Coroa das sete dores de Maria

A publicação “Coroa das sete dores de Maria” representa uma devoção querida que São João Bosco incutia em seus jovens. Seguindo a estrutura da “Via Crucis” [Via Sacra], as sete cenas dolorosas são apresentadas com breves considerações e orações, para guiar a uma participação mais viva nos sofrimentos de Maria e de seu Filho. Rico em imagens afetivas e espiritualidade contrita, o texto reflete o desejo de unir-se a Nossa Senhora das Dores na compaixão redentora. As indulgências concedidas por vários Pontífices atestam o alto valor pastoral do texto, que é um pequeno tesouro de oração e reflexão, para alimentar o amor pela Mãe das dores.

Prólogo
O principal objetivo desta pequena obra é facilitar a lembrança e a meditação das amarguradíssimas dores do terno Coração de Maria, algo que a Ela é muito agradável, como revelou várias vezes a seus devotos, e um meio muito eficaz para nós obtermos seu patrocínio.
Para tornar mais fácil o exercício de tal meditação, praticar-se-á primeiramente com uma coroa na qual são indicadas as sete principais dores de Maria, que poderão ser meditadas em sete breves considerações distintas, do modo como se costuma fazer na Via Sacra.
Que o Senhor nos acompanhe com sua graça celestial e bênção para que se alcance o intento desejado, de modo que a alma de cada um fique vivamente penetrada pela frequente memória das dores de Maria, com proveito espiritual da alma, e tudo para maior glória de Deus.

Coroa das sete dores da Bem-Aventurada Virgem Maria com sete breves considerações sobre as mesmas expostas na forma da Via Sacra

Preparação
Queridos irmãos e irmãs em Jesus Cristo, fazemos nossos habituais exercícios meditando devotamente as amarguradíssimas dores que a Bem-Aventurada Virgem Maria sofreu na vida e morte de seu amado Filho e nosso Divino Salvador. Imaginemo-nos presentes a Jesus pendente na cruz, e que sua aflita mãe diga a cada um de nós: Venham e vejam se há uma dor igual à minha.
Convencidos de que esta Mãe piedosa quer nos conceder proteção especial ao meditarmos suas dores, invoquemos a ajuda divina com as seguintes orações:

Antífona: Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus fiéis e acende neles o fogo do teu amor.

Envia o teu Espírito e tudo será criado,
e renovarás a face da terra.
Lembra-te da tua Congregação,
que possuías desde o princípio.
Senhor, escuta a minha oração,
e chegue a ti o meu clamor.

Oremos.
Ilumina, Senhor, nossas mentes com a luz da tua claridade, para que possamos ver o que deve ser feito e agir corretamente. Por Cristo nosso Senhor. Amém.

Primeira dor. Profecia de Simeão
A primeira dor foi quando a Santa Virgem, Mãe de Deus, tendo apresentado seu Filho no Templo, o depôs nos braços do santo velho Simeão, que lhe disse: A espada da dor traspassará a tua alma: o que significa a Paixão e Morte de seu Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem dolorosa, por aquela agudíssima espada com que o santo velho Simeão te predisse que tua alma seria traspassada na paixão e morte do teu querido Jesus, suplico-te que me concedas a graça de ter sempre presente a memória do teu coração traspassado e das amarguradíssimas penas sofridas por teu Filho para minha salvação. Assim seja.

Segunda dor. Fuga para o Egito
A segunda dor foi quando a Santa Virgem se viu obrigada a fugir para o Egito a fim de evitar a perseguição do cruel Herodes, que impiamente procurava dar a morte a seu amado Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Maria, mar amarguíssimo de lágrimas, por aquela dor que sentiste fugindo para o Egito para proteger teu Filho da bárbara crueldade de Herodes, suplico que sejas minha guia, para que, por teu intermédio, eu fique livre das perseguições dos inimigos visíveis e invisíveis da minha alma. Assim seja.

Terceira dor. Perda de Jesus no templo
A terceira dor da Bem-Aventurada Virgem foi quando, pelo tempo da Páscoa, depois de ter estado com o seu esposo José e com o seu amado filho Jesus em Jerusalém, de volta à sua pobre casa, perdeu o seu divino Filho e por três dias seguidos o procurou, lamentando a perda de seu único amor.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Mãe desconsolada, tu que na perda da presença corporal de teu Filho o procuraste ansiosamente por três dias seguidos, rogo-te que obtenhas a graça para todos os pecadores, para que também eles o procurem com atos de contrição e o encontrem. Assim seja.

Quarta dor. Encontro de Jesus carregando a cruz
A quarta dor da Santa Virgem foi quando encontrou seu dulcíssimo Filho Jesus, que carregava uma pesada cruz, em seus ombros delicados, até ao Monte Calvário, para ser crucificado pela nossa salvação.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem mais apaixonada do que todas, por aquele sofrimento que sentiste no coração ao encontrar teu Filho enquanto ele carregava o madeiro da Santíssima Cruz rumo ao Monte Calvário, peço-te que eu o acompanhe continuamente com o pensamento, chore meus pecados, causa manifesta dos seus e dos teus tormentos. Assim seja.

Quinta dor. Crucificação de Jesus
A quinta dor da Santa Virgem foi quando viu seu Filho Jesus suspenso sobre o duro madeiro da Cruz, vertendo sangue de todo o seu Santíssimo Corpo e morrendo depois de três horas de agonia.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Rosa entre os espinhos, por aquelas dores amargas que traspassaram teu peito ao ver com teus próprios olhos teu Filho traspassado e elevado na Cruz, obtém para mim, peço-te, que eu busque com meditações assíduas somente Jesus crucificado por causa dos meus pecados. Assim seja.

Sexta dor. Deposição de Jesus da cruz
A sexta dor da Santa Virgem foi quando seu amado Filho Jesus, depois de ter sido traspassado no peito com um golpe de lança e despregado da cruz, foi deposto em seu santo regaço.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Virgem aflita, tu que acolheste teu Filho morto no colo, vencido pela Cruz, e beijando aquelas santíssimas feridas, derramaste sobre elas um mar de lágrimas, rogo-te que eu também lave continuamente com lágrimas de verdadeiro arrependimento as feridas mortais que meus pecados te causaram. Assim seja.

Sétima dor. Sepultamento de Jesus
A sétima e última dor da Santa Virgem, Senhora e Advogada dos seus servos e dos pobres pecadores, foi quando viu sepultado o Corpo Santíssimo de seu Filho Jesus.
Um Pai-Nosso e sete Ave-Marias.

Oração
Ó Mártir dos Mártires, Maria, por aquele tormento amargo que sofreste quando, sepultado teu Filho, tiveste que afastar-te daquele túmulo amado, concede graça, peço-te, a todos os pecadores, para que conheçam o quanto é grave dano para a alma estar longe de seu Deus. Assim seja.

Digam-se em seguida três Ave-Marias em sinal de profundo respeito às lágrimas que a Santíssima Virgem derramou nas suas Dores, a fim de impetrar uma verdadeira dor dos nossos pecados e para ganhar as santas indulgências.
Ave Maria etc.

Terminada a Coroa, recita-se o pranto da Bem-Aventurada Virgem, ou seja, o hino Stabat Mater etc.

Hino – Pranto da Bem-Aventurada Virgem Maria

Stabat Mater dolorosa
Iuxta crucem lacrymosa,
Dum pendebat Filius.

Cuius animam gementem
Contristatam et dolentem
Pertransivit gladius.

O quam tristis et afflicta
Fuit illa benedicta
Mater unigeniti!

Quae moerebat, et dolebat,
Pia Mater dum videbat.
Nati poenas inclyti.

Quis est homo, qui non fleret,
Matrem Christi si videret
In tanto supplicio?

Quis non posset contristari,
Christi Matrem contemplari
Dolentem cum filio?

Pro peccatis suae gentis
Vidit Iesum in tormentis
Et flagellis subditum.

Vidit suum dulcem natura
Moriendo desolatum,
Dum emisit spiritum.

Eia mater fons amoris,
Me sentire vim doloris
Fac, ut tecum lugeam.

Fac ut ardeat cor meum
In amando Christum Deum,
Ut sibi complaceam.

Sancta Mater istud agas,
Crucifixi fige plagas
Cordi meo valide.

Tui nati vulnerati
Tam dignati pro me pati
Poenas mecum divide.

Fac me tecum pie flere,
Crucifixo condolere,
Donec ego vixero.

Iuxta Crucem tecum stare,
Et me tibi sociare
In planctu desidero.

Virgo virginum praeclara,
Mihi iam non sia amara,
Fac me tecum plangere.

Fac ut portem Christi mortem,
Passionis fac consortem,
Et plagas recolere.

Fac me plagis vulnerari,
Fac me cruce inebriari,
Et cruore Filii.

Flammis ne urar succensus,
Per te, Virgo, sim defensus
In die Iudicii.

Christe, cum sit hine exire,
Da per matrem me venire
Ad palmam victoriae.

Quando corpus morietur,
Fac ut animae donetur
Paradisi gloria. Amen.

Estava a mãe dolorosa
junto da cruz, lacrimosa,
via o filho que pendia.

Na sua alma gemia,
contristada e dolorida
por um gládio transpassada.

Oh! Quão triste e aflita
entre todas, Mãe bendita,
que só tinha aquele Filho.

Quanta angústia não sentia,
Mãe piedosa quando via
as penas do Filho seu.

Quem não chora vendo isso:
contemplando a Mãe de Cristo
num suplício tão enorme?

Quem haverá que resista
se a Mãe assim se contrista
padecendo com seu Filho?

Por culpa de sua gente
Viu Jesus inocente,
Ao flagelo submetido.

Vê agora o seu amado
pelo Pai abandonado,
entregando seu espírito.

Faze, ó Mãe, fonte de amor
que eu sinta o espinho da dor,
para contigo chorar.

Faze arder meu coração
do Cristo Deus na paixão
para que o possa agradar.

Ó Santa Mãe, dá-me isto,
trazer as chagas de Cristo
gravadas no coração.

Do teu filho que por mim
entrega-se a morte assim,
divide as penas comigo.

Oh! Dá-me enquanto viver,
com Cristo compadecer,
chorando sempre contigo.

Junto à cruz eu quero estar,
quero o meu pranto juntar
às lágrimas que derramas.

Virgem, que às virgens aclara,
não sejas comigo avara,
dá-me contigo chorar.

Traga em mim do Cristo a morte,
da Paixão seja consorte,
suas chagas celebrando.

Por elas seja eu rasgado,
pela cruz inebriado,
pelo sangue de teu Filho.

No Julgamento consegue,
que às chamas não seja entregue
quem por ti é defendido.

Quando do mundo eu partir,
dai-me, ó Cristo, conseguir
por tua Mãe a vitória.

Quando meu corpo morrer,
possa a alma merecer
do Reino Celeste, a glória. Amém.

O Sumo Pontífice Inocêncio XI concede indulgência de 100 dias toda vez que se reza o Stabat Mater. Bento XIII concedeu indulgência de sete anos a quem rezar a Coroa das sete dores de Maria. Muitas outras indulgências foram concedidas por outros sumos Pontífices, especialmente aos Confrades e Coirmãs da Companhia de Maria Dolorosa.

As sete dores de Maria meditadas na forma da Via Crucis

Invoque-se a ajuda divina dizendo:
Actiones nostras, quaesumus, Domine, aspirando praeveni, et adiuvando prosequere, ut cuncta nostra oratio et operatio a te semper incipiat, et per te coepta finiatur. Per Christum Dominum Nostrum. Amen. [Inspirai, Senhor, todas as nossas ações e orações, e ajudai-nos a realizá-las, para que em Vós comece e para Vós termine tudo aquilo que fizermos. Por Cristo, Senhor nosso. Amém.]

Ato de Contrição
Virgem muitíssimo aflita, ai! quão ingrato fui no tempo passado para com meu Deus, com quanta ingratidão correspondi aos seus inúmeros benefícios! Agora me arrependo, e na amargura do meu coração e no pranto da minha alma, peço humildemente a Ele perdão por ter ultrajado sua infinita bondade, estando decidido no futuro, com a graça celestial, a nunca mais ofendê-lo. Ah! por todas as dores que suportastes na bárbara paixão do vosso amado Jesus, peço-vos com os mais profundos suspiros que me obtenhais do mesmo, piedade e misericórdia dos meus pecados. Aceitai este santo exercício que estou para fazer e recebei-o em união com aquelas penas e dores que Vós sofrestes por vosso filho Jesus. Ah, concedei-me! sim, concedei-me que aquelas mesmas espadas que traspassaram o vosso espírito, atravessem também o meu, e que eu viva e morra na amizade do meu Senhor, para participar eternamente da glória que Ele me conquistou com seu precioso Sangue. Assim seja.

Primeira dor
Nesta primeira dor, imaginemo-nos no templo de Jerusalém, onde a Bem-Aventurada Virgem ouviu a profecia do velho Simeão.

Meditação
Ah! Que angústias terá sentido o coração de Maria ao ouvir as dolorosas palavras com que lhe foi predita pelo Santo velho Simeão a amarga paixão e a atroz morte do seu dulcíssimo Jesus: enquanto naquele mesmo instante lhe surgiram à mente os ultrajes, os tormentos e as carnificinas que os ímpios judeus fariam ao Redentor do mundo. Mas sabes qual foi a espada mais penetrante que a traspassou nessa circunstância? Foi considerar a ingratidão com que seu amado Filho seria retribuído pelos homens. Agora, refletindo que, por causa dos teus pecados, estás miseravelmente entre esses tais, ah! lança-te aos pés desta Mãe Dolorosa e dize chorando assim (todos se ajoelham): Ah! Virgem piedosíssima, que sentistes tão amarga dor no vosso espírito ao ver o abuso que eu, criatura indigna, teria feito do sangue do vosso amável Filho, fazei, sim fazei por vosso aflito Coração, que eu no futuro corresponda às Divinas Misericórdias, aproveite as graças celestiais, não receba em vão tantas luzes e inspirações que Vós vos dignareis obter para mim, para que eu tenha a sorte de estar entre aqueles para quem a amarga paixão de Jesus seja de salvação eterna. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Segunda dor
Nesta segunda dor, consideremos a dolorosíssima viagem que a Virgem fez ao Egito para libertar Jesus da cruel perseguição de Herodes.

Meditação
Considera a amarga dor que Maria terá sentido quando, à noite, teve que partir por ordem do Anjo para preservar seu Filho da matança ordenada por aquele feroz Príncipe. Ah! que a cada grito de animal, a cada sopro de vento, a cada movimento de folha que ouvia por aquelas estradas desertas, se enchia de medo temendo algum infortúnio para o menino Jesus que levava consigo. Ora se voltava para um lado, ora para o outro, ora apressava o passo, ora se escondia crendo ter sido alcançada pelos soldados, que, arrancando de seus braços seu amabilíssimo Filho, teriam feito sob seus olhos um tratamento bárbaro, e fixando o olhar lacrimoso sobre seu Jesus e apertando-o fortemente ao peito, dando-lhe mil beijos, mandava do coração os suspiros mais angustiados. E aqui reflete quantas vezes renovaste essa amarga dor a Maria, forçando seu Filho com teus graves pecados a fugir da tua alma. Agora que conheces o grande mal cometido, volta-te arrependido a esta piedosa Mãe e dize-lhe assim:
Ah, Mãe dulcíssima! Uma vez Herodes obrigou-vos, com vosso Jesus, a fugir da inumana perseguição por ele ordenada; mas eu, oh! quantas vezes obriguei meu Redentor e, por consequência, também a vós, a partir rapidamente do meu coração, introduzindo nele o maldito pecado, inimigo cruel vosso e do meu Deus. Ah! todo dolorido e contrito vos peço humildemente perdão.
Sim, misericórdia, ó querida Mãe, misericórdia, e prometo-vos no futuro, com a ajuda divina, manter sempre meu Salvador e Vós no total domínio da minha alma. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Terceira dor
Nesta terceira dor, consideremos a Virgem muitíssimo aflita que, lacrimosa, vai à procura do seu Jesus perdido.

Meditação
Quão grande foi a dor de Maria quando percebeu que havia perdido seu amável Filho! E como cresceu sua dor quando, tendo-o procurado diligentemente entre amigos, parentes e vizinhos, não pôde obter nenhuma notícia dele. Ela, não se importando com os incômodos, o cansaço, os perigos, vagou por três dias seguidos pelas regiões da Judeia, repetindo aquelas palavras de desolação: talvez alguém tenha visto aquele que verdadeiramente ama a minha alma? Ah! que a grande ansiedade com que o procurava a fazia imaginar a cada momento vê-lo ou ouvir sua voz; mas, ao se reconhecer frustrada, oh, como se aterrorizava e sentia mais intensamente o pesar por tão deplorável perda! Grande confusão para ti, pecador, que tantas vezes perdeste teu Jesus pelos graves pecados cometidos, e não te preocupaste em procurá-lo, claro sinal de que pouco ou nenhum valor dás ao precioso tesouro da amizade divina. Chora, pois, tua cegueira, e voltando-te a esta Mãe Dolorosa, dize-lhe suspirando assim:
Virgem muitíssimo aflita, fazei que eu aprenda de vós a verdadeira maneira de buscar Jesus que perdi para seguir minhas paixões e as iníquas sugestões do demônio, para que eu consiga encontrá-lo, e quando o tiver recuperado, repetirei continuamente aquelas vossas palavras: Encontrei aquele que verdadeiramente ama meu coração; o guardarei sempre comigo, e nunca mais o deixarei partir. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Quarta dor
Na quarta dor, consideremos o encontro que a Virgem Dolorosa teve com seu Filho apaixonado.

Meditação
Venham, ó corações endurecidos, e vejam se conseguem suportar este espetáculo lacrimoso. É uma mãe, a mais terna, a mais amorosa, que encontra seu Filho, o mais doce, o mais amável; e como o encontra? Oh Deus! no meio da mais ímpia turba que o arrasta cruelmente para a morte, carregado de feridas, pingando sangue, rasgado pelas feridas, com uma coroa de espinhos na cabeça e com um tronco pesado sobre os ombros, ofegante, cansado, exausto, que parece a cada passo querer exalar o último suspiro.
Ah! considera, minha alma, a parada mortal que a Santíssima Virgem faz ao primeiro olhar que fixa sobre seu Jesus atormentado; ela gostaria de lhe dar o último adeus, mas como, se a dor a impede de pronunciar palavra? Gostaria de lançar-se ao seu pescoço, mas fica imóvel e petrificada pela força da aflição interna; gostaria de desabafar com o pranto, mas sente o coração tão apertado e oprimido que não consegue derramar uma lágrima. Oh! e quem pode conter as lágrimas ao ver uma pobre Mãe imersa em tão grande aflição? Mas quem é a causa de tão amarga dor? Ah, sou eu; sim, sou eu com meus pecados que fiz uma ferida tão bárbara ao vosso terno coração, ó Virgem Dolorosa. Porém, quem acreditaria? Permaneço insensível sem me comover. Mas se fui ingrato no passado, no futuro não serei mais.
Enquanto isso, prostrado aos vossos pés, ó Santíssima Virgem, peço humildemente perdão por tanto sofrimento que vos causei. Sei e confesso que não mereço piedade, sendo eu a verdadeira causa de vossa dor ao encontrar vosso Jesus todo coberto de feridas; mas lembrai-vos, sim, lembrai-vos que sois mãe de misericórdia. Ah, mostrai-vos, pois, assim para comigo, que eu vos prometo no futuro ser mais fiel ao meu Redentor, e assim compensar tantos desgostos que causei ao vosso aflito espírito. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Quinta dor
Nesta quinta dor, imaginemo-nos no Monte Calvário onde a Virgem muitíssimo aflita viu seu amado Filho expirar na Cruz.

Meditação
Aqui estamos no Calvário onde já estão erguidos dois altares de sacrifício, um no corpo de Jesus, outro no coração de Maria. Oh espetáculo terrível! Vemos a Mãe afogada num mar de aflições ao ver ser levado à morte cruel o caro e amável fruto de suas entranhas. Ai de mim! Cada martelada, cada ferida, cada rasgo que o Salvador recebe em seu corpo ressoa profundamente no coração da Virgem. Ela está aos pés da Cruz tão penetrada pela dor e transpassada pelo sofrimento que não se sabe quem será o primeiro a expirar, se Jesus ou Maria. Fixa o olhar no rosto agonizante do Filho, considera as pupilas cansadas, o rosto pálido, os lábios lívidos, a respiração difícil e finalmente sabe que Ele não vive mais e que já entregou o espírito no seio do eterno Pai. Ah, então a alma dela faz todo esforço possível para se separar do corpo e unir-se à de Jesus. E quem pode suportar tal visão.
Ó Mãe muitíssimo dolorosa, em vez de se retirar do Calvário para não sentir tão intensamente as angústias, permaneceis imóvel para absorver até a última gota o cálice amargo de vossas aflições. Que confusão deve ser esta para mim que busco todos os meios para evitar as cruzes e os pequenos sofrimentos que, para meu bem, o Senhor se digna enviar-me? Virgem muitíssimo dolorosa, humilho-me diante de vós, ah! fazei que eu conheça claramente o valor e o grande mérito do sofrimento, para que me apegue tanto a ele que nunca me canse de exclamar com São Francisco Xavier: Plus Domine, Plus Domine, mais sofrer, meu Deus. Ah sim, mais sofrer, ó meu Deus. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Sexta dor
Nesta sexta dor, imaginemo-nos vendo a Virgem desconsolada que recebe nos braços o corpo morto de seu Filho, retirado da Cruz.

Meditação
Considera a dor mais amarga que penetrou a alma de Maria quando viu no seu colo o corpo morto do amado Jesus. Ah! ao fixar o olhar nas feridas e nas chagas dele, ao contemplá-lo tingido com seu próprio sangue, foi tal o ímpeto da dor interior que seu coração foi mortalmente traspassado, e se não morreu foi a onipotência divina que a conservou viva. Ó pobre Mãe, sim, pobre mãe, que conduzis ao túmulo o caro objeto de vossas mais ternas complacências, e que de um ramo de rosas se tornou um feixe de espinhos pelos maus-tratos e rasgos feitos pelos ímpios malfeitores. E quem não terá compaixão de vós? Quem não se sentirá dilacerado pela dor ao ver-vos num estado de aflição que comove até a pedra mais dura? Vejo João inconsolável, Madalena com as outras Marias que choram amargamente, Nicodemos que não pode mais suportar a aflição. E eu? Eu sozinho não derramo uma lágrima em meio a tanto sofrimento! Ingrato e ignorante que sou!
Ah! Mãe piedosíssima, aqui estou aos vossos pés, recebei-me sob a vossa poderosa proteção e fazei com que este meu coração seja traspassado por aquela mesma espada que atravessou de parte a parte o vosso aflito espírito, para que se amoleça uma vez e chore verdadeiramente meus graves pecados que vos causaram tão cruel martírio. E assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Sétima dor
Nesta sétima dor, consideremos a Virgem muitíssimo dolorosa que vê seu Filho morto ser sepultado.

Meditação
Considera o suspiro mortal que enviou o aflito coração de Maria quando viu seu amável Jesus ser colocado no túmulo! Oh que dor, que sofrimento sentiu seu espírito quando foi levantada a pedra com que se deveria fechar aquele sacratíssimo monumento! Não era possível afastá-la da borda do sepulcro, enquanto a dor era tal que a tornava insensível e imóvel, sem cessar de contemplar aquelas chagas e aquelas feridas cruéis. Quando então o túmulo foi fechado, oh, então sim, tal foi a força da dor interior que ela teria certamente caído morta se Deus não a tivesse conservado viva. Ó Mãe muitíssimo atribulada! Agora partireis com o corpo deste lugar, mas aqui certamente ficará vosso coração, pois aqui está vosso verdadeiro tesouro. Ah destino, que em companhia dele fique todo nosso afeto, todo nosso amor, como poderá ser que não nos derretamos de benevolência para com o Salvador, que deu todo seu sangue por nossa salvação? Como poderá ser que não amemos a Vós que tanto sofrestes por nossa causa.
Agora nós, chorando arrependidos por termos causado tantas dores a vosso Filho e a vós tanta amargura, prostramo-nos aos vossos pés e por todas aquelas dores que nos fizestes a graça de meditar, concedei-nos este favor: que a memória das mesmas fique sempre vivamente impressa em nossa mente, que nossos corações se consumam por amor ao nosso bom Deus, e a Vós, nossa doce Mãe, e que o último suspiro de nossa vida se una àqueles que derramastes do fundo da vossa alma na dolorosa paixão de Jesus, a quem seja honra, glória e ação de graças pelos séculos dos séculos. Assim seja. Ave Maria etc. Glória ao Pai etc.

Maria, meu doce bem,
Gravai no meu coração as vossas dores.

Então se reza o Stabat Mater, como acima.

Antífona. Tuam ipsius animam (ait ad Mariam Simeon) pertransiet gladius. [Tua própria alma (disse Simeão a Maria) uma espada transpassará]
Rogai por nós, Virgem Dolorosa.
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos
Deus, em cuja paixão, segundo a profecia de Simeão, a doce alma da Gloriosa Virgem e Mãe Maria Dolorosa foi traspassada pela espada, concedei propício que, nós que recordamos a memória de suas dores, alcancemos felizmente o efeito da vossa paixão. Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos. Amém.

Louvado seja Deus e a Virgem Dolorosa.

Com permissão da Revisão Eclesiástica

A Festa das Sete Dores de Maria Virgem Dolorosa, celebrada pela Pia União e Sociedade, ocorre no terceiro domingo de setembro na Igreja de São Francisco de Assis.

Texto da 3ª edição, Turim, Tipografia de Giulio Speirani e filhos, 1871




Devoção de Dom Bosco ao Sagrado Coração de Jesus

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, tão querida a Dom Bosco, nasceu das revelações feitas a Santa Margarida Maria Alacoque no mosteiro de Paray-le-Monial: Cristo, mostrando seu Coração transpassado e coroado de espinhos, pediu uma festa reparadora na sexta-feira após a Oitava do Corpus Christi. Apesar das oposições, o culto se difundiu porque aquele Coração, sede do amor divino, lembra a caridade manifestada na cruz e na Eucaristia. Dom Bosco convida os jovens a honrá-lo constantemente, especialmente no mês de junho, recitando a Coroinha e realizando atos de reparação que obtêm indulgências abundantes e as doze promessas de paz, misericórdia e santidade.


            A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que cresce a cada dia, ouçam, ó queridos jovens, como teve origem. Vivendo na França, no mosteiro da Visitação de Paray-le-Monial, havia uma humilde virgem chamada Margarida Alacoque, querida por Deus por sua grande pureza. Um dia, enquanto ela estava diante do Santíssimo Sacramento para adorar o bendito Jesus, viu o seu Esposo Celestial no ato de descobrir o peito e mostrar-lhe o seu Sagrado Coração, resplandecente de chamas, cercado de espinhos, transpassado por uma ferida e encimado por uma cruz. Ao mesmo tempo, ouviu-o queixar-se da monstruosa ingratidão dos homens e ordenar-lhe que se empenhasse para que, na sexta-feira após a Oitava do Corpus Christi, fosse prestado um culto especial ao seu Divino Coração, em reparação das ofensas que Ele recebe na Santíssima Eucaristia. A piedosa virgem, cheia de confusão, expôs a Jesus o quanto era incapaz de realizar uma tarefa tão grande, mas foi consolada pelo Senhor para continuar sua obra, e a festa do Sagrado Coração de Jesus foi estabelecida, apesar da viva oposição de seus adversários.
            Os motivos para este culto são múltiplos: 1º Porque Jesus Cristo nos ofereceu o seu Sagrado Coração como sede dos seus afetos; 2º Porque é símbolo da imensa caridade que Ele demonstrou especialmente ao permitir que o seu Sagrado Coração fosse ferido por uma lança; 3º Para que deste Coração os fiéis sejam movidos a meditar as dores de Jesus Cristo e a professar-lhe gratidão.
            Honremos, portanto, constantemente este Divino Coração, que pelos muitos e grandes benefícios que já nos concedeu e nos concederá, merece toda a nossa mais humilde e amorosa veneração.

Mês de junho
            Quem consagrar todo o mês de junho em honra do Sagrado Coração de Jesus com alguma oração diária ou devoção, ganhará 7 anos de indulgência por cada dia e indulgência plenária no final do mês.

Coroinha ao Sagrado Coração de Jesus
            Recitem esta Coroinha ao Divino Coração de Jesus Cristo para reparar as ofensas que Ele recebe na Santíssima Eucaristia dos infiéis, dos hereges e dos maus cristãos. Recite-a sozinho ou com outras pessoas reunidas, se possível diante da imagem do Divino Coração ou diante do Santíssimo Sacramento:
            V. Deus, in adjutorium meum intende (Vinde, ó Deus, em meu auxílio).
            R. Domine ad adjuvandum me festina (Socorrei-me sem demora).
            Glória ao Pai… etc.

            1. Ó amabilíssimo Coração de meu Jesus, adoro humildemente a vossa dulcíssima ternura, que usais de modo singular no Divino Sacramento para com as almas ainda mesmo pecadoras. Sinto imenso em ver que sois tão ingratamente correspondido, e proponho desagravar-vos de tantas ofensas que recebeis na Santíssima Eucaristia dos hereges, dos infiéis e dos maus cristãos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            2. Ó Coração tão humilde do meu Jesus sacramentado, adoro reverente a vossa profunda humildade na divina Eucaristia, escondendo-vos por nosso amor sob as espécies de pão e de vinho. Por piedade, meu Jesus, peço-vos queirais infundir no meu coração tão bela virtude; e entretanto procurarei desagravar-vos de tantas ofensas que recebeis no Santíssimo Sacramento, dos hereges, dos infiéis e dos maus cristãos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            3. Ó Coração de meu Jesus, tão sequioso de padecer, adoro os vossos ardentíssimos desejos de sofrer tão dolorosa paixão e sujeitar-vos às injustiças que prevíeis no Santíssimo Sacramento. Ah! meu Jesus, de todo o coração proponho repará-las, mesmo com a minha vida; quisera impedir as ofensas que infelizmente recebeis na Divina Eucaristia dos hereges, dos infiéis e dos maus cristãos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            4. Ó Coração pacientíssimo de meu Jesus, venero humildemente a vossa invencível paciência em sofrer por meu amor tantas penas na cruz e tantos desprezos na divina Eucaristia, ó meu querido Jesus! Já que não posso lavar com o meu sangue os lugares em que fostes tão maltratado num e noutro mistério, prometo-vos, meu sumo bem, empregar todos os meios para desagravar o vosso divino Coração de tantos ultrajes, que recebeis na Santíssima Eucaristia dos hereges, dos infiéis e dos maus cristãos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            5. Ó Coração de meu Jesus, amantíssimo de nossas almas na admirável instituição da Santíssima Eucaristia, adoro humildemente o imenso amor que tendes para conosco, dando-nos como alimento o vosso divino corpo e o vosso divino sangue. Qual o coração que deixará de comover-se à vista de tamanha caridade? Oh meu bom Jesus! Dai-me abundantes lágrimas para chorar e reparar tantas ofensas que recebeis na Santíssima Eucaristia dos hereges, dos infiéis e dos maus cristãos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            6. Ó Coração de meu Jesus, sequioso de nossa salvação, venero humildemente o amor que vos impeliu a realizar o sacrifício inefável da cruz e a renová-lo todos os dias sobre os altares na santa missa. Será possível que, à vista de tanto amor, o coração humano não arda de gratidão? Sim, infelizmente é possível, meu Deus; mas prometo fazer para o futuro tudo o que puder a fim de reparar tantos ultrajes que recebeis neste mistério de amor, dos hereges, dos infiéis e dos maus cristãos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            Quem recitar apenas as seis orações acima mencionadas Pai nosso, Ave Maria e Glória, diante do Santíssimo Sacramento, sendo que o último Pai nosso, Ave Maria e Glória seja rezado segundo a intenção do Sumo Pontífice, ganhará 300 dias de indulgência cada vez.

Promessas feitas por Jesus Cristo
à bem-aventurada Margarida Alacoque para os devotos do seu Divino Coração
            1 – Darei às almas dedicadas ao meu Coração todas as graças necessárias ao seu estado de vida.
            2 – Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
            3 – Consolá-las-ei em todas as suas aflições.
            4 – Serei seu refúgio seguro na vida e, sobretudo, na hora da morte.
            5 – Derramarei abundantes bênçãos sobre todas as suas empresas.
            6 – Os pecadores encontrarão em meu Coração a fonte e o oceano infinito de misericórdia.
            7 – As almas tíbias tornar-se-ão fervorosas.
            8 – As almas fervorosas elevar-se-ão rapidamente a uma grande perfeição.
            9 – Abençoarei as casas em que a imagem do meu Sagrado Coração for exposta e venerada.
            10 – Darei aos sacerdotes o dom de tocar os corações mais endurecidos.
            11 – As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes escritos no meu Coração e dele nunca serão apagados.

Ato de reparação contra as blasfêmias.
            Bendito seja Deus.
            Bendito seja o seu Santo Nome.
            Bendito seja Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.
            Bendito seja o Nome de Jesus.
            Bendito seja Jesus no Santíssimo Sacramento do Altar.
            Bendito seja o seu Amabilíssimo Coração.
            Bendita seja a grande Mãe de Deus, Maria Santíssima.
            Bendito seja o Nome de Maria, Virgem e Mãe.
            Bendita seja a sua Santa e Imaculada Conceição.
            Bendito seja Deus nos seus Anjos e nos seus Santos.

            É concedida Indulgência de um ano em cada vez: e Plenária a quem a recitar durante um mês, no dia em que fizer a Santa Confissão e a Comunhão.

Oferta ao Sagrado Coração de Jesus diante da sua santa imagem
            Eu N. N. para vos ser grato e para reparar as minhas infidelidades, dou-vos o meu coração e consagro-me inteiramente a Vós, meu amável Jesus, e com a vossa ajuda proponho não pecar mais.

            O Pontífice Pio VII concedeu cem dias de indulgência uma vez por dia, recitando-a com coração contrito, e plenária uma vez por mês, a quem a recitar todos os dias.

Oração ao Sagrado Coração de Maria
            Ave, augustíssima rainha da paz, Mãe de Deus; pelo sacratíssimo Coração de vosso Filho Jesus, príncipe da paz, fazei que se aplaque a sua ira e reine sobre nós em paz. Lembrai-vos, ó piíssima Virgem Maria, de que nunca se ouviu dizer que por vós seja abandonado quem implora os vossos favores. Animado eu de tal confiança, a vós recorro: ó Mãe do Verbo, não desprezeis as minhas súplicas, mas ouvi-as propícia e atendei-me, ó clemente, ó piedosa Virgem Maria.

            Pio IX concedeu a indulgência de 300 dias cada vez que esta oração for recitada com devoção, e indulgência plenária uma vez por mês àqueles que a recitarem todos os dias.

            Ó Jesus de amor ferido,
            nunca houvera tão ofendido!
            Ó meu doce e bom Jesus,
            nunca te pregue na cruz.
            Sagrado Coração de Maria,
            Fazei que eu salve a minha alma.
            Sagrado Coração do meu Jesus,
            Fazei que eu vos ame cada vez mais.

            A vós dou o meu coração,
            Mãe do meu Jesus – Mãe de amor.

(Fonte: “Il Giovane Provveduto per la pratica de’ suoi doveri negli esercizi di cristiana pietà per la recita dell’Uffizio della b. Vergine dei vespri di tutto l’anno e dell’uffizio dei morti coll’aggiunta di una scelta di laudi sacre, pel sac. Giovanni Bosco, 101ª edição, Turim, 1885, Tipografia e Libreria Salesiana, S. Benigno Canavese – S. Per d’Arena – Lucca – Nizza Marittima – Marselha – Montevidéu – Buenos Aires”, pp. 119-124 [Obras Publicadas, pp. 247-253])

INSTITUTO HISTÓRICO SALESIANO. Fontes Salesianas: Dom Bosco e sua obra. Tradução de Dom Hilário Moser. Brasília, EDB, 2015, 1421p., p.741-744 (Coletânea Antológica. V. 1)

Foto: Estátua do Sagrado Coração em bronze dourado no campanário da Basílica do Sagrado Coração em Roma, presente dos ex-alunos salesianos da Argentina. Erguida em 1931, é uma obra realizada em Milão por Riccardo Politi, com projeto do escultor Enrico Cattaneo, de Turim.




Dom Bosco e o Sagrado Coração. Custodiar, reparar, amar

Em 1886, às vésperas da consagração da nova Basílica do Sagrado Coração, no centro de Roma, o “Boletim Salesiano” quis preparar seus leitores – cooperadores, benfeitores, jovens, famílias – para um encontro vital com “o Coração transpassado que continua a amar”. Durante um ano inteiro, a revista apresentou aos olhos do mundo salesiano um verdadeiro “rosário” de meditações: cada número ligava um aspecto da devoção a uma urgência pastoral, educativa ou social que Dom Bosco – já exausto, mas muito lúcido – considerava estratégica para o futuro da Igreja e da sociedade italiana. Quase cento e quarenta anos depois, essa série continua sendo um pequeno tratado de espiritualidade do coração, escrito em tom simples, mas cheio de ardor, capaz de conjugar contemplação e prática. Apresentamos aqui uma leitura unificada desse percurso mensal, mostrando como a intuição salesiana ainda sabe falar aos dias de hoje.


Fevereiro – A guarda de honra: vigiar o Amor ferido
            O novo ano litúrgico se abre, no Boletim, com um convite surpreendente: não apenas adorar Jesus presente no sacrário, mas “fazer-lhe guarda” – um turno de uma hora escolhido livremente em que cada cristão, sem interromper as atividades cotidianas, torna-se sentinela amorosa que consola o Coração transpassado pela indiferença do carnaval. A ideia, nascida em Paray-le-Monial e florescida em muitas dioceses, torna-se um programa educativo: transformar o tempo em espaço de reparação, ensinar aos jovens que a fidelidade nasce de pequenos atos constantes, fazer do dia uma liturgia difundida. O voto associado – destinar o produto do Manual da Guarda de Honra à construção da Basílica romana – revela a lógica salesiana: contemplação que se traduz imediatamente em tijolos, porque a verdadeira oração edifica (literalmente) a casa de Deus.

Março – Caridade criativa: o cunho salesiano
            Na grande conferência de 8 de maio de 1884, o cardeal Parocchi sintetizou a missão salesiana em uma palavra: “caridade”. O Boletim retoma esse discurso para lembrar que a Igreja conquista o mundo mais com gestos de amor do que com disputas teóricas. Dom Bosco não funda escolas de elite, mas internatos populares; não tira os jovens do meio só para protegê-los, mas para devolvê-los à sociedade como cidadãos sólidos. É a caridade “segundo as exigências do século”: resposta ao materialismo não com polêmicas, mas com obras que mostram a força do Evangelho. Daí a urgência de um grande santuário dedicado ao Coração de Jesus: fazer sobressair no coração de Roma um sinal visível desse amor que educa e transforma.

Abril – Eucaristia: “obra-prima do Coração de Jesus”
            Para Dom Bosco, nada é mais urgente do que levar os cristãos de volta à comunhão frequente. O Boletim lembra que “não há catolicismo sem Nossa Senhora e sem a Eucaristia”. A mesa eucarística é “gênese da sociedade cristã”: dela nascem a fraternidade, a justiça, a pureza. Se a fé enfraquece, é preciso reacender o desejo do Pão vivo. Não por acaso São Francisco de Sales confiou às Visitandinas a missão de custodiar o Coração Eucarístico: a devoção ao Sagrado Coração não é um sentimento abstrato, mas um caminho concreto que conduz ao sacrário e daí se derrama pelas ruas. E é novamente o canteiro romano que serve de verificação: cada lira oferecida para a basílica torna-se um “tijolo espiritual” que consagra a Itália ao Coração que se doa.

Maio – O Coração de Jesus resplandece no Coração de Maria
            O mês mariano leva o Boletim a entrelaçar as duas grandes devoções: entre os dois Corações existe uma comunhão profunda, simbolizada pela imagem bíblica do “espelho”. O Coração Imaculado de Maria reflete a luz do Coração Divino, tornando-a suportável aos olhos humanos: quem não ousa olhar para o Sol, olha para o seu brilho refletido na Mãe. Culto de latria para o Coração de Jesus, de “hiperdulia” para o de Maria: distinção que evita os equívocos dos polemistas jansenistas de ontem e de hoje. O Boletim refuta as acusações de idolatria e convida os fiéis a um amor equilibrado, onde contemplação e missão se alimentam mutuamente: Maria introduz ao Filho e o Filho conduz à Mãe. Em vista da consagração do novo templo, pede-se que se unam as duas invocações que se erguem nas colinas de Roma e Turim: Sagrado Coração de Jesus e Maria Auxiliadora.

Junho – Consolações sobrenaturais: o amor operante na história
            Duzentos anos após a primeira consagração pública ao Sagrado Coração (Paray-le-Monial, 1686), o Boletim afirma que a devoção responde à doença do tempo: “arrefecimento da caridade por excesso de iniquidade”. O Coração de Jesus – Criador, Redentor, Glorificador – é apresentado como o centro de toda a história: da criação à Igreja, da Eucaristia à escatologia. Quem adora esse Coração entra num dinamismo que transforma a cultura e a política. Por isso, o Papa Leão XIII pediu a todos que concorressem ao santuário romano: monumento de reparação, mas também “barreira” contra a “torrente imunda” do erro moderno. É um apelo que soa atual: sem caridade ardente, a sociedade se desintegra.

Julho – Humildade: a fisionomia de Cristo e do cristão
            A meditação de verão escolhe a virtude mais negligenciada: a humildade, “joia transplantada pela mão de Deus no jardim da Igreja”. Dom Bosco, filho espiritual de São Francisco de Sales, sabe que a humildade é a porta das outras virtudes e o selo de todo verdadeiro apostolado: quem serve os jovens sem buscar visibilidade torna presente “o ocultamento de Jesus durante trinta anos”. O Boletim desmascara a soberba disfarçada de falsa modéstia e convida a cultivar uma dupla humildade: do intelecto, que se abre ao mistério, e da vontade, que obedece à verdade reconhecida. A devoção ao Sagrado Coração não é sentimentalismo: é escola de pensamento humilde e de ação concreta, capaz de construir a paz social porque tira do coração o veneno do orgulho.

Agosto – Mansidão: a força que desarma
            Depois da humildade, a mansidão: virtude que não é fraqueza, mas domínio de si mesmo, “o leão que gera mel”, diz o texto, remetendo ao enigma de Sansão. O Coração de Jesus se mostra manso ao acolher os pecadores, firme em defender o templo. Os leitores são convidados a imitar esse duplo movimento: doçura para com as pessoas, firmeza contra o erro. São Francisco de Sales volta a ser modelo: com um tom pacato, derramou rios de caridade na turbulenta Genebra, convertendo mais corações do que teriam conquistado as contendas acirradas. Em um século que “pecava por ser sem coração”, construir o santuário do Sagrado Coração significava erguer um ginásio de mansidão social – uma resposta evangélica ao desprezo e à violência verbal que já envenenavam o debate público.

Setembro – Pobreza e questão social: o Coração que reconcilia ricos e pobres
            O estrondo do conflito social, adverte o Boletim, ameaça “reduzir a escombros o edifício civil”. Estamos em plena “questão operária”: os socialistas agitam as massas, os capitais se concentram. Dom Bosco não nega a legitimidade da riqueza honesta, mas lembra que a verdadeira revolução começa no coração: o Coração de Jesus proclamou bem-aventurados os pobres e viveu em primeira pessoa a pobreza. O remédio passa por uma solidariedade evangélica alimentada pela oração e pela generosidade. Enquanto o templo romano não estiver concluído – escreve o jornal –, faltará o sinal visível da reconciliação. Nas décadas seguintes, a doutrina social da Igreja desenvolverá essas intuições; mas a semente já está aqui: a caridade não é esmola, é justiça que nasce de um coração transformado.

Outubro – Infância: sacramento da esperança
            “Ai daquele que escandalizar um destes pequeninos”: nos lábios de Jesus, o convite torna-se advertência. O Boletim recorda os horrores do mundo pagão contra as crianças e mostra como o cristianismo mudou a história, confiando aos pequenos um lugar central. Para Dom Bosco, a educação é um ato religioso: na escola e no oratório guarda-se o tesouro da Igreja futura. A bênção de Jesus às crianças, reproduzida nas primeiras páginas do jornal, é manifestação do Coração que “se aperta como um pai” e anuncia a vocação salesiana: fazer da juventude um “sacramento” que torna Deus presente na cidade. Escolas, colégios, laboratórios não são opcionais: são a maneira concreta de honrar o Coração de Jesus vivo nos jovens.

Novembro – Triunfos da Igreja: a humildade que vence a morte
            A liturgia recorda os santos e os defuntos; o Boletim medita sobre o “triunfo manso” de Jesus que entra em Jerusalém. A imagem torna-se chave de leitura da história da Igreja: sucessos e perseguições se alternam, mas a Igreja, como o Mestre, ressuscita sempre. Os leitores são convidados a não se deixarem paralisar pelo pessimismo: as sombras do momento (leis anticlericais, redução das ordens, propaganda maçônica) não apagam o dinamismo do Evangelho. O templo do Sagrado Coração, erguido entre hostilidades e pobreza, será o sinal tangível de que “a pedra selada foi removida”. Colaborar na sua construção significa apostar no futuro de Deus.

Dezembro – Bem-aventurança da dor: a Cruz acolhida pelo coração
            O ano termina com a mais paradoxal das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os que choram”. A dor, escândalo para a razão pagã, torna-se no Coração de Jesus caminho de redenção e fecundidade. O Boletim vê nesta lógica a chave para ler a crise contemporânea: sociedades fundadas no divertimento a todo custo produzem injustiça e desespero. Aceita em união com Cristo, porém, a dor transforma os corações, fortalece o caráter, estimula a solidariedade, liberta do medo. Até as pedras do santuário são “lágrimas transformadas em esperança”: pequenas ofertas, às vezes fruto de sacrifícios ocultos, que construirão um lugar de onde choverão, promete o jornal, “torrentes de castas delícias”.

Um legado profético
            Na montagem mensal do Boletim Salesiano de 1886, impressiona a pedagogia do crescendo: parte-se da pequena hora de guarda e chega-se à consagração da dor; do fiel individual ao canteiro nacional; do tabernáculo com torres do oratório aos baluartes do Esquilino. É um itinerário que entrelaça três eixos fundamentais:
            Contemplação – O Coração de Jesus é antes de tudo mistério a ser adorado: vigília, Eucaristia, reparação.
            Formação – Cada virtude (humildade, mansidão, pobreza) é proposta como remédio social, capaz de curar as feridas coletivas.
            Construção – A espiritualidade torna-se arquitetura: a basílica não é ornamento, mas laboratório de cidadania cristã.
            Sem forçar, podemos reconhecer aqui o pré-anúncio de temas que a Igreja desenvolverá ao longo do século XX: o apostolado dos leigos, a doutrina social, a centralidade da Eucaristia na missão, a proteção dos menores, a pastoral da dor. Dom Bosco e seus colaboradores captam os sinais dos tempos e respondem com a linguagem do coração.

            Em 14 de maio de 1887, quando Leão XIII consagrou a Basílica do Sagrado Coração, por meio de seu vigário Cardeal Lucido Maria Parocchi, dom Bosco – muito fraco para subir ao altar – assistiu escondido entre os fiéis. Naquele momento, todas as palavras do Boletim de 1886 tornaram-se pedra viva: a guarda de honra, a caridade educativa, a Eucaristia centro do mundo, a ternura de Maria, a pobreza reconciliadora, a bem-aventurança da dor. Hoje, essas páginas pedem um novo fôlego: cabe a nós, consagrados ou leigos, jovens ou idosos, continuar a vigília, erguer canteiros de esperança, aprender a geografia do coração. O programa continua o mesmo, simples e audacioso: custodiar, reparar, amar.

Na foto: Pintura do Sagrado Coração, colocada no altar-mor da Basílica do Sagrado Coração, em Roma. A obra foi encomendada por Dom Bosco e confiada ao pintor Francesco de Rohden (Roma, 15 de fevereiro de 1817 – 28 de dezembro de 1903).




Dom Bosco e as procissões eucarísticas

Um aspecto pouco conhecido, mas importante, do carisma de São João Bosco são as procissões eucarísticas. Para o santo dos jovens, a Eucaristia não era apenas uma devoção pessoal, mas uma ferramenta pedagógica e um testemunho público. Em uma Turim em transformação, Dom Bosco viu nas procissões uma oportunidade para fortalecer a fé dos jovens e anunciar Cristo nas ruas. A experiência salesiana, que se espalhou pelo mundo, mostra como a fé pode se encarnar na cultura e responder aos desafios sociais. Ainda hoje, vividas com autenticidade e abertura, essas procissões podem se tornar sinais proféticos de fé.

Quando se fala de São João Bosco (1815-1888), pensa-se imediatamente em seus oratórios populares, na paixão educativa pelos jovens e na família salesiana nascida de seu carisma. Menos conhecido, mas não menos decisivo, é o papel que a devoção eucarística — e em particular as procissões eucarísticas — teve em sua obra. Para Dom Bosco, a Eucaristia não era apenas o coração da vida interior; constituía também uma poderosa ferramenta pedagógica e um sinal público de renovação social em uma Turim em rápida transformação industrial. Revisitar a ligação entre o santo dos jovens e as procissões com o Santíssimo significa entrar em um laboratório pastoral onde liturgia, catequese, educação cívica e promoção humana se entrelaçam de maneira original e, por vezes, surpreendente.

As procissões eucarísticas no contexto do século XIX
Para compreender Dom Bosco, é preciso lembrar que o século XIX italiano viveu um intenso debate sobre o papel público da religião. Após a época napoleônica e o movimento do “Ressurgimento” [Unificação], as manifestações religiosas nas ruas das cidades não eram mais garantidas: em muitas regiões, delineava-se um estado liberal que olhava com desconfiança qualquer expressão pública do catolicismo, temendo aglomerações em massa ou ressurgimentos “reacionários”. As procissões eucarísticas, no entanto, mantinham uma força simbólica muito poderosa: lembravam o senhorio de Cristo sobre toda a realidade e, ao mesmo tempo, faziam emergir uma Igreja popular, visível e encarnada nos bairros. Contra esse pano de fundo, destaca-se a obstinação de Dom Bosco, que nunca desistiu de acompanhar seus jovens no testemunho da fé fora dos muros do oratório, fossem as avenidas de Valdocco ou as áreas rurais ao redor.

Desde os anos de formação no seminário de Chieri, João Bosco desenvolveu uma sensibilidade eucarística de sabor “missionário”. As crônicas contam que ele frequentemente parava na capela, após as aulas, para longas orações diante do sacrário. Nas “Memórias do Oratório”, ele mesmo reconhece ter aprendido com seu diretor espiritual, o P. Cafasso, o valor de “fazer-se pão” para os outros: contemplar Jesus que se doa na Hóstia significava, para ele, aprender a lógica do amor gratuito. Essa linha atravessa toda a sua trajetória: “Mantenham-se amigos de Jesus sacramentado e Maria Auxiliadora”, repetia aos jovens, indicando a comunhão frequente e a adoração silenciosa como pilares de um caminho de santidade laical e cotidiana.

O oratório de Valdocco e as primeiras procissões internas
Nos primeiros anos da década de 1840, o oratório de Turim ainda não possuía uma igreja propriamente dita. As celebrações aconteciam em barracas de madeira ou pátios adaptados. Dom Bosco, no entanto, não desistiu de organizar pequenas procissões internas, quase “ensaios gerais” daquilo que se tornaria uma prática estável. Os jovens carregavam velas e estandartes, cantavam louvores marianos e, ao final, paravam ao redor de um altar improvisado para a bênção eucarística. Essas primeiras tentativas tinham uma função eminentemente pedagógica: acostumar os jovens a uma participação devota, mas alegre, unindo disciplina e espontaneidade. Na Turim operária, onde muitas vezes a miséria desembocava em violência, desfilar ordenadamente com o lenço vermelho no pescoço já era um sinal contra a corrente: mostrava que a fé podia educar ao respeito por si mesmo e pelos outros.

Dom Bosco sabia muito bem que uma procissão não se improvisa: são necessários sinais, cantos, gestos que falem ao coração antes mesmo da mente. Por isso, ele cuidava pessoalmente da explicação dos símbolos. O baldaquino tornava-se a imagem da tenda da congregação, sinal da presença divina que acompanha o povo em caminhada. As flores espalhadas pelo percurso lembravam a beleza das virtudes cristãs que devem adornar a alma. Os lampiões, indispensáveis nas saídas noturnas, aludiam à luz da fé que ilumina as trevas do pecado. Cada elemento era objeto de uma pequena “pregação” convivencial no refeitório ou na recreação, de modo que a preparação logística se entrelaçasse com a catequese sistemática. O resultado? Para os jovens, a procissão não era um dever ritual, mas uma ocasião festiva carregada de significado.

Um dos aspectos mais característicos das procissões salesianas era a presença da banda formada pelos próprios alunos. Dom Bosco considerava a música um antídoto contra o ócio e, ao mesmo tempo, uma poderosa ferramenta de evangelização: “Uma marcha alegre bem executada — escrevia — atrai as pessoas como o ímã atrai o ferro”. A banda precedia o Santíssimo, alternando peças sacras com árias populares adaptadas com textos religiosos. Esse “diálogo” entre fé e cultura popular reduzia as distâncias com os transeuntes e criava ao redor da procissão uma aura de festa compartilhada. Não poucos cronistas leigos testemunharam ter sido “intrigados” por aquele grupo de jovens músicos disciplinados, tão diferente das bandas militares ou filarmônicas da época.

Procissões como resposta às crises sociais
A Turim do século XIX conheceu epidemias de cólera (1854 e 1865), greves, fomes e tensões anticlericais. Dom Bosco reagiu frequentemente propondo procissões extraordinárias de reparação ou súplica. Durante a cólera de 1854, levou os jovens pelas ruas mais afetadas, recitando em voz alta as ladainhas pelos enfermos e distribuindo pão e remédios. Nesse momento nasceu a promessa — depois cumprida — de construir a igreja de Maria Auxiliadora: “Se Nossa Senhora salvar meus jovens, lhe erguerei um templo”. As autoridades civis, inicialmente contrárias a cortejos religiosos por medo de contágio, tiveram que reconhecer a eficácia da rede de assistência salesiana, alimentada espiritualmente justamente pelas procissões. A Eucaristia, levada entre os doentes, tornava-se assim um sinal tangível da compaixão cristã.

Ao contrário de certos modelos devocionais fechados nas sacristias, as procissões de Dom Bosco reivindicavam um direito de cidadania da fé no espaço público. Não se tratava de “ocupar” as ruas, mas de devolvê-las à sua vocação comunitária. Passar sob as varandas, atravessar praças e pórticos significava lembrar que a cidade não é apenas lugar de troca econômica ou de confronto político, mas sim de encontro fraterno. Por isso, Dom Bosco insistia em uma ordem impecável: capas escovadas, sapatos limpos, filas regulares. Queria que a imagem da procissão comunicasse beleza e dignidade, persuadindo até os observadores mais céticos de que a proposta cristã elevava a pessoa.

A herança salesiana das procissões
Após a morte de Dom Bosco, seus filhos espirituais difundiram a prática das procissões eucarísticas pelo mundo todo: das escolas agrícolas da Emília às missões da Patagônia, dos colégios asiáticos aos bairros operários de Bruxelas. O que importava não era duplicar servilmente um rito piemontês, mas transmitir o núcleo pedagógico: protagonismo juvenil, catequese simbólica, abertura à sociedade ao redor. Assim, na América Latina, os salesianos inseriram danças tradicionais no início do cortejo; na Índia adotaram tapetes de flores segundo a arte local; na África subsaariana alternaram cantos gregorianos a ritmos polifônicos tribais. A Eucaristia tornava-se ponte entre culturas, realizando o sonho de Dom Bosco de “fazer de todos os povos uma única família”.

Sob o ponto de vista teológico, as procissões de Dom Bosco incorporam uma forte visão da presença real de Cristo. Levar o Santíssimo “para fora” significa proclamar que o Verbo não se fez carne para ficar trancado, mas para “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Essa presença pede para ser anunciada em formas compreensíveis, sem se reduzir a um gesto intimista. Em Dom Bosco, a dinâmica centrípeta da adoração (reunir os corações em torno da Hóstia) gera uma dinâmica centrífuga: os jovens, nutridos no altar, sentem-se enviados a servir. Da procissão surgem microcompromissos: assistir um companheiro doente, pacificar uma briga, estudar com mais diligência. A Eucaristia se prolonga nas “procissões invisíveis” da caridade cotidiana.

Hoje, em contextos secularizados ou multirreligiosos, as procissões eucarísticas podem levantar questionamentos: ainda são comunicativas? Não correm o risco de parecer folclore nostálgico? A experiência de Dom Bosco sugere que a chave está na qualidade relacional mais do que na quantidade de incenso ou paramentos. Uma procissão que envolve famílias, explica os símbolos, integra linguagens artísticas contemporâneas e, sobretudo, se conecta a gestos concretos de solidariedade, mantém uma surpreendente força profética. O recente Sínodo dos Jovens (2018) ressaltou várias vezes a importância de “sair” e “mostrar a fé com a carne”. A tradição salesiana, com sua liturgia itinerante, oferece um paradigma já testado de “Igreja em saída”.

As procissões eucarísticas não eram para Dom Bosco simples tradições litúrgicas, mas verdadeiros atos educativos, espirituais e sociais. Elas representavam uma síntese entre fé vivida, comunidade educativa e testemunho público. Através delas, Dom Bosco formava jovens capazes de adorar, respeitar, servir e testemunhar.
Hoje, em um mundo fragmentado e distraído, resgatar o valor das procissões eucarísticas à luz do carisma salesiano pode ser uma maneira eficaz de reencontrar o sentido do essencial: Cristo presente no meio do seu povo, que caminha com ele, o adora, serve e anuncia.
Em uma época que busca autenticidade, visibilidade e relações, a procissão eucarística – se vivida segundo o espírito de Dom Bosco – pode ser um sinal poderoso de esperança e renovação.

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Patagônia: “O maior empreendimento de nossa Congregação”

Assim que chegaram à Patagônia, os Salesianos – liderados por Dom Bosco – buscaram obter um Vicariato Apostólico que garantisse autonomia pastoral e apoio da Propaganda Fide. Entre 1880 e 1882, repetidos pedidos a Roma, ao presidente argentino Roca e ao arcebispo de Buenos Aires foram frustrados por distúrbios políticos e desconfianças eclesiásticas. Missionários como Rizzo, Fagnano, Costamagna e Beauvoir percorriam o Río Negro, o Colorado e até o lago Nahuel-Huapi, estabelecendo presenças entre índios e colonos. A virada aconteceu em 16 de novembro de 1883: um decreto criou o Vicariato da Patagônia Setentrional, confiado a dom Giovanni Cagliero, e a Prefeitura Meridional, liderada por dom Giuseppe Fagnano. A partir desse momento, a obra salesiana se enraizou «no fim do mundo», preparando sua futura florescência.

            Os salesianos tinham acabado de chegar à Patagônia quando Dom Bosco, em 22 de março de 1880, voltou a pedir às várias Congregações romanas e ao próprio Papa Leão XIII a ereção de um Vicariato ou Prefeitura da Patagônia com sede em Carmen, que abrangeria as colônias já estabelecidas ou que estavam sendo organizadas às margens do Rio Negro, do paralelo 36° ao 50° de latitude sul. Carmen poderia ter se tornado “o centro das missões salesianas entre os índios”.
            Mas as desordens militares na época da eleição do General Roca como Presidente da República (maio-agosto de 1880) e a morte do inspetor salesiano P. Francisco Bodrato (agosto de 1880) fizeram com que os planos fossem suspensos. Dom Bosco também insistiu com o Presidente em novembro, mas sem sucesso. O Vicariato não era desejado pelo arcebispo nem apreciado pela autoridade política.
            Poucos meses depois, em janeiro de 1881, Dom Bosco encorajou o recém-nomeado Inspetor P. Tiago Costamagna a ocupar-se do Vicariato na Patagônia e assegurou ao pároco-diretor P. Fagnano que, em relação à Patagônia – “o maior empreendimento da nossa Congregação” – uma grande responsabilidade logo recairia sobre ele. Mas o impasse permaneceu.
            Enquanto isso, na Patagônia, o P. Emilio Rizzo, que em 1880 havia acompanhado o vigário de Buenos Aires, Dom Espinosa, ao longo do Rio Negro até Roca (50 km), com outros salesianos estava se preparando para outras missões móveis ao longo do mesmo rio. O P. Fagnano pôde então acompanhar o exército até a Cordilheira em 1881. Dom Bosco, impaciente, se agitava e o P. Costamagna, em novembro de 1881, aconselhou-o novamente a negociar diretamente com Roma.
            Por sorte, Dom Espinosa chegou à Itália no final de 1881; Dom Bosco aproveitou a oportunidade para informar por seu intermédio ao Arcebispo de Buenos Aires, que em abril de 1882 pareceu favorável ao projeto de um Vicariato confiado aos salesianos. Mais do que tudo, talvez pela impossibilidade de atender a região com seu clero. Mas, mais uma vez, não fez nada.
            No verão de 1882 e depois novamente em 1883, o P. Beauvoir acompanhou o exército até o lago Nahuel-Huapi nos Andes (880 km); outros salesianos fizeram excursões apostólicas semelhantes em abril ao longo do Rio Colorado, enquanto o P. Beauvoir voltava a Roca e em agosto o P. Milanesio foi até Ñorquín no Neuquén (900 km).
            Dom Bosco estava cada vez mais convencido de que, sem um Vicariato Apostólico próprio, os salesianos não teriam a necessária liberdade de ação, dadas as relações muito difíceis que tivera com o arcebispo de Turim e também levando em conta que o próprio Concílio Vaticano I não decidira nada sobre as relações nada fáceis entre os Ordinários e os superiores das Congregações religiosas nos territórios de missão. Além disso, e não era pouca coisa, somente um Vicariato missionário poderia receber apoio financeiro da Congregação da Propaganda Fide.
            Portanto, Dom Bosco retomou seus esforços, apresentando à Santa Sé a proposta de subdivisão administrativa da Patagônia e da Terra do Fogo em três Vicariatos ou Prefeituras: do Rio Colorado ao Rio Chubut, deste ao Rio Santa Cruz, e deste às ilhas da Terra do Fogo, incluindo as Malvinas (Falklands).
            O Papa Leão XIII concordou alguns meses depois e lhe pediu os nomes. Dom Bosco sugeriu então ao Cardeal Simeoni a criação de um único Vicariato para o norte da Patagônia, com sede em Carmen, do qual dependeria uma Prefeitura Apostólica para o sul da Patagônia. Para esta última, propôs o P. Fagnano; para o Vicariato, o P. Cagliero ou o P. Costamagna.

Um sonho que se torna realidade
            Em 16 de novembro de 1883, um decreto da Propaganda Fide erigiu o Vicariato Apostólico da Patagônia Setentrional e Central, que incluía o sul da província de Buenos Aires, os territórios nacionais de La Pampa central, Rio Negro, Neuquén e Chubut. Quatro dias depois, ele a confiou ao P. Cagliero como Provigário Apostólico (e mais tarde Vigário Apostólico). Em 2 de dezembro de 1883, foi a vez de Fagnano ser nomeado Prefeito Apostólico da Patagônia chilena, do território chileno de Magalhães-Punta Arenas, do território argentino de Santa Cruz, das Ilhas Malvinas e das ilhas indefinidas que se estendiam até o Estreito de Magalhães. Eclesiasticamente, a Prefeitura abrangia áreas pertencentes à diocese chilena de São Carlos de Ancud.
            O sonho da famosa viagem de trem de Cartagena, na Colômbia, a Punta Arenas, no Chile, em 10 de agosto de 1883, estava começando a se tornar realidade, tanto mais que alguns salesianos de Montevidéu, no Uruguai, tinham vindo fundar a casa de Niterói, no Brasil, no início de 1883. O longo processo para poder dirigir uma missão com plena liberdade canônica havia chegado ao fim. Em outubro de 1884, o P. Cagliero seria nomeado Vigário Apostólico da Patagônia, aonde chegaria em 8 de julho, sete meses após sua consagração episcopal em Valdocco, em 7 de dezembro de 1884.

A sequência
            Embora em meio a dificuldades de todos os tipos que a história recorda – inclusive acusações e calúnias – a obra salesiana, desde aqueles tímidos começos, desenvolveu-se rapidamente na Patagônia argentina e chilena. Criou raízes principalmente em centros muito pequenos de índios e colonos, que hoje se tornaram vilas e cidades. Monsenhor Fagnano se estabeleceu em Punta Arenas (Chile) em 1887, de onde pouco tempo depois iniciou missões nas ilhas da Terra do Fogo. Dedicados e competentes, os missionários gastaram generosamente suas vidas em ambos os lados do Estreito de Magalhães “para a salvação das almas” e até mesmo dos corpos (na medida de suas possibilidades) dos habitantes daquelas terras “lá embaixo, no fim do mundo”. Muitos reconheceram esse fato, entre eles uma pessoa que sabe disso, porque ele mesmo veio “quase do fim do mundo”: o Papa Francisco.

Foto de época: os três Bororòs que acompanharam os missionários salesianos a Cuyabà (1904)




As profecias de Malaquias. Os papas e o fim do mundo

As chamadas “Profecias de Malaquias” representam um dos textos proféticos mais fascinantes e controversos ligados ao destino da Igreja Católica e do mundo. Atribuídas a Malaquias de Armagh, arcebispo irlandês que viveu no século XII, essas previsões descrevem brevemente, através de enigmáticos lemas latinos, os pontífices desde Celestino II até o último papa, o misterioso “Pedro Segundo”. Embora sejam consideradas pelos estudiosos como falsificações modernas que remontam ao final do século XVI, as profecias continuam a suscitar debates, interpretações apocalípticas e especulações sobre possíveis cenários escatológicos. Independentemente de sua autenticidade, elas representam, ainda assim, um forte chamado à vigilância espiritual e à espera consciente do juízo final.

Malaquias de Armagh. Biografia de um “Bonifácio da Irlanda”
Malaquias (em irlandês Máel Máedóc Ua Morgair, em latim Malachias) nasceu por volta de 1094 perto de Armagh, de uma família nobre. Recebeu sua formação intelectual do erudito Imhar O’Hagan e, apesar de sua relutância inicial, foi ordenado sacerdote em 1119 pelo arcebispo Cellach. Após um período de aperfeiçoamento litúrgico no mosteiro de Lismore, Malaquias empreendeu uma intensa atividade pastoral que o levou a ocupar cargos de crescente responsabilidade. Em 1123, como Abade de Bangor, iniciou a restauração da disciplina sacramental; em 1124: nomeado Bispo de Down e Connor, prosseguiu a reforma litúrgica e pastoral e em 1132, tornado Arcebispo de Armagh, após difíceis disputas com os usurpadores locais, libertou a sé primacial da Irlanda e promoveu a estrutura diocesana sancionada pelo sínodo de Ráth Breasail.

Durante seu ministério, Malaquias introduziu reformas significativas adotando a liturgia romana, substituindo as heranças monásticas de clãs pela estrutura diocesana prescrita pelo sínodo de Ráth Breasail (1111) e promoveu a confissão individual, o matrimônio sacramental e a crisma.
Por essas intervenções reformadoras, São Bernardo de Claraval o comparou a São Bonifácio, o apóstolo da Alemanha.

Malaquias fez duas viagens a Roma (1139 e 1148) para receber o pálio metropolitano para as novas províncias eclesiásticas da Irlanda, e nessa ocasião foi nomeado legado pontifício. No retorno da primeira viagem, com a ajuda de São Bernardo de Claraval, fundou a abadia cisterciense de Mellifont (1142), a primeira de numerosas fundações cistercienses em terras irlandesas. Morreu durante uma segunda viagem a Roma, em 2 de novembro de 1148 em Claraval, nos braços de São Bernardo, que escreveu sua biografia intitulada “Vita Sancti Malachiae” [Vida de São Malaquias].

Em 1190, o Papa Clemente III o canonizou oficialmente, tornando-o o primeiro santo irlandês proclamado segundo o procedimento formal da Cúria Romana.

A “Profecia dos Papas”: um texto que surge quatro séculos depois
À figura deste arcebispo reformador foi associada, apenas no século XVI, uma coleção de 112 lemas que descreveriam outros tantos pontífices: desde Celestino II até o enigmático “Pedro Segundo”, destinado a assistir à destruição da “cidade das sete colinas”.
A primeira publicação dessas profecias data de 1595, quando o monge beneditino Arnold Wion as inseriu em sua obra Lignum Vitae, apresentando-as como um manuscrito redigido por Malaquias durante sua visita a Roma em 1139.
As profecias consistem em breves frases simbólicas que deveriam caracterizar cada papa através de referências ao nome, ao local de nascimento, ao brasão ou a eventos significativos do pontificado. A seguir, são apresentados os lemas atribuídos aos últimos pontífices:

109 – De medietate Lunae (“Da metade da lua”)
Atribuído a João Paulo I, que reinou por apenas um mês. Foi eleito em 26.08.1978, quando a lua estava no último quarto (25.08.1978), e morreu em 28.09.1978, quando a lua estava no primeiro quarto (24.09.1978).

110 – De labore solis (“Da fadiga do sol”)
Atribuído a João Paulo II, que liderou a Igreja por 26 anos, o terceiro pontificado mais longo da história depois de São Pedro (34-37 anos) e do Beato Pio IX (mais de 31 anos). Foi eleito em 16.10.1978, pouco depois de um eclipse solar parcial (02.10.1978), e morreu em 02.04.2005, poucos dias antes de um eclipse solar anular (08.04.2005).

111 – Gloria olivae (“Glória da oliveira”)
Atribuído a Bento XVI (2005-2013). O cardeal Ratzinger, engajado no diálogo ecumênico e inter-religioso, escolheu o nome de Bento XVI em continuidade com Bento XV, papa que trabalhou pela paz durante a Primeira Guerra Mundial, como ele mesmo explicou em sua primeira Audiência Geral de 27 de abril de 2005 (a paz é simbolizada pelo ramo de oliveira trazido pela pomba a Noé ao fim do Dilúvio). Essa conexão simbólica foi ainda reforçada pela canonização, em 2009, de Bernardo Tolomei (1272-1348), fundador da congregação beneditina de Santa Maria do Monte Oliveto (Monges Olivetanos).

112[a] – In persecutione extrema Sanctae Romanae Ecclesiae sedebit… [Durante a perseguição final à Santa Igreja Romana reinará…]
Este não é propriamente um lema, mas uma frase introdutória. Na edição original de 1595, aparece como uma linha separada, sugerindo a possibilidade de inserir outros papas entre Bento XVI e o profetizado “Pedro Segundo”. Isso contradiria a interpretação que identifica necessariamente o Papa Francisco como o último pontífice.

112[b] – Petrus Secundus [Pedro Segundo]
Referente ao último papa (a Igreja teve como primeiro pontífice São Pedro e terá como último outro Pedro) que guiará os fiéis em tempos de tribulação.
O parágrafo inteiro da profecia diz:
“In persecutione extrema Sanctae Romanae Ecclesiae sedebit Petrus Secundus, qui pascet oves in multis tribulationibus; quibus transactis, Civitas septicollis diruetur, et Iudex tremendus judicabit populum suum. Amen.”
“Durante a perseguição final à Santa Igreja Romana, reinará Pedro Segundo, que apascentará suas ovelhas em meio a muitas tribulações; passadas estas, a cidade das sete colinas [Roma] será destruída, e o Juiz terrível julgará o seu povo. Amém.”
“Pedro Segundo” seria, portanto, o último pontífice antes do fim dos tempos, com uma clara referência apocalíptica à destruição de Roma e ao juízo final.

Especulações contemporâneas
Nos últimos anos, as interpretações especulativas se multiplicaram: alguns identificam o Papa Francisco como o 112º e último pontífice, outros supõem que ele foi um papa de transição para o verdadeiro último papa, e há até quem calcule 2027 como a possível data do fim dos tempos.
Esta última hipótese baseia-se em um cálculo curioso: desde a primeira eleição papal mencionada na profecia (Celestino II em 1143) até a primeira publicação do texto (durante o pontificado de Sisto V, 1585-1590) passaram-se cerca de 442 anos; seguindo a mesma lógica, adicionando outros 442 anos desde a publicação, chegaríamos a 2027. Essas especulações, no entanto, carecem de fundamento científico, pois o manuscrito original não contém referências cronológicas explícitas.

A autenticidade contestada
Desde o surgimento do texto, numerosos historiadores expressaram dúvidas sobre sua autenticidade por diversas razões:
– ausência de manuscritos antigos: não existem cópias datáveis antes de 1595;
– estilo linguístico: o latim utilizado é típico do século XVI, não do XII;
– precisão retrospectiva: os lemas referentes aos papas anteriores ao conclave de 1590 são surpreendentemente precisos, enquanto os posteriores são muito mais vagos e facilmente adaptáveis a eventos posteriores;
– finalidades políticas: em uma época de fortes tensões entre facções curiais, uma lista profética como essa poderia influenciar o eleitorado cardinalício no Conclave de 1590.

A posição da Igreja
A doutrina católica ensina, como consta no Catecismo, que o destino da Igreja não pode ser diferente daquele de seu Chefe, Jesus Cristo. Nos parágrafos 675-677 descreve-se “A provação derradeira da Igreja”:

Antes do advento de Cristo, a Igreja deve passar por uma provação final que abalará a fé de muitos crentes. A perseguição que acompanha a peregrinação dela na terra desvendará o “mistério de iniquidade” sob a forma de uma impostura religiosa que há de trazer aos homens uma solução aparente a seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A impostura religiosa suprema é a do Anticristo, isto e, a de um pseudomessianismo em que o homem glorifica a si mesmo em lugar de Deus e de seu Messias que veio na carne.
Esta impostura anticrística já se esboça no mundo toda vez que se pretende realizar na história a esperança messiânica que só pode realizar-se para além dela, por meio do juízo escatológico: mesmo em sua forma mitigada, a Igreja rejeitou esta falsificação do Reino vindouro sob o nome de milenarismo, sobretudo sob a forma política de um messianismo secularizado, “intrinsecamente perverso”.
A Igreja só entrará na glória do Reino por meio desta derradeira Páscoa, em que seguirá seu Senhor em sua Morte e Ressurreição. Portanto, o Reino não se realizará por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o desencadeamento último do mal, que fará sua Esposa descer do Céu. O triunfo de Deus sobre a revolta do mal assumirá a forma do Juízo Final depois do derradeiro abalo cósmico deste mundo que passa.

Ao mesmo tempo, a doutrina católica oficial convida à prudência, baseando-se nas próprias palavras de Jesus:
«Surgirão cristos e falsos profetas, que enganarão muita gente » (Mt 24,11).
«Hão de surgir, de fato, falsos messias e falsos profetas, que farão grandes prodígios e maravilhas para enganar, se possível, até os eleitos» (Mt 24,24)
.

A Igreja sublinha, seguindo o Evangelho de Mateus (Mt 24,36), que o momento do fim do mundo não é conhecível pelos homens, mas somente por Deus. E o Magistério oficial – O Catecismo (n. 673-679) reitera que ninguém pode “ler” a hora do retorno de Cristo.

As profecias atribuídas a São Malaquias nunca receberam aprovação oficial da Igreja. No entanto, independentemente de sua autenticidade histórica, elas nos lembram uma verdade fundamental da fé cristã: o fim dos tempos acontecerá, como foi ensinado por Jesus.

Há dois mil anos, os homens refletem sobre este evento escatológico, muitas vezes esquecendo que o “fim dos tempos” para cada um coincide com o próprio fim da existência terrena. Que importa se o fim de nossa vida coincidirá com o fim dos tempos? Para muitos não será assim. O que realmente importa é viver autenticamente a vida cristã no cotidiano, seguindo os ensinamentos de Cristo e estando sempre prontos a prestar contas ao Criador e Redentor pelos talentos recebidos. Permanece sempre atual a advertência de Jesus: «Vigiai, portanto, pois não sabeis em que dia virá o vosso Senhor» (Mt 24,42).
Nessa perspectiva, o mistério do “Pedro Segundo” não representa tanto uma ameaça de ruína, mas sim um convite à constante conversão e à confiança no desígnio divino de salvação.