Coroa das sete dores de Maria

A publicação “Coroa das sete dores de Maria” representa uma devoção querida que São João Bosco incutia em seus jovens. Seguindo a estrutura da “Via Crucis” [Via Sacra], as sete cenas dolorosas são apresentadas com breves considerações e orações, para guiar a uma participação mais viva nos sofrimentos de Maria e de seu Filho. Rico em imagens afetivas e espiritualidade contrita, o texto reflete o desejo de unir-se a Nossa Senhora das Dores na compaixão redentora. As indulgências concedidas por vários Pontífices atestam o alto valor pastoral do texto, que é um pequeno tesouro de oração e reflexão, para alimentar o amor pela Mãe das dores.

Prólogo
O principal objetivo desta pequena obra é facilitar a lembrança e a meditação das amarguradíssimas dores do terno Coração de Maria, algo que a Ela é muito agradável, como revelou várias vezes a seus devotos, e um meio muito eficaz para nós obtermos seu patrocínio.
Para tornar mais fácil o exercício de tal meditação, praticar-se-á primeiramente com uma coroa na qual são indicadas as sete principais dores de Maria, que poderão ser meditadas em sete breves considerações distintas, do modo como se costuma fazer na Via Sacra.
Que o Senhor nos acompanhe com sua graça celestial e bênção para que se alcance o intento desejado, de modo que a alma de cada um fique vivamente penetrada pela frequente memória das dores de Maria, com proveito espiritual da alma, e tudo para maior glória de Deus.

Coroa das sete dores da Bem-Aventurada Virgem Maria com sete breves considerações sobre as mesmas expostas na forma da Via Sacra

Preparação
Queridos irmãos e irmãs em Jesus Cristo, fazemos nossos habituais exercícios meditando devotamente as amarguradíssimas dores que a Bem-Aventurada Virgem Maria sofreu na vida e morte de seu amado Filho e nosso Divino Salvador. Imaginemo-nos presentes a Jesus pendente na cruz, e que sua aflita mãe diga a cada um de nós: Venham e vejam se há uma dor igual à minha.
Convencidos de que esta Mãe piedosa quer nos conceder proteção especial ao meditarmos suas dores, invoquemos a ajuda divina com as seguintes orações:

Antífona: Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus fiéis e acende neles o fogo do teu amor.

Envia o teu Espírito e tudo será criado,
e renovarás a face da terra.
Lembra-te da tua Congregação,
que possuías desde o princípio.
Senhor, escuta a minha oração,
e chegue a ti o meu clamor.

Oremos.
Ilumina, Senhor, nossas mentes com a luz da tua claridade, para que possamos ver o que deve ser feito e agir corretamente. Por Cristo nosso Senhor. Amém.

Primeira dor. Profecia de Simeão
A primeira dor foi quando a Santa Virgem, Mãe de Deus, tendo apresentado seu Filho no Templo, o depôs nos braços do santo velho Simeão, que lhe disse: A espada da dor traspassará a tua alma: o que significa a Paixão e Morte de seu Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem dolorosa, por aquela agudíssima espada com que o santo velho Simeão te predisse que tua alma seria traspassada na paixão e morte do teu querido Jesus, suplico-te que me concedas a graça de ter sempre presente a memória do teu coração traspassado e das amarguradíssimas penas sofridas por teu Filho para minha salvação. Assim seja.

Segunda dor. Fuga para o Egito
A segunda dor foi quando a Santa Virgem se viu obrigada a fugir para o Egito a fim de evitar a perseguição do cruel Herodes, que impiamente procurava dar a morte a seu amado Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Maria, mar amarguíssimo de lágrimas, por aquela dor que sentiste fugindo para o Egito para proteger teu Filho da bárbara crueldade de Herodes, suplico que sejas minha guia, para que, por teu intermédio, eu fique livre das perseguições dos inimigos visíveis e invisíveis da minha alma. Assim seja.

Terceira dor. Perda de Jesus no templo
A terceira dor da Bem-Aventurada Virgem foi quando, pelo tempo da Páscoa, depois de ter estado com o seu esposo José e com o seu amado filho Jesus em Jerusalém, de volta à sua pobre casa, perdeu o seu divino Filho e por três dias seguidos o procurou, lamentando a perda de seu único amor.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Mãe desconsolada, tu que na perda da presença corporal de teu Filho o procuraste ansiosamente por três dias seguidos, rogo-te que obtenhas a graça para todos os pecadores, para que também eles o procurem com atos de contrição e o encontrem. Assim seja.

Quarta dor. Encontro de Jesus carregando a cruz
A quarta dor da Santa Virgem foi quando encontrou seu dulcíssimo Filho Jesus, que carregava uma pesada cruz, em seus ombros delicados, até ao Monte Calvário, para ser crucificado pela nossa salvação.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem mais apaixonada do que todas, por aquele sofrimento que sentiste no coração ao encontrar teu Filho enquanto ele carregava o madeiro da Santíssima Cruz rumo ao Monte Calvário, peço-te que eu o acompanhe continuamente com o pensamento, chore meus pecados, causa manifesta dos seus e dos teus tormentos. Assim seja.

Quinta dor. Crucificação de Jesus
A quinta dor da Santa Virgem foi quando viu seu Filho Jesus suspenso sobre o duro madeiro da Cruz, vertendo sangue de todo o seu Santíssimo Corpo e morrendo depois de três horas de agonia.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Rosa entre os espinhos, por aquelas dores amargas que traspassaram teu peito ao ver com teus próprios olhos teu Filho traspassado e elevado na Cruz, obtém para mim, peço-te, que eu busque com meditações assíduas somente Jesus crucificado por causa dos meus pecados. Assim seja.

Sexta dor. Deposição de Jesus da cruz
A sexta dor da Santa Virgem foi quando seu amado Filho Jesus, depois de ter sido traspassado no peito com um golpe de lança e despregado da cruz, foi deposto em seu santo regaço.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem aflita, tu que acolheste teu Filho morto no colo, vencido pela Cruz, e beijando aquelas santíssimas feridas, derramaste sobre elas um mar de lágrimas, rogo-te que eu também lave continuamente com lágrimas de verdadeiro arrependimento as feridas mortais que meus pecados te causaram. Assim seja.

Sétima dor. Sepultamento de Jesus
A sétima e última dor da Santa Virgem, Senhora e Advogada dos seus servos e dos pobres pecadores, foi quando viu sepultado o Corpo Santíssimo de seu Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Mártir dos Mártires, Maria, por aquele tormento amargo que sofreste quando, sepultado teu Filho, tiveste que afastar-te daquele túmulo amado, concede graça, peço-te, a todos os pecadores, para que conheçam o quanto é grave dano para a alma estar longe de seu Deus. Assim seja.

Digam-se em seguida três Ave-Marias em sinal de profundo respeito às lágrimas que a Santíssima Virgem derramou nas suas Dores, a fim de impetrar uma verdadeira dor dos nossos pecados e para ganhar as santas indulgências.
Ave Maria etc.

Terminada a Coroa, recita-se o pranto da Bem-Aventurada Virgem, ou seja, o hino Stabat Mater etc.

Hino – Pranto da Bem-Aventurada Virgem Maria

Stabat Mater dolorosa
Iuxta crucem lacrymosa,
Dum pendebat Filius.

Cuius animam gementem
Contristatam et dolentem
Pertransivit gladius.

O quam tristis et afflicta
Fuit illa benedicta
Mater unigeniti!

Quae moerebat, et dolebat,
Pia Mater dum videbat.
Nati poenas inclyti.

Quis est homo, qui non fleret,
Matrem Christi si videret
In tanto supplicio?

Quis non posset contristari,
Christi Matrem contemplari
Dolentem cum filio?

Pro peccatis suae gentis
Vidit Iesum in tormentis
Et flagellis subditum.

Vidit suum dulcem natura
Moriendo desolatum,
Dum emisit spiritum.

Eia mater fons amoris,
Me sentire vim doloris
Fac, ut tecum lugeam.

Fac ut ardeat cor meum
In amando Christum Deum,
Ut sibi complaceam.

Sancta Mater istud agas,
Crucifixi fige plagas
Cordi meo valide.

Tui nati vulnerati
Tam dignati pro me pati
Poenas mecum divide.

Fac me tecum pie flere,
Crucifixo condolere,
Donec ego vixero.

Iuxta Crucem tecum stare,
Et me tibi sociare
In planctu desidero.

Virgo virginum praeclara,
Mihi iam non sia amara,
Fac me tecum plangere.

Fac ut portem Christi mortem,
Passionis fac consortem,
Et plagas recolere.

Fac me plagis vulnerari,
Fac me cruce inebriari,
Et cruore Filii.

Flammis ne urar succensus,
Per te, Virgo, sim defensus
In die Iudicii.

Christe, cum sit hine exire,
Da per matrem me venire
Ad palmam victoriae.

Quando corpus morietur,
Fac ut animae donetur
Paradisi gloria. Amen.

Estava a mãe dolorosa
junto da cruz, lacrimosa,
via o filho que pendia.

Na sua alma gemia,
contristada e dolorida
por um gládio transpassada.

Oh! Quão triste e aflita
entre todas, Mãe bendita,
que só tinha aquele Filho.

Quanta angústia não sentia,
Mãe piedosa quando via
as penas do Filho seu.

Quem não chora vendo isso:
contemplando a Mãe de Cristo
num suplício tão enorme?

Quem haverá que resista
se a Mãe assim se contrista
padecendo com seu Filho?

Por culpa de sua gente
Viu Jesus inocente,
Ao flagelo submetido.

Vê agora o seu amado
pelo Pai abandonado,
entregando seu espírito.

Faze, ó Mãe, fonte de amor
que eu sinta o espinho da dor,
para contigo chorar.

Faze arder meu coração
do Cristo Deus na paixão
para que o possa agradar.

Ó Santa Mãe, dá-me isto,
trazer as chagas de Cristo
gravadas no coração.

Do teu filho que por mim
entrega-se a morte assim,
divide as penas comigo.

Oh! Dá-me enquanto viver,
com Cristo compadecer,
chorando sempre contigo.

Junto à cruz eu quero estar,
quero o meu pranto juntar
às lágrimas que derramas.

Virgem, que às virgens aclara,
não sejas comigo avara,
dá-me contigo chorar.

Traga em mim do Cristo a morte,
da Paixão seja consorte,
suas chagas celebrando.

Por elas seja eu rasgado,
pela cruz inebriado,
pelo sangue de teu Filho.

No Julgamento consegue,
que às chamas não seja entregue
quem por ti é defendido.

Quando do mundo eu partir,
dai-me, ó Cristo, conseguir
por tua Mãe a vitória.

Quando meu corpo morrer,
possa a alma merecer
do Reino Celeste, a glória. Amém.

O Sumo Pontífice Inocêncio XI concede indulgência de 100 dias toda vez que se reza o Stabat Mater. Bento XIII concedeu indulgência de sete anos a quem rezar a Coroa das sete dores de Maria. Muitas outras indulgências foram concedidas por outros sumos Pontífices, especialmente aos Confrades e Coirmãs da Companhia de Maria Dolorosa.

As sete dores de Maria meditadas na forma da Via Crucis

Invoque-se a ajuda divina dizendo:
Actiones nostras, quaesumus, Domine, aspirando praeveni, et adiuvando prosequere, ut cuncta nostra oratio et operatio a te semper incipiat, et per te coepta finiatur. Per Christum Dominum Nostrum. Amen. [Inspirai, Senhor, todas as nossas ações e orações, e ajudai-nos a realizá-las, para que em Vós comece e para Vós termine tudo aquilo que fizermos. Por Cristo, Senhor nosso. Amém.]

Ato de Contrição
Virgem muitíssimo aflita, ai! quão ingrato fui no tempo passado para com meu Deus, com quanta ingratidão correspondi aos seus inúmeros benefícios! Agora me arrependo, e na amargura do meu coração e no pranto da minha alma, peço humildemente a Ele perdão por ter ultrajado sua infinita bondade, estando decidido no futuro, com a graça celestial, a nunca mais ofendê-lo. Ah! por todas as dores que suportastes na bárbara paixão do vosso amado Jesus, peço-vos com os mais profundos suspiros que me obtenhais do mesmo, piedade e misericórdia dos meus pecados. Aceitai este santo exercício que estou para fazer e recebei-o em união com aquelas penas e dores que Vós sofrestes por vosso filho Jesus. Ah, concedei-me! sim, concedei-me que aquelas mesmas espadas que traspassaram o vosso espírito, atravessem também o meu, e que eu viva e morra na amizade do meu Senhor, para participar eternamente da glória que Ele me conquistou com seu precioso Sangue. Assim seja.

Primeira dor
Nesta primeira dor, imaginemo-nos no templo de Jerusalém, onde a Bem-Aventurada Virgem ouviu a profecia do velho Simeão.

Meditação
Ah! Que angústias terá sentido o coração de Maria ao ouvir as dolorosas palavras com que lhe foi predita pelo Santo velho Simeão a amarga paixão e a atroz morte do seu dulcíssimo Jesus: enquanto naquele mesmo instante lhe surgiram à mente os ultrajes, os tormentos e as carnificinas que os ímpios judeus fariam ao Redentor do mundo. Mas sabes qual foi a espada mais penetrante que a traspassou nessa circunstância? Foi considerar a ingratidão com que seu amado Filho seria retribuído pelos homens. Agora, refletindo que, por causa dos teus pecados, estás miseravelmente entre esses tais, ah! lança-te aos pés desta Mãe Dolorosa e dize chorando assim (todos se ajoelham): Ah! Virgem piedosíssima, que sentistes tão amarga dor no vosso espírito ao ver o abuso que eu, criatura indigna, teria feito do sangue do vosso amável Filho, fazei, sim fazei por vosso aflito Coração, que eu no futuro corresponda às Divinas Misericórdias, aproveite as graças celestiais, não receba em vão tantas luzes e inspirações que Vós vos dignareis obter para mim, para que eu tenha a sorte de estar entre aqueles para quem a amarga paixão de Jesus seja de salvação eterna. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Segunda dor
Nesta segunda dor, consideremos a dolorosíssima viagem que a Virgem fez ao Egito para libertar Jesus da cruel perseguição de Herodes.

Meditação
Considera a amarga dor que Maria terá sentido quando, à noite, teve que partir por ordem do Anjo para preservar seu Filho da matança ordenada por aquele feroz Príncipe. Ah! que a cada grito de animal, a cada sopro de vento, a cada movimento de folha que ouvia por aquelas estradas desertas, se enchia de medo temendo algum infortúnio para o menino Jesus que levava consigo. Ora se voltava para um lado, ora para o outro, ora apressava o passo, ora se escondia crendo ter sido alcançada pelos soldados, que, arrancando de seus braços seu amabilíssimo Filho, teriam feito sob seus olhos um tratamento bárbaro, e fixando o olhar lacrimoso sobre seu Jesus e apertando-o fortemente ao peito, dando-lhe mil beijos, mandava do coração os suspiros mais angustiados. E aqui reflete quantas vezes renovaste essa amarga dor a Maria, forçando seu Filho com teus graves pecados a fugir da tua alma. Agora que conheces o grande mal cometido, volta-te arrependido a esta piedosa Mãe e dize-lhe assim:
Ah, Mãe dulcíssima! Uma vez Herodes obrigou-vos, com vosso Jesus, a fugir da inumana perseguição por ele ordenada; mas eu, oh! quantas vezes obriguei meu Redentor e, por consequência, também a vós, a partir rapidamente do meu coração, introduzindo nele o maldito pecado, inimigo cruel vosso e do meu Deus. Ah! todo dolorido e contrito vos peço humildemente perdão.
Sim, misericórdia, ó querida Mãe, misericórdia, e prometo-vos no futuro, com a ajuda divina, manter sempre meu Salvador e Vós no total domínio da minha alma. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Terceira dor
Nesta terceira dor, consideremos a Virgem muitíssimo aflita que, lacrimosa, vai à procura do seu Jesus perdido.

Meditação
Quão grande foi a dor de Maria quando percebeu que havia perdido seu amável Filho! E como cresceu sua dor quando, tendo-o procurado diligentemente entre amigos, parentes e vizinhos, não pôde obter nenhuma notícia dele. Ela, não se importando com os incômodos, o cansaço, os perigos, vagou por três dias seguidos pelas regiões da Judeia, repetindo aquelas palavras de desolação: talvez alguém tenha visto aquele que verdadeiramente ama a minha alma? Ah! que a grande ansiedade com que o procurava a fazia imaginar a cada momento vê-lo ou ouvir sua voz; mas, ao se reconhecer frustrada, oh, como se aterrorizava e sentia mais intensamente o pesar por tão deplorável perda! Grande confusão para ti, pecador, que tantas vezes perdeste teu Jesus pelos graves pecados cometidos, e não te preocupaste em procurá-lo, claro sinal de que pouco ou nenhum valor dás ao precioso tesouro da amizade divina. Chora, pois, tua cegueira, e voltando-te a esta Mãe Dolorosa, dize-lhe suspirando assim:
Virgem muitíssimo aflita, fazei que eu aprenda de vós a verdadeira maneira de buscar Jesus que perdi para seguir minhas paixões e as iníquas sugestões do demônio, para que eu consiga encontrá-lo, e quando o tiver recuperado, repetirei continuamente aquelas vossas palavras: Encontrei aquele que verdadeiramente ama meu coração; o guardarei sempre comigo, e nunca mais o deixarei partir. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Quarta dor
Na quarta dor, consideremos o encontro que a Virgem Dolorosa teve com seu Filho apaixonado.

Meditação
Venham, ó corações endurecidos, e vejam se conseguem suportar este espetáculo lacrimoso. É uma mãe, a mais terna, a mais amorosa, que encontra seu Filho, o mais doce, o mais amável; e como o encontra? Oh Deus! no meio da mais ímpia turba que o arrasta cruelmente para a morte, carregado de feridas, pingando sangue, rasgado pelas feridas, com uma coroa de espinhos na cabeça e com um tronco pesado sobre os ombros, ofegante, cansado, exausto, que parece a cada passo querer exalar o último suspiro.
Ah! considera, minha alma, a parada mortal que a Santíssima Virgem faz ao primeiro olhar que fixa sobre seu Jesus atormentado; ela gostaria de lhe dar o último adeus, mas como, se a dor a impede de pronunciar palavra? Gostaria de lançar-se ao seu pescoço, mas fica imóvel e petrificada pela força da aflição interna; gostaria de desabafar com o pranto, mas sente o coração tão apertado e oprimido que não consegue derramar uma lágrima. Oh! e quem pode conter as lágrimas ao ver uma pobre Mãe imersa em tão grande aflição? Mas quem é a causa de tão amarga dor? Ah, sou eu; sim, sou eu com meus pecados que fiz uma ferida tão bárbara ao vosso terno coração, ó Virgem Dolorosa. Porém, quem acreditaria? Permaneço insensível sem me comover. Mas se fui ingrato no passado, no futuro não serei mais.
Enquanto isso, prostrado aos vossos pés, ó Santíssima Virgem, peço humildemente perdão por tanto sofrimento que vos causei. Sei e confesso que não mereço piedade, sendo eu a verdadeira causa de vossa dor ao encontrar vosso Jesus todo coberto de feridas; mas lembrai-vos, sim, lembrai-vos que sois mãe de misericórdia. Ah, mostrai-vos, pois, assim para comigo, que eu vos prometo no futuro ser mais fiel ao meu Redentor, e assim compensar tantos desgostos que causei ao vosso aflito espírito. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Quinta dor
Nesta quinta dor, imaginemo-nos no Monte Calvário onde a Virgem muitíssimo aflita viu seu amado Filho expirar na Cruz.

Meditação
Aqui estamos no Calvário onde já estão erguidos dois altares de sacrifício, um no corpo de Jesus, outro no coração de Maria. Oh espetáculo terrível! Vemos a Mãe afogada num mar de aflições ao ver ser levado à morte cruel o caro e amável fruto de suas entranhas. Ai de mim! Cada martelada, cada ferida, cada rasgo que o Salvador recebe em seu corpo ressoa profundamente no coração da Virgem. Ela está aos pés da Cruz tão penetrada pela dor e transpassada pelo sofrimento que não se sabe quem será o primeiro a expirar, se Jesus ou Maria. Fixa o olhar no rosto agonizante do Filho, considera as pupilas cansadas, o rosto pálido, os lábios lívidos, a respiração difícil e finalmente sabe que Ele não vive mais e que já entregou o espírito no seio do eterno Pai. Ah, então a alma dela faz todo esforço possível para se separar do corpo e unir-se à de Jesus. E quem pode suportar tal visão.
Ó Mãe muitíssimo dolorosa, em vez de se retirar do Calvário para não sentir tão intensamente as angústias, permaneceis imóvel para absorver até a última gota o cálice amargo de vossas aflições. Que confusão deve ser esta para mim que busco todos os meios para evitar as cruzes e os pequenos sofrimentos que, para meu bem, o Senhor se digna enviar-me? Virgem muitíssimo dolorosa, humilho-me diante de vós, ah! fazei que eu conheça claramente o valor e o grande mérito do sofrimento, para que me apegue tanto a ele que nunca me canse de exclamar com São Francisco Xavier: Plus Domine, Plus Domine, mais sofrer, meu Deus. Ah sim, mais sofrer, ó meu Deus. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Sexta dor
Nesta sexta dor, imaginemo-nos vendo a Virgem desconsolada que recebe nos braços o corpo morto de seu Filho, retirado da Cruz.

Meditação
Considera a dor mais amarga que penetrou a alma de Maria quando viu no seu colo o corpo morto do amado Jesus. Ah! ao fixar o olhar nas feridas e nas chagas dele, ao contemplá-lo tingido com seu próprio sangue, foi tal o ímpeto da dor interior que seu coração foi mortalmente traspassado, e se não morreu foi a onipotência divina que a conservou viva. Ó pobre Mãe, sim, pobre mãe, que conduzis ao túmulo o caro objeto de vossas mais ternas complacências, e que de um ramo de rosas se tornou um feixe de espinhos pelos maus-tratos e rasgos feitos pelos ímpios malfeitores. E quem não terá compaixão de vós? Quem não se sentirá dilacerado pela dor ao ver-vos num estado de aflição que comove até a pedra mais dura? Vejo João inconsolável, Madalena com as outras Marias que choram amargamente, Nicodemos que não pode mais suportar a aflição. E eu? Eu sozinho não derramo uma lágrima em meio a tanto sofrimento! Ingrato e ignorante que sou!
Ah! Mãe piedosíssima, aqui estou aos vossos pés, recebei-me sob a vossa poderosa proteção e fazei com que este meu coração seja traspassado por aquela mesma espada que atravessou de parte a parte o vosso aflito espírito, para que se amoleça uma vez e chore verdadeiramente meus graves pecados que vos causaram tão cruel martírio. E assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Sétima dor
Nesta sétima dor, consideremos a Virgem muitíssimo dolorosa que vê seu Filho morto ser sepultado.

Meditação
Considera o suspiro mortal que enviou o aflito coração de Maria quando viu seu amável Jesus ser colocado no túmulo! Oh que dor, que sofrimento sentiu seu espírito quando foi levantada a pedra com que se deveria fechar aquele sacratíssimo monumento! Não era possível afastá-la da borda do sepulcro, enquanto a dor era tal que a tornava insensível e imóvel, sem cessar de contemplar aquelas chagas e aquelas feridas cruéis. Quando então o túmulo foi fechado, oh, então sim, tal foi a força da dor interior que ela teria certamente caído morta se Deus não a tivesse conservado viva. Ó Mãe muitíssimo atribulada! Agora partireis com o corpo deste lugar, mas aqui certamente ficará vosso coração, pois aqui está vosso verdadeiro tesouro. Ah destino, que em companhia dele fique todo nosso afeto, todo nosso amor, como poderá ser que não nos derretamos de benevolência para com o Salvador, que deu todo seu sangue por nossa salvação? Como poderá ser que não amemos a Vós que tanto sofrestes por nossa causa.
Agora nós, chorando arrependidos por termos causado tantas dores a vosso Filho e a vós tanta amargura, prostramo-nos aos vossos pés e por todas aquelas dores que nos fizestes a graça de meditar, concedei-nos este favor: que a memória das mesmas fique sempre vivamente impressa em nossa mente, que nossos corações se consumam por amor ao nosso bom Deus, e a Vós, nossa doce Mãe, e que o último suspiro de nossa vida se una àqueles que derramastes do fundo da vossa alma na dolorosa paixão de Jesus, a quem seja honra, glória e ação de graças pelos séculos dos séculos. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Então se reza o Stabat Mater, como acima.

Antífona. Tuam ipsius animam (ait ad Mariam Simeon) pertransiet gladius. [Tua própria alma (disse Simeão a Maria) uma espada transpassará]
Rogai por nós, Virgem Dolorosa.
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos
Deus, em cuja paixão, segundo a profecia de Simeão, a doce alma da Gloriosa Virgem e Mãe Maria Dolorosa foi traspassada pela espada, concedei propício que, nós que recordamos a memória de suas dores, alcancemos felizmente o efeito da vossa paixão. Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos. Amém.

Louvado seja Deus e a Virgem Dolorosa.

Com permissão da Revisão Eclesiástica

A Festa das Sete Dores de Maria Virgem Dolorosa, celebrada pela Pia União e Sociedade, ocorre no terceiro domingo de setembro na Igreja de São Francisco de Assis.

Texto da 3ª edição, Turim, Tipografia de Giulio Speirani e filhos, 1871




Dom José Luis Carreño, missionário salesiano

O P. José Luís Carreño (1905-1986) foi descrito pelo historiador José Thekkedath como “o salesiano mais amado do sul da Índia” na primeira metade do século XX. Em todos os lugares onde viveu – seja na Índia britânica, na colônia portuguesa de Goa, nas Filipinas ou na Espanha – encontramos salesianos que guardam com carinho sua memória. Estranhamente, porém, ainda não dispomos de uma biografia adequada deste grande salesiano, exceto pela extensa carta mortuária redigida pelo P. José Antônio Rico: “José Luís Carreño Etxeandía, operário de Deus”. Esperamos que em breve essa lacuna seja preenchida. O P. Carreño foi um dos artífices da região da Ásia Sul, e não podemos nos dar ao luxo de esquecê-lo.

José Luís Carreño Etxeandía nasceu em Bilbao, na Espanha, em 23 de outubro de 1905. Órfão de mãe aos oito anos, foi acolhido na casa salesiana de Santander. Em 1917, aos doze anos, entrou no aspirantado de Campello. Lembra que naquela época “não se falava muito de Dom Bosco… Mas para nós um P. Binelli era um Dom Bosco, sem falar do P. Rinaldi, então Prefeito Geral, cujas visitas nos deixavam uma sensação sobrenatural, como quando os mensageiros de Javé visitaram a tenda de Abraão”.
Após o noviciado e pós-noviciado, realizou o tirocínio como assistente dos noviços. Devia ser um clérigo brilhante, pois o P. Pedro Escursell escreveu ao Reitor-Mor sobre ele: “Estou falando neste momento com um dos clérigos modelo desta casa. Ele é assistente na formação do pessoal desta Inspetoria; me disse que há muito tempo pede para ser enviado às missões e que desistiu de pedir porque não recebe resposta. É um jovem de grande valor intelectual e moral.”
Na véspera de sua ordenação sacerdotal, em 1932, o jovem José Luís escreveu diretamente ao Reitor-Mor, oferecendo-se para as missões. A oferta foi aceita, e ele foi enviado para a Índia, desembarcando em Mumbai em 1933. Apenas um ano depois, quando foi criada a Inspetoria da Índia do Sul, foi nomeado mestre dos noviços em Tirupattur: tinha apenas 28 anos. Com suas extraordinárias qualidades de mente e coração, tornou-se rapidamente a alma da casa e deixou uma profunda impressão em seus noviços. “Nos conquistou com seu coração paterno”, escreve um deles, o arcebispo Hubert D’Rosario de Shillong.
O P. José Vaz, outro noviço, contava frequentemente como Carreño percebeu que ele tremia de frio durante uma conferência. “Espere um momento, hombre,” disse o mestre dos noviços, e saiu. Pouco depois voltou com um suéter azul que entregou a Joe. Joe notou que o suéter estava estranhamente quente. Então lembrou que sob a batina seu mestre usava algo azul… que agora não estava mais lá. Carreño lhe dera seu próprio suéter.
Em 1942, quando o governo britânico na Índia aprisionou todos os estrangeiros provenientes de países em guerra com a Grã-Bretanha, Carreño, sendo cidadão de um país neutro, não foi incomodado. Em 1943 recebeu uma mensagem pela Rádio Vaticana: deveria substituir o P. Eligio Cinato, inspetor da Inspetoria da Índia do Sul, também preso. No mesmo período, o arcebispo salesiano Luís Mathias de Madras-Mylapore o convidou para ser seu vigário geral.
Em 1945 foi oficialmente nomeado inspetor, cargo que ocupou de 1945 a 1951. Um de seus primeiros atos foi consagrar a Inspetoria ao Sagrado Coração de Jesus. Muitos salesianos acreditavam que o extraordinário crescimento da Inspetoria do Sul se devia justamente a esse gesto. Sob a liderança do P. Carreño, as obras salesianas dobraram. Um de seus atos mais visionários foi o início de uma faculdade universitária na remota e pobre vila de Tirupattur. O Sacred Heart College acabaria por transformar todo o distrito.
O P. Carreño foi também o principal artífice da “indianização” do rosto salesiano na Índia, buscando desde o início vocações locais, em vez de depender exclusivamente dos missionários estrangeiros. Uma escolha que se revelou providencial: primeiro, porque o fluxo de missionários estrangeiros cessou durante a guerra; depois, porque a Índia independente decidiu não conceder mais vistos a novos missionários estrangeiros. “Se hoje os salesianos na Índia são mais de dois mil, o mérito desse crescimento deve ser atribuído às políticas iniciadas pelo P. Carreño,” escreve o P. Thekkedath em sua história dos salesianos na Índia.
Como dissemos, o P. Carreño não era apenas inspetor, mas também vigário de Dom Mathias. Esses dois grandes homens, que se estimavam profundamente, eram, porém, muito diferentes em temperamento. O arcebispo defendia medidas disciplinares severas contra os coirmãos em dificuldades, enquanto o P. Carreño preferia procedimentos mais brandos. O visitador extraordinário, P. Albino Fedrigotti, parece ter dado razão ao arcebispo, definindo o P. Carreño como “um excelente religioso, um homem de grande coração”, mas também “um pouco poeta demais”.
Não faltou também a acusação de ser um mau administrador, mas é significativo que uma figura como o P. Aurélio Maschio, grande procurador e arquiteto das obras salesianas de Mumbai, tenha rejeitado firmemente tal acusação. Na verdade, o P. Carreño era um inovador e visionário. Algumas de suas ideias – como a de envolver voluntários não salesianos para um serviço de alguns anos – eram, na época, vistas com desconfiança, mas hoje são amplamente aceitas e ativamente promovidas.
Em 1951, ao término de seu mandato oficial como inspetor, Carreño foi chamado a retornar à Espanha para cuidar dos Salesianos Cooperadores. Esse não era o verdadeiro motivo de sua partida, após dezoito anos na Índia, mas Carreño aceitou serenamente, embora não sem dor.
Em 1952 foi enviado a Goa, onde permaneceu até 1960. “Goa foi amor à primeira vista,” escreveu em Urdimbre en el telar. Goa, por sua vez, o acolheu no coração. Prosseguiu a tradição dos salesianos que serviam como diretores espirituais e confessores do clero diocesano, e foi até patrono da associação dos escritores em língua concani. Acima de tudo, governou a comunidade de Dom Bosco Panjim com amor, cuidou com extraordinária paternidade dos muitos meninos pobres e, mais uma vez, dedicou-se ativamente à busca de vocações para a vida salesiana. Os primeiros salesianos de Goa – pessoas como Thomas Fernandes, Elias Diaz e Rômulo Noronha – contavam com lágrimas nos olhos como Carreño e outros passavam pelo Goa Medical College, bem ao lado da casa salesiana, para doar sangue e assim conseguir algumas rúpias para comprar mantimentos e outros bens para os meninos.
Em 1961 ocorreram a ação militar indiana e a anexação de Goa. Naquele momento o P. Carreño estava na Espanha e não pôde mais retornar à terra amada. Em 1962 foi enviado às Filipinas como mestre dos noviços. Acompanhou apenas três grupos de noviços, porque em 1965 pediu para voltar à Espanha. A origem de sua decisão foi uma séria divergência de visão entre ele e os missionários salesianos vindos da China, especialmente com o P. Carlo Braga, superior da visitadoria. Carreño se opôs fortemente à política de enviar os jovens salesianos filipinos recém-professos a Hong Kong para os estudos de filosofia. Como aconteceu, no final os superiores aceitaram a proposta de manter os jovens salesianos nas Filipinas, mas naquele momento o pedido de Carreño para retornar ao país já havia sido aceito.

Dom Carreño passou apenas quatro anos nas Filipinas, mas também ali, como na Índia, deixou uma marca indelével, “uma contribuição incomensurável e crucial para a presença salesiana nas Filipinas”, segundo as palavras do historiador salesiano Nestor Impelido.
De volta à Espanha, colaborou com as Procuradorias Missionárias de Madri e de New Rochelle, e na animação das inspetorias ibéricas. Muitos na Espanha ainda lembram o velho missionário que visitava as casas salesianas, contagiando os jovens com seu entusiasmo missionário, suas canções e sua música.
Mas em sua imaginação criativa estava tomando forma um novo projeto. Carreño dedicou-se de todo coração ao sonho de fundar um Pueblo Misionero com dois objetivos: preparar jovens missionários – em sua maioria vindos da Europa Oriental – para a América Latina; e oferecer um refúgio para missionários “aposentados” como ele, que também poderiam servir como formadores. Após uma longa e sofrida correspondência com os superiores, o projeto finalmente tomou forma no Hogar del Misionero em Alzuza, a poucos quilômetros de Pamplona. O componente vocacional missionário nunca decolou, e foram pouquíssimos os missionários idosos que efetivamente se juntaram a Carreño. Seu principal apostolado nesses últimos anos permaneceu o da caneta. Deixou mais de trinta livros, entre os quais cinco dedicados ao Santo Sudário, ao qual era particularmente devoto.
O P. José Luís Carreño faleceu em 1986 em Pamplona, aos 81 anos. Apesar dos altos e baixos de sua vida, este grande amante do Sagrado Coração de Jesus pôde afirmar, no jubileu de ouro de sua ordenação sacerdotal: “Se cinquenta anos atrás meu lema como jovem padre era ‘Cristo é tudo’, hoje, velho e dominado por seu amor, eu o escreveria em letras de ouro, porque na verdade CRISTO É TUDO”.

P. Ivo COELHO, sdb




As sete alegrias de Nossa Senhora

No coração da obra educativa e espiritual de São João Bosco, a figura de Nossa Senhora ocupa um lugar privilegiado e luminoso. Dom Bosco não foi apenas um grande educador e fundador, mas também um fervoroso devoto da Virgem Maria, a quem venerava com profundo afeto e a quem confiava todos os seus projetos pastorais. Uma das expressões mais características dessa devoção é a prática das “Sete alegrias de Nossa Senhora”, proposta de forma simples e acessível em sua publicação “O jovem instruído”, um dos textos mais difundidos em sua pedagogia espiritual.

Uma obra para a alma dos jovens
Em 1875, Dom Bosco publicou uma nova edição de “O jovem instruído na prática de seus deveres nos exercícios de piedade cristã”, um manual de orações, exercícios espirituais e normas de conduta cristã pensado para os jovens. Este livro, redigido com um estilo sóbrio e paternal, tinha a intenção de acompanhar os jovens em sua formação moral e religiosa, introduzindo-os a uma vida cristã integral. Nele também havia espaço para a devoção às “Sete Alegrias de Maria Santíssima”, uma oração simples, mas intensa, estruturada em sete pontos. Diferentemente das “Sete Dores de Nossa Senhora”, muito mais conhecidas e difundidas na piedade popular, as “Sete alegrias” de Dom Bosco enfatizam as alegrias da Santíssima Virgem no Paraíso, consequência de uma vida terrena vivida na plenitude da graça de Deus.
Essa devoção tem origens antigas e foi particularmente apreciada pelos Franciscanos, que a difundiram a partir do século XIII, como Rosário das Sete Alegrias da Bem-Aventurada Virgem Maria (ou Coroa Seráfica). Na forma franciscana tradicional, é uma oração devocional composta por sete dezenas de Ave Marias, cada uma precedida por um mistério alegre (alegria) e introduzida por um Pai Nosso. Ao final de cada dezena, reza-se um Glória ao Pai. As alegrias são: 1. A Anunciação do Anjo; 2. A visita a Santa Isabel; 3. O nascimento do Salvador; 4. A adoração dos Magos; 5. O encontro de Jesus no templo; 6. A ressurreição do Filho; 7. A assunção e coroação de Maria no céu.
Dom Bosco, inspirando-se nessa tradição, oferece uma versão simplificada, adequada à sensibilidade dos jovens.
Cada uma dessas alegrias é meditada através da recitação de uma Ave Maria e um Glória ao Pai.

A pedagogia da alegria
A escolha de propor aos jovens essa devoção não responde apenas a um gosto pessoal de Dom Bosco, mas se insere plenamente em sua visão educativa. Ele estava convencido de que a fé deveria ser transmitida através da alegria, não do medo; através da beleza do bem, não do temor do mal. As “Sete alegrias” tornam-se assim uma escola de alegria cristã, um convite a reconhecer que, na vida da Virgem, a graça de Deus se manifesta como luz, esperança e realização.
Dom Bosco conhecia bem as dificuldades e sofrimentos que muitos de seus jovens enfrentavam diariamente: a pobreza, o abandono familiar, a precariedade do trabalho. Por isso, oferecia-lhes uma devoção mariana que não se limitasse ao pranto e à dor, mas que fosse também uma fonte de consolo e alegria. Meditar as alegrias de Maria significava abrir-se a uma visão positiva da vida, aprender a reconhecer a presença de Deus mesmo nos momentos difíceis e confiar com fé na ternura da Mãe celeste.
Na publicação “O jovem instruído”, Dom Bosco escreve palavras tocantes sobre o papel de Maria: apresenta-a como mãe amorosa, guia segura e modelo de vida cristã. A devoção às suas alegrias não é uma simples prática devocional, mas um meio para entrar em relação pessoal com Nossa Senhora, para imitar suas virtudes e receber sua ajuda materna nas provas da vida.
Para o santo turinense, Maria não é distante ou inacessível, mas próxima, presente, ativa na vida de seus filhos. Essa visão mariana, fortemente relacional, atravessa toda a espiritualidade salesiana e se reflete também na vida cotidiana dos oratórios: ambientes onde a alegria, a oração e a familiaridade com Maria caminham lado a lado.

Um legado vivo
Ainda hoje, a devoção às “Sete alegrias de Nossa Senhora” mantém intacto seu valor espiritual e educativo. Em um mundo marcado por incertezas, medos e fragilidades, ela oferece um caminho simples, mas profundo, para descobrir que a fé cristã é, antes de tudo, uma experiência de alegria e luz. Dom Bosco, profeta da alegria e da esperança, nos ensina que a verdadeira educação cristã passa pela valorização dos afetos, das emoções e da beleza do Evangelho.
Redescobrir hoje as “Sete alegrias” significa também recuperar um olhar positivo sobre a vida, a história e a presença de Deus. Com sua humildade e sua confiança, Nossa Senhora nos ensina a guardar e meditar no coração os sinais da verdadeira alegria, aquela que não passa, porque fundada no amor de Deus.
Em um tempo em que também os jovens buscam luz e sentido, as palavras de Dom Bosco permanecem atuais: “Se quiserem ser felizes, pratiquem a devoção a Maria Santíssima”. As “Sete alegrias” são, então, uma pequena escada para o céu, um rosário de luz que une a terra ao coração da Mãe celeste.

Aqui está também o texto original retirado de “O jovem instruído na prática de seus deveres religiosos”, 1952 (pp. 230-231), com nossos títulos.

As sete alegrias que Maria desfruta no Céu

1. Pureza cultivada
Alegrai-vos, ó Esposa imaculada do Espírito Santo, por aquele gozo que experimentais agora no Paraíso, porque por vossa humildade, pureza e virgindade fostes exaltada acima de todos os Anjos e sublimada além de todos os santos.
Ave Maria e Glória.

2. Sabedoria buscada
Alegrai-vos, ó Mãe de Deus, por aquele gozo que experimentais no Paraíso, porque da mesma forma que o sol cá na terra ilumina o mundo inteiro, assim vós com vosso resplendor embelezais e fazeis resplandecer todo o Paraíso.
Ave Maria e Glória.

3. Obediência filial
Alegrai-vos, ó Filha de Deus, pela sublime dignidade a que fostes exaltada no Paraíso, porque todas as Hierarquias dos Anjos, dos Arcanjos, dos Tronos, das Dominações e de todos os Espíritos Bem-Aventurados vos prestam honra e reverência e vos reconhecem como Mãe de seu Criador, e ao menor aceno vosso, vos prestam imediata obediência.
Ave Maria e Glória.

4. Oração contínua
Alegrai-vos, ó Serva da Santíssima Trindade, pelo grande poder que tendes no Paraíso, porque vos são imediatamente concedidas todas as graças que pedis ao vosso Filho Jesus, de tal sorte que, diz São Bernardo, não se concede nenhuma graça aos homens, sem que antes passe por vossas mãos santíssimas.
Ave Maria e Glória.

5. Humildade vivida
Alegrai-vos, ó Augustíssima Rainha, porque só vós merecestes sentar à direita do vosso Santíssimo Filho, que está assentado à direita do Eterno Pai.
Ave Maria e Glória.

6. Misericórdia praticada
Alegrai-vos, ó Esperança dos pecadores, Refúgio dos atribulados, ao ver que todos os que vos louvam e veneram neste mundo são premiados pelo Eterno Pai com a sua santa graça na terra e com a sua imensa glória no céu.
Ave Maria e Glória.

7. Esperança premiada
Alegrai-vos, ó Mãe, Filha e Esposa de Deus, porque todas as graças, todos os gozos, todas as alegrias e todos os privilégios que agora gozais no Paraíso não diminuirão jamais; antes, aumentarão até ao dia do juízo e durarão por toda a eternidade.
Ave Maria e Glória.

Oração à beatíssima Virgem
Ó gloriosa Virgem Maria, Mãe do meu Senhor, fonte de todas as nossas consolações, por estas vossas alegrias, que recordei com a maior devoção que me foi possível, rogo-vos me alcanceis de Deus a remissão dos meus pecados e o auxílio contínuo de sua graça, para que nunca me torne indigno da vossa proteção, mas pelo contrário tenha a dita de receber todos os favores celestes que costumais alcançar e conceder aos que fazem devota comemoração destas alegrias, que inundam o vosso belo Coração, ó Rainha imortal do Céu. Assim seja.

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O oratório festivo de Valdocco

Em 1935, após a canonização de Dom Bosco em 1934, os salesianos tiveram o cuidado de coletar testemunhos sobre ele. Um tal Pedro Pons, que quando menino tinha frequentado o oratório festivo de Valdocco por cerca de dez anos (de 1871 a 1882) e que também tinha frequentado dois anos de escola primária (com salas de aula sob a Basílica de Maria Auxiliadora), no dia 8 de novembro deu um belo testemunho daqueles anos. Extraímos dele algumas passagens, quase todas inéditas.

A figura de Dom Bosco
Ele era o centro de atração de todo o Oratório. É assim que o nosso ex-oratoriano Pedro Pons se lembra dele no final dos anos 1970: “Ele não tinha mais vigor, mas estava sempre calmo e sorridente. Tinha dois olhos que perfuravam e penetravam a mente. Comparecia entre nós: era uma alegria para todos”. O P. Rua, o P. Lazzero estavam ao seu lado como se tivessem o Senhor no meio deles. O P. Barberis e todos os rapazes corriam em sua direção, cercando-o, alguns andando ao seu lado, outros atrás dele com o rosto voltado para ele. Era uma sorte, um privilégio cobiçado poder estar perto dele, conversar com ele. Ele passeava devagar, conversando e olhando para todos, com aqueles dois olhos que se voltavam para todos os lados, eletrizando os corações com alegria”.
Entre os episódios que ficaram gravados em sua mente 60 anos depois, ele se lembra de dois em particular: “Um dia… ele apareceu sozinho na porta da frente do santuário. Então, um bando de meninos correu para encontrá-lo como uma rajada de vento. Mas ele segura na mão o guarda-chuva, que tem um cabo e uma haste tão grossa como a dos camponeses. Ele o levanta e, usando-o como uma espada, faz malabarismos para repelir aquele ataque afetuoso, ora para a direita, ora para a esquerda, para abrir a passagem. Toca um com a ponta, outro para o lado, mas, enquanto isso, os outros se aproximam pelo outro lado. Assim, o jogo, a brincadeira continua, alegrando os corações, ansiosos por ver o bom Pai voltar de sua viagem. Ele parecia um pároco de aldeia, mas daqueles bem simples”.

Os jogos e o teatrinho
É impensável um oratório salesiano sem jogos. O ex-aluno idoso recorda: “O pátio era ocupado por um prédio, a igreja de Maria Auxiliadora e no final de um muro baixo… no canto esquerdo havia uma espécie de cabana, onde sempre havia alguém para vigiar quem entrava… Logo na entrada à direita, havia um balanço com um único assento, depois as barras paralelas e a barra fixa para os meninos maiores, que gostavam de dar piruetas e cambalhotas, e também o trapézio e o passo do gigante, que ficavam, porém, perto das sacristias, além da capela de São José”. E ainda: “Esse pátio era bem comprido e se prestava muito bem as corridas de velocidade que partiam da lateral da igreja e retornavam para lá no caminho de volta. Também se brincava com “prende e solta”, corridas de sacos e quebra-pote. Esses últimos jogos eram anunciados desde o domingo anterior. O mesmo acontecia com o pau de sebo, mas o pau era fincado com a ponta fina na parte inferior para que fosse mais difícil subir. Havia loterias, e o bilhete custava um ou dois centavos. Dentro da casinha havia uma pequena biblioteca em um armário”.

O jogo era acompanhado pelo famoso “teatrinho”, no qual eram apresentados dramas autênticos, como “O filho do cruzado”, as canções de Dom Cagliero e os “musicais”, como o Sapateiro, personificado pelo lendário Carlos Gastini [um brilhante animador dos ex-alunos]. A peça, assistida gratuitamente pelos pais, era realizada no salão sob a nave da igreja de Maria A., mas o antigo oratoriano também lembra que “uma vez foi apresentada na casa Moretta [atual igreja paroquial perto da praça]. As pessoas pobres viviam lá na mais miserável pobreza. Nos porões que podem ser vistos sob a varanda, havia uma mãe pobre que, ao meio-dia, levava nos ombros seu filho Carlos, cujo corpo era rígido por causa de uma doença, a fim de poder tomar sol”.

As funções religiosas e as reuniões formativas
No oratório festivo não faltavam as funções religiosas nas manhãs de domingo: Santa Missa com a Sagrada Comunhão, orações do bom cristão; à tarde, seguia-se a recreação, o catecismo e a pregação do P. Júlio Barberis. Já idoso, “Dom Bosco nunca vinha para rezar a missa ou pregar, mas apenas para visitar e entreter-se com os meninos durante o recreio… Os catequistas e assistentes levavam seus alunos com eles para a igreja durante as funções e lhes ensinavam o catecismo. A pequena pregação era feita para todos. Exigia-se que a lição fosse memorizada em cada festa e também a explicação”. As festas solenes terminavam com uma procissão e um lanche para todos: “Ao sair da igreja depois da missa, havia um lanche. Um jovem à direita, do lado de fora da porta, dava o pão, outro à esquerda colocava duas fatias de salame com um garfo”. Aqueles meninos se contentavam com pouco, mas estavam muito felizes. Quando os meninos internos se juntavam aos oratorianos para cantar as vésperas, suas vozes podiam ser ouvidas na Rua Milão e na Rua Corte de Apelação!
As reuniões formativas do grupo também eram realizadas no oratório festivo. Na casinha perto da igreja de São Francisco, havia “uma sala pequena e baixa com capacidade para cerca de vinte pessoas… Na sala havia uma pequena mesa para o palestrante, havia bancos para as reuniões e conferências para os mais crescidos em geral e para a Companhia de São Luís, quase todos os domingos”.

Quem eram os oratorianos?
De seus cerca de 200 companheiros – mas seu número diminuía no inverno devido ao retorno dos trabalhadores sazonais para suas famílias – nosso alegre senhor lembrava que muitos eram de Biella “quase todos ‘bic’, ou seja, carregavam o balde de madeira cheio de cal e o cesto de vime cheio de tijolos para os pedreiros das construções”. Outros eram “aprendizes de pedreiros, mecânicos, funileiros”. Pobres aprendizes: trabalhavam da manhã à noite, todos os dias, e somente aos domingos podiam se dar ao luxo de um pouco de recreação “na casa de Dom Bosco” (como era chamado seu oratório): “Brincávamos de “Elefante voa”, sob a direção do então Sr. Milanesio [um futuro padre que foi um grande missionário na Patagônia]. O senhor Ponzano, mais tarde padre, era professor de ginástica. Ele nos obrigava a fazer exercícios corporais sem instrumentos, com bastões, em aparelhos”.
As lembranças de Pedro Pons são muito mais amplas, tão ricas em sugestões distantes quanto permeadas por uma sombra de nostalgia; elas esperam para serem conhecidas em sua totalidade. Esperamos que isso aconteça em breve.




Dom Bosco e as procissões eucarísticas

Um aspecto pouco conhecido, mas importante, do carisma de São João Bosco são as procissões eucarísticas. Para o santo dos jovens, a Eucaristia não era apenas uma devoção pessoal, mas uma ferramenta pedagógica e um testemunho público. Em uma Turim em transformação, Dom Bosco viu nas procissões uma oportunidade para fortalecer a fé dos jovens e anunciar Cristo nas ruas. A experiência salesiana, que se espalhou pelo mundo, mostra como a fé pode se encarnar na cultura e responder aos desafios sociais. Ainda hoje, vividas com autenticidade e abertura, essas procissões podem se tornar sinais proféticos de fé.

Quando se fala de São João Bosco (1815-1888), pensa-se imediatamente em seus oratórios populares, na paixão educativa pelos jovens e na família salesiana nascida de seu carisma. Menos conhecido, mas não menos decisivo, é o papel que a devoção eucarística — e em particular as procissões eucarísticas — teve em sua obra. Para Dom Bosco, a Eucaristia não era apenas o coração da vida interior; constituía também uma poderosa ferramenta pedagógica e um sinal público de renovação social em uma Turim em rápida transformação industrial. Revisitar a ligação entre o santo dos jovens e as procissões com o Santíssimo significa entrar em um laboratório pastoral onde liturgia, catequese, educação cívica e promoção humana se entrelaçam de maneira original e, por vezes, surpreendente.

As procissões eucarísticas no contexto do século XIX
Para compreender Dom Bosco, é preciso lembrar que o século XIX italiano viveu um intenso debate sobre o papel público da religião. Após a época napoleônica e o movimento do “Ressurgimento” [Unificação], as manifestações religiosas nas ruas das cidades não eram mais garantidas: em muitas regiões, delineava-se um estado liberal que olhava com desconfiança qualquer expressão pública do catolicismo, temendo aglomerações em massa ou ressurgimentos “reacionários”. As procissões eucarísticas, no entanto, mantinham uma força simbólica muito poderosa: lembravam o senhorio de Cristo sobre toda a realidade e, ao mesmo tempo, faziam emergir uma Igreja popular, visível e encarnada nos bairros. Contra esse pano de fundo, destaca-se a obstinação de Dom Bosco, que nunca desistiu de acompanhar seus jovens no testemunho da fé fora dos muros do oratório, fossem as avenidas de Valdocco ou as áreas rurais ao redor.

Desde os anos de formação no seminário de Chieri, João Bosco desenvolveu uma sensibilidade eucarística de sabor “missionário”. As crônicas contam que ele frequentemente parava na capela, após as aulas, para longas orações diante do sacrário. Nas “Memórias do Oratório”, ele mesmo reconhece ter aprendido com seu diretor espiritual, o P. Cafasso, o valor de “fazer-se pão” para os outros: contemplar Jesus que se doa na Hóstia significava, para ele, aprender a lógica do amor gratuito. Essa linha atravessa toda a sua trajetória: “Mantenham-se amigos de Jesus sacramentado e Maria Auxiliadora”, repetia aos jovens, indicando a comunhão frequente e a adoração silenciosa como pilares de um caminho de santidade laical e cotidiana.

O oratório de Valdocco e as primeiras procissões internas
Nos primeiros anos da década de 1840, o oratório de Turim ainda não possuía uma igreja propriamente dita. As celebrações aconteciam em barracas de madeira ou pátios adaptados. Dom Bosco, no entanto, não desistiu de organizar pequenas procissões internas, quase “ensaios gerais” daquilo que se tornaria uma prática estável. Os jovens carregavam velas e estandartes, cantavam louvores marianos e, ao final, paravam ao redor de um altar improvisado para a bênção eucarística. Essas primeiras tentativas tinham uma função eminentemente pedagógica: acostumar os jovens a uma participação devota, mas alegre, unindo disciplina e espontaneidade. Na Turim operária, onde muitas vezes a miséria desembocava em violência, desfilar ordenadamente com o lenço vermelho no pescoço já era um sinal contra a corrente: mostrava que a fé podia educar ao respeito por si mesmo e pelos outros.

Dom Bosco sabia muito bem que uma procissão não se improvisa: são necessários sinais, cantos, gestos que falem ao coração antes mesmo da mente. Por isso, ele cuidava pessoalmente da explicação dos símbolos. O baldaquino tornava-se a imagem da tenda da congregação, sinal da presença divina que acompanha o povo em caminhada. As flores espalhadas pelo percurso lembravam a beleza das virtudes cristãs que devem adornar a alma. Os lampiões, indispensáveis nas saídas noturnas, aludiam à luz da fé que ilumina as trevas do pecado. Cada elemento era objeto de uma pequena “pregação” convivencial no refeitório ou na recreação, de modo que a preparação logística se entrelaçasse com a catequese sistemática. O resultado? Para os jovens, a procissão não era um dever ritual, mas uma ocasião festiva carregada de significado.

Um dos aspectos mais característicos das procissões salesianas era a presença da banda formada pelos próprios alunos. Dom Bosco considerava a música um antídoto contra o ócio e, ao mesmo tempo, uma poderosa ferramenta de evangelização: “Uma marcha alegre bem executada — escrevia — atrai as pessoas como o ímã atrai o ferro”. A banda precedia o Santíssimo, alternando peças sacras com árias populares adaptadas com textos religiosos. Esse “diálogo” entre fé e cultura popular reduzia as distâncias com os transeuntes e criava ao redor da procissão uma aura de festa compartilhada. Não poucos cronistas leigos testemunharam ter sido “intrigados” por aquele grupo de jovens músicos disciplinados, tão diferente das bandas militares ou filarmônicas da época.

Procissões como resposta às crises sociais
A Turim do século XIX conheceu epidemias de cólera (1854 e 1865), greves, fomes e tensões anticlericais. Dom Bosco reagiu frequentemente propondo procissões extraordinárias de reparação ou súplica. Durante a cólera de 1854, levou os jovens pelas ruas mais afetadas, recitando em voz alta as ladainhas pelos enfermos e distribuindo pão e remédios. Nesse momento nasceu a promessa — depois cumprida — de construir a igreja de Maria Auxiliadora: “Se Nossa Senhora salvar meus jovens, lhe erguerei um templo”. As autoridades civis, inicialmente contrárias a cortejos religiosos por medo de contágio, tiveram que reconhecer a eficácia da rede de assistência salesiana, alimentada espiritualmente justamente pelas procissões. A Eucaristia, levada entre os doentes, tornava-se assim um sinal tangível da compaixão cristã.

Ao contrário de certos modelos devocionais fechados nas sacristias, as procissões de Dom Bosco reivindicavam um direito de cidadania da fé no espaço público. Não se tratava de “ocupar” as ruas, mas de devolvê-las à sua vocação comunitária. Passar sob as varandas, atravessar praças e pórticos significava lembrar que a cidade não é apenas lugar de troca econômica ou de confronto político, mas sim de encontro fraterno. Por isso, Dom Bosco insistia em uma ordem impecável: capas escovadas, sapatos limpos, filas regulares. Queria que a imagem da procissão comunicasse beleza e dignidade, persuadindo até os observadores mais céticos de que a proposta cristã elevava a pessoa.

A herança salesiana das procissões
Após a morte de Dom Bosco, seus filhos espirituais difundiram a prática das procissões eucarísticas pelo mundo todo: das escolas agrícolas da Emília às missões da Patagônia, dos colégios asiáticos aos bairros operários de Bruxelas. O que importava não era duplicar servilmente um rito piemontês, mas transmitir o núcleo pedagógico: protagonismo juvenil, catequese simbólica, abertura à sociedade ao redor. Assim, na América Latina, os salesianos inseriram danças tradicionais no início do cortejo; na Índia adotaram tapetes de flores segundo a arte local; na África subsaariana alternaram cantos gregorianos a ritmos polifônicos tribais. A Eucaristia tornava-se ponte entre culturas, realizando o sonho de Dom Bosco de “fazer de todos os povos uma única família”.

Sob o ponto de vista teológico, as procissões de Dom Bosco incorporam uma forte visão da presença real de Cristo. Levar o Santíssimo “para fora” significa proclamar que o Verbo não se fez carne para ficar trancado, mas para “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Essa presença pede para ser anunciada em formas compreensíveis, sem se reduzir a um gesto intimista. Em Dom Bosco, a dinâmica centrípeta da adoração (reunir os corações em torno da Hóstia) gera uma dinâmica centrífuga: os jovens, nutridos no altar, sentem-se enviados a servir. Da procissão surgem microcompromissos: assistir um companheiro doente, pacificar uma briga, estudar com mais diligência. A Eucaristia se prolonga nas “procissões invisíveis” da caridade cotidiana.

Hoje, em contextos secularizados ou multirreligiosos, as procissões eucarísticas podem levantar questionamentos: ainda são comunicativas? Não correm o risco de parecer folclore nostálgico? A experiência de Dom Bosco sugere que a chave está na qualidade relacional mais do que na quantidade de incenso ou paramentos. Uma procissão que envolve famílias, explica os símbolos, integra linguagens artísticas contemporâneas e, sobretudo, se conecta a gestos concretos de solidariedade, mantém uma surpreendente força profética. O recente Sínodo dos Jovens (2018) ressaltou várias vezes a importância de “sair” e “mostrar a fé com a carne”. A tradição salesiana, com sua liturgia itinerante, oferece um paradigma já testado de “Igreja em saída”.

As procissões eucarísticas não eram para Dom Bosco simples tradições litúrgicas, mas verdadeiros atos educativos, espirituais e sociais. Elas representavam uma síntese entre fé vivida, comunidade educativa e testemunho público. Através delas, Dom Bosco formava jovens capazes de adorar, respeitar, servir e testemunhar.
Hoje, em um mundo fragmentado e distraído, resgatar o valor das procissões eucarísticas à luz do carisma salesiano pode ser uma maneira eficaz de reencontrar o sentido do essencial: Cristo presente no meio do seu povo, que caminha com ele, o adora, serve e anuncia.
Em uma época que busca autenticidade, visibilidade e relações, a procissão eucarística – se vivida segundo o espírito de Dom Bosco – pode ser um sinal poderoso de esperança e renovação.

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Patagônia: “O maior empreendimento de nossa Congregação”

Assim que chegaram à Patagônia, os Salesianos – liderados por Dom Bosco – buscaram obter um Vicariato Apostólico que garantisse autonomia pastoral e apoio da Propaganda Fide. Entre 1880 e 1882, repetidos pedidos a Roma, ao presidente argentino Roca e ao arcebispo de Buenos Aires foram frustrados por distúrbios políticos e desconfianças eclesiásticas. Missionários como Rizzo, Fagnano, Costamagna e Beauvoir percorriam o Río Negro, o Colorado e até o lago Nahuel-Huapi, estabelecendo presenças entre índios e colonos. A virada aconteceu em 16 de novembro de 1883: um decreto criou o Vicariato da Patagônia Setentrional, confiado a dom Giovanni Cagliero, e a Prefeitura Meridional, liderada por dom Giuseppe Fagnano. A partir desse momento, a obra salesiana se enraizou «no fim do mundo», preparando sua futura florescência.

            Os salesianos tinham acabado de chegar à Patagônia quando Dom Bosco, em 22 de março de 1880, voltou a pedir às várias Congregações romanas e ao próprio Papa Leão XIII a ereção de um Vicariato ou Prefeitura da Patagônia com sede em Carmen, que abrangeria as colônias já estabelecidas ou que estavam sendo organizadas às margens do Rio Negro, do paralelo 36° ao 50° de latitude sul. Carmen poderia ter se tornado “o centro das missões salesianas entre os índios”.
            Mas as desordens militares na época da eleição do General Roca como Presidente da República (maio-agosto de 1880) e a morte do inspetor salesiano P. Francisco Bodrato (agosto de 1880) fizeram com que os planos fossem suspensos. Dom Bosco também insistiu com o Presidente em novembro, mas sem sucesso. O Vicariato não era desejado pelo arcebispo nem apreciado pela autoridade política.
            Poucos meses depois, em janeiro de 1881, Dom Bosco encorajou o recém-nomeado Inspetor P. Tiago Costamagna a ocupar-se do Vicariato na Patagônia e assegurou ao pároco-diretor P. Fagnano que, em relação à Patagônia – “o maior empreendimento da nossa Congregação” – uma grande responsabilidade logo recairia sobre ele. Mas o impasse permaneceu.
            Enquanto isso, na Patagônia, o P. Emilio Rizzo, que em 1880 havia acompanhado o vigário de Buenos Aires, Dom Espinosa, ao longo do Rio Negro até Roca (50 km), com outros salesianos estava se preparando para outras missões móveis ao longo do mesmo rio. O P. Fagnano pôde então acompanhar o exército até a Cordilheira em 1881. Dom Bosco, impaciente, se agitava e o P. Costamagna, em novembro de 1881, aconselhou-o novamente a negociar diretamente com Roma.
            Por sorte, Dom Espinosa chegou à Itália no final de 1881; Dom Bosco aproveitou a oportunidade para informar por seu intermédio ao Arcebispo de Buenos Aires, que em abril de 1882 pareceu favorável ao projeto de um Vicariato confiado aos salesianos. Mais do que tudo, talvez pela impossibilidade de atender a região com seu clero. Mas, mais uma vez, não fez nada.
            No verão de 1882 e depois novamente em 1883, o P. Beauvoir acompanhou o exército até o lago Nahuel-Huapi nos Andes (880 km); outros salesianos fizeram excursões apostólicas semelhantes em abril ao longo do Rio Colorado, enquanto o P. Beauvoir voltava a Roca e em agosto o P. Milanesio foi até Ñorquín no Neuquén (900 km).
            Dom Bosco estava cada vez mais convencido de que, sem um Vicariato Apostólico próprio, os salesianos não teriam a necessária liberdade de ação, dadas as relações muito difíceis que tivera com o arcebispo de Turim e também levando em conta que o próprio Concílio Vaticano I não decidira nada sobre as relações nada fáceis entre os Ordinários e os superiores das Congregações religiosas nos territórios de missão. Além disso, e não era pouca coisa, somente um Vicariato missionário poderia receber apoio financeiro da Congregação da Propaganda Fide.
            Portanto, Dom Bosco retomou seus esforços, apresentando à Santa Sé a proposta de subdivisão administrativa da Patagônia e da Terra do Fogo em três Vicariatos ou Prefeituras: do Rio Colorado ao Rio Chubut, deste ao Rio Santa Cruz, e deste às ilhas da Terra do Fogo, incluindo as Malvinas (Falklands).
            O Papa Leão XIII concordou alguns meses depois e lhe pediu os nomes. Dom Bosco sugeriu então ao Cardeal Simeoni a criação de um único Vicariato para o norte da Patagônia, com sede em Carmen, do qual dependeria uma Prefeitura Apostólica para o sul da Patagônia. Para esta última, propôs o P. Fagnano; para o Vicariato, o P. Cagliero ou o P. Costamagna.

Um sonho que se torna realidade
            Em 16 de novembro de 1883, um decreto da Propaganda Fide erigiu o Vicariato Apostólico da Patagônia Setentrional e Central, que incluía o sul da província de Buenos Aires, os territórios nacionais de La Pampa central, Rio Negro, Neuquén e Chubut. Quatro dias depois, ele a confiou ao P. Cagliero como Provigário Apostólico (e mais tarde Vigário Apostólico). Em 2 de dezembro de 1883, foi a vez de Fagnano ser nomeado Prefeito Apostólico da Patagônia chilena, do território chileno de Magalhães-Punta Arenas, do território argentino de Santa Cruz, das Ilhas Malvinas e das ilhas indefinidas que se estendiam até o Estreito de Magalhães. Eclesiasticamente, a Prefeitura abrangia áreas pertencentes à diocese chilena de São Carlos de Ancud.
            O sonho da famosa viagem de trem de Cartagena, na Colômbia, a Punta Arenas, no Chile, em 10 de agosto de 1883, estava começando a se tornar realidade, tanto mais que alguns salesianos de Montevidéu, no Uruguai, tinham vindo fundar a casa de Niterói, no Brasil, no início de 1883. O longo processo para poder dirigir uma missão com plena liberdade canônica havia chegado ao fim. Em outubro de 1884, o P. Cagliero seria nomeado Vigário Apostólico da Patagônia, aonde chegaria em 8 de julho, sete meses após sua consagração episcopal em Valdocco, em 7 de dezembro de 1884.

A sequência
            Embora em meio a dificuldades de todos os tipos que a história recorda – inclusive acusações e calúnias – a obra salesiana, desde aqueles tímidos começos, desenvolveu-se rapidamente na Patagônia argentina e chilena. Criou raízes principalmente em centros muito pequenos de índios e colonos, que hoje se tornaram vilas e cidades. Monsenhor Fagnano se estabeleceu em Punta Arenas (Chile) em 1887, de onde pouco tempo depois iniciou missões nas ilhas da Terra do Fogo. Dedicados e competentes, os missionários gastaram generosamente suas vidas em ambos os lados do Estreito de Magalhães “para a salvação das almas” e até mesmo dos corpos (na medida de suas possibilidades) dos habitantes daquelas terras “lá embaixo, no fim do mundo”. Muitos reconheceram esse fato, entre eles uma pessoa que sabe disso, porque ele mesmo veio “quase do fim do mundo”: o Papa Francisco.

Foto de época: os três Bororòs que acompanharam os missionários salesianos a Cuyabà (1904)