Beatificação de Camille Costa de Beauregard. E depois…?

 A diocese de Saboia e a cidade de Chambéry viveram três dias históricos, nos dias 16, 17 e 18 de maio de 2025. Um relato dos fatos e das perspectivas futuras.

            As relíquias de Camilo Costa de Beauregard foram transferidas do Bocage para a igreja de Notre-Dame (local do batismo de Camille), na sexta-feira, 16 de maio. Uma magnífica procissão percorreu as ruas da cidade a partir das vinte horas. Após os alphorn (as trompas alpinas), as gaitas de foles assumiram a dianteira para abrir a marcha, seguidas por uma carruagem florida que transportava um retrato gigante do “pai dos órfãos”. Em seguida, vinham as relíquias, em um andor carregado por jovens estudantes do liceu do Bocage, vestidos com magníficos moletons vermelhos nos quais se podia ler esta frase de Camilo: “Quanto mais alta a montanha, melhor vemos ao longe”. Centenas de pessoas de todas as idades desfilavam em uma atmosfera “bon enfant” [bom menino], isto é, descontraído. Ao longo do percurso, os curiosos, respeitosos, paravam, maravilhados, para ver passar essa procissão incomum.
            Na chegada à igreja de Notre-Dame, um sacerdote estava lá para animar uma vigília de oração apoiada pelos cânticos de um belo coro de jovens. A cerimônia ocorreu em um clima descontraído, mas recolhido. Todos passaram, ao final da vigília, para venerar as relíquias e confiar a Camilo uma intenção pessoal. Um momento muito bonito!
            Sábado, 17 de maio. Grande dia! Desde Paulina Maria Jaricot (beatificada em maio de 2022), a França não conhecia um novo “Beato”. Assim, todo o Regional estava representado por seus bispos: Lyon, Annecy, Saint-Étienne, Valence etc… A eles se juntaram dois ex-arcebispos de Chambéry: Dom Laurent Ulrich, atualmente arcebispo de Paris, e Dom Philippe Ballot, bispo de Metz. Dois bispos de Burkina Faso viajaram para participar dessa festa. Numerosos sacerdotes diocesanos vieram concelebrar, assim como vários religiosos, entre eles sete salesianos de Dom Bosco. O núncio apostólico na França, Dom Celestino Migliore, tinha a missão de representar o cardeal Semeraro (Prefeito do Dicastério para as Causas dos Santos), retido em Roma para a entronização do papa Leão XIV. Nem é preciso dizer que a catedral estava lotada, assim como os capitéis, o átrio e o Bocage: mais de três mil pessoas no total.
            Que emoção, quando após a leitura do decreto pontifício (assinado apenas no dia anterior pelo papa Leão XIV), lido pelo P. Pierluigi Cameroni, postulador da causa, o retrato de Camille foi desvelado na catedral! Que fervor na grande igreja! Que solenidade sustentada pelos cânticos de um magnífico coro interdiocesano e pelo grande órgão maravilhosamente tocado pelo maestro Thibaut Duré! Enfim, uma cerimônia grandiosa para este humilde sacerdote que deu toda a sua vida ao serviço dos mais pequenos!
            Um reportagem foi garantida pela RCF Savoie (uma estação de rádio regional francesa que faz parte da rede RCF, Radios Chrétiennes Francophones – (Rádios Cristãos Francófonos) com entrevistas de várias personalidades envolvidas na defesa da causa de Camille, e, por outro lado, pelo canal KTO (o canal televisivo católico de língua francesa) que transmitiu ao vivo essa magnífica celebração.
            O terceiro dia, domingo, 18 de maio, coroou essa festa. Realizou-se no Bocage, sob uma grande tenda; foi uma missa de ação de graças presidida por Dom Thibault Verny, arcebispo de Chambéry, cercado pelos dois bispos africanos, o provincial dos salesianos e alguns sacerdotes, entre eles o P. Jean François Chiron, (presidente, há treze anos, do Comitê Camille criado por Dom Philippe Ballot) que proferiu uma homilia notável. Uma multidão considerável veio participar e rezar. Ao final da missa, uma rosa “Camilo Costa de Beauregard fundador do Bocage” foi abençoada pelo P. Daniel Féderspiel, Inspetor dos Salesianos da França (essa rosa, escolhida pelos ex-alunos, oferecida às personalidades presentes, está à venda nas estufas do Bocage).
            Após a cerimônia, as trompas alpinas deram um concerto até o momento em que o papa Leão, durante seu discurso, no momento do Regina Coeli, declarou estar muito alegre com a primeira beatificação de seu pontificado, o sacerdote de Chambéry Camilo Costa de Beauregard. Foi um troar de aplausos sob a grande tenda!
            À tarde, vários grupos de jovens do Bocage, liceu e casa das crianças, ou escoteiros, se revezaram no palco para animar um momento recreativo. Sim! Que festa!

            E agora? Tudo acabou? Ou há um depois, uma continuação?
            A beatificação de Camilo é apenas uma etapa no processo de canonização. O trabalho continua e vocês são chamados a contribuir. O que resta fazer? Divulgar cada vez melhor a figura do novo beato ao nosso redor, por múltiplos meios, porque é necessário que muitos o invoquem para que sua intercessão nos obtenha uma nova cura inexplicável pela ciência, o que permitiria considerar um novo processo e uma rápida canonização. A santidade de Camilo seria então apresentada ao mundo inteiro. É possível, é preciso acreditar! Não vamos parar no meio do caminho!

            Dispomos de vários meios, como:
            – o livro Le bienheureux Camille Costa de Beauregard La noblesse du cœur (O beato Camille Costa de Beauregard A nobreza do coração), de Françoise Bouchard, Edições Salvator;
            – o livro Prier quinze jours avec Camille Costa de Beauregard (Rezar quinze dias com Camilo Costa de Beauregard), do P. Paul Ripaud, Edições Nouvelle Cité;
            – uma história em quadrinhos: Bienheureux Camille Costa de Beauregard (Beato Camilo Costa de Beauregard), de Gaëtan Evrard, Edições Triomphe;
            – os vídeos podem ser localizados no site dos “Amis de Costa” (Amigos de Costa), e o da beatificação;
            – as visitas aos locais da memória, no Bocage em Chambéry; são possíveis entrando em contato tanto com a l’accueil du Bocage (recepção do Bocage) quanto diretamente com o senhor Gabriel Tardy, diretor da Maison des Enfants (Casa dos Meninos).

            A todos, obrigado por apoiar a causa do beato Camilo, ele merece!

P. Paul Ripaud, sdb




Entrevista com o Reitor-Mor, P. Fabio Attard

Fizemos uma entrevista exclusiva com o Reitor-Mor dos Salesianos, P. Fabio Attard, percorrendo as etapas fundamentais de sua vocação e de sua trajetória humana e espiritual. Sua vocação nasceu no oratório e se consolidou através de uma rica formação que o levou da Irlanda à Tunísia, de Malta a Roma. De 2008 a 2020, foi Conselheiro Geral para a Pastoral Juvenil, função que desempenhou com uma visão multicultural adquirida através de experiências em diferentes contextos. A sua mensagem central é a santidade como fundamento da ação educativa salesiana: “Gostaria de ver uma Congregação mais santa”, afirma, sublinhando que a eficiência profissional deve estar enraizada na identidade consagrada.

Qual é a história da sua vocação?

Nasci em Gozo, Malta, em 23 de março de 1959, quinto de sete filhos. Na época do meu nascimento, meu pai era farmacêutico em um hospital, enquanto minha mãe tinha uma pequena loja de tecidos e costura, que com o tempo cresceu e se tornou uma pequena rede de cinco lojas. Ela era uma mulher muito trabalhadora, mas o negócio sempre foi familiar.

Frequentei as escolas primárias e secundárias locais. Um elemento muito bonito e particular da minha infância é que meu pai era catequista leigo no oratório, que até 1965 era dirigido pelos salesianos. Quando jovem, ele frequentava aquele oratório e acabou ficando lá como único catequista leigo. Quando comecei a frequentá-lo, aos seis anos, os salesianos tinham acabado de deixar a obra. Assumiu um jovem padre (que ainda está vivo) que continuou as atividades do oratório com o mesmo espírito salesiano, tendo ele próprio vivido lá como seminarista.
Continuávamos com o catecismo, a bênção eucarística diária, o futebol, o teatro, o coro, as excursões, as festas… tudo o que se vive normalmente num oratório. Havia muitas crianças e jovens, e eu cresci nesse ambiente. Na prática, minha vida se passava entre a família e o oratório. Eu também era coroinha na minha paróquia. Assim, depois do ensino médio, me orientei para o sacerdócio, porque desde criança tinha esse desejo no coração.

Hoje percebo o quanto fui influenciado por aquele jovem sacerdote, que eu admirava: ele estava sempre presente conosco no pátio, nas atividades do oratório. No entanto, naquela época os salesianos já não estavam mais lá. Entrei então no seminário, onde na época se faziam dois anos de curso preparatório como internos. Durante o terceiro ano – que correspondia ao primeiro ano de filosofia – conheci um amigo da família de cerca de 35 anos, uma vocação adulta, que havia entrado como aspirante salesiano (hoje ainda está vivo e é coadjutor). Quando ele deu esse passo, acendeu-se uma chama dentro de mim. E com a ajuda do meu diretor espiritual, comecei um discernimento vocacional.
Foi um caminho importante, mas também exigente: eu tinha 19 anos, mas aquele guia espiritual me ajudou a buscar a vontade de Deus, e não simplesmente a minha. Assim, no último ano – o quarto de filosofia –, em vez de segui-lo no seminário, vivi como aspirante salesiano, completando os dois anos de filosofia exigidos.

Na família, o ambiente era fortemente marcado pela fé. Participávamos todos os dias da missa, rezávamos o rosário em casa, éramos muito unidos. Ainda hoje, embora nossos pais estejam no céu, mantemos essa mesma unidade entre irmãos e irmãs.

Outra experiência familiar me marcou profundamente, embora só tenha percebido isso com o tempo. Meu irmão, o segundo da família, morreu aos 25 anos de insuficiência renal. Hoje, com os avanços da medicina, ele ainda estaria vivo graças à diálise e aos transplantes, mas naquela época não havia tantas possibilidades. Estive ao seu lado nos últimos três anos de sua vida: dividíamos o mesmo quarto e muitas vezes eu o ajudava à noite. Ele era um jovem sereno, alegre, que vivia sua fragilidade com uma alegria extraordinária.
Eu tinha 16 anos quando ele morreu. Passaram-se cinquenta anos, mas quando penso naquela época, naquela experiência cotidiana de proximidade, feita de pequenos gestos, reconheço o quanto isso marcou minha vida.

Nasci em uma família onde havia fé, senso de trabalho, responsabilidade compartilhada. Meus pais são dois exemplos extraordinários para mim: viveram com grande fé e serenidade a cruz, sem nunca sobrecarregar ninguém, e ao mesmo tempo souberam transmitir a alegria da vida familiar. Posso dizer que tive uma infância muito bonita. Não éramos ricos, nem pobres, mas sempre sóbrios, discretos. Eles nos ensinaram a trabalhar, a administrar bem os recursos, a não desperdiçar, a viver com dignidade, com elegância e, acima de tudo, com atenção aos pobres e aos doentes.

Como sua família reagiu quando o senhor tomou a decisão de seguir a vocação consagrada?

Chegou o momento em que, junto com meu diretor espiritual, esclarecemos que meu caminho era o dos salesianos. Eu também precisava comunicar isso aos meus pais. Lembro que era uma noite tranquila, estávamos jantando juntos, só nós três. A certa altura, eu disse: “Quero lhes dizer uma coisa: fiz meu discernimento e decidi entrar para os salesianos”.
Meu pai ficou muito feliz. Ele respondeu imediatamente: “Que o Senhor te abençoe”. Minha mãe, por outro lado, começou a chorar, como todas as mães fazem. Ela me perguntou: “Então você vai se afastar?” Mas meu pai interveio com doçura e firmeza: “Quer ele se afaste ou não, este é o seu caminho”.
Eles me abençoaram e me encorajaram. São momentos que ficam gravados para sempre.

Lembro-me particularmente do que aconteceu no final da vida dos meus pais. Meu pai faleceu em 1997 e, seis meses depois, descobriram um tumor incurável em minha mãe.
Naquela época, os superiores me pediram para ir lecionar na Universidade Pontifícia Salesiana (UPS), mas eu não sabia que decisão tomar. Minha mãe não estava bem, estava perto da morte. Conversando com meus irmãos, eles me disseram: “Faça o que os superiores pedem”.
Eu estava em casa e conversei com ela: “Mãe, os superiores estão me pedindo para ir para Roma”.
Ela, com a lucidez de uma verdadeira mãe, respondeu: “Ouça, meu filho, se dependesse de mim, eu pediria que você ficasse aqui, porque não tenho mais ninguém e não gostaria de ser um fardo para seus irmãos. Mas…” – e aqui ela disse uma frase que guardo no coração – “Você não é meu, você pertence a Deus. Faça o que seus superiores lhe dizem.”
Essa frase, pronunciada um ano antes de sua morte, é para mim um tesouro, uma herança preciosa. Minha mãe era uma mulher inteligente, sábia, perspicaz: sabia que a doença a levaria ao fim, mas naquele momento soube ser livre interiormente. Livre para dizer palavras que confirmavam mais uma vez o dom que ela mesma havia feito a Deus: oferecer um filho à vida consagrada.

A reação da minha família, desde o início até o fim, foi sempre marcada por um profundo respeito e um grande apoio. E ainda hoje, meus irmãos e irmãs continuam a levar adiante esse espírito.

Qual foi o seu percurso formativo desde o noviciado até hoje?

Foi um percurso muito rico e variado. Comecei o pré-noviciado em Malta, depois fiz o noviciado em Dublin, na Irlanda. Uma experiência realmente bonita.

Depois do noviciado, meus companheiros se mudaram para Maynooth para estudar filosofia na universidade, mas eu já tinha concluído esse curso anteriormente. Por isso, os superiores me pediram para permanecer no noviciado por mais um ano, onde ensinei italiano e latim. Depois, voltei para Malta para fazer dois anos de estágio, que foram muito bonitos e enriquecedores.

Depois, fui enviado a Roma para estudar teologia na Pontifícia Universidade Salesiana, onde passei três anos extraordinários. Esses anos me deram uma grande abertura mental. Vivíamos no seminário com quarenta coirmãos provenientes de vinte nações diferentes: Ásia, Europa, América Latina… até o corpo docente era internacional. Era em meados dos anos 80, cerca de vinte anos após o Concílio Vaticano II, e ainda se respirava muito entusiasmo: havia debates teológicos animados, a teologia da libertação, o interesse pelo método e pela prática. Esses estudos me ensinaram a ler a fé não apenas como conteúdo intelectual, mas como uma escolha de vida.

Após esses três anos, continuei com mais dois de especialização em teologia moral na Academia Alfonsiana, com os padres redentoristas. Lá também encontrei figuras significativas, como o famoso Bernhard Häring, com quem fiz uma amizade pessoal e ia regularmente todos os meses para conversar com ele. Foram cinco anos no total – entre o bacharelado e a licenciatura – que me formaram profundamente do ponto de vista teológico.

Posteriormente, me ofereci para as missões, e os superiores me enviaram para a Tunísia, junto com outro salesiano, para restabelecer a presença salesiana no país. Assumimos uma escola administrada por uma congregação feminina que, não tendo mais vocações, estava prestes a fechar. Era uma escola com 700 alunos; por isso tivemos que aprender francês e também árabe. Para nos prepararmos, passamos alguns meses em Lyon, na França, e depois nos dedicamos ao estudo do árabe.
Fiquei lá três anos. Foi outra grande experiência, porque nos encontramos a viver a fé e o carisma salesiano num contexto em que não se podia falar explicitamente de Jesus. No entanto, era possível construir percursos educativos baseados em valores humanos: respeito, disponibilidade, verdade. O nosso testemunho era silencioso, mas eloquente. Naquele ambiente, aprendi a conhecer e a amar o mundo muçulmano. Todos – alunos, professores e famílias – eram muçulmanos e nos acolheram com grande calor. Fizeram-nos sentir parte da sua família. Voltei várias vezes à Tunísia e sempre encontrei o mesmo respeito e apreço, independentemente da nossa pertença religiosa.

Depois dessa experiência, voltei para Malta e trabalhei durante cinco anos na área social. Em particular, numa casa salesiana que acolhe jovens que precisam de um acompanhamento educativo mais atento, também em regime residencial.

Após estes oito anos de pastoral (entre a Tunísia e Malta), foi-me oferecida a possibilidade de concluir o doutorado. Optei por voltar à Irlanda, porque o tema estava relacionado com a consciência segundo o pensamento do cardeal John Henry Newman, hoje santo. Concluído o doutorado, o Reitor-Mor da época, P. Juan Edmundo Vecchi – de grata memória – pediu-me para ingressar como professor de teologia moral na Pontifícia Universidade Salesiana.

Olhando para todo o meu percurso, desde o aspirantado até ao doutorado, posso dizer que foi um conjunto de experiências não só de conteúdos, mas também de contextos culturais muito diferentes. Agradeço ao Senhor e à Congregação, porque me ofereceram a possibilidade de viver uma formação tão variada e rica.

Então o senhor conhece o maltês porque é sua língua materna, o inglês porque é a segunda língua em Malta, o latim porque o senhor o ensinou, o italiano porque estudou na Itália, o francês e o árabe porque esteve em Manouba, na Tunísia… Quantas línguas o senhor conhece?

Cinco, seis línguas, mais ou menos. Mas, quando me perguntam sobre línguas, eu sempre digo que são um pouco coincidências históricas.
Em Malta, já crescemos com duas línguas: o maltês e o inglês, e na escola se estuda uma terceira língua. Na minha época, também se ensinava italiano. Além disso, eu tinha um talento natural para línguas e também escolhi o latim. Mais tarde, quando fui para a Tunísia, foi necessário aprender francês e também árabe.
Em Roma, vivendo com muitos estudantes de espanhol, o ouvido se acostuma e, quando fui eleito Conselheiro para a Pastoral Juvenil, aprofundei um pouco o espanhol, que é uma língua muito bonita.

Todas as línguas são bonitas. Claro, aprendê-las requer empenho, estudo, prática. Há quem tenha mais facilidade, outros menos: faz parte da disposição pessoal. Mas não é um mérito, nem uma culpa. É simplesmente um dom, uma predisposição natural.

De 2008 a 2020, o senhor foi Conselheiro Geral da Pastoral Juvenil por dois mandatos. Como sua experiência nesta missão o ajudou?

Quando o Senhor nos confia uma missão, levamos conosco toda a bagagem de experiências que acumulamos ao longo do tempo.
Tendo vivido em contextos culturais diferentes, não corria o risco de ver tudo através do filtro de uma única cultura. Sou europeu, venho do Mediterrâneo, de um país que foi colônia inglesa, mas tive a graça de viver em comunidades internacionais e multiculturais.

Os anos de estudo na UPS também me ajudaram muito. Tínhamos professores que não se limitavam a transmitir conteúdos, mas nos educavam a fazer síntese, a construir um método. Por exemplo, se estudávamos história da Igreja, compreendíamos como era essencial para compreender a patrística. Se abordávamos a teologia bíblica, aprendíamos a relacioná-la com a teologia sacramental, com a moral, com a história da espiritualidade. Em suma, ensinavam-nos a pensar de forma orgânica.
Essa capacidade de síntese, essa arquitetura do pensamento, torna-se então parte da sua formação pessoal. Quando se estuda teologia, aprende-se a identificar pontos fixos e a conectá-los. O mesmo vale para uma proposta pastoral, pedagógica ou filosófica. Quando se encontra pessoas com grande profundidade, absorve-se não só o que dizem, mas também como o dizem, e isso forma o seu estilo.

Outro elemento importante é que, no momento da minha eleição, eu já tinha vivido experiências em ambientes missionários, onde a religião católica era praticamente ausente, e tinha trabalhado com pessoas marginalizadas e vulneráveis. Também tinha adquirido alguma experiência no mundo universitário e, paralelamente, tinha-me dedicado muito ao acompanhamento espiritual.

Além disso, entre 2005 e 2008 – logo após a experiência na UPS –, a Arquidiocese de Malta me pediu para fundar um Instituto de Formação Pastoral, na sequência de um Sínodo diocesano que reconheceu a necessidade do mesmo. O arcebispo me confiou a tarefa de começar do zero. A primeira coisa que fiz foi formar uma equipe com padres, religiosos, leigos – homens e mulheres. Criamos um novo método de formação, que ainda é usado hoje. O instituto continua funcionando muito bem e, de certa forma, essa experiência foi uma preparação valiosa para o trabalho que realizei posteriormente na pastoral juvenil.
Desde o início, sempre acreditei no trabalho em equipe e na colaboração com os leigos. Minha primeira experiência como diretor foi justamente nesse estilo: uma equipe educativa estável, hoje diríamos uma CEP (Comunidade Educativa-Pastoral), com encontros sistemáticos, não ocasionais. Nós nos reuníamos todas as semanas com os educadores e profissionais. E essa abordagem, que com o tempo se tornou um método, permaneceu para mim uma referência.

A isso se soma também a experiência acadêmica: seis anos como professor na Pontifícia Universidade Salesiana, na qual chegavam estudantes de mais de cem nações, e depois como examinador e diretor de teses de doutorado na Academia Alfonsiana.

Acredito que tudo isso me preparou para viver essa responsabilidade com lucidez e visão.

Assim, quando a Congregação, durante o Capítulo Geral de 2008, me pediu para assumir este cargo, eu já trazia comigo uma visão ampla e multicultural. E isso me ajudou, porque reunir diversidades não era algo difícil para mim: era parte da normalidade. Claro, não se tratava simplesmente de fazer uma “salada” de experiências: era preciso encontrar os fios condutores, dar coerência e unidade.

O que pude viver como Conselheiro Geral não foi um mérito pessoal. Acredito que qualquer salesiano, se tivesse tido as mesmas oportunidades e o apoio da Congregação, poderia ter vivido experiências semelhantes e dado a sua contribuição com generosidade.

Há uma oração, uma boa noite salesiana, um hábito que o senhor nunca deixa de fazer?

A devoção a Maria. Em casa, crescemos com o Rosário diário, rezado em família. Não era uma obrigação, era algo natural: fazíamos antes de comer, porque sempre comíamos juntos. Naquela época era possível. Hoje talvez seja menos, mas naquela época era assim que se vivia: a família reunida, a oração compartilhada, a mesa comum.

No início, talvez eu não percebesse o quanto era profunda essa devoção mariana. Mas com o passar dos anos, quando se começa a distinguir o que é essencial do que é secundário, compreendi o quanto essa presença materna acompanhou minha vida.
A devoção a Maria se expressa de diferentes formas: o Rosário diário, quando possível; um momento de pausa diante de uma imagem ou estátua da Virgem Maria; uma oração simples, mas feita com o coração. São gestos que acompanham o caminho da fé.

Naturalmente, há alguns pontos fixos: a Eucaristia diária e a meditação diária. São pilares que não se discutem, se vivem. Não só porque somos consagrados, mas porque somos crentes. E a fé só se vive alimentando-a.
Quando a alimentamos, ela cresce em nós. E só se crescer em nós, podemos ajudar a que cresça também nos outros. Para nós, que somos educadores, é evidente: se a nossa fé não se traduz em vida concreta, todo o resto se torna fachada.

Essas práticas – a oração, a meditação, a devoção – não são reservadas aos santos. São expressão de honestidade. Se fiz uma escolha de fé, também tenho a responsabilidade de cultivá-la. Caso contrário, tudo se reduz a algo exterior, aparente. E isso, com o tempo, não se sustenta.

Se pudesse voltar atrás, faria as mesmas escolhas?

Absolutamente sim. Na minha vida, houve momentos muito difíceis, como acontece com todos. Não quero passar por “vítima de plantão”. Acredito que toda pessoa, para crescer, precisa passar por fases de escuridão, momentos de desolação, de solidão, de se sentir traída ou acusada injustamente. E eu vivi esses momentos. Mas tive a graça de ter um diretor espiritual ao meu lado.

Quando se vive certas dificuldades acompanhado por alguém, consegue-se intuir que tudo o que Deus permite tem um sentido, tem um propósito. E quando se sai desse “túnel”, descobre-se que se é uma pessoa diferente, mais madura. É como se, através dessa provação, fôssemos transformados.

Se eu tivesse ficado sozinho, teria corrido o risco de tomar decisões erradas, sem visão, cego pelo cansaço do momento. Quando se está zangado, quando se sente sozinho, não é hora de decidir. É hora de caminhar, de pedir ajuda, de se deixar acompanhar.

Viver certas passagens com a ajuda de alguém é como ser uma massa colocada no forno: o fogo a cozinha, a torna madura.
Portanto, à pergunta se mudaria alguma coisa, a minha resposta é: não. Porque mesmo os momentos mais difíceis, mesmo aqueles que eu não compreendia, ajudaram-me a tornar-me na pessoa que sou hoje.
Sinto-me uma pessoa perfeita? Não. Mas sinto que estou a caminho, todos os dias, tentando viver diante da misericórdia e da bondade de Deus.

E hoje, ao dar esta entrevista, posso dizer com sinceridade que me sinto feliz. Talvez ainda não tenha compreendido plenamente o que significa ser Reitor-Mor – isso leva tempo –, mas sei que é uma missão, não um passeio. Traz consigo as suas dificuldades. No entanto, sinto-me amado, estimado pelos meus colaboradores e por toda a Congregação.

E tudo o que sou hoje, sou graças ao que vivi, mesmo nos momentos mais difíceis. Não mudaria nada. Eles fizeram de mim quem sou.

O senhor tem algum projeto que lhe seja particularmente caro?

Sim. Se fecho os olhos e imagino algo que realmente desejo, gostaria de ver uma Congregação mais santa. Mais santa. Mais santa.

Fiquei profundamente inspirado pela primeira carta do padre Pascual Chávez, de 2002, intitulada “Sede santos”. Essa carta me tocou profundamente, deixou uma marca em mim.
Os projetos são muitos, e todos válidos, bem estruturados, com visões amplas e profundas. Mas que valor têm, se são levados adiante por pessoas que não são santas? Podemos fazer um trabalho excelente, podemos até ser apreciados – e isso, em si, não é negativo –, mas não trabalhamos para obter sucesso. O nosso ponto de partida é uma identidade: somos pessoas consagradas.

O que propomos só faz sentido se nasce daí. É claro que desejamos que nossos projetos tenham sucesso, mas ainda mais desejamos que tragam graça, que toquem as pessoas profundamente. Não basta ser eficiente. Temos que ser eficazes, no sentido mais profundo: eficazes no testemunho, na identidade, na fé.
A eficiência pode existir mesmo sem qualquer referência religiosa. Podemos ser excelentes profissionais, mas isso não basta.
Nossa consagração não é um detalhe: é o fundamento. Se ela se torna marginal, se a colocamos de lado para dar espaço à eficiência, então perdemos nossa identidade.

E as pessoas nos observam. Nas escolas salesianas, reconhece-se que os resultados são bons – e isso é bom. Mas será que também nos reconhecem como homens de Deus? Essa é a questão.
Se nos veem apenas como bons profissionais, então somos apenas eficientes. Mas a nossa vida deve alimentar-se Dele – Caminho, Verdade e Vida – não do que “eu penso” ou “eu quero” ou “do que me parece”.

Portanto, mais do que falar de um projeto pessoal, prefiro falar de um desejo profundo: tornar-me santo. E falar disso de forma concreta, não idealizada.
Quando Dom Bosco falava aos seus jovens sobre estudo, saúde e santidade, não se referia a uma santidade feita apenas de oração na capela. Ele pensava em uma santidade vivida na relação com Deus e alimentada pela relação com Deus. A santidade cristã é o reflexo dessa relação viva e cotidiana.

Que conselho o senhor daria a um jovem que se questiona sobre a vocação?

Eu diria para descobrir, passo a passo, qual é o projeto de Deus para ele.
O caminho vocacional não é uma pergunta que se faz, esperando uma resposta pronta da Igreja. É uma peregrinação. Quando um jovem me diz: “Não sei se quero ser salesiano ou não”, tento afastá-lo dessa formulação. Porque não se trata simplesmente de decidir: “Vou ser salesiano”. A vocação não é uma opção em relação a uma “coisa”.

Também na minha própria experiência, quando disse ao meu diretor espiritual: “Quero ser salesiano, tenho que ser”, ele, com muita calma, me fez refletir: “É realmente a vontade de Deus? Ou é apenas um desejo seu?”

E é justo que um jovem procure o que deseja, é algo saudável. Mas quem o acompanha tem a tarefa de educar essa busca, de transformá-la de entusiasmo inicial em caminho de amadurecimento interior.
“Você quer fazer o bem? Ótimo. Então conheça a si mesmo, reconheça que é amado por Deus”.
É somente a partir dessa relação profunda com Deus que pode surgir a verdadeira pergunta: “Qual é o projeto de Deus para mim?”
Porque o que hoje desejo, amanhã pode não me bastar mais. Se a vocação se reduz ao que “gosto”, então será algo frágil. A vocação é, pelo contrário, uma voz interior que interpela, que pede para entrar em diálogo com Deus e para responder.

Quando um jovem chega a este ponto, quando é acompanhado a descobrir aquele espaço interior onde habita Deus, então começa realmente a caminhar.
E por isso, quem acompanha deve ser muito atento, profundo, paciente. Nunca superficial.
O Evangelho de Emaús é uma imagem perfeita: Jesus se aproxima dos dois discípulos, os escuta, mesmo sabendo que estão falando confusamente. Depois de ouvi-los, começa a falar. E eles, no final, o convidam: “Fica conosco, porque já está ficando tarde”.
E o reconhecem no gesto de partir o pão. Então dizem: “Não ardia em nós o nosso coração enquanto ele nos falava pelo caminho?”

Hoje, muitos jovens estão em busca. Nossa tarefa, como educadores, é não ser apressados. Mas ajudá-los, com calma e gradualidade, a descobrir a grandeza que já está em seus corações. Porque lá, naquela profundidade, eles encontram Cristo. Como diz Santo Agostinho: “Tu estavas dentro de mim, e eu estava fora. E lá eu te procurava”.

O senhor teria uma mensagem a transmitir hoje à Família Salesiana?

É a mesma mensagem que compartilhei também nestes dias, durante o encontro da Consulta da Família Salesiana: A fé. Enraizar-nos cada vez mais na pessoa de Cristo.

É desse enraizamento que nasce um conhecimento autêntico de Dom Bosco. Os primeiros salesianos, quando quiseram escrever um livro sobre o verdadeiro Dom Bosco, não o intitularam “Dom Bosco apóstolo dos jovens”, mas “Dom Bosco com Deus” – um texto escrito pelo P. Eugênio Ceria em 1929.
E isso nos faz refletir. Por que eles, que o viam em ação todos os dias, não escolheram destacar o Dom Bosco incansável, organizador, educador? Não, eles quiseram contar o Dom Bosco profundamente unido a Deus.
Quem o conheceu bem não se deteve nas aparências, mas foi à raiz: Dom Bosco era um homem imerso em Deus.

À Família Salesiana, eu digo: recebemos um tesouro. Um dom imenso. Mas todo dom implica uma responsabilidade.
No meu discurso final, eu disse: “Não basta amar Dom Bosco, é preciso conhecê-lo.”
E só podemos conhecê-lo verdadeiramente se formos pessoas de fé.

Devemos olhar para ele com os olhos da fé. Só assim podemos encontrar o crente que foi Dom Bosco, em quem o Espírito Santo agiu com força: com dýnamis, com cháris, com carisma, com graça.
Não podemos nos limitar a repetir certas máximas suas ou a contar seus milagres. Porque corremos o risco de nos determos nas histórias de Dom Bosco, em vez de nos determos na história de Dom Bosco, porque Dom Bosco é maior do que Dom Bosco.
Isso significa estudo, reflexão, profundidade. Significa evitar toda superficialidade.

E então poderemos dizer com verdade: “Esta é a minha fé, este é o meu carisma: enraizados em Cristo, seguindo os passos de Dom Bosco”.




O título de Basílica ao Templo do Sagrado Coração em Roma

No centenário da morte do Padre Paulo Álbera, foi destacado como o segundo sucessor de Dom Bosco realizou o que poderia ser descrito como um sonho de Dom Bosco. De fato, trinta e quatro anos após a consagração do templo do Sagrado Coração em Roma, que ocorreu na presença do já exausto Dom Bosco (maio de 1887), o Papa Bento XV – o papa da famosa e inédita definição da Primeira Guerra Mundial como “massacre inútil” – conferiu à igreja o título de Basílica Menor (11 de fevereiro de 1921). Para sua construção, Dom Bosco havia “dado sua alma” (e seu corpo também!) nos últimos sete anos de sua vida. Ele havia feito o mesmo nos vinte anos anteriores (1865-1868) com a construção da igreja de Maria Auxiliadora em Turim-Valdocco, a primeira igreja salesiana elevada à dignidade de basílica menor em 28 de junho de 1911, na presença do novo Reitor-Mor, P. Paulo Álbera.

A descoberta da súplica
Mas como foi alcançado esse resultado? Quem estava por trás disso? Agora sabemos com certeza graças à recente descoberta do rascunho datilografado da solicitação desse título pelo Reitor-Mor, P. Paulo Álbera. Está incluído em um livreto comemorativo do 25º aniversário do Sagrado Coração editado em 1905 pelo então diretor, P. Francesco Tomasetti (1868-1953). O texto datilografado, datado de 17 de janeiro de 1921, tem correções mínimas feitas pelo Reitor-Mor, mas, o que é importante, traz sua assinatura autógrafa.
Depois de descrever a obra de Dom Bosco e a incessante atividade da paróquia, provavelmente tirada do antigo arquivo, o padre Álbera se dirige ao Papa nos seguintes termos:

Enquanto a devoção ao Sagrado Coração de Jesus está crescendo e se espalhando por todo o mundo, e novos Templos estão sendo dedicados ao Divino Coração, também através da nobre iniciativa dos salesianos, como em São Paulo, no Brasil, em La Plata, na Argentina, em Londres, em Barcelona e em outros lugares, parece que o primeiro Templo-Santuário dedicado ao Sagrado Coração de Jesus em Roma, na qual uma devoção tão importante tem uma afirmação tão digna da Cidade Eterna, merece distinção especial. O abaixo-assinado, portanto, tendo ouvido o parecer do Conselho Superior da Pia Sociedade Salesiana, humildemente suplica que Vossa Santidade se digne conceder ao Templo-Santuário do Sagrado Coração de Jesus, no Castro Pretório, em Roma, o Título e os Privilégios de Basílica Menor, esperando dessa honrosa elevação o aumento da devoção, da piedade e de toda atividade catolicamente benéfica”.

A súplica, em cópia definitiva, assinada pelo padre Álbera, foi provavelmente enviada pelo procurador, padre Francisco Tomasetti, à Sagrada Congregação dos Breves, que a acolheu favoravelmente. Ele rapidamente redigiu a minuta do Breve Apostólico a ser mantido nos Arquivos do Vaticano, transcreveu-o por calígrafos especializados em um rico pergaminho e o passou para a Secretaria de Estado para a assinatura do titular do momento, o Cardeal Pedro Gasparri.
Hoje, os fiéis podem admirar esse original da concessão do título solicitado, muito bem emoldurado na sacristia da Basílica (veja a foto).
Só podemos agradecer à Dra. Patrícia Buccino, uma estudiosa de arqueologia e história, e ao historiador salesiano P. Jorge Rossi, que divulgou a notícia. Cabe a eles completar a investigação iniciada com a busca da correspondência completa nos Arquivos do Vaticano, que também será divulgada ao mundo científico por meio da conhecida revista de história salesiana “Ricerche Storiche Salesiane”.

Sagrado Coração: uma basílica nacional com alcance internacional
Vinte e seis anos antes, em 16 de julho de 1885, a pedido de Dom Bosco e com o consentimento explícito do Papa Leão XIII, Dom Caetano Alimonda, arcebispo de Turim, havia exortado calorosamente os italianos a participarem do sucesso da “nobre e santa proposta [do novo templo], chamando-a de voto nacional dos italianos”.
Pois bem, o Padre Álbera, em seu pedido ao pontífice, depois de recordar o insistente apelo do cardeal Alimonda, lembrou que todas as nações do mundo haviam sido convidadas a contribuir economicamente para a construção, a decoração do templo e as obras anexas (incluindo o inevitável oratório salesiano com uma casa de acolhida!), de modo que o Templo-Santuário, além de um voto nacional, se tornasse uma “manifestação mundial ou internacional de devoção ao Sagrado Coração”.
A esse respeito, num artigo histórico-ascético publicado por ocasião do 1º Centenário da Consagração da Basílica (1987), o estudioso Armando Pedrini o definiu como: “Um templo que é, portanto, internacional por causa da catolicidade e da universalidade de sua mensagem a todos os povos”, considerando também a “posição proeminente” da Basílica, adjacente à reconhecida internacionalidade da estação ferroviária.
Roma-Termini, portanto, não é apenas uma grande estação ferroviária com problemas de ordem pública e um território difícil de administrar, que é frequentemente mencionada nos jornais, como as estações ferroviárias de muitas capitais europeias. Mas é também a sede da Basílica do Sagrado Coração de Jesus. E se à tarde e à noite a área não transmite segurança aos turistas, durante o dia a Basílica distribui paz e serenidade aos fiéis que entram nela, param em oração e recebem os sacramentos.
Será que os peregrinos que passarão pela estação de trem Termini no próximo ano santo (2025) se lembrarão disso? Tudo o que precisam fazer é atravessar uma rua… e o Sagrado Coração de Jesus os espera.

PS. Em Roma há uma segunda basílica paroquial salesiana, maior e artisticamente mais rica do que a do Sagrado Coração: é a de São João Bosco em Tuscolano, que se tornou tal em 1965, poucos anos depois de sua inauguração (1959). Onde está localizada? “Obviamente” no bairro Don Bosco (a poucos passos dos famosos estúdios Cinecittà). Se a estátua sobre o campanhário da basílica do Sagrado Coração domina a praça da estação Termini, a cúpula da basílica de Dom Bosco, ligeiramente inferior à de São Pedro, no entanto, olha para ela de frente, embora a partir de dois pontos extremos da capital. E como não há o dois sem o três, há uma terceira esplêndida basílica paroquial salesiana em Roma: a de Santa Maria Auxiliadora, no distrito de Appio-Tuscolano, ao lado do grande Instituto Pio XI.

Carta apostólica intitulada Pia Societas, datada de 11 de fevereiro de 2021, com a qual Sua Santidade Bento XV elevou a igreja do Sagrado Coração de Jesus à categoria de Basílica.

Ecclesia parochialis SS.mi Cordis Iesu ad Castrum Praetorium in urbe titulo et privilegiis Basilicae Minoris decoratur.
Benedictus pp. XV

            Ad perpetuam rei memoriam.
            Pia Societas sancti Francisci Salesii, a venerabili Servo Dei Ioanne Bosco iam Augustae Taurinorum condita atque hodie per dissitas quoque orbis regiones diffusa, omnibus plane cognitum est quanta sibi merita comparaverit non modo incumbendo actuose sollerterque in puerorum, orbitate laborantium, religiosam honestamque institutionem, verum etiam in rei catholicae profectum tum apud christianum populum, tum apud infideles in longinquis et asperrimis Missionibus. Eiusdem Societatis sodalibus est quoque in hac Alma Urbe Nostra ecclesia paroecialis Sacratissimo Cordi Iesu dicata, in qua, etsi non abhinc multos annos condita, eximii praesertim Praedecessoris Nostri Leonis PP. XIII iussu atque auspiciis, christifideles urbani, eorumdem Sodalium opera, adeo ad Dei cultum et virtutum laudem exercentur, ut ea vel cum antiquioribus paroeciis in honoris ac meritorum contentionem veniat. Ipsemet Salesianorum Sodalium fundator, venerabilis Ioannes Bosco, in nova Urbis regione, aere saluberrimo populoque confertissima, quae ad Gastrum Praetorium exstat, exaedificationem inchoavit istius templi, et, quasi illud erigeret ex gentis italicae voto et pietatis testimonio erga Sacratissimum Cor Iesu, stipem praecipue ex Italiae christifidelibus studiose conlegit; verumtamen pii homines ex ceteris nationibus non defuerunt, qui, in exstruendum perficiendumque templum istud, erga Ssmum Cor Iesu amore incensi, largam pecuniae vim contulerint. Anno autem MDCCCLXXXVII sacra ipsa aedes, secundum speciosam formam a Virginio Vespignani architecto delineatam, tandem perfecta ac sollemniter consecrata dedicataque est. Eamdem vero postea, magna cum sollertia, Sodales Salesianos non modo variis altaribus, imaginibus affabre depictis et statuis, omnique sacro cultui necessaria supellectili exornasse, verum etiam continentibus aedificiis iuventuti, ut tempora nostra postulant, rite instituendae ditasse, iure ac merito Praedecessores Nostri sunt” laetati, et Nos haud minore animi voluptate probamus. Quapropter cum dilectus filius Paulus Albera, hodiernus Piae Societatis sancti Francisci Salesii rector maior, nomine proprio ac religiosorum virorum quibus praeest, quo memorati templi Ssmi Cordi Iesu dicati maxime augeatur decus, eiusdem urbanae paroeciae fidelium fides et pietas foveatur, Nos supplex rogaverit, ut eidem templo dignitatem, titulum et privilegia Basilicae Minoris pro Nostra benignitate impertiri dignemur; Nos, ut magis magisque stimulos fidelibus ipsius paroeciae atque Urbis totius Nostrae ad Sacratissimum Cor Iesu impensius colendum atque adamandum addamus, nec non benevolentiam, qua Sodales Salesianos ob merita sua prosequimur, publice significemus, votis hisce piis annuendum ultro libenterque censemus. Quam ob rem, conlatis consiliis cum VV. FF. NN. S. R. E. Cardinalibus Congregationi Ss. Rituum praepositis, Motu proprio ac de certa scientia et matura deliberatione Nostris, deque apostolicae potestatis plenitudine, praesentium Litterarum tenore perpetuumque in modum, enunciatum templum Sacratissimo Cordi Iesu dicatum, in hac alma Urbe Nostra atque ad Castrum Praetorium situm, dignitate ac titulo Basilicae Minoris honestamus, cum omnibus et singulis honoribus, praerogativis, privilegiis, indultis quae aliis Minoribus Almae huius Urbis Basilicis de iure competunt. Decernentes praesentes Litteras firmas, validas atque efficaces semper exstare ac permanere, suosque integros effectus sortiri iugiter et obtinere, illisque ad quos pertinent nunc et in posterum plenissime suffragari; sicque rite iudicandum esse ac definiendum, irritumque ex nunc et inane fieri, si quidquam secus super his, a quovis, auctoritate qualibet, scienter sive ignoranter attentari contigerit. Non obstantibus contrariis quibuslibet.

            Datum Romae apud sanctum Petrum sub annulo Piscatoris, die XI februarii MCMXXI, Pontificatus Nostri anno septimo.
P. CARD. GASPARRI, a Secretis Status.

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A igreja paroquial do Santíssimo Coração de Jesus no Castelo Praetoriano, na cidade, é agraciada com o título e os privilégios de Basílica Menor.
Bento XV

            Para memória perpétua.
            A Pia Sociedade de São Francisco de Sales, fundada pelo venerável Servo de Deus João Bosco em Turim e hoje espalhada por diversas regiões do mundo, é amplamente conhecida por seus grandes méritos, não apenas pelo empenho ativo e diligente na formação religiosa e honesta de crianças órfãs, mas também pelo progresso da causa católica, tanto entre o povo cristão quanto entre os infiéis em missões longínquas e difíceis. Os membros dessa Sociedade também têm nesta nossa Alma Cidade a igreja paroquial dedicada ao Sacratíssimo Coração de Jesus, que, embora fundada há poucos anos, especialmente por ordem e sob os auspícios do nosso ilustre predecessor Leão XIII, é tão bem cuidada pelos fiéis urbanos e pelos mesmos membros, que sua prática do culto a Deus e louvor das virtudes rivaliza até com as paróquias mais antigas em honra e méritos. O próprio fundador dos membros salesianos, o venerável João Bosco, iniciou a construção deste templo na nova região da cidade, de ar muito saudável e povoada, que fica no Castelo Praetoriano, e, como se erguesse este edifício como um voto e testemunho de piedade do povo italiano ao Sacratíssimo Coração de Jesus, reuniu especialmente contribuições dos fiéis italianos; contudo, não faltaram homens piedosos de outras nações que, inflamados pelo amor ao Sacratíssimo Coração de Jesus, contribuíram generosamente para a construção e conclusão deste templo. No ano de 1887, o próprio edifício sagrado, segundo o belo projeto do arquiteto Virginio Vespignani, foi finalmente concluído, solenemente consagrado e dedicado. Posteriormente, com grande zelo, os membros salesianos não só ornamentaram a igreja com vários altares, imagens habilmente pintadas e estátuas, e todo o mobiliário necessário para o culto sagrado, mas também enriqueceram os edifícios anexos para a juventude, conforme as necessidades dos nossos tempos, para uma adequada formação, o que nossos predecessores aprovaram com justa alegria, e nós também aprovamos com não menor satisfação. Por isso, quando o amado filho Paulo Albera, atual reitor maior da Pia Sociedade de São Francisco de Sales, em seu próprio nome e em nome dos religiosos sob sua direção, suplicou para que, para maior honra do templo dedicado ao Santíssimo Coração de Jesus, fosse concedida a essa igreja paroquial urbana a dignidade, o título e os privilégios de Basílica Menor, nós, para estimular ainda mais a fé dos paroquianos e de toda a nossa cidade a cultuar e amar intensamente o Sacratíssimo Coração de Jesus, e para manifestar publicamente a benevolência com que acompanhamos os membros salesianos por seus méritos, consentimos de bom grado a esses piedosos desejos. Por isso, após consultas com os Eminentíssimos Senhores Cardeais Prefeitos da Congregação dos Ritos Sagrados, por nosso próprio movimento, com pleno conhecimento e madura deliberação, e pela plenitude do poder apostólico, declaramos por meio destas presentes cartas que o templo dedicado ao Sacratíssimo Coração de Jesus, situado nesta nossa alma cidade e no Castelo Praetoriano, é honrado com a dignidade e o título de Basílica Menor, com todas as honras, prerrogativas, privilégios e indulgências que por direito competem às outras Basílicas Menores desta alma cidade. Determinamos que estas cartas sejam sempre firmes, válidas e eficazes, produzindo seus plenos efeitos continuamente, e que sejam plenamente apoiadas por todos a quem dizem respeito, agora e no futuro; e que seja julgado e decidido assim, e que qualquer tentativa contrária, por qualquer autoridade, consciente ou ignorante, seja desde já nula e sem efeito. Não obstante quaisquer disposições contrárias.

            Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o Anel do Pescador, no dia 11 de fevereiro de 1921, no sétimo ano do nosso pontificado.
P. CARD. GASPARRI, Secretário de Estado.




Mensagem do Padre Fábio Attard na festa do Reitor-Mor

Caríssimos irmãos, caríssimos colaboradores e colaboradoras das nossas Comunidades Educativo-Pastorais, caríssimos jovens,

            Permitam-me compartilhar com vocês esta mensagem que vem do fundo do meu coração. Eu a comunico com todo o carinho, apreço e respeito que tenho por cada um de vocês enquanto se empenham na missão de educadores, pastores e animadores dos jovens em todos os continentes.
            Todos nós sabemos que a educação dos jovens exige cada vez mais pessoas adultas significativas, pessoas com uma espinha dorsal moralmente sólida, capazes de transmitir esperança e visão para o futuro deles.
            Enquanto todos nós estamos comprometidos em caminhar com os jovens, acolhendo-os em nossas casas, oferecendo-lhes oportunidades educativas de todos os tipos e gêneros, na variedade de ambientes que promovemos, também estamos conscientes dos desafios culturais, sociais e econômicos que devemos enfrentar.
            Junto com esses desafios que fazem parte de todo processo educativo-pastoral, por se tratar sempre de um diálogo contínuo com as realidades terrenas, reconhecemos que, como consequência das situações de guerras e conflitos armados em várias partes do mundo, o chamado que vivemos está se tornando mais complexo e difícil. Tudo isso afeta o compromisso que estamos levando adiante. É encorajador ver que, apesar das dificuldades que enfrentamos, estamos determinados a continuar vivendo a nossa missão com convicção.
            Nestes últimos meses, a mensagem do Papa Francisco e agora a palavra do Papa Leão XIV têm convidado continuamente o mundo a encarar essa dolorosa situação que parece uma espiral que cresce de forma assustadora. Sabemos que as guerras nunca produzem paz. Estamos conscientes, e alguns de nós o estão vivendo na linha de frente, que todo conflito armado e toda guerra trazem sofrimento, dor e aumentam todo tipo de pobreza. Todos nós sabemos que aqueles que acabam pagando o preço dessas situações são os deslocados, os idosos, as crianças e os jovens que se encontram sem presente e sem futuro.
            Por esse motivo, queridos irmãos, queridos colaboradores e jovens do mundo todo, gostaria de pedir gentilmente que, para a festa do Reitor-Mor, que é uma tradição que remonta aos tempos de Dom Bosco, cada comunidade celebre a Santa Eucaristia pela paz ao redor do dia da festa do Reitor-Mor.
            É um convite à oração que tem a sua fonte no sacrifício de Cristo, crucificado e ressuscitado. Uma oração como testemunho para que ninguém permaneça indiferente diante de uma situação mundial abalada por um número crescente de conflitos.
            Este nosso é um gesto de solidariedade para com todos aqueles, especialmente salesianos, leigos e jovens, que neste momento particular, com grande coragem e determinação, continuam a viver a missão salesiana em meio a situações marcadas por guerras. São salesianos, leigos e jovens que pedem e valorizam a solidariedade de toda a Congregação, solidariedade humana, solidariedade espiritual, solidariedade carismática.
            Enquanto de minha parte e de todo o Conselho Geral estamos fazendo o que é possível para estar muito próximos de todos de forma concreta, acredito que neste momento particular deve ser dado esse sinal de proximidade e encorajamento por parte de toda a Congregação.
            A vocês, queridos irmãos e queridas irmãs em Myanmar, Ucrânia, Oriente Médio, Etiópia, Leste da República Democrática do Congo, Nigéria, Haiti e América Central, queremos dizer em voz alta que estamos com vocês. Agradecemos o seu testemunho. Asseguramos a nossa proximidade humana e espiritual.
            Continuemos a rezar pelo dom da paz. Continuemos a rezar por esses nossos irmãos, leigos e jovens que, vivendo em situações muito difíceis, continuam a esperar e a rezar para que surja a paz. O exemplo deles, a doação de si mesmos e a sua pertença ao carisma de Dom Bosco, é para nós um testemunho forte. Eles, junto com muitas pessoas consagradas, sacerdotes e leigos comprometidos, são os mártires modernos, ou seja, testemunhas da educação e da evangelização, que apesar de tudo, como verdadeiros pastores e ministros da caridade evangélica, continuam a amar, acreditar e esperar por um futuro melhor.
            Todos nós assumimos com todo o nosso coração este chamado à solidariedade. Obrigado.

Prot. 25/0243 Roma, 24 de junho de 2025
don Fabio ATTARD,
Reitor-Mor

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Dom Bosco e as procissões eucarísticas

Um aspecto pouco conhecido, mas importante, do carisma de São João Bosco são as procissões eucarísticas. Para o santo dos jovens, a Eucaristia não era apenas uma devoção pessoal, mas uma ferramenta pedagógica e um testemunho público. Em uma Turim em transformação, Dom Bosco viu nas procissões uma oportunidade para fortalecer a fé dos jovens e anunciar Cristo nas ruas. A experiência salesiana, que se espalhou pelo mundo, mostra como a fé pode se encarnar na cultura e responder aos desafios sociais. Ainda hoje, vividas com autenticidade e abertura, essas procissões podem se tornar sinais proféticos de fé.

Quando se fala de São João Bosco (1815-1888), pensa-se imediatamente em seus oratórios populares, na paixão educativa pelos jovens e na família salesiana nascida de seu carisma. Menos conhecido, mas não menos decisivo, é o papel que a devoção eucarística — e em particular as procissões eucarísticas — teve em sua obra. Para Dom Bosco, a Eucaristia não era apenas o coração da vida interior; constituía também uma poderosa ferramenta pedagógica e um sinal público de renovação social em uma Turim em rápida transformação industrial. Revisitar a ligação entre o santo dos jovens e as procissões com o Santíssimo significa entrar em um laboratório pastoral onde liturgia, catequese, educação cívica e promoção humana se entrelaçam de maneira original e, por vezes, surpreendente.

As procissões eucarísticas no contexto do século XIX
Para compreender Dom Bosco, é preciso lembrar que o século XIX italiano viveu um intenso debate sobre o papel público da religião. Após a época napoleônica e o movimento do “Ressurgimento” [Unificação], as manifestações religiosas nas ruas das cidades não eram mais garantidas: em muitas regiões, delineava-se um estado liberal que olhava com desconfiança qualquer expressão pública do catolicismo, temendo aglomerações em massa ou ressurgimentos “reacionários”. As procissões eucarísticas, no entanto, mantinham uma força simbólica muito poderosa: lembravam o senhorio de Cristo sobre toda a realidade e, ao mesmo tempo, faziam emergir uma Igreja popular, visível e encarnada nos bairros. Contra esse pano de fundo, destaca-se a obstinação de Dom Bosco, que nunca desistiu de acompanhar seus jovens no testemunho da fé fora dos muros do oratório, fossem as avenidas de Valdocco ou as áreas rurais ao redor.

Desde os anos de formação no seminário de Chieri, João Bosco desenvolveu uma sensibilidade eucarística de sabor “missionário”. As crônicas contam que ele frequentemente parava na capela, após as aulas, para longas orações diante do sacrário. Nas “Memórias do Oratório”, ele mesmo reconhece ter aprendido com seu diretor espiritual, o P. Cafasso, o valor de “fazer-se pão” para os outros: contemplar Jesus que se doa na Hóstia significava, para ele, aprender a lógica do amor gratuito. Essa linha atravessa toda a sua trajetória: “Mantenham-se amigos de Jesus sacramentado e Maria Auxiliadora”, repetia aos jovens, indicando a comunhão frequente e a adoração silenciosa como pilares de um caminho de santidade laical e cotidiana.

O oratório de Valdocco e as primeiras procissões internas
Nos primeiros anos da década de 1840, o oratório de Turim ainda não possuía uma igreja propriamente dita. As celebrações aconteciam em barracas de madeira ou pátios adaptados. Dom Bosco, no entanto, não desistiu de organizar pequenas procissões internas, quase “ensaios gerais” daquilo que se tornaria uma prática estável. Os jovens carregavam velas e estandartes, cantavam louvores marianos e, ao final, paravam ao redor de um altar improvisado para a bênção eucarística. Essas primeiras tentativas tinham uma função eminentemente pedagógica: acostumar os jovens a uma participação devota, mas alegre, unindo disciplina e espontaneidade. Na Turim operária, onde muitas vezes a miséria desembocava em violência, desfilar ordenadamente com o lenço vermelho no pescoço já era um sinal contra a corrente: mostrava que a fé podia educar ao respeito por si mesmo e pelos outros.

Dom Bosco sabia muito bem que uma procissão não se improvisa: são necessários sinais, cantos, gestos que falem ao coração antes mesmo da mente. Por isso, ele cuidava pessoalmente da explicação dos símbolos. O baldaquino tornava-se a imagem da tenda da congregação, sinal da presença divina que acompanha o povo em caminhada. As flores espalhadas pelo percurso lembravam a beleza das virtudes cristãs que devem adornar a alma. Os lampiões, indispensáveis nas saídas noturnas, aludiam à luz da fé que ilumina as trevas do pecado. Cada elemento era objeto de uma pequena “pregação” convivencial no refeitório ou na recreação, de modo que a preparação logística se entrelaçasse com a catequese sistemática. O resultado? Para os jovens, a procissão não era um dever ritual, mas uma ocasião festiva carregada de significado.

Um dos aspectos mais característicos das procissões salesianas era a presença da banda formada pelos próprios alunos. Dom Bosco considerava a música um antídoto contra o ócio e, ao mesmo tempo, uma poderosa ferramenta de evangelização: “Uma marcha alegre bem executada — escrevia — atrai as pessoas como o ímã atrai o ferro”. A banda precedia o Santíssimo, alternando peças sacras com árias populares adaptadas com textos religiosos. Esse “diálogo” entre fé e cultura popular reduzia as distâncias com os transeuntes e criava ao redor da procissão uma aura de festa compartilhada. Não poucos cronistas leigos testemunharam ter sido “intrigados” por aquele grupo de jovens músicos disciplinados, tão diferente das bandas militares ou filarmônicas da época.

Procissões como resposta às crises sociais
A Turim do século XIX conheceu epidemias de cólera (1854 e 1865), greves, fomes e tensões anticlericais. Dom Bosco reagiu frequentemente propondo procissões extraordinárias de reparação ou súplica. Durante a cólera de 1854, levou os jovens pelas ruas mais afetadas, recitando em voz alta as ladainhas pelos enfermos e distribuindo pão e remédios. Nesse momento nasceu a promessa — depois cumprida — de construir a igreja de Maria Auxiliadora: “Se Nossa Senhora salvar meus jovens, lhe erguerei um templo”. As autoridades civis, inicialmente contrárias a cortejos religiosos por medo de contágio, tiveram que reconhecer a eficácia da rede de assistência salesiana, alimentada espiritualmente justamente pelas procissões. A Eucaristia, levada entre os doentes, tornava-se assim um sinal tangível da compaixão cristã.

Ao contrário de certos modelos devocionais fechados nas sacristias, as procissões de Dom Bosco reivindicavam um direito de cidadania da fé no espaço público. Não se tratava de “ocupar” as ruas, mas de devolvê-las à sua vocação comunitária. Passar sob as varandas, atravessar praças e pórticos significava lembrar que a cidade não é apenas lugar de troca econômica ou de confronto político, mas sim de encontro fraterno. Por isso, Dom Bosco insistia em uma ordem impecável: capas escovadas, sapatos limpos, filas regulares. Queria que a imagem da procissão comunicasse beleza e dignidade, persuadindo até os observadores mais céticos de que a proposta cristã elevava a pessoa.

A herança salesiana das procissões
Após a morte de Dom Bosco, seus filhos espirituais difundiram a prática das procissões eucarísticas pelo mundo todo: das escolas agrícolas da Emília às missões da Patagônia, dos colégios asiáticos aos bairros operários de Bruxelas. O que importava não era duplicar servilmente um rito piemontês, mas transmitir o núcleo pedagógico: protagonismo juvenil, catequese simbólica, abertura à sociedade ao redor. Assim, na América Latina, os salesianos inseriram danças tradicionais no início do cortejo; na Índia adotaram tapetes de flores segundo a arte local; na África subsaariana alternaram cantos gregorianos a ritmos polifônicos tribais. A Eucaristia tornava-se ponte entre culturas, realizando o sonho de Dom Bosco de “fazer de todos os povos uma única família”.

Sob o ponto de vista teológico, as procissões de Dom Bosco incorporam uma forte visão da presença real de Cristo. Levar o Santíssimo “para fora” significa proclamar que o Verbo não se fez carne para ficar trancado, mas para “armar sua tenda no meio de nós” (cf. Jo 1,14). Essa presença pede para ser anunciada em formas compreensíveis, sem se reduzir a um gesto intimista. Em Dom Bosco, a dinâmica centrípeta da adoração (reunir os corações em torno da Hóstia) gera uma dinâmica centrífuga: os jovens, nutridos no altar, sentem-se enviados a servir. Da procissão surgem microcompromissos: assistir um companheiro doente, pacificar uma briga, estudar com mais diligência. A Eucaristia se prolonga nas “procissões invisíveis” da caridade cotidiana.

Hoje, em contextos secularizados ou multirreligiosos, as procissões eucarísticas podem levantar questionamentos: ainda são comunicativas? Não correm o risco de parecer folclore nostálgico? A experiência de Dom Bosco sugere que a chave está na qualidade relacional mais do que na quantidade de incenso ou paramentos. Uma procissão que envolve famílias, explica os símbolos, integra linguagens artísticas contemporâneas e, sobretudo, se conecta a gestos concretos de solidariedade, mantém uma surpreendente força profética. O recente Sínodo dos Jovens (2018) ressaltou várias vezes a importância de “sair” e “mostrar a fé com a carne”. A tradição salesiana, com sua liturgia itinerante, oferece um paradigma já testado de “Igreja em saída”.

As procissões eucarísticas não eram para Dom Bosco simples tradições litúrgicas, mas verdadeiros atos educativos, espirituais e sociais. Elas representavam uma síntese entre fé vivida, comunidade educativa e testemunho público. Através delas, Dom Bosco formava jovens capazes de adorar, respeitar, servir e testemunhar.
Hoje, em um mundo fragmentado e distraído, resgatar o valor das procissões eucarísticas à luz do carisma salesiano pode ser uma maneira eficaz de reencontrar o sentido do essencial: Cristo presente no meio do seu povo, que caminha com ele, o adora, serve e anuncia.
Em uma época que busca autenticidade, visibilidade e relações, a procissão eucarística – se vivida segundo o espírito de Dom Bosco – pode ser um sinal poderoso de esperança e renovação.

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Santa Páscoa da Ressurreição 2025!

Mas Pedro se levantou e correu ao sepulcro; e, abaixando-se, viu apenas os lençóis; e retirou-se para casa, maravilhado do que havia acontecido.” (Lc 24,12)

Para contemplar o Senhor Ressuscitado, não bastam nossos olhos humanos, é preciso a luz da fé. Que esta fé, iluminada e fortalecida pela alegria da Ressurreição que celebramos nesta Santa Páscoa de 2025, guie sempre o vosso caminho na vida terrena rumo à pátria do Céu.

Cristo ressuscitou!