos confiar que podemos ser conduzidos a ele por uma fé firme, por uma viva esperança, por uma ardente caridade”. (A Felicidade 4,35).




Rumo ao alto! São Pier Giorgio (Pedro Jorge) Frassati

“Queridos jovens, nossa esperança é Jesus. É Ele, como dizia São João Paulo II, «quem desperta em vocês o desejo de fazer da sua vida algo grandioso […], para melhorar a si mesmos e a sociedade, tornando-a mais humana e fraterna» (XV Jornada Mundial da Juventude, Vigília de Oração, 19 de agosto de 2000). Mantenham-se unidos a Ele, permaneçam em sua amizade, sempre, cultivando-a com a oração, a adoração, a Comunhão eucarística, a confissão frequente, a caridade generosa, como nos ensinaram os beatos Pedro Jorge Frassati e Carlos Acutis, que em breve serão proclamados Santos. Aspirai a coisas grandes, à santidade, onde quer que estejam. Não se contentem com menos. Então verão crescer a cada dia, em vocês e ao redor de vocês, a luz do Evangelho” (Papa Leão XIV – homilia do Jubileu dos jovens – 3 de agosto de 2025).

Pier Giorgio (Pedro Jorge) e P. Cojazzi
O senador Alfredo Frassati, embaixador do Reino da Itália em Berlim, era proprietário e diretor do jornal La Stampa de Turim. Os salesianos tinham uma grande dívida de gratidão para com ele. Na ocasião do grande escândalo conhecido como “Os fatos de Varazze”, em que tentaram manchar a honra dos salesianos, Frassati os defendeu. Enquanto até alguns jornais católicos pareciam perdidos e desorientados diante das graves e dolorosas acusações, o La Stampa, após uma rápida investigação, antecipou as conclusões da justiça proclamando a inocência dos salesianos. Assim, quando da casa dos Frassati chegou o pedido de um salesiano para acompanhar os estudos dos dois filhos do senador, Pedro Jorge e Luciana, o P. Paulo Álbera, Reitor-Maior, sentiu-se na obrigação de aceitar. Enviou o P. Antônio Cojazzi (1880-1953). Era o homem certo: boa cultura, temperamento jovem e uma capacidade comunicativa excepcional. O P. Cojazzi formou-se em letras em 1905, em filosofia em 1906, e obteve o diploma de habilitação para o ensino da língua inglesa após um sério aperfeiçoamento na Inglaterra.
Na casa dos Frassati, o P. Cojazzi tornou-se algo mais que o ‘preceptor’ que acompanha os jovens. Tornou-se um amigo, especialmente de Pedro Jorge, de quem diria: “Conheci-o com dez anos e o acompanhei por quase todo o ginásio e o liceu com aulas que nos primeiros anos eram diárias; o acompanhei com interesse e afeto crescentes”. Pedro Jorge, que se tornou um dos jovens de destaque da Ação Católica de Turim, ouvia as conferências e aulas que o P. Cojazzi dava aos sócios do Círculo C. Balbo, acompanhava com interesse a Revista dos Jovens, subia às vezes a Valsalice em busca de luz e conselho nos momentos decisivos.

Um momento de notoriedade
Pedro Jorge o teve durante o Congresso Nacional da Juventude Católica italiana, em 1921: cinquenta mil jovens desfilando por Roma, cantando e rezando. Pedro Jorge, estudante do politécnico, segurava a bandeira tricolor do círculo turinense C. Balbo. As tropas reais, de repente, cercaram a enorme procissão e a atacaram para arrancar as bandeiras. Queriam impedir distúrbios. Uma testemunha relatou: “Eles batiam com os canos dos mosquetes, agarravam, quebravam, arrancavam nossas bandeiras. Vi Pedro Jorge lutando com dois guardas. Corremos para ajudá-lo, e a bandeira, com o mastro quebrado, ficou em suas mãos. Presos à força em um pátio, os jovens católicos foram interrogados pela polícia. A testemunha lembra o diálogo conduzido com os modos e as cortesias utilizadas nessas situações:
– E você, como se chama?
– Pedro Jorge Frassati, filho de Alfredo.
– O que seu pai faz?
– Embaixador da Itália em Berlim.
Surpresa, mudança de tom, desculpas, oferta de liberdade imediata.
– Sairei quando saírem os outros.
Enquanto isso, o espetáculo brutal continuava. Um sacerdote foi jogado, literalmente jogado no pátio com a batina rasgada e uma bochecha sangrando… Juntos nos ajoelhamos no chão, no pátio, quando aquele padre maltrapilho ergueu o rosário e disse: “Rapazes, por nós e por aqueles que nos espancaram, vamos rezar!”.

Amava os pobres
Pedro Jorge amava os pobres, ia procurá-los nos bairros mais distantes da cidade; subia as escadas estreitas e escuras; entrava nos sótãos onde só habitam a miséria e a dor. Tudo o que tinha no bolso era para os outros, assim como tudo o que guardava no coração. Chegava a passar as noites ao lado de doentes desconhecidos. Numa noite em que não voltou para casa, o pai, cada vez mais ansioso, telefonou para a delegacia, para os hospitais. Às duas horas ouviu a chave girar na porta e Pedro Jorge entrou. O pai explodiu:
– Escuta, você pode ficar fora de dia, de noite, ninguém diz nada. Mas quando chega tão tarde, avisa, telefona!
Pedro Jorge olhou para ele e, com a simplicidade de sempre, respondeu:
– Papai, onde eu estava, não havia telefone.
As Conferências de São Vicente de Paulo o viram como colaborador assíduo; os pobres o conheceram como consolador e socorrista; os miseráveis sótãos o acolheram frequentemente entre suas paredes sombrias como um raio de sol para seus habitantes desamparados. Dominado por uma profunda humildade, o que fazia não queria que fosse conhecido por ninguém.

Jorginho belo e santo
Nos primeiros dias de julho de 1925, Pedro Jorge foi atacado e derrubado por um violento surto de poliomielite. Tinha 24 anos. Na cama de morte, enquanto uma doença terrível devastava suas costas, ainda pensava nos seus pobres. Em um bilhete, com uma grafia quase ilegível, escreveu para o engenheiro Grimaldi, seu amigo: Aqui estão as injeções para Converso, a apólice é de Sappa. Esqueci, renove você.
De volta do funeral de Pedro Jorge, o P. Cojazzi escreveu rapidamente um artigo para a Revista dos Jovens: “Vou repetir a velha frase, mas muito sincera: não acreditava que o amaria tanto. Jorginho belo e santo! Por que essas palavras insistentes cantam no meu coração? Porque as ouvi repetir, ouvi pronunciar por quase dois dias, pelo pai, pela mãe, pela irmã, com uma voz que dizia sempre e nunca repetia. E porque surgem certos versos de uma balada de Deroulède: «Falarão dele por muito tempo, nos palácios dourados e nas casinhas perdidas! Porque dele falarão também os barracos e os sótãos, onde passou tantas vezes como anjo consolador». Conheci-o com dez anos e o acompanhei por quase todo o ginásio e parte do liceu… o acompanhei com interesse crescente e afeto até sua atual transfiguração… Escreverei sua vida. Trata-se da coleta de testemunhos que apresentam a figura desse jovem na plenitude de sua luz, na verdade espiritual e moral, no testemunho luminoso e contagiante de bondade e generosidade”.

O best-seller da editoria católica
Incentivado e impulsionado também pelo arcebispo de Turim, Dom José Gamba, o P. Cojazzi pôs-se a trabalhar com afinco. Os testemunhos chegaram numerosos e qualificados, foram organizados e cuidadosamente avaliados. A mãe de Pedro Jorge acompanhava o trabalho, dava sugestões, fornecia material. Em março de 1928 saiu a vida de Pedro Jorge. Luís Gedda escreve: “Foi um sucesso estrondoso. Em apenas nove meses, 30 mil cópias do livro foram esgotadas. Em 1932, já haviam sido distribuídas 70 mil cópias. Em 15 anos, o livro sobre Pedro Jorge alcançou 11 edições, e talvez tenha sido o best-seller da editoria católica naquele período”.
A figura iluminada pelo P. Cojazzi foi uma bandeira para a Ação Católica durante o difícil tempo do fascismo. Em 1942, tinham adotado o nome de Pedro Jorge Frassati: 771 associações juvenis da Ação Católica, 178 seções aspirantes, 21 associações universitárias, 60 grupos de estudantes do ensino médio, 29 conferências de São Vicente, 23 grupos do Evangelho… O livro foi traduzido para pelo menos 19 idiomas.
O livro do P. Cojazzi marcou uma virada na história da juventude italiana. Pedro Jorge foi o ideal apontado sem reservas: alguém que soube demonstrar que ser cristão em profundidade não é de fato utópico, nem fantasioso.
Pedro Jorge Frassati também marcou uma virada na história do P. Cojazzi. Aquele bilhete escrito por Pedro Jorge na cama de morte revelou-lhe de forma concreta, quase brutal, o mundo dos pobres. Escreve o próprio P. Cojazzi: “Na Sexta-feira Santa desse ano (1928), com dois universitários, visitei por quatro horas os pobres fora da Porta Metrônia. Essa visita me proporcionou uma lição e humilhação muito saudáveis. Eu tinha escrito e falado muito sobre as Conferências de São Vicente… e, no entanto, nunca tinha ido uma única vez visitar os pobres. Naqueles barracos imundos, muitas vezes me vieram lágrimas aos olhos… A conclusão? Aqui está clara e crua para mim e para vocês: menos palavras bonitas e mais obras de bondade”.
O contato vivo com os pobres não é apenas uma aplicação imediata do Evangelho, mas uma escola de vida para os jovens. São a melhor escola para os jovens, para educá-los e mantê-los na seriedade da vida. Quem vai visitar os pobres e toca com as próprias mãos suas feridas materiais e morais, como pode desperdiçar seu dinheiro, seu tempo, sua juventude? Como pode reclamar de seus trabalhos e dores, quando conhece, por experiência direta, que outros sofrem mais do que ele?

Não sobreviva, viva!
Pedro Jorge Frassati é um exemplo luminoso de santidade juvenil, atual, “enquadrado” em nosso tempo. Ele atesta mais uma vez que a fé em Jesus Cristo é a religião dos fortes e dos verdadeiramente jovens, que só ela pode iluminar todas as verdades com a luz do “mistério” e que somente ela pode oferecer a perfeita alegria. Sua existência é o modelo perfeito da vida normal ao alcance de todos. Ele, como todos os seguidores de Jesus e do Evangelho, começou pelas pequenas coisas; chegou às alturas mais sublimes ao se afastar dos compromissos de uma vida medíocre e sem sentido, empregando a natural teimosia em seus firmes propósitos. Tudo, em sua vida, foi degrau para subir; até aquilo que deveria ter sido um obstáculo. Entre os companheiros, era o intrépido e exuberante animador de toda empreitada, reunindo ao seu redor tanta simpatia e admiração. A natureza lhe foi generosa: de família renomada, rico, de engenho sólido e prático, físico forte e robusto, educação completa, nada lhe faltava para se destacar na vida. Mas ele não queria apenas sobreviver, queria conquistar seu lugar ao sol, lutando. Era um homem de fibra e uma alma de cristão.
Sua vida tinha em si uma coerência que repousava na unidade do espírito e da existência, da fé e das obras. A fonte dessa personalidade tão luminosa estava na profunda vida interior. Frassati rezava. Sua sede da Graça o fazia amar tudo o que preenche e enriquece o espírito. Aproximava-se todos os dias da Santa Comunhão, depois permanecia aos pés do altar, por muito tempo, sem que nada o distraísse. Rezava nas montanhas e pelo caminho. Porém, sua fé não era ostentação, embora os sinais da cruz feitos na rua pública ao passar diante das igrejas fossem grandes e seguros, embora o Rosário fosse rezado em voz alta, em um vagão de trem ou no quarto de um hotel. Mas era, antes, uma fé vivida tão intensamente e sinceramente que brotava de sua alma generosa e franca com uma simplicidade de atitude que convencia e emocionava. Sua formação espiritual se fortaleceu nas adorações noturnas, das quais foi fervoroso defensor e participante assíduo. Fez mais de uma vez os exercícios espirituais, deles tirando serenidade e vigor espiritual.
O livro do P. Cojazzi termina com a frase: “Conhecê-lo ou ouvir falar dele significa amá-lo, e amá-lo significa segui-lo”. O desejo é que o testemunho de Pedro Jorge Frassati seja “sal e luz” para todos, especialmente para os jovens de hoje.




As sete alegrias de Nossa Senhora

No coração da obra educativa e espiritual de São João Bosco, a figura de Nossa Senhora ocupa um lugar privilegiado e luminoso. Dom Bosco não foi apenas um grande educador e fundador, mas também um fervoroso devoto da Virgem Maria, a quem venerava com profundo afeto e a quem confiava todos os seus projetos pastorais. Uma das expressões mais características dessa devoção é a prática das “Sete alegrias de Nossa Senhora”, proposta de forma simples e acessível em sua publicação “O jovem instruído”, um dos textos mais difundidos em sua pedagogia espiritual.

Uma obra para a alma dos jovens
Em 1875, Dom Bosco publicou uma nova edição de “O jovem instruído na prática de seus deveres nos exercícios de piedade cristã”, um manual de orações, exercícios espirituais e normas de conduta cristã pensado para os jovens. Este livro, redigido com um estilo sóbrio e paternal, tinha a intenção de acompanhar os jovens em sua formação moral e religiosa, introduzindo-os a uma vida cristã integral. Nele também havia espaço para a devoção às “Sete Alegrias de Maria Santíssima”, uma oração simples, mas intensa, estruturada em sete pontos. Diferentemente das “Sete Dores de Nossa Senhora”, muito mais conhecidas e difundidas na piedade popular, as “Sete alegrias” de Dom Bosco enfatizam as alegrias da Santíssima Virgem no Paraíso, consequência de uma vida terrena vivida na plenitude da graça de Deus.
Essa devoção tem origens antigas e foi particularmente apreciada pelos Franciscanos, que a difundiram a partir do século XIII, como Rosário das Sete Alegrias da Bem-Aventurada Virgem Maria (ou Coroa Seráfica). Na forma franciscana tradicional, é uma oração devocional composta por sete dezenas de Ave Marias, cada uma precedida por um mistério alegre (alegria) e introduzida por um Pai Nosso. Ao final de cada dezena, reza-se um Glória ao Pai. As alegrias são: 1. A Anunciação do Anjo; 2. A visita a Santa Isabel; 3. O nascimento do Salvador; 4. A adoração dos Magos; 5. O encontro de Jesus no templo; 6. A ressurreição do Filho; 7. A assunção e coroação de Maria no céu.
Dom Bosco, inspirando-se nessa tradição, oferece uma versão simplificada, adequada à sensibilidade dos jovens.
Cada uma dessas alegrias é meditada através da recitação de uma Ave Maria e um Glória ao Pai.

A pedagogia da alegria
A escolha de propor aos jovens essa devoção não responde apenas a um gosto pessoal de Dom Bosco, mas se insere plenamente em sua visão educativa. Ele estava convencido de que a fé deveria ser transmitida através da alegria, não do medo; através da beleza do bem, não do temor do mal. As “Sete alegrias” tornam-se assim uma escola de alegria cristã, um convite a reconhecer que, na vida da Virgem, a graça de Deus se manifesta como luz, esperança e realização.
Dom Bosco conhecia bem as dificuldades e sofrimentos que muitos de seus jovens enfrentavam diariamente: a pobreza, o abandono familiar, a precariedade do trabalho. Por isso, oferecia-lhes uma devoção mariana que não se limitasse ao pranto e à dor, mas que fosse também uma fonte de consolo e alegria. Meditar as alegrias de Maria significava abrir-se a uma visão positiva da vida, aprender a reconhecer a presença de Deus mesmo nos momentos difíceis e confiar com fé na ternura da Mãe celeste.
Na publicação “O jovem instruído”, Dom Bosco escreve palavras tocantes sobre o papel de Maria: apresenta-a como mãe amorosa, guia segura e modelo de vida cristã. A devoção às suas alegrias não é uma simples prática devocional, mas um meio para entrar em relação pessoal com Nossa Senhora, para imitar suas virtudes e receber sua ajuda materna nas provas da vida.
Para o santo turinense, Maria não é distante ou inacessível, mas próxima, presente, ativa na vida de seus filhos. Essa visão mariana, fortemente relacional, atravessa toda a espiritualidade salesiana e se reflete também na vida cotidiana dos oratórios: ambientes onde a alegria, a oração e a familiaridade com Maria caminham lado a lado.

Um legado vivo
Ainda hoje, a devoção às “Sete alegrias de Nossa Senhora” mantém intacto seu valor espiritual e educativo. Em um mundo marcado por incertezas, medos e fragilidades, ela oferece um caminho simples, mas profundo, para descobrir que a fé cristã é, antes de tudo, uma experiência de alegria e luz. Dom Bosco, profeta da alegria e da esperança, nos ensina que a verdadeira educação cristã passa pela valorização dos afetos, das emoções e da beleza do Evangelho.
Redescobrir hoje as “Sete alegrias” significa também recuperar um olhar positivo sobre a vida, a história e a presença de Deus. Com sua humildade e sua confiança, Nossa Senhora nos ensina a guardar e meditar no coração os sinais da verdadeira alegria, aquela que não passa, porque fundada no amor de Deus.
Em um tempo em que também os jovens buscam luz e sentido, as palavras de Dom Bosco permanecem atuais: “Se quiserem ser felizes, pratiquem a devoção a Maria Santíssima”. As “Sete alegrias” são, então, uma pequena escada para o céu, um rosário de luz que une a terra ao coração da Mãe celeste.

Aqui está também o texto original retirado de “O jovem instruído na prática de seus deveres religiosos”, 1952 (pp. 230-231), com nossos títulos.

As sete alegrias que Maria desfruta no Céu

1. Pureza cultivada
Alegrai-vos, ó Esposa imaculada do Espírito Santo, por aquele gozo que experimentais agora no Paraíso, porque por vossa humildade, pureza e virgindade fostes exaltada acima de todos os Anjos e sublimada além de todos os santos.
Ave Maria e Glória.

2. Sabedoria buscada
Alegrai-vos, ó Mãe de Deus, por aquele gozo que experimentais no Paraíso, porque da mesma forma que o sol cá na terra ilumina o mundo inteiro, assim vós com vosso resplendor embelezais e fazeis resplandecer todo o Paraíso.
Ave Maria e Glória.

3. Obediência filial
Alegrai-vos, ó Filha de Deus, pela sublime dignidade a que fostes exaltada no Paraíso, porque todas as Hierarquias dos Anjos, dos Arcanjos, dos Tronos, das Dominações e de todos os Espíritos Bem-Aventurados vos prestam honra e reverência e vos reconhecem como Mãe de seu Criador, e ao menor aceno vosso, vos prestam imediata obediência.
Ave Maria e Glória.

4. Oração contínua
Alegrai-vos, ó Serva da Santíssima Trindade, pelo grande poder que tendes no Paraíso, porque vos são imediatamente concedidas todas as graças que pedis ao vosso Filho Jesus, de tal sorte que, diz São Bernardo, não se concede nenhuma graça aos homens, sem que antes passe por vossas mãos santíssimas.
Ave Maria e Glória.

5. Humildade vivida
Alegrai-vos, ó Augustíssima Rainha, porque só vós merecestes sentar à direita do vosso Santíssimo Filho, que está assentado à direita do Eterno Pai.
Ave Maria e Glória.

6. Misericórdia praticada
Alegrai-vos, ó Esperança dos pecadores, Refúgio dos atribulados, ao ver que todos os que vos louvam e veneram neste mundo são premiados pelo Eterno Pai com a sua santa graça na terra e com a sua imensa glória no céu.
Ave Maria e Glória.

7. Esperança premiada
Alegrai-vos, ó Mãe, Filha e Esposa de Deus, porque todas as graças, todos os gozos, todas as alegrias e todos os privilégios que agora gozais no Paraíso não diminuirão jamais; antes, aumentarão até ao dia do juízo e durarão por toda a eternidade.
Ave Maria e Glória.

Oração à beatíssima Virgem
Ó gloriosa Virgem Maria, Mãe do meu Senhor, fonte de todas as nossas consolações, por estas vossas alegrias, que recordei com a maior devoção que me foi possível, rogo-vos me alcanceis de Deus a remissão dos meus pecados e o auxílio contínuo de sua graça, para que nunca me torne indigno da vossa proteção, mas pelo contrário tenha a dita de receber todos os favores celestes que costumais alcançar e conceder aos que fazem devota comemoração destas alegrias, que inundam o vosso belo Coração, ó Rainha imortal do Céu. Assim seja.

Foto: shutterstock.com




Casa Salesiana de Castel Gandolfo

Entre as colinas verdes dos Castelli Romani e as águas tranquilas do Lago Albano, surge um lugar onde história, natureza e espiritualidade se encontram de forma singular: Castel Gandolfo. Neste contexto rico em memória imperial, fé cristã e beleza paisagística, a presença salesiana representa um ponto firme de acolhimento, formação e vida pastoral. A Casa Salesiana, com sua atividade paroquial, educativa e cultural, continua a missão de São João Bosco, oferecendo aos fiéis e visitantes uma experiência de Igreja viva e aberta, imersa em um ambiente que convida à contemplação e à fraternidade. É uma comunidade que, há quase um século, caminha a serviço do Evangelho no coração da tradição católica.

Um lugar abençoado pela história e pela natureza
Castel Gandolfo é uma joia dos Castelli Romani, situada a cerca de 25 km de Roma, imersa na beleza natural dos “Colli Albani” e de frente para o sugestivo Lago Albano. A cerca de 426 metros de altitude, este lugar se destaca pelo seu clima ameno e acolhedor, um microclima que parece preparado pela Providência para receber quem busca descanso, beleza e silêncio.

Já na época romana, este território fazia parte do Albanum Caesaris, uma antiga propriedade imperial frequentada pelos imperadores desde os tempos de Augusto. Foi, porém, o imperador Tibério o primeiro a residir ali de forma estável, enquanto Domiciano, mais tarde, mandou construir uma esplêndida vila, cujos restos são hoje visíveis nos jardins pontifícios. A história cristã do local começa com a doação de Constantino à Igreja de Albano: um gesto que simbolicamente marca a passagem da glória imperial para a luz do Evangelho.

O nome Castel Gandolfo deriva do latim Castrum Gandulphi, o castelo construído pela família Gandolfi no século XII. Quando, em 1596, o castelo passou para a Santa Sé, tornou-se residência de verão dos Pontífices, e o vínculo entre este lugar e o ministério do Sucessor de Pedro tornou-se profundo e duradouro.

O Observatório do Vaticano: contemplar o céu, louvar o Criador
De particular relevância espiritual é o Observatório do Vaticano, fundado pelo papa Leão XIII em 1891 e transferida nos anos 30 para Castel Gandolfo devido à poluição luminosa de Roma. Ela testemunha como também a ciência, quando orientada para a verdade, conduz a louvar o Criador.
Ao longo dos anos, o Observatório contribuiu para projetos astronômicos de grande importância como a Carte du Ciel [Mapa do Céu] e para a descoberta de numerosos objetos celestes.

Com o agravamento das condições de observação também nos Castelli Romani, nos anos 80 a atividade científica mudou-se principalmente para o Observatório Mount Graham, no Arizona (EUA), onde o Vatican Observatory Research Group [Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano] continua as pesquisas astrofísicas. Castel Gandolfo permanece, porém, um importante centro de estudos: desde 1986 recebe bienalmente a Vatican Observatory Summer School [Escola de Verão do Observatório do Vaticano], dedicada a estudantes e graduados em astronomia de todo o mundo. O Observatório também organiza congressos especializados, eventos de divulgação, exposições de meteoritos e apresentações de materiais históricos e artísticos com tema astronômico, tudo em um espírito de pesquisa, diálogo e contemplação do mistério da criação.

Uma igreja no coração da cidade e da fé
No século XVII, o papa Alexandre VII confiou a Gian Lorenzo Bernini a construção de uma capela palatina para os funcionários das Vilas Pontifícias. O projeto, inicialmente concebido em honra a São Nicolau de Bari, foi finalmente dedicado a São Tomás de Villanova, agostiniano canonizado em 1658. A igreja foi consagrada em 1661 e confiada aos Agostinianos, que a administraram até 1929. Com a assinatura dos Pactos de Latrão, o papa Pio XI confiou aos mesmos Agostinianos o cuidado pastoral da nova Paróquia Pontifícia de Santa Ana no Vaticano, enquanto a igreja de São Tomás de Villanova foi posteriormente confiada aos Salesianos.

A beleza arquitetônica desta igreja, fruto do gênio barroco, está a serviço da fé e do encontro entre Deus e o homem: hoje ali se celebram numerosos casamentos, batismos e liturgias, atraindo fiéis de todas as partes do mundo.

A casa salesiana
Os Salesianos estão presentes em Castel Gandolfo desde 1929. Naqueles anos, a vila conheceu um notável desenvolvimento, tanto demográfico quanto turístico, ainda mais graças ao início das celebrações papais na igreja de São Tomás de Villanova. Todo ano, na solenidade da Assunção, o papa celebrava a Santa Missa na paróquia pontifícia, uma tradição iniciada por São João XXIII em 15 de agosto de 1959, quando saiu a pé do Palácio Pontifício para celebrar a Eucaristia entre o povo. Essa prática se manteve até o pontificado do Papa Francisco, que interrompeu as estadias de verão em Castel Gandolfo. Em 2016, de fato, todo o complexo das Vilas Pontifícias foi transformado em museu e aberto ao público.

A casa salesiana fez parte da Inspetoria Romana e, de 2009 a 2021, da Circunscrição Salesiana Itália Central. Desde 2021 está sob a responsabilidade direta da Sede Central, com diretor e comunidade nomeados pelo Reitor-Mor. Atualmente, os salesianos presentes vêm de diferentes países (Brasil, Índia, Itália, Polônia) e atuam na paróquia, nas capelanias e no oratório.

Os espaços pastorais, embora pertençam ao Estado da Cidade do Vaticano e sejam considerados zonas extraterritoriais, fazem parte da diocese de Albano, à qual os Salesianos participam ativamente da vida pastoral. Estão envolvidos na catequese diocesana para adultos, no ensino na escola teológica diocesana e no Conselho Presbiteral como representantes da vida consagrada.

Além da paróquia de São Tomás de Villanova, os Salesianos também administram outras duas igrejas: Maria Auxiliadora (também chamada de “São Paulo”, pelo nome do bairro) e Madonna del Lago [Nossa Senhora do Lago], desejada por São Paulo VI. Ambas foram construídas entre as décadas de 60 e 70 para atender às necessidades pastorais da população crescente.

A igreja paroquial projetada por Bernini é hoje destino de numerosos casamentos e batismos celebrados por fiéis vindos de todo o mundo. Todo ano, com as devidas autorizações, são realizadas dezenas, às vezes centenas, de celebrações.

O pároco, além de guiar a comunidade paroquial, é também capelão das Vilas Pontifícias e acompanha espiritualmente os funcionários do Vaticano que ali trabalham.

O oratório, atualmente administrado por leigos, conta com o envolvimento direto dos Salesianos, especialmente na catequese. Em finais de semana, festas e atividades de verão como o Verão dos Meninos, colaboram também estudantes salesianos residentes em Roma, oferecendo um apoio valioso. Na igreja de Maria Auxiliadora existe também um teatro ativo, com grupos paroquiais que organizam espetáculos, um lugar de encontro, cultura e evangelização.

Vida pastoral e tradições
A vida pastoral é marcada pelas principais festas do ano: São João Bosco em janeiro, Maria Auxiliadora em maio com uma procissão no bairro de São Paulo, a festa da Madonna del Lago – e portanto a festa do Lago – no último sábado de agosto, com a estátua levada em procissão em um barco no lago. Esta última celebração está envolvendo cada vez mais as comunidades vizinhas, atraindo muitos participantes, incluindo motociclistas, com os quais foram iniciados momentos de encontro.

No primeiro sábado de setembro celebra-se a festa patronal de Castel Gandolfo em honra a São Sebastião, com uma grande procissão pela cidade. A devoção a São Sebastião remonta a 1867, quando a cidade foi poupada de uma epidemia que atingiu duramente as cidades vizinhas. Embora a memória litúrgica seja em 20 de janeiro, a festa local é celebrada em setembro, tanto em lembrança da proteção obtida quanto por razões climáticas e práticas.

No dia 8 de setembro celebra-se o padroeiro da igreja, São Tomás de Villanova, coincidindo com o Nascimento da Bem-Aventurada Virgem Maria. Nesta ocasião também ocorre a festa das famílias, dirigida aos casais que se casaram na igreja de Bernini: são convidados a retornar para uma celebração comunitária, uma procissão e um momento de confraternização. A iniciativa teve ótima aceitação e está se consolidando com o tempo.

Uma curiosidade: a caixa de correio
Ao lado da entrada da casa salesiana encontra-se uma caixa postal, conhecida como “Buca delle corrispondenze” [caixa das correspondências], considerada a mais antiga ainda em uso. Data de 1820, vinte anos antes da introdução do primeiro selo postal do mundo, o famoso Penny Black (1840). É uma caixa oficial dos Correios Italianos ainda ativa, mas também um símbolo eloquente: um convite à comunicação, ao diálogo, à abertura do coração. O retorno do papa Leão XIV à sua residência de verão certamente o aumentará.

Castel Gandolfo continua sendo um lugar onde o Criador fala através da beleza da criação, da Palavra proclamada e do testemunho de uma comunidade salesiana que, na simplicidade do estilo de Dom Bosco, continua a oferecer acolhimento, formação, liturgia e fraternidade, lembrando a quem se aproxima dessas terras em busca de paz e serenidade que a verdadeira paz e serenidade só se encontram em Deus e em sua graça.




Dom Bosco e a Igreja do Santo Sudário

O Santo Sudário de Turim, impropriamente chamado de “Santo Sudário” pelo costume francês de chamá-lo de “Le Saint Suaire”, era propriedade da Casa de Saboia desde 1463 e foi transferido de Chambery para a nova capital da Saboia em 1578.
            Naquele mesmo ano, foi realizada a primeira Exposição, que Emanuel Filiberto quis fazer em homenagem ao Card. Carlos Borromeu, que veio a Turim em peregrinação para venerá-la.

Exposições no século XIX e o culto ao Sudário
            No século XIX, as Exposições de 1815, 1842, 1868 e 1898 são particularmente dignas de nota: a primeira por ocasião do retorno da família de Saboia aos seus estados, a segunda no casamento de Vítor Emanuel II com Maria Adelaide de Habsburgo-Lorena, a terceira no casamento de Humberto I com Margarida de Saboia-Gênova e a quarta na Exposição Universal.
            Os santos de Turim do século XIX, Cottolengo, Cafasso e Dom Bosco, eram devotos do Santo Sudário, imitando o exemplo do Beato Sebastião Valfré, o apóstolo de Turim durante o cerco de 1706.
            As Memórias Biográficas nos asseguram que Dom Bosco o venerou especialmente na Exposição de 1842 e na de 1868, quando também levou os meninos do oratório para vê-lo (MBp II, 110-111; IX, 182).
            Hoje, a tela de valor inestimável, doada por Umberto II de Saboia à Santa Sé, é confiada ao Arcebispo de Turim “Custódio Pontifício” e mantida na suntuosa Capela Guarini, atrás da Catedral.
            Em Turim, há também, na Rua Piave, na esquina da Rua São Domingos, a Igreja do Santo Sudário, construída pela Confraria de mesmo nome e reconstruída em 1761. Adjacente à igreja está o “Museu Sindonológico” e a sede do Sodalício “Cultores Sanctae Sindonis” [Cultores do Santo Sudário], um centro de estudos sindonológicos para o qual fizeram valiosas contribuições estudiosos salesianos como o P. Natal Noguier de Malijay, o P. Antônio Tonelli, o P. Alberto Caviglia, o P. Pedro Scotti e, mais recentemente, o P. Pedro Rinaldi e o P. Luís Fossati, para citar apenas os principais.

A Igreja do Santo Sudário em Roma
            Também existe uma Igreja do Santo Sudário em Roma, ao longo da rua homônima que vai do Largo Argentina paralelamente à Avenida Vitório. Erguida em 1604 com um projeto de Carlos di Castellamonte, era a Igreja dos Piemonteses, Saboianos e Niceanos, construída pela Confraria do Santo Sudário que havia surgido em Roma naquela época. Depois de 1870, ela se tornou a igreja particular da Casa de Saboia.
            Durante suas estadas em Roma, Dom Bosco celebrou a missa nessa igreja várias vezes e formulou um plano para ela e para a casa adjacente, de acordo com o propósito da então extinta Confraria, dedicada a obras de caridade para jovens abandonados, doentes e prisioneiros.
            A Confraria havia deixado de funcionar no início do século e a propriedade e a administração da igreja haviam passado para a Delegação Sarda junto à Santa Sé. Na década de 1860, a igreja estava precisando de grandes reformas, tanto que em 1868 foi temporariamente fechada.
            Mas, já em 1867, Dom Bosco teve a ideia de propor ao governo da Saboia que lhe entregasse o uso e a administração da igreja, oferecendo sua colaboração em dinheiro para concluir o trabalho de restauração. Talvez ele tenha previsto a entrada das tropas piemontesas em Roma, não muito distante, e, desejando abrir uma casa lá, pensou em fazê-lo antes que a situação se precipitasse, tornando mais difícil obter a aprovação da Santa Sé e o respeito do Estado pelos acordos (MBp IX, 461-462).
            Ele então apresentou o pedido ao governo. Em 1869, durante uma escala em Florença, ele preparou uma minuta de acordo que, ao chegar a Roma, apresentou a Pio IX. Depois de obter seu consentimento, ele passou para a solicitação oficial ao Ministério das Relações Exteriores, mas, infelizmente, a ocupação de Roma acabou prejudicando todo o caso. O próprio Dom Bosco percebeu a inadequação de insistir. Assumir, de fato, naquela época, a oficialização de uma igreja romana pertencente à Casa da Saboia por uma Congregação religiosa com sua Casa Mãe em Turim, poderia ter parecido um ato de oportunismo e servilismo em relação ao novo Governo.
            Em 1874, Dom Bosco testou novamente o terreno com o governo. Mas, infelizmente, as notícias intempestivas que vazaram dos jornais interromperam definitivamente o projeto (MBp X, 1041-1042).
            Gostaríamos, porém, de recordar o fato de que Dom Bosco, ao procurar uma oportunidade favorável para abrir uma casa em Roma, pôs os olhos na Igreja do Santo Sudário.




A educação feminina com São Francisco de Sales

O pensamento educativo de São Francisco de Sales revela uma visão profunda e inovadora do papel da mulher na Igreja e na sociedade de seu tempo. Convencido de que a formação das mulheres era fundamental para o crescimento moral e espiritual de toda a comunidade, o santo bispo de Genebra promoveu uma educação equilibrada, respeitosa da dignidade feminina, mas também atenta às fragilidades. Com um olhar paterno e realista, soube reconhecer e valorizar as qualidades das mulheres, encorajando-as a cultivar a virtude, a cultura e a devoção. Fundador da Ordem da Visitação com Joana de Chantal, defendeu vigorosamente a vocação feminina, mesmo contra críticas e preconceitos. Seu ensinamento continua a oferecer reflexões atuais sobre a educação, o amor e a liberdade na escolha da própria vida.

                Por ocasião de sua viagem a Paris em 1619, Francisco de Sales encontrou Adrien Bourdoise, um padre reformador do clero, que o repreendeu por se ocupar demais das mulheres. O bispo teria respondido com calma que as mulheres eram metade da humanidade e que, formando boas cristãs, haveria bons jovens e, com bons jovens, bons padres. Aliás, São Jerônimo não lhes dedicou muito tempo e vários escritos? A leitura de suas cartas é recomendada por Francisco de Sales à senhora de Chantal, que encontrará nelas, entre outras coisas, numerosas indicações “para educar suas filhas”. Deduz-se que o papel das mulheres na educação justificava, aos seus olhos, o tempo e a solicitude que lhes dedicava.

Francisco de Sales e as mulheres de seu tempo
                “É preciso ajudar o sexo feminino, desprezado”, disse certa vez o bispo de Genebra a Jean-François de Blonay. Para compreender as preocupações e o pensamento de Francisco de Sales, convém situá-lo em sua época. É preciso dizer que algumas de suas afirmações ainda parecem muito ligadas à mentalidade corrente. Nas mulheres de sua época, ele lamentava “essa ternura feminina consigo mesmas”, a facilidade “em se compadecer e desejar ser compadecidas”, uma maior propensão do que os homens “a dar crédito aos sonhos, a ter medo dos espíritos e a ser crédulas e supersticiosas” e, acima de tudo, as “contorções de seus pensamentos vaidosos”. Entre os conselhos dados à senhora de Chantal relativos à educação das filhas, escrevia sem hesitação: “Tire-lhes a vaidade da alma: ela nasce quase ao mesmo tempo que o sexo”.
                No entanto, as mulheres são dotadas de grandes qualidades. Ele escreveu sobre a senhora de La Fléchère, que acabara de perder o marido: “Se eu tivesse apenas esta ovelha perfeita no meu rebanho, não me angustiaria por ser pastor desta diocese aflita. Depois da senhora de Chantal, não sei se alguma vez encontrei uma alma mais forte num corpo feminino, um espírito mais sensato e uma humildade mais sincera”. As mulheres não são de forma alguma as últimas na prática das virtudes: “Não vimos muitos grandes teólogos que disseram coisas maravilhosas sobre as virtudes, mas não as praticavam, enquanto, ao contrário, há tantas mulheres santas que não sabem falar de virtudes, mas sabem muito bem como praticá-las?”.
                São as mulheres casadas as mais dignas de admiração: “Ó meu Deus! Como são agradáveis a Deus as virtudes de uma mulher casada; na verdade, elas devem ser fortes e excelentes para poderem permanecer nessa vocação!”. Na luta para preservar a castidade, ele acreditava que “as mulheres muitas vezes lutaram com mais coragem do que os homens”.
                Fundador de uma congregação de mulheres junto com Joana de Chantal, ele manteve contato constante com as primeiras religiosas. Ao lado dos elogios, começaram a chover críticas. Empurrado para essas trincheiras, o fundador teve que se defender e defendê-las, não apenas como religiosas, mas também como mulheres. Em um documento que deveria servir de prefácio às Constituições das Visitandinas, encontramos a veia polêmica de que ele era capaz, dirigindo-se não mais contra os “hereges”, mas contra os “censores” maliciosos e ignorantes:

A presunção e a arrogância inoportuna de muitos filhos deste século, que criticam ostensivamente tudo o que não está de acordo com o seu espírito […], oferecem-me a oportunidade, ou melhor, obrigam-me a redigir esta Prefácio, minhas queridas Irmãs, para armar e defender a vossa santa vocação contra as pontas das suas línguas pestilentas; para que as almas boas e piedosas, que sem dúvida estão ligadas ao vosso amável e honrado Instituto, encontrem aqui como repelir as flechas lançadas pela temeridade desses censores bizarros e insolentes.

                Prevendo talvez que tal preâmbulo corria o risco de prejudicar a causa, o fundador da Visitação escreveu uma segunda edição suavizada, com o objetivo de destacar a igualdade fundamental entre os sexos. Depois de citar o Gênesis, desta vez ele fez o seguinte comentário: “A mulher, portanto, não menos que o homem, tem a graça de ter sido feita à imagem de Deus; igual honra em ambos os sexos; suas virtudes são iguais”.

A educação das filhas
                O inimigo do amor verdadeiro é a “vaidade”. Este era o defeito que Francisco de Sales, assim como os moralistas e pedagogos de seu tempo, mais temia na educação das jovens. Ele destaca várias manifestações disso. Veja “estas moças da alta sociedade, que, tendo-se bem estabelecido, andam por aí cheias de orgulho e vaidade, com a cabeça erguida, os olhos abertos, ansiosas por serem notadas pelos mundanos”.
                O bispo de Genebra diverte-se um pouco ao ridicularizar essas “moças da sociedade”, que “usam chapéus espalhados e empoados”, com a cabeça “ferrada como se fossem ferraduras de cavalo”, todas “empinadas e enfeitadas com flores como não se pode dizer” e “carregadas de enfeites”. Há aquelas que “usam vestidos apertados e muito incômodos, para parecerem magras”; eis uma verdadeira “loucura que, na maioria das vezes, as torna incapazes de fazer qualquer coisa”.
                O que pensar, então, de certas belezas artificiais transformadas em “boutiques de vaidade”? Francisco de Sales prefere um “rosto limpo e puro”, deseja “que não haja nada afetado, porque tudo o que é embelezado desagrada”. É preciso, então, condenar todo “artifício”? Ele admite de bom grado que “no caso de algum defeito da natureza, é preciso corrigi-lo de modo a ver a correção, mas despojado de todo artifício”.
                E o perfume? perguntava-se o pregador falando de Madalena. “É uma coisa excelente – responde –, até quem está perfumado percebe algo de excelente”; acrescentando, como bom conhecedor, que “o almíscar da Espanha goza de grande estima no mundo”. No capítulo sobre a “decência das vestes”, ele permite que as jovens tenham roupas com vários ornamentos, “porque podem desejar livremente ser agradáveis a muitos, mas com o único objetivo de conquistar um jovem com vistas a um santo matrimônio”. Ele encerrava com esta observação indulgente: “O que vocês querem? É conveniente que as moças sejam um tanto graciosas”.
                É oportuno acrescentar que a leitura da Bíblia o preparou para não ser severo diante da beleza feminina. No amante do Cântico dos Cânticos, ele admirava “a notável beleza de seu rosto semelhante a um buquê de flores”. Ele descreve Jacó que, ao encontrar Raquel junto ao poço, “derramava lágrimas de alegria ao ver uma virgem que lhe agradava e o encantava pela graça do rosto”. Ele também gostava de contar a história de Santa Brígida, nascida na Escócia, um país onde se admiram “as mais belas criaturas que se podem ver”; ela era “uma jovem extremamente atraente”, mas sua beleza era “natural”, indica o nosso autor.
                O ideal de beleza salesiana chama-se “boa graça”, que designa não só “a perfeita harmonia das partes que tornam belo”, mas também a “graça dos movimentos, dos gestos e das ações, que é como a alma da vida e da beleza”, ou seja, a bondade do coração. A graça exige “simplicidade e modéstia”. Ora, a graça é uma perfeição que deriva do íntimo da pessoa. É a beleza unida à graça que faz de Rebeca o ideal feminino da Bíblia: ela era “tão bela e graciosa junto ao poço onde tirava água para dar de beber ao rebanho”, e sua “bondade familiar” a inspirava, além disso, a dar de beber não só aos servos de Abraão, mas também aos seus camelos.

Educação e preparação para a vida
                Na época de São Francisco de Sales, as mulheres tinham poucas oportunidades de acesso aos estudos superiores. As meninas aprendiam o que ouviam de seus irmãos e, quando a família tinha condições, frequentavam um convento. A leitura era certamente mais frequente do que a escrita. Os colégios eram reservados aos meninos, portanto, aprender latim, a língua da cultura, era praticamente proibido para as meninas.
                É preciso acreditar que Francisco de Sales não era contra que as mulheres se tornassem pessoas cultas, mas desde que não caíssem na pedanteria e na vaidade. Ele admirava Santa Catarina, que era “muito erudita, mas humilde em tanta ciência”. Entre as interlocutoras do bispo de Genebra, a senhora de La Fléchère havia estudado latim, italiano, espanhol e belas-artes, mas era uma exceção.
                Para encontrar um lugar na vida, tanto no âmbito social quanto no religioso, em determinado momento as jovens frequentemente precisavam de uma ajuda especial. Georges Rolland relata que o bispo ocupou-se pessoalmente de vários casos difíceis. Uma mulher de Genebra, com três filhas, foi generosamente assistida pelo bispo, “com dinheiro e créditos”; “colocou uma das filhas como aprendiz junto a uma senhora honesta da cidade, pagando-lhe a pensão durante seis anos, em grãos e dinheiro”. Ele também doou 500 florins para o casamento da filha de um impressor de Genebra.
                A intolerância religiosa da época às vezes provocava dramas, aos quais Francisco de Sales tentava remediar. Marie-Judith Gilbert, educada em Paris pelos pais nos “erros de Calvino”, descobriu aos dezenove anos o livro da Filoteia, que ousava ler apenas em segredo. Ela simpatizou com o autor, de quem tinha ouvido falar. Vigiada de perto pelo pai e pela mãe, conseguiu ser levada de carruagem, recebeu instrução na religião católica e entrou para as irmãs da Visitação.
                O papel social das mulheres ainda era bastante limitado. Francisco de Sales não era totalmente contra a intervenção das mulheres na vida pública. Ele escreveu nestes termos, por exemplo, a uma mulher levada a intervir na esfera pública, a propósito e a desproposito:

O seu sexo e a sua vocação permitem-lhe reprimir o mal externo a si, mas apenas se isso for inspirado pelo bem e realizado com repreensões simples, humildes e caridosas para com os transgressores e avisando os superiores, na medida do possível.

                Por outro lado, é significativo que uma contemporânea de Francisco de Sales, a senhorita de Gournay, uma das primeiras feministas ante litteram [antes da palavra], intelectual e autora de textos polêmicos como seu tratado A igualdade entre homens e mulheres e A queixa das mulheres, tenha manifestado grande admiração por ele. Ela se empenhou durante toda a sua vida em demonstrar essa igualdade, reunindo todos os testemunhos possíveis a esse respeito, sem esquecer o do “bom e santo bispo de Genebra”.

Educação para o amor
                Francisco de Sales falou muito sobre o amor de Deus, mas também foi muito atento às manifestações do amor humano. Para ele, de fato, o amor é uno, mesmo que seu “objeto” seja diferente e desigual. Para explicar o amor de Deus, ele não soube fazer melhor do que partir do amor humano.
                O amor nasce da contemplação do belo, e o belo se deixa perceber pelos sentidos, sobretudo pelos olhos. Estabelece-se um fenômeno interativo entre o olhar e a beleza: “Contemplar a beleza nos faz amá-la, e o amor nos faz contemplá-la”. O olfato reage da mesma maneira; de fato, “os perfumes exercem seu único poder de atração com sua doçura”.
                Após a intervenção dos sentidos externos, intervêm os sentidos internos, a fantasia, a imaginação, que exaltam e transfiguram a realidade: “Em virtude desse movimento recíproco do amor para a visão e da visão para o amor, da mesma forma que o amor torna mais resplandecente a beleza da coisa amada, assim a visão da coisa amada torna o amor mais apaixonado e agradável”. Compreende-se então por que “aqueles que pintaram Cupido lhe vendaram os olhos, afirmando que o amor é cego”. A este ponto surge o amor-paixão: ele faz “buscar o diálogo, e o diálogo muitas vezes alimenta e aumenta o amor”; além disso, “deseja o segredo, e quando os apaixonados não têm nenhum segredo a dizer, às vezes se agradam em dizê-lo secretamente”; e, finalmente, induz a “proferir palavras que, certamente, seriam ridículas se não brotassem de um coração apaixonado”.
                Ora, esse amor-paixão, que talvez se reduza apenas a “amorezinhos”, a “galanteios”, está exposto a várias vicissitudes, a tal ponto que leva o autor da Filoteia a intervir com uma série de considerações e advertências a respeito das “amizades frívolas que se estabelecem entre pessoas de sexos diferentes e sem intenção de casamento”. Muitas vezes, não passam de “abortos ou, melhor, aparências de amizade”.
                Francisco de Sales também se expressou sobre o tema dos beijos, perguntando-se, por exemplo, com os antigos comentaristas, por que Raquel permitiu que Jacó a abraçasse. Ele explica que existem dois tipos de beijo: um mau e outro bom. Os beijos que os jovens trocam facilmente entre si e que no início não são maus, podem tornar-se maus devido à fragilidade humana. Mas o beijo também pode ser bom. Em determinados lugares, é exigido pelo costume. «O nosso Jacó abraça muito inocentemente a sua Raquel; Rachel aceita este beijo de cortesia por parte deste homem de bom caráter e rosto limpo». «Oh! – concluía Francisco de Sales – dai-me pessoas que tenham a inocência de Jacó e Raquel e eu permitirei que se beijem».
                Na questão da dança e do baile, também em voga na época, o bispo de Genebra evitava mandamentos absolutos, como faziam os rigoristas da época, tanto católicos quanto protestantes, mostrando-se, no entanto, muito prudente. Chegaram mesmo a acusá-lo duramente de ter escrito que “as danças e os bailes, em si mesmos, são coisas indiferentes”. Tal como certos jogos, também eles se tornam perigosos quando se fica tão apegado a eles que não se consegue mais separar-se deles: o baile “deve ser feito por recreação e não por paixão; por pouco tempo e não até ficar cansado e atordoado”. O que é mais perigoso é o fato de que esses passatempos muitas vezes se tornam ocasiões que provocam “disputas, invejas, zombarias, namoricos”.

A escolha do modo de vida
                Quando a filha cresce, chega “o dia em que será preciso falar com ela, refiro-me a uma palavra decisiva, aquela em que se diz às jovens que se quer casá-las”. Homem do seu tempo, Francisco de Sales compartilhava em grande medida a ideia de que os pais tinham uma tarefa importante na determinação da vocação dos filhos, tanto para o casamento quanto para a vida religiosa. “Normalmente não se escolhe o próprio príncipe ou bispo, o próprio pai ou a própria mãe, e muitas vezes nem mesmo o próprio marido”, constatava o autor da Filoteia. No entanto, ele afirma claramente que “as filhas não podem ser dadas em casamento enquanto elas disserem não”.
                A prática corrente é bem explicada nesta passagem da Filoteia: “Para que um casamento se realize verdadeiramente, são necessárias três coisas em relação à jovem que se quer dar em casamento: em primeiro lugar, que lhe seja feita a proposta; em segundo lugar, que ela a aceite; em terceiro lugar, que ela consinta”. Como as moças se casavam muito jovens, não se pode admirar sua imaturidade afetiva. “As moças que se casam muito jovens amam realmente seus maridos, se os têm, mas não deixam de amar também os anéis, as joias, as amigas com quem se divertem muito brincando, dançando e fazendo loucuras”.
                O problema da liberdade de escolha se colocava igualmente para as crianças que se destinavam à vida religiosa. Franceschetta [Francisquinha], filha da baronesa de Chantal, deveria ser colocada em um convento por sua mãe, que desejava vê-la religiosa, mas o bispo interveio: “Se Franceschetta deseja ser religiosa, muito bem; caso contrário, não aprovo que se antecipe sua vontade com decisões que não são suas”. Além disso, não seria conveniente que a leitura das cartas de São Jerônimo orientasse demais a mãe no caminho da severidade e da coação. Por isso, aconselhou-a a “usar moderação” e a proceder com “inspirações suaves”.
                Algumas jovens hesitam diante da vida religiosa e do casamento, sem nunca chegar a se decidir. Francisco de Sales encorajou a futura senhora de Longecombe a dar o passo do casamento, que ele mesmo quis celebrar. Fez esta boa obra, dirá mais tarde o marido, à pergunta da esposa «que desejava casar-se pelas mãos do bispo e que, sem essa presença, nunca poderia dar esse passo, devido à grande aversão que nutria pelo casamento».

As mulheres e a «devoção»
                Alheio a qualquer feminismo ante litteram, Francisco de Sales estava consciente da contribuição excepcional da feminilidade no plano espiritual. Foi observado que, ao favorecer a devoção nas mulheres, o autor da Filoteia favoreceu, ao mesmo tempo, a possibilidade de uma maior autonomia, uma “vida privada feminina”.
                Não é de admirar que as mulheres tenham uma disposição especial para a “devoção”. Depois de enumerar um certo número de doutores e especialistas, ele pôde escrever no prefácio do Teótimo: “Mas para que se saiba que este tipo de escritos se redige melhor com a devoção dos apaixonados do que com a doutrina dos sábios, o Espírito Santo fez com que numerosas mulheres realizassem maravilhas a este respeito. Quem melhor manifestou as paixões celestiais do amor divino do que Santa Catarina de Gênova, Santa Ângela de Foligno, Santa Catarina de Sena e Santa Matilde?”. É conhecida a influência da Madre de Chantal na redação do Teótimo, e em particular do nono livro, “o seu nono livro do Amor de Deus”, segundo a expressão do autor.
                As mulheres podiam se envolver em questões religiosas? “Eis, pois, esta mulher que se faz de teóloga”, diz Francisco de Sales, falando da Samaritana do Evangelho. É preciso necessariamente ver nisso uma desaprovação em relação às teólogas? Não é certo. Tanto mais que ele afirma com veemência: “Eu vos digo que uma mulher simples e pobre pode amar a Deus tanto quanto um doutor em teologia”. A superioridade nem sempre está onde se pensa.
                Há mulheres superiores aos homens, a começar pela Santa Virgem. Francisco de Sales respeita sempre o princípio da ordem estabelecida pelas leis religiosas e civis de seu tempo, às quais prega a obediência, mas sua prática testemunha uma grande liberdade de espírito. Assim, para o governo dos mosteiros femininos, ele considerava que era melhor para elas estarem sob a jurisdição do bispo do que depender de seus irmãos religiosos, que corriam o risco de exercer uma influência excessiva sobre elas.
                As visitandinas, por sua vez, não dependeriam de nenhuma ordem masculina e não teriam nenhum governo central, estando cada mosteiro sob a jurisdição do bispo local. Ele ousou qualificar com o título inesperado de “apóstolas” as irmãs da Visitação que partiam para uma nova fundação.
                Se interpretarmos corretamente o pensamento do bispo de Genebra, a missão eclesial das mulheres consiste em anunciar não a palavra de Deus, mas “a glória de Deus” com a beleza do seu testemunho. Os céus, reza o salmista, narram a glória de Deus apenas com o seu esplendor. “A beleza do céu e do firmamento convida os homens a admirar a grandeza do Criador e a anunciar as suas maravilhas”; e “não é talvez uma maravilha maior ver uma alma adornada com muitas virtudes do que um céu constelado de estrelas?”.




Venerável Ottavio Ortiz Arrieta Coya, bispo

 O Venerável Dom Otávio Ortiz Arrieta Coya passou a primeira parte de sua vida como oratoriano, estudante e depois se tornou salesiano, engajado nas obras dos Filhos de Dom Bosco no Peru. Ele foi o primeiro salesiano formado na primeira casa salesiana do Peru, fundada em Rimac, um bairro pobre, onde aprendeu a viver uma vida austera de sacrifício. Entre os primeiros salesianos que chegaram ao Peru em 1891, ele conheceu o espírito de Dom Bosco e o Sistema Preventivo. Como salesiano da primeira geração, aprendeu que o serviço e o dom de si seriam o horizonte de sua vida; por isso, como jovem salesiano, assumiu responsabilidades importantes, como abrir novas obras e dirigir outras, com simplicidade, sacrifício e dedicação total aos pobres.
            Viveu a segunda parte de sua vida, a partir do início da década de 1920, como bispo de Chachapoyas, uma imensa diocese, vacante há anos, onde as condições proibitivas do território levavam a um certo fechamento, especialmente nas aldeias mais remotas. Aí, o campo e os desafios do apostolado eram imensos. Ortiz Arrieta era de temperamento vivo, acostumado à vida comunitária; além disso, era delicado de espírito, a ponto de ser chamado de “pecadito” em sua juventude, por sua exatidão em detectar falhas e ajudar a si mesmo e aos outros a se corrigirem. Ele também possuía um senso inato de rigor e dever moral. No entanto, as condições em que teve de exercer seu ministério episcopal eram diametralmente opostas a ele: a solidão e a impossibilidade substancial de compartilhar uma vida salesiana e sacerdotal, apesar dos repetidos e quase suplicantes pedidos à sua própria Congregação; a necessidade de conciliar o próprio rigor moral com uma firmeza cada vez mais dócil e desarmada; uma delicada consciência moral, continuamente posta à prova pela aspereza das escolhas e pela tibieza no seguimento, por parte de alguns colaboradores menos heroicos do que ele, e de um povo de Deus que sabia opor-se ao bispo quando a sua palavra se tornava uma denúncia de injustiça e um diagnóstico dos males espirituais. O caminho do Venerável em direção à plenitude da santidade, no exercício das virtudes, foi, portanto, marcado por provações, dificuldades e pela contínua necessidade de converter o olhar e o coração, sob a ação do Espírito.
            Embora certamente encontremos episódios em sua vida que podem ser definidos como heroicos no sentido estrito, devemos também, e talvez acima de tudo, destacar aqueles momentos em sua jornada virtuosa em que ele poderia ter agido de forma diferente, mas não o fez; ceder ao desespero humano, enquanto renovava a esperança; contentar-se com uma grande caridade, mas não totalmente disposto a exercer aquela caridade heroica que praticou com fidelidade exemplar por várias décadas. Quando, por duas vezes, lhe foi oferecida uma mudança de sede e, no segundo caso, a sede primacial de Lima, ele decidiu permanecer entre os seus pobres, aqueles que ninguém queria, verdadeiramente na periferia do mundo, permanecendo na diocese que sempre abraçou e amou como era, comprometendo-se de todo o coração a torná-la apenas um pouco melhor. Ele era um pastor “moderno” em seu estilo de presença e no uso de meios de ação, como o associacionismo e a imprensa. Homem de temperamento decidido e de firmes convicções de fé, o bispo Ortiz Arrieta certamente fez uso desse “don de gobierno” [dom de governo] em sua liderança, sempre combinado, porém, com respeito e caridade, expressos com extraordinária consistência.
            Embora ele tenha vivido antes do Concílio Vaticano II, a maneira como planejou e executou as tarefas pastorais que lhe foram confiadas ainda é relevante hoje: do cuidado pastoral das vocações ao apoio concreto de seus seminaristas e sacerdotes; da formação catequética e humana dos mais jovens ao cuidado pastoral das famílias, por meio do qual ele encontrou casais em crise ou casais que coabitavam relutantes em regularizar sua união. Dom Ortiz Arrieta, por outro lado, não educa apenas por sua ação pastoral concreta, mas por seu próprio comportamento: por sua capacidade de discernir por si mesmo, em primeiro lugar, o que significa e o que implica renovar a fidelidade ao caminho percorrido. Perseverou verdadeiramente na pobreza heroica, na fortaleza diante das muitas provações da vida e na fidelidade radical à diocese para a qual havia sido designado. Humilde, simples, sempre sereno; entre a seriedade e a delicadeza, a doçura do olhar deixava transparecer toda a tranquilidade do espírito: esse foi o caminho de santidade que ele percorreu.
            As belas características que seus superiores salesianos encontraram nele antes de sua ordenação sacerdotal – quando o descreveram como uma “pérola salesiana” e elogiaram seu espírito de sacrifício – retornaram como uma constante ao longo de sua vida, também como bispo. De fato, pode-se dizer que Ortiz Arrieta “fez-se tudo para todos, a fim de salvar alguns a qualquer custo” (1Cor 9,22): de alto prestígio com as autoridades, simples com as crianças, pobre entre os pobres; manso com aqueles que o insultavam ou tentavam deslegitimá-lo por ressentimento; sempre pronto a não retribuir o mal com o mal, mas a vencer o mal com o bem (cf. Rm 12,21). Toda a sua vida foi dominada pelo primado da salvação das almas: uma salvação à qual ele também queria que seus sacerdotes se dedicassem ativamente; buscava contrariar a tentação de se confinarem a uma segurança fácil ou de se entrincheirarem atrás de posições de maior prestígio, a fim de comprometê-los, em vez disso, com o serviço pastoral. Pode-se dizer que ele realmente se colocou nessa medida “elevada” da vida cristã, o que faz dele um pastor que encarnou a caridade pastoral de maneira original, buscando a comunhão entre o povo de Deus, indo ao encontro dos mais necessitados e testemunhando uma vida evangélica pobre.