A educação familiar
Ao lado do “sentimento pela criança”, o século XV viu o desenvolvimento de um sentimento pela família, que era pouco evidente na Idade Média, quando se dava prioridade às relações com a massa do povo, deixando pouco espaço para a intimidade e a vida privada. Por outro lado, assiste-se a uma reavaliação do casamento e da família em detrimento do celibato eclesiástico e monástico. Para os humanistas e reformadores, essas realidades favoreciam muito a vida da sociedade e da Igreja. Lutero e Calvino, não satisfeitos em denunciar o celibato de monges e sacerdotes como causa de imoralidade e hipocrisia, incentivaram o casamento para todos.
São Francisco de Sales, embora mantivesse a tradição do celibato religioso e sua superioridade evangélica, não deixou de ir além das convenções sociais da época. A maior parte de suas cartas de direção espiritual são dirigidas a homens e mulheres casados. Em sua Introdução à vida devota, escreveu dois capítulos de inegável originalidade em relação a toda a literatura espiritual do passado. Um contém “conselhos para pessoas casadas”, o outro trata da “honestidade da cama conjugal”.
O casamento é uma vocação
O casamento é um “vínculo humano pelo qual coração, corpo e bens se comunicam mutuamente”. Depois de afirmar com firmeza que o casamento é “honrável por todos, em todos e para todos, ou seja, em todas as suas partes”, o autor da Filoteia explica: “Por todos, porque até os virgens devem honrá-lo com humildade; em todos, porque é igualmente santo entre pobres e ricos; para todos, porque são santos sua origem, seu fim, seus usos, sua forma e sua matéria”.
Ele não só considerava o casamento um grande sacramento da Igreja e o “berço do cristianismo”, mas também declarava que “a conservação do bem do casamento é extremamente importante para a república”. Destinado ao casamento pelo pai, Franisco de Sales o havia recusado, segundo a mãe de Chaugy, “não por desprezo ao casamento, que honrava perfeitamente como sacramento, mas por um certo ardor interior e espiritual que o impulsionava a dedicar-se totalmente ao serviço da Igreja, e a ser tudo para Deus sem ter um coração dividido”.
A dignidade do casamento exigia que o jovem, e sobretudo a jovem, fossem livres para escolher seu próprio “partido”? Na época, a questão não era tão clara e as práticas variavam. Persistiam antigas tradições, especialmente entre os nobres, onde as filhas eram frequentemente prometidas em tenra idade e o marido, muito mais velho, exercia uma autoridade indiscutível sobre o casal. Isso não significa que tudo fosse ruim, como podemos ver no caso dos pais de Francisco de Sales. Em outros lugares também se observava certa evolução da moral: os jovens casavam-se mais cedo e, consequentemente, exerciam maior liberdade.
Uma das contribuições mais significativas de Francisco de Sales foi ajudar os cônjuges a perceber que sua condição de vida é uma vocação. Ele mesmo escreveu à Filoteia, que era casada, a respeito do casamento: “Se todos devem honrá-lo, honre-o muito especialmente você que por vocação está nele”. Como o casamento é uma vocação, seu objetivo é a santidade dos cônjuges. “Você caminhará nessa vocação”, escreveu a uma jovem que acabara de se casar, “encontrará muita consolação nela e se tornará muito santa no final”.
O casamento é uma vocação porque envolve, antes de tudo, um dom e depois um chamado, uma responsabilidade. É isso que o autor da Introdução quer transmitir às pessoas casadas quando lhes diz: “Foi Deus, meus amigos, que com sua mão invisível apertou o nó sagrado do seu casamento e os deu um ao outro; por que vocês não se amam com um amor todo santo, todo sagrado, todo divino?” Ele também escreveu a uma jovem que acabara de se casar: “Ame ternamente seu marido, como se ele tivesse sido dado a você pela própria mão de Nosso Senhor”.
O amor no casamento
Francisco de Sales era um defensor do casamento por amor em sua época. Rabelais e Montaigne, que exaltavam os sentimentos paternos, prestavam pouca atenção ao amor entre cônjuges. O casamento era frequentemente considerado incompatível com o amor, confundido com o amor-paixão, e a conclusão lógica era que se tratava apenas de uma instituição necessária para a sociedade. Para Francisco de Sales, o amor mútuo deveria ser a característica principal, com seus dois corolários de “união indissolúvel” dos corações e “fidelidade inviolável de um ao outro”.
Na Introdução, o autor exorta os cônjuges a aumentarem cada vez mais seu “amor mútuo”. Define logo o amor dos cônjuges como uma amizade recíproca na qual se pratica “a comunicação da vida, dos bens, dos afetos e da fidelidade indissolúvel”. Não devem faltar gestos de afeto. O modelo é o grande São Luís, que “era quase repreendido por ser abundante nessas carícias”.
No entanto, as qualidades do amor são diferentes para homens e mulheres. Os maridos devem amar suas esposas “ternamente, constantemente e cordialmente”, enquanto as esposas devem amar seus maridos “ternamente, cordialmente, mas com um amor respeitoso e reverente”. Francisco de Sales admirava as pessoas casadas que viviam “tão docemente juntas com respeito mútuo, que não pode existir sem uma grande caridade”.
Quanto ao sacramento, é uma ajuda poderosa contra a volubilidade de nossas resoluções. Quantos casamentos veríamos dissolver-se, exclamou, “se não fossem fortalecidos pelo sacramento que impede a variação desse tipo de vida! Com surpreendente realismo, dizia também: “Um homem que viveu em paz com sua esposa por toda a vida, se pudesse trocá-la, o teria feito uma dúzia de vezes”. De fato, “essa inconstância do espírito humano é extravagante, mas deve ser contida com a força de nossas primeiras resoluções”.
Embora defendesse a autoridade dos homens dentro da família, o bispo de Genebra estava bem ciente de que eles podiam abusar dela. Com uma doce ironia sobre as pretensões masculinas, recomenda à mulher compreensão e indulgência: “Meu Deus, que bom pai temos e que ótimo marido vocês têm! Ai de mim, eles são um pouco ciumentos de seu império e domínio, que lhes parece um pouco violado quando se faz algo sem sua autoridade e comando. O que você quer, devem permitir essa pequena humanidade”.
Deve-se dizer que essa “pequena humanidade” era comum nas famílias; daí essa observação um pouco desencantada, mas boa para consolar uma viúva: “É verdade, sem dúvida, que é de grande ajuda ter um bom marido; mas há poucos, e por mais que você tenha um bom, recebe mais submissão do que assistência.
O casamento é uma escola
“Entre espinhos ou entre flores”, escreveu a Joana de Chantal, que era uma mulher felizmente casada antes de sofrer a tragédia e a solidão, “Deus nos faz ganhar na sua escola”. Tudo começa com uma “mudança de condição” e um novo começo que deve gerar gratidão e confiança. O casamento é um dom, mas um dom a ser cultivado: “Devemos, portanto, cultivar com muito cuidado esse coração amado”, escreveu a uma jovem esposa, “e não poupar nada que possa ser útil para sua felicidade”. Para proteger e promover “o progresso do casamento deles” e “santificá-lo cada vez mais com amizade e fidelidade recíproca”, dava aos cônjuges conselhos adequados à sua situação.
Em primeiro lugar, Francisco de Sales ensinava que as pessoas casadas devem amar seu estado de vida: “Devemos amar o que Deus ama: ele ama nossa vocação; amemo-la bem também e não nos divirtamos pensando na dos outros”. Muitas vezes percebemos que todos gostariam de mudar sua condição: “quem é casado gostaria de não ser, e quem não é gostaria de ser”. E o bispo de Genebra perguntava-se: “De onde vem essa inquietação geral das almas, senão de certo descontentamento pelas restrições e de uma malícia de espírito que nos faz pensar que todos são melhores do que nós? Como sempre, me vem à mente uma comparação: “Quem tem febre não consegue encontrar um bom lugar; não passou um quarto de hora numa cama quando gostaria de estar em outra: não é a cama que pode fazer isso, é a febre que o atormenta em qualquer lugar”. A conclusão é evidente: “Quem não tem a febre da própria vontade se contenta com tudo; contanto que sirva a Deus, não importa em que veste Deus o empregue. Contanto que faça a vontade de Deus, para ele é o mesmo.
Como poucos escritores espirituais antes dele, Francisco de Sales ousa falar de “comércio nupcial”, “prazeres carnais” e “cama nupcial”. Para isso, usa uma comparação tradicional, delicada mas transparente. Senta-se à mesa, explica, não apenas “para nutrir e conservar a pessoa”, mas também “pelo dever de conversa e condescendência recíproca que devemos uns aos outros”. As duas coisas a evitar são o excesso, que consiste em “comer demais”, e o desequilíbrio “na maneira e no modo de comer”.
Quando o casal estava em crise, ele apelava não apenas para a vontade de Deus, mas também para o dever e a razão. A uma mulher desgostosa com as ações de um marido “dissipador e despreocupado”, deu conselhos de sabedoria e prudência: “Disse-lhe que podia falar com força e resolução, nas ocasiões em que fosse necessário, para manter a pessoa que conhecia no dever, mas que a força era mais forte quando era calma e quando nascia da razão, sem mistura de paixão”.
Ele aconselhava maridos e esposas a ajudarem-se mutuamente na vida espiritual, caso contrário o homem se torna “um animal severo, áspero e duro”, e a mulher sem devoção “é muito frágil e propensa a decair ou a enfraquecer na virtude”. Pelo contrário, que bênção é quando o homem e a mulher “se santificam mutuamente no verdadeiro temor do Senhor!
Os pais são os “cooperadores” de Deus
A concepção e o nascimento de um filho são dons maravilhosos que tornam os cônjuges “cooperadores numa tarefa tão digna”. Francisco de Sales chegou a compor uma oração especial – que se dizia repetir frequentemente – para aqueles que estavam impossibilitados de “consumar” o casamento. Tratava-se, na verdade, de um exorcismo, porque se pensava que a impotência e a esterilidade eram causadas pelo diabo e por feitiços malignos.
O amor dos pais deveria servir de modelo para todos aqueles que são responsáveis pelos outros, aos quais deveríamos desejar “o coração dos pais, sólido, firme e constante, sem esquecer a ternura das mães que fazem os filhos desejarem os doces, segundo a ordem divina que governa tudo com uma força toda doce e uma suavidade toda forte”.
Existe uma espécie de amor imitativo entre pais e filhos: “Os pais amam bem seus filhos, mas sobretudo quando estes se parecem com eles ou com algum antecessor deles; olham-nos como num espelho e divertem-se ao vê-los retratar seus modos, seus rostos e suas feições”. O amor das mães pelos filhos é surpreendente, especialmente nos momentos de perigo. O instinto certamente desempenha um papel importante. A galinha é um animal sem coragem e generosidade até se tornar mãe, mas quando o é “tem um coração de leão, sempre com a cabeça erguida, sempre com os olhos esgazeados, sempre girando o olhar para todos os lados, enquanto houver aparência de perigo para seus filhotes”.
Também Francisco de Sales sentia em si “os impulsos do amor paterno” quando cuidava de seu “filho”, o duque de Bellegarde. Para demonstrar sua constante preocupação pelo filho, uma vez lhe escreveu que “os bons filhos pensam frequentemente em seus pais; mas não é frequentemente, é sempre, que os pais têm seu espírito nos filhos”. Se um pai se comporta de maneira diferente com o filho mais velho, “um homem adulto, um soldado corajoso e generoso”, e com o mais novo, “um pequeno querido que ainda é uma criança, com boa graça”, isso não significa que ame menos o primeiro do que o segundo. Seu amor se expressa de uma forma que se adapta a cada pessoa.
Quanto à responsabilidade dos pais na educação, para Francisco de Sales era claro que seu fundamento era a religião, em termos bíblicos o temor de Deus. Daí esta recomendação urgente: “Quando as crianças vêm ao mundo e começam a usar a razão, os pais e as mães devem ter muito cuidado em incutir em seus corações o temor de Deus”.
Os pais têm uma grande responsabilidade na educação, a ponto de sua falta poder ser sua própria ruína. Em um sermão severo, ele os adverte: “Pecam se riem ao ver seus filhos se entregarem à linguagem ruim, aos piores começos da vaidade”. Há pais que, por um amor mal compreendido pelos filhos, estão dispostos a gastar todo tipo de dinheiro para eles, mas não têm “nada para educá-los nas letras e nos bons costumes”. Por fim, o amor dos pais também pode se tornar “amor desordenado” quando impedem os filhos de se tornarem sacerdotes ou de entrar na vida religiosa.
A criança é a “imagem viva” dos pais
A criança é o “penhor precioso” do casamento e a “imagem viva” do pai e da mãe. Embora sejam herdeiros dos pais, não são antes de tudo herdeiros em sentido material. Falando à viúva do falecido duque de Mercœur, Francisco de Sales disse de sua filha que ela era “a legítima herdeira de suas virtudes, que ele deixou aos seus cuidados, senhora, para que as cultivasse através da educação nobre e cristã que lhe reservou”.
A primeira virtude das crianças é a obediência. Sua obediência é fonte de alegria para os pais, porque “todos conhecem a satisfação que os pais recebem da obediência que os filhos lhes demonstram, e quanto mais os filhos se mostram submissos e obedientes aos seus desejos, mais eles sentem prazer em amá-los”. Mas “um filho bem nascido não obedece ao pai pelo poder que ele tem de punir sua desobediência, nem porque pode deserdá-lo, mas simplesmente porque ele é seu pai”.
O contraponto da obediência é a confiança filial que os filhos têm em relação aos pais. Isso é ilustrado pela alegoria da filha do cirurgião. Quando estava doente, não pensava no tratamento doloroso que lhe estava sendo aplicado, mas confiava completamente nos cuidados do pai, dizendo simplesmente: “Meu pai me ama, e eu sou toda dele”.
À medida que as crianças se tornavam adolescentes e jovens, as recomendações do bispo de Genebra tornavam-se mais insistentes e exigentes. Aos jovens, disse em um sermão sobre o tema da cruz que cada um de nós deve carregar, “confio a cruz da obediência, da castidade e da moderação em seu comportamento, uma cruz salutar que crucifica os impulsos ardentes de um sangue jovem que começa a ferver e de uma coragem que ainda não tem a prudência como guia”. A essas virtudes deve-se acrescentar a piedade filial, da qual as cegonhas são um maravilhoso modelo, porque “carregam consigo seus velhos pais e suas velhas mães, como quando ainda eram jovens seus pais e suas mães os carregavam na mesma ocasião”.
A união da família
Em seu livro sobre Saint François de Sales et notre cœur de chair [São Francisco de Sales e nosso coração de carne], Henry Bordeaux escreveu com razão: “É difícil imaginar um São Francisco de Sales que não venha de uma família numerosa e unida, que não tenha experimentado a ternura legítima do coração. Seria um santo diferente, não seria o consolador inteligente, o pai docemente autoritário, o restaurador do espírito familiar, o médico das feridas ocultas”.
A união familiar é muito facilitada pelos laços naturais de sangue e parentesco, mas isso não basta. De fato, “quando a união é natural, produz amor, e o amor que produz nos leva a uma nova união voluntária que aperfeiçoa a natural”.
Durante uma de suas estadias em Sales, Francisco ficou tão impressionado com a harmonia que reinava naquele lugar que sentiu o desejo de falar sobre isso à sua filha espiritual. Em uma carta a Joana de Chantal, escreveu: “Você ficaria feliz em ver uma harmonia tão estreita entre coisas que geralmente são tão discordantes: sogra, nora, cunhada, irmãos e cunhados. Entre todos esses, minha verdadeira filha, posso assegurar-lhe, para a glória de Deus, que aqui há um só coração e uma só alma”.
Os desentendimentos na família frequentemente surgiam por questões de herança. Quando, em 1608, a propriedade do Senhor de Boisy foi dividida entre seus filhos, havia o risco concreto de que o pai deixasse a primeira escolha ao mais jovem Bernard e que os filhos mais velhos se sentissem prejudicados. Francisco ficou muito aliviado ao ver que tudo ocorreu de forma amigável e harmoniosa.
Em caso de conflito entre marido e mulher, “o apoio mútuo deve ser tão grande que os dois nunca se amarguem juntos”. Com tenacidade, Francisco de Sales ensinava a superar as repugnâncias, a permanecer “no barco em que estamos” e a ficar aí “doce e voluntariamente”. Suas recomendações mais insistentes dizem respeito ao apoio mútuo, à amizade fiel não interrompida por “amores estranhos”, à preocupação com a educação dos filhos, sem esquecer o bom exemplo a ser dado a toda a família.
Em última análise, é o amor que melhor resume tudo o que Francisco de Sales disse sobre o casamento e a família, mas um amor que é ao mesmo tempo realista e ideal. A educação nesse âmbito consistirá, portanto, em ajudar os jovens a captar todas as dimensões do que torna a família o coração da existência humana.