Eleições do primeiro Reitor-Mor

Durante o décimo primeiro Capítulo Geral da Congregação Salesiana, foi eleito o primeiro Reitor-Mor, o P. Paulo Álbera. Embora represente formalmente o segundo sucessor de Dom Bosco, na verdade foi o primeiro a ser eleito, pois o P. Rua já havia sido nomeado pessoalmente por Dom Bosco, por inspiração divina e a pedido do Papa Pio IX (a nomeação do P. Rua foi oficializada em 27 de novembro de 1884 e posteriormente confirmada pela Santa Sé em 11 de fevereiro de 1888). A seguir, deixemo-nos guiar pelo relato do P. Eugênio Ceria, que narra a eleição do primeiro sucessor de Dom Bosco e os trabalhos do Capítulo Geral.

            Não parece quase possível falar de antigos Salesianos sem partir de Dom Bosco. Desta vez é para admirar a divina Providência, que fez com que Dom Bosco, ao longo do árduo caminho, encontrasse os homens indispensáveis para a sua Congregação em vários graus e ofícios. Homens, digo, não feitos, mas a serem feitos. Coube ao fundador procurá-los jovens, fazê-los crescer, educá-los, instruí-los, informá-los de seu espírito, de modo que, onde quer que os enviasse, o representassem dignamente entre os Sócios e diante dos estranhos. Eis o caso também de seu segundo sucessor. O pequeno e esguio Paulinho Álbera, quando veio de sua aldeia natal para o Oratório, não se destacava entre a multidão de companheiros por nenhuma daquelas características que chamam a atenção sobre um recém-chegado; mas Dom Bosco não tardou a perceber nele a inocência de costumes, a capacidade intelectual velada por uma timidez natural e a índole de criança, que lhe dava boas esperanças. Levando-o até o altar, enviou-o como Diretor a Sampierdarena, depois como Diretor a Marselha e Inspetor para a França, onde o chamavam de petit Don Bosco [pequeno Dom Bosco], até que em 1886 a confiança dos coirmãos o elegeu Catequista geral, ou seja, Diretor espiritual da Sociedade. Mas ali suas ascensões não pararam.
            Após a morte do P. Rua, o governo da Sociedade passou, segundo a Regra, às mãos do Prefeito Geral P. Filipe Rinaldi, que, portanto, presidia o Capítulo Superior e dirigia os preparativos para o Capítulo Geral a ser realizado dentro do ano de 1910. O grande encontro foi estabelecido para se abrir em 15 de agosto, precedido por um curso de exercícios espirituais, feitos pelos Capitulares e pregados pelo P. Álbera.
            Um diário íntimo do P. Álbera, em inglês, nos permite conhecer quais eram seus sentimentos durante o período de espera. Sob o dia 21 de abril encontramos: “Falo longamente com o P. Rinaldi e com grande prazer. Desejo de todo coração que seja eleito para o cargo de Reitor-Mor da nossa Congregação. Vou rezar ao Espírito Santo para obter esta graça”. E sob o dia 26: “Raramente se fala do sucessor do P. Rua. Espero que o Prefeito seja eleito. Ele tem as virtudes necessárias para o cargo. Rezo todos os dias por esta graça”. Novamente em 11 de maio: “Aceito ir a Milão para o funeral do P. Rua. Estou muito feliz em obedecer ao P. Rinaldi, no qual reconheço meu verdadeiro Superior. Rezo todos os dias pedindo que seja eleito Reitor-Mor”. Sob o dia 6 de junho, revela o porquê de tanta propensão pelo P. Rinaldi, escrevendo sobre ele: “Tenho uma alta ideia de sua virtude, de sua capacidade e iniciativa”. Indo pouco depois a Roma em sua companhia, escrevia no dia 8, de Florença: “Vejo que O P. Rinaldi é bem aceito em todos os lugares e considerado como o sucessor do P. Rua. Deixa boa impressão naqueles com quem fala”.
            Se fosse, portanto, lícito fazer propaganda, ele teria sido seu grande eleitor. Nem eram poucos os Salesianos que pensavam da mesma forma. Não falemos dos espanhóis, entre os quais ele havia deixado grande herança de afeições. Inspetores e delegados, quando chegavam da Espanha para o Capítulo Geral, não faziam muitos mistérios nem mesmo ao falar com ele. Mas ele, a tais discursos, mostrava toda a indiferença de um surdo que não entende uma sílaba do que lhe é dito. Nesse aspecto, sua atitude era tal que impressionava seus alegres interlocutores. Havia realmente um mistério.
            Na noite da Assunção, ocorreu a reunião de abertura, na qual o P. Rinaldi “falou muito bem”, nota no diário do P. Álbera. A eleição do Reitor-Mor prosseguiu na sessão da manhã seguinte. Desde o início da votação, os nomes do P. Álbera e do P. Rinaldi se alternavam em breves intervalos. O primeiro parecia cada vez mais perturbado e atônito; o outro, por sua vez, não dava o menor sinal de emoção. A situação era notada, e não sem uma pontinha de curiosidade. Um grande aplauso saudou o voto, que alcançou a maioria absoluta, exigida pela Regra. O P. Rinaldi, ao completar o último ato em sua qualidade de presidente da assembleia com a proclamação do eleito, pediu para ler um de seus lembretes. Obtendo o consentimento, fez-se restituir pelo P. Lemoyne, Secretário do Capítulo Superior, um envelope fechado, entregue a ele em 27 de fevereiro e contendo a seguinte inscrição: “Para ser aberto após as eleições que ocorreriam com a morte do querido P. Rua”. Tendo-o em mãos, ele o deslacrou e leu: “O sr. P. Rua está gravemente doente e eu me sinto na obrigação de entregar por escrito o que se conserva em meu coração, ao seu sucessor. No dia 22 de novembro de 1877, celebrava-se em Borgo São Martinho a habitual festa de São Carlos. À mesa presidida pelo Venerável João Bosco e por Dom Ferrò, eu também estava ao lado do P. Belmonte. Em certo momento, a conversa caiu sobre o P. Álbera, contando Dom Bosco as dificuldades que lhe foram impostas pelo clero de sua terra. Foi então que Dom Ferrò quis saber se o P. Álbera havia superado aquelas dificuldades: — Certamente, respondeu Dom Bosco. Ele é o meu segundo… — E passando a mão pela testa, suspendeu a frase. Mas eu logo calculei que não era o segundo a entrar nem o segundo em dignidade, não sendo do Capítulo Superior, nem o segundo Diretor e deduzi que era o segundo sucessor; mas guardei essas coisas em meu coração, esperando os eventos. Turim, 27 de fevereiro de 1910”. Os eleitores então compreenderam o porquê de seu comportamento e sentiram seus corações se expandirem: haviam, portanto, eleito aquele que havia sido preconizado por Dom Bosco trinta e três anos antes.
            Imediatamente, foi encarregado o P. Bertello de formular dois telegramas de comunicação ao Santo Padre e ao Cardeal Rampolla, Protetor da Sociedade. Ao Papa dizia-se: “O P. Álbera, novo Reitor-Mor da Pia Sociedade Salesiana e Capítulo Geral, que com máxima concordância de ânimos hoje, no nonagésimo quinto aniversário do nascimento do Venerável Dom Bosco, o elegeu e com o máximo júbilo o festeja eleito, agradece a Vossa Santidade pelos preciosos conselhos e orações e protesta profundo respeito e obediência ilimitada”. Sua Santidade respondeu imediatamente enviando a bênção apostólica. No telegrama, aludia-se a um autógrafo pontifício de 9 de agosto. Era do seguinte teor: “Aos diletos filhos da Congregação Salesiana do Venerável Dom Bosco reunidos para a eleição do Reitor Geral, na certeza de que todos, excluído qualquer tipo de afeição humana, darão seu voto àquele Coirmão que julgarem no Senhor o mais adequado para manter o verdadeiro espírito da Regra, para encorajar e dirigir à perfeição todos os Membros do Instituto religioso, e para fazer prosperar as múltiplas obras de caridade e de religião, às quais se consagraram, concedemos com paterno afeto a Bênção Apostólica. Do Vaticano, 9 de agosto de 1910. Pio PP. X”.
            Também o Cardeal Protetor havia dirigido, em 12 de agosto, “ao Regulador e Eleitores do Capítulo” uma palavra paterna de augúrio e de encorajamento, dizendo entre outras coisas: “O vosso amadíssimo Dom Bosco, com o mais intenso afeto de pai, já sem dúvida vos dirige do Céu o olhar e implora fervorosamente do Divino Paráclito que derrame sobre vós as luzes celestiais, inspirando-vos sábios conselhos. A santa Igreja aguarda de vossos sufrágios um digno sucessor de Dom Bosco e do P. Rua, que saiba sabiamente conservar a obra deles, e até aumentá-la com novos incrementos. E eu também, com o mais vivo interesse, unido a vós na oração, formo calorosos votos, para que, com o favor divino, a vossa escolha seja sob todos os aspectos feliz e tal que me traga a doce consolação de ver a Congregação Salesiana cada vez mais robusta florescer em benefício das almas e em honra do Apostolado católico. Portanto, façam com que, em ato tão sagrado e solene, os vossos ânimos se mantenham longe de interesses humanos e sentimentos pessoais; para que, guiados unicamente por retas intenções e ardente desejo da glória de Deus e do maior bem do Instituto, unidos em nome do Senhor na mais perfeita concordância e caridade, possam escolher como vosso regente aquele que, por santidade de vida, seja exemplo, por bondade de coração, pai amoroso, por prudência e sabedoria, guia seguro, por zelo e firmeza, vigilante guardião da disciplina, da observância religiosa e do espírito do Venerável Fundador”. Sua Eminência, recebendo não muito depois o P. Álbera, deu-lhe sinais inequívocos de considerar que a escolha havia sido feita conforme aos votos por ele expressos.
            Qual era o sentimento do eleito nos primeiros instantes, diz o diário, no qual sob o dia 16 de agosto lemos: “Este é um dia de grande infortúnio para mim. Fui eleito Reitor-Mor da Pia Sociedade de São Francisco de Sales. Que responsabilidade sobre meus ombros! Agora mais do que nunca devo clamar: Vinde, ó Deus, em meu auxílio. Orei muito, especialmente diante da tumba de Dom Bosco”. Em sua carteira foi encontrado um papel amarelado, no qual havia traçado e assinado este programa: “Terei sempre Deus em vista, Jesus Cristo como modelo, a Auxiliadora em ajuda, a mim mesmo em sacrifício”.
            Todos os membros do Capítulo Superior haviam expirado seu mandato ao mesmo tempo e era necessário fazer a eleição, o que foi realizado na terceira sessão. Primeiro foi eleito o Prefeito Geral. A votação sobre o nome de do P. Rinaldi foi plebiscitária. Dos 73 votantes, 71 deram o voto a ele. Portanto, faltou apenas um voto, que foi para o P. Paulo Virion, Inspetor francês. O outro, muito provavelmente o seu, foi para o P. Pedro Ricaldone, Inspetor na Espanha, por ele muito estimado. Retomou, portanto, seu trabalho diário, que deveria durar ainda doze anos, até que ele mesmo se tornasse Reitor-Mor.
            Feito isso, o Capítulo passou à eleição dos demais, que foram: o P. Barberis, Catequista Geral; o P. José Bertello, Ecônomo; o P. Luís Piscetta, o P. Francisco Cerruti, o P. José Vespignani, Conselheiros. Este último, Inspetor na Argentina, agradeceu à assembleia pelo ato de confiança, dizendo-se obrigado por motivos particulares e também pela saúde a declinar a nomeação, pedindo que se chegasse a uma nova eleição. Mas o Superior não acreditou que deveria aceitar assim de imediato a renúncia e pediu que ele suspendesse até o dia seguinte qualquer decisão. No dia seguinte, convidado pelo Reitor-Mor a notificar a resolução tomada, respondeu que, seguindo o conselho do Superior, se entregava inteiramente à obediência, aceitando o cargo.
            O primeiro ato do reeleito Prefeito Geral foi comunicar oficialmente aos Sócios a eleição do novo Reitor-Mor. Em uma breve carta, mencionando rapidamente as várias fases de sua vida, recordava oportunamente o chamado “Sonho da Roda”, no qual Dom Bosco havia visto o P. Álbera com uma lamparina na mão iluminando e guiando os outros (MBp VI, 844). Então, muito oportunamente, concluía: “Meus caros coirmãos, que ressoem mais uma vez em seus ouvidos as amorosas palavras de Dom Bosco na carta-testamento: «Seu Reitor morreu, mas será eleito outro, que cuidará de vocês e de sua eterna salvação. Ouçam-no, amem-no, obedeçam-no, orem por ele, como fizeram por mim»”.
            Às Filhas de Maria Auxiliadora, o P. Álbera achou oportuno fazer sem muita demora uma comunicação, tanto mais que recebia delas cartas em bom número. Agradecia, portanto, pelos seus parabéns, mas principalmente pelas suas orações. “Espero, escrevia, que Deus atenda seus votos e que não permita que minha inépcia seja prejudicial àquelas obras, às quais o Venerável Dom Bosco e o inesquecível P. Rua consagraram toda a sua vida”. Desejava, por fim, que entre os dois ramos da família de Dom Bosco reinasse sempre uma santa competição em conservar o espírito de caridade e zelo deixado em herança pelo fundador.
            Agora vamos dar uma olhada fugaz nos trabalhos do Capítulo Geral. Pode-se dizer que houve um único tema fundamental. O Capítulo anterior, após uma revisão bastante sumária dos Regulamentos, deliberou que, assim como estavam, fossem praticados por seis anos a título de experimento e que o Capítulo XI os revisse, fixando o texto definitivo. Esses Regulamentos eram seis: para os Inspetores, para todas as casas salesianas, para as casas de noviciado, para as paróquias, para os oratórios festivos e para a Pia União dos Cooperadores. O mesmo Capítulo X, com uma petição assinada por 36 membros, havia solicitado que no XI se tratasse da questão administrativa e, sobretudo, da maneira de tornar cada vez mais proveitosos os recursos de entrada que a Providência concedia a cada casa salesiana. Para facilitar o árduo trabalho, foi nomeada para cada Regulamento uma Comissão, digamos assim, de técnicos, extracapitulares, com a tarefa de fazer os estudos relativos e apresentar ao próprio Capítulo as conclusões.
            As discussões, iniciadas na quinta sessão, se prolongaram por mais 21. Para esgotar a matéria, teria sido necessário prolongar muito mais os trabalhos; mas o Capítulo Geral, com votação unânime, delegou a tarefa de finalizar a revisão ao Capítulo Superior, que prometeu executá-la, nomeando uma Comissão específica. No entanto, o Capítulo Geral, para mostrar que não se desinteressava e para ajudar a obra, manifestou o desejo de criar uma Comissão encarregada de formular os principais critérios que deveriam guiar a nova Comissão dos Regulamentos em seu longo e delicado trabalho. Assim foi feito. Portanto, foram levadas ao conhecimento da assembleia e aprovadas dez normas diretivas, elaboradas por seus delegados sob a presidência do P. Ricaldone. O pano de fundo delas era manter firme o espírito de Dom Bosco, conservando íntegros aqueles artigos que se reconheciam seus, e eliminar dos Regulamentos o que continha de puramente exortativo.
            Do XI Capítulo Geral, não recordarei mais nada, exceto dois episódios, que parecem ter particular importância. O primeiro refere-se ao Regulamento dos Oratórios festivos. A Comissão extracapitular achou por bem podá-lo, principalmente na parte referente às diversas funções. Ao P. Rinaldi pareceu que se destruía o conceito de Dom Bosco sobre os Oratórios festivos; por isso, levantou-se dizendo: “O Regulamento impresso em 1877 foi realmente compilado por Dom Bosco, e o P. Rua me assegurou isso quatro meses antes de sua morte. Faço, portanto, votos para que seja conservado intacto, pois, se for praticado, verá que ainda é bom hoje”.
            Aqui se acendeu uma animada discussão, da qual colho as falas mais notáveis. O relator declarou que a Comissão ignorava totalmente essa particularidade; mas observou também que esse Regulamento nunca foi praticado integralmente em nenhum Oratório festivo, nem mesmo em Turim. A Comissão opinou que o Regulamento havia sido feito a partir dos Regulamentos dos Oratórios festivos lombardos; de qualquer forma, ela apenas pretendia podá-lo e introduzir o que fosse prático, conforme se encontrasse nos melhores Oratórios salesianos. Mas o P. Rinaldi não se aquietou e insistiu no desejo do P. Rua de que aquele Regulamento fosse respeitado, como obra de Dom Bosco, mesmo com a introdução do que se julgasse útil para os jovens adultos.
            O P. Vespignani reforçou essa tese. Ele, que chegou ao Oratório já sacerdote em 1876, havia recebido do P. Rua a tarefa de transcrever do original de Dom Bosco aquele Regulamento e ainda conservava os primeiros rascunhos. Também o P. Barberis assegurou ter visto o autógrafo. Os opositores tinham objeções quanto às funções. Mas o P. Rinaldi não se rendeu, ao contrário, proferiu estas palavras enérgicas: “Nada se altere do Regulamento de Dom Bosco, caso contrário, perderia a autoridade”. O P. Vespignani confirmou mais uma vez o seu pensamento com exemplos da América e especialmente do Uruguai, onde, ao se querer experimentar de forma diferente na época de Dom Lasagna, não se conseguiu nada. Finalmente, a controvérsia foi encerrada com a votação da seguinte ordem do dia: “O Capítulo Geral XI delibera que se conserve intacto o ‘Regulamento dos Oratórios festivos’ de Dom Bosco, tal como foi impresso em 1877, fazendo apenas em apêndice aquelas adições que se considerassem oportunas, especialmente para as seções dos jovens mais adultos”. É digna de elogio a sensibilidade da assembleia diante de uma tentativa de reforma em coisas sancionadas por Dom Bosco.
            O segundo episódio pertence à penúltima sessão por uma questão não estranha aos Regulamentos, como à primeira vista poderia parecer. Foi levantada novamente pelo P. Rinaldi, que se fez intérprete do desejo de muitos, de que fosse definida a posição dos Diretores nas casas após o decreto sobre as confissões. Até 1901, o fato de serem eles confessores ordinários dos sócios e dos alunos fazia com que, ao dirigir, agissem habitualmente com um espírito paternal (este assunto é amplamente exposto em Annali III,170-194). Depois disso, começou-se a observar que se estava perdendo o caráter paternal desejado por Dom Bosco em seus Diretores e por ele insinuado no Regulamento das casas e em outros lugares; os Diretores, de fato, se dedicavam a cuidar dos assuntos materiais, disciplinares e escolares, tornando-se Reitores e não mais Diretores. “Devemos voltar, dizia o P. Rinaldi, ao espírito e ao conceito de Dom Bosco, manifestado especialmente nas ‘Lembranças confidenciais’ (Annali III,49-53) e no Regulamento. O Diretor deve ser sempre um Diretor salesiano. Exceto o ministério da confissão, nada mudou”.
            O P. Bertello lamentou que os Diretores tivessem acreditado que deveriam deixar com a confissão também o cuidado espiritual da casa, dedicando-se a funções materiais. “Esperamos, disse, que tenha sido algo passageiro. É preciso voltar ao ideal de Dom Bosco, descrito no Regulamento. Leiam aqueles artigos, meditem e pratiquem” (Ele os citou conforme a edição da época; na presente seriam os artigos 156, 157, 158, 159, 57, 160, 91, 195). Concluiu o P. Álbera dizendo: “É uma questão essencial para a vida da nossa Sociedade que se conserve o espírito do Diretor segundo o ideal de Dom Bosco; caso contrário, mudamos a forma de educar e não seremos mais salesianos. Devemos fazer de tudo para conservar o espírito de paternidade, praticando as lembranças que Dom Bosco nos deixou: elas nos dirão como devemos agir. Especialmente nos relatórios, poderemos conhecer nossos súditos e orientá-los. Quanto aos jovens, a paternidade não implica carícias ou concessões ilimitadas, mas o interessar-se por eles, dar-lhes a possibilidade de nos procurar. Não esqueçamos também a importância do discursinho da noite. Que as pregações sejam feitas bem e com coração. Façamos ver que nos importa a salvação das almas e deixemos a outros as partes odiosas. Assim, será conservada ao Diretor a auréola com a qual Dom Bosco queria que fosse cercado”.
            Nesta ocasião, os Capitulares encontraram aberta no Oratório uma Exposição geral das Escolas Profissionais e Agrícolas Salesianas, a terceira, que durou de 3 de julho a 16 de outubro. Tendo já descrito as duas anteriores, não é necessário parar para repetir mais ou menos as mesmas coisas (Annali III, 452-472). Naturalmente, a experiência passada serviu para uma melhor organização da mostra. Prevaleceu o critério enunciado já duas vezes pelo organizador P. Bertello, que, segundo uma ordem desejada por Dom Bosco, cada Exposição desse tipo é um fato destinado a se repetir periodicamente para o ensinamento e estímulo das escolas. A abertura e o fechamento receberam brilho pela intervenção das autoridades municipais e de representantes do Governo. Visitantes nunca faltaram, e entre eles personalidades de alto grau e também de verdadeira competência. No último dia, o prof. Pedro Gribaudi fez ao novo Reitor-Mor a primeira apresentação de ex-alunos turinenses, num número de cerca de 300. O Deputado Cornaggia, em seu discurso final, pronunciou este julgamento digno de permanecer (Boletim Salesiano, nov. 1910, p. 332): “Quem teve a oportunidade de aprofundar o estudo sobre a organização dessas escolas e dos conceitos que as inspiram, não pode deixar de admirar a sabedoria daquele Grande, que compreendeu as necessidades operárias nas condições dos tempos novos, antecipando a filantropos e legisladores”.
            Participaram da mostra 55 casas com um número total de 203 escolas. A avaliação dos trabalhos expostos foi confiada a nove júris distintos, dos quais fizeram parte 50 entre os mais ilustres professores, artistas e industriais de Turim. Deveria ter a Exposição um caráter exclusivamente escolar, segundo esse critério os trabalhos foram julgados e os prêmios atribuídos. Estes últimos foram significativos, oferecidos pelo Papa (uma medalha de ouro), pelo Ministério da Agricultura e Comércio (cinco medalhas de prata), pela Prefeitura de Turim (uma medalha de ouro e duas de prata), pelo Consórcio Agrário de Turim (duas medalhas de prata), pela “Pro Torino” (uma medalha vermeil [feita de prata dourada], uma de prata e duas de bronze), pelos ex-alunos do Círculo “Dom Bosco” (uma medalha de ouro), pela Empresa “Augusta” de Turim (500 liras em material tipográfico a ser dividido em três prêmios), pelo Capítulo Superior salesiano (coroa de louros em prata dourada para o grande prêmio) (As atribuições estão listadas no número citado do Boletim Salesiano).
            Vale a pena relatar os últimos períodos da relação, que o P. Bertello leu antes que fossem proclamados os premiados. Ele disse: “Cerca de três meses atrás, no ato de inaugurar nossa pequena Exposição, lamentamos que pela morte do Rev.mo Sr. P. Rua faltasse Aquele a quem pretendíamos fazer a homenagem de nossos estudos e de nossos trabalhos em seu jubileu sacerdotal. A Divina Providência nos deu um novo Superior e Pai na pessoa do Rev.mo Sr. P. Álbera. Portanto, ao encerrar a Exposição, depositamos em suas mãos nossos propósitos e nossas esperanças, certos de que o artesão, que já foi antes cuidado do Venerável Dom Bosco e deleite do senhor P. Rua, sempre terá um lugar conveniente no afeto e nas solicitações de seu Sucessor”.
            Esse foi o último triunfo do P. Bertello. Pouco mais de um mês depois, em 20 de novembro, uma doença súbita extinguiu de repente uma existência tão operosa. O engenho robusto, a sólida cultura, a firmeza de caráter e a bondade de ânimo fizeram dele antes um sábio Diretor de colégio, depois um diligente Inspetor e, finalmente, por doze anos, um experiente Diretor Geral das escolas profissionais e agrícolas salesianas. Tudo ele devia, depois de Deus, a Dom Bosco, que o havia criado no Oratório desde pequeno e o formou à sua imagem e semelhança.
            O P. Álbera não hesitou em cumprir o grande dever de render homenagem ao Vigário de Jesus Cristo, Aquele que a Regra chama de “árbitro e supremo Superior” da Sociedade. Imediatamente, em 1º de setembro, partiu para Roma, onde, ao chegar no dia 2, já encontrou o bilhete de audiência para a manhã do dia 3. Parecia quase que Pio X estava impaciente para vê-lo. Dos lábios do Papa, recolheu algumas expressões amáveis, que guardou no coração. Aos agradecimentos pelo autógrafo e pela bênção, o Papa respondeu que acreditou agir assim para fazer conhecer o quanto lhe agradava a atividade mundial dos Salesianos e acrescentou: — Vocês nasceram ontem, é verdade, mas estão espalhados por todo o mundo e em todo lugar trabalham muito. — Estando informado das vitórias já obtidas nos tribunais contra os caluniadores de Varazze (Annali III, 729-749), advertiu: — Vigiai, porque outros golpes estão sendo preparados por seus inimigos. — Finalmente, solicitado humildemente por alguma norma prática para o governo da Sociedade, respondeu: — Não se afastem dos usos e das tradições introduzidas por Dom Bosco e pelo P. Rua.
            Já havia terminado 1910 e o P. Álbera ainda não havia feito uma comunicação a toda a Sociedade. Novas e contínuas ocupações, principalmente as muitas conferências com os 32 Inspetores, o impediam sempre de se reunir à mesa. Somente na primeira metade de janeiro, como se pode ver no diário, escreveu as primeiras páginas de uma circular, que deveria resultar longa. Ele a enviou com a data de 25. Pedindo desculpas pelo atraso em se manifestar, homenageou o P. Rua e elogiou o P. Rinaldi por seu bom governo interino da Sociedade, se deteve em detalhes sobre o Capítulo Geral, sobre sua própria eleição, sobre a visita ao Papa, sobre a morte do P. Bertello. Em tudo, tinha a aparência de um pai que se entretém familiarmente com os filhos. Ele também compartilhou com eles suas preocupações sobre os acontecimentos em Portugal. Com a monarquia deposta em Lisboa em outubro de 1910, os revolucionários atacaram implacavelmente os religiosos, assaltando-os com uma fúria selvagem. Os Salesianos não tiveram que lamentar vítimas; no entanto, os coirmãos do Pinheiro, perto de Lisboa, passaram um dia difícil. Um bando de energúmenos invadiu e saqueou aquela casa, não apenas zombando dos sacerdotes e dos clérigos, mas também profanando sacrilegamente a capela e, mais sacrilegamente, espalhando no chão e até pisoteando as hóstias consagradas. Quase todos os Salesianos tiveram que deixar Portugal, refugiando-se na Espanha ou na Itália. Os revolucionários ocuparam as escolas e os laboratórios, de onde foram expulsos os alunos. A perseguição também se estendeu às colônias, de modo que foi necessário abandonar Macau e Moçambique, onde se fazia um grande bem (Annali III, 606 e 622-4). Mas já naquela época, o P. Álbera podia escrever: “Os mesmos que nos dispersaram reconhecem que privaram seu país das únicas escolas profissionais que possuía”.
            Ele, que tantas vezes ouvira Dom Bosco nos primórdios da Sociedade prever a multiplicação de seus filhos em cada nação, mesmo remota, e via então aquelas previsões se realizando maravilhosamente, sentia certamente todo o peso da imensa herança recebida e considerava que por algum tempo não era para se meter em novas obras, mas convinha aplicar-se a consolidar as existentes. Portanto, considerava ser seu dever inculcar a mesma coisa a todos os Salesianos: para obter isso, não bastavam sozinhos os Superiores, recomendava calorosamente a cooperação comum. Como naquela época o modernismo também ameaçava as famílias religiosas, alertava os Salesianos, suplicando-lhes que fugissem de toda novidade que Dom Bosco e o P. Rua não poderiam aprovar.
            Junto com a circular, enviava também a cada casa um exemplar das circulares do P. Rua, que da cama da morte lhe havia dado a tarefa de reuni-las em um volume. O trabalho tipográfico já estava terminado há cerca de dois meses; de fato, a publicação trazia na frente uma carta do P. Álbera com a data de 8 de dezembro de 1910.
            Para o próximo aniversário da morte de Dom Bosco, enviava, portanto, às casas um duplo presente, a circular e o livro. A este segundo, ele dava uma atenção especial, porque sabia que estava oferecendo nele um grande tesouro de ascética e de pedagogia salesiana. As pegadas do P. Rua ele se propôs a seguir, propondo-se especialmente a imitar sua caridade e zelo em procurar o bem espiritual de todos os Salesianos.

Annali della Società salesiana, vol. IV (1910-1921), pp. 1-13




Vera Grita, peregrina de esperança

            Vera Grita, filha de Hamlet e de Maria Anna Zacco da Pirrera, nasceu em Roma no dia 28 de janeiro de 1923; era a segunda de quatro irmãs. Viveu e estudou em Savona, onde obteve a habilitação para o magistério. Aos 21 anos, durante uma repentina incursão aérea sobre a cidade (1944), foi atropelada e pisoteada pela multidão em fuga, sofrendo graves consequências para seu corpo, que a partir de então ficou marcado para sempre pelo sofrimento. Passou despercebida em sua breve vida terrena, ensinando nas escolas do interior da Ligúria (Rialto, Erli, Alpicella, Deserto de Varazze), onde conquistou a estima e o afeto de todos por seu caráter bondoso e manso.
            Em Savona, na paróquia salesiana de Maria Auxiliadora, participava da Missa e era assídua ao sacramento da Penitência. Desde 1963, seu confessor era o salesiano P. João Bocchi. Salesiana Cooperadora desde 1967, realizou sua vocação no dom total de si ao Senhor, que de maneira extraordinária se doava a ela, no íntimo de seu coração, com a “Voz”, com a “Palavra”, para comunicar-lhe a Obra dos Tabernáculos Vivos. Submeteu todos os escritos ao diretor espiritual, o salesiano P. Gabriel Zucconi, e guardou no silêncio de seu coração o segredo daquela vocação, guiada pelo divino Mestre e pela Virgem Maria que a acompanharam ao longo do caminho da vida oculta, do despojamento e do aniquilamento de si.
            Sob o impulso da graça divina e acolhendo a mediação dos guias espirituais, Vera Grita respondeu ao dom de Deus, testemunhando em sua vida, marcada pelo sofrimento da doença, o encontro com o Ressuscitado e dedicando-se com heroica generosidade ao ensino e à educação dos alunos, suprindo as necessidades da família e testemunhando uma vida de pobreza evangélica. Centrada e firme no Deus que ama e sustenta, com grande firmeza interior, foi capaz de suportar as provas e os sofrimentos da vida. Com base nessa solidez interior, deu testemunho de uma existência cristã feita de paciência e constância no bem.
            Morreu no dia 22 de dezembro de 1969, aos 46 anos, em um quartinho do hospital em Pietra Lígure, onde havia passado os últimos seis meses de vida em um crescendo de sofrimentos aceitos e vividos em união com Jesus Crucificado. “A alma de Vera – escreveu o P. Borra, Salesiano, seu primeiro biógrafo – com as mensagens e as cartas entra na fileira daquelas almas carismáticas chamadas a enriquecer a Igreja com chamas de amor a Deus e a Jesus Eucarístico para a dilatação do Reino”.

Uma vida privada das esperanças humanas
            Humanamente, a vida de Vera é marcada desde a infância pela perda de um horizonte de esperança. A perda da autonomia econômica em seu núcleo familiar, portanto, o afastamento dos pais para ir a Módica, na Sicília, com as tias e, sobretudo, a morte do pai em 1943, colocam Vera diante das consequências de eventos humanos particularmente sofridos. Após o dia 4 de julho de 1944, dia do bombardeio sobre Savona que marcará toda a vida de Vera, suas condições de saúde também estarão comprometidas para sempre. Por isso, a Serva de Deus se viu jovem sem qualquer perspectiva de futuro e teve que, em várias ocasiões, rever seus projetos e renunciar a muitos desejos: dos estudos universitários ao ensino e, sobretudo, a uma própria família com o jovem com quem estava namorando. Apesar do fim repentino de todas as suas esperanças humanas entre 20 e 21 anos, a esperança está muito presente em Vera: tanto como uma virtude humana que acredita em uma mudança possível e se empenha para realizá-la (mesmo muito doente, preparou e venceu o concurso para lecionar), quanto, sobretudo, como uma virtude teologal – ancorada na fé – que lhe infunde energia e se torna um instrumento de consolação para os outros.
            Quase todas as testemunhas que a conheceram ressaltam tal aparente contradição entre condições de saúde comprometidas e a capacidade de nunca se queixar, atestando, em vez disso, alegria, esperança e coragem mesmo em circunstâncias humanamente desesperadoras. Vera se tornou “portadora de alegria”.
            Uma sobrinha afirma: «Ela estava sempre doente e sofrendo, mas nunca a vi desanimada ou enraivecida por sua condição; sempre tinha uma luz de esperança sustentada pela grande fé. […] Minha tia estava frequentemente internada no hospital, sofrida e frágil, mas sempre serena e cheia de esperança pelo grande Amor que tinha por Jesus».
            Também a irmã Liliana tirou, dos telefonemas vespertinos com ela, encorajamento, serenidade e esperança, embora a Serva de Deus estivesse então sobrecarregada por numerosos problemas de saúde e por vínculos profissionais: «ela me infundia – diz – confiança e esperança, fazendo-me refletir que Deus está sempre perto de nós e nos conduz. Suas palavras me traziam de volta aos braços do Senhor e eu encontrava a paz».
            Inês Zannino Tibirosa, cujo testemunho é de particular valor pois visitou assiduamente Vera no hospital “Santa Corona” em seu último ano de vida, atesta: «apesar das graves dores que a doença lhe causava, nunca a ouvi reclamar de seu estado. Ela aliviava e dava esperança a todos que se aproximavam e, quando falava de seu futuro, o fazia com entusiasmo e coragem».
            Até o final, Vera Grita se manteve assim: mesmo na última parte de seu caminho terreno, guardou um olhar para o futuro, esperava que com os tratamentos o tuberculoma pudesse ser reabsorvido, esperava poder ocupar a cátedra nos Piani di Invrea no ano letivo de 1969-1970, assim como se dedicar à sua missão espiritual, logo que saísse do hospital.

Educada na esperança e no caminho espiritual pelo confessor
            Nesse sentido, a esperança atestada por Vera está enraizada em Deus e naquela leitura sapiencial dos eventos que seu guia espiritual, o P. Gabriel Zucconi, e, antes dele, o confessor, P. João Bocchi, lhe ensinaram. Precisamente o ministério do P. Bocchi – homem de alegria e esperança – exerceu uma influência positiva sobre Vera, que ele acolheu em sua condição de doente e a quem ensinou a dar valor aos sofrimentos – não buscados – dos quais estava sobrecarregada. Antes de tudo, o P. Bocchi foi mestre de esperança; dele se disse: «com palavras sempre cordiais e cheias de esperança, ele abriu os corações à magnanimidade, ao perdão, à transparência nas relações interpessoais; viveu as bem-aventuranças com naturalidade e fidelidade diária».
«Esperando e tendo a certeza de que, como aconteceu com Cristo, também acontecerá conosco: a Ressurreição gloriosa», o P. Bocchi realizava, através de seu ministério, um anúncio da esperança cristã, fundamentada na onipotência de Deus e na ressurreição de Cristo. Mais tarde, da África, para onde partiu como missionário, dirá: «estava lá porque queria levar e doar a eles Jesus Vivo e presente na Santíssima Eucaristia com todos os dons de Seu Coração: a Paz, a Misericórdia, a Alegria, o Amor, a Luz, a União, a Esperança, a Verdade, a Vida eterna».
            Vera se tornou portadora de esperança e de alegria também em ambientes marcados pelo sofrimento físico e moral, por limitações cognitivas (como entre seus pequenos alunos com deficiência auditiva) ou condições familiares e sociais não ideais (como no “clima escaldante” de Erli).
            A amiga Maria Mattalia recorda: «Vejo o doce sorriso de Vera, às vezes cansado por tanto lutar e sofrer; lembrando sua força de vontade, busco seguir seu exemplo de bondade, de grande fé, esperança e amor […]».
            Antonieta Fazio – ex-zeladora da escola de Casanova – testemunhou sobre ela: «era muito querida por seus alunos, que amava muito, e em particular por aqueles com dificuldades intelectuais […]. Muito religiosa, transmitia a cada um fé e esperança, embora ela mesma estivesse sofrendo muito fisicamente, mas não abatida moralmente».
            Nesses contextos, Vera trabalhava para fazer renascer as razões da esperança. Por exemplo, no hospital (onde a comida é pouco satisfatória) ela se privou de um cacho especial de uvas para deixar uma parte no criado-mudo de todas as doentes do quarto, assim como sempre cuidou de sua aparência para se apresentar bem, em ordem, com compostura e refinamento, contribuindo assim para combater o ambiente de sofrimento de uma clínica, e às vezes a perda da esperança em muitos doentes que correm o risco de “se deixar levar”.
            Através das Mensagens da Obra dos Tabernáculos Vivos, o Senhor a educou a uma postura de espera, paciência e confiança nele. Incontáveis são, de fato, as exortações sobre esperar o Esposo ou o Esposo que espera sua esposa:

“Espere em seu Jesus sempre, sempre.

Que Ele venha às nossas almas, venha às nossas casas; venha conosco para compartilhar alegrias e tristezas, cansaços e esperanças.

Deixe meu Amor agir e aumente sua fé, sua esperança.

Siga-me na escuridão, nas sombras porque você conhece o «caminho».

Espere em Mim, espere em Jesus!

Após o caminho da esperança e da espera, haverá a vitória.

Para chamá-los às coisas do Céu”.

Portadora de esperança ao morrer e ao interceder
            Mesmo na doença e na morte, Vera Grita testemunhou a esperança cristã.
            Sabia que, quando sua missão estivesse cumprida, também a vida na terra teria terminado. «Esta é a sua tarefa e quando estiver terminada você se despedirá da terra para os Céus»: por isso não se sentia “proprietária” do tempo, mas buscava a obediência à vontade de Deus.
            Nos últimos meses, apesar de uma condição agravante e exposta a um piora do quadro clínico, a Serva de Deus atestou serenidade, paz, percepção interior de um “cumprimento” de sua vida.
            Nos últimos dias, embora estivesse naturalmente apegada à vida, o P. José Formento a descreveu «já em paz com o Senhor». Nesse espírito, pôde receber a Comunhão até poucos dias antes de morrer, e receber a Unção dos Enfermos no dia 18 de dezembro.
            Quando a irmã Pina a visitou pouco antes da morte – Vera estava há cerca de três dias em coma – desobedecendo ao seu habitual recato, disse-lhe que havia visto muitas coisas, coisas belíssimas que, infelizmente, não tinha tempo de contar. Soube das orações do Padre Pio e do Papa Bom por ela, além de acrescentar – referindo-se à Vida eterna – «Todos vocês virão para o paraíso comigo, tenham certeza disso».
            Liliana Grita também testemunhou como, no último período, Vera «sabia mais do Céu do que da terra». Da sua vida foi feito o seguinte balanço: «ela, tão sofredora, consolava os outros, infundindo-lhes esperança e não hesitava em ajudá-los».
            Muitas graças atribuídas à mediação intercessora de Vera dizem respeito, por fim, à esperança cristã. Vera – mesmo durante a Pandemia de Covid 19 – ajudou muitos a reencontrar as razões da esperança e foi para eles proteção, irmã no espírito, ajuda no sacerdócio. Ajudou interiormente um sacerdote que, após um AVC, havia esquecido as orações, não conseguindo mais pronunciá-las com sua extrema dor e desorientação. Fez com que muitos voltassem a rezar, pedindo a cura de um jovem pai atingido por uma hemorragia.
            Também a Irmã Maria Hilária Bossi, Mestra das Noviças das Beneditinas do Santíssimo Sacramento de Ghiffa, observa como Vera – irmã no espírito – é uma alma que direciona ao Céu e acompanha em direção ao Céu: «Sinto-a irmã no caminho para o céu… Muitos […] que se reconhecem nela, e a ela se referem, no caminho evangélico, na corrida em direção ao céu».
            Em síntese, compreende-se como toda a história de Vera Grita foi sustentada não por esperanças humanas, pelo mero olhar para o “amanhã”, esperando que fosse melhor que o presente, mas por uma verdadeira Esperança teologal: «ela era serena porque a fé e a esperança sempre a sustentaram. Cristo estava no centro de sua vida, dele ela tirava a força. […] era uma pessoa serena porque tinha no coração a Esperança teologal, não a esperança superficial […], mas aquela que deriva somente de Deus, que é dom e nos prepara para o encontro com Ele».

            Numa oração a Maria da Obra dos Tabernáculos Vivos, lê-se: «Levante-nos [Maria] da terra para que aqui vivamos e sejamos para o Céu, para o Reino do seu Filho».
            É bonito também lembrar que o P. Gabriel teve que peregrinar na esperança entre tantas provas e dificuldades, como escreve em uma carta a Vera de 4 de março de 1968 de Florença: «No entanto, devemos sempre esperar. A presença das dificuldades não impede que, no final, o bem, o bom, o belo triunfem. A paz, a ordem, a alegria retornarão. O homem filho de Deus recuperará toda a glória que teve desde o princípio. O homem será salvo em Jesus e encontrará em Deus todo o bem. Então, vêm à mente todas as coisas belas prometidas por Jesus e a alma nele encontra sua paz. Coragem: agora estamos como em combate. Virá o dia da vitória. Essa é a certeza em Deus».
            Na igreja de Santa Corona em Pietra Lígure, Vera Grita participava da Missa e ia rezar durante os longos internamentos. Seu testemunho de fé na presença viva de Jesus Eucarístico e da Virgem Maria em sua breve vida terrena é um sinal de esperança e de conforto, para aqueles que neste lugar de cura pedirem sua ajuda e sua intercessão junto ao Senhor para serem aliviados e libertados do sofrimento.
            O caminho de Vera Grita na cansativa labuta dos dias também oferece uma nova perspectiva leiga à santidade, tornando-se exemplo de conversão, aceitação e santificação para os ‘pobres’, os ‘frágeis’, os ‘doentes’ que nela podem se reconhecer e reencontrar esperança.
            Escreve São Paulo, «que os sofrimentos do momento presente não são comparáveis à glória futura que deverá ser revelada em nós». Com «impaciência» esperamos contemplar o rosto de Deus, pois «na esperança fomos salvos» (Rom 8,18.24). Portanto, é absolutamente necessário esperar contra toda esperança, «Spes contra spem». Porque, como escreveu Carlos Péguy, a Esperança é uma criança «irredutível». Em relação à Fé que «é uma esposa fiel» e à Caridade que «é uma Mãe», a Esperança parece, à primeira vista, não valer nada. E, no entanto, é exatamente o contrário: será a Esperança, escreve Péguy, «que veio ao mundo no dia de Natal» e que «trazendo as outras, atravessará os mundos».
            «Escreva, Vera de Jesus, eu te darei luz. A árvore florida na primavera deu seus frutos. Muitas árvores deverão florescer novamente na estação oportuna para que os frutos sejam abundantes… Peço que aceite com fé cada prova, cada dor por Mim. Você verá os frutos, os primeiros frutos da nova floração». (Santa Corona – 26 de outubro de 1969 – Festa de Cristo Rei – Penúltima mensagem).




Santidade salesiana 2024

Todo ano, o postulador para as causas dos santos da Congregação Salesiana, dom Pierluigi Cameroni, publica o “Dossiê Postulação Geral Salesianos de Dom Bosco – 2024”, que apresenta a lista atualizada dos santos e beatos relativos ao ano que passou. Nesta edição, além da lista atualizada, encontramos também o novo cartaz dedicado a esses testemunhos da fé salesiana. Propomos uma visão geral dos nomes incluídos no dossiê e das principais atividades da Postulação previstas para 2024, para continuar a difundir o espírito de Dom Bosco e a devoção a seus santos e beatos.

Não esqueçamos que são precisamente os santos que levam avante e fazem crescer a Igreja” (Papa Francisco).“De agora em diante que seja o nosso lema: a santidade dos filhos é prova da santidade do pai” (Pe. Rua).
É necessário expressar profunda gratidão e louvor a Deus pela santidade já reconhecida na Família Salesiana de Dom Bosco e por aquela que está em processo de reconhecimento. O êxito de uma Causa de Beatificação e Canonização é um evento de extraordinária importância e valor eclesial. Com efeito, trata-se de discernir a fama de santidade de um batizado, que viveu as bem-aventuranças evangélicas em grau heroico ou que deu a vida por Cristo.

De Dom Bosco aos nossos dias é atestada uma tradição de santidade a qual merece atenção, porque é a encarnação do carisma que dele se originou e que se expressou em uma pluralidade de estados de vida e de formas. Trata-se de homens e mulheres, jovens e adultos, consagrados e leigos, bispos e missionários que, em contextos históricos, culturais, sociais diferentes no tempo e no espaço, fizeram resplandecer o carisma salesiano com uma luz singular, representando um patrimônio que desempenha um papel eficaz na vida e na comunidade dos crentes e para os homens de boa vontade.

1.ELENCO EM 31 DE DEZEMBRO DE 2024
A nossa Postulação abarca 179 entre Santos, Beatos, Veneráveis, Servos de Deus.
As Causas seguidas diretamente pela Postulação são 61 (+ 5 extras).

SANTOS (10)
São João Bosco, sacerdote (data de Canonização: 1º de abril de 1934) – (Itália)
São José Cafasso, sacerdote (22 de junho de 1947) – (Itália)
Santa Maria D. Mazzarello, virgem (24 de junho de 1951) – (Itália)
São Domingos Sávio, adolescente (12 de junho de 1954) – (Itália)
São Leonardo Murialdo, sacerdote (3 de maio de 1970) – (Itália)
São Luís Versiglia, bispo, mártir (1º de outubro de 2000) – (Itália – China)
São Calisto Caravario, sacerdote, mártir (1º de outubro de 2000) – (Itália – China)
São Luís Orione, sacerdote (16 de maio de 2004) – (Itália)
São Luís Guanella, sacerdote (23 de outubro de 2011) – (Itália)
Santo Artêmides Zatti, religioso (9 de outubro de 2022) – (Itália – Argentina)

BEATOS (117)
Beato Miguel Rua, sacerdote (data de Beatificação: 29 de outubro de 1972) – (Itália)
Beata Laura Vicunha, adolescente (3 de setembro de 1988) – (Chile – Argentina)
Beato Felipe Rinaldi, sacerdote (29 de abril de 1990) – (Itália)
Beata Madalena Morano, virgem (5 de novembro de 1994) – (Itália)
Beato José Kowalski, sacerdote, mártir (13 de junho de 1999) – (Polônia)
Beato Francisco Kesy, leigo, e 4 companheiros mártires (13 de junho de 1999) – (Polônia)
            Czesław Józ´wiak, leigo
            Eduardo Kazmierski, leigo
            Eduardo Klinik, leigo
            Jarogniew Wojciechowski, leigo
Beato Pio IX, Papa (3 de setembro de 2000) – (Itália)
Beato José Calasanz, sacerdote, e 31 companheiros mártires (11 de março de 2001) – (Espanha)
            Antonio Maria Martín Hernández, sacerdote
            Recaredo do Ríos Fabregat, sacerdote
            Juliano Rodríguez Sánchez, sacerdote
            José Giménez López, sacerdote
            Agostinho García Calvo, coadjutor
            João Martorell Soria, sacerdote
            Tiago Buch Canal, coadjutor
            Pedro Mesonero Rodríguez, clérigo
            José Otín Aquilué, sacerdote
            Alvaro Sanjuán Canet, sacerdote
            Francisco Bandrés Sánchez, sacerdote
            Sérgio Cid Pazo, sacerdote
            José Batalla Parramó, sacerdote
            José Rabasa Bentanachs, coadjutor
            Gil Rodicio Rodicio, coadjutor
            Ângelo Ramos Velázquez, coadjutor
            Felipe Hernández Martínez, clérigo
            Zacarias Abadía Buesa, clérigo
            Tiago Ortiz Alzueta, coadjutor
            Saverio Bordas Piferrer, clérigo
            Félix Vivet Trabal, clérigo
            Miguel Domingos Cendra, clérigo
            José Caselles Moncho, sacerdote
            José Castell Camps, sacerdote
            José Bonet Nadal, sacerdote
            Tiago Bonet Nadal, sacerdote
            Alexandre Planas Saurí, colaborador leigo
            Eliseu Garcia Garcia, coadjutor
            Júlio Junyer Padern, sacerdote
            Maria Carmen Moreno Benítez, virgem
            Maria Amparo Carbonell Munhoz, virgem
Beato Luís Variara, sacerdote (14 de abril de 2002) – (Itália – Colômbia)
Beata Maria Romero Meneses, virgem (14 de abril de 2002) – (Nicarágua – Costa Rica)
Beato Augusto Czartoryski, sacerdote (25 de abril de 2004) – (França – Polônia)
Beata Eusebia Palomino, virgem (25 de abril de 2004) – (Espanha)
Beata Alexandrina M. Da Costa, leiga (25 de abril de 2004) – (Portugal)
Beato Alberto Marvelli, leigo (5 de setembro de 2004) – (Itália)
Beato Bronislau Markiewicz, sacerdote (19 de junho de 2005) – (Polônia)
Beato Enrico Saiz Aparício, sacerdote, e 62 companheiros mártires (28 de outubro de 2007) – (Espanha)
            Félix González Tejedor, sacerdote
            João Codera Marquês, coadjutor
            Virgílio Edreira Mosquera, clérigo
            Paulo Gracia Sánchez, coadjutor
            Carmelo João Pérez Rodríguez, subdiácono
            Teódulo González Fernández, clérigo
            Tomás Gil de la Cal, aspirante
            Frederico Cobo Sanz, aspirante
            Higino de Mata Díez, aspirante
            Justo Juanes Santos, clérigo
            Vitoriano Fernández Reinoso, clérigo
            Emilio Arce Díez, coadjutor
            Raimundo Eirín Mayo, coadjutor
            Mateus Garolera Masferrer, coadjutor
            Anastácio Garzón González, coadjutor
            Francisco José Martín López de Arroyave, coadjutor
            João de Mata Díez, colaborador leigo
            Pio Conde Conde, sacerdote
            Sabino Hernández Laso, sacerdote
            Salvador Fernández Pérez, sacerdote
            Nicolau de la Torre Merino, coadjutor
            Germano Martín Martín, sacerdote
            José Villanova Tormo, sacerdote
            Estevão Cobo Sanz, clérigo
            Francisco Edreira Mosquera, clérigo
            Emanuel Martín Pérez, clérigo
            Valentino Gil Arribas, coadjutor
            Pedro Artolozaga Mellique, clérigo
            Emanuel Borrajo Míguez, clérigo
            Dionisio Ullívarri Barajuán, coadjutor
            Miguel Lasaga Carazo, sacerdote
            Luís Martínez Alvarellos, clérigo
            João Larragueta Garay, clérigo
            Florêncio Rodríguez Güemes, clérigo
            Pascual de Castro Herrera, clérigo
            Estêvão Vázquez Alonso, coadjutor
            Heliodoro Ramos Garcia coadjutor
            José Maria Celaya Badiola, coadjutor
            André Jiménez Galera, sacerdote
            André Gómez Sáez, sacerdote
            Antônio Cid Rodríguez, coadjutor
            Antônio Torrero Luque, sacerdote
            Antônio Henrique Canut Isús, sacerdote
            Miguel Molina de la Torre, sacerdote
            Paulo Caballero López, sacerdote
            Honório Hernández Martín, clérigo
            João Luís Hernández Medina, clérigo
            Antônio Mohedano Larriva, sacerdote
            Antônio Fernández Camacho, sacerdote
            José Limón Limón, sacerdote
            José Blanco Salgado, coadjutor
            Francisco Míguez Fernández, sacerdote
            Emanuel Fernández Ferro, sacerdote
            Félix Paco Escartín, sacerdote
            Tomás Alonso Sanjuán, coadjutor
            Emanuel Gómez Contioso, sacerdote
            Antônio Pancorbo López, sacerdote
            Estêvão García García, coadjutor
            Rafael Rodríguez Mesa, coadjutor
            Antônio Rodríguez Blanco, sacerdote diocesano
            Bartolomeu Blanco Márquez, leigo
            Teresa Cejudo Redondo, leiga
Beato Zeferino Namuncurá, leigo (11 de novembro de 2007) – (Argentina – Itália)
Beata Maria Troncatti, virgem (24 de novembro de 2012) – (Itália – Equador)
            Decreto sobre milagre: 25 de novembro de 2024
            Canonização 7de setembro de 2025?
Beato Estêvão Sándor, religioso, mártir (19 de outubro de 2013) – (Hungria)
Beato Tito Zeman, sacerdote, mártir (30 de setembro de 2017) – Eslováquia).

VENERÁVEIS (20)
Ven. André Beltrami, sacerdote, (data do Decreto super virtutibus: 15 de dezembro de 1966) – (Itália)
Ven. Teresa Valsè Pantellini, virgem (12 de julho de 1982) – (Itália)
Ven. Dorotéia Chopitea, leiga (9 de junho de 1983) – (Espanha)
Ven. Vicente Cimatti, sacerdote (21 de dezembro de 1991) – (Itália – Japão)
Ven. Simão Srugi, religioso (2 de abril de 1993) – (Palestina)
Ven. Rodolfo Komorek, sacerdote (6 de abril 1995) – (Polônia – Brasil)
Ven. Luís Olivares, bispo (20 de dezembro de 2004) – (Itália)
Ven. Margarida Occhiena, leiga (23 de outubro de 2006) – (Itália)
Ven. José Quadrio, sacerdote (19 de dezembro de 2009) – (Itália)
Ven. Laura Meozzi, virgem (27 de junho de 2011) – (Itália – Polônia)
Ven. Atílio Giordani, leigo (9 de outubro de 2013) – (Itália – Brasil)
Ven. José Augusto Arribat, sacerdote (8 de julho de 2014) – (França)
Ven. Estêvão Ferrando, bispo (3 de março de 2016) – (Itália – Índia)
Ven. Francisco Convertini, sacerdote (20 de janeiro de 2017) – (Itália – Índia)
Ven. José Vandor, sacerdote (20 de janeiro de 2017) – (Hungria – Cuba)
Ven. Otávio Ortiz Arrieta Coya, bispo (27 de fevereiro de 2017) – (Peru)
Ven. Augusto Hlond, cardeal (19 de maio de 2018) – (Polônia)
Ven. Inácio Stuchly, sacerdote (21 de dezembro de 2020) – (República Tcheca)
Ven. Carlos Crespi Croci, sacerdote (23 de março de 2023) – (Itália – Equador)
Ven. Antônio De Almeida Lustosa, bispo (22 de junho de 2023) – (Brasil)

SERVOS DE DEUS (27)
As Causas estão listadas segundo o estado de progresso

Positio examinada pelos cardeais e bispos
Elias Comini, sacerdote (Itália) mártir
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 5 de maio de 2022
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 11 de abril de 2024
Sessão Ordinária de Cardeais e Bispos: 10 de dezembro de 2024
Decreto sobre o martírio: 18 de dezembro de 2024
Positio examinada pelos teólogos
João Świerc, sacerdote e 8 companheiros, mártires (Polônia)
            Inácio Dobiasz, sacerdote
            Francisco Harazim, sacerdote
            Casimiro Wojciechowski, sacerdote
            Inácio Antonowicz, sacerdote
            Ludovico Mroczek, sacerdote
            Carlos Golda, sacerdote
            Vladimir Szembek, sacerdote
            Francisco Miśka, sacerdote
Positio entregue: 21 de julho de 2022
Congresso Peculiar Histórico. 28 de março de 2023
Sessão Ordinária de Cardeais e Bispos: junho de 2025
Entregue a Positio
Constantino Vendrame, sacerdote (Itália – Índia)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 1° de fevereiro de 2013
Positio entregue: 19 de setembro de 2023
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 23 de janeiro de 2025

Orestes Marengo, bispo (Itália – Índia)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 6 de dezembro de 2013
Positio entregue: 28 de maio de 2024
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: setembro-outubro de 2025

Rodolfo Lunkenbein, sacerdote (Alemanha – Brasil) e Simão Bororo, leigo (Brasil), mártires
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 16 de dezembro de 2020
Positio entregue: 28 de novembro de 2024
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: setembro-outubro de 2025

Está em curso a redação da Positio
André Majcen, sacerdote (Eslovênia – China – Vietnam)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 23 de outubro de 2020

Vera Grita, leiga (Itália)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 14 de dezembro de 2022

José Cognata, bispo (Itália)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 11 de janeiro de 2023

Carlos Della Torre, sacerdote (Itália – Tailândia)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 1° de abril de 2016

Silvio Galli, sacerdote (Itália)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 19 de outubro de 2022

Akash Bashir, leigo, mártir (Paquistão)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 24 de outubro de 2024

À espera da validade dos atos do Inquérito diocesano
Antonieta Böhm, virgem (Alemanha – México)
Abertura do Inquérito diocesano: 7 de maio de 2017
Encerramento do Inquérito diocesano: 28 de abril de 2024
Validade dos atos do Inquérito diocesano
Antonino Baglieri, leigo (Itália)
Abertura do Inquérito diocesano: 2 de março de 2014        
Encerramento do Inquérito diocesano: 5 de maio de 2024
Validade dos atos do Inquérito diocesano

Causa temporariamente parada
Ana Maria Lozano, virgem (Colômbia)
Encerramento do Inquérito diocesano: 19 de junho de 2014

Está em curso o Inquérito diocesano
Luís Bolla, sacerdote (Itália – Equador – Peru)
Abertura do Inquérito diocesano: 27 de setembro de 2021
Encerramento do Inquérito diocesano

Rosetta Marchese, virgem (Itália)
Abertura do Inquérito diocesano: 30 de abril de 2021
Encerramento do Inquérito diocesano

Matilde Salem, leiga (Síria)
Abertura do Inquérito diocesano: 20 de outubro de 1995

Carlos Braga, sacerdote (Itália – China – Filipinas)
Abertura do Inquérito diocesano: 30 de janeiro de 2014     

Causas extras seguidas pela postulação (5)
Venerável COSTA DE BEAUREGARD CAMILO, sacerdote (França)
            O Decreto super virtutibus: 22 de janeiro de 1991
            Consulta médica super miro: 30 de março de 2023
            Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 19 de outubro de 2023
            Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos: 20 de fevereiro de 2024
            Beatificação: 17 de maio de 2025
Venerável BARELLO MORELLO CASIMIRO, terciário franciscano (Itália – Espanha)
O Decreto super virtutibus: 1º de julho de 2000
Venerável TYRANOWSKI JOÃO, leigo (Polônia)
            O Decreto super virtutibus: 20 de janeiro de 2017
Venerável BERTAZZONI AUGUSTO, bispo (Itália)
            O Decreto super virtutibus: 2 de outubro de 2019
Venerável CANELLI FÉLIX, sacerdote (Itália)
            O Decreto super virtutibus: 22 de maio de 2021

Devemos recordar também os Santos, Beatos, Veneráveis ​​e Servos de Deus que em diferentes tempos e formas se encontraram com o carisma salesiano como: a Beata Edviges Carboni; o Servo de Deus Cardeal José Guarino, fundador das Apóstolas da Sagrada Família; o Servo de Deus Salvo D’Acquisto, ex-aluno e muitos outros.


2. EVENTOS DE 2024

Na terça-feira, 16 de janeiro de 2024, na capela da Fundação Bocage, em Chambéry, teve lugar a sessão de abertura para o reconhecimento canônico e o tratamento conservador dos restos mortais do venerável Camilo Costa de Beauregard (1841-1910), sacerdote diocesano.

No dia 27 de fevereiro de 2024, na Sessão ordinária dos Cardeais e Bispos do Dicastério para as Causas dos Santos, foi dado voto positivo (7 em 7) ao pressuposto milagre atribuído pela intercessão do Venerável Camilo Costa de Beauregard, sacerdote diocesano (1841-1910), que aconteceu para o menino René Jacquemond, na recuperação de “ceratoconjuntivite intensa com abrasão da córnea, forte injeção pericerática, vermelhidão e injeção conjuntival, fotofobia e lacrimejamento do olho direito devido a trauma violento causado por um agente vegetal – bardana” (1910).

No dia 7 de março de 2024, a Consulta médica do Dicastério para as Causas dos Santos deu parecer positivo, com todos os votos a favor, ao suposto milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, Filha de Maria Auxiliadora (1883-1969). de “trauma cranioencefálico aberto com fratura cominutiva, exposição de tecido cerebral na região fronto-parieto-temporal direita e estado de coma (G6)” (2015).

Em 14 de março de 2024, o Sumo Pontífice autorizou o mesmo Dicastério a promulgar o Decreto referente ao milagre atribuído pela intercessão do Venerável Servo de Deus Camilo Costa de Beauregard, sacerdote diocesano; que nasceu em Chambéry (França) em 17 de fevereiro de 1841 e ali faleceu em 25 de março de 1910. O milagre, ocorrido em 1910, diz respeito ao menino René Jacquemond, curado de “ceratoconjuntivite intensa com abrasão da córnea, forte injeção pericerática, vermelhidão e injeção conjuntival, fotofobia e lacrimejamento do olho direito devido a trauma violento causado por um agente vegetal – bardana” (1910).

No dia 15 de março de 2024, em Lahore (Paquistão), foi encerrado o Inquérito diocesano sobre a Causa de Beatificação e Canonização de Akash Bashir (1994-2015), Leigo, Ex-aluno de Dom Bosco, morto por ódio à fé. É a primeira causa de beatificação do Paquistão.

No dia 11 de abril de 2024, durante o Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos no Dicastério para as Causas dos Santos, foi expresso um parecer favorável a respeito da Positio super martyrio do Servo Elia Comini, Sacerdote Professo da Sociedade Salesiana de São João Bosco (1910 – 1944), morto por ódio à fé no massacre nazista de Monte Sole em 1º de outubro de 1944.

No dia 28 de abril de 2024, em Cuautitlán (México), foi encerrado o Inquérito diocesano da Causa da Serva de Deus Antonieta Böhm (1907-2008), Filha de Maria Auxiliadora.

No dia 5 de maio de 2024, em Modica (Ragusa), foi encerrado o Inquérito diocesano do Servo de Deus Antonino Baglieri (1951-2007), Leigo, Voluntário com Dom Bosco.

No dia 28 de maio de 2024, o Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos do Dicastério para as Causas dos Santos deu voto favorável ao suposto milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, Filha de Maria Auxiliadora (1883-1969), de “trauma cranioencefálico aberto com fratura cominutiva, exposição de tecido cerebral na região fronto-parieto-temporal direita e estado de coma (G6)” (2015).

No dia 31 de maio de 2024, foi entregue ao Dicastério para as Causas dos Santos no Vaticano, o volume da Positio super Vita, Virtutibus et Fama Sanctitatis do Servo de Deus Orestes Marengo (1906-1998), Bispo salesiano missionário no Nordeste da Índia.

Terça-feira, 4 de junho de 2024, na comunidade “Zeferino Namuncurà”, em Roma, foram inauguradas e abençoadas as novas instalações da Postulação Geral Salesiana pelo Reitor-Mor, Cardeal Ángel Fernández Artime.

Em 24 de novembro de 2024, o Dicastério para as Causas dos Santos no Congresso ordinário deu validade jurídica ao Inquérito diocesano para a Causa de Beatificação e Canonização do Servo de Deus Akash Bashir (Risalpur 22 de junho de 1994 – Lahore 15 de março de 2015) Leigo, Ex-aluno de Dom Bosco.

No dia 19 de novembro de 2024, na Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos do Dicastério para as Causas dos Santos, foi dado voto positivo ao suposto milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, religiosa professa da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora (1883-1969), onde ocorreu a cura milagrosa de um senhor de “trauma cranioencefálico aberto com fratura cominutiva, perda e exposição de tecido cerebral na região fronto-parieto-temporal direita, dano axonal difuso (LAD), coma grave evoluindo para estado vegetativo tipo 2”, ocorrido em 2015 no Equador.

Em 25 de novembro de 2024, o Santo Padre autorizou o mesmo Dicastério a promulgar o Decreto relativo ao milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, religiosa professa da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora, nascida em Córteno Golgi (Itália) em 16 de fevereiro de 1883 e falecida em Sucúa (Equador) em 25 de agosto de 1969.

Em 28 de novembro de 2024, foi entregue ao Dicastério das Causas dos Santos no Vaticano, o volume da Positio super martyrio dos Servos de Deus Rodolfo Lunkenbein, sacerdote professo da Sociedade de São Francisco de Sales e Simão Bororo,Leigo, mortos por ódio à fé em 15 de julho de 1976.

Na terça-feira, 3 de dezembro de 2024, os Consultores Teólogos do Dicastério para as Causas dos Santos, durante o Congresso Peculiar, responderam afirmativamente a respeito da Positio super martyrio dos Servos de Deus João Świerc e VIII Companheiros, Sacerdotes Professos da Sociedade de São Francisco de Sales, mortos in odium fidei nos campos de extermínio nazistas nos anos 1941-1942.

Na terça-feira, 10 de dezembro de 2024, durante a Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos do Dicastério para as Causas dos Santos, foi expresso um parecer positivo a respeito da Positio super martyrio do Servo Elia Comini, Sacerdote Professo da Sociedade Salesiana de São João Bosco (1910-1944), morto por ódio à fé no massacre nazista de Monte Sole em 1º de outubro de 1944.

Quarta-feira, 18 de dezembro de 2024, o Santo Padre Papa Francisco autorizou o Dicastério para as Causas dos Santos a promulgar o Decreto relativo: ao martírio do Servo de Deus Elia Comini, Sacerdote Professo da Sociedade de São Francisco de Sales; nascido em 7 de maio de 1910 em Calvenzano di Vergato (Itália, Bolonha) e morto, por ódio à Fé, em Pioppe di Salvaro (Itália, Bolonha) em 1 de outubro de 1944.




A Devoção Mariana na Perspectiva de Dom Bosco

São João Bosco nutria uma profunda devoção a Maria Auxiliadora, uma devoção que tem suas raízes nas numerosas experiências de sua intervenção materna, iniciadas quando ele tinha apenas 9 anos. Esta verdadeira devoção não poderia permanecer apenas pessoal, e assim Dom Bosco sentiu a necessidade de compartilhá-la com os outros. Em 1869, fundou a Associação de Maria Auxiliadora (ADMA), que ainda hoje continua a ser uma realidade espiritual vibrante. A cada 5-6 anos, a associação organiza Congressos internacionais em honra a Maria Auxiliadora. O último, o IX Congresso, ocorreu em Fátima, Portugal, de 29 de agosto a 1º de setembro 2024. Apresentamos a intervenção conclusiva do Vigário do Reitor-Mor, o P. Stefano Martoglio.

Falo com prazer neste Congresso Mariano, após o que ouvimos e vivemos para reafirmar um ato de entrega pessoal e institucional, segundo o coração de Dom Bosco e a Fé da Igreja. Encerramos estes nossos dias com um dos aspectos espirituais que Dom Bosco percebe e vive como importante a nível pessoal e qualificante para sua obra: a devoção mariana. Nós nos confiamos às mãos maternas de Maria. Aqui agora, neste lugar Santo da presença de Maria; a ela pedimos que torne fecundos na vida o que vivemos, rezamos e ouvimos aqui.
Portanto, o que digo, após o que ouvimos e vivemos, é fazer memória, começando do início. Fazer memória é importante: significa reconhecer que isso não é nosso, nos foi confiado, e que devemos entregá-lo a outras gerações.
Com muita simplicidade, digo a mim e a cada um de nós alguns aspectos centrais da Presença de Maria em Dom Bosco, de sua e nossa devoção.

1. Maria nos escritos de Dom Bosco, comecemos do início.
A mulher “de aspecto majestoso, vestida com um manto, que brilhava de todos os lados”, descrita no sonho dos nove anos que tanto meditamos e pensamos neste Bicentenário deste Sonho, é Nossa Senhora, querida pela tradição popular e pela devoção comum. Sobre ela, Dom Bosco destaca principalmente a amabilidade materna. Esta representação é a mais condizente com sua alma, que o acompanhará até o último suspiro de vida.

Nas Memórias do Oratório, são mencionados muitos dos aspectos e das devoções típicas da religiosidade popular: rosário em família, Ângelus, novenas e tríduos, invocações e jaculatórias, consagrações, visitas a altares e santuários, festas marianas (Maternidade, Nome de Maria, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Dores, Consoladora, Imaculada, Nossa Senhora das Graças…). Atenção: quando dizemos aspectos típicos da religiosidade popular, não estamos dizendo algo fácil nem “automático”. A religiosidade popular é a quintessência, o destilado, da experiência de séculos que nos é dada como presente; da qual devemos nos apropriar.

No período dos estudos em Chieri, aparecem mais elementos que conectam a devoção mariana às opções espirituais do jovem Bosco, especialmente a maturação vocacional e o fortalecimento das virtudes que formam o bom seminarista. Nossa Senhora do seminário é a Imaculada (em todos os seminários piemonteses, e naqueles influenciados pela tradição lazarista, a capela é dedicada à Imaculada desde o século XVII).
Este, de fato, é o aspecto que caracteriza a piedade mariana do jovem Dom Bosco (formado na escola de Santo Afonso): a verdadeira devoção, que se expressa principalmente em uma vida virtuosa, garante o patrocínio mais poderoso que se pode ter em vida e na morte.

Ele também escreverá em “O Jovem Instruído” em 1847: “Se vocês forem seus devotos, além de se encherem de bênçãos neste mundo, terão o paraíso na outra vida”.

Mas é sobretudo no livreto “O mês de maio consagrado a Maria Santíssima Imaculada para uso do povo” (1858), que o santo enquadra explícita e insistentemente a devoção mariana popular e juvenil num contexto voltado para um compromisso sério e concreto de vida cristã vivida com fervor e amor.

“Três coisas a serem praticadas durante todo o mês: 1. Fazer o que pudermos para não cometer nenhum pecado durante este mês: que ele seja todo consagrado a Maria. 2. Ter grande solicitude para o cumprimento dos deveres espirituais e temporais do nosso estado… 3. Convidar nossos parentes e amigos e todos aqueles que dependem de nós a participar das práticas de piedade que são feitas em honra de Maria durante o mês”.

O outro tema, herdado de toda uma tradição devota, é a conexão entre a devoção mariana e a salvação eterna: “Pois o mais belo ornamento do cristianismo é a Mãe do Salvador, Maria Santíssima, assim a Vós me dirijo, ó clementíssima Virgem Maria, estou seguro de adquirir a graça de Deus, o direito ao Paraíso, de recuperar, enfim, a minha dignidade perdida, se Vós orardes por mim: Auxilium christianorum, ora pro nobis” [Auxílio dos cristãos, rogai por nós]. Dom Bosco está convencido de que Maria intervém como advogada eficaz e mediadora poderosa junto a Deus.
Dez anos depois (1868), para a inauguração da igreja de Maria Auxiliadora, o santo escreve e difunde um folheto intitulado “Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora”. Nesta obra, é ressaltada a dimensão eclesial, sobre a qual o olhar de Dom Bosco se abre cada vez mais e se orientam suas preocupações missionárias e educativas.

Os títulos de Imaculada e de Auxiliadora no contexto eclesial da época evocam lutas e triunfos, o “grande confronto” entre a Igreja e a sociedade liberal. Faz-se uma leitura religiosa dos eventos políticos e sociais, na linha da reação católica à incredulidade, ao liberalismo, à descristianização.
No entanto, Dom Bosco, para seus meninos e seus salesianos, continua a enfatizar predominantemente a dimensão ascético-espiritual e apostólica da piedade mariana. De fato, a prática do mês de Maria e das várias devoções visa a determinar nos jovens a decisão de um maior compromisso com seu dever, a exercer as virtudes, a um ardor ascético (mortificações em honra de Maria), a uma caridade operativa e a uma generosa ação de apostolado entre os companheiros.
Ou seja, Dom Bosco tende a atribuir à Imaculada e à Auxiliadora um papel determinante na obra educativa e formativa e a valorizar, no clima do fervor mariano da época, exercícios virtuosos e práticas devotas para levar uma vida de purificação do pecado e do apego a ele e de crescente totalidade de entrega de si a Deus.

Portanto: luta contra o pecado e orientação a Deus, santificação de si e do próximo, serviço de caridade, força para carregar a cruz e compromisso missionário. Estes são os traços salientes de uma devoção mariana que tem muito pouco de devocionista e sentimental (apesar do clima da época e dos gostos populares que, de qualquer forma, Dom Bosco valoriza).
Que caminho em Dom Bosco e Dom Bosco, o homem de fé! Entre o que vocês têm no coração, gostaria de colocar um acento: eu também, nós também devemos caminhar na devoção. Não se fica parado, se não se avança, retrocede-se… e ninguém pode fazer isso por mim!

2. Maria na vida de Dom Bosco, expressões cotidianas da devoção de Dom Bosco e nossa devoção

2.1. O sentido de uma presença
Maria é, na vida de Dom Bosco, uma presença percebida, amada, ativa e estimulante, voltada para o grande negócio da salvação eterna e da santidade. Ele a sente próxima e confia nela, deixando-se guiar e conduzir pelos caminhos de sua vocação (ele a sonha com ela, ele a “vê”).

Em Nizza Monferrato, em junho de 1885, Dom Bosco se entretinha no parlatório com as madres capitulares das Filhas de Maria Auxiliadora, com um fio de voz, muito cansado. Foi pedido que deixasse a elas uma última lembrança. “Oh, então, vós quereis que eu diga alguma coisa. Se eu pudesse falar, quantas coisas eu gostaria de dizer! Mas estou velho, muito velho, como vedes; mal consigo falar. Quero apenas dizer que Nossa Senhora vos ama muito, muito. E, sabeis, ela está aqui entre vós. Então, o P. Bonetti, vendo-o emocionado, o interrompeu e começou a dizer, apenas para distraí-lo:
– Sim, exatamente assim! Dom Bosco quer dizer que Nossa Senhora é vossa Mãe e que ela vos observa e protege.
– Não, não, retomou o Santo, quero dizer que Nossa Senhora está realmente aqui, nesta casa e que está contente convosco, e que se continuardes com o espírito de agora, que é o desejado por Nossa Senhora… O bom Pai se emocionava mais do que antes e o P. Bonetti tomou a palavra novamente:
– Sim, exatamente isto! Dom Bosco quer dizer que, se vós fordes sempre boas, Nossa Senhora ficará contente convosco.
– Mas não, mas não, esforçava-se para explicar Dom Bosco, tentando dominar sua própria emoção. Quero dizer que Nossa Senhora está realmente aqui, aqui entre vós! Nossa Senhora passeia nesta casa e a cobre com seu manto. – Ao dizer isso, estendia os braços, levantava os olhos lacrimejantes para cima e parecia querer persuadir as irmãs de que ele via Nossa Senhora ir e vir como em sua própria casa”.

É uma presença operativa: aquela que acompanha, sustenta, guia, encoraja; aquela que lhe foi dada: “Eu te darei a Mestra sob cuja disciplina você pode se tornar sábio, e sem a qual toda sabedoria se torna tolice”. Uma presença que estimula a viver conscientemente na presença de Deus em uma tensão de totalidade: “Ao pensar em Deus presente / faça com que os lábios, o coração, a mente / sigam o caminho da virtude / ó grande Virgem Maria. / Sac. João Bosco” (oração escrita pelo santo aos pés de uma de suas fotografias).

Esplêndido e essencial: o que não é presença viva na minha vida é ausência! O sentido da Presença, da Providência de Deus, da ação de Maria. Um caminho contínuo para cada um de nós e para todos nós juntos, Família Salesiana.

2.2. A energia da missão
Dom Bosco conecta estreitamente Maria com sua vocação e seu ministério. Aqui é bom retomar a apresentação que Dom Bosco faz do sonho dos nove anos: “Tomando-me com bondade pela mão – veja – ela me disse… Aqui está seu campo, aqui é onde você deve trabalhar. Torne-se humilde, forte, robusto; e o que neste momento você vê acontecer com esses animais, você deverá fazer pelos meus filhos”. É a missão de salvação/transformação/formação dos jovens, através da prevenção, da educação, da instrução, da evangelização, e um sólido conjunto de virtudes no educador.
O Filho de Maria ensina o método e o objetivo: “Não com as pancadas, mas com a mansidão e com a caridade você deverá conquistar esses seus amigos. Portanto, comece imediatamente a dar-lhes uma instrução sobre a feiura do pecado e sobre a preciosidade da virtude”.
A narração feita em 1873-74 do antigo sonho inspirador se conecta com muitos outros relatos de intervenções e inspirações interiores (os sonhos) nos quais nosso santo atribuiu a Maria um papel de animação, de guia e de apoio de seu anseio e de seu zelo pela missão de salvação juvenil.
Neste contexto, devem ser colocados e interpretados aqueles que Dom Bosco reconhece como intervenções prodigiosas de Maria: as “graças” (espirituais e corporais) concedidas às pessoas, a poderosa proteção dela sobre o Oratório e sobre a nascente Família Salesiana e seu prodigioso desenvolvimento em benefício das almas.
As graças pessoais, a percepção da presença particular de Deus, por intercessão de Maria, que guia providencialmente a existência pessoal e institucional. Se você não percebe a Presença, está à mercê do acaso.

2.3. Estímulo à santidade
Dom Bosco vive a devoção mariana como estímulo e apoio da tensão à perfeição cristã. Na mesma perspectiva, ele a inculca sabiamente nos jovens para promover neles a vida cristã e estimulá-los ao desejo de santidade.
Valorizando a sensibilidade de seus meninos e os gostos populares de sua piedade, Dom Bosco soube transformar uma tendência devocional, tingida de sentimento romântico, em um poderoso instrumento de formação espiritual (encorajando, corrigindo, orientando).
Maria nunca nos deixa onde nos encontra. Como no início dos Sinais do Evangelho de João, sabe que devemos ser guiados, acompanhados… para um itinerário preciso: façam o que ele lhes disser e chegarão aonde EU os espero, nos diz Dom Bosco. Ver o invisível.

3. Identidade salesiana e devoção mariana
Para concluir, compartilho com vocês, com simplicidade, aquilo que vivemos como coirmãos, e que está no centro da nossa vocação. Gosto de concluir com esta parte, pois é a espinha dorsal da minha e da nossa vida. Se faz tanto bem a mim, a nós, com certeza fará bem a todos.

Em primeiro lugar, as Constituições, que delineiam os traços característicos da nossa devoção mariana. O artigo 8º (colocado no primeiro capítulo, relativo aos elementos que asseguram a identidade da Congregação Salesiana) sintetiza o sentido da presença de Maria na nossa Sociedade: ela indicou a Dom Bosco seu campo de ação, o guiou e sustentou constantemente, e continua entre nós sua missão de Mãe e Auxiliadora: nós «nos confiamos a ela, humilde serva em quem o Senhor fez grandes coisas, para nos tornarmos testemunhas do amor inesgotável de seu Filho entre os jovens».

O artigo 92 apresenta o papel de Maria na vida e na piedade do salesiano: modelo de oração e de caridade pastoral; mestra de sabedoria e guia da nossa família; exemplo de fé, de solicitude pelos necessitados, de fidelidade na hora da cruz, de alegria espiritual; nossa educadora para a plenitude de doação ao Senhor e ao corajoso serviço dos irmãos. Daí resulta, portanto, uma devoção filial e forte, que se expressa na oração (rosário diário e celebração de suas festas) e na imitação convicta e pessoal.

A melhor síntese, no entanto, encontra-se, a meu ver, na Oração de entrega a Maria Santíssima Auxiliadora, que é recitada diariamente em cada uma de nossas comunidades após a meditação. Foi o P. Rua, em 1894, quem a compôs, como expressão de consagração diária no compromisso de fidelidade e generosidade. Hoje foi revisada, mas conserva a mesma estrutura daquela antiga e os mesmos conteúdos. Eis o texto primitivo:

«Santíssima e imaculada Virgem Auxiliadora, nós nos consagramos inteiramente a vós e prometemos sempre agir para a maior glória de Deus e para a salvação das almas.

Pedimos que dirijais os vossos olhares piedosos sobre a Igreja, seu augusto Chefe, os Sacerdotes e Missionários, sobre a Família Salesiana, nossos parentes e benfeitores e a juventude a nós confiada, sobre os pobres pecadores, os moribundos e as almas do purgatório.

Ensinai-nos, ó Mãe muito amada, a reproduzir em nós as virtudes do nosso Fundador, em particular a angélica modéstia, a profunda humildade e a ardente caridade.

Fazei, ó Maria Auxiliadora, que a vossa poderosa intercessão nos torne vitoriosos contra os inimigos da nossa alma em vida e na morte, para que possamos vir a fazer-vos coroa com Dom Bosco no Paraíso. Assim seja».

Como se pode ver, a versão atual não faz mais do que retomar, com alguns desenvolvimentos, o texto do P. Rua. Acredito que seja bom, de vez em quando, retomá-la e meditá-la. Está estruturada em quatro partes: promessa; intercessão; docilidade; entrega.

Na primeira parte (Santíssima) se recorda a finalidade última da nossa consagração, prometendo orientar cada uma de nossas ações unicamente ao serviço de Deus e à salvação do próximo, na fidelidade à essência da vocação salesiana.

Na segunda parte (Pedimos) se condensa o sentido eclesial, salesiano e missionário da nossa consagração, confiando à intercessão de Maria a Igreja, a Congregação e a Família Salesiana, os jovens, especialmente os mais pobres, todos os homens redimidos por Cristo. Aqui está bem delineada a paixão que deve alimentar e caracterizar a oração salesiana: universalidade, eclesialidade, missionariedade juvenil.

Na terceira parte (Ensinai-nos) estão concentradas as virtudes que caracterizam a fisionomia típica do salesiano discípulo de Dom Bosco: nos colocamos à escola de Maria para crescer na união com Deus, na castidade, na humildade e na pobreza, no amor ao trabalho e na temperança, na ardente caridade amorosa (bondade e doação ilimitada aos irmãos), na fidelidade à Igreja e ao seu magistério.

Na última parte (Fazei, ó Maria Auxiliadora) nos confiamos à intercessão da Virgem Auxiliadora para obter a fidelidade e a generosidade no serviço a Deus até a morte e a admissão na comunhão eterna dos santos.

Esta excelente síntese, que contém um completo programa de vida espiritual e delineia os traços fisionômicos da nossa identidade, pode nos servir hoje de referência e de traço concreto para a verificação e a programação espiritual. E assim seja para cada um de nós!




As Jornadas da Espiritualidade Salesiana

Este ano, as XLIII Jornadas da Espiritualidade Salesiana ocorrerão de 16 a 19 de janeiro, como de costume, em Valdocco. Representam, para toda a Família Salesiana espalhada pelo mundo, uma oportunidade preciosa de encontro, reflexão e renovação espiritual. Todo ano, no mês de janeiro, religiosos, religiosas, leigos e jovens se reúnem para redescobrir as raízes do carisma salesiano, celebrando a figura e a herança de São João Bosco, fundador da Congregação Salesiana e grande amigo dos jovens. O objetivo é promover uma reflexão comunitária sobre os valores da fé, da fraternidade e da missão educativa, segundo o espírito salesiano, em um contexto de festa e oração.

Origem e significado das Jornadas da Espiritualidade Salesiana
A tradição das Jornadas da Espiritualidade Salesiana tem suas raízes na prática educativa de Dom Bosco, que compreendeu a importância de cultivar momentos de formação para seus jovens e para os colaboradores que o acompanhavam na missão. Desde as primeiras décadas de vida da Congregação, sentiu-se a necessidade de se reunir periodicamente para reler a experiência vivida nas obras salesianas e dialogar com os desafios do presente. Com o passar dos anos, o carisma salesiano se espalhou muito além das fronteiras do Piemonte, alcançando os cinco continentes. Ao mesmo tempo, a necessidade de se encontrar para um confronto e um discernimento comum tornou-se cada vez mais urgente, tornando indispensável uma oportunidade de encontro que hoje conhecemos como Jornadas da Espiritualidade Salesiana.

As Jornadas, celebradas tipicamente no mês de janeiro, próximo à festa litúrgica de São João Bosco (31 de janeiro), representam a síntese de um ano inteiro de trabalho, oração e reflexão em torno do tema proposto pelo Reitor-Mor dos Salesianos com a chamada Strenna. A Strenna é uma mensagem anual que, partindo de uma frase ou de um conceito-chave, visa orientar a vida e a missão salesiana no mundo. Durante esses dias, os participantes aprofundam juntos o sentido dessa mensagem, confrontando-se com outras realidades salesianas, compartilhando testemunhos e deixando-se inspirar por momentos de oração e celebração.

Estrutura e momentos destacados
As Jornadas da Espiritualidade Salesiana geralmente ocorrem em um lugar particularmente significativo para a Congregação, como o Colle Don Bosco ou Valdocco em Turim, onde São João Bosco deu os primeiros passos de seu apostolado juvenil. Em outros casos, para favorecer a participação dos fiéis e dos membros da Família Salesiana residentes em várias partes do mundo, podem ser organizados eventos paralelos ou transmissões ao vivo. Isso permite que qualquer pessoa interessada, mesmo à distância, acompanhe os principais momentos de oração, ouça as meditações e interaja com os palestrantes.

Durante esses dias, a agenda é marcada por uma série de compromissos que vão desde a reflexão teológica e pastoral até momentos de convivência e festa. Entre os momentos destacados estão:

1. Conferências e palestras temáticas: figuras autoritativas do mundo salesiano, teólogos, educadores e responsáveis pelas obras apresentam aprofundamentos sobre o tema anual. Essas palestras oferecem um panorama amplo dos desafios educativos e pastorais contemporâneos, ajudando a situar o carisma salesiano no contexto atual.

2. Trabalhos em grupo e oficinas: para passar do plano teórico ao prático, os participantes são envolvidos em grupos de trabalho ou laboratórios, onde têm a oportunidade de comparar as experiências vividas em suas realidades e imaginar novas formas de evangelização e acompanhamento juvenil.

3. Celebrações e momentos de oração: as Jornadas da Espiritualidade Salesiana não são apenas estudo e aprofundamento, mas também, e sobretudo, uma oportunidade de encontro com Deus. As liturgias e as orações comunitárias, que pontuam toda a duração do evento, constituem uma fonte de nutrição espiritual que sustenta e reforça o sentido de pertencimento à grande Família Salesiana.

4. Testemunhos e compartilhamento de experiências: ouvir os relatos de missionários, educadores e jovens provenientes de diferentes contextos socioculturais é um elemento fundamental. Esses testemunhos concretos dão um rosto aos valores salesianos e demonstram a vivacidade de um carisma que, a mais de um século da morte de Dom Bosco, continua a inspirar gerações de crentes.

5. Encontro com o Reitor-Mor: um momento particularmente aguardado e significativo é o encontro com o Reitor-Mor, figura que representa o sucessor de Dom Bosco. Em sua intervenção, ele exorta toda a Família Salesiana a continuar com empenho a obra educativa e pastoral, lembrando a importância de unir a vida espiritual com a ação concreta em favor dos jovens, especialmente os mais necessitados.

Os protagonistas: a Família Salesiana em caminho
As Jornadas da Espiritualidade Salesiana não envolvem apenas os religiosos salesianos (SDB) e as Filhas de Maria Auxiliadora (FMA), mas reúnem todos os grupos que compõem a variada Família Salesiana: os Cooperadores Salesianos, os Ex-alunos e Ex-alunas de Dom Bosco, os Voluntários de Dom Bosco, as Voluntárias de Dom Bosco, as Associações dos Devotos de Maria Auxiliadora e muitos outros. Essa pluralidade de expressões e de pertencimento revela a riqueza de um carisma que soube se manifestar em formas e sensibilidades diferentes, mas sempre convergentes no amor pelos jovens e pela Igreja.

Rumo a uma renovação contínua do carisma
Uma das mensagens mais importantes que emergem das Jornadas da Espiritualidade Salesiana é a necessidade de uma renovação contínua e criativa do carisma de Dom Bosco. O mundo muda a um ritmo vertiginoso, com desafios inéditos que dizem respeito à esfera tecnológica, social e educativa. Para permanecer fiel ao fundador e ao Evangelho, a Família Salesiana é chamada a estar sempre em saída, a não se contentar com fórmulas “já testadas”, mas a experimentar formas de apostolado que saibam falar aos jovens de hoje.

A fidelidade a Dom Bosco não significa repetir mecanicamente o que foi feito no passado, mas aprofundar seu espírito e seu método preventivo, para encontrar novas linguagens e experiências educativas adequadas ao presente. Esse é o sentido profundo das Jornadas da Espiritualidade Salesiana: um tempo de escuta, confronto e compartilhamento que abre para o futuro, mantendo firme o olhar para aquela inspiração originária que tornou a Congregação Salesiana um ponto de referência para milhões de jovens em todo o mundo.

As Jornadas da Espiritualidade Salesiana, celebradas todo ano no mês de janeiro, não são apenas um compromisso fixo do calendário salesiano, mas um verdadeiro “laboratório espiritual” onde se respira a riqueza de um carisma em contínua evolução. Em uma época em que as relações humanas são frequentemente fragmentadas e a busca de sentido é cada vez mais urgente, a mensagem salesiana mantém intacta sua atualidade: colocar o jovem no centro, amá-lo, valorizá-lo, acompanhá-lo no caminho para a maturidade humana e cristã. E é exatamente nessa perspectiva que as Jornadas da Espiritualidade Salesiana se revelam um presente precioso para a Família Salesiana e para toda a Igreja, um sinal de que a paixão educativa de Dom Bosco vive ainda hoje, fecunda e cheia de esperança, capaz de gerar frutos de bem em cada canto do planeta.

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Estreia 2025. Ancorados na esperança, peregrinos com os jovens

INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES
1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO
1.1 O Jubileu
1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana
2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA
2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã
2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna
2.3 Características da esperança
2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética
2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro
2.3.3 A esperança não é um fato privado
3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO
3.1 A esperança é um convite à responsabilidade
3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização
3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão
3.3.1 As atitudes do enviado
3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar
4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA
4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho
4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera
5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO
5.1……………………………………………………………………………………………………… Deus é a origem da nossa esperança
5.1.1 Um breve aceno ao sonho
5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança
5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco
5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco
5.2 A fidelidade de Deus: até o fim
6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA

INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES

Queridas irmãs e queridos irmãos pertencentes aos diversos grupos da Família Salesiana de Dom Bosco, uma saudação muito cordial a todos no início deste novo ano de 2025!

Não é sem emoção que me dirijo a todos e a cada um de vocês neste tempo de graça marcado por dois eventos importantes para a vida da Igreja e da nossa Família: o Jubileu de 2025, iniciado solenemente no último dia 24 de dezembro com a abertura da porta santa da Basílica de São Pedro no Vaticano, e o 150º aniversário da primeira expedição missionária desejada pelo nosso pai Dom Bosco, que partiu em 11 de novembro de 1875 para a Argentina e outros países do Continente americano.

Os dois importantes eventos têm o seu ponto de encontro na esperança. De fato, ao proclamar o Jubileu, o Papa Francisco indicou precisamente essa virtude como perspectiva; igualmente, a experiência missionária é prenúncio de esperança para todos: para aqueles que partiram (e continuam a partir) e para aqueles que foram alcançados pelos missionários.

O ano que nos é dado apresenta-se, pois, rico em ideias para o nosso crescimento concreto e cotidiano, a fim de que a nossa humanidade seja fecunda na atenção aos outros… Isso só acontecerá nos corações que colocam Deus no centro, a ponto de poderem dizer: «Coloquei-Te antes de mim».

Tentarei ressaltar esses elementos neste meu comentário, para aprofundar em chave carismática o que a Igreja é convidada a viver neste ano e evidenciar o que para nós, Família de Dom Bosco, deve guiar-nos para novos horizontes.

1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO

O título da Estreia envolve o enlace de dois eventos: o jubileu ordinário do ano 2025 e o 150º aniversário da primeira expedição missionária enviada por Dom Bosco à Argentina.

A coincidência, que ouso definir “providencial”, dos dois eventos faz de 2025 um ano decididamente extraordinário para todos nós, e ainda mais para os Salesianos de Dom Bosco. De fato, em fevereiro, março e abril será celebrado o 29º Capítulo Geral, que levará, entre outras coisas, à eleição do novo Reitor-Mor e do novo Conselho Geral.

Eventos globais e especiais, portanto, que nos envolvem de diferentes maneiras e que queremos vivenciar com profundidade e intensidade. Porque é justamente através desses eventos que podemos experimentar a alegria de ir ao encontro de Cristo e a importância de permanecer ancorados na esperança.

1.1 O Jubileu

«Spes non confundit! A esperança não engana!».[1]

É assim que o Papa Francisco apresenta o Jubileu. Que maravilha! Que indicação “profética”!

O Jubileu é uma peregrinação para colocar Jesus Cristo novamente no centro das nossas vidas e da vida do mundo. Pois Ele é a nossa esperança. Ele é a esperança da Igreja e do mundo inteiro!

Todos nós estamos cientes de que o mundo atual tem necessidade dessa esperança que nos coloca em relação com Jesus Cristo e com os demais nossos irmãos e irmãs. Faz-se necessária a esperança que nos torna peregrinos, nos põe em movimento e nos faz caminhar.

Falamos da esperança como de uma redescoberta da presença de Deus. O Papa Francisco escreve: «A esperança encha o coração!»[2] A esperança não só aqueça o coração, mas encha-o, encha-o até transbordar!

1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana

Foi dessa esperança transbordante que há 150 anos encheram-se os corações dos participantes da primeira expedição missionária salesiana à Argentina.

Dom Bosco, desde Valdocco, lança o seu coração para além de todas as fronteiras, enviando os seus filhos ao outro lado do mundo! Envia-os para além de qualquer segurança humana, envia-os para dar continuidade ao que ele começara. Põe-se em caminho com os outros, esperando e incutindo esperança. Ele simplesmente os envia, e os primeiros (jovens) irmãos partem e vão. Para onde? Nem mesmo eles sabem! Mas confiam na esperança e obedecem. Porque é a presença de Deus a nos guiar.

Nessa obediência, cheia de entusiasmo, a nossa esperança atual encontra nova energia e impele-nos a caminhar como peregrinos.

Por isso, este aniversário deve ser comemorado; ele ajuda-nos a reconhecer um dom (não uma conquista pessoal, mas um dom gratuito do Senhor), permite-nos recordar e, a partir da memória, ganhar forças para enfrentar e construir o futuro.

Vivamos hoje, pois, fazendo com que esse futuro seja possível, e façamo-lo da única maneira que consideramos grande: compartilhando com os jovens e com todas as pessoas em nossos ambientes (a começar pelos mais pobres e esquecidos) a viagem para encontrar Cristo, nossa única Esperança.

2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA

Jubileu é caminhar juntos, ancorados em Cristo, nossa esperança. Mas o que isso realmente significa?

Retomo alguns elementos da Bula de Proclamação do Jubileu 2025 que destacam algumas características da esperança.

2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã

Estamos convencidos de que nada nem ninguém nos pode separar de Cristo, pois é n’Ele que queremos e devemos agarrar-nos, ancorar-nos. Não podemos caminhar sem a nossa âncora.

A âncora da esperança é o próprio Cristo, que na cruz, na presença do Pai carrega os sofrimentos e as feridas da humanidade.[3]

A âncora tem a forma da cruz, razão pela qual também foi retratada nas catacumbas para simbolizar a pertença dos fiéis defuntos a Cristo Salvador.

Esta âncora já está firmemente conectada ao porto da salvação. A nossa tarefa é amarrar nela a nossa vida, a corda que prende o nosso barco à âncora de Cristo.

Navegamos nas ondas agitadas do mar e precisamos ancorar-nos em algo sólido. Mas a tarefa já não é lançar a âncora e prendê-la ao fundo do mar. A tarefa é prender o nosso barco à corda que, por assim dizer, pende do Céu, onde a âncora de Cristo está firmemente fixada. Agarrando-nos a essa corda, prendemo-nos à âncora da salvação e tornamos certa a nossa esperança.

A esperança é certa quando o barco da nossa vida se prende à corda que nos liga à âncora fixada em Cristo crucificado, que está à direita do Pai, ou seja, na comunhão eterna do Pai, no amor do Espírito Santo.[4]

Tudo isso é bem expresso na oração litúrgica da Solenidade da Ascensão do Senhor:

«Deus todo-poderoso, fazei-nos exultar de santa alegria e fervorosa ação de graças, pois na ascensão de Cristo nossa humanidade foi elevada junto a vós e, tendo Ele nos precedido como nossa cabeça, nos chama para a glória como membros do seu corpo».[5]

O escritor e político tcheco Václav Havel define a esperança como um estado de espírito, uma dimensão da alma. Ela não depende de uma observação prévia do mundo, não se trata de uma previsão.

Byung-Chul Han acrescenta: «A esperança é uma orientação do coração que transcende o mundo imediato da experiência, é uma ancoragem em algum lugar além do horizonte. As raízes da esperança estão no transcendente: é por isso que não é a mesma coisa ter Esperança e ficar satisfeito porque as coisas caminham bem. Podemos pensar que ter esperança é simplesmente querer sorrir para a vida a fim de que ela, por sua vez, sorria de volta, mas não se trata disso; devemos ir mais fundo, precisamos mover-nos com a corda que nos leva à âncora.

A esperança é a capacidade de cada um de nós trabalhar por alguma coisa que se deve fazer, não porque essa alguma coisa será um sucesso garantido. Pode fracassar, pode dar errado: não esperamos que tudo corra bem, não somos otimistas. Trabalhamos para que isso aconteça. Eis porque a esperança não é igual a otimismo. A esperança não é o convencimento de que alguma coisa dará certo, mas a certeza de que ela faz sentido independentemente do seu resultado.

Fazer alguma coisa porque faz sentido: é nisso que consiste a esperança, que implica valores e pressupõe a fé. É isso que lhe dá a força para viver e nos dá a força para ainda experimentar alguma coisa de novo, e de novo, mesmo na desesperança».[6]

Mas como se pode caminhar permanecendo ancorados? A âncora pesa sobre você, restringe-o, fixa-o. Para onde leva esse caminho? Leva à eternidade.

2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna

A promessa de vida eterna, justamente pela forma como é feita, não contorna o caminho da vida, não é um salto para o alto, não propõe entrar num foguete que se desprende da terra e voa para o espaço deixando no chão a estrada, a poeira do caminho, nem deixa o barco, sem nós, à deriva no mar.

Essa promessa é precisamente uma âncora fixada no eterno, mas a ela permanecemos presos por uma corda que mantém firme o barco que atravessa o mar. E é justamente o fato de estar fixada no céu a permitir que o barco não permaneça parado no meio do mar, mas avance em meio às ondas.

Se a âncora de Cristo ancorasse o homem no fundo do mar, ficaríamos parados onde estamos, talvez acomodados, sem problemas, mas ainda assim, sem navegar, sem avançar. Todavia, a própria ancoragem da vida no Céu esteja a significar que a promessa que desperta a nossa esperança não interrompe o caminho, não nos dá a segurança de um refúgio onde fechar-nos e deter-nos, mas dá-nos a certeza de caminhar e continuar o caminho. A promessa de uma meta precisa, que Cristo já alcançou para nós, torna firme e decisivo cada passo no caminho da vida.

É importante entender o Jubileu como uma peregrinação, como um convite para pôr-se em movimento, para sair de si e ir a Cristo.

Jubileu sempre foi sinônimo de caminhada. Se você realmente deseja Deus, deve mover-se, deve caminhar. Porque o desejo de Deus, o anseio por Deus leva-o a encontrá-Lo e, ao mesmo tempo, leva a encontrar a si mesmo e aos outros.

«Nós nascemos e jamais morreremos».[7]

É belo e significativo o título da biografia da Serva de Deus Chiara Corbella Petrillo. Belo, porque a nossa vinda ao mundo é orientada para a vida eterna. A vida eterna é uma promessa que rompe a porta da morte, abrindo-nos ao “face a face com Deus”, para sempre. A morte é uma porta que se fecha e, ao mesmo tempo, uma porta que se abre de par em par para o encontro definitivo com Deus!

Sabemos como era vivo em Dom Bosco o desejo do céu, proposto e compartilhado com alegria com os jovens do Oratório.

2.3 Características da esperança

2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética

Gabriel Marcel,[8] chamado de o filósofo da esperança, ensina que a esperança é encontrada na trama de uma experiência contínua; ter esperança é dar crédito a uma realidade como portadora de futuro.

Eric Fromm[9] escreve que a esperança não é espera passiva, mas tensão contínua e constante. É como um tigre agachado que salta no momento exato.

Ter esperança é estar atento a cada momento em tudo o que ainda não aconteceu. As virgens que aguardavam o noivo com lâmpadas acesas tinham esperança, Dom Bosco tinha esperança diante das dificuldades e ajoelhava-se para rezar.

A esperança está pronta quando tudo está prestes a nascer. Ela está vigilante, atenta, à escuta, capaz de guiar na criação de algo novo, dando vida ao futuro na Terra. Por isso, ela é “visionária e profética”, concentra a nossa atenção no ainda inexistente; é ela quem ajuda a dar à luz algo de novo.

2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro

Sem esperança não há revolução, não há futuro, há apenas um presente feito de otimismo estéril.

Costuma-se pensar que quem tem esperança é um otimista, enquanto o pessimista é essencialmente o seu oposto. Não é assim que acontece. É importante não confundir esperança com otimismo. A esperança é muito mais profunda, pois não depende de humores, sentimentos ou sentimentalismo. A essência do otimismo é a positividade inata. O otimista vive convencido de que, de alguma forma, as coisas vão melhorar. Para o otimista, o tempo está fechado, não contempla o futuro: tudo dará certo e basta.

Paradoxalmente, também para o pessimista, o tempo está fechado: ele se vê preso no presente como numa prisão, negando tudo sem se aventurar em outros mundos possíveis. O pessimista é tão teimoso quanto o otimista, ambos são cegos para as possibilidades, porque para eles o possível é estranho, falta-lhes paixão pelo possível.

Ao contrário de ambos, a esperança aposta no que pode ir além do que poderia ser.

E mais, o otimista (assim como o pessimista) não age, porque qualquer ação implica um risco e, como ele não quer correr riscos, fica parado, não quer fazer a experiência do fracasso.

A esperança, por outro lado, busca, tenta encontrar uma direção, dirige-se para o que não conhece, estabelece um rumo para coisas novas. Essa é a peregrinação do cristão.

2.3.3 A esperança não é um fato privado

Todos nós carregamos esperanças em nossos corações. Não é possível não ter esperança, mas também é verdade que podemos iludir-nos, considerando perspectivas e ideais que nunca serão realizados, que são apenas ilusões e imagens enganadoras.

Grande parte da nossa cultura, especialmente ocidental, está repleta de falsas esperanças que iludem e destroem ou podem arruinar irreparavelmente a existência de indivíduos e sociedades inteiras.

De acordo com o pensamento positivo, basta substituir os pensamentos negativos por pensamentos positivos para viver mais feliz. Com esse mecanismo simples, os aspectos negativos da vida são completamente omitidos e o mundo aparece como um mercado de Amazon, que nos fornecerá o que quisermos graças à nossa atitude positiva.

Em conclusão, se a nossa disposição de pensar positivamente fosse suficiente para sermos felizes, então cada um seria o único responsável da própria felicidade.

Paradoxalmente, o culto à positividade isola as pessoas, torna-as egoístas e destrói a empatia, porque as pessoas só se preocupam consigo mesmas e não se importam com o sofrimento alheio.

A esperança, ao contrário do pensamento positivo, não evita a negatividade da vida, não isola, mas une e reconcilia, porque o protagonista da esperança não sou eu, concentrado no meu ego, entrincheirado exclusivamente em mim mesmo, o segredo da Esperança somos nós.

Por isso, irmãos da Esperança são o Amor, a Fé e a Transcendência.

3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO

3.1 A esperança é um convite à responsabilidade

A esperança é um dom e, como tal, deve ser transmitido àqueles que encontramos pelo caminho.

São Pedro afirma claramente: «Estai sempre prontos para responder a quem vos pedir a razão da vossa esperança».[10] Ele convida-nos a não ter medo, a agir na vida de todos os dias, a dar razão – quanto espírito salesiano nesta palavra “razão”! – da esperança. Trata-se de uma responsabilidade do cristão. Se somos mulheres e homens de esperança, isso se vê logo!

«Dar razão da esperança que está em nós», torna-se anúncio da ‘boa nova’ de Jesus e do seu Evangelho.

Mas por que é preciso responder a quem nos pergunta sobre a esperança que está em nós? E por que sentimos necessidade de recuperar a esperança?

Na Bula de Proclamação do Jubileu Spes non confundit, o Papa Francisco lembra que «todos, na realidade, sentem a necessidade de recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem cse conformar com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas materiais. Isto fecha-nos no individualismo e corrói a esperança, gerando uma tristeza que se aninha no coração, tornando-nos amargos e impacientes».[11]

É uma observação impressionante porque descreve toda a tristeza que respiramos em nossas sociedades e comunidades. É uma tristeza disfarçada de falsa alegria, aquela que é constantemente anunciada, prometida e garantida pela mídia, pela publicidade, pela propaganda dos políticos, por tantos falsos profetas do bem-estar. Contentar-se com o bem-estar impede-nos de abrir-nos para um bem muito maior, muito mais verdadeiro, muito mais eterno: aquele que Jesus e os apóstolos chamam de “a salvação da alma, a salvação da vida”; um bem pelo qual Jesus nos convida a não ter medo de perder a vida, os bens materiais, as falsas seguranças que, muitas vezes, desmoronam num instante.

Sobre estas “perguntas”, mais ou menos expressas (também pelos jovens), temos a tarefa de “dar razão”. O que eu desejo para os jovens e para todas as pessoas que encontro em meu caminho? O que eu gostaria de pedir a Deus por eles? Como gostaria que Ele mudasse as suas vidas?

Há apenas uma resposta: a vida eterna. Não só a vida eterna como o estado sublime que podemos alcançar após a morte, mas a vida eterna possível aqui e agora, a vida eterna como Jesus a define: «a vida eterna é esta: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste».[12] Ou seja, uma vida definida, iluminada pela comunhão com Cristo e, por meio d’Ele, com o Pai.

A nós, cabe acompanhar as gerações mais jovens no caminho rumo à vida eterna, na ação educativa que nos distingue. Ação que para nós, Família Salesiana, é missão. E o que move a nossa missão? Sempre Cristo, nossa esperança.

De fato, a missão educativa tem a esperança no seu centro.

Em última análise, a esperança de Deus nunca é esperança só para si. É sempre esperança para os outros: não nos isola, mas nos une e encoraja a educar-nos reciprocamente na verdade e no amor.

3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização

Coragem e esperança formam uma combinação interessante. Com efeito, embora seja verdade que é impossível não esperar, é igualmente verdade que para esperar é preciso coragem. A coragem vem de ter o mesmo olhar de Cristo, capaz de esperar contra toda esperança,[13] de ver solução mesmo quando parece não haver saída. E como essa atitude é “salesiana”!

Tudo isso requer a coragem de ser a gente mesmo, de reconhecer a própria identidade no dom de Deus e de investir as energias numa responsabilidade precisa. Conscientes de que o que nos foi confiado não é nosso, mas temos a missão de transmiti-lo às próximas gerações. Esse é o coração de Deus, essa é a vida da Igreja.

Uma atitude que encontramos na primeira expedição missionária.

Considero a referência ao artigo 34 das Constituições dos Salesianos de Dom Bosco muito útil: ele evidencia o que está no cerne do nosso movimento carismático e apostólico. Sugiro que cada um dos grupos da nossa articulada e bela Família se aproprie dos mesmos elementos que ofereço aqui, relendo as respectivas Constituições e Estatutos.

O artigo tem como título: Evangelização e catequese, e diz assim:

«”Esta Sociedade, em seu início, era um simples catecismo”. Também para nós, a evangelização e a catequese são a dimensão fundamental da nossa missão.

Como Dom Bosco, somos chamados todos e em qualquer ocasião, a ser educadores da fé. Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo; e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério.

Caminhamos com os jovens para conduzi-los à pessoa do Senhor ressuscitado, a fim de que, descobrindo n’Ele e em seu Evangelho o sentido supremo da própria existência, cresçam como homens novos.

A Virgem Maria é uma presença materna nesta caminhada. Procuramos torná-la conhecida e amada como Aquela que acreditou, ajuda e infunde esperança».

Este artigo representa o coração pulsante que bem delineia, também para esta Estreia, quais são as energias e as oportunidades que se apresentam como cumprimento e realização do “sonho global” inspirado por Deus a Dom Bosco.

Se viver o Jubileu é, antes de tudo, garantir que Jesus esteja e volte a estar em primeiro lugar, o espírito missionário é a consequência desse reconhecido primado, que fortalece a nossa esperança e se traduz naquela caridade educativa e pastoral que faz com que a pessoa de Jesus Cristo seja anunciada a todos. Esse é o coração da evangelização e distingue a autêntica missão.

É importante lembrar o início da primeira encíclica de Bento XVI, Deus caritas est:

«Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».[14]

Portanto, prioritário e fundamental é o encontro com Cristo, não a “simples” difusão de uma doutrina, mas uma profunda experiência pessoal de Deus que nos leva a comunicá-Lo, fazê-Lo conhecer e experimentar, tornando-nos verdadeiros “mistagogos” da vida dos jovens.

3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão

Dom Bosco mantinha sempre diante dos olhos uma frase que os jovens podiam ler quando passavam pela sua sala, uma expressão que impressionou particularmente Domingos Sávio: “Da mihi animas cetera tolle”.

Há, neste lema, um equilíbrio fundamental que une as duas prioridades que guiaram a vida de Dom Bosco – e que chamamos significativamente de “graça de unidade” – que nos permitem salvaguardar sempre a interioridade e a ação apostólica.

Se faltar o amor de Deus no coração, como poderá haver verdadeira caridade pastoral? E, ao mesmo tempo, se o apóstolo não descobriu o rosto de Deus no seu próximo, como dizer que ama a Deus?

O segredo de Dom Bosco está em que ele viveu pessoalmente o singular «movimento de caridade para com Deus e para com os irmãos»[15]que caracteriza o espírito salesiano.

3.3.1 As atitudes do enviado

São dois os sonhos-chave da vida de Dom Bosco, que evidenciam as atitudes do apóstolo, daquele que é enviado:

  • o “sonho dos nove anos”, em que Jesus e Maria pedem a Joãozinho que se torne humilde, forte e robusto com a obediência e a ciência, recomendando sempre a bondade para conquistar o coração dos jovens e mantendo sempre Maria como sua mestra e guia;
  • o “sonho do caramanchão de rosas” que aponta para a “paixão” na vida salesiana que exige ter os “bons calçados” da mortificação e da caridade.

3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar

Celebrar os 150 anos da primeira expedição missionária de Dom Bosco é um grande dom para

  • Reconhecer e agradecer a Deus.

O reconhecimento torna evidente a autoria de toda bela realização. Sem a gratidão, não há disposição para a aceitação. Sempre que deixamos de reconhecer um dom em nossa vida pessoal e institucional, corremos o sério risco de anulá-lo e “apropriar-nos” dele”.

  • Repensar, porque “nada é para sempre”.

A fidelidade sempre envolve a capacidade de mudar, na obediência, para uma visão que vem de Deus e da leitura dos “sinais dos tempos”. Nada é para sempre; do ponto de vista pessoal e institucional, a verdadeira fidelidade é a capacidade de mudar, de conhecer a quê coisa o Senhor chama cada um de nós.

Repensar, então, torna-se um ato generativo, em que fé e vida se unem; é o momento em que se pergunta: Senhor, o que queres dizer para nós com esta pessoa, com esta situação à luz dos sinais dos tempos que, para serem lidos, requerem o próprio coração de Deus?

  • Relançar, recomeçar a cada dia.

A gratidão leva a olhar para o futuro e aceitar os novos desafios, relançando a missão com esperança. A missão é levar a esperança de Cristo com a consciência lúcida e clara, ligada à fé, que faz reconhecer que aquilo que vejo e vivo “não é coisa minha”.

4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA

4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho

Santo Tomás de Aquino diz que «Spes introducit ad caritatem»,[16] a esperança prepara e predispõe a nossa vida, a nossa humanidade, à caridade. Uma caridade que também é justiça, ação social.

A esperança precisa dar testemunho. Estamos no centro da missão, porque missão não é, antes de tudo, fazer coisas, mas é o testemunho de alguém que viveu uma experiência e a relata. A testemunha é portadora de uma memória, ela suscita perguntas naqueles que a encontram, causa admiração.

O testemunho de esperança requer uma comunidade, é trabalho de um sujeito coletivo e é contagioso, assim como é contagiosa a nossa humanidade, porque o testemunho é um vínculo com o Senhor.

A esperança no testemunho da missão deve ser construída de geração em geração, entre adultos e jovens: esse é o caminho do futuro. Em nossa cultura, o consumismo devora o futuro, a ideologia do consumo extingue tudo no “aqui e agora”, no “tudo e já”. Entretanto, você não pode consumir o futuro, não pode apropriar-se do que é diferente de você, não pode apropriar-se do outro.[17]

Na construção do futuro, a esperança é a capacidade de prometer e cumprir promessas… algo esplêndido e raro no nosso mundo. Prometer é esperar, colocar em movimento, e é por isso que – como se disse – a esperança é o caminho, é a energia mesma do caminho.

4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera

Toda vida, todo dom, tudo, precisa de tempo para crescer. O mesmo acontece com os dons de Deus que precisam de tempo para amadurecer. Aí está porque em nosso tempo, quando se quer tudo e já no nosso “consumo” do tempo e da vida, somos convidados a dar fôlego e força à virtude da paciência, porque a esperança se realiza na paciência.[18] A esperança e a paciência estão, de fato, intimamente unidas.

A esperança envolve a capacidade de saber esperar, de esperar o crescimento, como se dissesse que “uma virtude atrai a outra”!

Para que a esperança seja realidade e se manifeste em sentido pleno, é necessário ter paciência. Nada se manifesta de forma milagrosa, porque tudo está sujeito à lei do tempo. A paciência é a arte do agricultor que semeia e sabe esperar que a semente semeada cresça e dê frutos.

A esperança começa em nós como espera e é exercida como espera conscientemente vivida em nossa humanidade. A espera é uma dimensão muito importante da experiência humana. O homem sabe como esperar, o homem está sempre em uma dimensão de espera, porque ele é a criatura que vive no tempo de modo consciente.

A espera humana é a verdadeira medida do tempo, uma medida que não é numérica, nem cronológica. Nós nos acostumamos a calcular a espera, a dizer que ‘esperamos uma hora’, que ‘o trem está cinco minutos atrasado’, que ‘a Internet nos fez esperar quatorze intermináveis’ segundos antes de responder ao nosso clique, mas quando a medimos dessa forma, distorcemos a espera, fazemos dela uma coisa, um fenômeno separado de nós mesmos e daquilo que estamos esperando. É como se a espera fosse algo a sé, em si, sem relação. Todavia, a espera – estamos no ponto crucial – é relação, é dimensão do mistério da relação.

Só quem tem esperança tem paciência. Só quem tem esperança é capaz de “amparar” e “dar apoio” a todas as circunstâncias que a vida nos traz. Quem suporta espera, espera e é capaz de suportar tudo, porque o seu esforço tem o sentido da espera, tem a tensão da espera, a energia amorosa da espera.

Sabemos que o apelo à paciência e à espera envolve, às vezes, a experiência do cansaço, do trabalho, da dor e da morte.[19] Pois bem, o cansaço, a dor e a morte desmascaram a ilusão de possuir o tempo, o sentido e o valor do tempo, o sentido e o valor da nossa vida. São experiências negativas, mas também positivas, porque o cansaço, a dor e a morte podem ser oportunidades para redescobrir o verdadeiro significado do tempo na vida.

E, mais uma vez, «para dar razão da esperança que há em nós», tornando-se anúncio da “boa nova” de Jesus e do seu Evangelho.

5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO

O P. Egídio Viganò ofereceu à Congregação e à Família Salesiana uma interessante reflexão sobre o tema da esperança, inspirando-se na nossa rica tradição e evidenciando algumas características específicas do espírito salesiano, lidas à luz dessa virtude teologal. Ele o fez de modo especial ao comentar o sonho dos dez diamantes de Dom Bosco para as participantes do Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora.[20]

Dada a profundidade do conteúdo proposto, creio ser útil recordar a contribuição do 7º Sucessor de Dom Bosco para lembrar que todos nós somos chamados a sempre viver na perspectiva da esperança.

5.1          Deus é a origem da nossa esperança

5.1.1 Um breve aceno ao sonho

Todos conhecem a narração desse sonho extraordinário que Dom Bosco teve em San Benigno Canavese na noite de 10 para 11 de setembro de 1881. Recordo brevemente a sua estrutura.[21]

O Sonho desenvolve-se em três cenas. Na primeira, o personagem encarna o perfil do Salesiano: na parte anterior de seu manto, há cinco diamantes, três no peito, que são “Fé”, “Esperança” e “Caridade”, e dois nos ombros, que são “Trabalho” e “Temperança”; na parte posterior há outros cinco diamantes, que indicam “Obediência”, “Voto de Pobreza”, “Recompensa”, “Voto de Castidade”, “Jejum”.

O P. Rinaldi chama o personagem dos dez diamantes de «o modelo do verdadeiro Salesiano».

Na segunda cena, o personagem apresenta o modelo adulterado: o seu manto “ficou descolorido, comido pelas traças e desgastado”. No lugar onde os diamantes estavam fixados, havia “um profundo estrago causada por carunchos e outros pequenos insetos”.

Esta cena muito triste e deprimente mostra “o reverso do verdadeiro salesiano”, o anti-Salesiano.

Na terceira cena, aparece «um belo jovem vestido com uma túnica branca trabalhada com fios de ouro e prata […], com aparência majestosa, mas doce e afável». Ele é portador de uma mensagem. Exorta os Salesianos a “escutar”, “compreender”, manter-se “fortes e ardorosos”, “testemunhar” com as palavras e com a vida, “ser prudentes” na aceitação e na formação das novas gerações, fazer crescer saudavelmente a sua Congregação.

As três cenas do sonho são vivas e provocadoras; apresentam uma síntese ágil, personalizada e dramatizada da espiritualidade salesiana. O conteúdo do sonho certamente envolve, na mente de Dom Bosco, um importante quadro de referência para a nossa identidade vocacional.

Pois bem, o personagem do sonho – como se sabe – traz na frente o diamante da esperança, que representa a certeza da ajuda do alto numa vida totalmente criativa, ou seja, comprometida com o planejamento cotidiano das atividades práticas para a salvação, especialmente da juventude. Com os demais símbolos relacionados com as virtudes teologais, surge a fisionomia de um personagem sábio e otimista pela fé que o anima, dinâmica e criativa pela esperança que o move, sempre orante e humanamente bom pela caridade que o reveste.

Correspondendo ao diamante da esperança, encontramos no verso da figura o diamante do “prêmio”. A esperança evidencia visivelmente o dinamismo e a atividade do Salesiano na construção do Reino, a constância dos seus esforços e o entusiasmo do seu empenho baseiam-se na certeza da ajuda de Deus, que se faz presente pela mediação e intercessão de Cristo e de Maria; por sua vez, o diamante do “prêmio” evidencia mais uma atitude constante da consciência que reveste e anima o esforço ascético, segundo a conhecida máxima de Dom Bosco: «Um pedaço de paraíso conserta tudo!».[22]

5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança

O Salesiano – dizia Dom Bosco – «está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, o trabalho e o desprezo, sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas»;[23] o apoio interior dessa exigente capacidade ascética é o pensamento do paraíso como reflexo da boa consciência com que trabalha e vive. «Em todo o nosso ofício, em todo o nosso trabalho, dor ou tristeza, nunca nos esqueçamos de que […] Ele leva em conta a menor coisa feita pelo seu santo nome, e é de fé que, a seu tempo, Ele nos recompensará com abundância. No final da nossa vida, quando nos apresentarmos diante do seu divino tribunal, olhando para nós com um semblante amável, ele nos dirá: “Servo bom e fiel; porque foste fiel no pouco, eu te farei dono de muito; entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25,2l)».[24] «Nas dificuldades e nos sofrimentos não esqueças nunca de que teremos no céu um grande prêmio».[25]

O pensamento e a consciência contínua do paraíso são uma das ideias soberanas e um dos valores que impulsionam a espiritualidade típica e também a pedagogia de Dom Bosco. É como iluminar e aprofundar o instinto fundamental da alma que tende vitalmente para o seu fim último.

Em um mundo sujeito à secularização e à perda progressiva do sentido de Deus – especialmente devido à riqueza e a algum progresso – é importante resistir à tentação – para nós e para os jovens com quem caminhamos – que nos impede de elevar o olhar ao céu e não nos faz sentir a necessidade de sustentar e alimentar o esforço da ascese vivido no trabalho cotidiano. Cresce em seu lugar uma visão temporal segundo um horizontalismo mais ou menos elegante, que acredita saber descobrir o ideal de tudo no próprio devir humano e na vida presente. Tudo exatamente o contrário da esperança!

Dom Bosco foi um dos grandes da esperança. Há muitos elementos que o comprovam. O seu espírito salesiano é todo revestido de certezas e da operosidade características desse audacioso dinamismo do Espírito Santo.

Faço uma breve pausa para recordar como Dom Bosco soube traduzir a energia da esperança em sua vida em duas frentes: o compromisso com a santificação pessoal e a missão de salvação para os outros; ou melhor – e aqui está uma característica central do seu espírito – a santificação pessoal por meio da salvação dos outros. Recordemos a famosa fórmula dos três “S”: «Salve, salvando, salva-te».[26] Parece um jogo mnemônico dito de forma muito simples, como um slogan pedagógico, mas é profundo e mostra como os dois lados da santificação pessoal e da salvação dos outros estão estritamente relacionados entre si.

Percebe-se no binômio “trabalho” e “temperança” que a esperança foi vivida por Dom Bosco como planejamento prático e cotidiano de um trabalho incansável de santificação e salvação. Sua fé levou-o a favorecer, na contemplação do mistério de Deus, o seu inefável plano de salvação. Ele vê em Cristo o Salvador da humanidade e o Senhor da história; em sua Mãe, Maria, a Auxiliadora dos cristãos; na Igreja, o grande Sacramento da salvação; em sua própria maturidade cristã e na juventude carente, o vasto campo do “ainda não”. É por isso que o seu coração irrompe no grito: “Da mihi animas”, “Senhor, concede-me salvar a juventude e fica com o resto!” Em seu espírito, o seguimento de Cristo e a missão da juventude fundem-se num único dinamismo teológico que forma a espinha dorsal do todo.

Bem sabemos que a dimensão da esperança cristã une a perspectiva do “já” e do “ainda não”: algo presente e algo em construção, que, no entanto, a partir do hoje começa a manifestar-se, embora “ainda não” em plenitude.

5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco

A certeza do “já”

Quando perguntamos à teologia qual é o objeto formal da esperança, ela responde que é a convicção íntima da presença de Deus que ajuda, socorre e assiste; a certeza interior sobre o poder do Espírito Santo; a amizade com o Cristo vitorioso que nos faz dizer com São Paulo: «Tudo posso naquele que me fortalece» (Fl 4,13).

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, então, a certeza do “já”. A esperança estimula a fé a exercitar-se na consideração da presença salvadora de Deus nas eventualidades humanas, do poder do Espírito na Igreja e no mundo, da realeza de Cristo sobre a história, dos valores batismais que iniciaram em nós a vida da ressurreição.

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, portanto, o exercício da fé sobre a essência de Deus como Pai misericordioso e salvador, sobre o que Jesus Cristo já fez por nós, sobre Pentecostes como o início da era do Espírito Santo, sobre o que já está dentro de nós pelo batismo, pelos sacramentos, pela vida na Igreja e pelo chamado pessoal da nossa vocação.

É preciso refletir que a fé e a esperança se intercambiam em nosso interior, os seus dinamismos se estimulam e complementam reciprocamente e fazem-nos viver no clima criativo e transcendente do poder do Espírito Santo.

A consciência clara do “ainda não”

O segundo elemento constitutivo da esperança é a consciência do “ainda não”. Não parece muito difícil tê-la; Entretanto, a esperança requer uma consciência clara não tanto do que é mau e injusto, mas do que, no tempo, está faltando na estatura de Cristo e, portanto, do que é injusto e pecaminoso, e também do que é imaturo, parcial ou atrofiado na edificação do Reino.

Isto pressupõe, como quadro de referência, um conhecimento claro do plano divino de salvação, em que é inserida a capacidade crítica e de discernimento daquele que espera. Assim, a crítica do homem da esperança não é simplesmente psicológica ou sociológica, mas transcendente, de acordo com a órbita teológica da “nova criatura”; ela também faz uso das contribuições das ciências humanas e as excede em muito.

Com a consciência do “ainda não”, quem tem esperança percebe o que é mau, o que ainda não está maduro, o que é semente do Reino de Deus e esforça-se para fazer o bem crescer e combate o pecado com a perspectiva histórica de Cristo. A capacidade de discernir o “ainda não” é sempre medida pela certeza do “já”. Portanto, e eu diria que especialmente em tempos difíceis, quem espera impele e estimula a sua fé para descobrir os sinais da presença de Deus e as mediações que nos guiam na órbita traçada por Ele. Essa é uma qualidade muito importante hoje: saber identificar as sementes para ajudá-las a desabrochar e crescer.

Como podemos ter esperança se não temos essa capacidade de discernimento? Não basta ser capaz de perceber todo o peso do mal, é preciso também ser sensível à primavera que “brilha ao redor”. Portanto, nestes tempos, que chamamos de difíceis (e o são realmente, comparando-os com os que vivemos anteriormente com certa tranquilidade), A esperança ajuda-nos a perceber que também há muita coisa boa no mundo e que algo está crescendo.

A operosidade salvífica

O terceiro elemento constitutivo da esperança é a sua exigência operativa acompanhada pelo empenho concreto de santificação, criatividade e sacrifício apostólicos. Precisamos colaborar com o “já” em crescimento, urge mover-se para lutar contra o mal em nós e nos outros, especialmente na juventude carente.

O discernimento do “já” e do “ainda não” precisa ser traduzido na prática da vida, abrindo-se a resoluções, projetos, revisões, criatividade, paciência e perseverança. Nem tudo sairá “como esperávamos”: haverá retrocessos, contratempos, quedas, incompreensões. A esperança cristã também participa inerentemente das penumbras da fé.

5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco

Dos três elementos constitutivos da esperança, que acabei de indicar, derivam alguns frutos particularmente significativos para o espírito salesiano de Dom Bosco.

A alegria

Do primeiro elemento constitutivo – a certeza do “já” – deriva a alegria como o fruto mais característico. Toda esperança verdadeira explode em alegria.

O espírito salesiano assume a alegria da esperança por uma afinidade que lhe é própria. Até mesmo a biologia sugere-nos alguns exemplos disso. A juventude, que é esperança humana (e, portanto, sugere certa analogia com o mistério da esperança cristã), é ávida de alegria. E vemos Dom Bosco que traduz a esperança em atmosfera de alegria para os jovens a salvar. Domingos Sávio, que cresceu à sua escola, costumava dizer: «Nós fazemos a santidade consistir em estar sempre alegres». Não se trata da hilaridade superficial, típica do mundo, mas de um gáudio interior, um substrato de vitória cristã, uma sintonia vital com a esperança, que explode em alegria. Uma alegria que, em última análise, procede das profundezas da fé e da esperança.

Há pouco a fazer. Se estamos tristes, é porque somos superficiais. Entendo que existe uma tristeza cristã: Jesus Cristo experimentou-a. No Getsêmani, a sua alma entristeceu-se até a morte, suou sangue. Trata-se, certamente de outro tipo de tristeza.

Entretanto, a aflição ou a melancolia de uma religiosa que tem a impressão de não ser compreendida por ninguém, que as outras não a levam em consideração, que têm inveja das suas qualidades ou não a compreendem etc., é uma tristeza que não se deve alimentar. Isso deve ser contrastado com a profundidade da esperança: Deus está comigo e me ama; que importa se os outros não me considerem muito?

A alegria no espírito salesiano é um clima cotidiano; vem da fé que espera e da esperança que crê, ou seja, daquele dinamismo do Espírito Santo que proclama em nós a vitória que vence o mundo!… A alegria é indispensável se quisermos dar testemunho autêntico daquilo em que acreditamos e esperamos.

O espírito salesiano é, antes de tudo e sobretudo isso e não uma redução a meras observâncias e mortificações. A esperança também nos levará a fazer muitas mortificações, mas como treinamento de voo e não como tormentos de prisão! Então: da esperança nasce muita alegria!

O mundo procura superar a sua limitação e desorientação com uma vida repleta de sensações excitantes. Cultiva a promoção e a satisfação dos sentidos, o filme pungente, o erotismo, as drogas etc. É a forma de escapar de uma situação transitória que parece não ter sentido, de buscar algo que beira à “caricatura da transcendência”.

A paciência

Outro “fruto” da esperança – que procede da consciência do “ainda não” – é a paciência. Toda esperança comporta um suprimento indispensável de paciência. A paciência é uma atitude cristã, intrinsecamente relacionada com a esperança no seu não breve “ainda não”, com os seus problemas, dificuldades e penumbras. Crer na ressurreição e trabalhar pela vitória da fé, sendo mortal e imerso no transitório, exige uma estrutura interior de esperança que leva à paciência.

A mais sublime expressão da paciência cristã foi vivida por Jesus, sobretudo na sua paixão e morte. É uma paciência fecunda, precisamente por causa da esperança que a anima. Aqui, na paciência, em vez de iniciativa e ação, trata-se da aceitação consciente e da passividade virtuosa que perdura em vista da realização do plano de Deus.

O espírito salesiano de Dom Bosco recorda-nos frequentemente a paciência. Na introdução às Constituições, Dom Bosco lembra-nos, fazendo alusão a São Paulo, que as penas que devemos suportar nesta vida não se comparam à recompensa que nos espera: «Costumava dizer: “Coragem! que a esperança nos sustente, quando a paciência nos poderia faltar»[27] «O que sustenta a paciência deve ser a esperança da recompensa».[28]

Madre Mazzarello também insistia nesse ponto. Fernando Maccono, um de seus primeiros biógrafos, afirma que a esperança sempre a confortava, sustentando-a em seus sofrimentos, enfermidades, dúvidas, e consolou-a na hora da morte: «Sua esperança era muito viva e ativa. Parece-me, testemunhou uma irmã, que a esperança a animasse em tudo e que ela tentasse infundi-la nos outros. Ela exortava-nos a carregar bem as pequenas cruzes diárias e a fazer tudo com grande pureza de intenção».[29]

A esperança é a mãe da paciência e a paciência é a defesa e o escudo da esperança.

A sensibilidade educativa

Do terceiro elemento constitutivo da esperança – a “operosidade salvífica” – surge outro fruto: a sensibilidade pedagógica. É uma iniciativa de empenho adequado, tanto na esfera da própria santificação (seguir a Cristo) quanto na esfera da salvação dos outros (missão). Trata-se de um empenho prático, comedido e constante, traduzido por Dom Bosco em uma metodologia concreta que envolve estas atenções:

  • perspicácia (ou santa “esperteza”): quando se trata de tomar iniciativas, resolver problemas, Dom Bosco faz o máximo sem pretender ser perfeccionista, mas com praticidade humilde; ele repetiu muitas vezes a frase: «O ótimo é inimigo do bom»;[30]
  • coragem. O mal é organizado, os filhos das trevas agem com inteligência. O Evangelho diz que os filhos da luz devem ser mais astutos e corajosos. Portanto, para trabalhar no mundo, devemos armar-nos de uma prudência genuína, aquela “auriga virtutum” que nos torna ágeis, oportunos e penetrantes na aplicação da verdadeira coragem no bem;
  • magnanimidade. Não devemos limitar o nosso olhar às paredes da casa. Fomos chamados pelo Senhor para salvar o mundo, temos uma missão histórica mais importante do que os astronautas ou os homens de ciência… Comprometemo-nos com a libertação integral do homem. Nossas almas devem abrir-se a horizontes mais amplos. Dom Bosco queria que estivéssemos “na vanguarda do progresso” (e ele se referia, quando disse essa frase, aos meios de comunicação social).

Conhecemos a magnanimidade de Dom Bosco em lançar os jovens nas responsabilidades apostólicas; pensemos, por exemplo, nos primeiros missionários que partiram para a América. Tanto os Salesianos como as Filhas de Maria Auxiliadora eram pouco mais que adolescentes!

Dom Bosco movia-se em horizontes vastos. Nem Valdocco nem Mornese lhe bastavam; ele não podia permanecer somente nos limites de Turim, do Piemonte, da Itália ou da Europa. O seu coração palpitava com o da Igreja universal, porque se sentia quase investido da responsabilidade de salvar todos os jovens carentes do mundo. Ele queria os Salesianos sentindo que todos os maiores e mais urgentes problemas juvenis da Igreja eram seus, a fim de estarem disponíveis em toda parte. E, embora cultivasse a magnanimidade dos projetos e iniciativas, era concreto e prático em sua realização, com o senso de gradualidade e a modéstia dos inícios.

A magnanimidade deve sempre brilhar no rosto do Salesiano, como uma nota de simpatia: ele não deve ser alguém teimoso e sem visão, mas ter grandeza de espírito por ter um coração habitado pela esperança.

Péguy, com a sua perspicácia um tanto violenta, escreveu: «Uma capitulação é, em essência, uma operação em que se começa a explicar em vez de realizar. Os covardes sempre foram pessoas de muitas explicações». Deve brilhar sempre no rosto Salesiano, como nota de simpatia, a mística da decisão e o ardor humilde da praticidade. Dom Bosco era resoluto em seu empenho de fazer o bem, mesmo que não pudesse começar com o ótimo; costumava dizer que as suas obras talvez começassem desordenadas para depois tenderem à ordem!

A esperança coloca na fisionomia do Salesiano, juntamente com a profundidade da contemplação, a alegria da filiação divina, o entusiasmo da gratidão e do otimismo (que vêm da “fé”), a coragem da iniciativa, o espírito de sacrifício, a paciência, a sabedoria da gradualidade pedagógica, a utopia da magnanimidade, a modéstia da praticidade, a prudência da astúcia e o sorriso da alegria.

5.2 A fidelidade de Deus: até o fim

Examinamos até agora, o que Dom Bosco e os nossos santos e beatos expressaram claramente em suas vidas. São elementos que nos impelem, pessoalmente e como Família Salesiana, a fazer emergir ou – para usar as palavras do P. Egídio Viganò – a fazer brilhar aquela esperança de que somos chamados a “prestar contas”, especialmente aos jovens e, entre eles, os mais pobres.

Chegou a hora de “dar uma olhada” um pouco além do que é “imediatamente visível” e tentar saber o que aguarda nossa vida e nos dá a coragem de esperar diligentemente enquanto cooperamos com a chegada do “dia do Senhor”.

Retomando, então, a análise sincera e intensa do VII Sucessor de Dom Bosco, concentremos a nossa atenção na perspectiva do “prêmio”.

O diamante do “prêmio” é colocado com outros quatro na parte posterior do manto do personagem do sonho. É quase um segredo, uma força que opera de dentro para fora, dando-nos o impulso e ajudando-nos a apoiar e defender os grandes valores vistos na parte da frente. É interessante notar que o diamante do “prêmio” está colocado abaixo do diamante da “pobreza”, porque certamente tem relação com as “privações” associadas a ela.

Em seus raios estão as seguintes palavras: «Se a grandeza dos prêmios vos atrai, não vos assusteis com a quantidade dos sofrimentos». «Quem sofre comigo, comigo haverá de alegrar-se». «Momentâneo é o que sofremos na Terra, eterno é o que alegrará os meus amigos no Céu».

O verdadeiro Salesiano tem na imaginação, no coração, nos desejos, nos horizontes de vida a visão do prêmio, como plenitude dos valores proclamados pelo Evangelho. Por essa razão «está sempre alegre. Difunde essa alegria e sabe educar à felicidade da vida cristã e ao sentido de festa».[31]

 Na casa de Dom Bosco e em nossas casas salesianas falava-se muito do Paraíso. Era uma ideia permanente e onipresente, resumida em alguns ditados famosos: «Pão, trabalho e Paraíso»;[32] «Um pedaço do Paraíso conserta tudo».[33] São frases recorrentes em Valdocco e em Mornese.

Certamente muitas Filhas de Maria Auxiliadora se lembrarão da descrição que a Madre Enrichetta Sorbone fez do espírito de Mornese: «Aqui estamos no paraíso, na casa existe um ambiente de paraíso!».[34] Não era certamente devido às privações ou à falta de problemas. Era como a tradução espontânea, que saltava do coração, da placa que Dom Bosco mandara afixar: «Servite Domino in Laetitia».[35]

Domingos Sávio também havia percebido a mesma atmosfera calorosa e transcendente da vida: «aqui nós fazemos consistir a santidade em estar sempre muito alegres».[36]

As biografias de Domingos Sávio, Francisco Besucco e Miguel Magone mostram que Dom Bosco, mesmo quando descreve a agonia desses meninos, faz questão de evidenciar essa inefável alegria, unida ao genuíno anseio pelo Paraíso. Muito mais do que o horror da morte, os seus meninos sentiam a atração da Páscoa.

O pensamento do prêmio é um dos frutos da presença do Espírito Santo, ou seja, da intensidade da fé, da esperança e da caridade, todas juntas, embora esteja mais estritamente relacionado à esperança… Isso instila no coração uma alegria e um contentamento que vêm do Alto e encontram uma bela sintonia com as tendências inatas do coração humano. Vemo-lo na convivência entre os jovens e as jovens: a juventude sente com mais frescor que o homem nasceu para a felicidade.

Todavia, não temos necessidade nem mesmo de buscá-lo entre os jovens. Peguemos um espelho e olhemos para nós mesmos: basta ouvirmos as batidas do nosso coração. Nascemos para alcançar a felicidade, esperamos por ela ainda que não o confessemos.

A ideia do Paraíso, sempre presente na casa de Dom Bosco, não é uma utopia para ingênuos enganados, não é a cenoura que faz o cavalo andar mais rápido, é a inquietação substancial do nosso ser; e é, sobretudo, a realidade do amor de Deus, da ressurreição de Jesus Cristo em ação na história; é a presença viva do Espírito Santo que nos impele, de fato, para o prêmio.

Dom Bosco não despreza nenhuma alegria dos jovens. Ao contrário, ele a desperta, aumenta, desenvolve. A famosa “alegria”, em que ele faz consistir a santidade, não é apenas uma alegria íntima, escondida no coração como fruto da graça. Ela é a sua raiz, mas também se expressa exteriormente na vida, no pátio e no sentido da festa. Como preparava as solenidades religiosas, os onomásticos, os dias festivos do Oratório! Teve até mesmo o cuidado de organizar a celebração do próprio onomástico, não para si mesmo, mas para criar no ambiente uma atmosfera de alegre gratidão.

Pensemos nas corajosas caminhadas de outono: dois ou três meses para prepará-las, 15 ou 20 dias para vivê-las; depois, as lembranças e os comentários prolongados: uma alegria que se estende ao longo do tempo. Que imaginação e que coragem! De Turim aos Becchi, a Gênova, a Mornese, a muitas cidades do Piemonte, com dezenas e dezenas de jovens… O passeio, o esporte, a música, o canto, o teatro: são elementos substanciais do Sistema Preventivo, que, também como método pedagógico, pressupõe uma espiritualidade adequada e explosiva, fruto de uma fé, esperança e caridade convictas, valores do céu aqui na terra.

O Paraíso sempre aparecia no firmamento de Valdocco, dia e noite, com nuvens ou sem nuvens. Hoje, testemunhar os valores do prêmio é uma profecia urgente para o mundo, especialmente para os jovens. Qual foi a contribuição da civilização técnico-industrial para a sociedade de consumo? Uma enorme possibilidade de conforto e prazer, com uma consequente densa tristeza.

Entre outras coisas, lemos nas Constituições dos Salesianos de Dom Bosco – mas vale para todo cristão – que «o Salesiano [é] um sinal da força da ressurreição» e que «na simplicidade e laboriosidade da vida cotidiana» é «educador que anuncia aos jovens ‘novos céus e nova terra’, estimulando neles os compromissos e a alegria da esperança».[37]

Em Mornese e em Valdocco não havia nem comodidades, nem tirania, e tudo respirava espontaneidade e alegria. Hoje, o progresso técnico facilitou muitas coisas, mas não aumentou a verdadeira alegria humana. Antes, aumentaram a angústia, a náusea, a falta de sentido da existência, o que infelizmente continuamos a detectar – especialmente nas sociedades ricas – com as trágicas estatísticas de suicídios de adolescentes e de jovens.

Hoje, além da pobreza material que ainda aflige uma parcela muito grande da humanidade, torna-se urgente encontrar a forma de fazer com que os jovens percebam o sentido da vida, os ideais mais elevados, a originalidade de Jesus Cristo.

Busca-se a felicidade, tendência humana fundamental, mas não se conhece mais o caminho certo, e aumenta, então, uma imensa desilusão.

Os jovens, devido também à falta de adultos significativos, sentem-se incapazes de lidar com o sofrimento, o dever e o esforço constante. O problema da fidelidade aos ideais e à própria vocação tornou-se crucial. Os jovens sentem-se incapazes de enfrentar o sofrimento e o sacrifício. Vivem em uma atmosfera onde triunfa a dicotomia entre amor e sacrifício, de modo que a busca e a conquista do bem-estar acabam asfixiando a capacidade de amar e, portanto, de sonhar o futuro.

Como dizíamos, o diamante do prêmio está corretamente colocado abaixo do diamante da pobreza, como se quisesse indicar que os dois se complementam e apoiam reciprocamente. De fato, a pobreza evangélica envolve uma visão concreta e transcendente de toda a realidade, com uma visão realista até mesmo das renúncias, dos sofrimentos, dos contratempos, das privações e das penas.

Qual é a energia interior que nos faz enfrentar tudo com confiança e alegria, sem desanimar? Em última análise é a sensação da presença do céu na Terra. Essa sensação procede da fé, da esperança e da caridade, que nos fazem reler a nossa existência sob a ótica do Espírito Santo.

No espírito de Dom Bosco há, então, uma preocupação constante de cuidar da familiaridade com o Paraíso, quase como se fosse o firmamento da mente, o horizonte do coração salesiano: trabalhamos e lutamos na certeza de um prêmio, olhando para a Pátria, a casa de Deus, a Terra Prometida.

É bom ressaltar que a perspectiva do prêmio não consiste, de forma redutiva, na obtenção de uma “recompensa”, de uma espécie de consolo por uma vida vivida em meio a tantos sacrifícios, resistências… Nada disso! Se fosse apenas uma “recompensa”, seria como uma chantagem. Deus, porém, não trabalha dessa forma. Em Seu amor, Ele só pode oferecer ao homem Ele mesmo. Essa – como afirma Jesus – é a vida eterna: o conhecimento do Pai. Onde “conhecer” significa “amar”, tornar-se participante pleno de Deus, em continuidade com a existência terrena vivida “na graça”, ou seja, no amor a Deus e aos irmãos e irmãs.

Nesse caminho, somos convidados a voltar o nosso olhar a Maria, que se faz presente como auxílio cotidiano, como Mãe precursora e auxiliadora. Dom Bosco tinha certeza da sua presença entre nós e queria sinais para nos lembrar disso. Para Ela construiu uma Basílica, centro de animação e difusão da vocação salesiana; queria a sua imagem em nossos ambientes de vida; vinculava todas as iniciativas apostólicas à sua intercessão e comentava com emoção a sua eficácia real e materna. Recordemos, por exemplo, o que disse às Filhas de Maria Auxiliadora na casa de Nizza: «Nossa Senhora está realmente aqui, aqui no meio de vocês! Nossa Senhora caminha por esta casa e a cobre com o seu manto».[38]

Além d’Ela, também buscamos outros amigos na casa de Deus. Os nossos Santos e Beatos, a começar pelos rostos que nos são mais familiares e que fazem parte do chamado “jardim salesiano”.

Não fazemos essas escolhas para dividir a grande casa de Deus em pequenos apartamentos privados, mas para nos sentirmos mais à vontade nela e podermos falar sobre Deus, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, Cristo e Maria, a criação e a história, não com a trepidação de quem ouviu uma palestra elevada de um pensador denso, difícil e até hermético, mas com aquele sentimento de familiaridade e simplicidade alegre com que conversamos com aqueles que foram nossos familiares, nossos irmãos e irmãs, nossos colegas e companheiros de trabalho. Alguns deles não conhecemos em vida, mas os sentimos próximos e eles inspiram-nos uma confiança especial. Conversar com São José, com Dom Bosco, com Madre Mazzarello, com o Padre Rua, com Domingos Sávio, com Laura Vicuña, com o Padre Rinaldi, com Dom Versiglia e o Padre Caravario, com a Irmã Teresa Valsè, com a Irmã Eusébia Palomino, com a Irmã Maria Troncatti etc., é realmente um diálogo “de casa”, de família.

É o que o nos sugere o diamante do prêmio: sentir-se em casa com Deus, com Cristo, com Maria, com os santos; sentir a presença deles em casa, numa atmosfera familiar que dá um sentido de Paraíso ao ambiente cotidiano de vida.

6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA

Concluindo este comentário, não podemos deixar de dirigir o nosso coração e o nosso olhar à Virgem Maria, como nos ensinou Dom Bosco. A esperança exige confiança, capacidade de entregar-se e confiar em si mesmo. Em tudo isso, temos uma guia e uma mestra em Maria Santíssima. Ela testemunha que ter esperança é ter confiança e entregar-se, e isso é tão verdadeiro para a existência quanto para a vida eterna. Nesse caminho, Nossa Senhora toma-nos pela mão, ensina-nos a confiar em Deus, a entregar-nos livremente ao amor transmitido pelo seu Filho Jesus.

A orientação e a “carta de navegação” que ela nos oferece é sempre a mesma: «Fazei tudo o que Ele vos disser».[39] Um convite que aceitamos todos os dias em nossas vidas.

Em Maria, vemos a realização do prêmio. Maria incorpora em si mesma a atrativa e a concretude do prêmio: Ela,

«terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte».[40]

Podemos ler nos Seus lábios algumas belas expressões de São Paulo. Como são inspiradas pelo Espírito Santo, o Esposo de Maria, certamente são compartilhadas por Ela.

Ei-las:

«Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor».[41]

Queridas irmãs e queridos irmãos, queridos jovens,

Maria Auxiliadora, Dom Bosco e todos os nossos santos e beatos estão próximos de nós neste ano extraordinário. Sejam eles a acompanhar-nos na vivência profunda das exigências do Jubileu, ajudando-nos a colocar no centro da nossa vida a pessoa de Jesus Cristo, «o Salvador anunciado no Evangelho, que hoje vive na Igreja e no mundo».[42]

Que eles nos encorajem, seguindo o exemplo dos primeiros missionários enviados por Dom Bosco, a sempre e em todos os lugares fazer da nossa vida um dom gratuito para os outros, especialmente os jovens e, entre eles, os mais pobres.

Enfim, um desejo: que este ano faça crescer em nós a oração pela paz, por uma humanidade pacificada. Invoquemos o dom da paz – o shalom bíblico – que contém todos os outros e só se realiza na esperança.

Um abraço fraterno,

P. Stefano Martoglio S.D.B.

Vigário do Reitor-Mor Roma, 31 de dezembro de 2024


[1] Francisco, Spes non confundit. Bula de proclamação do Jubileu Ordinário do ano 2025, Cidade do Vaticano, 9 de maio de 2024.

[2] Ibi.

[3] Cf. Rm 8,39

[4] Rm 5,3-5

[5] Conforme a 3ª edição Típica do Missal Romano, ed. CNBB.

[6] Byung-Chul Han, El espíìritu de la esperanza, p. 18, Herder, Barcellona 2024.

[7] C. Paccini – S. Troisi, Siamo nati e non moriremo mai più. Storia di Chiara Corbella Petrillo, Porziuncola, Assisi (PG) 2001.

[8] Gabriel Marcel, Philosophie der Hoffnung, Munich, List 1964.

[9] Erich Fromm, La revolución de la esperanza, Ciudad de México 1970.

[10] 1Pt 3,15.

[11] Francisco, Spes non confundit, 9.

[12] Jo 17,3.

[13] Cf. Rm 4,18.

[14] Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, Cidade do Vaticano 25 de dezembro de 2005, 1.

[15] Const. SDB, 3.

[16] Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIª-IIae q. 17 a. 8 co.

[17] Cf. E. Lévinas, Totalità e infinito. Saggio sull’esteriorità, Jaca Book, Milano 2023.

[18] Tomei por base para estas reflexões a rica reflexão do Abade Geral da Ordem dos Cistercienses M. G. Lepori, Capitoli dell’Abate Generale OCist al CFM 2024. Sperare in Cristo; o texto pode ser encontrado em várias línguas in www.ocist.org

[19] Cf. Rm, 5,3-5

[20] E. Viganò, Un progetto evangelico di vita attiva, Elle Di Ci, Leumann (TO) 1982, 68-84.

[21] Cf. E. Viganò, Profilo del Salesiano nel sogno del personaggio dei dieci diamanti, in ACS 300 (1981), 3-41. O texto completo do sonho pode ser encontrado em ACS 300 (1981), 42-47 ou MBp XV, 166-168.

[22] MBp VIII, 485.

[23] Const. SDB, 18.

[24] P. Braido (a cura di), Don Bosco Fondatore “Ai Soci Salesiani”(1875-1885). Introduzione e testi critici, LAS, Roma 1995, 159.

[25] MBp VI, 415.

[26] MBp VI, 388.

[27] MBp XII, 385.

[28] Ibi.

[29] F. Maccono, Santa Maria Domenica Mazzarello. Confondatrice e prima Superiora Generale delle FMA. Vol. I, FMA, Torino 1960, 398.

[30] MBp X, 609.

[31] Const. SDB, 17.

[32] MBp XII, 512.

[33] MBp VIII, 485.

[34] Citato in E. VIGANÒ, Redescobrir o Espírito de Mornese, in ACS 301 (1981), 64

[35] Sl 99.

[36] MBp V, 306.

[37] Const. SDB, 63. Veja-se também E. Viganò, «Dar razão da alegria e dos empenhos da esperança, testemunhando as insondáveis riquezas de Cristo». Estreia de 1994. Comentário do Reitor-Mor, Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, Roma 1993.

[38] G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo. Vol. I, FMA, Roma 1972-1976, 122.

[39] Gv 2,5.

[40] LG, 59.

[41] Rm 8,34-39.

[42] Const. SDB, 196.




Comunidade da Missão de Dom Bosco, uma história de “família” e de “profecia”

A Família Salesiana, nascida da intuição de Dom Bosco, continuou ao longo do tempo a crescer e a assumir formas diferentes, mantendo as mesmas raízes. Entre estas realidades está a Comunidade da Missão de Dom Bosco (CMB), uma associação privada de fiéis com um carisma missionário, que desde 2010 faz parte oficialmente da Família Salesiana.


As origens da CMB
            Tudo começou em 1983 em Roma, no Instituto Gerini, durante um encontro de jovens Salesianos Cooperadores. Durante a Missa de encerramento, um sinal claro e indelével ficou gravado no coração e na mente de alguns participantes: sua vida e sua fé devem assumir uma luz missionária… em todo lugar onde você estiver. Dessa intuição nasceu a Comunidade da Missão de Dom Bosco, surgida como uma iniciativa do Espírito e fundada no Instituto Salesiano de Bolonha.
            Pedimos ao diácono Guido Pedroni, fundador e guardião geral da CMB, que contasse a história dessa realidade. A CMB, composta por leigos, está hoje presente em várias partes do mundo. É uma comunidade missionária no estilo e nas escolhas, profundamente enraizada no espírito salesiano e na vida de seus fundadores. Ao lado de Guido Pedroni, outros quatro leigos compartilharam desde o início o ideal da CMB: Paula Terenziani (falecida há alguns anos e para a qual foi iniciado o processo de beatificação), Rita Terenziani, André Bongiovanni e Tiago Borghi. A essas figuras, reunidas na chamada “Tenda Mãe”, juntou-se recentemente Daniel Landi, que já estava presente nas origens da Comunidade.

Uma comunidade mariana e missionária
            É relevante notar que a CMB é o único grupo da Família Salesiana fundado por um leigo e nascido de uma ideia compartilhada: um sonho missionário e comunitário. É profundamente mariana, pois o gesto definitivo de pertencimento à Comunidade, o Ato de Dedicação, é inspirado na vida de Maria, toda dedicada a Jesus. Como conta Guido Pedroni, a CMB nasceu de “uma intuição, o Ato de Dedicação, que para nós é uma verdadeira consagração a Deus e à Comunidade, seguindo o exemplo de Maria e de Dom Bosco”.

O estilo e a espiritualidade
            O estilo da CMB se concretiza na maneira de viver a fé, em abrir novas presenças missionárias, em realizar projetos, em se colocar em relação educativa e em experimentar a vida comunitária. É um estilo marcado pela iniciativa, por alguns até mesmo definido como “temeridade”, e se fundamenta em quatro pilares: suscitar, envolver, criar e crer. Suscitar motivações, envolver as pessoas na ação, criar relações autênticas, crer na Providência do Espírito que precede e guarda cada escolha.
            Para a CMB, viver em um “Estado de Missão” permanente significa testemunhar o Evangelho em cada momento do dia e em todo lugar, seja na África, na América, na Itália, num campo de refugiados ou numa sala de aula. O essencial é sentir-se parte da missão da Igreja, encarnada no estilo de Dom Bosco em favor dos jovens.
            Três são os fundamentos da espiritualidade da CMB:
            – Unidade, construída no diálogo fraterno;
            – Caridade, para com os jovens e os pobres, vivida na comunhão;
            – Essencialidade, encarnada na partilha simples e familiar típica do espírito salesiano.
            Outros elementos distintivos são a concessão de um mandato específico e a consciência do “Estado de Missão”. A identidade carismática se enraíza na espiritualidade salesiana, enriquecida por alguns traços próprios da CMB, em particular uma espiritualidade da busca e uma atitude de familiaridade, que estabelecem as bases da unidade entre os membros da Comunidade e da Associação.

Missões e difusão no mundo
            Inicialmente, a CMB estava envolvida em atividades missionárias em favor da Etiópia. No entanto, com o tempo, o compromisso se deslocou do mero tempo livre para a vida cotidiana, orientando as escolhas fundamentais da existência. O clima de profunda amizade, a vida espiritual intensa marcada pela Palavra de Deus e o trabalho concreto pelos pobres e pelos jovens levaram à Dedicação. Assim, compreendeu-se que a tensão missionária não dizia respeito apenas à Etiópia, mas a todo lugar onde houvesse necessidade.
            Em 1988, foi redigida a primeira Regra de Vida, enquanto em 1994 a CMB se tornou uma Associação com uma estrutura jurídica própria, para continuar o compromisso missionário e as atividades de animação no território bolonhês.
            Todas as presenças missionárias da CMB surgiram de um chamado e de um sinal. Atualmente, a Comunidade está presente na Europa, África, América do Sul e Central. A primeira expedição missionária ocorreu em 1998 em Madagascar; desde então, se espalhou por nove países: Itália, Madagascar, Burundi, Haiti, Gana, Chile, Argentina, Ucrânia e Moçambique. As duas “aventuras” mais recentes dizem respeito exatamente a Moçambique e Ucrânia.
            Nos próximos meses, será aberta uma nova presença em Moçambique. Em setembro passado, na Basílica de Maria Auxiliadora em Turim-Valdocco, foi entregue o crucifixo missionário a Angélica e, idealmente, a outros três jovens de Madagascar e Burundi, ausentes por motivos burocráticos, que junto com ela formarão a primeira comunidade naquele país.
            Na Ucrânia, por sua vez, vários membros da CMB foram várias vezes para levar ajuda devido à guerra e agora, em diálogo com os Salesianos, estão tentando entender qual novo desafio o Espírito está indicando.

Uma vocação de confiança e serviço
            É evidente que a vocação da CMB é missionária e mariana, dentro do carisma salesiano, mas possui também uma identidade peculiar, forjada pela história e pelos sinais da presença do Senhor que emergiram nas vicissitudes da Comunidade. É uma história entrelaçada à vida de Dom Bosco e à vida das pessoas que dela fazem parte. Nunca foi fácil permanecer fiel aos chamados do Espírito, pois eles sempre convidam a ampliar o horizonte, a confiar mesmo “no escuro”.
            A missão da CMB é testemunho e serviço, partilha e confiança em Deus. Testemunho com a própria vida, serviço como ação educativa, partilha fruto do discernimento comunitário e assunção de responsabilidade em todos os aspectos, confiança em Deus, seguindo o exemplo de Dom Bosco, aprendendo gradualmente como os projetos podem adquirir luz e forma.

Marcos Fulgaro




Perfis de famílias feridas na história da santidade salesiana

1. Histórias de famílias feridas
            Estamos acostumados a imaginar a família como uma realidade harmoniosa, caracterizada pela presença de várias gerações e pelo papel orientador dos pais que estabelecem normas, e dos filhos que, ao aprendê-las, são guiados por eles na experiência da realidade. No entanto, muitas vezes as famílias se veem atravessadas por dramas e incompreensões, ou marcadas por feridas que atacam sua configuração ideal e devolvem uma imagem distorcida, falsificada e enganosa.
            Também a história da santidade salesiana é marcada por histórias de famílias feridas: famílias onde falta pelo menos uma das figuras parentais, ou onde a presença da mãe e do pai se torna, por razões diversas (físicas, psíquicas, morais e espirituais), prejudicial para seus filhos, que hoje estão a caminho das honras dos altares. O próprio Dom Bosco, que experimentou a morte prematura do pai e o afastamento da família pela prudente vontade de Mamãe Margarida, deseja – não é por acaso – que a obra salesiana seja particularmente dedicada à “juventude pobre e abandonada” e não hesita em alcançar os jovens que se formaram em seu oratório com uma intensa pastoral vocacional (demonstrando que nenhuma ferida do passado é um obstáculo a uma vida humana e cristã plena). É, portanto, natural que a própria santidade salesiana, que se alimenta das existências de muitos jovens de Dom Bosco que depois foram consagrados por meio dele à causa do Evangelho, traga em si – como consequência lógica – traços de famílias feridas.
            Desses meninos e meninas que cresceram em contato com as obras salesianas, queremos apresentar três, cujas histórias se entrelaçam na biografia de Dom Bosco. Os protagonistas são:
            – A bem-aventurada Laura Vicuña, nascida no Chile em 1891, órfã de pai e cuja mãe inicia na Argentina uma convivência com o rico proprietário Manuel Mora; Laura, portanto, ferida pela situação de irregularidade moral da mãe, está pronta para oferecer a vida por ela;
            – O servo de Deus Carlos Braga, de Valtellina nascido em 1889, abandonado ainda pequeno pelo pai e cuja mãe é afastada ao ser considerada psicologicamente instável, por uma mistura de ignorância e maledicência; Carlos, portanto, que enfrenta grandes humilhações e verá sua vocação salesiana colocada em dificuldade por aqueles que temem nele um comprometedor reaparecimento da deficiência psíquica falsamente atribuído à mãe;
            – Finalmente, a serva de Deus Ana Maria Lozano, que nasceu em 1883 na Colômbia, segue o pai com sua família no lazareto, onde é forçada a se transferir após o aparecimento da terrível lepra, será obstaculizada em sua vocação religiosa, mas poderá finalmente realizá-la graças ao encontro providencial com o salesiano Luís Variara, beato.

2. Dom Bosco e a busca pelo pai
            Como Laura, Carlos e Ana Maria – marcados pela ausência ou pelas “feridas” de uma ou mais figuras parentais – antes deles, e de certo modo “por eles”, também Dom Bosco experimenta a falta de um núcleo familiar forte.
            As Memórias do Oratório devem logo se deter sobre a precoce perda do pai: Francisco morre aos 34 anos e Dom Bosco – não sem recorrer a uma expressão, em certos aspectos, desconcertante – reconhece que “Deus misericordioso os atingiu a todos com um grave infortúnio”. Assim, entre as primeiras lembranças do futuro santo dos jovens, surge uma experiência dilacerante: a do corpo do pai, do qual a mãe tenta afastá-lo, encontrando, no entanto, sua resistência: “Eu queria absolutamente ficar lá”, explica Dom Bosco, que então acrescentou: “Se papai não vem, não quero ir [embora]”. Margarida então lhe responde: “Pobre filho, venha comigo, você não tem mais pai”. Ela chora e Joãozinho, que carece de uma compreensão racional da situação, mas intui todo o drama com uma intuição afetiva e de empatia, faz sua a tristeza da mãe: “Eu chorava porque ela chorava, já que naquela idade não podia certamente compreender quão grande infortúnio era a perda do pai”.
            Diante do pai morto, Joãozinho demonstra considerá-lo ainda o centro de sua vida. Ele diz, de fato: “não quero ir (it. andare) [com você, mamãe]” e não, como esperaríamos: “não quero vir (it. venire)”. Seu ponto de referência é o pai – ponto de partida e desejável ponto de retorno – em relação ao qual todo afastamento parece desestabilizador. Na dramaticidade daqueles momentos, além disso, Joãozinho ainda não compreendeu o que significa a morte do genitor. Ele espera, de fato (“se papai não vem…”) que o pai ainda possa ficar perto dele: e, no entanto, já intui seu imobilismo, seu silêncio, sua incapacidade de protegê-lo e defendê-lo, a impossibilidade de ser levado pela mão para se tornar, por sua vez, um homem. Os eventos imediatamente seguintes, então, confirmam a João na certeza de que o pai amorosamente protege, orienta e guia e que, quando lhe falta, mesmo a melhor das mães, como Margarida é, pode prover apenas em parte. Em seu caminho de menino exuberante, o futuro Dom Bosco encontra, no entanto, outros “pais”: os quase-coetâneos Luís Comollo, que desperta nele a emulação das virtudes, e São José Cafasso, que o chama de “meu caro amigo”, faz um “gesto gracioso para se aproximar” e, ao fazer isso, o confirma na persuasão de que paternidade é proximidade, confiança e interesse concreto. Mas há, sobretudo, o P. Calosso, o sacerdote que “intercepta” o cabeludo Joãozinho durante uma “missão popular” e se torna determinante para seu crescimento humano e espiritual. Os gestos do P. Calosso operam no pré-adolescente João uma verdadeira revolução. O P. Calosso, antes de tudo, fala com ele. Então, dá-lhe voz. Depois, o encoraja. Além disso: se interessa pela história da família Bosco, demonstrando saber contextualizar a “hora” daquele menino no “todo” de sua história. Além disso, revela-lhe o mundo, ou melhor, de certa forma o reintegra ao mundo, fazendo-o conhecer coisas novas, presenteando-o com novas palavras e demonstrando-lhe que ele tem as capacidades para fazer muito e bem. Finalmente, o protege com o gesto e com o olhar, e cuida dele em suas necessidades mais urgentes e reais: «Enquanto eu falava, ele nunca desviou o olhar de mim. “Mantenha-se de bom ânimo, amigo, eu pensarei em você e em seus estudos”».

            No P. Calosso, João Bosco faz, portanto, a experiência de que a verdadeira paternidade merece um total e totalizante compromisso; leva à consciência de si; abre um “mundo ordenado” onde a regra dá segurança e educa para a liberdade:

            “Eu logo me coloquei nas mãos do P. Calosso. Então, conheci o que significa ter um guia estável […], um amigo fiel da alma… Ele me encorajou; todo o tempo que eu podia, passava perto dele… Daquela época em diante, comecei a saborear o que é a vida espiritual, já que antes agia de forma mais material e como uma máquina que faz uma coisa, sem saber a razão”.

            O pai terreno, no entanto, é também aquele que gostaria de estar sempre perto do filho, mas em certo momento não consegue mais fazê-lo. Também o P. Calosso morre; também o melhor pai, em certo momento, se afasta, para dar ao filho a força do desapego e da autonomia típicas da idade adulta.
            Qual é, então, para Dom Bosco, a diferença entre famílias bem-sucedidas ou fracassadas? Seríamos  tentados a dizer que está tudo aqui: “bem-sucedida” é a família caracterizada por pais que educam os filhos para a liberdade e, se os deixam, é apenas por uma impossibilidade que surgiu ou para o bem deles. “Ferida”, em vez disso, é a família onde o genitor não gera mais para a vida, mas traz em si problemas de várias naturezas que dificultam o crescimento do filho: um genitor que se desinteressa por ele e, diante das dificuldades, até o abandona, com uma atitude tão diferente da do Bom Pastor.
            As histórias biográficas de Laura, Carlos e Anna Maria confirmam isso.

3. Laura: uma filha que “gera” sua própria mãe
            Nascida em Santiago do Chile em 5 de abril de 1891, e batizada em 24 de maio seguinte, Laura é a filha mais velha de José D. Vicuña, um nobre decadente que havia se casado com Mercedes Pino, filha de modestos agricultores. Três anos depois, chega uma irmãzinha, Júlia Amanda, mas logo o pai morre, após ter sofrido uma derrota política que minou sua saúde e comprometeu, com o sustento econômico da família, também a honra. Privada de qualquer “proteção e perspectiva de futuro”, a mãe chega à Argentina, onde recorre à tutela do proprietário de terras Manuel Mora: um homem “de caráter soberbo e altivo”, que “não dissimula ódio e desprezo por quem quer que se oponha a seus planos”. Um homem que, portanto, apenas em aparência garante proteção, mas está na verdade acostumado a tomar, se necessário à força, o que deseja, instrumentalizando as pessoas. Enquanto isso, ele paga os estudos de Laura e da irmã no colégio das Filhas de Maria Auxiliadora e sua mãe – que sofre a influência psicológica de Mora – convive com ele sem encontrar a força para romper o vínculo. Quando, no entanto, Mora começa a mostrar sinais de desonesto interesse pela própria Laura, e especialmente quando esta inicia o caminho de preparação para a Primeira Comunhão, ela de repente compreende toda a gravidade da situação. Ao contrário da mãe – que justifica um mal (a convivência) em vista de um bem (a educação das filhas no colégio) – Laura entende que se trata de uma argumentação moralmente ilegítima, que coloca em grave perigo a alma da mãe. Nesse período, então, Laura gostaria de se tornar ela mesma uma irmã de Maria Auxiliadora: mas seu pedido é recusado, porque é filha de uma “concubina pública”. E é neste ponto que, precisamente em Laura – acolhida no colégio quando ainda dominavam nela “impulsividade, facilidade de ressentimento, irritabilidade, impaciência e propensão a aparecer” – se manifesta uma mudança que apenas a Graça, unida ao empenho da pessoa, pode operar: ela pede a Deus a conversão da mãe, oferecendo-se por ela. Nesse momento, Laura não pode se mover nem “para frente” (entrando entre as Filhas de Maria Auxiliadora) nem “para trás” (voltando para a mãe e para Mora). Com um gesto então carregado da criatividade típica dos santos, Laura inicia o único caminho que ainda lhe é acessível: o da altura e da profundidade. Nos propósitos da Primeira Comunhão, ela anotou:

            Proponho fazer o que sei e posso para […] reparar as ofensas que vós, Senhor, recebeis todos os dias dos homens, especialmente das pessoas da minha família; meu Deus, dai-me uma vida de amor, de mortificação e de sacrifício.

            Agora finaliza o propósito em “Ato de oferta”, que inclui o sacrifício da própria vida. O confessor, reconhecendo que a inspiração é de Deus, mas ignorando as consequências, consente e confirma que Laura está “consciente da oferta que acaba de fazer”. Ela vive os últimos dois anos com silêncio, alegria e sorriso e uma índole rica de calor humano. E, no entanto, o olhar que lança sobre o mundo – como confirma um retrato fotográfico, muito diferente da estilização hagiográfica conhecida – diz também toda a sofrida consciência e a dor que habitam nela. Em uma situação em que lhe falta tanto a “liberdade proveniente de” (condicionamentos, obstáculos, dificuldades), quanto a “liberdade de” fazer muitas coisas, esta pré-adolescente testemunha a “liberdade para”: a do dom total de si.
            Laura não despreza, mas ama a vida: a sua e a da mãe. Por isso se oferece. Em 13 de abril de 1902, Domingo do Bom Pastor, pergunta: “Se Ele dá a vida… o que me impede de fazer o mesmo pela mamãe?”. Moribunda, acrescenta: “Mamãe, eu estou morrendo, eu mesma pedi a Jesus… já faz quase dois anos que ofereci a vida por você…, para obter a graça do seu retorno!”.
            Essas são palavras livres de arrependimento e de reprovação, mas carregadas de uma grande força, uma grande esperança e uma grande fé. Laura aprendeu a acolher a mãe pelo que ela é. Na verdade, oferece a si mesma para dar a ela o que ela sozinha não consegue alcançar. Quando Laura morre, a mãe se converte. Laurita dos Andes, a filha, assim contribuiu para gerar a mãe na vida de fé e de graça.

4. Carlo Braga e a sombra da mãe
            Carlos Braga, que nasce dois anos antes de Laura, em 1889, também é marcado pela fragilidade da mãe: quando o marido a abandona, Matilde “quase não comia mais e declinava a olhos vistos”. Levada então a Como, ela morre quatro anos depois de tuberculose, embora todos estejam convencidos de que a depressão se transformou para ela em uma verdadeira loucura. Carlos começa então a ser “compadecido como o filho de um inconsciente [o pai] e de uma mãe infeliz”. No entanto, três acontecimentos providenciais o socorrem.
            Do primeiro, ocorrido quando ele era muito pequeno, ele redescobre mais tarde o sentido: ele havia caído na lareira e a mãe Matilde, ao salvá-lo, naquele momento o consagrou a Nossa Senhora. Assim, o pensamento da mãe ausente se torna para Carlos criança “uma lembrança dolorosa e consoladora ao mesmo tempo”: dor por sua ausência; mas também a certeza de que ela o confiou à Mãe de todas as mães, Maria Santíssima. Anos depois, o P. Braga escreve a um coirmão salesiano atingido pela perda de sua mãe:

            Agora a mãe te pertence muito mais do que quando estava viva. Deixa-me falar da minha experiência pessoal. Minha mãe me deixou quando eu tinha seis anos […]. Mas devo confessar-te que ela me seguiu passo a passo e, quando eu chorava desolado ao murmúrio do rio Adda, enquanto, pastorzinho, me sentia chamado a uma vocação mais alta, parecia que a Mãe me sorria e enxugava minhas lágrimas.

            Carlos então encontra a irmã Judite Torelli, uma Filha de Maria Auxiliadora que «salvou o pequeno Carlos da desagregação de sua personalidade quando, aos nove anos, percebeu que era apenas tolerado e ouviu algumas vezes as pessoas dizerem a seu respeito: ‘Pobre menino, por que ele está no mundo?’». De fato, havia quem sustentasse que seu pai merecia ser fuzilado pela traição do abandono; e, quanto à mãe, muitos colegas de escola lhe replicavam: “Fique quieto, sua mãe era uma louca”. Mas a irmã Judite o ama ou o ajuda de maneira especial; lança sobre ele um olhar “novo”; além disso, acredita em sua vocação e o encoraja.
            Tendo entrado então no colégio salesiano de Sondrio, Carlos vive a terceira e decisiva experiência: conhece o P. Rua, de quem tem a honra de ser o pequeno secretário por um dia. O P. Rua sorri para Carlos e, repetindo o gesto que Dom Bosco havia realizado um tempo atrás com ele (“Miguelzinho, eu e você faremos sempre tudo à meia”), “coloca sua mão dentro da dele e lhe diz: ‘nós seremos sempre amigos’”: se a irmã Judite havia acreditado na vocação de Carlos, o P. Rua agora lhe permite realizá-la, “fazendo-o passar por cima de todos os obstáculos”. Certamente, não faltarão dificuldades em cada etapa da vida de Carlos Braga – de noviço, clérigo, até inspetor –, concretizando-se em adiamentos prudenciais e assumindo às vezes a forma de maledicência: mas ele já terá aprendido a enfrentá-las. Enquanto isso, torna-se um homem capaz de irradiar uma alegria extraordinária, humilde, ativo e de delicada ironia: todas características que dizem do equilíbrio da pessoa e seu senso de realidade. Sob a ação do Espírito Santo, o P. Braga desenvolve ele mesmo uma paternidade radiante, à qual se une uma grande ternura pelos jovens a ele confiados. O P. Braga redescobre o amor por seu pai, o perdoa e inicia uma viagem para se reconciliar com ele. Submete-se a fadigas sem número para estar sempre entre seus Salesianos e jovens. Define-se como aquele que foi “colocado na vinha para servir como uma estaca”, ou seja, na sombra, mas para o bem dos outros. Um pai, ao confiar seu filho a ele como aspirante salesiano, diz: “Com um homem assim, deixo você ir até o Polo Norte!”. O P. Carlos não se escandaliza com as necessidades dos filhos, ao contrário, os educa a manifestá-las, a aumentar o desejo: “Você precisa de algum livro? Não tenha medo, escreva uma lista mais longa”. Acima de tudo, o P. Carlos aprendeu a lançar sobre os outros aquele olhar de amor do qual ele mesmo se sentiu alcançado um tempo atrás graças à irmã Judite e ao P. Rua. Testemunha o P. José Zen, hoje cardeal, num longo trecho que merece ser lido integralmente e que começa com as palavras de sua mãe a ao P. Braga:

            “Veja, Padre, este garoto não é mais tão bom. Talvez não seja adequado para ser aceito neste instituto. Eu não gostaria que o senhor fosse enganado. Ah, se soubesse como ele me fez desesperar neste último ano! Eu realmente não sabia mais o que fazer. E se ele fizer o senhor desesperar aqui também, me avise, que eu venho buscá-lo imediatamente”. O P. Braga, em vez de responder, olhava nos meus olhos; eu também o olhava, mas de cabeça baixa. Sentia-me como um réu acusado pelo Ministério Público, em vez de defendido pelo próprio advogado. Mas o juiz estava do meu lado. Com o olhar, ele me compreendeu profundamente, imediatamente e melhor do que todas as explicações de minha mãe. Ele mesmo, escrevendo-me muitos anos depois, aplicava a si as palavras do Evangelho: “Intuitus dilexit eum (‘olhando-o, o amou’)”. E desde aquele dia não tive mais dúvidas sobre minha vocação.

5. Ana Maria Lozano Díaz e a fecunda doença do pai
            Os pais de Laura e de Carlos se revelaram – a vários títulos – “distantes” e “ausentes”. Uma última figura, a de Ana Maria, atesta, ao contrário, o dinamismo oposto: o de um pai demasiadamente presente, que com sua presença abre à filha um novo caminho de santificação. Ana nasceu em 24 de setembro de 1883 em Oicatà, na Colômbia, numa família numerosa, caracterizada pela exemplar vida cristã dos pais. Quando Ana é muito jovem, o pai – um dia, ao se lavar – descobre uma mancha suspeita na perna. É a terrível lepra, que ele consegue esconder por algum tempo, mas é forçado a reconhecer, aceitando primeiro se separar da família, depois se reunir a ela no lazareto de Agua de Dios. A esposa lhe disse heroicamente: “Seu destino é o nosso”. Assim, os saudáveis aceitam os condicionamentos que advêm de assumir o ritmo dos doentes. Nesse momento, a doença do pai condiciona a liberdade de escolha de Ana Maria, forçada a projetar sua vida no lazareto. Ela também – como já havia acontecido com Laura – se vê impossibilitada de realizar sua vocação religiosa devido à doença paterna: experimenta então, interiormente, aquela laceração que a lepra opera nos doentes. No entanto, Ana Maria não está sozinha. Como Dom Bosco encontrou um amigo da alma, graças ao P. Calosso, assim Laura o encontrou no confessor e Carlos no P. Rua. É o beato P. Luís Variara, salesiano, que lhe assegura: “Se você tem vocação religiosa, ela se realizará”, e a envolve na fundação das Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, em 1905. É o primeiro Instituto a acolher em seu interior leprosas ou filhas de leprosos. Quando a Ir. Lozano morre, em 5 de março de 1982, quase aos 99 anos, Madre Geral por mais de meio século, a intuição do salesiano P. Variara já se concretizou em uma experiência que confirmou e reforçou a dimensão vitimal-reparadora do carisma salesiano.

6. Os santos ensinam
            Nas suas inelimináveis diferenças, as histórias de Laura Vicuña (beata), Carlos Braga e Ana Maria Lozano (servos de Deus) são unidas por alguns aspectos dignos de nota:
            a) Laura, Ana e Carlos, como já Don Bosco, sofrem situações de sofrimento e de dificuldade, por vários títulos relacionadas aos seus pais. Não se pode esquecer de Mamãe Margarida, que se vê obrigada a afastar Joãozinho de casa quando a ausência da autoridade paterna facilita a oposição com o irmão Antônio; nem esquecer que Laura foi assediada por Mora e rejeitada pelas Filhas de Maria Auxiliadora como sua aspirante; que Carlos Braga sofreu incompreensões e calúnias; ou que a lepra do pai parece em certo momento retirar de Ana Maria toda esperança de futuro.
            Uma família por vários títulos ferida causa, portanto, um dano objetivo a quem dela faz parte: desconhecer ou tentar reduzir a magnitude desse dano seria uma empreitada tão ilusória quanto injusta. A cada sofrimento se associa, de fato, um elemento de perda que os “santos”, com seu realismo, interceptam e aprendem a chamar pelo nome.
            b) Joãozinho, Laura, Ana Maria e Carlos realizam neste ponto um segundo passo, mais árduo que o primeiro: em vez de sofrer passivamente a situação, ou de se queixar dela, movem-se com crescente consciência em direção ao problema. Além de um vivo realismo, atestam a capacidade, típica dos santos, de reagir prontamente, evitando o recuo autorreferencial. Eles se dilatam no dom e inserem esse dom nas condições concretas de vida. Ao fazer isso, unem o “da mihi animas” ao “caetera tolle”.
            c) Os limites e as feridas, assim, nunca são removidos: mas sempre reconhecidos e chamados pelo nome; inclusive, são “habitados”. Também a beata Alexandrina Maria da Costa e o servo de Deus Nino Baglieri, o venerável André Beltrami e o beato Augusto Czartoryski, “alcançados” pelo Senhor nas condições incapacitantes de sua doença, o beato Tito Zeman, o venerável José Vandor e o servo de Deus Ignácio Stuchlý – parte de histórias maiores que eles e que parecem sobrepujá-los – ensinam a difícil arte de permanecer nas dificuldades e permitir que o Senhor faça florescer a pessoa nelas. A liberdade de escolha assume aqui a forma altíssima de uma liberdade de adesão, no “fiat!”.

Nota Bibliográfica:
            Para preservar o caráter de “testemunho” e não de “relação” deste escrito, evitou-se um aparato crítico de notas. No entanto, ressalta-se que as citações presentes no texto são extraídas das Memórias do Oratório do P. João Bosco; de Maria Dosio, Laura Vicuña: um caminho de santidade juvenil salesiana, LAS, Roma, 2004; de P. Carlo Braga conta sua experiência missionária e pedagógica (testemunho autobiográfico do servo de Deus) e da Vida do P. Carlos Braga; “o Dom Bosco da China”, escrita pelo salesiano P. Mário Rassiga e hoje disponível em forma mimeografada. A essas fontes se somam os materiais dos Processos de beatificação e canonização, acessíveis para Don Bosco e Laura, ainda reservados para os servos de Deus.




“Curso Respiro” 2024.Curso de Renovação Missionária Salesiana

O Setor Missionário da Congregação Salesiana, com sede em Roma, organizou um curso de renovação missionária, chamado Breath Course, em inglês, para missionários que já estão em missão há muitos anos e que desejam renovação e atualização espiritual.O curso, que começou Colle Dom Bosco em 11 de setembro de 2024, foi concluído com sucesso em Roma em 26 de outubro de 2024.

O Curso Respiro contou com a participação de 24 pessoas de 14 países: Azerbaijão, Botsuana, Brasil, Camboja, Eritreia, Índia, Japão, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Samoa, Sudão do Sul, Tanzânia e Turquia. Embora os participantes do curso viessem de diferentes países, com diferentes origens culturais e pertencessem a diferentes ramos da Família Salesiana, rapidamente estabelecemos um forte vínculo entre nós e todos nos sentimos à vontade na companhia uns dos outros.

Uma das características especiais do Curso Respiro foi o fato de ser um curso missionário do qual participaram, pela primeira vez, vários membros da Família Salesiana: 16 Salesianos de Dom Bosco (SDB), 3 Irmãs da Caridade de Jesus (ICJ), 2 Irmãs Missionárias de Maria Auxiliadora (MSMHC), 2 Irmãs da Visitação de Dom Bosco (VSDB) e 1 Salesiano Cooperador. Outro aspecto positivo foi a experiência com alguns dos membros menos conhecidos e menores da Família Salesiana.

As sete semanas do Curso Respiro foram um tempo de renovação espiritual que nos permitiu aprofundar nosso conhecimento sobre Dom Bosco, a história, o carisma, o espírito e a espiritualidade salesiana, e conhecer melhor os diferentes membros da Família Salesiana. A Lectio Divina salesiana, as peregrinações aos lugares ligados à vida e ao apostolado de Dom Bosco nos Becchi, Castelnuovo Don Bosco, Chieri e Valdocco, os dias passados em Annecy e Mornese, a peregrinação nas pegadas de São Paulo Apóstolo em Roma, a participação na audiência geral do Papa Francisco no Vaticano, a visita à Basílica do Sagrado Coração construída por Dom Bosco e à Casa Geral dos Salesianos, a partilha de experiências missionárias por parte de todos os participantes do curso, a participação no solene “Envio Missionário” da Basílica de Maria Auxiliadora em Valdocco, o tempo dedicado diariamente à oração e à reflexão pessoal, a celebração eucarística comum e assim por diante, tudo isso nos ajudou muito a personalizar e aprofundar os nossos valores salesianos e a nossa vocação missionária. Também os dias passados em Roma, refletindo sobre os vários aspectos da teologia da missão, as sessões sobre a pastoral juvenil salesiana, o discernimento pessoal, a formação permanente, a catequese missionária, a literatura emocional, o voluntariado missionário, a animação missionária da Congregação, etc., ajudaram-nos a personalizar e aprofundar a nossa vocação missionária. A peregrinação a Assis, o lugar santificado por São Francisco de Assis, com o tema “agradecer”, “repensar” e “relançar”, foi uma oportunidade de agradecer a Deus por nossa vocação missionária e pedir a Ele a graça de retornar às nossas terras de missão com mais entusiasmo para fazer melhor no futuro. Outra característica especial do Curso Respiro foi o fato de não ter sido de natureza acadêmica, com créditos, teses, exames e avaliações, mas enfatizou a Palavra de Deus, o compartilhamento de experiências, a reflexão, a oração e a contemplação, com um mínimo de abordagem teórica.

Como participantes do Curso Respiro, tivemos o privilégio especial de testemunhar o 155º “Envio Missionário” da Basílica de Maria Auxiliadora em Valdocco, Turim, em 29 de setembro de 2024. Um total de 27 salesianos, praticamente todos muito jovens, partiram para diferentes países como missionários, depois de receber a cruz missionária do P. Stefano Martoglio, Vigário do Reitor-Mor. Esse evento memorável nos fez lembrar de nossa própria recepção da cruz missionária e da partida para as missões há muitos anos. Também tomamos consciência do ininterrupto “envio missionário” de Valdocco desde 1875 e do compromisso perene da Congregação Salesiana com o carisma missionário de Dom Bosco.

Um aspecto muito enriquecedor do Curso Respiro foi o compartilhamento de histórias vocacionais e experiências missionárias por todos os participantes. Todos se prepararam com antecedência e compartilharam suas histórias vocacionais e experiências missionárias de maneira criativa. Enquanto alguns compartilharam suas experiências na forma de simples palestras, outros usaram fotos, vídeos e apresentações em PowerPoint. Houve bastante tempo para interagir com cada missionário para esclarecer dúvidas e obter mais informações sobre sua vocação missionária, país e cultura. Esse compartilhamento foi um excelente exercício espiritual, pois cada um de nós teve a oportunidade de refletir profundamente sobre nossa vocação missionária e descobrir a mão de Deus atuando em nossas vidas. Essa jornada interior foi muito formativa e nos permitiu fortalecer nossa vocação missionária e nos comprometermos mais generosamente com a Missio Dei (Missão de Deus).

Durante o Curso Respiro, por meio da partilha de nossas experiências missionárias, ficamos mais uma vez profundamente convencidos de que a vida de um missionário não é fácil. A maioria dos missionários trabalha em “periferias” de vários tipos (geográficas, existenciais, econômicas, culturais, espirituais e psicológicas), e um bom número deles em condições muito difíceis, em circunstâncias desafiadoras e com muitas privações. Em muitos contextos, não há liberdade religiosa para pregar o Evangelho abertamente. Em outros lugares, há governos com ideologias extremistas que se opõem ao cristianismo e têm leis anticonversão em vigor. Há países em que não se pode revelar sua identidade sacerdotal ou religiosa. Há também lugares em que nem a instituição católica nem o pessoal religioso podem exibir símbolos religiosos cristãos, como a cruz, a Bíblia, estátuas de Cristo ou de santos, ou roupas religiosas. Há territórios em que os missionários não podem se agrupar para reuniões ou exercícios espirituais ou levar uma vida comunitária. Há nações que não permitem que nenhum missionário cristão estrangeiro entre em seu país e bloqueiam toda assistência financeira vinda do exterior para instituições cristãs. Há terras de missão que não têm vocações suficientes para a vida sacerdotal e religiosa e, como resultado, o missionário fica sobrecarregado com muitos trabalhos e responsabilidades. Depois, há situações em que encontrar recursos financeiros para cobrir as despesas normais de administração de instituições como escolas, internatos, institutos técnicos, centros juvenis, dispensários e assim por diante é uma grande preocupação para os missionários. Há missões que não têm recursos financeiros para construir a infraestrutura tão necessária ou pessoas qualificadas para ensinar nas escolas e institutos técnicos ou para fornecer serviços básicos de saúde aos pobres. Essa lista de problemas enfrentados pelos missionários não é exaustiva. Mas o lado bom dos missionários é que eles são pessoas de fé profunda e felizes com sua vocação missionária. Eles estão felizes por estarem com as pessoas e contentes com o que têm e, confiando na Providência de Deus, prosseguem com seu trabalho missionário apesar dos muitos desafios e dificuldades. Alguns missionários são exemplos brilhantes de santidade cristã que fazem de suas vidas uma poderosa proclamação do Evangelho. Esses valentes missionários merecem nosso apreço, incentivo e apoio espiritual e material para continuarem seu trabalho missionário.

Uma palavra especial de agradecimento a todos os membros do Setor de Missões que trabalharam arduamente e fizeram muitos sacrifícios para organizar o Curso Respiro 2024 . Espero que o Setor das Missões continue a oferecer esse curso todos os anos e, se possível, em diferentes idiomas e com a participação de mais membros da Família Salesiana, especialmente os menores e menos conhecidos. O curso certamente dará aos missionários a oportunidade de ter uma renovação espiritual, uma atualização teológica, um descanso físico e mental, que são essenciais para oferecer um serviço missionário e pastoral de melhor qualidade nas missões e para estabelecer laços mais estreitos entre os membros da Família Salesiana.

P. José Kuruvachira, sdb




As novas salas da Postulação Geral Salesiana

No dia 4 de junho de 2024, foram inauguradas e abençoadas pelo então Reitor-Mor, Cardeal Ángel Fernández Artime, as novas salas da Postulação Geral Salesiana, localizadas na comunidade “Zeferino Namuncurá”, na Via della Bufalotta, em Roma.No plano de reestruturação da sede, o Reitor-Mor, com o seu Conselho, decidiu colocar as salas relativas à Postulação Geral Salesiana nessa nova presença salesiana em Roma.

            Desde Dom Bosco até hoje, reconhecemos uma tradição de santidade que merece atenção, porque é a encarnação do carisma que teve origem com ele e que se expressou em uma pluralidade de estados de vida e de formas. Trata-se de homens e mulheres, jovens e adultos, consagrados e leigos, bispos e missionários que, em diferentes contextos históricos, culturais e sociais, no tempo e no espaço, fizeram brilhar o carisma salesiano com uma luz singular, representando um patrimônio que desempenha um papel eficaz na vida e na comunidade dos crentes e das pessoas de boa vontade. A Postulação acompanha 64 Causas de Beatificação e Canonização referentes a 179 Santos, Beatos, Veneráveis, Servos de Deus. Vale a pena notar que cerca da metade dos grupos da Família Salesiana (15 de 32) tem pelo menos uma Causa de Beatificação e Canonização em andamento.

            O projeto da obra foi elaborado e supervisionado pelo arquiteto Toti Cameroni. Identificado o espaço para a localização das salas de Postulação, originalmente composto por um longo e amplo corredor e um grande salão, foi estudada a distribuição das salas, com base nas exigências requeridas. Assim, a solução final foi projetada e realizada:

A biblioteca com estantes de altura total divididas em quadrados de 40×40 cm que cobrem completamente as paredes. O objetivo é coletar e armazenar as várias publicações sobre figuras santas, sabendo que as vidas e os escritos dos santos, desde a antiguidade, constituem leitura frequente entre os fiéis, despertando a conversão e o desejo de uma vida melhor: eles refletem o esplendor da bondade, da verdade e da caridade de Cristo. Além disso, esse espaço também é adequado para pesquisas pessoais, hospedagem de grupos e reuniões.

            A partir daqui, passamos para a área de recepção, que pretende ser um espaço de espiritualidade e meditação, como nas visitas aos mosteiros do Monte Atos, onde o hóspede era apresentado primeiramente à capela das relíquias dos santos: era lá que se localizava o coração do mosteiro e de lá vinha o incitamento à santidade para os monges. Nesse espaço, há uma série de pequenas vitrines que iluminam relicários ou objetos de valor relacionados à santidade salesiana. A parede do lado direito é revestida de peças de madeira com painéis substituíveis que representam alguns dos santos, beatos, veneráveis e servos de Deus da Família Salesiana.
            Uma porta leva ao maior cômodo da postulação: o arquivo. Um compactador de 640 metros lineares permite o arquivamento de um grande número de documentos relacionados aos vários processos de beatificação e canonização. Uma longa cômoda está localizada sob as janelas: há imagens litúrgicas e paramentos.

            Um pequeno corredor da área de recepção, onde telas e pinturas podem ser admiradas nas paredes, leva primeiro a dois escritórios bem iluminados com móveis e depois à sala de relíquias. Também nesse espaço, os móveis preenchem as paredes, os armários e as gavetas acomodam as relíquias e as vestimentas litúrgicas.

Uma sala de armazenamento e uma pequena sala usada como área de descanso completam as salas de postulação.
            A inauguração e a bênção dessas salas nos lembram que somos guardiões de um patrimônio precioso que merece ser conhecido e valorizado. Além do aspecto litúrgico-celebrativo, o potencial espiritual, pastoral, eclesial, educativo, cultural, histórico, social, missionário… das Causas deve ser plenamente valorizado. A santidade reconhecida ou em vias de reconhecimento, por um lado, já é uma realização da radicalidade evangélica e da fidelidade ao projeto apostólico de Dom Bosco, a ser considerada como um recurso espiritual e pastoral; por outro lado, é uma provocação a viver fielmente a própria vocação para estar disponível a testemunhar o amor até o extremo. Os nossos Santos, Beatos, Veneráveis e Servos de Deus são a encarnação autêntica do carisma salesiano e das Constituições ou Regulamentos dos nossos Institutos e Grupos nos mais diversos tempos e situações, superando o mundanismo e a superficialidade espiritual que minam a nossa credibilidade e fecundidade pela raiz.
            A experiência confirma sempre mais que a promoção e o cuidado das Causas de Beatificação e Canonização da nossa Família, a celebração coral dos eventos relacionados à santidade, são dinâmicas de graça que suscitam alegria evangélica e sentido de pertença carismática, renovando intenções e compromissos de fidelidade ao chamado recebido e gerando fecundidade apostólica e vocacional. Os santos são verdadeiros místicos do primado de Deus no dom generoso de si, profetas da fraternidade evangélica, servidores de seus irmãos e irmãs com criatividade.

            Para promover as Causas de Beatificação e Canonização da Família Salesiana e para conhecer de perto o patrimônio de santidade que floresceu a partir de Dom Bosco, a Postulação está à disposição para acolher pessoas e grupos que desejem conhecer e visitar esses ambientes, oferecendo também a possibilidade de mini-retiros com itinerários sobre temas específicos e a apresentação de documentos, relíquias, objetos significativos. Para obter informações, escreva para postulatore@sdb.org.

Galeria de fotos – As novas salas da Postulação Geral Salesiana

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As novas salas da Postulação Geral Salesiana
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