Entrevista com o Reitor-Mor, P. Fabio Attard

Fizemos uma entrevista exclusiva com o Reitor-Mor dos Salesianos, P. Fabio Attard, percorrendo as etapas fundamentais de sua vocação e de sua trajetória humana e espiritual. Sua vocação nasceu no oratório e se consolidou através de uma rica formação que o levou da Irlanda à Tunísia, de Malta a Roma. De 2008 a 2020, foi Conselheiro Geral para a Pastoral Juvenil, função que desempenhou com uma visão multicultural adquirida através de experiências em diferentes contextos. A sua mensagem central é a santidade como fundamento da ação educativa salesiana: “Gostaria de ver uma Congregação mais santa”, afirma, sublinhando que a eficiência profissional deve estar enraizada na identidade consagrada.

Qual é a história da sua vocação?

Nasci em Gozo, Malta, em 23 de março de 1959, quinto de sete filhos. Na época do meu nascimento, meu pai era farmacêutico em um hospital, enquanto minha mãe tinha uma pequena loja de tecidos e costura, que com o tempo cresceu e se tornou uma pequena rede de cinco lojas. Ela era uma mulher muito trabalhadora, mas o negócio sempre foi familiar.

Frequentei as escolas primárias e secundárias locais. Um elemento muito bonito e particular da minha infância é que meu pai era catequista leigo no oratório, que até 1965 era dirigido pelos salesianos. Quando jovem, ele frequentava aquele oratório e acabou ficando lá como único catequista leigo. Quando comecei a frequentá-lo, aos seis anos, os salesianos tinham acabado de deixar a obra. Assumiu um jovem padre (que ainda está vivo) que continuou as atividades do oratório com o mesmo espírito salesiano, tendo ele próprio vivido lá como seminarista.
Continuávamos com o catecismo, a bênção eucarística diária, o futebol, o teatro, o coro, as excursões, as festas… tudo o que se vive normalmente num oratório. Havia muitas crianças e jovens, e eu cresci nesse ambiente. Na prática, minha vida se passava entre a família e o oratório. Eu também era coroinha na minha paróquia. Assim, depois do ensino médio, me orientei para o sacerdócio, porque desde criança tinha esse desejo no coração.

Hoje percebo o quanto fui influenciado por aquele jovem sacerdote, que eu admirava: ele estava sempre presente conosco no pátio, nas atividades do oratório. No entanto, naquela época os salesianos já não estavam mais lá. Entrei então no seminário, onde na época se faziam dois anos de curso preparatório como internos. Durante o terceiro ano – que correspondia ao primeiro ano de filosofia – conheci um amigo da família de cerca de 35 anos, uma vocação adulta, que havia entrado como aspirante salesiano (hoje ainda está vivo e é coadjutor). Quando ele deu esse passo, acendeu-se uma chama dentro de mim. E com a ajuda do meu diretor espiritual, comecei um discernimento vocacional.
Foi um caminho importante, mas também exigente: eu tinha 19 anos, mas aquele guia espiritual me ajudou a buscar a vontade de Deus, e não simplesmente a minha. Assim, no último ano – o quarto de filosofia –, em vez de segui-lo no seminário, vivi como aspirante salesiano, completando os dois anos de filosofia exigidos.

Na família, o ambiente era fortemente marcado pela fé. Participávamos todos os dias da missa, rezávamos o rosário em casa, éramos muito unidos. Ainda hoje, embora nossos pais estejam no céu, mantemos essa mesma unidade entre irmãos e irmãs.

Outra experiência familiar me marcou profundamente, embora só tenha percebido isso com o tempo. Meu irmão, o segundo da família, morreu aos 25 anos de insuficiência renal. Hoje, com os avanços da medicina, ele ainda estaria vivo graças à diálise e aos transplantes, mas naquela época não havia tantas possibilidades. Estive ao seu lado nos últimos três anos de sua vida: dividíamos o mesmo quarto e muitas vezes eu o ajudava à noite. Ele era um jovem sereno, alegre, que vivia sua fragilidade com uma alegria extraordinária.
Eu tinha 16 anos quando ele morreu. Passaram-se cinquenta anos, mas quando penso naquela época, naquela experiência cotidiana de proximidade, feita de pequenos gestos, reconheço o quanto isso marcou minha vida.

Nasci em uma família onde havia fé, senso de trabalho, responsabilidade compartilhada. Meus pais são dois exemplos extraordinários para mim: viveram com grande fé e serenidade a cruz, sem nunca sobrecarregar ninguém, e ao mesmo tempo souberam transmitir a alegria da vida familiar. Posso dizer que tive uma infância muito bonita. Não éramos ricos, nem pobres, mas sempre sóbrios, discretos. Eles nos ensinaram a trabalhar, a administrar bem os recursos, a não desperdiçar, a viver com dignidade, com elegância e, acima de tudo, com atenção aos pobres e aos doentes.

Como sua família reagiu quando o senhor tomou a decisão de seguir a vocação consagrada?

Chegou o momento em que, junto com meu diretor espiritual, esclarecemos que meu caminho era o dos salesianos. Eu também precisava comunicar isso aos meus pais. Lembro que era uma noite tranquila, estávamos jantando juntos, só nós três. A certa altura, eu disse: “Quero lhes dizer uma coisa: fiz meu discernimento e decidi entrar para os salesianos”.
Meu pai ficou muito feliz. Ele respondeu imediatamente: “Que o Senhor te abençoe”. Minha mãe, por outro lado, começou a chorar, como todas as mães fazem. Ela me perguntou: “Então você vai se afastar?” Mas meu pai interveio com doçura e firmeza: “Quer ele se afaste ou não, este é o seu caminho”.
Eles me abençoaram e me encorajaram. São momentos que ficam gravados para sempre.

Lembro-me particularmente do que aconteceu no final da vida dos meus pais. Meu pai faleceu em 1997 e, seis meses depois, descobriram um tumor incurável em minha mãe.
Naquela época, os superiores me pediram para ir lecionar na Universidade Pontifícia Salesiana (UPS), mas eu não sabia que decisão tomar. Minha mãe não estava bem, estava perto da morte. Conversando com meus irmãos, eles me disseram: “Faça o que os superiores pedem”.
Eu estava em casa e conversei com ela: “Mãe, os superiores estão me pedindo para ir para Roma”.
Ela, com a lucidez de uma verdadeira mãe, respondeu: “Ouça, meu filho, se dependesse de mim, eu pediria que você ficasse aqui, porque não tenho mais ninguém e não gostaria de ser um fardo para seus irmãos. Mas…” – e aqui ela disse uma frase que guardo no coração – “Você não é meu, você pertence a Deus. Faça o que seus superiores lhe dizem.”
Essa frase, pronunciada um ano antes de sua morte, é para mim um tesouro, uma herança preciosa. Minha mãe era uma mulher inteligente, sábia, perspicaz: sabia que a doença a levaria ao fim, mas naquele momento soube ser livre interiormente. Livre para dizer palavras que confirmavam mais uma vez o dom que ela mesma havia feito a Deus: oferecer um filho à vida consagrada.

A reação da minha família, desde o início até o fim, foi sempre marcada por um profundo respeito e um grande apoio. E ainda hoje, meus irmãos e irmãs continuam a levar adiante esse espírito.

Qual foi o seu percurso formativo desde o noviciado até hoje?

Foi um percurso muito rico e variado. Comecei o pré-noviciado em Malta, depois fiz o noviciado em Dublin, na Irlanda. Uma experiência realmente bonita.

Depois do noviciado, meus companheiros se mudaram para Maynooth para estudar filosofia na universidade, mas eu já tinha concluído esse curso anteriormente. Por isso, os superiores me pediram para permanecer no noviciado por mais um ano, onde ensinei italiano e latim. Depois, voltei para Malta para fazer dois anos de estágio, que foram muito bonitos e enriquecedores.

Depois, fui enviado a Roma para estudar teologia na Pontifícia Universidade Salesiana, onde passei três anos extraordinários. Esses anos me deram uma grande abertura mental. Vivíamos no seminário com quarenta coirmãos provenientes de vinte nações diferentes: Ásia, Europa, América Latina… até o corpo docente era internacional. Era em meados dos anos 80, cerca de vinte anos após o Concílio Vaticano II, e ainda se respirava muito entusiasmo: havia debates teológicos animados, a teologia da libertação, o interesse pelo método e pela prática. Esses estudos me ensinaram a ler a fé não apenas como conteúdo intelectual, mas como uma escolha de vida.

Após esses três anos, continuei com mais dois de especialização em teologia moral na Academia Alfonsiana, com os padres redentoristas. Lá também encontrei figuras significativas, como o famoso Bernhard Häring, com quem fiz uma amizade pessoal e ia regularmente todos os meses para conversar com ele. Foram cinco anos no total – entre o bacharelado e a licenciatura – que me formaram profundamente do ponto de vista teológico.

Posteriormente, me ofereci para as missões, e os superiores me enviaram para a Tunísia, junto com outro salesiano, para restabelecer a presença salesiana no país. Assumimos uma escola administrada por uma congregação feminina que, não tendo mais vocações, estava prestes a fechar. Era uma escola com 700 alunos; por isso tivemos que aprender francês e também árabe. Para nos prepararmos, passamos alguns meses em Lyon, na França, e depois nos dedicamos ao estudo do árabe.
Fiquei lá três anos. Foi outra grande experiência, porque nos encontramos a viver a fé e o carisma salesiano num contexto em que não se podia falar explicitamente de Jesus. No entanto, era possível construir percursos educativos baseados em valores humanos: respeito, disponibilidade, verdade. O nosso testemunho era silencioso, mas eloquente. Naquele ambiente, aprendi a conhecer e a amar o mundo muçulmano. Todos – alunos, professores e famílias – eram muçulmanos e nos acolheram com grande calor. Fizeram-nos sentir parte da sua família. Voltei várias vezes à Tunísia e sempre encontrei o mesmo respeito e apreço, independentemente da nossa pertença religiosa.

Depois dessa experiência, voltei para Malta e trabalhei durante cinco anos na área social. Em particular, numa casa salesiana que acolhe jovens que precisam de um acompanhamento educativo mais atento, também em regime residencial.

Após estes oito anos de pastoral (entre a Tunísia e Malta), foi-me oferecida a possibilidade de concluir o doutorado. Optei por voltar à Irlanda, porque o tema estava relacionado com a consciência segundo o pensamento do cardeal John Henry Newman, hoje santo. Concluído o doutorado, o Reitor-Mor da época, P. Juan Edmundo Vecchi – de grata memória – pediu-me para ingressar como professor de teologia moral na Pontifícia Universidade Salesiana.

Olhando para todo o meu percurso, desde o aspirantado até ao doutorado, posso dizer que foi um conjunto de experiências não só de conteúdos, mas também de contextos culturais muito diferentes. Agradeço ao Senhor e à Congregação, porque me ofereceram a possibilidade de viver uma formação tão variada e rica.

Então o senhor conhece o maltês porque é sua língua materna, o inglês porque é a segunda língua em Malta, o latim porque o senhor o ensinou, o italiano porque estudou na Itália, o francês e o árabe porque esteve em Manouba, na Tunísia… Quantas línguas o senhor conhece?

Cinco, seis línguas, mais ou menos. Mas, quando me perguntam sobre línguas, eu sempre digo que são um pouco coincidências históricas.
Em Malta, já crescemos com duas línguas: o maltês e o inglês, e na escola se estuda uma terceira língua. Na minha época, também se ensinava italiano. Além disso, eu tinha um talento natural para línguas e também escolhi o latim. Mais tarde, quando fui para a Tunísia, foi necessário aprender francês e também árabe.
Em Roma, vivendo com muitos estudantes de espanhol, o ouvido se acostuma e, quando fui eleito Conselheiro para a Pastoral Juvenil, aprofundei um pouco o espanhol, que é uma língua muito bonita.

Todas as línguas são bonitas. Claro, aprendê-las requer empenho, estudo, prática. Há quem tenha mais facilidade, outros menos: faz parte da disposição pessoal. Mas não é um mérito, nem uma culpa. É simplesmente um dom, uma predisposição natural.

De 2008 a 2020, o senhor foi Conselheiro Geral da Pastoral Juvenil por dois mandatos. Como sua experiência nesta missão o ajudou?

Quando o Senhor nos confia uma missão, levamos conosco toda a bagagem de experiências que acumulamos ao longo do tempo.
Tendo vivido em contextos culturais diferentes, não corria o risco de ver tudo através do filtro de uma única cultura. Sou europeu, venho do Mediterrâneo, de um país que foi colônia inglesa, mas tive a graça de viver em comunidades internacionais e multiculturais.

Os anos de estudo na UPS também me ajudaram muito. Tínhamos professores que não se limitavam a transmitir conteúdos, mas nos educavam a fazer síntese, a construir um método. Por exemplo, se estudávamos história da Igreja, compreendíamos como era essencial para compreender a patrística. Se abordávamos a teologia bíblica, aprendíamos a relacioná-la com a teologia sacramental, com a moral, com a história da espiritualidade. Em suma, ensinavam-nos a pensar de forma orgânica.
Essa capacidade de síntese, essa arquitetura do pensamento, torna-se então parte da sua formação pessoal. Quando se estuda teologia, aprende-se a identificar pontos fixos e a conectá-los. O mesmo vale para uma proposta pastoral, pedagógica ou filosófica. Quando se encontra pessoas com grande profundidade, absorve-se não só o que dizem, mas também como o dizem, e isso forma o seu estilo.

Outro elemento importante é que, no momento da minha eleição, eu já tinha vivido experiências em ambientes missionários, onde a religião católica era praticamente ausente, e tinha trabalhado com pessoas marginalizadas e vulneráveis. Também tinha adquirido alguma experiência no mundo universitário e, paralelamente, tinha-me dedicado muito ao acompanhamento espiritual.

Além disso, entre 2005 e 2008 – logo após a experiência na UPS –, a Arquidiocese de Malta me pediu para fundar um Instituto de Formação Pastoral, na sequência de um Sínodo diocesano que reconheceu a necessidade do mesmo. O arcebispo me confiou a tarefa de começar do zero. A primeira coisa que fiz foi formar uma equipe com padres, religiosos, leigos – homens e mulheres. Criamos um novo método de formação, que ainda é usado hoje. O instituto continua funcionando muito bem e, de certa forma, essa experiência foi uma preparação valiosa para o trabalho que realizei posteriormente na pastoral juvenil.
Desde o início, sempre acreditei no trabalho em equipe e na colaboração com os leigos. Minha primeira experiência como diretor foi justamente nesse estilo: uma equipe educativa estável, hoje diríamos uma CEP (Comunidade Educativa-Pastoral), com encontros sistemáticos, não ocasionais. Nós nos reuníamos todas as semanas com os educadores e profissionais. E essa abordagem, que com o tempo se tornou um método, permaneceu para mim uma referência.

A isso se soma também a experiência acadêmica: seis anos como professor na Pontifícia Universidade Salesiana, na qual chegavam estudantes de mais de cem nações, e depois como examinador e diretor de teses de doutorado na Academia Alfonsiana.

Acredito que tudo isso me preparou para viver essa responsabilidade com lucidez e visão.

Assim, quando a Congregação, durante o Capítulo Geral de 2008, me pediu para assumir este cargo, eu já trazia comigo uma visão ampla e multicultural. E isso me ajudou, porque reunir diversidades não era algo difícil para mim: era parte da normalidade. Claro, não se tratava simplesmente de fazer uma “salada” de experiências: era preciso encontrar os fios condutores, dar coerência e unidade.

O que pude viver como Conselheiro Geral não foi um mérito pessoal. Acredito que qualquer salesiano, se tivesse tido as mesmas oportunidades e o apoio da Congregação, poderia ter vivido experiências semelhantes e dado a sua contribuição com generosidade.

Há uma oração, uma boa noite salesiana, um hábito que o senhor nunca deixa de fazer?

A devoção a Maria. Em casa, crescemos com o Rosário diário, rezado em família. Não era uma obrigação, era algo natural: fazíamos antes de comer, porque sempre comíamos juntos. Naquela época era possível. Hoje talvez seja menos, mas naquela época era assim que se vivia: a família reunida, a oração compartilhada, a mesa comum.

No início, talvez eu não percebesse o quanto era profunda essa devoção mariana. Mas com o passar dos anos, quando se começa a distinguir o que é essencial do que é secundário, compreendi o quanto essa presença materna acompanhou minha vida.
A devoção a Maria se expressa de diferentes formas: o Rosário diário, quando possível; um momento de pausa diante de uma imagem ou estátua da Virgem Maria; uma oração simples, mas feita com o coração. São gestos que acompanham o caminho da fé.

Naturalmente, há alguns pontos fixos: a Eucaristia diária e a meditação diária. São pilares que não se discutem, se vivem. Não só porque somos consagrados, mas porque somos crentes. E a fé só se vive alimentando-a.
Quando a alimentamos, ela cresce em nós. E só se crescer em nós, podemos ajudar a que cresça também nos outros. Para nós, que somos educadores, é evidente: se a nossa fé não se traduz em vida concreta, todo o resto se torna fachada.

Essas práticas – a oração, a meditação, a devoção – não são reservadas aos santos. São expressão de honestidade. Se fiz uma escolha de fé, também tenho a responsabilidade de cultivá-la. Caso contrário, tudo se reduz a algo exterior, aparente. E isso, com o tempo, não se sustenta.

Se pudesse voltar atrás, faria as mesmas escolhas?

Absolutamente sim. Na minha vida, houve momentos muito difíceis, como acontece com todos. Não quero passar por “vítima de plantão”. Acredito que toda pessoa, para crescer, precisa passar por fases de escuridão, momentos de desolação, de solidão, de se sentir traída ou acusada injustamente. E eu vivi esses momentos. Mas tive a graça de ter um diretor espiritual ao meu lado.

Quando se vive certas dificuldades acompanhado por alguém, consegue-se intuir que tudo o que Deus permite tem um sentido, tem um propósito. E quando se sai desse “túnel”, descobre-se que se é uma pessoa diferente, mais madura. É como se, através dessa provação, fôssemos transformados.

Se eu tivesse ficado sozinho, teria corrido o risco de tomar decisões erradas, sem visão, cego pelo cansaço do momento. Quando se está zangado, quando se sente sozinho, não é hora de decidir. É hora de caminhar, de pedir ajuda, de se deixar acompanhar.

Viver certas passagens com a ajuda de alguém é como ser uma massa colocada no forno: o fogo a cozinha, a torna madura.
Portanto, à pergunta se mudaria alguma coisa, a minha resposta é: não. Porque mesmo os momentos mais difíceis, mesmo aqueles que eu não compreendia, ajudaram-me a tornar-me na pessoa que sou hoje.
Sinto-me uma pessoa perfeita? Não. Mas sinto que estou a caminho, todos os dias, tentando viver diante da misericórdia e da bondade de Deus.

E hoje, ao dar esta entrevista, posso dizer com sinceridade que me sinto feliz. Talvez ainda não tenha compreendido plenamente o que significa ser Reitor-Mor – isso leva tempo –, mas sei que é uma missão, não um passeio. Traz consigo as suas dificuldades. No entanto, sinto-me amado, estimado pelos meus colaboradores e por toda a Congregação.

E tudo o que sou hoje, sou graças ao que vivi, mesmo nos momentos mais difíceis. Não mudaria nada. Eles fizeram de mim quem sou.

O senhor tem algum projeto que lhe seja particularmente caro?

Sim. Se fecho os olhos e imagino algo que realmente desejo, gostaria de ver uma Congregação mais santa. Mais santa. Mais santa.

Fiquei profundamente inspirado pela primeira carta do padre Pascual Chávez, de 2002, intitulada “Sede santos”. Essa carta me tocou profundamente, deixou uma marca em mim.
Os projetos são muitos, e todos válidos, bem estruturados, com visões amplas e profundas. Mas que valor têm, se são levados adiante por pessoas que não são santas? Podemos fazer um trabalho excelente, podemos até ser apreciados – e isso, em si, não é negativo –, mas não trabalhamos para obter sucesso. O nosso ponto de partida é uma identidade: somos pessoas consagradas.

O que propomos só faz sentido se nasce daí. É claro que desejamos que nossos projetos tenham sucesso, mas ainda mais desejamos que tragam graça, que toquem as pessoas profundamente. Não basta ser eficiente. Temos que ser eficazes, no sentido mais profundo: eficazes no testemunho, na identidade, na fé.
A eficiência pode existir mesmo sem qualquer referência religiosa. Podemos ser excelentes profissionais, mas isso não basta.
Nossa consagração não é um detalhe: é o fundamento. Se ela se torna marginal, se a colocamos de lado para dar espaço à eficiência, então perdemos nossa identidade.

E as pessoas nos observam. Nas escolas salesianas, reconhece-se que os resultados são bons – e isso é bom. Mas será que também nos reconhecem como homens de Deus? Essa é a questão.
Se nos veem apenas como bons profissionais, então somos apenas eficientes. Mas a nossa vida deve alimentar-se Dele – Caminho, Verdade e Vida – não do que “eu penso” ou “eu quero” ou “do que me parece”.

Portanto, mais do que falar de um projeto pessoal, prefiro falar de um desejo profundo: tornar-me santo. E falar disso de forma concreta, não idealizada.
Quando Dom Bosco falava aos seus jovens sobre estudo, saúde e santidade, não se referia a uma santidade feita apenas de oração na capela. Ele pensava em uma santidade vivida na relação com Deus e alimentada pela relação com Deus. A santidade cristã é o reflexo dessa relação viva e cotidiana.

Que conselho o senhor daria a um jovem que se questiona sobre a vocação?

Eu diria para descobrir, passo a passo, qual é o projeto de Deus para ele.
O caminho vocacional não é uma pergunta que se faz, esperando uma resposta pronta da Igreja. É uma peregrinação. Quando um jovem me diz: “Não sei se quero ser salesiano ou não”, tento afastá-lo dessa formulação. Porque não se trata simplesmente de decidir: “Vou ser salesiano”. A vocação não é uma opção em relação a uma “coisa”.

Também na minha própria experiência, quando disse ao meu diretor espiritual: “Quero ser salesiano, tenho que ser”, ele, com muita calma, me fez refletir: “É realmente a vontade de Deus? Ou é apenas um desejo seu?”

E é justo que um jovem procure o que deseja, é algo saudável. Mas quem o acompanha tem a tarefa de educar essa busca, de transformá-la de entusiasmo inicial em caminho de amadurecimento interior.
“Você quer fazer o bem? Ótimo. Então conheça a si mesmo, reconheça que é amado por Deus”.
É somente a partir dessa relação profunda com Deus que pode surgir a verdadeira pergunta: “Qual é o projeto de Deus para mim?”
Porque o que hoje desejo, amanhã pode não me bastar mais. Se a vocação se reduz ao que “gosto”, então será algo frágil. A vocação é, pelo contrário, uma voz interior que interpela, que pede para entrar em diálogo com Deus e para responder.

Quando um jovem chega a este ponto, quando é acompanhado a descobrir aquele espaço interior onde habita Deus, então começa realmente a caminhar.
E por isso, quem acompanha deve ser muito atento, profundo, paciente. Nunca superficial.
O Evangelho de Emaús é uma imagem perfeita: Jesus se aproxima dos dois discípulos, os escuta, mesmo sabendo que estão falando confusamente. Depois de ouvi-los, começa a falar. E eles, no final, o convidam: “Fica conosco, porque já está ficando tarde”.
E o reconhecem no gesto de partir o pão. Então dizem: “Não ardia em nós o nosso coração enquanto ele nos falava pelo caminho?”

Hoje, muitos jovens estão em busca. Nossa tarefa, como educadores, é não ser apressados. Mas ajudá-los, com calma e gradualidade, a descobrir a grandeza que já está em seus corações. Porque lá, naquela profundidade, eles encontram Cristo. Como diz Santo Agostinho: “Tu estavas dentro de mim, e eu estava fora. E lá eu te procurava”.

O senhor teria uma mensagem a transmitir hoje à Família Salesiana?

É a mesma mensagem que compartilhei também nestes dias, durante o encontro da Consulta da Família Salesiana: A fé. Enraizar-nos cada vez mais na pessoa de Cristo.

É desse enraizamento que nasce um conhecimento autêntico de Dom Bosco. Os primeiros salesianos, quando quiseram escrever um livro sobre o verdadeiro Dom Bosco, não o intitularam “Dom Bosco apóstolo dos jovens”, mas “Dom Bosco com Deus” – um texto escrito pelo P. Eugênio Ceria em 1929.
E isso nos faz refletir. Por que eles, que o viam em ação todos os dias, não escolheram destacar o Dom Bosco incansável, organizador, educador? Não, eles quiseram contar o Dom Bosco profundamente unido a Deus.
Quem o conheceu bem não se deteve nas aparências, mas foi à raiz: Dom Bosco era um homem imerso em Deus.

À Família Salesiana, eu digo: recebemos um tesouro. Um dom imenso. Mas todo dom implica uma responsabilidade.
No meu discurso final, eu disse: “Não basta amar Dom Bosco, é preciso conhecê-lo.”
E só podemos conhecê-lo verdadeiramente se formos pessoas de fé.

Devemos olhar para ele com os olhos da fé. Só assim podemos encontrar o crente que foi Dom Bosco, em quem o Espírito Santo agiu com força: com dýnamis, com cháris, com carisma, com graça.
Não podemos nos limitar a repetir certas máximas suas ou a contar seus milagres. Porque corremos o risco de nos determos nas histórias de Dom Bosco, em vez de nos determos na história de Dom Bosco, porque Dom Bosco é maior do que Dom Bosco.
Isso significa estudo, reflexão, profundidade. Significa evitar toda superficialidade.

E então poderemos dizer com verdade: “Esta é a minha fé, este é o meu carisma: enraizados em Cristo, seguindo os passos de Dom Bosco”.




Dom Bosco e as procissões eucarísticas

Um aspecto pouco conhecido, mas importante, do carisma de São João Bosco são as procissões eucarísticas. Para o santo dos jovens, a Eucaristia não era apenas uma devoção pessoal, mas uma ferramenta pedagógica e um testemunho público. Em uma Turim em transformação, Dom Bosco viu nas procissões uma oportunidade para fortalecer a fé dos jovens e anunciar Cristo nas ruas. A experiência salesiana, que se espalhou pelo mundo, mostra como a fé pode se encarnar na cultura e responder aos desafios sociais. Ainda hoje, vividas com autenticidade e abertura, essas procissões podem se tornar sinais proféticos de fé.

Quando se fala de São João Bosco (1815-1888), pensa-se imediatamente em seus oratórios populares, na paixão educativa pelos jovens e na família salesiana nascida de seu carisma. Menos conhecido, mas não menos decisivo, é o papel que a devoção eucarística — e em particular as procissões eucarísticas — teve em sua obra. Para Dom Bosco, a Eucaristia não era apenas o coração da vida interior; constituía também uma poderosa ferramenta pedagógica e um sinal público de renovação social em uma Turim em rápida transformação industrial. Revisitar a ligação entre o santo dos jovens e as procissões com o Santíssimo significa entrar em um laboratório pastoral onde liturgia, catequese, educação cívica e promoção humana se entrelaçam de maneira original e, por vezes, surpreendente.

As procissões eucarísticas no contexto do século XIX
Para compreender Dom Bosco, é preciso lembrar que o século XIX italiano viveu um intenso debate sobre o papel público da religião. Após a época napoleônica e o movimento do “Ressurgimento” [Unificação], as manifestações religiosas nas ruas das cidades não eram mais garantidas: em muitas regiões, delineava-se um estado liberal que olhava com desconfiança qualquer expressão pública do catolicismo, temendo aglomerações em massa ou ressurgimentos “reacionários”. As procissões eucarísticas, no entanto, mantinham uma força simbólica muito poderosa: lembravam o senhorio de Cristo sobre toda a realidade e, ao mesmo tempo, faziam emergir uma Igreja popular, visível e encarnada nos bairros. Contra esse pano de fundo, destaca-se a obstinação de Dom Bosco, que nunca desistiu de acompanhar seus jovens no testemunho da fé fora dos muros do oratório, fossem as avenidas de Valdocco ou as áreas rurais ao redor.

Desde os anos de formação no seminário de Chieri, João Bosco desenvolveu uma sensibilidade eucarística de sabor “missionário”. As crônicas contam que ele frequentemente parava na capela, após as aulas, para longas orações diante do sacrário. Nas “Memórias do Oratório”, ele mesmo reconhece ter aprendido com seu diretor espiritual, o P. Cafasso, o valor de “fazer-se pão” para os outros: contemplar Jesus que se doa na Hóstia significava, para ele, aprender a lógica do amor gratuito. Essa linha atravessa toda a sua trajetória: “Mantenham-se amigos de Jesus sacramentado e Maria Auxiliadora”, repetia aos jovens, indicando a comunhão frequente e a adoração silenciosa como pilares de um caminho de santidade laical e cotidiana.

O oratório de Valdocco e as primeiras procissões internas
Nos primeiros anos da década de 1840, o oratório de Turim ainda não possuía uma igreja propriamente dita. As celebrações aconteciam em barracas de madeira ou pátios adaptados. Dom Bosco, no entanto, não desistiu de organizar pequenas procissões internas, quase “ensaios gerais” daquilo que se tornaria uma prática estável. Os jovens carregavam velas e estandartes, cantavam louvores marianos e, ao final, paravam ao redor de um altar improvisado para a bênção eucarística. Essas primeiras tentativas tinham uma função eminentemente pedagógica: acostumar os jovens a uma participação devota, mas alegre, unindo disciplina e espontaneidade. Na Turim operária, onde muitas vezes a miséria desembocava em violência, desfilar ordenadamente com o lenço vermelho no pescoço já era um sinal contra a corrente: mostrava que a fé podia educar ao respeito por si mesmo e pelos outros.

Dom Bosco sabia muito bem que uma procissão não se improvisa: são necessários sinais, cantos, gestos que falem ao coração antes mesmo da mente. Por isso, ele cuidava pessoalmente da explicação dos símbolos. O baldaquino tornava-se a imagem da tenda da congregação, sinal da presença divina que acompanha o povo em caminhada. As flores espalhadas pelo percurso lembravam a beleza das virtudes cristãs que devem adornar a alma. Os lampiões, indispensáveis nas saídas noturnas, aludiam à luz da fé que ilumina as trevas do pecado. Cada elemento era objeto de uma pequena “pregação” convivencial no refeitório ou na recreação, de modo que a preparação logística se entrelaçasse com a catequese sistemática. O resultado? Para os jovens, a procissão não era um dever ritual, mas uma ocasião festiva carregada de significado.

Um dos aspectos mais característicos das procissões salesianas era a presença da banda formada pelos próprios alunos. Dom Bosco considerava a música um antídoto contra o ócio e, ao mesmo tempo, uma poderosa ferramenta de evangelização: “Uma marcha alegre bem executada — escrevia — atrai as pessoas como o ímã atrai o ferro”. A banda precedia o Santíssimo, alternando peças sacras com árias populares adaptadas com textos religiosos. Esse “diálogo” entre fé e cultura popular reduzia as distâncias com os transeuntes e criava ao redor da procissão uma aura de festa compartilhada. Não poucos cronistas leigos testemunharam ter sido “intrigados” por aquele grupo de jovens músicos disciplinados, tão diferente das bandas militares ou filarmônicas da época.

Procissões como resposta às crises sociais
A Turim do século XIX conheceu epidemias de cólera (1854 e 1865), greves, fomes e tensões anticlericais. Dom Bosco reagiu frequentemente propondo procissões extraordinárias de reparação ou súplica. Durante a cólera de 1854, levou os jovens pelas ruas mais afetadas, recitando em voz alta as ladainhas pelos enfermos e distribuindo pão e remédios. Nesse momento nasceu a promessa — depois cumprida — de construir a igreja de Maria Auxiliadora: “Se Nossa Senhora salvar meus jovens, lhe erguerei um templo”. As autoridades civis, inicialmente contrárias a cortejos religiosos por medo de contágio, tiveram que reconhecer a eficácia da rede de assistência salesiana, alimentada espiritualmente justamente pelas procissões. A Eucaristia, levada entre os doentes, tornava-se assim um sinal tangível da compaixão cristã.

Ao contrário de certos modelos devocionais fechados nas sacristias, as procissões de Dom Bosco reivindicavam um direito de cidadania da fé no espaço público. Não se tratava de “ocupar” as ruas, mas de devolvê-las à sua vocação comunitária. Passar sob as varandas, atravessar praças e pórticos significava lembrar que a cidade não é apenas lugar de troca econômica ou de confronto político, mas sim de encontro fraterno. Por isso, Dom Bosco insistia em uma ordem impecável: capas escovadas, sapatos limpos, filas regulares. Queria que a imagem da procissão comunicasse beleza e dignidade, persuadindo até os observadores mais céticos de que a proposta cristã elevava a pessoa.

A herança salesiana das procissões
Após a morte de Dom Bosco, seus filhos espirituais difundiram a prática das procissões eucarísticas pelo mundo todo: das escolas agrícolas da Emília às missões da Patagônia, dos colégios asiáticos aos bairros operários de Bruxelas. O que importava não era duplicar servilmente um rito piemontês, mas transmitir o núcleo pedagógico: protagonismo juvenil, catequese simbólica, abertura à sociedade ao redor. Assim, na América Latina, os salesianos inseriram danças tradicionais no início do cortejo; na Índia adotaram tapetes de flores segundo a arte local; na África subsaariana alternaram cantos gregorianos a ritmos polifônicos tribais. A Eucaristia tornava-se ponte entre culturas, realizando o sonho de Dom Bosco de “fazer de todos os povos uma única família”.

Sob o ponto de vista teológico, as procissões de Dom Bosco incorporam uma forte visão da presença real de Cristo. Levar o Santíssimo “para fora” significa proclamar que o Verbo não se fez carne para ficar trancado, mas para “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Essa presença pede para ser anunciada em formas compreensíveis, sem se reduzir a um gesto intimista. Em Dom Bosco, a dinâmica centrípeta da adoração (reunir os corações em torno da Hóstia) gera uma dinâmica centrífuga: os jovens, nutridos no altar, sentem-se enviados a servir. Da procissão surgem microcompromissos: assistir um companheiro doente, pacificar uma briga, estudar com mais diligência. A Eucaristia se prolonga nas “procissões invisíveis” da caridade cotidiana.

Hoje, em contextos secularizados ou multirreligiosos, as procissões eucarísticas podem levantar questionamentos: ainda são comunicativas? Não correm o risco de parecer folclore nostálgico? A experiência de Dom Bosco sugere que a chave está na qualidade relacional mais do que na quantidade de incenso ou paramentos. Uma procissão que envolve famílias, explica os símbolos, integra linguagens artísticas contemporâneas e, sobretudo, se conecta a gestos concretos de solidariedade, mantém uma surpreendente força profética. O recente Sínodo dos Jovens (2018) ressaltou várias vezes a importância de “sair” e “mostrar a fé com a carne”. A tradição salesiana, com sua liturgia itinerante, oferece um paradigma já testado de “Igreja em saída”.

As procissões eucarísticas não eram para Dom Bosco simples tradições litúrgicas, mas verdadeiros atos educativos, espirituais e sociais. Elas representavam uma síntese entre fé vivida, comunidade educativa e testemunho público. Através delas, Dom Bosco formava jovens capazes de adorar, respeitar, servir e testemunhar.
Hoje, em um mundo fragmentado e distraído, resgatar o valor das procissões eucarísticas à luz do carisma salesiano pode ser uma maneira eficaz de reencontrar o sentido do essencial: Cristo presente no meio do seu povo, que caminha com ele, o adora, serve e anuncia.
Em uma época que busca autenticidade, visibilidade e relações, a procissão eucarística – se vivida segundo o espírito de Dom Bosco – pode ser um sinal poderoso de esperança e renovação.

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Com Nino Baglieri, peregrino da Esperança, no caminho do Jubileu

O percurso do Jubileu 2025, dedicado à Esperança, encontra um testemunho luminoso na história do Servo de Deus Nino Baglieri. Da queda dramática aos dezessete anos, que o tornou tetraplégico, até o renascimento interior em 1978, Baglieri passou da sombra do desespero para a luz de uma fé ativa, transformando sua cama de dor em escola de alegria. Sua história entrelaça os cinco sinais jubilares – peregrinação, porta, profissão de fé, caridade e reconciliação – mostrando que a esperança cristã não é fuga, mas força que abre o futuro e sustenta todo caminho.

1. Esperar como expectativa
            A esperança, segundo o dicionário on-line Treccani, é um sentimento de “confiante expectativa na realização, presente ou futura, do que se deseja”. A etimologia do substantivo “esperança” deriva do latim spes, que por sua vez vem da raiz sânscrita spa-, que significa tender a um objetivo. Na língua espanhola, “esperar” e “aguardar” são traduzidos pelo verbo esperar, que reúne em uma única palavra ambos os significados: como se só se pudesse aguardar aquilo que se espera. Esse estado de espírito nos permite enfrentar a vida e seus desafios com coragem e uma luz no coração sempre acesa. A esperança é expressa – positiva ou negativamente – também em alguns provérbios da sabedoria popular: “A esperança é a última que morre”, “Enquanto há vida, há esperança”, “Quem vive de esperança, morre desesperado”.
            Quase recolhendo esse “sentir compartilhado” sobre a esperança, mas consciente da necessidade de ajudar a redescobrir a esperança em sua dimensão mais plena e verdadeira, o Papa Francisco quis dedicar o Jubileu Ordinário de 2025 à Esperança (Spes non confundit [A esperança não engana] é a Bula de convocação) e, já em 2014, dizia: “A ressurreição de Jesus não é o final feliz de uma bonita fábula, não é o happy end de um filme; mas a intervenção de Deus Pai sobrevém onde se rompe a esperança humana. O momento em que tudo parece perdido, na hora do sofrimento, no qual numerosas pessoas sentem como que a necessidade de descer da cruz, é o momento mais próximo da ressurreição. A morte torna-se mais obscura precisamente antes que desponte a manhã, antes que surja a luz. É na hora mais obscura que Deus intervém e ressuscita” (cf. Audiência de 16 de abril de 2014).
            Nesse contexto, encaixa-se perfeitamente a história do Servo de Deus Nino Baglieri (Modica, 1º de maio de 1951 – 2 de março de 2007), que, jovem pedreiro de dezessete anos, ao cair de um andaime de dezessete metros devido ao súbito rompimento de uma tábua, chocou-se contra o chão, ficando tetraplégico: desde essa queda, em 6 de maio de 1968, só pôde mover a cabeça e o pescoço, dependendo dos outros em tudo para toda a vida, até nas coisas mais simples e humildes. Nino não podia nem apertar a mão de um amigo, nem fazer um carinho na mãe… e via desaparecer a possibilidade de realizar seus sonhos. Que esperança de vida tem agora esse jovem? Com quais sentimentos pode lidar? Que futuro o espera? A primeira resposta de Nino foi o desespero, a escuridão total diante de uma busca de sentido que não encontrava resposta: primeiro uma longa peregrinação por hospitais de várias regiões italianas, depois a compaixão de amigos e conhecidos levou Nino a se rebelar e se fechar em dez longos anos de solidão e raiva, enquanto o túnel da vida se aprofundava cada vez mais.
            Na mitologia grega, Zeus confia a Pandora um vaso que contém todos os males do mundo: ao ser aberto, os homens perdem a imortalidade e começam uma vida de sofrimento. Para salvá-los, Pandora reabre o vaso e libera elpis, a esperança, que ficou no fundo: era o único antídoto para as aflições da vida. Olhando para o Doador de todo bem, sabemos que «a esperança não engana» (Rm 5,5). O Papa Francisco, na Spes non confundit, escreve: “Sob o sinal da esperança, o apóstolo Paulo infunde coragem à comunidade cristã de Roma. […]. Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expetativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã. Porém, esta imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por vezes contrapostos: desde a confiança ao medo, da serenidade ao desânimo, da certeza à dúvida. Muitas vezes encontramos pessoas desanimadas que olham, com ceticismo e pessimismo, para o futuro como se nada lhes pudesse proporcionar felicidade. Que o Jubileu seja, para todos, ocasião de reanimar a esperança” (Ibid., 1).

2. De Testemunha do “desespero” a “embaixador” da esperança
            Voltemos então à história do nosso Servo de Deus, Nino Baglieri.
            Foram necessários dez longos anos para que Nino saísse do túnel do desespero, as densas trevas se dissipassem e entrasse a Luz. Era a tarde de 24 de março, Sexta-feira Santa de 1978, quando o P. Aldo Modica, com um grupo de jovens, foi à casa de Nino, à pedido da sua mãe, Peppina, e por algumas pessoas que frequentavam o caminho do Renovação Carismática, então em seus primórdios na vizinha paróquia salesiana. Escreve Nino: “Enquanto invocavam o Espírito Santo, senti uma sensação estranhíssima, um grande calor invadia meu corpo, um forte formigamento em todos os [meus] membros, como se uma força nova entrasse em mim e algo velho saísse. Naquele momento disse meu ‘sim’ ao Senhor, aceitei minha cruz e renasci para uma vida nova, tornei-me um homem novo. Dez anos de desespero apagados em poucos instantes, porque uma alegria desconhecida entrou no meu coração. Eu desejava a cura do meu corpo e, em vez disso, o Senhor me concedia uma alegria ainda maior: a cura espiritual”.
            Começa para Nino um novo caminho: de “testemunha do desespero” torna-se “peregrino da esperança”. Não mais isolado em seu quartinho, mas “embaixador” dessa esperança, conta sua experiência por meio de um programa transmitido por uma rádio local e – graça ainda maior – o bom Deus lhe dá a alegria de poder escrever com a boca. Nino confessa: “No mês de março de 1979, o Senhor me fez um grande milagre: aprendi a escrever com a boca, comecei assim, estava com meus amigos que estavam fazendo os deveres, pedi para me darem um lápis e um caderno, comecei a fazer sinais e a desenhar algo, mas depois descobri que podia escrever e assim comecei a escrever”. Começa então a redigir suas memórias e a manter contato por carta com pessoas de todas as categorias e em várias partes do mundo, com milhares de cartas até hoje guardadas. A esperança reencontrada o torna criativo, agora Nino redescobre o gosto pelas relações e quer se tornar – como pode – independente: com a ajuda de uma vareta que usa com a boca e de um elástico aplicado ao telefone, disca os números para se comunicar com muitas pessoas doentes, para lhes dirigir uma palavra de conforto. Descobre uma nova forma de enfrentar sua condição de sofrimento, que o tira do isolamento e o leva a se tornar testemunha do Evangelho da alegria e da esperança: “Agora há muita alegria no meu coração, em mim não existe mais dor, no meu coração há o Teu amor. Obrigado, Jesus, meu Senhor, do meu leito de dor quero Te louvar e com todo o meu coração Te agradecer porque me chamaste para conhecer a vida, para conhecer a verdadeira vida”.
            Nino mudou de perspectiva, fez uma volta de 180 graus – o Senhor lhe deu a conversão – depositou sua confiança naquele Deus misericordioso que, através da “desgraça”, o chamou para trabalhar em sua vinha, para ser sinal e instrumento de salvação e esperança. Assim, muitas pessoas que iam visitá-lo para consolá-lo saíam consoladas, com lágrimas nos olhos: não encontravam naquela caminha um homem triste e abatido, mas um rosto sorridente que irradiava – apesar de tantas dores, entre elas as feridas e os problemas respiratórios – alegria de viver: o sorriso era constante em seu rosto e Nino se sentia “útil em um leito de dor”. Nino Baglieri é o oposto de muitas pessoas hoje, eternamente em busca do sentido da vida, que buscam o sucesso fácil e a felicidade de coisas efêmeras e sem valor, vivem on-line, consomem a vida em um clique, querem tudo e já, mas têm os olhos tristes, apagados. Nino aparentemente não tinha nada, e, no entanto, tinha paz e alegria no coração: não viveu isolado, mas sustentado pelo amor de Deus expresso pelo abraço e pela presença de toda sua família e de cada vez mais pessoas que o conhecem e se relacionam com ele.

3. Reavivar a esperança
            Construir a esperança é: toda vez que não me contento com minha vida e me esforço para mudá-la. Toda vez que não me deixo endurecer pelas experiências negativas e evito que elas me tornem desconfiado. Toda vez que caio e tento me levantar, que não permito que os medos tenham a última palavra. Toda vez que, em um mundo marcado por conflitos, escolho a confiança e a renovação constante, com todos. Toda vez que não fujo do sonho de Deus que me diz: “quero que sejas feliz”, “quero que tenhas uma vida plena… plena também de santidade”. O ápice da virtude da esperança é, de fato, um olhar para o Céu para habitar bem a terra ou, como diria Dom Bosco, um caminhar com os pés no chão e o coração no Céu.
            Nesse caminho de esperança se realiza o jubileu que, com seus sinais, nos pede para nos pôr em movimento, para atravessar algumas fronteiras.
            Primeiro sinal, a peregrinação: quando nos movemos de um lugar para outro, estamos abertos ao novo, à mudança. Toda a vida de Jesus foi “um pôr-se a caminho”, um caminho de evangelização que se realiza no dom da vida e depois além, com a Ressurreição e a Ascensão.
            Segundo sinal, a porta: em Jo 10,9 Jesus afirma «Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; tanto entrará como sairá e encontrará pastagem». Passar pela porta é deixar-se acolher, ser comunidade. No evangelho fala-se também da “porta estreita”: o Jubileu torna-se caminho de conversão.
            Terceiro sinal, a profissão de fé: expressar a pertença a Cristo e à Igreja e declará-lo publicamente.
            Quarto sinal, a caridade: a caridade é a senha para o céu, em 1Pd 4,8 o apóstolo Pedro admoesta «mantende entre vós uma ardente caridade, porque a caridade cobre a multidão dos pecados».
            Quinto sinal, portanto, a reconciliação e a indulgência jubilar: trata-se de um “tempo favorável” (cf. 2Cor 6,2) para experimentar a grande misericórdia de Deus e percorrer caminhos de reaproximação e perdão para com os irmãos; para viver a oração do Pai Nosso onde se pede “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. É tornar-se criaturas novas.
            Também na vida de Nino há episódios que o ligam – no “fio” da esperança – a essas dimensões jubilares. Por exemplo, o arrependimento por algumas travessuras da infância, como quando, em três (ele conta), “roubávamos as ofertas das Missas na sacristia, usávamos para jogar pebolim. Quando se encontra más companhias, elas levam para os maus caminhos. Depois um pegou o molho de chaves do Oratório e escondeu na minha bolsa de livros que estava no escritório; encontraram as chaves, chamaram os pais, nos deram dois tapas e nos expulsaram da escola. Vergonha!”. Mas sobretudo na vida de Nino há a caridade, ajudar o irmão pobre, na prova física e moral, fazer-se presente para quem tem dificuldades até psicológicas e alcançar por escrito os irmãos na prisão para testemunhar-lhes a bondade e o amor de Deus. A Nino, que antes da queda fora pedreiro, «[eu] gostava construir com minhas mãos algo que permanecesse no tempo: também agora – escreve – sinto-me um pedreiro que trabalha no Reino de Deus, para deixar algo que permaneça no tempo, para ver as Obras Maravilhosas de Deus que realiza em nossa Vida». Confessa: «Meu corpo parece morto, mas no meu peito continua a bater meu coração. As pernas não se movem, e, no entanto, pelas estradas do mundo eu caminho».

4. Peregrino rumo ao céu
            Nino, salesiano cooperador, consagrado da grande Família Salesiana, conclui sua “peregrinação” terrena na sexta-feira, 2 de março de 2007, às 8h da manhã, aos 55 anos, dos quais 39 foram vividos como tetraplégico entre cama e cadeira de rodas, após pedir desculpas à família pelas dificuldades que teve que enfrentar devido à sua condição. Deixa o palco deste mundo usando agasalho e tênis esportivo, como tinha expressamente pedido, para correr pelos verdes prados floridos e saltitar como uma corça ao longo dos cursos d’água. Lemos em seu Testamento Espiritual: “Nunca deixarei de agradecer-te, ó Senhor, por me ter chamado a Ti através da Cruz em 6 de maio de 1968. Uma cruz pesada para minhas forças jovens…”. No dia 2 de março, a vida – dom contínuo que começa com os pais e é lentamente alimentado com surpresa e beleza – insere para Nino Baglieri sua peça mais importante: o abraço com seu Senhor e Deus, acompanhado por Nossa Senhora.
            Ao saber de sua partida, de muitos lugares se ergue um coro unânime: «morreu um santo», um homem que fez de seu leito de dor o estandarte da vida plena, dom para todos. Portanto, um grande testemunho de esperança.
            Passados cinco anos da morte, assim como previsto pelas Normae Servandae in Inquisitionibus ab Episcopis faciendis in Causis Sanctorum de 1983, o bispo da Diocese de Noto, a pedido do Postulador Geral da Congregação Salesiana, ouvido o Conselho Episcopal Siciliano e obtido o Nihil obstat da Santa Sé, abre a Inquérito Diocesano da Causa de Beatificação e Canonização do Servo de Deus Nino Baglieri.
            O processo diocesano, que durou doze anos, desenvolveu-se ao longo de duas linhas principais: o trabalho da Comissão de História que pesquisou, coletou, estudou e apresentou muitas fontes, sobretudo Escritos “do” e “sobre” o Servo de Deus; o Tribunal Eclesiástico, titular do Inquérito, que também ouviu sob juramento as testemunhas.
            Esse percurso foi concluído no último dia 5 de maio de 2024, na presença de Dom Salvatore Rumeo, atual bispo da diocese de Noto. Poucos dias depois, os Atos processuais foram entregues ao Dicastério das Causas dos Santos, que procedeu à sua abertura em 21 de junho de 2024. No início de 2025, o mesmo Dicastério decretou sua “Validade Jurídica”, com a qual a fase romana da Causa pode entrar em seu momento principal.
            Agora, a contribuição para a Causa continua também divulgando a figura de Nino, que ao final de seu caminho terreno recomendou: “Não me deixem sem fazer nada. Eu continuarei do céu minha missão. Escreverei para vocês do Paraíso”.
            O caminho da esperança em sua companhia torna-se assim desejo do Céu, quando “encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus (cf. 1 Cor13, 12) e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim. […]. Na expectativa da vida eterna, unimo-nos para tomar a nosso cargo esta casa que nos foi confiada, sabendo que aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu. Juntamente com todas as criaturas, caminhamos nesta terra à procura de Deus. […]. Caminhemos cantando!” (cf. Laudato Si’, 243-244).

Roberto Chiaramonte




Novena a Maria Auxiliadora 2025

Esta novena a Maria Auxiliadora 2025 nos convida a nos redescobrirmos filhos sob o olhar materno de Maria. A cada dia, através das grandes aparições – de Lourdes a Fátima, de Guadalupe a Banneux – contemplamos um traço do seu amor: humildade, esperança, obediência, assombro, confiança, consolação, justiça, doçura, sonho. As meditações do Reitor-Mor e as orações dos “filhos” nos acompanham em um caminho de nove dias que abre o coração à fé simples dos pequenos, alimenta a oração e encoraja a construir, com Maria, um mundo curado e cheio de luz, para nós e para todos aqueles que buscam esperança e paz.

1º Dia
Ser Filhos – Humildade e fé

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de Lurdes
A pequena Bernadette Soubirous
11 de fevereiro de 1858. Eu acabara de completar 14 anos. Era uma manhã como qualquer outra, um dia de inverno. Estávamos com fome, como sempre. Havia uma caverna, com uma entrada escura. No silêncio, senti uma grande brisa. O arbusto moveu-se, foi sacudido por uma grande força. Vi, então, uma jovem mulher, branca, não mais alta do que eu, que me cumprimentou com uma leve inclinação da cabeça; ao mesmo tempo, afastou um pouco do corpo os braços estendidos, abrindo as mãos, como as estátuas de Nossa Senhora; fiquei com medo. Então, ocorreu-me rezar: peguei o terço que sempre levo comigo e comecei a rezar o rosário.

Maria mostra-se a sua filha Bernadette Soubirous. A ela, que não sabia ler nem escrever, que falava dialeto e não frequentava o catecismo. Uma menina pobre, alvo de bullying de todos na aldeia, no entanto mesmo assim pronta a confiar e entregar-se, como quem não tem nada. E nada a perder. Maria confia-lhe os seus segredos, e o faz porque confia nela. Trata-a com ternura, dirige-se a ela com gentileza, diz-lhe “por favor”. E Bernadette se abandona e acredita nela, exatamente como uma criança faz com a própria mãe. Acredita na promessa que Nossa Senhora lhe faz: de não a fazer feliz neste mundo, mas no outro. E ela se lembra dessa promessa por toda a vida. Uma promessa que lhe permitirá enfrentar todas as dificuldades de cabeça erguida, com força e determinação, fazendo o que Nossa Senhora lhe pediu: rezar, rezar sempre por todos nós, pecadores. Ela também promete: guarda os segredos de Maria e dá voz ao seu pedido de um Santuário no local da aparição. E, no momento da morte, Bernadette sorri, recordando o rosto de Maria, seu olhar terno, seus silêncios, suas poucas, mas intensas palavras e, sobretudo, aquela promessa. E se sente filha, filha de uma Mãe que cumpre as suas promessas.

Maria, Mãe que promete
Tu, que prometeste ser mãe da humanidade, ficaste ao lado dos teus filhos, a começar pelos pequenos e mais pobres. A eles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Tem fé: Maria se mostra também a nós se soubermos despojar-nos de tudo.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, humildade e fé

Podemos dizer que a Bem-Aventurada Virgem Maria é para nós um farol de humildade e de fé que acompanha o nosso tempo, acompanha a nossa vida, acompanha a experiência de todos e de cada um de nós. Não esqueçamos, porém, que a humildade de Maria não é, antes de qualquer coisa, uma simples modéstia exterior, não é uma fachada, mas sim uma profunda consciência da sua pequenez diante da grandeza de Deus.

O seu “sim, eis aqui a serva do Senhor”, que ela pronunciou diante do anjo, é um ato de humildade, não de presunção; é um abandono confiante de quem se reconhece instrumento nas mãos de Deus. Maria não busca reconhecimento, Maria busca simplesmente ser serva, colocando-se silenciosamente em último lugar, com humildade, com simplicidade que nos desarma. Esta humildade, uma humildade radical, é a chave que abriu o coração de Maria à Graça Divina, permitindo que o Verbo de Deus, com a sua grandeza, com a sua imensidão, se encarnasse no seu seio humano.

Eis que Maria nos ensina a sermos como somos, com a nossa humildade, sem orgulho, sem depender da nossa autoridade, da nossa autorreferência, colocando-nos livremente diante de Deus para que possamos colher com plena liberdade e disponibilidade, como o fez Maria, o amor divino e viver a Sua vontade. Eis o segundo ponto, eis a fé de Maria. A humildade de serva a coloca em um caminho constante de adesão incondicional ao projeto de Deus, mesmo nos momentos mais obscuros e incompreensíveis, o que significa enfrentar com coragem a pobreza da sua experiência na gruta de Belém, a fuga para o Egito, a vida escondida em Nazaré, mas sobretudo aos pés da cruz, onde a fé de Maria atinge o seu ápice.

Sob a cruz, com um coração trespassado pela dor, Maria não vacila, Maria não cai, Maria crê na promessa. Sua fé não é um sentimento passageiro, mas uma rocha sólida sobre a qual se fundamenta a esperança da humanidade, a nossa esperança. A humildade e a fé em Maria estão intrinsicamente ligadas.

Deixemos que esta humildade de Maria ilumine a nossa humanidade para que também a fé possa brotar em nós, para que, reconhecendo a nossa pequenez diante de Deus, não nos sintamos abandonados por sermos pequenos, não nos deixemos vencer pelas presunções, mas nos coloquemos ali, como Maria, com uma atitude de grande liberdade, com uma atitude de grande disponibilidade, reconhecendo a nossa dependência de Deus, vivamos com Deus na simplicidade, mas ao mesmo tempo na grandeza. Assim, Maria nos exorta a cultivar uma fé serena e firme, capaz de superar as provações e confiar na promessa de Deus. Contemplemos a figura de Maria, humilde e fiel, para que também nós possamos dizer generosamente o nosso “sim”, como ela o fez.

E nós, somos capazes de acolher as suas promessas de amor com o olhar de uma criança?

Oração de um filho infiel
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna puro o meu coração.
Torna-me humilde, pequeno, capaz de perder-me no teu abraço de mãe.
Ajuda-me a redescobrir a importância do papel de filho e guia os meus passos.
Tu prometes, eu prometo, num pacto que só mãe e filho podem fazer.
Eu cairei, mãe, tu o sabes.
Nem sempre cumprirei as minhas promessas.
Nem sempre confiarei.
Nem sempre conseguirei te ver.
Mas tu, permanece presente, em silêncio, com o teu sorriso, os braços estendidos e as mãos abertas.
E eu pegarei o terço e rezarei contigo por todos os filhos como eu.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

2º Dia
Ser Filhos – Simplicidade e esperança

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de Fátima
Os pequenos pastorinhos na Cova da Iria
Na Cova da Iria, por volta das 13h, o céu se abre e o sol aparece. De repente, por volta das 13h30, acontece o improvável: diante de uma multidão admirada, ocorre o milagre mais espetacular, grandioso e incrível já visto desde os tempos bíblicos. O sol inicia uma dança frenética e assustadora que durará mais de dez minutos. Um tempo longuíssimo.

Três pastorinhos, humildes e felizes, testemunham e espalham o milagre que abala milhões de pessoas. Ninguém consegue explicar, dos cientistas aos homens de fé. No entanto, três crianças viram Maria, ouviram a sua mensagem. E acreditam, acreditam nas palavras daquela mulher que apareceu e pediu-lhes para voltarem à Cova da Iria todo dia 13 do mês. Não precisam de explicações, pois depositam toda a sua esperança nas palavras repetidas de Maria. Uma esperança difícil de manter viva, que teria assustado qualquer criança: Nossa Senhora revela a Lúcia, Jacinta e Francisco sofrimentos e conflitos mundiais. Mas eles não têm dúvidas: quem confia na proteção de Maria, mãe protetora, pode enfrentar tudo. E sabem disso muito bem, sentiram na própria pele ao arriscar serem mortos para não trair a palavra dada à mãe celeste. Os três pastorinhos estavam prontos para o martírio, presos e ameaçados diante de um caldeirão de óleo fervente.
Tinham medo:
«Por que temos que morrer sem abraçar os nossos pais? Eu queria tanto ver a minha mãe».
Mesmo assim, decidiram continuar a ter esperança, a acreditar num amor maior do que eles:
«Não tenhais medo. Ofereçamos este sacrifício pela conversão dos pecadores. Pior seria se Nossa Senhora não voltasse mais».
«Por que não rezamos o Terço?».
Uma mãe jamais ignora o clamor dos filhos. E nela os filhos depositam esperança.
Maria, Mãe que protege, permaneceu ao lado dos seus três filhos de Fátima e os salvou, fazendo com que permanecessem vivos.
E hoje ainda protege todos os seus filhos no mundo que peregrinam até o santuário de Nossa Senhora de Fátima.

Maria, Mãe que protege
Tu, que cuidas da humanidade desde o momento da Anunciação, continuas ao lado dos teus filhos mais humildes e cheios de esperança. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Deposita a tua esperança em Maria: ela saberá proteger-te.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, esperança e renovação

A Bem-Aventurada Virgem Maria é a aurora da esperança, fonte inesgotável de renovação.
Contemplar a figura de Maria é como voltar o olhar para um horizonte luminoso, um convite constante a crer num futuro cheio de Graça. E esta Graça é transformadora. Maria é a personificação da esperança cristã em ação. A sua fé inabalável perante as provações, a sua perseverança em seguir Jesus até à cruz, a sua confiante expectativa da ressurreição são as coisas mais importantes. Para nós, são um farol de esperança para toda a humanidade.

Em Maria vemos como a certeza é, por assim dizer, a confirmação da promessa de um Deus que nunca falha em cumprir a sua palavra. Que a dor, o sofrimento, a escuridão não têm a última palavra. Que a morte é vencida pela vida.

Maria é a esperança! Ela é a estrela da manhã que anuncia a vinda do sol da justiça. Recorrer a Ela significa confiar as nossas expectativas, as nossas aspirações a um coração materno que as apresenta amorosamente ao seu Filho Ressuscitado. De alguma forma, a nossa esperança é sustentada pela esperança de Maria. E se há esperança, as coisas não permanecem como antes; há renovação! A renovação da vida. Ao acolher o Verbo encarnado, Maria tornou possível crer na esperança e na promessa de Deus. Ela tornou possível uma nova criação, um novo começo.
A maternidade espiritual de Maria continua a nos gerar na fé, acompanhando-nos no nosso caminho de crescimento e transformação interior.

Peçamos à Santíssima Maria a graça necessária para que esta esperança que vemos realizada nela renove os nossos corações, cure as nossas feridas, faça-nos ultrapassar o véu da negatividade para empreender um caminho de santidade, um caminho de proximidade com Deus. Peçamos a Maria, a mulher que está com os apóstolos na oração, que nos ajude hoje, fiéis e comunidades cristãs, para que sejamos sustentados na fé e abertos aos dons do Espírito, para que a face da terra seja renovada. Maria nos exorta a nunca nos resignarmos ao pecado e à mediocridade, mas, cheios de esperança nela realizada, desejamos ardentemente uma nova vida em Cristo. Que Maria continue sendo para nós modelo e apoio para continuarmos sempre a acreditar na possibilidade de um novo começo, de um renascimento interior que nos conforme cada vez mais à imagem de seu filho Jesus.

E nós, somos capazes de confiar nela e nos deixarmos proteger com os olhos de uma criança?

Oração de um filho desanimado
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração simples e cheio de esperança.
Eu confio em ti: protege-me em todas as situações.
Entrego-me a ti: protege-me em todas as situações.
Eu escuto a tua palavra: protege-me em toda as situações.
Dá-me a capacidade de crer no impossível e de fazer tudo o que está ao meu alcance
para levar o teu amor, a tua mensagem de esperança e a tua proteção ao mundo inteiro.
Peço-te, minha Mãe, protege toda a humanidade, mesmo aquela que ainda não te reconhece.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

3º Dia
Ser Filho – Obediência e dedicação

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de Guadalupe
O jovem Juan Diego
«Juan Diego», disse a Senhora, «pequeno e preferido entre os meus filhos…». Juan ficou de pé num salto.
«Aonde vais, Juanito?», perguntou a Senhora.
Juan Diego respondeu com a maior educação possível. Disse à Senhora que ia à igreja de Santiago para assistir à Missa em honra à Mãe de Deus.
«Meu filho amado», disse a Senhora, «sou eu a Mãe de Deus, e quero que me escutes com atenção. Tenho uma mensagem muito importante para ti. Desejo que me construam uma igreja neste lugar, de onde poderei mostrar o meu amor ao teu povo».

Um diálogo doce, simples e terno, como o de uma mãe com seu filho. E Juan Diego obedeceu: foi até o bispo para relatar o que tinha visto, mas este não lhe deu crédito. Então, o jovem voltou até Maria e explicou-lhe o que tinha acontecido. Nossa Senhora deu-lhe outra mensagem e exortou-o a tentar novamente, de novo e de novo. Juan Diego obedecia, não se dava por vencido: cumpriria a tarefa que a Mãe celeste estava a confiar-lhe. Certo dia, porém, absorvido pelos problemas da vida, estava prestes a faltar ao encontro com Nossa Senhora: seu tio estava morrendo. «Acreditas mesmo que eu me esqueceria de quem amo tanto?» Maria curou o seu tio, enquanto Juan Diego obedecia mais uma vez:
«Meu amado filho», disse a Senhora, «sobe ao topo da colina onde nos encontramos pela primeira vez. Corta e colhe as rosas que lá encontrares. Coloque-as na tua tilma e traga-as até aqui. Eu lhe direi o que deves fazer e dizer». Mesmo sabendo que naquela colina não cresciam rosas, e certamente não no inverno, Juan correu até o topo. E lá estava o jardim mais lindo que já vira. Rosas de Castela, ainda brilhantes de orvalho, estendiam-se a perder de vista. Ele cortou delicadamente os botões mais bonitos com sua faca de pedra, encheu o seu manto com eles e voltou rapidamente até onde a Senhora o esperava. A Senhora pegou as rosas e as arrumou novamente na tilma de Juan. Depois, amarrou-a atrás do seu pescoço e disse: «Este é o sinal que o bispo quer. Rápido, vai até ele e não pares pelo caminho».

No manto aparecera a imagem de Nossa Senhora e, à vista de tal milagre, o bispo se convenceu. E hoje o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe ainda conserva o manto milagroso.

Maria, Mãe que não se esquece
Tu, que não esqueces nenhum dos teus filhos, não deixas ninguém para trás, olhaste para os jovens que depositaram em ti as suas esperanças. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Obedece mesmo quando não compreendes: uma mãe não se esquece, uma mãe não abandona.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, maternidade e compaixão

A maternidade de Maria não se limita ao seu “sim” que tornou possível a encarnação do Filho de Deus. Certamente, aquele momento é o fundamento de tudo, mas a sua maternidade é uma atitude constante, um modo de ser para nós, de nos relacionarmos com toda a humanidade.
Na cruz, Jesus confia João a ela com as palavras: “Mulher, eis aí o teu filho”, estendendo simbolicamente a sua maternidade a todos os fiéis de todos os tempos.
Maria torna-se assim a mãe da Igreja, a mãe espiritual de cada um de nós.

Vejamos, então, como esta maternidade se manifesta num cuidado terno e atencioso, numa atenção constante às necessidades dos seus filhos e num profundo desejo pelo seu bem. Maria acolhe-nos, nutre-nos com a sua expressão de fidelidade, protege-nos sob o seu manto. A maternidade de Maria é um dom imenso que nos aproxima dela; sentimos sua presença amorosa que nos acompanha a cada momento.

Portanto, a compaixão de Maria é a consequência natural da sua maternidade. Compaixão que não é somente um sentimento superficial de piedade, mas uma profunda participação na dor dos outros, um “sofrer com”. Vemo-la manifestada de forma tocante durante a paixão de seu filho. E da mesma forma que Maria não permanece indiferente à nossa dor, ela intercede por nós, nos consola, nos oferece sua ajuda maternal.

O coração de Maria se torna um refúgio seguro onde podemos depositar nossas fadigas, encontrar conforto e esperança. Maternidade e compaixão em Maria tornam-se, por assim dizer, dois lados da mesma experiência humana em nosso favor, duas expressões de seu infinito amor a Deus e à humanidade.
Sua compaixão é a manifestação concreta de seu ser mãe, compaixão como consequência da maternidade. Contemplar Maria, então, como mãe, abre nossos corações à esperança de que nela encontramos uma experiência verdadeiramente completa. Mãe Celeste que nos ama.
Pedimos a Maria que nos faça vê-la como modelo de humanidade autêntica, de uma maternidade capaz de “sentir com”, capaz de amar, capaz de sofrer com os outros, seguindo o exemplo do seu filho Jesus, que sofreu e morreu na cruz por nosso amor.

E nós, temos certeza de que uma mãe não se esquece, com a mesma certeza das crianças?

Oração de um filho perdido
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração obediente.
Quando não te escuto, peço-te, insiste.
Quando não retorno, peço-te, vem buscar-me.
Quando não me perdoo, peço-te, ensina-me a indulgência.
Porque nós homens nos perdemos e nos perderemos sempre,
mas tu não te esqueças de nós, teus filhos errantes.
Vem buscar-nos, vem pegar-nos pela mão.
Não queremos e não podemos ficar sozinhos aqui.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

4º Dia
Ser Filhos – Admiração e reflexão

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora de la Salette
Os pequenos Melânia e Maximino de La Salette
Sábado, 19 de setembro de 1846, os dois pastorinhos subiram logo cedo as encostas do monte Planeau, acima do vilarejo de La Salette, cada um levando quatro vacas para pastar. No meio do caminho, perto de uma pequena fonte, Melânia foi a primeira a ver, sobre um monte de pedras, um globo de fogo «como se o sol tivesse caído ali» e mostrou-o a Maximino. Daquela esfera luminosa começou a surgir uma mulher, sentada com a cabeça entre as mãos, os cotovelos sobre os joelhos, profundamente triste. Diante do espanto deles, a Senhora levantou-se e, com uma doce voz, em francês, disse-lhes: «Aproximai-vos, meus filhos, não tenhais medo, estou aqui para anunciar-vos uma grande notícia». Encorajados, os meninos se aproximaram e viram que a figura estava chorando.

A mãe anuncia uma grande notícia aos seus filhos, e o faz chorando. Mesmo assim, os meninos não estranham o seu choro. Escutam no mais terno dos momentos entre mãe e filhos. Porque as mães também às vezes se preocupam, porque as mães também confiam aos filhos os seus sentimentos, pensamentos e reflexões. E Maria confia aos dois pastorinhos, pobres e carentes de afeto, uma grande mensagem: «Estou preocupada com a humanidade, estou preocupada convosco, meus filhos, que estais se afastando de Deus. E a vida longe de Deus é uma vida complicada, difícil, feita de sofrimentos». É por isso que ela chora. Chora como qualquer mãe que anuncia aos seus filhos menores e mais puros uma mensagem tão surpreendente quanto grandiosa. Uma mensagem a ser anunciada a todos, a ser levada ao mundo.
E eles o farão, porque não podem guardar para si um momento tão belo: a expressão do amor da mãe pelos seus filhos precisa ser anunciada a todos. O Santuário de Nossa Senhora de La Salette, que se ergue no local das aparições, fundamenta-se na revelação da dor de Maria diante do peregrinar de seus filhos pecadores.

Maria, Mãe que anuncia/que narra
Tu, que te entregas completamente aos teus filhos, a ponto de não ter medo de lhes contar sobre ti, tocaste o coração dos teus menores filhos, capazes de refletir sobre as tuas palavras e acolhê-las com assombro. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Maravilha-te com as palavras de uma mãe: elas sempre serão as mais autênticas.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, amor e misericórdia

Sentimos estas duas dimensões de Maria? Maria é a mulher com um coração transbordante de amor, cuidado e misericórdia. Sentimo-la como um porto seguro, um refúgio seguro quando atravessamos momentos de dificuldade ou de provação.
Contemplar a imagem de Maria é como mergulhar num oceano de ternura, de compaixão. Sentimo-nos envolvidos por um ambiente, por uma atmosfera inesgotável de conforto e esperança. O amor de Maria é um amor materno que abraça toda a humanidade, porque é um amor que tem as suas raízes no seu “sim” incondicional ao desígnio de Deus.

Maria, ao acolher o seu Filho no seu ventre, acolheu o amor de Deus. Consequentemente, o seu amor não conhece fronteiras nem distinções, inclina-se sobre as fragilidades e misérias humanas, com infinita delicadeza. Vemos este amor manifestado na sua atenção a Isabel, na sua intercessão nas bodas de Caná, na sua presença silenciosa e extraordinária aos pés da cruz.
O amor de Maria, este amor materno, é um reflexo do próprio amor de Deus, um amor que se aproxima, que consola, que perdoa, que nunca se cansa, que nunca acaba. Maria nos ensina que amar significa entregar-se completamente, estar perto de quem sofre, compartilhar as alegrias e as tristezas dos nossos irmãos e irmãs com a mesma generosidade e a mesma dedicação que animavam o seu coração. Amor-misericórdia.

A misericórdia torna-se então a consequência natural do amor de Maria, uma compaixão, podemos dizer visceral, diante do sofrimento da humanidade, do mundo. Olhamos para Maria, contemplamo-la, encontramo-la com o seu olhar materno e sentimo-lo repousar sobre as nossas fraquezas, sobre os nossos pecados, sobre a nossa vulnerabilidade, sem agressividade, mas com infinita doçura. Ela tem um coração imaculado, sensível ao grito de dor.
Maria é uma mãe que não julga, não condena, mas acolhe, consola, perdoa. Sentimos a misericórdia de Maria como um bálsamo para as feridas da alma, um abraço que aquece o coração. Maria nos lembra que Deus é rico em misericórdia e que Ele nunca se cansa de perdoar aqueles que se voltam para Ele com um coração contrito, sereno, aberto e disponível.

O amor e a misericórdia em Maria Santíssima se fundem em um abraço que envolve toda a humanidade. Peçamos a Maria que nos ajude a abrir nossos corações ao amor de Deus, como ela fez, para que esse amor permeie nossos corações, especialmente quando nos sentimos mais necessitados, mais sob o peso das provações e das dificuldades. Em Maria, encontramos uma mãe muito terna e poderosa, pronta para nos acolher em seu amor e interceder por nossa salvação.

E nós, será que ainda conseguimos maravilhar-nos como uma criança diante do amor de mãe?

Oração de um filho distante
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de compaixão e conversão.
No silêncio, eu te reencontro.
Na oração, eu te escuto.
Na reflexão, eu te descubro.
E diante das tuas palavras de amor, Mãe, fico admirado
e descubro a força da tua ligação com a humanidade.
Longe de ti, quem me dá a mão nos momentos de dificuldade?
Longe de ti, quem me conforta no meu pranto?
Longe de ti, quem me aconselha quando estou pegando o caminho errado?
Eu retorno a ti, na unidade.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

5º Dia
Ser Filhos – Confiança e oração

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

A medalha de Catarina
A pequena Catarina Labouré
Na noite de 18 de julho de 1830, por volta das 23h30, ela ouviu chamarem o seu nome. Era um menino que lhe dizia: «Levanta-te e vem comigo». Catarina seguiu-o. Todas as luzes estavam acesas. A porta da capela abriu-se assim que o menino a tocou com a ponta dos dedos. Catarina ajoelhou-se.
À meia-noite, Nossa Senhora chegou, sentou-se na poltrona que havia ao lado do altar. «Então, pulei para perto dela, aos seus pés, nos degraus do altar, e coloquei minhas mãos sobre seus joelhos», contou Catarina. «Fiquei assim não sei por quanto tempo. Pareceu-me o momento mais doce da minha vida…».
«Deus quer confiar-lhe uma missão», disse a Virgem a Catarina.

Catarina, órfã aos 9 anos, não se conformava em viver sem a mãe. E aproxima-se da Mãe do Céu. Nossa Senhora, que a observava de longe, jamais a abandonaria. Pelo contrário, tinha grandes projetos para ela. Ela, uma filha atenta e amorosa, teria uma grande missão: viver uma vida cristã autêntica, uma relação pessoal forte e sólido com Deus. Maria acredita no potencial da sua filha e confia-lhe a Medalha Milagrosa, capaz de interceder e alcançar graças e milagres. Uma missão importante, uma mensagem difícil.
Contudo, Catarina não desanima, confia em sua Mãezinha do Céu e sabe que jamais será abandonará por ela.

Maria, Mãe que dá confiança
Tu, que confias nos teus filhos e lhes entregas missões e mensagens,
acompanha-os no seu caminho com uma presença discreta, permanecendo ao lado de todos, mas sobretudo daqueles que viveram grandes dores.
A eles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Confia: a mãe sempre te confiará apenas tarefas que conseguirás realizar e estará ao teu lado por todo o caminho.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, confiança e oração

A Bem-Aventurada Virgem Maria se apresenta a nós como uma mulher de uma confiança inabalável, uma poderosa intercessora através da oração. Contemplando esses dois aspectos, confiança e oração, vemos duas dimensões fundamentais do relacionamento de Maria com Deus.

Podemos dizer que a confiança de Maria em Deus é como um fio de ouro que percorre toda a sua existência, do começo ao fim. Aquele “sim” pronunciado com a consciência das consequências, é um ato de abandono total à vontade divina. Maria confia; Maria vive a confiança em Deus com um coração firme na Divina Providência, sabendo que Deus nunca a abandonaria.

Para nós, em nossa vida quotidiana, olhar para Maria, com uma atitude proativa, não passiva, e confiante, é um convite, não para esquecer nossas ansiedades e medos, para olhar tudo à luz do amor de Deus, que no caso de Maria nunca faltou e não falta em nossas vidas. Essa confiança leva à oração, que podemos dizer que é como o sopro da alma de Maria, é o canal privilegiado de sua comunhão íntima com Deus. A confiança leva à comunhão; Maria que se abandona em Deus é um diálogo contínuo de amor entre ela e o Pai; uma oferta constante de si mesma, de suas preocupações, mas também de suas decisões.

A visita de Maria à sua prima Isabel é um exemplo de oração que se faz serviço. Vemos Maria acompanhando Jesus até a cruz. Após a ascensão, a vemos no cenáculo junto aos apóstolos em uma expectativa/esperança fervorosa. Maria nos ensina o valor da oração constante como consequência da confiança total e completa, abandonando-se nas mãos de Deus … precisamente encontrar a Deus e viver com Deus.

Confiança e oração e Maria Santíssima estão intimamente interligadas. Uma profunda confiança em Deus que dá à luz, traz à tona uma oração perseverante. Peçamos a Maria que ela seja nosso exemplo de oração diária porque queremos nos sentir constantemente abandonados nas mãos misericordiosas de Deus.

Recorramos a ela com confiança filial para que, imitando-a, imitando sua confiança e perseverança na oração, possamos experimentar a paz que se sente somente quando nos abandonamos em Deus e possamos receber as graças necessárias para o nosso caminho de fé.

E nós, somos capazes de confiar de maneira incondicional como as crianças?

Oração de um filho desanimado
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de orar.
Não sou capaz de te escutar, abre os meus ouvidos.
Não sou capaz de te seguir, guia os meus passos.
Não sou capaz de ser fiel ao que me confiaste, fortalece a minha alma.
As tentações são muitas, faze que eu não ceda.
As dificuldades parecem insuperáveis, faze que eu não caia.
As contradições do mundo gritam alto, faze que eu não as siga.
Eu, teu filho arruinado, estou aqui para que te sirvas de mim,
fazendo de mim um filho obediente.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

6º Dia
Ser Filhos – Sofrimento e cura

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se deixa ver.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora das dores de Kibeho
A pequena Afonsina Mumiremana e o seus companheiros
A história começou às 12h35 de um sábado, 28 de novembro de 1981, em um colégio administrado por freiras locais, frequentado por pouco mais de cem meninas da região.
Um colégio rural, pobre, onde se aprendia a ser professora ou secretária.
O complexo não possuía Capela e, por isso, não havia um clima religioso particularmente intenso.
Naquele dia, todas as meninas do colégio estavam no refeitório.
A primeira do grupo a “ver” foi Afonsina Mumureke, de 16 anos.
Segundo o que ela mesma escreveu em seu diário, estava servindo suas colegas à mesa, quando ouviu uma voz feminina que a chamava: “Minha filha, vem aqui”.
Ela foi ao corredor, ao lado do refeitório, e ali apareceu-lhe uma mulher de beleza incomparável.
Estava vestida de branco, com um véu branco na cabeça que escondia os cabelos, e que parecia unido ao resto do vestido, que não tinha costuras.
Estava descalça e suas mãos estavam juntas sobre o peito, com os dedos voltados para o céu.

Posteriormente, Nossa Senhora apareceu a outros companheiros de Afonsina que, a princípio céticos, tiveram que mudar de opinião diante da aparição de Maria. Maria, falando com Afonsina, apresenta-se como a Senhora das Dores de Kibeho e conta aos jovens todos os acontecimentos cruéis e sangrentos que ocorreriam logo em seguida, com a eclosão da guerra em Ruanda. A dor será grande, mas também a consolação e a cura dessa dor, porque ela, a Senhora das Dores, nunca deixaria sozinhos os seus filhos da África. Os jovens ficam ali, atônitos, diante das visões, mas acreditam nesta mãe que lhes estende os braços, chamando-os de “meus filhos”. Sabem que somente nela haverá consolação. E a fim de rezar para que a mãe consoladora aliviasse os sofrimentos de seus filhos, foi erguido o santuário dedicado a Nossa Senhora das Dores de Kibeho, hoje um lugar marcado pelos extermínios e genocídios. E Nossa Senhora continua a estar ali e a abraçar todos os seus filhos.

Maria, Mãe que consola
Tu, que consolaste os teus filhos como João ao pé da cruz, dirigiste o olhar para aqueles que vivem no sofrimento. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Não tenhas medo de passar pelo sofrimento: a mãe que consola enxugará as tuas lágrimas.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, sofrimento e convite à conversão

Maria é uma figura emblemática de sofrimento que se transforma em um poderoso convite à conversão. Quando contemplamos o seu caminho doloroso, é um alerta, silencioso e ao mesmo tempo eloquente, e um profundo apelo a rever um pouco a nossa vida, as nossas escolhas, e o chamado a retornar ao “coração” do Evangelho. O sofrimento atravessa a vida de Maria como uma espada afiada, profetizado pelo velho Simeão, marcado pelo desaparecimento do Menino Jesus e a dor indizível aos pés da cruz. Maria vive tudo isso, o peso da fragilidade humana e o mistério da dor inocente, de uma forma única.

O sofrimento de Maria não foi um sofrimento estéril, uma resignação passiva, mas de alguma forma percebemos que há uma ação frutuosa, uma oferta silenciosa e corajosa, unida ao sacrifício redentor do seu filho Jesus.

Quando olhamos para Maria, a mulher que sofre, com os olhos da nossa fé, esse sofrimento ao invés de nos deprimir, revela-nos a profundidade do amor de Deus por nós. Maria, de alguma forma, nos ensina que mesmo na dor mais aguda podemos encontrar um sentido, uma possibilidade de crescimento espiritual, que se dá com a união ao Mistério Pascal.

Da experiência da dor transfigurada, emerge um poderoso convite à conversão. Olhando e contemplando como Maria suportou o sofrimento por amor a nós e por nossa salvação, também nós somos chamados a não permanecermos indiferentes diante do mistério da redenção.

Maria, a mulher doce e materna nos impele a abandonar os caminhos do mal e abraçar o caminho da fé. A famosa frase de Maria nas bodas de Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser” ainda ressoa para nós hoje como um convite urgente a ouvir a voz de Jesus nos momentos de dificuldade, nos momentos de provação, nos momentos de situações inesperadas e desconhecidas.

Percebemos facilmente que o sofrimento de Maria não é um fim em si mesmo, mas está intimamente ligado à redenção realizada por Cristo. Que o seu exemplo de fé inabalável, mesmo na dor, seja para nós luz e guia para transformar o nosso sofrimento em oportunidade de crescimento espiritual e responder com generosidade ao urgente chamado à conversão. Que pela intercessão de Maria, o chamado de Deus que ressoa no mais profundo do coração de cada ser humano possa encontrar sentido, vazão, crescimento, mesmo nos momentos mais difíceis e mais dolorosos.

E nós, deixamo-nos consolar como as crianças?

Oração de um filho que sofre
Maria, tu que te revelas a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de se curar.
Quando estou no chão, mãe, estende-me a mão.
Quando me sinto destruído, mãe, junta os pedaços.
Quando o sofrimento toma conta, mãe, abre-me à esperança.
Para que eu não busque apenas a cura do corpo, mas perceba o quanto o meu coração
precisa de paz.
E do pó levanta-me, mãe.
Levanta-me e todos os teus filhos que estão em provação.
Os que estão sob as bombas,
os perseguidos,
os injustamente encarcerados,
os feridos em seus direitos e dignidade,
aqueles cujas vidas são ceifadas cedo demais.
Levanta-os e consola-os
porque são teus filhos. Porque somos teus filhos.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

7º Dia
Ser Filhos – Justiça e dignidade

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa Senhora Aparecida
Os pequenos pescadores Domingos, Filipe e João
Ao amanhecer de 12 de outubro de 1717, Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves empurraram o barco às águas do rio Paraíba que corria perto da sua aldeia. Não pareciam ter sorte naquela manhã: lançaram as redes por horas, sem nada pescar. Tinham quase decidido desistir, quando João Alves, o mais jovem, quis fazer uma última tentativa. Lançou então a rede nas águas do rio e puxou-a lentamente. Havia algo, mas não era um peixe… parecia mais um pedaço de madeira. Quando o libertou das malhas da rede, o pedaço de madeira revelou-se como uma estátua da Virgem Maria, infelizmente sem a cabeça. João lançou novamente a rede na água e desta vez, ao puxá-la, encontrou preso outro pedaço de madeira de forma arredondada que parecia ser a cabeça da mesma estátua: tentou juntar as duas peças e percebeu que se encaixavam perfeitamente. Como obedecendo a um impulso, João Alves lançou novamente a rede na água e, quando tentou puxá-la, viu que não conseguia, porque estava cheia de peixes. Os seus companheiros também lançaram as redes na água e a pesca daquele dia foi verdadeiramente abundante.

A mãe vê as necessidades dos filhos; Maria viu as necessidades dos três pescadores e foi em socorro deles. Os filhos deram-lhe todo o amor e a dignidade que se pode dar a uma mãe: juntaram os dois pedaços da estátua, colocaram-na numa cabana e fizeram dela um santuário. Do alto da cabana, Nossa Senhora Aparecida – que quer dizer aquela que apareceu – salvou um filho seu, um escravo que fugia dos patrões: viu o seu sofrimento e devolveu-lhe a dignidade. E hoje, aquela cabana é o maior santuário mariano do mundo e traz o nome de Basílica de Nossa Senhora Aparecida.

Maria, Mãe que vê
Tu, que viste o sofrimento dos teus filhos maltratados, a começar pelos discípulos, te colocaste ao lado dos teus filhos mais pobres e perseguidos. Foi deles que te aproximaste, foi a eles que te manifestaste.
Não te escondas do olhar da mãe: ela enxerga até os teus desejos e necessidades mais secretos.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, dignidade e justiça social

A Bem-Aventurada Virgem Maria é um espelho da dignidade humana plenamente realizada, silenciosa, mas poderosa e inspiradora para um correto sentido da experiência social. Refletir sobre a figura de Maria em relação a esses temas revela uma perspectiva profunda e surpreendentemente atual.

Olhemos para Maria, a mulher plena de dignidade, como um dom que, para nós hoje, nos ajuda a olhar para a sua pureza original, que não a coloca num pedestal inacessível, mas a revela na plenitude daquela dignidade pela qual todos nos sentimos um pouco atraídos, chamados.

Contemplando Maria, vemos brilhar a beleza e a nobreza precisamente da dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, livre do jugo do pecado, plenamente aberto ao amor divino, uma humanidade que não se perde nos detalhes, nas coisas superficiais.

Podemos dizer que o “sim” livre e consciente de Maria é aquele gesto de autodeterminação que a eleva ao nível da vontade de Deus, que entra de alguma forma na lógica de Deus. Sua humildade a torna ainda mais livre, longe de ser diminuída pela humildade. A humildade de Maria se torna a consciência da verdadeira grandeza que vem de Deus.

Essa dignidade de Maria nos ajuda a olhar como nós estamos vivendo a nossa dignidade no cotidiano. O tema da justiça social pode parecer menos explícito, mas a partir de uma leitura contemplativa e atenta do Evangelho, especialmente do Magnificat, somos capazes de captar, sentir e encontrar aquele espírito revolucionário que proclama a derrubada dos poderosos de seus tronos e a elevação dos humildes, isto é, a derrubada da lógica mundana e a atenção privilegiada de Deus para com os pobres e os famintos.

Palavras que fluem de um coração humilde, cheio do Espírito Santo. Podemos dizer que são um manifesto de justiça social “ante litteram”, uma antecipação do Reino de Deus, onde os últimos serão os primeiros.

Contemplemos Maria para que nos sintamos atraídos por esta dignidade que não se limita a fechar-se em si mesma, mas é uma dignidade que no Magnificat nos desafia a não permanecer fechados na nossa lógica, mas a abrir-nos, louvando a Deus, procurando viver o dom recebido para o bem da humanidade, com dignidade para o bem dos pobres, para o bem daqueles que são os descartados da sociedade.

E nós, nos escondemos ou dizemos tudo, como fazem as crianças?

Oração de um filho que tem medo
Maria, tu que te mostras a quem sabe ver…
torna o meu coração capaz de restituir dignidade.
Na hora da provação, olha para as minhas falhas e preenche-as.
Na hora do cansaço, olha para as minhas fraquezas e cura-as.
Na hora da espera, olha para as minhas impaciências e cuida delas.
Para que eu, olhando para os meus irmãos, possa olhar para as suas falhas e preenchê-las,
ver as suas fraquezas e curá-las, sentir as suas impaciências e cuidar delas.
Porque nada cura como o amor e ninguém é forte como a mãe que busca justiça para seus filhos.
Então, também eu, Mãe, detenho-me aos pés da cabana, olho com olhos confiantes para a tua imagem e peço-te pela dignidade de todos os teus filhos.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

8º Dia
Ser Filhos – Doçura e quotidianidade

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Nossa senhora de Banneaux
A pequena Marieta de Banneaux
No dia 18 de janeiro, Marieta está no jardim, rezando o terço. Maria aparece e leva-a até uma pequena nascente à beira da floresta, dizendo: «Esta nascente é minha», e convida a menina a mergulhar a mão e o terço na água. O pai e mais duas pessoas acompanharam, com indescritível espanto, todos os gestos e palavras de Marieta. Naquela mesma noite, o primeiro a ser tocado pela graça de Banneaux foi justamente o pai de Marieta, que correu para se confessar e receber a Eucaristia: ele não se confessava desde a Primeira Comunhão.
No dia 19 de janeiro, Marieta pergunta: «Senhora, quem és?». «Sou a Virgem dos pobres».
À nascente, acrescenta: «Esta nascente é minha, para todas as nações, para os doentes. Venho consolá-los!».

Marieta é uma garota comum que vive os seus dias como todos nós, como os nossos filhos, os nossos netos. A sua vila é pequena e desconhecida. Ela reza para permanecer próxima de Deus. Reza para a sua mãe celeste manter viva a sua ligação com ela. E Maria fala-lhe com doçura, num lugar que lhe é familiar. Aparecerá para ela várias vezes, a ela confiará segredos e dirá para rezar pela conversão do mundo: para Marieta, essa é uma mensagem forte de esperança. Todos os filhos são abraçados e consolados pela Mãe, toda a doçura que Marieta encontra na “Senhora gentil” ela transmite ao mundo. E desse encontro nasce uma grande corrente de amor e espiritualidade que encontra o seu cumprimento no santuário de Nossa Senhora de Banneaux.

Maria, Mãe que permanece ao lado
Tu, que permaneceste ao lado dos teus filhos, sem nunca perder nenhum deles, iluminaste o caminho de todos os dias dos mais humildes. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Abandonados no abraço de Maria: não temas, ela vai consolar-te.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, educação e amor

A Bem-Aventurada Virgem Maria é uma mestra de educação incomparável, porque é uma fonte inesgotável de amor e quem ama educa; educa verdadeiramente quem ama.

Refletindo sobre a figura de Maria em relação a esses dois pilares do crescimento humano e espiritual, temos aqui um exemplo a contemplar, a levar a sério, a adotar em nossas escolhas diárias.
A educação que emana de Maria não se faz de preceitos, de ensinamentos formais, mas se manifesta através de seu exemplo de vida. Um silêncio contemplativo que fala; sua obediência à vontade de Deus, humilde e grande ao mesmo tempo; sua profunda humanidade.

O primeiro aspecto educativo que Maria nos comunica é o da escuta.
Escuta da Palavra de Deus, escuta daquele Deus que está continuamente presente para nos ajudar, para nos acompanhar. Maria guarda em seu coração, medita com cuidado, promove a escuta atenta da Palavra de Deus e, da mesma forma, das necessidades dos outros. Maria nos educa àquela humildade que não escolhe permanecer distante e passiva, mas sim para aquela humildade que, ao mesmo tempo em que reconhecemos nossa pequenez diante da grandeza de Deus, nos colocamos como protagonistas a seu serviço. Nosso coração está aberto para sermos verdadeiramente aqueles que acompanhamos, vivemos o projeto que Deus tem para nós.

Maria é um exemplo que nos ajuda a nos deixarmos educar pela fé; ela nos educa para a perseverança, permanecendo firmes no amor a Jesus, até o pé da cruz.
Educação e amor. O amor de Maria é o coração pulsante de sua existência, continua sendo para nós; cada vez que nos aproximamos de Maria sentimos esse amor materno que se estende a todos nós. É um amor por Jesus que se torna amor pela humanidade. O coração de Maria que se abre com aquela ternura infinita que ela recebe de Deus, que ela comunica a Jesus, aos seus filhos espirituais.

Peçamos ao Senhor que, contemplando o amor de Maria, que é um amor que educa, sejamos impelidos a superar o nosso egoísmo, os nossos fechamentos e a abrir-nos aos outros. Em Maria, vemos uma mulher que educa com amor e que ama com um amor que é educativo. Peçamos ao Senhor que nos dê o dom de um amor, que é o dom do Seu amor, que por sua vez é um amor que nos purifica, nos sustenta, nos faz crescer, para que o nosso exemplo seja verdadeiramente um exemplo que comunica amor e, comunicando amor, possamos deixar-nos educar por ela e que ela nos ajude, para que o nosso exemplo também eduque os outros.

E nós, somos capazes de nos entregar como fazem as crianças?

Oração de um filho dos nossos dias
Maria, tu que te mostras a quem sabe ver…
torna o meu coração manso e dócil.
Quem vai reconstruir-me, depois de quebrar-me sob o peso das cruzes que carrego?
Quem vai trazer luz aos meus olhos, depois de ver os escombros da crueldade humana?
Quem vai aliviar o sofrimento da minha alma, depois dos erros que cometi no meu caminho?
Só tu, minha mãe, podes consolar-me.
Abraça-me e permanece comigo para evitar que eu me quebre em mil pedaços.
Minha alma descansa em ti e encontra paz como uma criança nos braços da mãe.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.

9º Dia
Ser Filhos – Construção e sonho

Os filhos confiam, os filhos entregam-se. E uma mãe está sempre por perto. Tu a vês mesmo quando ela não se mostra.
E nós, somos capazes de vê-la?
Bem-aventurado quem vê com o coração.

Maria Auxiliadora
O pequeno Joãozinho Bosco
Quando eu tinha 9 anos, tive um sonho que ficou profundamente gravado na minha mente para toda a vida. No sonho, parecia estar perto de casa, em um pátio muito espaçoso, onde uma multidão de crianças estava reunida, brincando. Algumas riam, outras jogavam, e não poucas blasfemavam. Ao ouvir aquelas blasfêmias, imediatamente me lancei no meio delas, usando golpes e palavras para fazê-las calar. Naquele momento, apareceu um homem venerando, de idade viril, vestido nobremente.
— Não com golpes, mas com mansidão e caridade deves conquistar esses teus amigos.
— Quem és tu, perguntei, que me ordenas algo impossível?
— Justamente porque essas coisas te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com obediência e com a aquisição da ciência.
— Onde, e por quais meios, poderei adquirir a ciência?
— Eu te darei a mestra sob cuja disciplina podes tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se torna tolice.
Naquele momento, vi ao lado dele uma mulher de aspecto majestoso, vestida com um manto que brilhava por todos os lados, como se cada ponto dele fosse uma estrela muito brilhante.
— Eis o teu campo, eis onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte e robusto: e o que agora vês acontecer com esses animais, tu deverás fazer pelos meus filhos.
Então voltei o olhar e, em vez de animais ferozes, apareceram muitos cordeiros mansos, que, pulando, corriam ao redor balindo, como para festejar aquele homem e aquela senhora. Nesse ponto, ainda no sonho, comecei a chorar e pedi para que falasse de modo que eu pudesse entender, pois eu não sabia o que aquilo queria significar. Então ela colocou a mão sobre minha cabeça dizendo:
— A seu tempo, tudo compreenderás.

Maria guia e acompanha Joãozinho Bosco ao longo da sua vida e missão. Ele, ainda criança, descobre a sua vocação através de um sonho. Não entenderá, mas se deixará guiar. Não compreenderá por muitos anos, mas no final estará consciente de que “foi ela que tudo fez” E a mãe, tanto a terrena quanto a celeste, será a figura central na vida desse filho que se fará pão para os seus filhos. E, depois de encontrar Maria em seus sonhos, João Bosco, já sacerdote, erguerá um santuário a Nossa Senhora para que todos os seus filhos possam entregar-se a ela. Será dedicado a Maria Auxiliadora, porque ela foi o seu porto seguro, a sua ajuda constante. Assim, todos que entram na Basílica de Maria Auxiliadora em Turim são acolhidos sob o manto protetor de Maria, que se torna sua guia.

Maria, Mãe que acompanha / que guia
Tu, que acompanhaste o teu filho Jesus em todo o seu caminho, te propuseste como guia para aqueles que souberam ouvir-te com o entusiasmo que só as crianças sabem ter. Deles te aproximaste, a eles te manifestaste.
Deixe-se acompanhar: a Mãe estará sempre ao teu lado para indicar-te o caminho.

Intervenção do Reitor-Mor
Maria Santíssima, auxílio na conversão

A Bem-Aventurada Virgem Maria é uma ajuda poderosa e silenciosa em nossa jornada de crescimento.
É uma jornada que precisa se libertar continuamente daquilo que a impede de crescer. É uma jornada que deve se renovar continuamente, não para retroceder ou se deter em cantos escuros de sua existência. Eis aí a conversão.

A presença de Maria é um farol de esperança, é um convite constante para continuarmos caminhando em direção a Deus, para ajudar nosso coração a estar continuamente focado em Deus, em Seu amor. Refletir sobre Maria, sobre seu papel, significa descobrir uma Maria que não impõe, que não julga, mas que apoia e encoraja, com sua humildade, com seu amor materno; ajuda nosso coração a permanecer próximo dela para nos aproximarmos cada vez mais de seu filho Jesus, que é o caminho, a verdade e a vida.

Este “sim” de Maria na anunciação continua válido também para nós, que abre à humanidade a história da salvação que é alcançável e acessível. Sua intercessão nas Bodas de Caná ampara aqueles que se encontram em situações inesperadas, inéditas. Maria é um modelo de conversão contínua. Sua vida, uma vida de Imaculada, foi, no entanto, uma adesão progressiva à vontade de Deus, um caminho de fé que a conduziu por alegrias e tristezas, culminando no sacrifício do Calvário.

A perseverança de Maria em seguir Jesus torna-se um convite para nós, para que também possamos experimentar essa proximidade contínua, essa transformação interior, que sabemos bem ser um processo gradual, mas que requer perseverança, humildade e confiança na graça de Deus.

Maria auxilia na conversão por meio de uma escuta muito atenta e focada da Palavra de Deus. Uma escuta que nos ajuda a encontrar a força para abandonar os caminhos do pecado, porque reconhecemos a força, a beleza de caminhar em direção a Deus. Dirijamo-nos a Maria com confiança filial, porque isso significa que nós, ao mesmo tempo que reconhecemos nossas fragilidades, nossos pecados, nossos defeitos, queremos fomentar esses desejos de mudança. Uma mudança de coração que quer ser acompanhada pelo coração materno de Maria. Em Maria encontramos essa preciosa ajuda para discernir as falsas promessas do mundo e redescobrir a beleza e a verdade do Evangelho. Que Maria, auxílio dos cristãos, seja para todos nós uma ajuda contínua para descobrir a beleza do Evangelho, para aceitar caminhar em direção à bondade e à grandeza da Palavra de Deus viva nos corações e para poder comunicá-la aos outros.

E nós, somos capazes de deixar-nos pegar pela mão como as crianças?

Oração de um filho entorpecido
Maria, tu que te mostras a quem sabe ver…
faz com que o meu coração seja capaz de sonhar e construir.
Eu, que não deixo ninguém me ajudar.
Eu, que desanimo, perco a paciência e nunca acredito ter construído algo.
Eu, que sempre penso ser um fracasso.
Hoje quero ser filho, aquele filho capaz de te dar a mão, minha Mãe,
para ser acompanhado pelos caminhos da vida.
Mostra-me meu campo,
mostra-me meu sonho
e faz com que, no final, eu também possa compreender tudo e reconhecer a tua passagem
pela minha vida.

Ave Maria…
Bem-aventurado quem vê com o coração.




Discurso do Reitor-Mor no encerramento do Capítulo Geral 29

Caríssimos irmãos,

Chegamos ao fim da experiência do XXIX Capítulo Geral com o coração cheio de alegria e gratidão por tudo o que pudemos vivenciar, compartilhar e planejar. O dom da presença do Espírito de Deus, que suplicamos todos os dias na oração da manhã e durante o trabalho mediante o diálogo no Espírito, foi a força central da experiência do Capítulo Geral. Buscamos o protagonismo do Espírito e ele nos foi concedido em abundância.
A celebração de cada Capítulo Geral é como um marco na vida de toda congregação religiosa. Isso também é verdade para nós, para a nossa amada Congregação Salesiana. É um momento que dá continuidade ao caminho que, desde Valdocco, continua a ser vivido com empenho e levado adiante com zelo e determinação nas várias partes do mundo.
Chegamos ao final deste Capítulo Geral com a aprovação do Documento Final que servirá como nossa carta de navegação para os próximos seis anos – 2025-2031. Veremos e sentiremos o valor do Documento Final à medida que a mesma dedicação à escuta, a mesma preocupação de nos deixarmos acompanhar pelo Espírito Santo que marcou estas semanas, conseguirmos manter após a conclusão desta experiência salesiana de pentecostes.
Desde o início, desde que o Reitor-Mor P. Ángel Fernández Artime tornou pública a Carta de Convocação para o Capítulo Geral 29, em 24 de setembro de 2023, ACG 441, eram claras as motivações que deveriam guiar os trabalhos pré-capitulares e, mais tarde, os trabalhos do mesmo Capítulo Geral. O Reitor-Mor escreve que:

O tema escolhido é fruto de uma rica e profunda reflexão que fizemos no Conselho-Geral, com base nas respostas recebidas das Inspetorias e da visão que temos da Congregação neste momento. Ficamos agradavelmente surpresos com a grande convergência e harmonia encontradas em muitas contribuições das Inspetorias, que tinham muito a ver com a realidade que encontramos na Congregação, com o caminho de fidelidade que há em muitos setores e também com os desafios do momento presente. (ACG 441)

O processo de escuta das Inspetorias, que levou à identificação do tema para este Capítulo Geral, já é uma indicação clara da metodologia da escuta. À luz do que vivemos nestas semanas, confirma-se o valor do processo de escuta. O modo como primeiro identificamos e depois interpretamos os desafios que a Congregação está decidida a enfrentar evidenciou aquele nosso clima tipicamente salesiano, o espírito de família, que não quer evitar os desafios, que não procura padronizar o pensamento, mas que faz o possível para chegar ao espírito de comunhão em que cada um de nós pode reconhecer o modo de ser Dom Bosco hoje.
O ponto central dos desafios identificados tem a ver com a “referência à centralidade de Deus (como Trindade) e de Jesus Cristo como Senhor da nossa vida, sem jamais esquecer os jovens e o nosso compromisso em relação a eles” (ACG 441). A condução dos trabalhos do Capítulo Geral atesta não só que temos a capacidade de identificar desafios, mas também de encontrar maneiras de trazer à tona harmonia e unidade, reconhecendo e valorizando o fato de encontra-nos em diferentes continentes e contextos, diferentes culturas e línguas. Além disso, esse clima confirma que, quando olhamos para a realidade de hoje com os olhos e o coração de Dom Bosco, quando somos verdadeiramente apaixonados por Cristo e consagrados aos jovens, descobrimos que a diversidade se transforma em riqueza, que caminhar juntos é belo, embora cansativo, que juntos podemos enfrentar desafios.
Em um mundo fragmentado por guerras, conflitos e ideologias que despersonalizam, em um mundo marcado por pensamentos e modelos econômicos e políticos que privam os jovens do seu protagonismo, a nossa presença é um sinal, um «sacramento» de esperança. Os jovens, independentemente da cor da pele, da pertença religiosa ou étnica, pedem-nos para promover propostas e lugares de esperança. Eles são filhas e filhos de Deus à espera de sermos servos humildes.
Um segundo ponto, confirmado e reafirmado por este Capítulo Geral, é a convicção compartilhada de que “se faltassem em nossa Congregação a fidelidade e a profecia, seríamos como uma luz que não brilha e um sal sem sabor” (ACG 441). A questão aqui não é tanto se queremos ou não ser mais autênticos, mas que esse é o único caminho que temos e é o que foi enfatizado intensamente nestas semanas: crescer em autenticidade!
A coragem demonstrada em alguns momentos do Capítulo Geral é uma excelente premissa para a coragem que será exigida de nós no futuro em outros temas que surgiram deste Capítulo Geral. Tenho certeza de que essa coragem encontrou aqui um terreno fértil, um ecossistema saudável e promissor para o futuro. Ter coragem significa não deixar que o medo tenha a última palavra. A parábola dos talentos ensina-o claramente. O Senhor deu-nos apenas um talento: o carisma salesiano, concentrado no Sistema Preventivo. A cada um de nós será perguntado o que fizemos com esse talento. Juntos, somos chamados a fazê-lo frutificar em contextos desafiadores, novos e inéditos. Não temos motivos para enterrá-lo. Temos muitas motivações, muitos gritos de jovens que nos incitam a «sair» e semear esperança. Este passo corajoso, cheio de convicção, já foi dado por Dom Bosco no seu tempo e hoje ele nos pede que o vivamos como ele e com ele.

Gostaria de comentar alguns pontos que já constam no Documento Final e que, acredito, possam servir de setas para nos encorajar em nosso caminho nos próximos seis anos.

1. Conversão pessoal
O nosso caminho como Congregação Salesiana depende das escolhas pessoais, íntimas e profundas que cada um de nós decide fazer. Alargando o plano de fundo com que devemos refletir sobre o tema da conversão pessoal, é importante recordar como, nestes anos após o Concílio Vaticano II, a Congregação trilhou um caminho de reflexão espiritual, carismática e pastoral magistralmente comentado pelo P. Pascual em suas intervenções semanais. Essa leitura e essa contribuição enriquecem ainda mais a importante reflexão que o Reitor-Mor, P. Egídio Viganò, nos deixou em sua última carta à Congregação: Como reler hoje o carisma do Fundador (ACG 352, 1995). Se hoje falamos de uma “mudança de época”, o P. Viganò escrevia em 1995:

A releitura do carisma do nosso Fundador está nos empenhando já há bem trinta anos. Dois grandes fachos de luz nos ajudaram nesse trabalho: primeiro, o Concílio Ecumênico Vaticano II, segundo, a transformação epocal desta hora de aceleração histórica (ACG 352, 1995).

Refiro-me a esse caminho da Congregação, com suas riquezas e patrimônio, porque o tema da conversão pessoal é o espaço em que este caminho da Congregação encontra a sua confirmação e o seu impulso ulterior. A conversão pessoal não é um assunto intimista e autorreferencial. Não se trata de um chamado que toca somente a mim, de uma maneira desvinculada de tudo e de todos. A conversão pessoal é aquela experiência singular de onde sairá e emergirá depois uma pastoral renovada. Podemos constatá-lo porque encontra o seu ponto de partida no coração de cada um de nós. A partir disso, podemos notar a contínua e convicta renovação pastoral. O Papa Francisco condensa essa urgência em uma frase: “A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão «reveste essencialmente a forma de comunhão missionária»” (Christifideles laici 32, Evangelii Gaudium 23).
Isso nos leva a descobrir que, quando insistimos na conversão pessoal, devemos ter o cuidado de não cair, por um lado, numa interpretação intimista da experiência espiritual e, por outro, de não subestimar aquilo que é o fundamento de todo caminho pastoral.
Diante do apelo de renovada paixão por Jesus, convido cada salesiano e cada comunidade a levar a sério as opções e os compromissos concretos que, como Capítulo Geral, consideramos urgentes para um testemunho educativo-pastoral mais autêntico. Acreditamos que não podemos crescer pastoralmente sem essa atitude de escuta da Palavra de Deus. Reconhecemos que os vários empenhos pastorais que temos, as necessidades sempre crescentes que nos são apresentadas e que testemunham uma pobreza que nunca se detém, correm o risco de nos tirar o tempo necessário para «estar com Ele». Já encontramos esse desafio desde o início da nossa Congregação. É uma questão de ter prioridades claras que fortaleçam a nossa espinha dorsal espiritual e carismática que dá alma e credibilidade à nossa missão.
O P. Alberto Caviglia, ao comentar o tema da “Espiritualidade Salesiana” em suas Conferências sobre o Espírito Salesiano, escreve:

A maior admiração daqueles que estudaram Dom Bosco para o processo de canonização… foi a descoberta do incrível trabalho de construção do homem interior.
O Card. Salotti (…), referindo-se aos estudos que estava a fazer, disse ao Santo Padre que «ao estudar os volumosos processos de Turim, mais do que a grandeza exterior da sua obra colossal, ficou impressionado com a vida interior do espírito, de onde nasceu e alimentou-se todo o prodigioso apostolado do Ven. Dom Bosco».
Muitos conhecem apenas o trabalho externo que parece muito rumoroso, mas ignoram em grande parte aquele sábio e sublime edifício de perfeição cristã que ele havia erigido pacientemente em sua alma, exercitando-se todos os dias, a cada hora, na virtude própria do seu estado.

Caríssimos irmãos, aqui temos o nosso Dom Bosco. É este Dom Bosco que hoje somos chamados a descobrir:

Nós o estudamos e imitamos, admirando nele esplêndida harmonia de natureza e graça. Profundamente homem, rico das virtudes do seu povo, era aberto às realidades terrenas; profundamente homem de Deus, cheio dos dons do Espírito Santo, vivia “como se visse o invisível”.
Esses dois aspectos fundiram-se num projeto de vida fortemente unitário: o serviço dos jovens. Realizou-o com firmeza e constância, por entre obstáculos e canseiras, com sensibilidade de um coração generoso. “Não deu passo, não pronunciou palavra, nada empreendeu que não visasse à salvação da juventude… Realmente tinha a peito tão somente as almas” (Const. 21).

Agrada-me recordar aqui um convite feito pela Madre Teresa a suas irmãs poucos anos antes da sua morte. A sua dedicação e a das suas irmãs aos pobres é conhecida por todos. Mas nos faz bem ouvir essas palavras que ela escreveu para suas irmãs:

Enquanto não conseguires ouvir Jesus no silêncio do teu coração, não conseguirás ouvi-lo dizer «tenho sede» no coração dos pobres. Jamais desistas desse contato íntimo e cotidiano com Jesus como uma pessoa real e viva, não só como uma ideia. (“Until you can hear Jesus in the silence of your own heart, you will not be able to hear him saying, “I thirst” in the hearts of the poor. Never give up this daily intimate contact with Jesus as the real living person – not just the idea”, in https://catholiceducation.org/en/religion-and- philosophy/the-fulfillment-jesus-wants-for-us.html)

Só escutando no fundo do coração àquele que nos chama a segui-lo, Jesus Cristo, podemos realmente escutar com um coração autêntico aqueles que nos chamam a servi-los. Se a motivação radical de sermos servos não encontrar suas raízes na pessoa de Cristo, a alternativa é que a nossa motivação seja nutrida pelo terreno do nosso ego. E a consequência é que a nossa própria ação pastoral acaba por inflacionar o próprio ego. A urgência de recuperar nestas semanas o espaço místico, o terreno sagrado do encontro com Deus, um terreno onde devemos tirar as sandálias das nossas certezas e das nossas maneiras de interpretar a realidade com os seus desafios, foi reiterada várias vezes e de várias maneiras.
Caríssimos irmãos, temos aqui o primeiro passo. Aqui comprovamos se queremos realmente ser filhos autênticos de Dom Bosco. Aqui comprovamos se realmente amamos e imitamos Dom Bosco.

2. Conhecer Dom Bosco não só amar Dom Bosco
Estamos cientes de que um dos desafios centrais que temos como Salesianos é comunicar a Boa Nova com o nosso testemunho e com as nossas propostas educativas e pastorais numa cultura que está passando por uma mudança radical. Se no Ocidente falamos de indiferença à proposta religiosa como resultado do desafio da secularização, notamos que em outros continentes o desafio assume outras formas, antes de tudo a mudança para uma cultura globalizada que altera radicalmente a escala dos valores e dos estilos de vida. Em um mundo fluido e hiperconectado, o que conhecíamos ontem mudou radicalmente hoje: em suma, estamos lidando aqui com o tema frequentemente mencionado da mudança de época.
Tendo essa mudança os seus efeitos complexos, é positivo ver como a Congregação desde o CGE (1972) até hoje vive num contínuo caminho de repensamento e reflexão sobre a sua proposta educativo-pastoral. Trata-se de um processo que responde à questão sobre “o que faria Dom Bosco hoje, numa cultura secularizada e globalizada como a nossa?”
Em todo esse movimento, reconhecemos que, desde as suas origens, a beleza e a força do carisma salesiano residem precisamente na sua capacidade interna de dialogar com a história dos jovens que somos chamados a encontrar em cada época. O que contemplamos em Valdocco, nesta terra santa salesiana, é o sopro do Espírito que guiou Dom Bosco e que reconhecemos continuar a nos guiar-nos hoje. As Constituições começam exatamente com essa certeza fundante e fundamental:

O Espírito Santo, com a maternal intervenção de Maria, suscitou São João Bosco.
Formou nele um coração de pai e mestre, capaz de doação total: “Prometi a Deus que até meu último alento seria para meus pobres jovens”.
Para prolongar no tempo a sua missão, guiou-o na criação de várias forças apostólicas, sendo a primeira delas a nossa Sociedade.
A Igreja reconheceu nisso a ação de Deus, sobretudo ao aprovar as Constituições e proclamar santo o Fundador.
Desta presença ativa do Espírito haurimos a energia para a nossa fidelidade e o apoio da nossa esperança. (Const. 1)

O carisma salesiano contém um convite inato a colocar-nos diante dos jovens da mesma forma de Dom Bosco ao colocar-se diante de Bartolomeu Garelli… «seu amigo»!
Tudo isso parece muito fácil de dizer, parece uma exortação amigável. Na realidade, ela esconde em si o convite urgente a nós, filhos de Dom Bosco, para que, no atual momento histórico em que vivemos, reproponhamos o carisma salesiano de modo adequado e significativo. Há, porém, uma condição indispensável que nos permite fazer esse caminho: o conhecimento verdadeiro e sério do bom Dom Bosco. Não podemos dizer que «amamos» Dom Bosco de verdade se não estivermos seriamente empenhados em «conhecer» Dom Bosco.
Muitas vezes, o risco é satisfazer-nos com um conhecimento de Dom Bosco que não se conecta com os desafios de hoje. Com um conhecimento superficial de Dom Bosco, somos realmente pobres daquela bagagem carismática que nos torna seus filhos autênticos. Sem conhecer Dom Bosco, não podemos e não chegamos a encarnar Dom Bosco nas culturas onde estamos. Qualquer esforço nessa pobreza de conhecimento carismático resulta apenas em operações carismáticas cosméticas, que, no final, são uma traição à mesma herança de Dom Bosco.
Se quisermos que o carisma salesiano seja capaz de dialogar com a cultura de hoje, com as culturas de hoje, devemos aprofundá-lo continuamente por si mesmo e à luz das condições sempre mutáveis em que vivemos. A bagagem que recebemos no início da nossa fase formativa inicial, se não for seriamente aprofundada hoje, não é suficiente, é simplesmente inútil, se não for até mesmo prejudicial.
Nessa direção, a Congregação fez e está fazendo um enorme esforço para reler a vida de Dom Bosco, o carisma salesiano à luz das atuais condições sociais e culturais, em todas as partes do mundo. É um patrimônio que temos, mas corremos o risco de não o conhecer porque não o estudamos como ele merece. A perda da memória corre o risco não só de nos fazer perder o contato com o tesouro que temos, mas também de nos fazer acreditar que esse tesouro não existe. E isso será realmente trágico, não tanto e somente para nós salesianos, mas para aquelas multidões de jovens que nos esperam.
A urgência deste aprofundamento não é apenas de natureza intelectual, mas toca a sede que existe de uma formação carismática séria dos leigos em nossas CEPs. O Documento Final trata dessa questão de forma frequente e sistemática. Os leigos que hoje participam conosco da missão salesiana são pessoas ávidas de uma proposta salesiana de formação mais clara. Não podemos viver esses espaços de convergência educativo-pastoral se a nossa linguagem e o nosso modo de comunicar o carisma não tiverem a capacidade cognitiva e a preparação adequada para despertar a curiosidade e a atenção daqueles que vivem conosco a missão salesiana.
Não basta dizer que amamos Dom Bosco. O verdadeiro «amor» a Dom Bosco envolve o empenho de conhecê-lo e estudá-lo, e não apenas à luz do seu tempo, mas também à luz do grande potencial da sua atualidade, à luz do nosso tempo. O Reitor-Mor, P. Pascual Chávez, convidou a Congregação e a Família Salesiana para isso nos três anos que precederam o «Bicentenário do nascimento de Dom Bosco 1815-2013».  É um convite mais atual do que nunca. Este Capítulo Geral é um apelo e uma oportunidade para reforçar o conhecimento histórico, pedagógico e espiritual do nosso Pai e Mestre (P. Pascual Chávez, Estreia 2012, “Conhecendo e imitando Dom Bosco, façamos dos jovens a missão da nossa vida” [ACG 412])
Reconheçamos, caríssimos irmãos que, neste ponto, este tema se liga ao anterior: a conversão pessoal. Se não conhecermos Dom Bosco e não o estudarmos, não poderemos compreender a dinâmica e as lutas do seu itinerário espiritual e, consequentemente, as raízes das suas opções pastorais. Nós o amaremos apenas de modo superficial, sem a verdadeira capacidade de imitá-lo como um homem profundamente santo. Acima de tudo, será impossível inculturar o seu carisma hoje nos diversos contextos e situações. Somente ao fortalecer a nossa identidade carismática poderemos oferecer à Igreja e à sociedade um testemunho credível e uma proposta educativo-pastoral significativa e relevante para os jovens.

3. O caminho continua
Nesta terceira parte, gostaria de encorajar a Congregação inteira a manter viva a atenção em determinadas áreas que, por meio de várias Deliberações e empenhos concretos, quisemos dar um sinal de continuidade.
O campo da animação e coordenação da marginalização e da insatisfação juvenil é uma área em que a Congregação tem se empenhado muito nas últimas décadas. Creio que a resposta das Inspetorias à pobreza crescente é um sinal profético que nos distingue e nos vê a todos determinados a continuar a reforçar a resposta salesiana em favor dos mais pobres.
O empenho das Inspetorias no campo da promoção de ambientes seguros continua a encontrar uma resposta crescente e profissional nas Inspetorias. O esforço nesse campo testemunha que esse caminho é o correto para afirmar o compromisso com a dignidade de todos, especialmente dos mais vulneráveis.
O campo da ecologia integral surge como apelo para um maior trabalho educativo- pastoral. A atenção crescente das comunidades educativo-pastorais às questões ambientais exige uma ação sistemática para promover mudanças de mentalidade. As várias propostas de formação nessa área, já presentes na Congregação, devem ser reconhecidas e acompanhadas.
Depois, há duas áreas que eu gostaria de convidar a Congregação a considerar cuidadosamente nos próximos anos. Elas fazem parte de uma visão mais ampla do trabalho da Congregação. Acredito que essas duas áreas terão consequências substanciais para os nossos processos educativo-pastorais.

3.1 Inteligência artificial – uma missão real num mundo artificial
Como Salesianos de Dom Bosco, somos chamados a caminhar com os jovens em todos os ambientes onde vivem e crescem, inclusive no vasto e complexo mundo digital. Hoje, a Inteligência Artificial (IA) apresenta-se como uma inovação revolucionária, capaz de moldar a maneira como as pessoas aprendem, comunicam-se e constroem relacionamentos. Entretanto, por mais revolucionária que seja, a IA continua a ser exatamente isso: artificial. O nosso ministério, enraizado na conexão humana autêntica e orientado pelo Sistema Preventivo, é profundamente real. A IA pode assessorar, mas não pode amar como nós. Pode organizar, analisar e ensinar de maneiras novas, mas jamais poderá substituir o toque relacional e pastoral que define a nossa missão salesiana.
Dom Bosco era um visionário sem medo de inovar, tanto em nível eclesial quanto em nível educativo, cultural e social. Quando essa inovação servia ao bem dos jovens, Dom Bosco avançava com uma velocidade surpreendente. Ele explorou a imprensa, os novos métodos educativos e as oficinas para elevar os jovens e prepará-los para a vida. Se estivesse entre nós hoje, sem dúvida olharia para a IA com um olhar crítico e criativo. Vê-la-ia não como um fim, mas como um meio, um instrumento para ampliar a eficácia pastoral sem perder de vista a pessoa humana no centro.
A Inteligência Artificial não é apenas um instrumento: ela faz parte da nossa missão como Salesianos que vivem na era digital. O mundo virtual não é mais um espaço separado, mas uma parte integrante da vida cotidiana dos jovens. A inteligência artificial pode ajudar-nos a responder às suas necessidades de forma mais eficiente e criativa, oferecendo caminhos personalizados de aprendizagem, orientação virtual e plataformas que promovem conexões significativas.
Nesse sentido, a inteligência artificial torna-se tanto um instrumento quanto uma missão, pois ajuda-nos a alcançar os jovens onde eles estão, geralmente imersos no mundo digital. Ao mesmo tempo em que adotamos a IA, devemos reconhecer que ela é apenas um aspecto de uma realidade muito ampla que inclui a mídia social, as comunidades virtuais, a narração digital e muito mais. Juntos, esses elementos formam uma nova fronteira pastoral que nos desafia a estar presentes e a ser proativos. A nossa missão não é simplesmente usar a tecnologia, mas evangelizar o mundo digital, levando o Evangelho a espaços onde, de outra forma, ele poderia estar ausente.
A nossa resposta à IA e aos desafios digitais deve estar enraizada no espírito salesiano de otimismo e empenho proativo. Continuemos a caminhar com os jovens, mesmo no vasto mundo digital, com os corações cheios de amor, porque eles são apaixonados por Cristo e enraizados no carisma de Dom Bosco. O futuro é brilhante quando a tecnologia está a serviço da humanidade e quando a presença digital está cheia do autêntico ardor salesiano e da ação pastoral. Abracemos este novo desafio, confiantes de que o espírito de Dom Bosco haverá de guiar-nos em cada nova oportunidade.

3.2 A Universidade Pontifícia Salesiana
A Universidade Pontifícia Salesiana (UPS) é a Universidade da Congregação Salesiana, de todos nós. Ela constitui uma estrutura de grande e estratégica importância para a Congregação. A sua missão consiste em fazer o carisma dialogar com a cultura, a energia da experiência educativo-pastoral de Dom Bosco com a pesquisa acadêmica, de modo a desenvolver uma proposta educativa de alto nível a serviço da Congregação, da Igreja e da sociedade.
Desde o início, a nossa Universidade desempenhou um papel insubstituível na formação de muitos irmãos para funções de animação e governo, e ainda desempenha essa valiosa tarefa. Em uma época marcada pela desorientação generalizada em relação à gramática do ser humano e ao significado da existência, pela desintegração do vínculo social e pela fragmentação da experiência religiosa, pelas crises internacionais e pelos fenômenos migratórios, uma Congregação como a nossa é chamada com urgência a enfrentar a missão educativo-pastoral, servindo-se dos sólidos recursos intelectuais que se desenvolvem em uma universidade.
Como Reitor-Mor e como Grão-Chanceler da UPS, desejo reiterar que as duas prioridades fundamentais da Universidade da Congregação são a formação de educadores e pastores, salesianos e leigos, a serviço dos jovens, e o aprofundamento cultural – histórico, pedagógico e teológico – do carisma. Ao redor desses dois pilares, que requerem diálogo interdisciplinar e atenção intercultural, a UPS é chamada a cumprir com o seu compromisso com a pesquisa, o ensino e a transmissão do conhecimento. Por isso, estou muito contente que, em vista do 150º aniversário do texto de Dom Bosco sobre o Sistema Preventivo, tenha sido lançado um projeto sério de pesquisa, em colaboração com a Faculdade “Auxilium” das FMA, para focalizar a inspiração original da práxis educativa de Dom Bosco e examinar o modo como ela inspira as práticas pedagógicas e pastorais de hoje na diversidade dos contextos e das culturas.
O governo e a animação da Congregação e da Família Salesiana serão certamente beneficiados com o trabalho cultural da Universidade, como também, com o estudo acadêmico, receberão uma linfa preciosa ao manter contato estreito com a vida da Congregação e o seu serviço cotidiano aos jovens mais pobres em todas as partes do mundo.

3.3 150 anos – a viagem continua
Somos chamados a dar graças e louvar a Deus neste Ano Jubilar da Esperança, porque neste ano recordamos o empenho missionário de Dom Bosco, que encontrou um momento muito significativo de desenvolvimento no ano de 1875. A reflexão que nos é oferecida na Estreia 2025 pelo Vigário do Reitor-Mor, P. Stefano Martoglio, recorda-nos o tema central do 150º aniversário da primeira expedição missionária de Dom Bosco: reconhecer, repensar e relançar.
À luz do 29º Capítulo Geral que estamos a concluir, isso nos ajuda a situar esse convite no sexênio que temos pela frente. Somos chamados a ser reconhecidos porque “a gratidão torna evidente a paternidade de toda bela realização. Sem gratidão não há capacidade de acolher”.
Ao reconhecimento, acrescentamos o dever de repensar a nossa fidelidade, porque “a fidelidade envolve a capacidade de mudar, na obediência, para uma visão que vem de Deus e da leitura dos «sinais dos tempos»… Repensar torna-se, então, um ato gerador, em que se unem fé e vida; um momento em que nos perguntamos: o que queres dizer-nos, Senhor?”
Enfim, a coragem de relançar, de recomeçar todos os dias. Como estamos a fazer nestes dias, olhamos adiante para “acolher os novos desafios, relançando a missão com esperança”. (Porque a) Missão é levar a esperança de Cristo com uma consciência clara e lúcida, unida à fé”.

4. Conclusão
Ao final deste discurso de encerramento, gostaria de apresentar uma reflexão de Tomáš HALÍK, tirada do seu livro Il pomeriggio del cristianesimo[A tarde do cristianismo] (HALÍK, Tomáš, Pomeriggio del cristianesimo. Il coraggio di cambiare. Edizioni Vita e Pensiero, Milano 2022). No último capítulo do livro, que traz o título de “A Sociedade do caminho”, o autor apresenta quatro conceitos eclesiológicos.
Acredito que esses quatro conceitos eclesiológicos podem ajudar-nos a interpretar positivamente as grandes oportunidades pastorais que nos aguardam. Proponho esta reflexão com a consciência de que aquilo que o autor propõe está intimamente ligado ao coração do carisma salesiano. É impressionante e surpreendente que, quanto mais nos empenhamos em fazer uma leitura pastoral carismática, pedagógica e cultural da realidade de hoje, a convicção de que o nosso carisma nos dá uma base sólida para que os vários processos que estamos a acompanhar possam encontrar o seu devido lugar em um mundo onde os jovens esperam que lhes seja oferecida esperança, alegria e otimismo. É bom reconhecer com grande humildade, mas ao mesmo tempo com grande senso de responsabilidade, que o carisma de Dom Bosco continua a oferecer hoje diretrizes, não só para nós, como também para toda a Igreja.

4.1 A Igreja como povo de Deus em peregrinação pela história. Essa imagem descreve uma Igreja em movimento e em luta contra as incessantes mudanças. Deus plasma a forma da Igreja na história, revela-se a ela por meio da história e transmite-lhe os seus ensinamentos por meio de eventos históricos. Deus está na história. (HALÍK, Tomáš, Pomeriggio del cristianesimo, p. 229)

O nosso chamado a ser educadores e pastores consiste precisamente em caminhar com o rebanho nessa história, nessa sociedade em constante mudança. A nossa presença nos vários “pátios da vida das pessoas” é a presença sacramental de um Deus que quer encontrar aqueles que o buscam, sem o saber. Nesse contexto, “o sacramento da presença” adquire para nós um valor inestimável, porque se entrelaça com as eventualidades históricas dos nossos jovens e de todos aqueles que vêm até nós nas várias expressões da missão salesiana – o PÁTIO.

4.2 A ‘escola’ é a segunda visão da Igreja – escola de vida e escola de sabedoria. Vivemos em uma época em que nem a religião tradicional nem o ateísmo dominam o espaço público de muitos países europeus, mas sim o agnosticismo, o apateísmo e o analfabetismo religioso… Há, nesta época, uma necessidade urgente de que a sociedade cristã se transforme em uma “escola”, seguindo o ideal original das universidades medievais, que foram estabelecidas como comunidades de professores e alunos, comunidades de vida, oração e ensino. (Ibid., pp. 231-232)

Ao fazer uma retrospectiva do projeto educativo-pastoral de Dom Bosco desde as suas origens, descobrimos como essa segunda proposta toca diretamente a experiência que oferecemos hoje aos nossos jovens: a escola e a formação profissional. São itinerários educativos como instrumento indispensável para dar vida a um processo integral onde se encontrem cultura e fé. Para nós, hoje, esse espaço é uma excelente oportunidade para dar testemunho da boa nova em encontros humanos e fraternos, educativos e pastorais com muitas pessoas e, sobretudo, com muitas crianças e muitos jovens que se sentem acompanhados para um futuro digno. Para nós, pastores, a experiência educativa é um modo de vida que comunica sabedoria e valores em um contexto que encontra e vai além da resistência e derrete a indiferença com empatia e proximidade. Caminhar juntos promove um espaço de crescimento integral inspirado na sabedoria e nos valores do Evangelho – a ESCOLA.

4.3 A Igreja como hospital de campanha… Por muito tempo, face a face com as doenças da sociedade, a Igreja limitou-se à moralidade; agora ela se depara com a tarefa de redescobrir e aplicar o potencial terapêutico da fé. A missão diagnóstica deveria ser realizada por aquela disciplina para a qual propus o nome de cairologia – a arte de ler e interpretar os sinais dos tempos, a hermenêutica teológica dos fatos da sociedade e da cultura. A cairologia deve dedicar a sua atenção aos tempos de crise e às mudanças de paradigmas culturais. Deveria senti-las como parte de uma ‘pedagogia de Deus’, como um momento oportuno para aprofundar a reflexão sobre a fé e renovar a sua prática. De certa forma, a cairologia desenvolve o método de discernimento espiritual, que é um componente importante da espiritualidade de Santo Inácio e seus discípulos; ela aplica-o ao aprofundar e avaliar o estado atual do mundo e as nossas tarefas nele. (Ibid., pp. 233-234)

Este terceiro critério eclesiológico vai ao coração da abordagem salesiana. Não estamos presentes na vida das crianças e dos jovens para condená-los. Nos tornamos disponíveis para oferecer-lhes um espaço saudável de comunhão (eclesial), iluminado pela presença de um Deus misericordioso que não impõe condições a ninguém.Elaboramos e comunicamos as várias propostas pastorais justamente com esta visão de facilitar o encontro dos jovens com uma proposta espiritual capaz de iluminar os tempos em que vivem, de oferecer-lhes uma esperança para o futuro. A proposta da pessoa de Jesus Cristo não é fruto de um estéril confessionalismo ou cego proselitismo, mas a descoberta de uma relação com uma pessoa que oferece amor incondicional a todos. Nosso testemunho e o de todos aqueles que vivem a experiência educativo-pastoral, como comunidade, é o sinal mais eloquente e a mensagem mais crível dos valores que queremos comunicar para poder compartilhá-los – a IGREJA.

4.4 O quarto modelo de Igreja… é necessário que a Igreja institua centros espirituais, lugares de adoração e contemplação, mas também de encontro e diálogo, onde a experiência da fé possa ser compartilhada. Muitos cristãos estão preocupados com o fato de que, em um grande número de países, está se desgastando a rede de paróquias, estabelecida há alguns séculos em uma situação sociocultural e pastoral completamente diferente e dentro de uma autocompreensão diferente de Igreja. (Ibid., pp. 236-237)

O quarto conceito é o de uma “casa” capaz de comunicar acolhimento, escuta e acompanhamento. Uma “casa” onde é reconhecida a dimensão humana da história de cada pessoa e, ao mesmo tempo, é oferecida a possibilidade de permitir a esta humanidade chegar à maturidade. Dom Bosco chama justamente de “casa” o lugar onde a comunidade vive o seu chamado porque, acolhendo as nossas crianças e os nossos jovens, sabe garantir as condições e as propostas pastorais necessárias para que essa humanidade cresça de modo integral. A nossa comunidade, “casa”, é chamada a dar testemunho da originalidade da experiência de Valdocco: uma “casa” que se encontra com a história dos nossos jovens, oferecendo-lhes um futuro digno – a CASA.

Temos em nossas Constituições, Art. 40,a síntese destes “quatro conceitos eclesiológicos”. É uma síntese que serve de convite e também de encorajamento para o presente e o futuro das nossas comunidades educativo-pastorais, das nossas inspetorias, da nossa amada Congregação Salesiana:

O Oratório de Dom Bosco, critério permanente
Dom Bosco viveu uma típica experiência pastoral no seu primeiro Oratório, que foi para os jovens casa que acolhe, paróquia que evangeliza, escola que encaminha para a vida, e pátio para se encontrarem como amigos e viverem com alegria.
Ao realizarmos hoje nossa missão, a experiência de Valdocco continua critério permanente de discernimento e renovação de cada atividade e obra.

Obrigado.
Roma, 12 de abril de 2025




“donbosco.info”: um motor de busca salesiano

Apresentamos a nova plataforma “donbosco.info”, que é uma ferramenta de busca salesiana, concebida para facilitar a consulta de documentos relacionados com o carisma de Dom Bosco. Criado para apoiar o “Boletim Salesiano on-line”, supera os limites dos sistemas de arquivo tradicionais, geralmente incapazes de identificar todas as ocorrências das palavras. Esta solução integra um “hardware” dedicado e um “software” exclusivo, oferecendo também a função de leitura. A “interface web”, propositadamente simples, permite navegar por milhares de documentos em diferentes idiomas, com a possibilidade de filtrar os resultados por pasta, título, autor ou ano. Graças à digitalização OCR dos documentos PDF, o sistema identifica o texto mesmo quando não está perfeito e adota estratégias para ignorar pontuação e caracteres especiais. Os conteúdos, ricos em material histórico e formativo, visam difundir a mensagem salesiana de forma capilar. Com o “upload” livre dos documentos, incentiva-se o enriquecimento contínuo da plataforma, melhorando a pesquisa.

No âmbito dos trabalhos para a redação do “Boletim Salesiano on-line”, foi necessária a criação de vários instrumentos de apoio, entre os quais uma ferramenta de busca dedicada.

Esta ferramenta de busca foi concebida tendo em conta as limitações atualmente presentes nas diversas possibilidades salesianas disponíveis na rede. Muitos sites oferecem sistemas de arquivo com funcionalidades de pesquisa, mas geralmente não conseguem identificar todas as ocorrências das palavras por causa de limitações técnicas ou restrições introduzidas para evitar a sobrecarga dos servidores.

Para superar tais dificuldades, em vez de construir um simples arquivo de documentos com uma função de pesquisa, criamos uma verdadeira ferramenta de busca, dotada também de uma função de leitura. Trata-se de uma solução completa, que conta com um hardware dedicado e um software exclusivo.

Na fase de projeto, avaliamos duas opções: um software para ser instalado localmente ou um aplicativo server-side acessível via web. Uma vez que a missão do “Boletim Salesiano on-line” é difundir o carisma salesiano ao maior número de pessoas, decidiu-se optar pela solução web, permitindo assim que qualquer pessoa possa procurar e acessar os documentos salesianos.

A ferramenta de busca está disponível no endereço www.donbosco.info. A interface web é propositadamente essencial e “espartana”, para garantir maior velocidade de carregamento. Na home page estão listados os arquivos e as pastas disponíveis, visando facilitar a consulta. Os documentos não estão apenas em italiano, mas também disponíveis em outros idiomas, selecionáveis através de um ícone no canto superior esquerdo.

A maioria dos arquivos carregados está em formato PDF, obtido a partir de digitalizações com OCR (reconhecimento ótico de caracteres). Uma vez que o OCR nem sempre é perfeito, por vezes nem todas as palavras procuradas são encontradas. Para evitar isso, foram implementadas diversas estratégias: ignorar a pontuação e os caracteres acentuados ou especiais, e permitir a pesquisa mesmo, na presença de caracteres em falta ou incorretos. Mais detalhes podem ser consultados na seção FAQ, acessível no rodapé da página.

Como são milhares de documentos, a pesquisa pode indicar um número muito elevado de resultados. Por isso, é possível restringir o âmbito da pesquisa por pastas, título, autor ou ano: os critérios são cumulativos e ajudam a encontrar mais rapidamente o que realmente interessa. Os resultados são listados com base numa pontuação de relevância, que atualmente considera, sobretudo, a densidade das palavras-chave dentro do texto e a sua proximidade.

O ideal seria dispor dos documentos em formato vetorial em vez de digitalizados, uma vez que a pesquisa seria sempre precisa e os arquivos seriam mais leves, com consequentes vantagens em termos de velocidade.

Documentos em formato vetorial ou de qualidade superior do que os já presentes na ferramenta de busca podem ser carregados através do serviço de upload disponível em www.donbosco.space. Outros documentos não presentes na ferramenta de busca também podem ser adicionados. Para obter as credenciais de acesso (nome de usuário e senha), enviar o pedido para bsol@sdb.org.




Com Dom Bosco. Sempre

Não é indiferente celebrar um Capítulo Geral em um lugar ou em outro. Certamente, em Valdocco, no “berço do carisma”, temos a oportunidade de redescobrir a gênese da nossa história e reencontrar a originalidade que constitui o coração da nossa identidade de consagrados e apóstolos dos jovens.

Na moldura antiga de Valdocco, em que tudo fala das nossas origens, sou quase obrigado a fazer memória daquele dezembro de 1859, em que Dom Bosco havia tomado uma decisão incrível, única na história: fundar uma congregação religiosa com alguns jovens.
Ele os havia preparado, mas eram ainda muito jovens. «Há muito tempo pensava em fundar uma Congregação. Eis que chegou disso se tornar realidade.» explicou Dom Bosco com simplicidade. «Na verdade, esta Congregação não está nascendo só agora: ela já existia naquele conjunto de Regras que, por costume, vocês sempre observaram… Trata-se agora de andar avante, de constituir normalmente a Congregação e de aceitar as suas Regras. Saibam, porém, que nela serão inscritos somente aqueles que, depois de terem refletido seriamente, quiserem fazer, a seu tempo, os votos de pobreza, castidade e obediência… Deixo-lhes uma semana de tempo para pensarem nisso».
À saída da reunião houve um silêncio insólito. Bem depressa, quando começaram a falar, pode-se constatar que Dom Bosco tinha razão em proceder com lentidão e prudência. Alguns murmuravam consigo mesmos que Dom Bosco queria fazer deles frades. Cagliero caminhava pelo pátio, envolvido em sentimentos contraditórios.
Mas o desejo de «permanecer com Dom Bosco» prevaleceu na maioria. Cagliero disse então a frase que se tornaria histórica: «Frade ou não frade, eu fico com Dom Bosco».
Na «conferência de adesão», que se realizou na noite de 18 de dezembro, eram em 17. Dom Bosco convocou o primeiro Capítulo Geral em 5 de setembro de 1877, em Lanzo Torinese. Os participantes eram vinte e três e o Capítulo durou três dias inteiros. Hoje, para o Capítulo de número 29, os capitulares são 227. Chegaram de todas as partes do mundo, representando todos os salesianos.
Na abertura do primeiro Capítulo Geral, Dom Bosco disse aos nossos irmãos: «O Divino Salvador diz no santo Evangelho que onde estão dois ou três reunidos em seu nome, Ele mesmo está entre deles. Nós não temos outro fim nestes encontros senão a maior glória de Deus e a salvação das almas redimidas pelo precioso Sangue de Jesus Cristo». Podemos estar certos, portanto, de que o Senhor estará em nosso meio e que conduzirá Ele mesmo as coisas de tal modo que todos se sintam à vontade.

Uma mudança de época
A expressão evangélica: «Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar» (Mc 3,14-15), diz que Jesus escolhe e chama aqueles que quer. Entre estes estamos também nós. O Reino de Deus se torna realidade e aqueles primeiros Doze são um exemplo e um modelo para nós e para as nossas comunidades. Os Doze são pessoas comuns, com qualidades e defeitos, não formam uma comunidade de puros e nem sequer um simples grupo de amigos.
Sabem, como disse o Papa Francisco, que “Vivemos uma mudança de época mais que uma época de mudanças”. Em Valdocco, nestes dias, se percebe grandemente esta consciência. Todos os irmãos sentem que este é um momento de grande responsabilidade.
Na vida da maioria dos irmãos, das inspetorias e da Congregação há muitas coisas positivas, mas isto não basta e não pode servir de “consolo”, porque o grito do mundo, as grandes e novas pobrezas, a luta quotidiana de tantas pessoas – não somente pobres, mas também simples e trabalhadoras – se levanta forte como pedido de ajuda. São todas perguntas que nos devem provocar e sacudir e não nos deixar tranquilos.
Com a ajuda das inspetorias através da consulta, acreditamos ter individuado, por um lado, os principais motivos de preocupação e, por outro, os sinais de vitalidade da nossa Congregação, adaptados sempre com aos traços culturais específicos de cada contexto.
Durante o Capítulo propomos concentrar-nos sobre o que significa para nós sermos verdadeiramente salesianos apaixonados por Jesus Cristo, porque sem isto ofereceremos bons serviços, faremos o bem às pessoas, ajudaremos, mas não deixaremos uma marca profunda.
A missão de Jesus continua e se torna visível hoje no mundo também através de nós, seus enviados. Somos consagrados para construir amplos espaços de luz para o mundo de hoje, para sermos profetas. Fomos consagrados por Deus e chamados ao seguimento do seu amado Filho Jesus para vivermos verdadeiramente como conquistados por Deus. É por isso que o essencial continua a ser a fidelidade da Congregação ao Espírito Santo, vivendo, com o espírito de Dom Bosco, uma vida consagrada salesiana centrada em Jesus Cristo.
A vitalidade apostólica, como vitalidade espiritual, é compromisso a favor dos adolescentes e jovens nas mais variadas pobrezas e, por isso, não se pode somente oferecer serviços educativos. O Senhor nos chama a educar evangelizando, levando a Sua presença e acompanhando a vida com oportunidades de futuro.
Somos chamados a procurar, em nome de Deus, novos modelos de presença, novas expressões do carisma salesiano. E que isto seja feito, em comunhão com os jovens e com o mundo, através de “uma ecologia integral” e da formação de uma cultura digital nos mundos habitados pelos jovens e pelos adultos.
E é forte o desejo e a expectativa de que este seja um Capítulo Geral corajoso, em que se digam as coisas, sem se preocupar com frases corretas e bem ditas, mas que não tocam a vida.
Nesta missão não estamos sozinhos. Sabemos e sentimos que a Virgem Maria é um modelo de fidelidade.
É belo voltar com a mente e com o coração ao dia da solenidade da Imaculada Conceição de 1887, quando, dois meses antes da sua morte, Dom Bosco disse a alguns Salesianos que o acompanhavam e escutavam com comoção: «Até agora caminhamos no certo. Não podemos errar; é Maria quem nos guia».
Maria Auxiliadora, a Nossa Senhora de Dom Bosco, nos guia. Ela é a Mãe de todos nós e é Ela que diz ao CG29, como o fez em Caná da Galileia: «Fazei o que ele vos disser».
A nossa Mãe Auxiliadora nos ilumine e nos guie, como fez com Dom Bosco, a sermos fiéis ao Senhor e a jamais desiludir os jovens, sobretudo aqueles mais necessitados.




O Vigário do Reitor-Mor. Dom Stefano Martoglio

Temos a alegria de anunciar que Dom Stefano Martoglio foi reeleito como Vigário do Reitor-Mor.
Os capitulares o elegeram hoje por maioria absoluta e na primeira votação.

Desejamos um apostolado frutífero a Dom Stefano e asseguramos-lhe as nossas orações.




Novo Reitor-Mor: Fabius Attard

Temos a alegria de anunciar que o padre Fabius Attard é o novo Reitor-Mor, o décimo primeiro sucessor de Dom Bosco.

Brevíssimas informações do novo Reitor-Mor:
Nascido: 23/03/1959 em Gozo (Malta), diocese de Gozo.
Noviciado: 1979-1980 em Dublin.
Profissão perpétua: 11/08/1985 em Malta.
Ordenação presbiteral: 04/07/1987 em Malta.
Desempenhou diversos encargos pastorais e formativos dentro de sua inspetoria de origem.
Foi por 12 anos o Conselheiro geral para a Pastoral Juvenil, 2008-2020.
Desde 2020, foi o Delegado do Reitor-Mor para a Formação Permanente dos salesianos e dos leigos na Europa.
Última comunidade de pertencimento: Roma CNOS.
Línguas conhecidas: Maltês, Inglês, Italiano, Francês, Espanhol.

Auguramos um frutuoso apostolado ao padre Fabio e asseguramos-lhe as nossas orações.




Reitores-Mores da Congregação Salesiana

A Congregação Salesiana, fundada em 1859 por São João Bosco, teve à sua frente um superior geral chamado, já nos tempos de Dom Bosco, Reitor-Mor. A figura do Reitor-Mor é central na liderança da congregação, atuando como guia espiritual e centro de unidade não só dos salesianos, mas também de toda a Família Salesiana. Cada Reitor-Mor contribuiu de modo único para a missão salesiana, enfrentando os desafios do seu tempo e promovendo a educação e a vida espiritual dos jovens. Façamos um breve resumo dos Reitores-Mores e dos desafios que tiveram de enfrentar.

São João Bosco (1859-1888)
São João Bosco, fundador da Congregação Salesiana, encarnou qualidades distintivas que moldaram a identidade e a missão da ordem. Sua profunda fé e confiança na Divina Providência o tornaram um líder carismático, capaz de inspirar e guiar com visão e determinação. Sua dedicação incansável à educação dos jovens, especialmente dos mais necessitados, manifestou-se através do inovador Sistema Preventivo, baseado em razão, religião e amabilidade. Dom Bosco promoveu um clima de família nas casas salesianas, favorecendo relações sinceras e fraternas. Sua capacidade organizativa e seu espírito empreendedor levaram à criação de numerosas obras educativas. Sua abertura missionária impulsionou a Congregação para além das fronteiras italianas, difundindo o carisma salesiano no mundo. Sua humildade e simplicidade o tornaram próximo a todos, conquistando a confiança e o afeto de colaboradores e jovens.
São João Bosco enfrentou muitas dificuldades. Teve de superar a incompreensão e a hostilidade de autoridades civis e eclesiásticas, que frequentemente desconfiavam do seu método educativo e do seu rápido crescimento. Enfrentou graves dificuldades econômicas ao sustentar as obras salesianas, frequentemente contando apenas com a Providência. Gerir jovens difíceis e formar colaboradores confiáveis foi uma tarefa árdua. Além disso, sua saúde, desgastada pelo intenso trabalho e pelas contínuas preocupações, foi um limite constante. Apesar de tudo, enfrentou cada prova com fé inabalável, amor paterno pelos jovens e uma determinação incansável, levando adiante a missão com esperança.

1. Beato Miguel Rua (1888-1910)
O ministério de Reitor-Mor do Beato Miguel Rua se caracteriza como fidelidade ao carisma de Dom Bosco, consolidação institucional e expansão missionária. Foi nomeado por Dom Bosco como sucessor por ordem do Papa Leão XIII, na audiência de 24/10/1884. Após a confirmação do Papa, em 24/09/1885, Dom Bosco tornou pública sua escolha diante do Capítulo Superior.
Algumas características do seu reitorado:
– Agiu como “regra vivente” do sistema preventivo, mantendo íntegro o espírito educativo de Dom Bosco através de formação, catequese e direção espiritual; foi um continuador do fundador;
– Dirigiu a Congregação em crescimento exponencial, gerindo centenas de casas e milhares de religiosos, com visitas pastorais em todo o mundo, apesar de problemas de saúde;
– Enfrentou calúnias e crises (como o escândalo de 1907) defendendo a imagem salesiana;
– Promoveu as Filhas de Maria Auxiliadora e os Cooperadores, reforçando a estrutura tripartida desejada por Dom Bosco;
– Sob sua guia, os Salesianos passaram de 773 para 4.000 membros, e as casas de 64 para 341, estendendo-se em 30 nações.

2. Dom Paulo Albera (1910-1921)
O ministério de Reitor-Mor de Dom Paulo Albera se distingue por fidelidade ao carisma de Dom Bosco e expansão missionária global. Eleito no Capítulo Geral 11.
Algumas características do seu reitorado:
– Manteve íntegro o sistema preventivo, promovendo a formação espiritual dos jovens salesianos e a difusão do Boletim Salesiano como instrumento de evangelização;
– Enfrentou os desafios da Primeira Guerra Mundial, com salesianos mobilizados (mais de 2.000 chamados às armas, 80 deles mortos na guerra) e casas transformadas em hospitais ou quartéis, mantendo coesão na Congregação; este conflito causou a suspensão do Capítulo Geral previsto e interrompeu muitas atividades educativas e pastorais;
– Enfrentou as consequências desta guerra que gerou um aumento da pobreza e do número de órfãos, requerendo um compromisso extraordinário para acolher e sustentar estes jovens nas casas salesianas;
– Abriu novas fronteiras na África, Ásia e América, enviando 501 missionários em nove expedições ad gentes e fundando obras no Congo, China e Índia.

3. Beato Filipe Rinaldi (1922-1931)
O ministério de Reitor-Mor do Beato Filipe Rinaldi se caracteriza por fidelidade ao carisma de Dom Bosco, expansão missionária e inovação espiritual. Eleito no Capítulo Geral 12.
Algumas características do seu reitorado:
– Manteve íntegro o sistema preventivo, promovendo a formação interior dos salesianos;
– Enviou mais de 1.800 salesianos em todo o mundo, fundou institutos missionários e revistas, abrindo novas fronteiras na África, Ásia e América;
– Instituiu a associação dos Ex-alunos e o primeiro Instituto secular salesiano (Voluntárias de Dom Bosco), adaptando o espírito de Dom Bosco às exigências do início do século XX;
– Reanimou a vida interior da Congregação, exortando a uma “confiança ilimitada” em Maria Auxiliadora, herança central do carisma salesiano;
– Enfatizou a importância da formação espiritual e da assistência aos emigrantes, promovendo obras de previdência e associações entre trabalhadores;
– Durante o seu reitorado, os membros passaram de 4.788 para 8.836 e as casas de 404 para 644, evidenciando sua capacidade organizativa e seu zelo missionário.

4. Dom Pedro Ricaldone (1932-1951)
O ministério de Reitor-Mor de Dom Pedro Ricaldone se caracteriza por consolidação institucional, compromisso durante a Segunda Guerra Mundial e colaboração com as autoridades civis. Eleito no Capítulo Geral 14.
Algumas características do seu reitorado:
– Potencializou as casas salesianas e os centros de formação, fundou a Universidade Pontifícia Salesiana (1940) e cuidou da canonização de Dom Bosco (1934) e Madre Mazzarello (1951);
– Enfrentou a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) que representou uma das principais dificuldades, com perseguições que atingiram duramente as obras salesianas no país;
– Sucessivamente enfrentou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) causou ulteriores sofrimentos: muitos salesianos foram deportados ou privados da liberdade, e as comunicações entre a Casa Generalícia de Turim e as comunidades espalhadas no mundo foram interrompidas; além disso, o advento de regimes totalitários na Europa oriental levou à supressão de diversas obras salesianas;
– Durante a guerra, abriu as estruturas salesianas a deslocados, judeus e partisans, mediando pela libertação de prisioneiros e protegendo quem estava em perigo;
– Promoveu a espiritualidade salesiana através de obras editoriais (ex: Corona patrum salesiana) e iniciativas a favor dos jovens marginalizados.

5. Dom Renato Ziggiotti (1952-1965)
O ministério de Reitor-Mor de Dom Renato Ziggiotti (1952-1965) se caracteriza por expansão global, fidelidade ao carisma e compromisso conciliar. Eleito no Capítulo Geral 17.
Algumas características do seu reitorado:
– Foi o primeiro Reitor-Mor a não ter conhecido pessoalmente Dom Bosco e a renunciar ao cargo antes da morte, demonstrando grande humildade;
– Durante o seu mandato, os salesianos passaram de 16.900 para mais de 22.000 membros, com 73 inspetorias e quase 1.400 casas em todo o mundo;
– Promoveu a construção da Basílica de São João Bosco em Roma e do santuário sobre o Colle dei Becchi (Colle Dom Bosco), além da transferência do Pontifício Ateneu Salesiano na capital;
– Foi o primeiro Reitor-Mor a participar ativamente das primeiras três sessões do Concílio Vaticano II, antecipando a renovação da Congregação e o envolvimento dos leigos;
– Cumpriu uma empresa sem precedentes: visitou quase todas as casas salesianas e Filhas de Maria Auxiliadora, dialogando com milhares de confrades, apesar das dificuldades logísticas.

6. Dom Luís Ricceri (1965-1977)
O ministério de Reitor-Mor de Dom Luís Ricceri se caracteriza por renovação conciliar, centralização organizativa e fidelidade ao carisma salesiano. Eleito no Capítulo Geral 19.
Algumas características do seu reitorado:
– Adaptação pós-conciliar: guiou a Congregação na atuação das indicações do Concílio Vaticano II, promovendo o Capítulo Geral Especial (1966) para a renovação das Constituições e a formação permanente dos salesianos;
– Transferiu a Direção Geral de Valdocco para Roma, separando-a da “Casa Mãe” para integrá-la melhor no contexto eclesial;
– A revisão das Constituições e dos Regulamentos foi uma tarefa complexa, mirando garantir a adequação às novas diretivas eclesiais sem perder a identidade originária;
– Potencializou o papel dos Cooperadores e dos Ex-alunos, reforçando a colaboração entre os diversos ramos da Família salesiana.

7. Dom Egídio Viganò (1977-1995)
O ministério de Reitor-Mor de Dom Egídio Viganò se caracteriza por fidelidade ao carisma salesiano, compromisso conciliar e expansão missionária global. Eleito no Capítulo Geral 21.
Algumas características do seu reitorado:
– Sua participação como especialista no Concílio Vaticano II influenciou significativamente seu trabalho, promovendo a atualização das Constituições salesianas em linha com as diretivas conciliares e guiou a Congregação na atuação das indicações do Concílio Vaticano II;
– Colaborou ativamente com o Papa São João Paulo II, tornando-se confessor pessoal, e participou de 6 sínodos dos bispos (1980-1994), reforçando o laço entre a Congregação e a Igreja universal;
– Profundamente ligado à cultura latino-americana (onde passou 32 anos), ampliou a presença salesiana no Terceiro Mundo, com um foco em justiça social e diálogo intercultural;
– Foi o primeiro reitor-mor eleito para três mandatos consecutivos (com dispensa papal);
– Potencializou o papel dos Cooperadores e dos Ex-alunos, promovendo a colaboração entre os diversos ramos da Família salesiana;
– Reforçou a devoção a Maria Auxiliadora, reconhecendo a Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora como parte integrante da Família Salesiana;
– Sua dedicação à pesquisa científica e ao diálogo interdisciplinar o levou a ser considerado o “segundo fundador” da Universidade Pontifícia Salesiana;
– Sob sua guia, a Congregação iniciou o “Projeto África”, expandindo a presença salesiana no continente africano que deu muitos frutos.

8. Dom Juan Edmundo Vecchi (1996-2002)
O ministério de Reitor-Mor de Dom Juan Edmundo Vecchi se distingue por fidelidade ao carisma salesiano, compromisso na formação e abertura aos desafios do pós-Concílio. Eleito no Capítulo Geral 24.
Algumas características do seu reitorado:
– É o primeiro Reitor-Mor não italiano: filho de imigrantes italianos na Argentina, representou uma mudança geracional e geográfica na guia da Congregação, abrindo a uma perspectiva mais global;
– Promoveu a formação permanente dos salesianos, sublinhando a importância da espiritualidade e da preparação profissional para responder às exigências dos jovens;
– Promoveu uma renovada atenção à educação dos jovens, enfatizando a importância da formação integral e do acompanhamento pessoal;
– Através das Cartas Circulares, exortou a viver a santidade na cotidianidade, ligando-a ao serviço juvenil e ao testemunho de Dom Bosco;
– Durante sua doença, continuou a testemunhar fé e dedicação, oferecendo reflexões profundas sobre a experiência do sofrimento e da velhice na vida salesiana.

9. Dom Pascual Chávez Villanueva (2002-2014)
O ministério de Reitor-Mor de Dom Pascual Chávez Villanueva se distingue por fidelidade ao carisma salesiano, compromisso na formação e o compromisso nos desafios da globalização e das transformações eclesiais. Eleito no Capítulo Geral 25.
Algumas características do seu reitorado:
– Promoveu a renovada atenção à comunidade salesiana como sujeito evangelizador, com prioridade à formação espiritual e à inculturação do carisma nos contextos regionais;
– Relançou o compromisso para com os jovens mais vulneráveis, herdando a abordagem de Dom Bosco, com particular atenção aos oratórios de fronteira e às periferias sociais;
– Cuidou da formação permanente dos salesianos, desenvolvendo estudos teológicos e pedagógicos ligados à espiritualidade de Dom Bosco, preparando o bicentenário do seu nascimento;
– Guiou a Congregação com uma abordagem organizativa e dialogante, envolvendo as diversas regiões e promovendo a colaboração entre centros de estudo salesianos;
– Promoveu uma maior colaboração com os leigos, encorajando a corresponsabilidade na missão salesiana e enfrentando as resistências internas à mudança.

10. Dom Ángel Fernández Artime (2014-2024)
O ministério de Dom Ángel Fernández Artime se distingue por fidelidade ao carisma salesiano e ao papado. Eleito no Capítulo Geral 27.
Algumas características do seu reitorado:
– Guiou a Congregação com uma abordagem inclusiva, visitando 120 países e promovendo a adaptação do carisma salesiano às diversas realidades culturais, mantendo firme o laço com as raízes de Dom Bosco;
– Reforçou o compromisso para com os jovens mais vulneráveis, das periferias, herdando a abordagem de Dom Bosco;
– Enfrentou os desafios da globalização e das transformações eclesiais, promovendo a colaboração entre centros de estudo e renovando os instrumentos de governo da Congregação;
– Promoveu uma maior colaboração com os leigos, encorajando a corresponsabilidade na missão educativa e pastoral;
– Teve de enfrentar a pandemia de COVID-19 que exigiu adaptações nas obras educativas e assistenciais para continuar a servir os jovens e as comunidades em dificuldade;
– Teve de enfrentar a gestão dos recursos humanos e materiais em um período de crise vocacional e mudanças demográficas;
– Mudou a Casa Generalícia da Pisana para a obra fundada por Dom Bosco, Sagrado Coração de Roma;
– Seu compromisso culminou na nomeação a Cardeal (2023) e a Pró-Prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada (2025), marcando um reconhecimento da sua influência na Igreja universal.

Os Reitores-Mores da Congregação Salesiana desempenharam um papel fundamental no crescimento e no desenvolvimento da congregação. Cada um deles trouxe sua contribuição única, enfrentando os desafios do seu tempo e mantendo vivo o carisma de São João Bosco. Seu legado continua a inspirar as gerações futuras de salesianos e jovens em todo o mundo, garantindo que a missão educativa de Dom Bosco permaneça relevante e vital no contexto contemporâneo.

Apresentamos abaixo também uma estatística destes reitorados.

 Reitor-Mor Nascido em Início do mandato como Reitor-Mor Eleito aos … anos Fim do mandato como Reitor-Mor Reitor-Mor por… Viveu por… anos
BOSCO Giovanni 16.08.1815 18.12.1859 44 31.01.1888 (†) 28 anos e 1 mês 72
RUA Michele 09.06.1837 31.01.1888 50 06.04.1910 (†) 22 anos e 2 meses 72
ALBERA Paolo 06.06.1845 16.08.1910 65 29.10.1921 (†) 11 anos e 2 meses 76
RINALDI Filippo 28.05.1856 24.04.1922 65 05.12.1931 (†) 9 anos e 7 meses 75
RICALDONE Pietro 27.07.1870 17.05.1932 61 25.11.1951 (†) 19 anos e 6 meses 81
ZIGGIOTTI Renato 09.10.1892 01.08.1952 59 27.04.1965 († 19.04.1983) 12 anos e 8 meses 90
RICCERI Luigi 08.05.1901 27.04.1965 63 15.12.1977 († 14.06.1989) 12 anos e 7 meses 88
VIGANO Egidio 29.06.1920 15.12.1977 57 23.06.1995 (†) 17 anos e 6 meses 74
VECCHI Juan Edmundo 23.06.1931 20.03.1996 64 23.01.2002 (†) 5 anos e 10 meses 70
VILLANUEVA Pasqual Chavez 20.12.1947 03.04.2002 54 25.03.2014 11 anos e 11 meses 76
ARTIME Angel Fernandez 21.08.1960 25.03.2014 53 31.07.2024 10 anos e 4 meses 64