Dom José Malandrino e o Servo de Deus Nino Baglieri
Dom José Malandrino, IX bispo da diocese de Noto, retornou à Casa do Pai, no último dia 3 de agosto de 2025. Nesse dia se celebrava a festa da Padroeira da Diocese de Noto, Maria Scala del Paradiso [Maria, Escada do Paraíso]. Estava com 94 anos de idade, 70 anos de sacerdócio e 45 anos de consagração episcopal. São números respeitáveis para um homem que serviu a Igreja como Pastor com “o cheiro das ovelhas”, como o Papa Francisco costumava enfatizar.
Para-raios da humanidade Na experiência como pastor da Diocese de Noto (19.06.1998 – 15.07.2007), teve a oportunidade de cultivar a amizade com o Servo de Deus Nino Baglieri. Quase nunca faltava uma “parada” na casa de Nino quando motivos pastorais o levavam a Módica. Em seu testemunho, Dom Malandrino diz: “…encontrando-me ao lado de Nino, tinha a percepção viva de que este nosso amado irmão enfermo era verdadeiramente um ‘para-raios da humanidade’, segundo uma concepção dos sofredores que me é muito cara e que quis propor também na Carta Pastoral sobre a missão permanente ‘Sereis minhas testemunhas’ (2003).” Dom Malandrino escreve: “É necessário reconhecer nos doentes e sofredores o rosto de Cristo sofredor e assisti-los com o mesmo cuidado e amor de Jesus em sua paixão, vivida em espírito de obediência ao Pai e solidariedade aos irmãos.” Isso foi plenamente encarnado pela querida mãe de Nino, a senhora Peppina. Ela, típica mulher siciliana, com um caráter forte e muita determinação, respondeu ao médico que propôs a eutanásia para seu filho (dadas as graves condições de saúde e a perspectiva de uma vida de paralisia): “se o Senhor quiser, Ele o levará, mas se me deixá-lo assim, fico feliz em cuidar dele por toda a vida.” A mãe de Nino, naquele momento, estava consciente do que estava por vir? Maria, mãe de Jesus, estava consciente da dor que teria que sofrer pelo Filho de Deus? A resposta, vista com olhos humanos, parece não ser fácil, especialmente em nossa sociedade do século XXI, onde tudo é efêmero, flutuante, consumido num “instante”. O “Fiat” da mãe Peppina tornou-se, como o de Maria, um Sim de Fé e adesão àquela vontade de Deus que se cumpre no saber carregar a Cruz, no saber dar “alma e corpo” à realização do Plano de Deus.
Da dor à alegria A relação de amizade entre Nino e Dom Malandrino já estava iniciada quando este último ainda era bispo de Acireale; de fato, já em 1993, por meio do Padre Atílio Balbinot, um camiliano muito próximo a Nino, ele presenteou-o com seu primeiro livro: “Da dor à alegria”. Na experiência de Nino, a relação com o Bispo de sua diocese era uma relação de filiação total. Desde o momento em que aceitou o Plano de Deus para ele, fazia sentir sua presença “ativa” oferecendo seus sofrimentos pela Igreja, pelo Papa e pelos Bispos (bem como pelos sacerdotes e missionários). Essa relação de filiação era renovada anualmente no dia 6 de maio, data da queda vista depois como o início misterioso de um renascimento. No dia 8 de maio de 2004, poucos dias após celebrar o 36º aniversário da Cruz de Nino, Dom Malandrino foi à sua casa. Em memória daquele encontro, Nino escreveu em suas memórias: “é sempre uma grande alegria toda vez que o vejo e recebo muita força e energia para carregar minha Cruz e oferecê-la com tanto Amor pelas necessidades da Santa Igreja e, em particular, pelo meu Bispo e pela nossa Diocese; que o Senhor lhe conceda cada vez mais santidade para nos guiar por muitos anos sempre com mais ardor e amor…”. Ainda: “… a Cruz é pesada, mas o Senhor me concede muitas Graças que tornam o sofrimento menos amargo e a Cruz se torna leve e suave, a Cruz se faz Dom, oferecida ao Senhor com muito Amor pela salvação das almas e pela Conversão dos Pecadores…”. Por fim, é importante destacar que, nessas ocasiões de graça, nunca faltava o pedido insistente e constante de “ajuda para me tornar Santo com a Cruz de cada dia”. Nino, de fato, queria absolutamente se tornar santo.
Uma beatificação antecipada Momento de grande relevância foram, nesse sentido, as exéquias do Servo de Deus em 3 de março de 2007, quando justamente Dom Malandrino, no início da Celebração Eucarística, com devoção se inclinou, mesmo com dificuldade, para beijar o caixão que continha os restos mortais de Nino. Foi uma homenagem a um homem que viveu 39 anos de sua existência em um corpo que “não sentia”, mas que irradiava alegria de viver em 360 graus. Dom Malandrino ressaltou que a celebração da Missa, no pátio dos Salesianos que se tornou para a ocasião uma “catedral” a céu aberto, foi uma autêntica apoteose (milhares de pessoas participaram em lágrimas) e se percebia claramente e comunitariamente que não se tratava de um funeral, mas de uma verdadeira “beatificação”. Nino, com seu testemunho de vida, tornou-se um ponto de referência para muitos, jovens ou menos jovens, leigos ou consagrados, mães ou pais de família, que graças ao seu precioso testemunho conseguiam ler sua própria existência e encontrar respostas que não conseguiam achar em outro lugar. Dom Malandrino também enfatizou esse aspecto várias vezes: «de fato, cada encontro com o querido Nino foi para mim, como para todos, uma forte e viva experiência de edificação e – na sua doçura – um poderoso estímulo à doação paciente e generosa. A presença do Bispo lhe conferia imensa alegria porque, além do afeto do amigo que o visitava, ele percebia a comunhão eclesial. É óbvio que o que eu recebia dele era sempre muito mais do que aquele pouco que eu podia lhe dar». A “fixação” de Nino era “se tornar santo”: ter vivido e encarnado plenamente o evangelho da Alegria no Sofrimento, com seus padecimentos físicos e seu dom total para a amada Igreja, fez com que tudo não terminasse com sua partida para a Jerusalém do Céu, mas continuasse ainda, como ressaltou Dom Malandrino nas exéquias: “… a missão de Nino continua agora também através de seus escritos. Ele mesmo havia antecipado isso em seu Testamento espiritual”: “… meus escritos continuarão meu testemunho, continuarei a dar Alegria a todos e a falar do Grande Amor de Deus e das Maravilhas que Ele fez em minha vida”. Isso ainda está se cumprindo porque não pode ficar escondida “uma cidade situada sobre um monte e não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo do alqueire, mas no candelabro, para iluminar todos os que estão em casa” (Mateus 5,14-16). Metaforicamente, quer-se destacar que a “luz” (entendida em sentido amplo) deve ser visível, mais cedo ou mais tarde: o que é importante virá à luz e será reconhecido.
Relembrar nestes dias – marcados pela morte de Dom Malandrino, seus funerais em Acireale (5 de agosto, Madonna della Neve [Nossa Senhora da Neve]) e em Noto (7 de agosto) com sepultamento na sequência na catedral que ele mesmo desejou fortemente reformar após o desabamento de 13 de março de 1996 e que foi reaberta em março de 2007 (mês em que Nino Baglieri faleceu) – significa revisitar esse laço entre duas grandes figuras da Igreja de Noto, fortemente entrelaçadas e ambas capazes de deixar nela uma marca que não se apaga.
Roberto Chiaramonte
Os Cardeais Protetores da Sociedade Salesiana de São João Bosco
Desde o início, a Sociedade Salesiana teve, como muitas outras ordens religiosas, um cardeal protetor.Com o passar do tempo, até o Concílio Vaticano II, houve nove cardeais protetores, um papel de grande importância para o crescimento da Sociedade Salesiana.
A instituição de cardeais protetores para congregações religiosas é uma tradição antiga que remonta aos primeiros séculos da Igreja, quando o Papa nomeava defensores e representantes da fé. Com o passar do tempo, essa prática se estendeu às ordens religiosas, para as quais um cardeal foi designado com a tarefa de proteger seus direitos e prerrogativas junto à Santa Sé. A Sociedade Salesiana de São João Bosco também desfrutou desse favor, tendo vários cardeais para representá-la e protegê-la nas sedes eclesiais.
Origem da função de Cardeal Protetor O costume de ter um protetor remonta aos primeiros séculos do Império Romano, quando Rômulo, o fundador de Roma, criou duas ordens sociais: patrícios e plebeus. Cada plebeu podia eleger um patrício como protetor, estabelecendo um sistema de benefício mútuo entre as duas classes sociais. Essa prática também foi adotada posteriormente pela Igreja. Um dos exemplos mais antigos de um protetor eclesiástico é São Sebastião, nomeado pelo Papa Caio em 283 d.C. como defensor da Igreja de Roma.
No século XIII, a designação de protetores cardeais para ordens religiosas tornou-se uma prática estabelecida. São Francisco de Assis foi um dos primeiros a solicitar um cardeal protetor para sua ordem. Após uma visão em que seus frades estavam sendo atacados por aves de rapina, Francisco pediu ao Papa que designasse um cardeal como protetor deles. Inocêncio III concordou e nomeou o cardeal Ugolino Conti, sobrinho do papa. A partir de então, as ordens religiosas seguiram essa tradição para obter proteção e apoio em suas negociações com a Igreja.
Essa prática se espalhou quase como uma necessidade, já que as novas ordens mendicantes e itinerantes tinham um estilo de vida diferente daquele dos monges com residência fixa, bem conhecidos pelos bispos locais. As distâncias geográficas, os diferentes sistemas políticos dos locais em que as novas ordens religiosas operavam e as dificuldades de comunicação na época exigiam uma figura autorizada que conhecesse bem seus problemas e necessidades. Essa figura poderia representá-las na Cúria Romana, defender seus direitos e interesses e interceder junto à Santa Sé em caso de necessidade. O cardeal protetor não tinha jurisdição ordinária sobre as ordens religiosas; seu papel era o de um protetor benevolente, embora em circunstâncias específicas ele pudesse receber poderes delegados.
Essa prática também se estendia a outras ordens religiosas e, no caso da Sociedade Salesiana, os cardeais protetores desempenharam um papel crucial para garantir o reconhecimento e a proteção da jovem congregação, especialmente em seus primeiros anos, quando ela estava tentando se consolidar dentro da estrutura da Igreja Católica.
A escolha do cardeal protetor A relação entre Dom Bosco e a hierarquia eclesiástica era complexa, especialmente nos primeiros anos da fundação da congregação. Nem todos os cardeais e bispos viam com bons olhos o modelo educacional e pastoral proposto por Dom Bosco, em parte por causa de sua abordagem inovadora e em parte por causa de sua insistência em atender às classes mais pobres e desfavorecidas.
A escolha de um cardeal protetor não era aleatória, mas feita com muito cuidado. Normalmente, buscava-se um cardeal que estivesse familiarizado com a ordem ou que tivesse demonstrado interesse no tipo de trabalho realizado pela congregação. No caso dos salesianos, isso significava procurar cardeais que tivessem um foco especial em juventude, educação ou missões, já que essas eram as principais áreas de atividade da Sociedade. Naturalmente, a nomeação final dependia do Papa e da Secretaria de Estado.
O papel do Cardeal Protetor para os salesianos Para a Sociedade Salesiana, o Cardeal Protetor era uma figura-chave em sua interação com a Santa Sé, ajudando a mediar quaisquer disputas, garantindo a interpretação correta das regras canônicas e assegurando que as necessidades da ordem fossem compreendidas e respeitadas. Diferentemente de algumas congregações mais antigas, que já haviam estabelecido um forte relacionamento com as autoridades eclesiásticas, os salesianos, nascidos em uma era de rápidas mudanças sociais e religiosas, precisavam de um apoio significativo para enfrentar os desafios iniciais, tanto interna quanto externamente.
Um dos aspectos mais importantes do papel do Cardeal Protetor era sua capacidade de apoiar os salesianos em suas relações com o Papa e a Cúria. Esse papel de mediador e protetor proporcionou à congregação um canal direto com os escalões superiores da Igreja, permitindo que expressassem preocupações e solicitações que, de outra forma, poderiam ter sido ignoradas ou adiadas. O cardeal protetor também era responsável por garantir que a Sociedade Salesiana cumprisse as diretrizes do Papa e da Igreja, assegurando que sua missão permanecesse alinhada com os ensinamentos católicos.
Em uma de suas visitas a Roma, em fevereiro de 1875, Dom Bosco pediu ao Santo Padre Pio IX a graça de ter um cardeal protetor:
“Na mesma audiência, ele perguntou ao Papa se deveria, como as outras congregações religiosas, pedir um Cardeal Protetor.O Papa respondeu-lhe textualmente: – Enquanto eu estiver vivo, serei sempre seu Protetor e de sua Congregação” (MBp XI, 92).
No entanto, percebendo a necessidade de uma pessoa de referência que tivesse autoridade para realizar várias tarefas para a Sociedade Salesiana, em 1876 Dom Bosco voltou a pedir ao Papa um Cardeal Protetor:
“Tendo eu depois pedido que, para resolver nossos negócios eclesiásticos em Roma, indicasse para nós um Cardeal Protetor que defendesse nossas causas junto à Santa Sé, como têm todas as demais Ordens e Congregações, sorridente, disse-me: – Mas quantos protetores querem?Já não os têm até mais de um?– Fazendo-me entender: Quero ser o Cardeal Protetor de vocês; querem ainda outros?Ouvindo palavras tão bondosas, agradeci-lhe de todo o coração e lhe disse: “Santo Padre, quando diz isso, eu não procuro mais outro defensor”. (MBp XII, 192).
Depois dessa resposta satisfatória, Dom Bosco ainda obteve um Cardeal Protetor no mesmo ano de 1876:
“3º – Pedi um Cardeal Protetor para comunicar com Sua Santidade: a princípio parecia que queria ele mesmo ser nosso Protetor, mas quando lhe notei que o Cardeal Protetor era precisamente uma referência para os assuntos salesianos com Sua Santidade, pois não poderíamos tratar nas Sagradas Congregações porque elas estavam distantes, Sua Santidade precisamente teria sido de fato nosso Protetor; o Cardeal teria lidado com nossas coisas nos vários Dicastérios para relatá-las a Sua Santidade depois. – Neste sentido está bem, ele acrescentou, e vou comunicar tudo à Congregação dos Bispos e Regulares. – O cardeal é o Em.mo Oreglia, que será o protetor de nossas Missões, dos Cooperadores Salesianos, da Obra de Maria Auxiliadora, da Arquiconfraria dos devotos de Maria Auxiliadora e de toda a Congregação Salesiana para os assuntos que devem ser tratados em Roma na Santa Sé”. (MBp XIII, 440)
Dom Bosco mencionou esse cardeal em seu escrito “A mais bela flor do colégio apostólico, isto é, a eleição de Leão XIII” (pp. 193-194):
“XXVIII.Card.Luís Oreglia Luís Oreglia dos Barões de Santo Estêvão honra o Piemonte como o Cardeal Bilio, pois nasceu em Benevagienna, na diocese de Mondovì, em 9 de julho de 1828.Fez seus estudos teológicos em Turim sob a orientação de nossos competentes professores, que admiravam sua mente perspicaz e seu incansável amor pelo trabalho.Em seguida, foi para Roma, para a Academia Eclesiástica, onde completou com louvor sua educação religiosa e se dedicou ao estudo de idiomas, especialmente o alemão, no qual é excelente.Tendo entrado na Prelatura, foi nomeado, em 15 de abril de 1858, referendário da Assinatura Apostólica, e depois enviado como internúncio para Haia, na Holanda, de onde seguiu para Portugal, depois de ter sido nomeado arcebispo de Damiata, sucedendo nesse importante cargo diplomático o eminentíssimo cardeal Perrieri.Ele encontrou certas tradições de Pombal ainda vivas em Portugal, contra as quais lutou com grande inteligência e coragem.Por isso, não agradou muito aos governantes da época.E voltou a Roma e o Santo Padre, para mostrar que se deixou de representar a Santa Sé em Portugal não foi por nenhum demérito, criou-o e o fez Cardeal no Consistório de 22 de dezembro de 1873, dando-lhe o título de Santo Anastácio e nomeando-o Prefeito da Sagrada Congregação das Indulgências e Sagradas Relíquias.O Cardeal Oreglia acrescentou às nobres maneiras do cavalheiro as virtudes do sacerdote exemplar.Pio Nono sempre o estimou e amava sua conversa cheia de reserva e graça.Ele vai devagar para se dedicar a algum negócio, mas, quando fala uma palavra, não se importa com os trabalhos e problemas, desde que seja bem-sucedido.Ele é muito indulgente.O novo Pontífice o tem em alta consideração e o confirmou no cargo de prefeito da Sagrada Congregação de Indulgências e Sagradas Relíquias”.
O cardeal Luís Oreglia permaneceu como protetor dos salesianos de 1876 a 1878, embora já tivesse desempenhado essa tarefa informalmente antes de 1876.
Entretanto, oficialmente, o primeiro cardeal protetor dos salesianos foi Lourenço Nina, que ocupou esse cargo de 1879 a 1885. Leão XIII concordou com o pedido de Dom Bosco de ter um cardeal protetor para a Sociedade, e a notificação oficial veio após uma audiência em 29 de março de 1879:
“Seis dias depois desta audiência, por meio de um bilhete da Secretaria de Estado, assinado por Mons. Serafim Cretoni, Dom Bosco foi avisado oficialmente da nomeação do Protetor, nestes honrosos termos: «A Santidade de Nosso Senhor, querendo que a Congregação Salesiana, que dia a dia vai recebendo novos títulos de especial benevolência da Santa Sé por causa das obras de caridade e de fé, implantadas nas várias partes do mundo, tenha especial Protetor, dignou-se benignamente conferir esta função ao Sr.Cardeal Lourenço Nina, seu Secretário de Estado”. No tempo de Pio IX, o Card. Oreglia era o protetor, mas unicamente a título oficioso, pois esse Pontífice tinha reservado para si a proteção da Sociedade, necessitada de particular e paterna assistência em seus primórdios. Agora, ao invés, tinha o Protetor verdadeiro e próprio, como outras Congregações religiosas.A escolha não poderia ser de Prelado mais benévolo. Conhecendo Dom Bosco antes do Cardinalato, nutria para com ele enorme consideração e lhe era sinceramente afeiçoado.Solicitado por Dom Bosco para ser o protetor dos salesianos, mostrara-se muito disposto, dizendo-lhe: – “Não poderia oferecer-me para isso ao Santo Padre. Mas se o Santo Padre me diz, aceito já”.– Comprovou seu bem-querer quando o Beato lhe propôs que, tendo Sua Eminência muitos afazeres, lhe indicasse alguém para tratar do caso das Missões.O Cardeal respondeu: – Não, não; quero que nós mesmos tratemos disso diretamente; passe amanhã às quatro e meia e conversaremos melhor.É um milagre uma Congregação prosperar nestes tempos em meio a ruínas de outras, quando tudo se quereria destruir.– O Beato experimentou frequentes vezes o quanto lhe fosse útil tão afetuosa proteção.Tendo voltado a Turim e comunicado ao Capítulo Superior a designação pontifícia de Protetor, enviou ao Cardeal, em nome de toda a Congregação, carta de agradecimento, por ter-se dignado aceitar essa função, de homenagem muito cordial e de oração pelas Missões, e talvez também para os privilégios; é o que se pode deduzir da seguinte resposta de Sua Eminência”. (MBp XIV, 65-66)
De agora em diante, a Congregação Salesiana terá sempre um cardeal protetor com grande influência na Cúria Romana.
Além dessa figura oficial, sempre houve outros cardeais e altos prelados que, compreendendo a importância da educação, apoiaram os salesianos. Entre eles estão os cardeais Alexandre Barnabò (1801-1874), José Berardi (1810-1878), Caetano Alimonda (1818-1891), Luís Maria Bilio (1826-1884), Luís Galimberti (1836-1896), Augusto Silj (1846-1926) e muitos outros.
Elenco dos Protetores da Sociedade Salesiana de São João Bosco:
O último protetor dos salesianos foi o cardeal Bento Aloísio Masella, pois o papel dos protetores foi anulado pela Secretaria de Estado na época do Concílio Vaticano II, em 1964. Os protetores titulares permaneceram até sua morte e, com eles, o cargo que receberam também morreu.
Isso aconteceu porque, no contexto contemporâneo, o papel do cardeal protetor perdeu parte de sua relevância formal. A Igreja Católica passou por inúmeras reformas durante o século XX, e muitas das funções que antes eram delegadas aos cardeais protetores foram incorporadas às estruturas oficiais da Cúria Romana ou se tornaram obsoletas devido a mudanças na governança eclesiástica. Entretanto, mesmo que a figura do cardeal protetor não exista mais com as mesmas prerrogativas do passado, o conceito de proteção eclesiástica continua importante.
Hoje, os salesianos, como muitas outras congregações, mantêm um relacionamento próximo com a Santa Sé por meio de vários dicastérios e escritórios curiais, em particular o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Além disso, muitos cardeais continuam a apoiar pessoalmente a missão dos salesianos, mesmo sem o título formal de protetor. Essa proximidade e esse apoio continuam sendo essenciais para garantir que a missão salesiana continue a responder aos desafios do mundo contemporâneo, particularmente na educação dos jovens e nas missões.
A instituição de cardeais protetores para a Sociedade Salesiana foi um elemento crucial em seu crescimento e consolidação. Graças à proteção oferecida por essas eminentes figuras eclesiásticas, Dom Bosco e seus sucessores puderam levar adiante a missão salesiana com maior serenidade e segurança, sabendo que podiam contar com o apoio da Santa Sé. O trabalho dos cardeais protetores provou ser essencial não apenas para defender os direitos da congregação, mas também para favorecer sua expansão pelo mundo, ajudando a difundir o carisma de Dom Bosco e seu sistema educacional.
A vida conforme o espírito em Mamãe Margarida (2/2)
4. O êxodo para o sacerdócio do filho Desde o sonho dos nove anos de idade, quando ela é a única a intuir a vocação do filho, “quem sabe, talvez se torne padre”, ela é a mais convicta e tenaz defensora da vocação do filho, enfrentando humilhações e sacrifícios para isso: “Sua mãe, então, que queria sustentá-lo à custa de qualquer sacrifício, não hesitou em tomar a resolução de fazê-lo frequentar as escolas públicas de Chieri no ano seguinte. Ela então se preocupou em encontrar pessoas verdadeiramente cristãs com quem pudesse colocá-lo numa pensão”. Margarida seguiu discretamente o caminho vocacional e de formação de João, em meio a sérias dificuldades econômicas. Ela sempre o deixou livre em suas escolhas e de modo algum condicionou seu caminho rumo ao sacerdócio, mas quando o pároco tentou convencer Margarida de que João não deveria escolher a vida religiosa, para garantir sua segurança financeira e ajuda, ela imediatamente estendeu a mão para o filho e pronunciou palavras que permaneceriam gravadas no coração de Dom Bosco pelo resto de sua vida: “Só quero que você examine cuidadosamente o passo que deseja dar e depois siga sua vocação sem olhar para ninguém. O pároco queria que eu o dissuadisse dessa decisão, tendo em vista a necessidade que eu poderia ter no futuro de sua ajuda. Mas eu digo: não tenho nada a ver com essas coisas, porque Deus está em primeiro lugar. Não se preocupe comigo. Não quero nada de você; não espero nada de você. Pense bem: eu nasci na pobreza, vivi na pobreza, quero morrer na pobreza. De fato, eu lhe protesto. Se resolver se tornar um sacerdote secular e, por infortúnio, ficar rico, não irei visitá-lo uma única vez; na verdade, nunca mais colocarei os pés em sua casa. Lembre-se bem disso!”. Mas nessa jornada vocacional, ela não deixa de ser forte com o filho, lembrando-o, por ocasião de sua partida para o seminário em Chieri, das exigências da vida sacerdotal: “Meu filho, você vestiu o hábito sacerdotal; sinto toda a consolação que uma mãe pode sentir pela boa sorte do filho. Mas lembre-se de que não é o hábito que honra seu estado, é a prática da virtude. Se alguma vez chegar a duvidar de sua vocação, ah, por favor, não desonre esse hábito! Abandone-o rapidamente. Gosto mais de ter um pobre camponês do que um filho padre mas negligente em seus deveres”. Dom Bosco jamais esqueceria essas palavras de sua mãe, expressão da consciência de sua dignidade sacerdotal e fruto de uma vida profundamente reta e santa. No dia da Primeira Missa de Dom Bosco, Margarida mais uma vez se fez presente com palavras inspiradas pelo Espírito, expressando tanto o valor autêntico do ministério sacerdotal quanto a entrega total do filho à sua missão, sem qualquer pretensão ou pedido: “Você é padre; você reza a missa; daqui em diante você está mais perto de Jesus Cristo. Lembre-se, porém, de que começar a rezar a missa é começar a sofrer. Você não perceberá isso de imediato, mas pouco a pouco verá que sua mãe lhe disse a verdade. Tenho certeza de que rezará por mim todos os dias, esteja eu ainda viva ou já morta; isso é suficiente para mim. De agora em diante, pense apenas na salvação das almas e não pense mais em mim”. Ela renuncia completamente ao filho para oferecê-lo a serviço da Igreja. Mas, ao perdê-lo, ela o encontra novamente, compartilhando sua missão educativa e pastoral entre os jovens.
5. O êxodo dos Becchi para Valdocco Dom Bosco apreciou e reconheceu os grandes valores que havia herdado de sua família: a sabedoria camponesa, a astúcia sadia, o sentido do trabalho, a essencialidade das coisas, a diligência em ocupar-se, o otimismo pleno, a resiliência nos momentos de infortúnio, a capacidade de se recuperar depois das pancadas, a alegria sempre e em qualquer circunstância, o espírito de solidariedade, a fé viva, a verdade e a intensidade do afeto, o gosto pela acolhida e pela hospitalidade; todos os bens que havia encontrado em casa e que o haviam construído assim. Ele está tão marcado por essa experiência que, quando pensa em uma instituição educacional para seus filhos, não quer outro nome além de “lar” e define o espírito que deveria tê-la imprimido com a expressão “espírito de família”. E para dar a impressão certa, ele pediu à Mamãe Margarida, já velha e cansada, que deixasse a tranquilidade de sua casinha nas colinas para ir até a cidade e cuidar daqueles meninos recolhidos nas ruas, aqueles que lhe causariam muitas preocupações e tristezas. Mas ela vai para ajudar Dom Bosco e para ser uma mãe para aqueles que não têm mais família e afeto. Se João Bosco aprende na escola de Mamãe Margarida a arte de amar concretamente, generosamente, desinteressadamente e para com todos, sua mãe compartilhará a escolha do filho de dedicar sua vida à salvação dos jovens até o fim. Essa comunhão de espírito e de ação entre filho e mãe marca o início da obra salesiana, envolvendo muitas pessoas nessa aventura divina. Tendo atingido uma situação de paz, ela aceitou, já não tão jovem, deixar a vida tranquila e a segurança dos Becchi, para ir a Turim, numa área suburbana e numa casa despojada de tudo. Foi uma verdadeira mudança em sua vida!
Assim, Dom Bosco, depois de pensar e repensar como sair das dificuldades, foi falar com seu pároco em Castelnuovo, contando-lhe sua necessidade e seus temores. – O senhor tem sua mãe! O pároco respondeu sem hesitar: – O senhor tem sua mãe; faça com que ela o acompanhe a Turim. Dom Bosco, que havia previsto essa resposta, quis fazer algumas reflexões, mas o P. Cinzano respondeu: – Leve sua mãe com o senhor. Não encontrará ninguém mais adequada para o trabalho do que ela. Fique tranquilo, o senhor terá um anjo ao seu lado! Dom Bosco voltou para casa convencido das razões apresentadas pelo pároco. Entretanto, dois motivos ainda o impediam. O primeiro era a vida de privações e mudanças de hábitos a que sua mãe naturalmente teria de se submeter naquela nova posição. O segundo era a repugnância que sentia ao propor à mãe um cargo que a tornaria, de alguma forma, dependente dele. Para Dom Bosco, sua mãe era tudo e, com seu irmão José, ele estava acostumado a manter todos os seus desejos como lei inquestionável. Entretanto, depois de pensar e orar, vendo que não havia outra opção, ele concluiu: – Minha mãe é uma santa, então posso fazer-lhe essa proposta! Então, um dia, ele a chamou à parte e falou com ela: – Mamãe, decidi voltar a Turim entre meus queridos jovens. De agora em diante, como não ficarei mais no Refúgio, precisarei de alguém que me ajude; mas o lugar onde terei de morar em Valdocco, por causa de certas pessoas que moram perto dali, é muito arriscado e não me deixa tranquilo. Portanto, preciso ter ao meu lado uma proteção para tirar das pessoas mal-intencionadas todos os motivos de suspeita e fofoca. Somente a senhora poderia tirar todo o medo de mim; não gostaria de vir e ficar comigo? Diante dessa saída inesperada, a piedosa mulher ficou um pouco pensativa e depois respondeu: – Meu querido filho, você pode imaginar o quanto me custa deixar esta casa, seu irmão e outros entes queridos; mas se lhe parecer que tal coisa pode agradar ao Senhor, estou pronta para segui-lo. Dom Bosco lhe garantiu isso e, agradecendo-lhe, concluiu: – Vamos organizar as coisas e, depois da Festa dos Santos, partiremos. Margarida foi morar com o filho, não para ter uma vida mais cômoda e agradável, mas para compartilhar com ele as dificuldades e os sofrimentos de centenas de meninos pobres e abandonados; foi para lá, não atraída pela ganância do dinheiro, mas pelo amor a Deus e às almas, porque sabia que a parte do ministério sagrado que Dom Bosco assumira, longe de lhe dar recursos ou lucros, obrigava-o a gastar os próprios bens e também a pedir esmolas. Ela não parou; pelo contrário, admirando a coragem e o zelo do filho, sentiu-se ainda mais encorajada a ser sua companheira e imitadora, até a morte.
Margarida viveu no Oratório com o calor materno e a sabedoria de uma mulher profundamente cristã, com uma dedicação heroica ao filho em momentos difíceis para sua saúde e segurança física, exercendo assim uma autêntica maternidade espiritual e material para com seu filho sacerdote. De fato, ela se estabeleceu em Valdocco não apenas para cooperar com o trabalho iniciado por seu filho, mas também para afastar qualquer ocasião de calúnia que pudesse surgir da proximidade de instalações equivocadas. Ele deixa a tranquila segurança do lar de José para se aventurar com o filho em uma missão difícil e arriscada. Ela vive seu tempo em uma dedicação irrestrita aos jovens “de quem se tinha tornado mãe”. Ela amava os meninos do oratório como se fossem seus próprios filhos e trabalhava para o bem-estar, a educação e a vida espiritual deles, dando ao oratório aquela atmosfera familiar que seria uma característica das casas salesianas desde o início. “Se há a santidade dos êxtases e das visões, há também a das panelas para limpar e das meias para remendar. Mamãe Margarida era uma santa assim”. Em suas relações com as crianças, ela era exemplar, distinguindo-se por sua delicadeza de caridade e sua humildade em servir, reservando para si as ocupações mais humildes. Sua intuição como mãe e mulher espiritual fez com que reconhecesse em Domingos Sávio uma extraordinária obra de graça. Mesmo no Oratório, no entanto, não faltaram provações e, quando houve um momento de hesitação devido à dureza da experiência, causada por uma vida muito exigente, o olhar para o Crucifixo apontado por seu filho foi suficiente para infundir-lhe uma nova energia: “A partir daquele instante, nenhuma palavra de lamento escapou de seus lábios. De fato, a partir daquele momento, ela parecia insensível a essas misérias”. O P. Rua resumiu bem o testemunho de Mamãe Margarida no oratório, com quem viveu por quatro anos: “Uma mulher verdadeiramente cristã, piedosa, de coração generoso e corajoso, prudente, que se dedicou inteiramente à boa educação dos filhos e da família adotiva”.
6. Êxodo para a casa do Pai Ela nasceu pobre. Viveu pobre. Morreu pobre vestindo o único vestido que usava; em seu bolso havia 12 liras destinadas a comprar um novo, que nunca comprou. Mesmo na hora da morte, ela se voltou para seu amado filho e deixou-lhe palavras dignas de uma mulher sábia: “Tenha muita confiança naqueles que trabalham com você na vinha do Senhor… Observe que muitos, em vez da glória de Deus, buscam sua própria utilidade… Não busquem a elegância nem o esplendor das obras. Busquem a glória de Deus; tenham como base a pobreza de ações. Muitos amam a pobreza nos outros, mas não em si mesmos. O ensinamento mais eficaz é sermos os primeiros a fazer o que ordenamos aos outros”. Margarida, que havia consagrado João à Santíssima Virgem, a quem o havia confiado no início de seus estudos, recomendando a devoção e a propagação do amor a Maria, agora o tranquilizava: “Nossa Senhora não deixará de guiar seus empreendimentos”. Toda a sua vida foi uma doação total de si mesma. Em seu leito de morte, podia dizer: “Fiz toda a minha parte”. Ela morreu aos 68 anos de idade no Oratório de Valdocco, em 25 de novembro de 1856. Os meninos do Oratório a acompanharam até o cemitério, chamando-a de “Mamãe”. Dom Bosco, entristecido, disse a Pedro Enria: “Perdemos a nossa mãe, mas tenho certeza de que ela nos ajudará do céu. Ela era uma santa!”. E o próprio Enria acrescentou: “Dom Bosco não exagerou ao chamá-la de santa, porque ela se sacrificou por nós e foi uma verdadeira mãe para todos nós”.
Concluindo Mamãe Margarida foi uma mulher rica de vida interior e de fé granítica, sensível e dócil à voz do Espírito, pronta para captar e realizar a vontade de Deus, atenta aos problemas do próximo, disponível para atender às necessidades dos mais pobres e, sobretudo, dos jovens abandonados. Dom Bosco sempre se lembrará dos ensinamentos e do que havia aprendido na escola de sua mãe, e essa tradição marcaria seu sistema educativo e sua espiritualidade. Dom Bosco havia experimentado que a formação de sua personalidade estava vitalmente enraizada no extraordinário clima de dedicação e bondade de sua família; por isso, ele queria reproduzir suas qualidades mais significativas em seu trabalho. Margarida entrelaçou sua vida com a do filho e com os inícios da obra salesiana: foi a primeira “cooperadora” de Dom Bosco; com bondade ativa, tornou-se o elemento materno do Sistema Preventivo. Na escola de Dom Bosco e de Mamãe Margarida, isso significa cuidar da formação das consciências, educar para a fortaleza da vida virtuosa na luta, sem concessões e compromissos, contra o pecado, com a ajuda dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, crescendo na docilidade pessoal, familiar e comunitária às inspirações e às moções do Espírito Santo para fortalecer as razões do bem e testemunhar a beleza da fé. Para toda a Família Salesiana, este testemunho é mais um convite a assumir uma atenção privilegiada à família na pastoral juvenil, formando e envolvendo os pais na ação educativa e evangelizadora dos filhos, valorizando a sua contribuição nos itinerários de educação afetiva e favorecendo novas formas de evangelização e catequese de e através das famílias. Mamãe Margarida é hoje um modelo extraordinário para as famílias. Sua santidade é familiar: como mulher, esposa, mãe, viúva, educadora. Sua vida contém uma mensagem de grande relevância, especialmente na redescoberta da santidade do matrimônio. Mas outro aspecto deve ser enfatizado: uma das razões fundamentais pelas quais Dom Bosco quis sua mãe ao seu lado em Turim foi para encontrar nela uma guardiã para seu próprio sacerdócio. “Leve sua mãe com você”, sugeriu-lhe o velho pároco. Dom Bosco levou Mamãe Margarida para sua vida de sacerdote e educador. Quando criança, órfão, foi sua mãe que o tomou pela mão; quando jovem sacerdote, foi ele que a tomou pela mão para compartilhar uma missão especial. Não se pode entender a santidade sacerdotal de Dom Bosco sem a santidade de Mamãe Margarida, um modelo não só de santidade familiar, mas também de maternidade espiritual para com os sacerdotes.
A vida conforme o espírito em Mamãe Margarida (1/2)
O P. Lemoyne, em seu prefácio à vida de Mamãe Margarida, deixa-nos um retrato verdadeiramente singular: “Não descreveremos eventos extraordinários ou heroicos, mas retrataremos uma vida simples, constante na prática do bem, vigilante na educação de seus filhos, resignada e previdente nas ansiedades da vida, resoluta em tudo o que o dever lhe impunha. Não era rica, mas tinha um coração de rainha; não foi instruída em ciências profanas, mas educada no santo temor de Deus; foi privada em tenra idade daqueles que deveriam ser seu apoio, mas segura com a energia de sua vontade, apoiada na ajuda celestial, pôde cumprir com alegria a missão que Deus lhe havia confiado”. Com essas palavras, nos são oferecidas as peças de um mosaico e uma tela sobre a qual podemos construir a aventura do Espírito que o Senhor concedeu a essa mulher que, dócil ao Espírito, arregaçou as mangas e enfrentou a vida com fé laboriosa e caridade maternal. Acompanharemos as etapas dessa aventura com a categoria bíblica do “êxodo”, expressão de uma autêntica jornada na obediência da fé. Mamãe Margarida também experimentou seu “êxodo”, ela também caminhou em direção a “uma terra prometida”, atravessando o deserto e superando as provações. Vemos essa jornada refletida à luz de seu relacionamento com o filho e de acordo com duas dinâmicas típicas da vida no Espírito: uma menos visível, constituída pelo dinamismo interior da mudança de si mesma, condição prévia e indispensável para ajudar os outros; a outra mais imediata e documentável: a capacidade de arregaçar as mangas para amar o próximo em carne e osso, indo em auxílio dos necessitados.
1. Êxodo de Capriglio para a propriedade Biglione Margarida foi educada na fé, viveu e morreu na fé. “Deus estava na vanguarda de todos os seus pensamentos. Ela sentia que vivia na presença de Deus e expressava essa convicção com a afirmação que era comum para ela: ‘Deus te vê’. Tudo lhe falava da paternidade de Deus e grande era sua confiança na Providência, demonstrando gratidão a Deus pelos dons que havia recebido e gratidão a todos aqueles que eram instrumentos da Providência. Margarida passou sua vida em uma busca contínua e incessante pela vontade de Deus, o único critério operacional para suas escolhas e ações. Aos 23 anos, casou-se com Francisco Bosco, viúvo aos 27 anos, com seu filho Antônio e sua mãe semiparalisada. Margarida se torna não apenas esposa, mas mãe adotiva e ajuda a sogra. Esse passo é o mais importante para o casal, pois eles sabem muito bem que ter recebido o sacramento do matrimônio de forma santa é para eles uma fonte de muitas bênçãos: para a serenidade e a paz na família, para os futuros filhos, para o trabalho e para superar os momentos difíceis da vida. Margarida vive seu casamento com Francisco Bosco de forma fiel e frutífera. Suas alianças serão o sinal de uma fecundidade que se estenderá à família fundada por seu filho João. Tudo isso despertará em Dom Bosco e em seus filhos um grande sentimento de gratidão e amor por esse casal de santos esposos e pais.
2. O êxodo da propriedade Biglione para os Becchi Somente depois de cinco anos de casamento, em 1817, seu marido Francisco morreu. Dom Bosco recorda que, ao sair do quarto, sua mãe, em lágrimas, “pegou-me pela mão” e o conduziu para fora. Aqui está o ícone espiritual e educacional dessa mãe. Ela pega o filho pela mão e o leva para fora. Já a partir desse momento, há esse “pegar pela mão”, que unirá mãe e filho tanto na jornada vocacional quanto na missão educacional. Margarida se encontra em uma situação muito difícil do ponto de vista emocional e econômico, inclusive com uma pretensa disputa promovida pela família Biglione. Há dívidas a pagar, trabalho árduo no campo e uma terrível fome a enfrentar, mas ela vive todas essas provações com muita fé e confiança incondicional na Providência. A viuvez lhe abre uma nova vocação como educadora atenta e carinhosa de seus filhos. Ela se dedicou à família com tenacidade e coragem, recusando uma proposta vantajosa de casamento. “Deus me deu um marido e o tirou de mim; quando ele morreu, confiou-me três filhos, e eu seria uma mãe cruel se os abandonasse quando eles mais precisavam de mim… O tutor… é um amigo, eu sou a mãe dos meus filhos; nunca os abandonarei, mesmo que quisessem me dar todo o ouro do mundo”. Ela educa seus filhos com sabedoria, antecipando a inspiração pedagógica do Sistema Preventivo. Ela é uma mulher que escolheu a Deus e sabe como transmitir a seus filhos, em suas vidas cotidianas, o senso da presença Dele. Ela o faz de maneira simples, espontânea e incisiva, aproveitando cada pequena oportunidade para educá-los a viver à luz da fé. Faz isso antecipando aquele método “da palavra ao ouvido” que Dom Bosco usaria mais tarde com os meninos para chamá-los à vida da graça, à presença de Deus. Ela faz isso ajudando-os a reconhecer nas criaturas a obra do Criador, que é um Pai providencial e bom. Faz isso contando os fatos do Evangelho e a vida dos santos. Educação cristã. Ele prepara seus filhos para receber os sacramentos, transmitindo-lhes um senso vívido da grandeza dos mistérios de Deus. João Bosco recebeu sua Primeira Comunhão na Páscoa de 1826: “Filho querido, este foi um grande dia para você. Estou convencida de que Deus realmente tomou posse de seu coração. Agora prometa a Ele que fará tudo o que puder para se manter bom até o fim de sua vida”. Essas palavras da Mamãe Margarida fazem dela uma verdadeira mãe espiritual de seus filhos, especialmente de João, que imediatamente se mostrará sensível a esses ensinamentos, que têm o sabor de uma verdadeira iniciação, uma expressão da capacidade de introduzir ao mistério da graça numa mulher iletrada, mas rica da sabedoria das crianças. A fé em Deus se reflete na exigência de retidão moral que ela pratica consigo mesma e inculca em seus filhos. “Ela declarou guerra perpétua contra o pecado. Ela não apenas abominava o mal, mas também se esforçava para afastar a ofensa do Senhor até mesmo daqueles que não pertenciam a ela. Assim, ela estava sempre alerta contra o escândalo, cautelosa, mas resoluta e à custa de qualquer sacrifício”. O coração que anima a vida de Mamãe Margarida é um imenso amor e devoção à Santíssima Eucaristia. Ela experimentou seu valor salvífico e redentor em sua participação ao santo sacrifício e na aceitação das provações da vida. A essa fé e a esse amor ela educa seus filhos desde a mais tenra idade, transmitindo-lhes aquela convicção espiritual e educativa que encontrará em Dom Bosco um sacerdote apaixonado pela Eucaristia e que fará dela um pilar de seu sistema educativo. A fé encontrava expressão na vida de oração e, em particular, na oração em comum na família. Mamãe Margarida encontrou a força de uma boa educação em uma vida cristã intensa e cuidadosa. Ela lidera pelo exemplo e orienta pela palavra. Em sua escola, Joãozinho aprende assim o poder preventivo da graça de Deus em uma forma vital. “A instrução religiosa, que a mãe transmite por meio da palavra, do exemplo, comparando a conduta do filho com os preceitos específicos do catecismo, faz com que a prática da religião se torne normal e o pecado seja rejeitado por instinto, assim como a bondade é amada por instinto. Ser bom se torna um hábito, e a virtude não custa muito esforço. Uma criança educada dessa forma precisa se violentar para se tornar má. Margarida conhecia o poder dessa educação cristã e como a lei de Deus, ensinada no catecismo todas as noites e frequentemente relembrada mesmo durante o dia, era o meio seguro de tornar as crianças obedientes aos preceitos da mãe. Portanto, ela repetia as perguntas e respostas tantas vezes quantas fossem necessárias para que as crianças as aprendessem de cor”.
Testemunha de caridade. Em sua pobreza, ela praticava a hospitalidade com alegria, sem fazer distinções ou exclusões; ajudava os pobres, visitava os doentes, e seus filhos aprenderam com ela a amar desmedidamente os últimos. “Ela tinha um caráter muito sensível, mas essa sensibilidade era tão transformada em caridade que ela podia ser chamada, com razão, de mãe dos necessitados”. Essa caridade se manifestava em uma capacidade marcante de entender as situações, de lidar com as pessoas, de fazer as escolhas certas no momento certo, de evitar excessos e de manter um grande equilíbrio durante todo o tempo: “Uma mulher de muito bom senso” (P. Jacinto Ballesio). A razoabilidade de seus ensinamentos, sua coerência pessoal e firmeza sem raiva tocam a alma das crianças. Provérbios e ditados florescem com facilidade em seus lábios e neles condensa preceitos da vida: ‘Uma lavadeira ruim nunca encontra uma boa pedra’; ‘Quem aos vinte anos não sabe, aos trinta não faz e tolo morrerá’; ‘A consciência é como as cócegas; alguns as sentem, outros não’. Em particular, deve-se enfatizar que João Bosco será um grande educador de meninos, “porque ele teve uma mãe que educou sua afetividade. Uma mãe boa, simpática e forte. Com muito amor, ela educou seu coração. Não se pode entender Dom Bosco sem Mamãe Margarida. Não dá para entendê-lo”. Mamãe Margarida contribuiu com sua mediação materna para a obra do Espírito na modelagem e formação do coração de seu filho. Dom Bosco aprendeu a amar, como ele mesmo declarou, dentro da Igreja, graças à Mamãe Margarida e com a intervenção sobrenatural de Maria, que lhe foi dada por Jesus como “Mãe e Mestra”.
3. O êxodo dos Becchi para a propriedade Moglia Um momento de grande provação para Margarida é o difícil relacionamento entre seus filhos. “Os três filhos de Margarida, Antônio, José e João, eram diferentes em temperamento e inclinações. Antônio era grosseiro nos modos, com pouca ou nenhuma delicadeza de sentimentos, um exagerado maníaco, um verdadeiro retrato do Nem te ligo! Ele vivia de prepotência. Muitas vezes ele se deixava levar a bater em seus irmãos menores, e Mamãe Margarida tinha que correr para livrá-los de suas mãos. No entanto, ela nunca usou a força para defendê-los e, fiel à sua máxima, nunca tocou num fio de cabelo de Antônio. Pode-se imaginar o domínio que Margarida tinha sobre si mesma para conter a voz do sangue e do amor intenso que ela nutria por José e João. Antônio foi colocado na escola e aprendeu a ler e escrever, mas se gabava de nunca ter estudado ou ido à escola. Ele não tinha aptidão para os estudos, fazia o trabalho no campo”. Por outro lado, Antônio estava em uma situação particularmente difícil: maior de idade, ele foi ferido em sua dupla condição de órfão de pai e de mãe. Apesar de seus excessos, ele era geralmente submisso, graças à atitude de Mamãe Margarida, que conseguia dominá-lo com sua bondade racional. Infelizmente, com o tempo, aumentará sua intolerância em relação a Joãozinho, em particular, pois este não se deixava subjugar facilmente; e suas reações em relação à Mamãe Margarida também se tornarão mais duras e, às vezes, mais pesadas. Em particular, Antônio não aceita que Joãozinho se dedique aos estudos e as tensões chegarão ao clímax: “Quero acabar com essa gramática. Eu cresci grande e forte, nunca vi esses livros”. Antônio é uma criança de seu tempo e de sua condição de camponês e não consegue entender nem aceitar que seu irmão possa se dedicar aos estudos. Todos ficam chateados, mas quem mais sofre é Mamãe Margarida, que estava pessoalmente envolvida e vivia a guerra em casa dia após dia: “Minha mãe estava angustiada, eu chorava, o capelão se afligia”. Diante do ciúme e da hostilidade de Antônio, Margarida buscou uma solução para o conflito familiar, enviando Joãozinho para a propriedade Moglia por cerca de dois anos e, em seguida, diante da resistência de Antônio, ela providenciou inflexivelmente a divisão da propriedade para permitir que João estudasse. É claro que é apenas João, de doze anos, que sai de casa; mas a mãe também experimenta esse profundo distanciamento. Não nos esqueçamos de que Dom Bosco, em suas Memórias do Oratório, não fala desse período. Tal silêncio sugere uma experiência difícil de ser processada, sendo que naquela época era um menino de doze anos, forçado a sair de casa porque não podia viver com seu irmão. João sofria em silêncio, esperando a hora da Providência e, com ele, mamãe Margarida, que não queria fechar o caminho do filho, mas abri-lo por vias especiais, confiando-o a uma boa família. A solução tomada pela mãe e aceita pelo filho foi uma escolha temporária em vista de uma solução definitiva. Foi a confiança e o abandono em Deus. Mãe e filho vivem um período de espera.
Nino, um jovem como tantos outros… encontra o propósito da vida em seu Senhor
Nino Baglieri nasceu em Módica Alta em 1º de maio de 1951, filho de mamãe Josefa e do papai Pedro. Com apenas quatro dias de vida, foi batizado na Paróquia de Santo Antônio de Pádua. Cresceu como muitos garotos, com um grupo de amigos, algumas dificuldades durante os anos de escola e o sonho de um futuro marcado pelo trabalho e pela possibilidade de formar uma família. Poucos dias depois de seu aniversário de dezessete anos, comemorado à beira-mar com amigos, em 6 de maio de 1968, dia da memória litúrgica de São Domingos Sávio, durante um dia de trabalho normal como pedreiro, Nino caiu 17 metros quando desabou o andaime do prédio – não muito longe de casa – no qual estava trabalhando: 17 metros, como Nino aponta em seu Diário, “1 metro para cada ano de vida”. “Meu estado de saúde”, conta ele, “era tão grave que os médicos esperavam minha morte a qualquer momento (até recebi a unção dos enfermos). [Um médico] fez uma proposta inusitada aos meus pais: ‘se o seu filho conseguisse superar esses momentos, o que seria apenas o resultado de um milagre, seu destino seria passar a vida em uma cama; se vocês acreditarem, com uma punção letal, vocês e ele serão poupados de tanto sofrimento’. “Se Deus o quiser consigo”, respondeu minha mãe, “leve-o; mas se ele o deixar viver, ficarei feliz em cuidar dele pelo resto da vida”. Assim, minha mãe, que sempre foi uma mulher de muita fé e coragem, abriu os braços e o coração e foi a primeira a abraçar a cruz”. Nino também enfrentará anos difíceis de peregrinação em diferentes hospitais, onde terapias e operações dolorosas o testarão duramente, não resultando na recuperação desejada. Ele permanecerá tetraplégico pelo resto de sua vida. Ao voltar para casa, acompanhado pelo afeto de sua família e pelo sacrifício heroico de sua mãe, que está sempre ao seu lado, Nino Baglieri encontra o olhar de amigos e conhecidos, mas com muita frequência vê neles uma pena que o perturba: “mischinu poviru Ninuzzu…” (“pobre coitado do Nino…”). Assim, ele acaba se fechando em si mesmo, em dez anos dolorosos de solidão e raiva. Foram anos de desespero e blasfêmia pela não aceitação de seu estado e de perguntas como: “Por que tudo isso aconteceu comigo?” O ponto de virada ocorreu em 24 de março de 1978, véspera da Anunciação e – naquele ano – Sexta-feira Santa: um padre da Renovação no Espírito Santo foi visitá-lo com algumas pessoas e eles oraram por ele. Naquela manhã, Nino, ainda acamado, pediu à sua mãe que o vestisse: “Se o Senhor me curar, não ficarei nu na frente das pessoas”. Lemos em seu diário: “Padre Aldo começou imediatamente a oração; eu estava ansioso e animado; ele colocou as mãos sobre minha cabeça; eu não entendia esse gesto; ele começou a invocar o Espírito Santo para que descesse sobre mim. Depois de alguns minutos, sob a imposição das mãos, senti um grande calor em todo o meu corpo, um grande formigamento, como se uma nova força entrasse em mim, uma força regeneradora, uma força viva, e algo antigo saísse. O Espírito Santo havia descido sobre mim; com poder ele entrou em meu coração; foi uma efusão de amor e vida; naquele instante aceitei a cruz, disse meu sim a Jesus e renasci para uma nova vida; tornei-me um novo homem, com um novo coração; todo o desespero de 10 anos se apagou em poucos segundos; meu coração se encheu de uma alegria nova e verdadeira que eu nunca havia conhecido. O Senhor me curou; eu queria a cura física e, em vez disso, o Senhor operou algo maior, a cura do Espírito, de modo que encontrei paz, alegria, serenidade, muita força e muita vontade de viver. Quando terminei de orar, meu coração transbordou de alegria, meus olhos brilharam e meu rosto estava radiante; mesmo estando na mesma condição de sofredor, eu estava feliz”. Começou então um novo período para Nino Baglieri e sua família, um período de renascimento marcado em Nino pela redescoberta da fé e do amor pela Palavra de Deus, que ele leu por um ano consecutivo. Ele se abre para os relacionamentos humanos dos quais havia se afastado sem que os outros deixassem de amá-lo. Um dia Nino, instigado por algumas crianças que estavam próximas a ele e lhe pediram para ajudá-las a fazer um desenho, percebeu que tinha o dom de escrever com a boca: em pouco tempo ele conseguiu escrever muito bem – melhor do que quando escrevia à mão – e isso lhe permitiu objetivar sua própria experiência, tanto na forma muito pessoal de numerosos Cadernos de Diário quanto por meio de poemas e poesias curtas que começou a ler no Rádio. Depois, com a expansão de sua rede de relacionamentos, milhares de cartas, amizades, encontros…, por meio dos quais Nino expressará uma forma particular de apostolado, até o fim de sua vida. Enquanto isso, ele aprofunda sua jornada espiritual por meio de três diretrizes, que ritmam sua experiência eclesial, em obediência aos encontros que Deus coloca em seu caminho: a proximidade com a Renovação no Espírito Santo; a ligação com a realidade dos Camilianos (Ministros dos Enfermos); o caminho com os Salesianos, tornando-se antes Salesiano Cooperador e depois leigo consagrado no Instituto Secular de Voluntários com Dom Bosco (interpelado pelos delegados do Reitor-Mor, dá também uma contribuição na elaboração do Projeto de Vida dos CDB). Foram os camilianos que lhe propuseram pela primeira vez uma forma de consagração: ela, humanamente falando, parecia captar a natureza específica de sua existência, marcada pelo sofrimento. O lugar de Nino, porém, é na casa de Dom Bosco e ele o descobre com o tempo, não sem momentos de cansaço, mas sempre confiando naqueles que o guiam e aprendendo a comparar seus próprios desejos com os caminhos pelos quais a Igreja o chama. E enquanto Nino passava pelas etapas de formação e consagração (até sua profissão perpétua em 31 de agosto de 2004), havia muitas vocações – inclusive para o sacerdócio e a vida consagrada para as mulheres – que se inspiraram nele, receberam força e luz. O Responsável Mundial dos “CDB” se expressa assim sobre o significado da consagração leiga hoje, também vivida por Nino: “Nino Baglieri foi para nós, Voluntários com Dom Bosco, um presente especial do céu: ele é o primeiro de nós, irmãos, que nos mostra o caminho da santidade através de um testemunho humilde, discreto e alegre. Nino realizou plenamente a vocação à secularidade consagrada salesiana e nos ensina que a santidade é possível em todas as condições de vida, mesmo naquelas marcadas pelo encontro com a cruz e o sofrimento. Nino nos recorda que todos podemos vencer n’Aquele que nos dá força: a Cruz que ele tanto amou, como um noivo fiel, foi a ponte pela qual uniu a sua história pessoal de homem à história da salvação; foi o altar no qual celebrou o seu sacrifício de louvor ao Senhor da vida; foi a escada para o paraíso. Animados por seu exemplo, nós também, como Nino, podemos nos tornar capazes de transformar todas as realidades cotidianas como bom fermento, certos de encontrar nele um modelo e um poderoso intercessor junto a Deus”. Nino, que não pode se mover, é o Nino que, com o tempo, aprende a não fugir, a não se esquivar dos pedidos, e se torna cada vez mais acessível e simples como seu Senhor. Sua cama, seu pequeno quarto ou sua cadeira de rodas são assim transfigurados naquele “altar” onde tantos trazem suas alegrias e tristezas: ele os acolhe, oferece a si mesmo e seus próprios sofrimentos por eles. Nino “presente” é o amigo no qual se pode “descarregar” muitas preocupações e “depositar” os fardos: ele os acolhe com um sorriso, mesmo que em sua vida – guardados em sua reserva – não faltem momentos de grande provação moral e espiritual. Nas cartas, nas reuniões, nas amizades, ele demonstra grande realismo e sempre sabe ser verdadeiro, reconhecendo sua própria pequenez, mas também a grandeza do dom de Deus nele e por meio dele. Durante um encontro com jovens em Loreto, na presença do Card. Angelo Comastri, ele dirá: “Se algum de vocês está em pecado mortal, está muito pior do que eu!”: é a consciência, toda salesiana, de que é melhor “a morte, mas não os pecados”, e que os verdadeiros amigos devem ser Jesus e Maria, dos quais nunca se deve separar. O Bispo da Diocese de Noto, Dom Salvador Rumeo, enfatiza que “a divina aventura de Nino Baglieri nos lembra que a santidade é possível e não pertence aos séculos passados: a santidade é o caminho para chegar ao Coração de Deus. Na vida cristã não há outras soluções. Abraçar a Cruz significa estar com Jesus no período de sofrimento para participar de Sua Luz. E Nino está na Luz de Deus”. Nino nasceu para o céu em 2 de março de 2007, depois de ter comemorado ininterruptamente o dia 6 de maio (o dia da queda) como o “aniversário da cruz” desde 1982. Após sua morte, ele foi vestido com macacão e tênis, para que, como ele disse, “em minha última jornada até Deus, eu possa correr em direção a ele”. O P. João d’Andrea, inspetor dos salesianos da Sicília, nos convida a “… conhecer cada vez melhor a pessoa de Nino e sua mensagem de esperança. Também nós, como Nino, queremos vestir “macacão e tênis” e “correr” no caminho da santidade, o que significa realizar o Sonho de Deus para cada um de nós; um Sonho que cada um de nós é: ser “feliz no tempo e na eternidade”, como escreveu Dom Bosco em sua Carta de Roma, de 10 de maio de 1884”. Em seu testamento espiritual, Nino nos exorta a “não deixá-lo sem fazer nada”: a sua Causa de Beatificação e Canonização é agora o instrumento disponibilizado pela Igreja para aprender a conhecê-lo e amá-lo cada vez mais, para encontrá-lo como amigo e exemplo no seguimento de Jesus, para recorrer a ele na oração, pedindo-lhe aquelas graças que já chegaram em grande número. “O testemunho de Nino” – espera o Postulador Geral, P. Pierluigi Cameroni sdb – “pode ser um sinal de esperança para aqueles que estão em provação e dor, e para as novas gerações, para que possam aprender a enfrentar a vida com fé e coragem, sem desanimar e se abater. Nino nos sorri e nos apoia para que, como ele, possamos fazer nossa «corrida» rumo à alegria do céu”. Por fim, o bispo Dom Rumeo, no final da sessão de encerramento do Inquérito Diocesano, disse: “É uma grande alegria ter alcançado esse marco para Nino e especialmente para a Igreja de Noto. É um convite para trilharmos o caminho da santidade. O caminho da santidade é uma arte difícil porque o coração da santidade é o Evangelho. Ser santo significa aceitar a palavra do Senhor: àquele que lhe bater na face, ofereça também a outra; àquele que lhe pedir a capa, ofereça também a túnica. Isso é santidade! […] Em um mundo onde o individualismo prevalece, devemos escolher como entendemos a vida: ou escolhemos a recompensa dos homens ou recebemos a recompensa de Deus. Jesus disse isso, ele veio e continua sendo um sinal de contradição porque ele é o divisor de águas, o ano zero. A vinda de Cristo se torna a agulha na balança: ou com ele, ou contra ele. Amar e nos amarmos é a afirmação que deve guiar nossa existência”.
Roberto Chiaramonte
Dom Bosco e sua mãe
Em 1965 foi comemorado o 150º aniversário do nascimento de Dom Bosco. Entre as conferências para a ocasião estava uma proferida por Dom José Angrisani, então Bispo de Casale e Presidente Nacional dos Ex-alunos Sacerdotes. O orador, em seu discurso, referindo-se à Mamãe Margarida, disse sobre Dom Bosco: “Felizmente para ele, aquela mãe esteve ao seu lado por muitos e muitos anos, e penso e acredito estar certo ao dizer que a águia dos Becchi não teria voado até os confins da terra se a andorinha da Serra di Capriglio não tivesse vindo fazer seu ninho sob a viga da humilde casa da família Bosco” (BS, setembro de 1966, p. 10). A imagem do ilustre orador era altamente poética, mas expressava uma realidade. Não por acaso, 30 anos antes, G. Joergensen, sem querer profanar a Sagrada Escritura, permitiu-se começar o seu Dom Bosco publicado pela SEI com as palavras: “No princípio era a mãe”. A influência materna nas atitudes religiosas da criança e na religiosidade do adulto é reconhecida pelos especialistas em psicologia religiosa e é, em nosso caso, mais do que evidente: São João Bosco, que sempre teve a maior veneração por sua mãe, copiou dela um profundo sentido religioso da vida. “Deus dominava a mente de Dom Bosco como um sol meridiano” (Pedro Stella).
Deus no topo de seus pensamentos É um fato fácil de documentar: Dom Bosco sempre teve Deus no topo de todos os seus pensamentos. Homem de ação, ele era, antes de tudo, homem de oração. Ele mesmo lembra que foi sua mãe quem lhe ensinou a rezar, ou seja, a conversar com Deus: – Ela fazia-me ajoelhar com meus irmãos de manhã e à noite, e juntos rezávamos as orações (MO 21-22 – cf. MOp p. 27). Quando João teve que deixar o teto de sua mãe e ir trabalhar como trabalhador rural na fazenda Moglia, a oração já era seu alimento e conforto habituais. Naquela casa em Moncucco, “os deveres de um bom cristão eram cumpridos com a regularidade de hábitos domésticos inveterados, sempre tenazes nas famílias do campo, muito tenazes naqueles dias de vida saudável no campo” (E. Ceria). Mas João já estava fazendo algo mais: ele orava de joelhos, orava com frequência, orava longamente. Mesmo fora de casa, enquanto levava as vacas para o pasto, ele parava ocasionalmente para orar. Sua mãe também havia incutido em seu coração uma terna devoção à Santíssima Virgem. Quando ele entrou no seminário, ela lhe disse: – Quando você veio ao mundo, eu o consagrei à Santíssima Virgem; quando você começou seus estudos, recomendei a devoção a essa nossa Mãe; e se você se tornar padre, sempre recomende e propague a devoção a Maria (MO, 89 – cf. MOp, 92). Mamãe Margarida, depois de educar o filho João na casinha dos Becchi, depois de segui-lo maternalmente e encorajá-lo em seu árduo caminho vocacional, viveu por mais dez anos ao seu lado, desempenhando uma delicadíssima função materna na educação daqueles jovens que havia reunido, com um estilo que permanece vivo em tantos aspectos da práxis educativa de Dom Bosco: a consciência da presença de Deus, a laboriosidade que é senso de dignidade humana e cristã, a coragem que inspira obras, a razão que é diálogo e acolhida dos outros, o amor exigente, mas tranquilizador. Sem dúvida, portanto, a mãe desempenhou um papel único na educação e no apostolado inicial de seu filho, influenciando profundamente o espírito e o estilo de seu trabalho futuro. Tendo-se tornado padre e iniciado o trabalho com os jovens, Dom Bosco deu o nome de Oratório ao seu trabalho. Não é sem razão que o centro propulsor de todas as obras de Dom Bosco foi chamado de Oratório. O título indica a atividade dominante, o objetivo principal de um empreendimento. E Dom Bosco, como ele mesmo confessou, deu o nome de Oratório à sua “casa” para indicar claramente que a oração era o único poder com o qual ele contava. Não tinha outro poder à sua disposição para animar seus oratórios, iniciar a casa de acolhida, resolver o problema do pão cotidiano, lançar as bases de sua Congregação. Muitos, como sabemos, até duvidaram de sua sanidade mental. O que os grandes não entendiam, os pequenos entendiam, ou seja, os jovens que, depois de conhecê-lo, não conseguiam mais se afastar dele. Eles viam nele a imagem viva do Senhor. Sempre calmo e sereno, à disposição de todos, fervoroso nas orações, afável no falar, paternal ao guiá-los para o bem, mantendo sempre viva em todos a esperança da salvação. Se alguém, segundo uma testemunha, lhe perguntasse sem rodeios: “Dom Bosco, para onde vai?”, ele teria respondido: “Vamos para o Paraíso!” Esse sentido religioso de vida, que permeava todas as obras e escritos de Dom Bosco, era uma herança óbvia de sua mãe. A santidade de Dom Bosco foi extraída da fonte divina da Graça e modelada em Cristo, o mestre de toda perfeição, mas estava enraizada em um valor espiritual materno, a sabedoria cristã. A árvore boa produz bons frutos.
Ela lhe havia ensinado isso A mãe de Dom Bosco, Margarida Occhiena, desde novembro de 1846, quando, aos 58 anos de idade, tinha deixado sua pequena casa nos Becchi, compartilhava com o filho uma vida de privações e sacrifícios, toda ela gasta pelos meninos da periferia de Turim. Quatro anos se passaram, e ela agora sentia suas forças diminuindo. Um grande cansaço havia penetrado em seus ossos, uma forte nostalgia em seu coração. Ela entrou no quarto de Dom Bosco e disse: “Ouça-me, João; não é mais possível continuar assim. Todos os dias os meninos estão fazendo uma coisa comigo. Ora eles jogam no chão minha roupa limpa estendida ao sol, ora eles pisoteiam minhas verduras na horta. Eles rasgam as roupas de modo que não há como remendá-las. Eles perdem meias e camisas. Levam os utensílios da casa para suas brincadeiras e me fazem andar o dia todo para encontrá-los. Eu, em meio a essa confusão, perco a cabeça, sabe! Quase, quase, estou voltando para os Becchi”. Dom Bosco olhou fixamente para o rosto da mãe, sem falar. Depois apontou para o Crucifixo pendurado na parede. Mamãe Margarida entendeu. Seus olhos se encheram de lágrimas. – Tens razão, tens razão, exclamou; e voltou aos seus afazeres, por mais seis anos, até sua morte (G. B. LEMOYNE, Mamma Margherita, Torino, SEI, 1956, p. 155-156). Mamãe Margarida nutria uma profunda devoção à Paixão de Cristo, àquela Cruz que dava sentido, força e esperança a todas as suas cruzes. Ela havia ensinado isso a seu filho. Bastava-lhe uma olhada ao Crucifixo! Para ela, a vida era uma missão a ser cumprida, o tempo uma dádiva de Deus, o trabalho uma contribuição humana ao plano do Criador, a história humana uma coisa sagrada porque Deus, nosso Senhor, Pai e Salvador, está no centro, no começo e no fim do mundo e do homem. Ela havia ensinado tudo isso a seu filho por meio de palavras e exemplos. Mãe e filho: uma fé e uma esperança depositadas somente em Deus, e uma ardente caridade que ardeu em seus corações até a morte.
A Venerável Doroteia de Chopitea
Quem era Doroteia de Chopitea? Era uma cooperadora salesiana, uma verdadeira mãe dos pobres da cidade de Barcelona, criadora de numerosas instituições a serviço da caridade e da missão apostólica da Igreja. Sua figura assume hoje uma importância especial e nos encoraja a imitar seu exemplo de ser “misericordiosos como o Pai”.
Um biscaio [de Biscaia, província espanhola] no Chile Em 1790, durante o reinado de Carlos IV, um biscaio, Pedro Nicolás de Chopitea, natural de Lequeitio, emigrou para o Chile, então parte do Império Espanhol. O jovem emigrante prosperou e se casou com uma jovem crioula, Isabel de Villota.
Dom Pedro Nolasco Chopitea e Isabel Villota estabeleceram-se em Santiago do Chile. Deus lhes concedeu uma família numerosa de 18 filhos, embora apenas 12 tenham sobrevivido, cinco meninos e sete meninas. A mais nova nasceu, foi batizada e crismada no mesmo dia: 5 de agosto de 1816, recebendo os nomes de Antonia, Doroteia e Dolores, embora sempre fosse conhecida como Doroteia, que em grego significa “dom de Deus”. A família de Pedro e Isabel era abastada, cristã e comprometida em usar seus bens em benefício das pessoas pobres ao seu redor.
Em 1816, ano do nascimento de Doroteia, os chilenos começaram a exigir abertamente a independência da Espanha, que foi conseguida em 1818. No ano seguinte, Don Pedro, que havia se alinhado com os monarquistas, ou seja, a favor da Espanha, e havia sido preso por isso, transferiu sua família para Barcelona, do outro lado do Atlântico, para que a turbulência política não comprometesse seus filhos mais velhos, embora continuasse a manter uma densa rede de relações com os círculos políticos e econômicos do Chile.
Na grande casa em Barcelona, Doroteia, de três anos, foi confiada aos cuidados de sua irmã Josefina, de doze anos. Assim, Josefina, mais tarde “Irmã Josefina”, foi para a pequena Doroteia a “pequena jovem mãe”. Doroteia se confiava à irmã com todo afeto, deixando-se guiar com docilidade.
Quando tinha treze anos, a conselho de Josefina, tomou como diretor espiritual o padre Pedro Nardó, da paróquia de Santa Maria do Mar. Durante 50 anos, ele foi seu confessor e conselheiro em momentos delicados e difíceis. O padre lhe ensinou com bondade e força a “desapegar seu coração das riquezas”.
Durante toda a sua vida, Doroteia considerou as riquezas de sua família não como uma fonte de diversão e dissipação, mas como um grande meio colocado em suas mãos por Deus para fazer o bem aos pobres. O P. Pedro Nardó a fez ler muitas vezes a parábola evangélica do homem rico e do pobre Lázaro. Como sinal distintivo cristão, ele aconselhou Josefina e Doroteia a se vestirem sempre com recato e simplicidade, sem os ornatos de fitas e gaze de seda leve que a moda da época impunha às jovens aristocráticas.
Doroteia recebeu em sua família a sólida educação que, naquela época, era dada às moças de famílias abastadas. Na verdade, mais tarde ela ajudou o marido muitas vezes em sua profissão de comerciante.
Esposa aos dezesseis anos de idade Os Chopiteas se encontraram em Barcelona com amigos do Chile, a família Serra, que havia retornado à Espanha pelo mesmo motivo, a independência. O pai, Mariano Serra i Soler, vinha de Palafrugell e também havia conquistado uma posição econômica brilhante. Casado com uma jovem crioula, Mariana Muñoz, ele teve quatro filhos, o mais velho dos quais, José Maria, nasceu no Chile em 4 de novembro de 1810.
Aos dezesseis anos, Doroteia viveu o momento mais delicado de sua vida. Ela estava noiva de José Maria Serra, embora o casamento fosse considerado um evento futuro. Mas aconteceu que Dom Pedro Chopitea teve de retornar à América Latina para defender seus interesses e, pouco depois, sua esposa Isabel se preparou para cruzar o Atlântico e chegar até ele no Uruguai com seus filhos mais novos. De repente, Doroteia se viu diante de uma decisão fundamental para sua vida: romper o profundo afeto que a unia a José Maria Serra e ir embora com sua mãe ou casar-se aos dezesseis anos de idade. Doroteia, seguindo o conselho do P. Pedro Nardó, decidiu se casar. O casamento foi realizado em Santa Maria do Mar em 31 de outubro de 1832.
O jovem casal se estabeleceu em Carrer Montcada, no palácio dos pais de seu marido. O entendimento entre eles era perfeito e uma fonte de felicidade e bem-estar.
Doroteia era uma pessoa magra e esguia, com um caráter forte e determinado. O “eu sempre te amarei” jurado pelos dois cônjuges diante de Deus se transformou em uma vida conjugal afetuosa e sólida, que deu origem a seis filhas: todas elas receberam o nome de Maria com vários complementos: Maria Dolores, Maria Ana, Maria Isabel, Maria Luísa, Maria Jesus e Maria do Carmo. A primeira veio ao mundo em 1834 e a última em 1845.
Cinquenta anos após o “sim” pronunciado na igreja de Santa Maria do Mar, José Maria Serra diria que em todos esses anos “nosso amor cresceu dia a dia”.
Doroteia, mãe dos pobres Doroteia é a dona da casa, na qual trabalham várias famílias de funcionários. Ela é a colega de trabalho inteligente de José Maria, que logo alcança fama e renome no mundo dos negócios. Ela está ao seu lado nos momentos de sucesso e nos momentos de incerteza e fracasso. Doroteia estava ao lado do marido quando ele viajava para o exterior. Estava com ele na Rússia do Czar Alexandre II, na Itália da família Saboia e na Roma do Papa Leão XIII.
Em sua visita a Roma, aos 62 anos de idade, foi acompanhada por sua sobrinha Isidora Pons, que testemunhou no processo apostólico: “Ela foi recebida pelo papa. A deferência com que Leão XIII tratou minha tia, a quem ofereceu seu sobretudo branco como presente, ficou impressa na minha lembrança”.
Carinhosa e forte Os funcionários da casa Serra se sentiam como parte da família. Maria Arnenos declarou sob juramento: “Ela tinha um carinho de mãe por nós, seus empregados. Cuidava de nosso bem-estar material e espiritual com um amor concreto. Quando alguém estava doente, ela cuidava para que nada lhe faltasse, cuidava até dos mínimos detalhes”. O salário pago era maior do que o dos funcionários de outras famílias.
Uma pessoa delicada, um caráter forte e determinado. Esse foi o campo de batalha no qual Doroteia lutou durante toda a sua vida para adquirir a humildade e a calma que a natureza não lhe havia dado. Por maior que fosse seu ímpeto, maior era sua força para viver sempre na presença de Deus. Foi assim que escreveu em suas anotações espirituais: “Farei todos os esforços para que, a partir da manhã, todas as minhas ações sejam dirigidas a Deus”. “Não abandonarei a meditação e a leitura espiritual sem uma razão séria”. “Farei vinte atos diários de mortificação e outros tantos atos de amor a Deus”. “Realizar todas as ações a partir de Deus e para Deus, renovando frequentemente a pureza de intenção… Prometo a Deus purificar minha intenção em todas as minhas ações”.
Cooperadora Salesiana Nas últimas décadas do século XIX, Barcelona é uma cidade em plena “revolução industrial”. A periferia da cidade estava repleta de pessoas muito pobres. Faltavam asilos, hospitais e escolas. Nos exercícios espirituais que fez em 1867, Dona Doroteia escreveu entre suas resoluções: “Minha virtude favorita será a caridade para com os pobres, mesmo que isso me custe grandes sacrifícios”. E Adriano de Gispert, segundo sobrinho de Doroteia, testemunhou: “Sei que a tia Doroteia fundou hospitais, asilos, escolas, oficinas de artes e ofícios e muitas outras obras. Lembro-me de ter visitado algumas delas em sua companhia. Quando seu marido era vivo, ele a ajudava nessas obras sociais e de caridade. Depois da morte dele, ela salvaguardou, em primeiro lugar, o patrimônio das cinco filhas; depois, seus bens pessoais (seu riquíssimo dote, o patrimônio recebido pessoalmente em herança, os bens que o marido quis registrar em seu nome), ela os usou para os pobres com uma administração cuidadosa e prudente”. Uma testemunha declarou sob juramento: “Depois de ter sustentado a família, ela dedicou o restante aos pobres como um ato de justiça”.
Tendo notícias de Dom Bosco, escreveu-lhe em 20 de setembro de 1882 (ela tinha sessenta e seis anos, Dom Bosco sessenta e sete). Disse-lhe que Barcelona era uma cidade “eminentemente industrial e mercantil”, e que sua jovem e dinâmica congregação encontraria muito trabalho entre os meninos dos subúrbios. Ofereceu uma escola para aprendizes operários.
O P. Filipe Rinaldi chegou a Barcelona em 1889, e escreve: “Fomos para Barcelona a pedido dela, porque ela queria cuidar especialmente dos jovens trabalhadores e dos órfãos abandonados. Ela comprou um terreno com uma casa, de cuja ampliação cuidou. Cheguei a Barcelona quando a construção já havia sido concluída… Vi com meus próprios olhos muitos casos de assistência a crianças, viúvas, idosos, desempregados e doentes. Muitas vezes ouvi dizer que ela prestava pessoalmente os mais humildes serviços aos doentes”.
Em 1884, pensou em confiar uma escola maternal às Filhas de Maria Auxiliadora: era preciso pensar nas crianças daquela periferia.
Dom Bosco só pôde ir a Barcelona na primavera de 1886, e as crônicas relatam amplamente a recepção triunfal que lhe foi dada na metrópole catalã e as atenções afetuosas e respeitosas com que Dona Doroteia, suas filhas, netos e parentes cercaram o santo.
Em 5 de fevereiro de 1888, quando foi informado da morte de Dom Bosco, o Beato Miguel Rua lhe escreveu: “Nosso querido pai Dom Bosco voou para o céu, deixando seus filhos cheios de tristeza”. Ele sempre demonstrou uma viva estima e um grato afeto pela nossa mãe de Barcelona, como ele a chamava, a mãe dos salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora.
Além disso, antes de morrer, ele lhe assegurou que iria preparar um bom lugar para ela no céu. Naquele mesmo ano, Dona Doroteia entregou aos salesianos o oratório e as escolas populares da rua Rocafort, no coração de Barcelona.
A última entrega à Família Salesiana foi a escola “Santa Doroteia”, confiada às Filhas de Maria Auxiliadora. Para a sua compra, eram necessárias 60.000 pesetas e a senhora as entregou dizendo: “Deus me quer pobre”. Essa soma foi sua última provisão para a velhice, o que ela guardou para viver modestamente junto com Maria, sua fiel companheira.
Na Sexta-feira Santa de 1891, na fria igreja de Maria Reparadora, enquanto fazia a coleta, contraiu pneumonia. Tinha setenta e cinco anos e logo ficou claro que não conseguiria superar a crise. O P. Rinaldi foi até ela e ficou por muito tempo ao seu lado. Ele escreveu: “Nos poucos dias em que ainda estava viva, não pensava em sua doença, mas nos pobres e em sua alma. Ela queria dizer algo em particular a cada uma de suas filhas e abençoou todas elas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, como um antigo patriarca. Enquanto estávamos ao redor de sua cama, recomendando-a ao Senhor, em um determinado momento ela ergueu os olhos. O confessor apresentou-lhe o crucifixo para que o beijasse. Nós que estávamos presentes nos ajoelhamos. Dona Doroteia se recolheu, fechou os olhos e suavemente deu seu último suspiro”.
Era o dia 3 de abril de 1891, cinco dias depois da Páscoa.
O Papa João Paulo II a declarou “venerável” em 9 de junho de 1983, ou seja, “uma cristã que praticou em grau heroico o amor a Deus e ao próximo”.
Dom Echave-Sustaeta del Villar Nicolás, sdb Vice-Postulador da Causa do Venerável
Os benfeitores de Dom Bosco
Fazer o bem aos jovens requer não só dedicação, mas também enormes recursos materiais e financeiros. Dom Bosco costumava dizer: “Tenho uma confiança ilimitada na Divina Providência, mas a Providência também quer ser ajudada por nossos imensos esforços”; dito e feito.
Aos seus missionários que partiram, em 11 de novembro de 1875, Dom Bosco deu 20 preciosas “Lembranças”. A primeira foi: “Procurai almas, e não dinheiro, honras, dignidade”. O próprio Dom Bosco teve que ir em busca de dinheiro a vida inteira, mas queria que seus filhos não se afanassem em busca de dinheiro, que não se preocupassem quando lhes faltasse, que não perdessem a cabeça quando encontrassem algum, mas que estivessem prontos para toda humilhação e sacrifício na busca do necessário, com plena confiança na Divina Providência que nunca lhes faltaria. E ele lhes deu o exemplo.
“O Santo de milhões!” Durante sua vida, Dom Bosco manejou grandes somas de dinheiro, recolhidas ao preço de enormes sacrifícios, de coletas humilhantes, de loterias laboriosas, de peregrinações incessantes. Com esse dinheiro ele deu pão, roupa, alojamento e trabalho a muitos meninos pobres, comprou casas, abriu internatos e colégios, construiu igrejas, projetou grandes iniciativas de publicações e editoriais, lançou missões salesianas na América e, finalmente, já enfraquecido pelos achaques da velhice, em obediência ao Papa, ergueu ainda a Basílica do Sagrado Coração em Roma. Nem todos compreenderam o espírito que o animava, nem todos apreciaram suas atividades multifacetadas e a imprensa anticlerical se entregou a insinuações ridículas. No dia 4 de abril de 1872, o periódico satírico de Turim “Il Fischietto” dizia que Dom Bosco tinha “fundos fabulosos”, enquanto que por ocasião de sua morte, Luís Pietracqua publicou um soneto blasfemo no jornal “Il Birichin”, no qual ele chamava Dom Bosco de um homem astuto “capaz de tirar sangue de um nabo” e o definia como “o Santo de milhões”, porque ele teria juntado milhões à pazadas, sem ganhá-los com seu próprio suor. Aqueles que conhecem o estilo de pobreza em que o santo viveu e morreu podem facilmente compreender quão injusta era a sátira de Pietracqua. Dom Bosco foi, sim, um hábil administrador do dinheiro que a caridade das pessoas de bem lhe traziam, mas nunca guardou nada para si. Os móveis de seu pequeno quarto em Valdocco consistiam de uma cama de ferro, uma mesinha, uma cadeira e, mais tarde, um sofá, sem cortinas nas janelas, sem tapetes, nem mesmo um tapete de cabeceira. Na sua última doença, atormentado pela sede, quando lhe deram água com gás para lhe dar alívio, ele não queria beber, acreditando que fosse uma bebida cara. Foi preciso assegurar-lhe que só custava sete centavos por garrafa. Poucos dias antes de morrer, ordenou ao P. Viglietti que olhasse nos bolsos de sua roupa e desse ao P. Rua a bolsa, para que ele pudesse morrer sem um centavo no bolso.
Nobreza filantrópica As Memórias Biográficas e o Epistolário de Dom Bosco fornecem uma rica documentação a respeito de seus benfeitores. Encontramos aí os nomes de quase 300 famílias nobres, das quais é impossível dar uma lista aqui.
Certamente não devemos cometer o erro de limitar os benfeitores de Dom Bosco apenas à nobreza. Ele obteve ajuda e colaboração desinteressada de milhares de outras pessoas da classe eclesiástica e civil, da burguesia e do povo, a começar por aquela incomparável benfeitora que foi Mamãe Margarida. Fixemo-nos sobre uma figura da nobreza que se distinguiu no apoio à obra de Dom Bosco, apontando a atitude simples e delicada e, ao mesmo tempo, corajosa e apostólica que ele soube manter para receber e fazer o bem. Em 1866, Dom Bosco dirigia uma carta à Condessa Enrichetta Bosco di Ruffino, de solteira Riccardi, que havia anos estava em contato com o Oratório de Valdocco. Ela era uma das senhoras que se reunia semanalmente para consertar as roupas dos jovens internos. Aqui está o texto:
“Benemérita Senhora Condessa, Não posso fazer uma visita a Vossa Senhoria como desejo; mas vou com a pessoa de Jesus Cristo escondida sob esses trapos que lhe recomendo para que, na sua caridade, a senhora os conserte. É uma coisa pequena no tempo; mas espero que para a senhora seja um tesouro para a eternidade. Deus a abençoe, ao seu trabalho e toda a sua família, enquanto eu tenho a honra de poder professar com plena estima de Vossa Senhoria Benemérita, Obrigadíssimo servidor”. P. João Bosco. Turim, 16 de maio de 1866.”
Carta de Dom Bosco aos benfeitores
Nessa carta, Dom Bosco pede desculpas por não poder ir pessoalmente visitar a Condessa. Em troca, ele lhe envia um pacote de trapos dos meninos do Oratório para… remendar… uma coisa pobre (“roba grama”, em piemontês, correspondente a “robaccia” em italiano) diante dos homens, mas um tesouro precioso para aqueles que vestem os nus por amor de Cristo! Há aqueles que quiseram ver nas relações de Dom Bosco com os ricos uma cortesia interessada. Mas há aqui manifesta-se um autêntico espírito evangélico!
Vera Grita, Mística da Eucaristia
No centenário do nascimento da Serva de Deus Vera Grita, leiga Cooperadora Salesiana (Roma, 28 de janeiro de 1923 – Pietra Ligure, 22 de dezembro de 1969), é apresentado um perfil biográfico e espiritual do seu testemunho.
Roma, Modica, Savona Vera Grita nasceu em Roma, em 28 de janeiro de 1923, a segunda filha de Amleto, fotógrafo de profissão há gerações, e Maria Ana Zacco della Pirrera, de origens nobres. A família unida também incluía sua irmã mais velha Josefa (chamada Pina) e as irmãs mais novas Liliana e Santa Rosa (chamada Rosa). No dia 14 de dezembro do mesmo ano Vera foi batizada na paróquia de São Joaquim, em Prati, também em Roma.
Já desde criança, Vera mostrou um caráter bom e suave que não seria abalado pelos acontecimentos negativos que lhe sucederam: aos onze anos de idade ela teve que deixar sua família e desprender-se de seus queridos mais próximos, junto com sua irmã mais nova Liliana, para juntar-se a suas tias paternas em Modica, na Sicília, que se dispuseram a ajudar os pais de Vera, atingidos por dificuldades financeiras devido à crise econômica de 1929-1930. Durante este período, Vera mostra sua ternura para com sua irmã mais nova, ficando perto dela quando esta chorava à noite com saudades de sua mãe. Vera é atraída por uma grande pintura do Sagrado Coração de Jesus, pendurada na sala onde ela recita as orações da manhã e o terço todos os dias com suas tias. Permanece frequentemente em silêncio diante daquela pintura e repete que quer ser religiosa quando crescer. No dia de sua Primeira Comunhão (24 de maio de 1934) ela não queria tirar sua roupa branca porque temia não mostrar a Jesus a alegria de tê-lo em seu coração. Na escola ela consegue bons resultados e é sociável com suas colegas de classe. Aos 17 anos de idade, em 1940, ela voltou para a sua família. A família se mudou para Savona e Vera se formou no ano seguinte no Instituto de Educação. Ela estava com vinte anos de idade quando teve que enfrentar uma nova e dolorosa separação, devido à morte prematura de seu pai Amleto (1943); então renunciou aos estudos universitários aos quais aspirava, a fim de ajudar financeiramente a família.
No dia da Primeira Comunhão
O drama da guerra Mas é a Segunda Guerra Mundial com o bombardeio de Savona em 1944 que causará danos irreparáveis a Vera e determinará o curso subsequente de sua vida. Ela é atropelada e pisoteada pela multidão em fuga, que procura refúgio em um túnel-abrigo.
Vera por volta dos 14-15 anos de idade
A medicina chama de síndrome de esmagamento as consequências físicas que ocorrem após bombardeios, terremotos, colapsos estruturais, como resultado dos quais um membro ou o corpo inteiro é esmagado. O que então ocorre é um dano muscular que afeta todo o corpo, especialmente os rins. Como resultado do esmagamento, Vera sofrerá lesões lombares e nas costas que causarão danos irreparáveis à sua saúde com febres, dores de cabeça e pleurisia. Com este dramático evento começou a ‘Via Sacra’ de Vera que duraria 25 anos, durante os quais ela alternaria longas estadias hospitalares com seu trabalho. Aos 32 anos de idade, ela é diagnosticada com a doença de Addison, que a consumirá ao debilitar seu organismo: Vera pesará apenas 40 quilos. Aos 36 anos de idade, Vera sofreu uma histerectomia total (1959), que causou sua menopausa prematura e exacerbou a astenia da qual já sofria como resultado da doença de Addison. Apesar de sua condição física precária, Vera venceu um concurso como professora da escola elementar. Ela se dedicou ao ensino durante os últimos dez anos de sua vida terrena, servindo em escolas no interior da Ligúria que eram de difícil acesso (Rialto, Erli, Alpicella, Deserto di Varazze), despertando estima e afeto entre suas colegas, pais e alunos.
Salesiana Cooperadora Em Savona, na paróquia salesiana de Maria Auxiliadora, ela participava da Missa e foi assídua ao sacramento da Penitência. Desde 1963, seu confessor é o padre João Bocchi, salesiano. Salesiana Cooperadora desde 1967, realizou seu chamado no dom total de si ao Senhor, que de maneira extraordinária se entregou a ela, no mais profundo de seu coração, com a “Voz”, com a “Palavra”, para comunicar-lhe a Obra dos Tabernáculos Vivos. Ela submeteu todos os seus escritos ao seu diretor espiritual, o salesiano P. Gabriel Zucconi, e guardou no silêncio do seu coração o segredo daquele chamado, guiada pelo divino Mestre e pela Virgem Maria que a acompanhariam pelo caminho da vida escondida, do despojamento e do autoesvaziamento.
Sob o impulso da graça divina e aceitando a mediação de seus guias espirituais, Vera Grita respondeu ao dom de Deus, testemunhando em sua vida, marcada pelo cansaço da doença, o encontro com o Ressuscitado, e dedicando-se com generosidade heroica ao ensino e à educação de seus alunos, contribuindo para as necessidades de sua família e dando testemunho de uma vida de pobreza evangélica. Centrada e firme no Deus que a ama e sustenta, com grande firmeza interior ela se torna capaz de suportar as provações e os sofrimentos da vida. Com base nesta solidez interior, ela dá testemunho de uma existência cristã feita de paciência e constância no bem. Morreu em 22 de dezembro de 1969 em Pietra Ligure, no hospital do Santo Rosário, num quartinho onde ela passou os últimos seis meses de sua vida, enquanto aumentavam seus sofrimentos, aceitos e vividos em união com Jesus Crucificado. “A alma de Vera”, escreveu o P. José Borra, salesiano, seu primeiro biógrafo, “com suas mensagens e cartas entra nas fileiras daquelas almas carismáticas, chamadas a enriquecer a Igreja com chamas de amor a Deus e a Jesus na Eucaristia para a expansão do Reino”. Ela é um daqueles grãos de trigo que o Céu deixou cair na Terra para dar frutos, em seu próprio tempo, em silêncio e escondimento.
Em peregrinação a Lourdes
Vera de Jesus A vida de Vera Grita se desenvolveu no curto período de 46 anos, marcados por dramáticos eventos históricos como a grande crise econômica de 1929-1930 e a Segunda Guerra Mundial, e depois terminou no limiar de outro evento histórico significativo: o protesto de 1968, que teria profundas repercussões em nível cultural, social, político, religioso e eclesial.
Com alguns membros da família
A vida de Vera começa, se desenvolve e termina em meio a esses eventos históricos dos quais ela sofre as dramáticas consequências em nível familiar, emocional e físico. Ao mesmo tempo, sua história mostra como ela passou por esses eventos enfrentando-os com a força de sua fé em Jesus Cristo, dando assim testemunho de uma fidelidade heroica ao Amor crucificado e ressuscitado. Fidelidade que, no final de sua vida terrena, o Senhor retribuirá dando-lhe um novo nome: Vera de Jesus. “Eu te dei meu Santo Nome, e de agora em diante serás chamada e serás “Vera de Jesus” (Mensagem de 3 de dezembro de 1968). Provada por várias doenças que, com o tempo, delinearam uma situação de desgaste físico generalizado e irrecuperável, Vera vive no mundo sem ser do mundo, mantendo estabilidade e equilíbrio interior devido à sua união com Jesus na Eucaristia recebida diariamente e à consciência da permanência eucarística em sua alma. Portanto a Santa Missa é o centro da vida diária e espiritual de Vera, na qual, como uma pequena “gota d’água”, ela se une ao vinho para estar inseparavelmente unida ao Amor infinito que continuamente se doa, salva e sustenta o mundo. Alguns meses antes de sua morte, Vera escreveu ao seu pai espiritual, o P. Gabriel Zucconi: “As doenças que carrego dentro de mim há mais de vinte anos degeneraram; devorada pela febre e pela dor em todos os meus ossos, estou viva na Santa Missa”. Novamente: “Permanece a chama da Santa Missa, a centelha divina que me anima, me dá vida; depois o trabalho, as crianças, a família, a impossibilidade de encontrar um lugar tranquilo em que possa me isolar para rezar, ou o cansaço físico depois da escola”.
A Obra dos Tabernáculos Vivos Durante os longos anos de sofrimento, consciente de sua fragilidade e limitação humana, Vera aprendeu a confiar-se a Deus e a abandonar-se totalmente à sua vontade. Ela manteve esta docilidade mesmo quando o Senhor lhe comunicou a Obra dos Tabernáculos Vivos, nos últimos 2 anos e 4 meses de sua vida terrena. Seu amor pela vontade de Deus a levou ao dom total de si mesma: primeiro com votos particulares e o voto de “pequena vítima” para os sacerdotes (2 de fevereiro de 1965); depois com a oferta de sua vida (5 de novembro de 1968) pelo nascimento e desenvolvimento da Obra dos Tabernáculos Vivos, sempre em plena obediência ao seu diretor espiritual. Em 19 de setembro de 1967, ela iniciou a experiência mística que a convidava a viver plenamente a alegria e dignidade de ser filha de Deus, em comunhão com a Trindade e na intimidade eucarística com Jesus recebido na Sagrada Comunhão e presente no Tabernáculo. “O vinho e a água somos nós: Eu e tu, tu e Eu”. Nós somos um só: eu escavo em ti, escavo, escavo para construir um templo para mim: deixa-me trabalhar, não ponhas obstáculos no meu caminho; […] a vontade do meu Pai é esta: que Eu permaneça em ti, e tu em Mim. Juntos daremos grandes frutos”. Há 186 mensagens que compõem a Obra dos Tabernáculos Vivos que Veraescreveu, lutando com o medo de ser vítima do engano, e obedecendo ao P. Zucconi. O “Leve-me com você” expressa de uma maneira simples o convite de Jesus para Vera. Onde, leva-me contigo? Onde moras: Vera é educada e preparada por Jesus para viver em união com Ele. Jesus quer entrar na vida dela, na sua família, na escola onde ela ensina. Um convite dirigido a todos os cristãos. Jesus quer sair da Igreja de pedra e quer viver em nossos corações com a Eucaristia, com a graça da permanência eucarística em nossas almas. Ele quer vir conosco para onde vamos, para viver nossa vida familiar, e quer alcançar aqueles que vivem longe dele, vivendo em nós.
Na esteira do carisma salesiano Na Obra dos Tabernáculos Vivos há referências explícitas a Dom Bosco e ao seu “da mihi animas cetera tolle”, para viver em união com Deus e confiar em Maria Auxiliadora, para doar Deus através de um apostolado incansável que coopere na salvação da humanidade. A Obra, pela vontade do Senhor, é confiada em primeira instância aos filhos de Dom Bosco para sua realização e difusão nas paróquias, nos institutos religiosos e na Igreja: “Escolhi os Salesianos porque eles vivem com os jovens, mas sua vida de apostolado deve ser mais intensa, mais ativa, mais sentida”.
A Causa de Beatificação da Serva de Deus Vera Grita foi lançada no dia 22 de dezembro de 2019, 50º aniversário de sua morte, em Savona, com a apresentação do ‘Supplice libello’ ao bispo diocesano, Dom Calógero Marino, pelo Postulador, P. Pierluigi Cameroni. O Ator da Causa é a Congregação Salesiana. O Inquérito Diocesano foi realizado de 10 de abril a 15 de maio de 2022, na Cúria em Savona. O Dicastério para as Causas dos Santos deu validade jurídica a este Inquérito em 16 de dezembro de 2022. Como o Reitor-Mor escreveu na Estreia deste ano: “Vera Grita testemunha, antes de tudo, uma orientação eucarística totalizante, que se tornou explícita especialmente nos últimos anos de sua existência. Ela não pensou em termos de programas, iniciativas apostólicas, projetos: ela acolheu o “projeto” fundamental que é aquele de Jesus, a ponto de torná-lo sua própria vida. O mundo de hoje confirma uma grande necessidade da Eucaristia. Sua caminhada na cansativa laboriosidade de todos os dias oferece uma nova perspectiva laical à santidade, tornando-se exemplo de conversão, aceitação e santificação pelos “pobres”, “frágeis”, “doentes” que nela podem se reconhecer e obter esperança. Como Salesiana Cooperadora, Vera Grita vive e trabalha, ensina e encontra pessoas com uma diferenciada sensibilidade salesiana: da doçura da sua presença discreta mas eficaz, à capacidade de fazer-se amar pelas crianças e suas famílias; da pedagogia da bondade que vive com seu sorriso constante à generosa prontidão com que, atenta às dificuldades, volta sua atenção para o último, o pequeno, o distante, o esquecido; da sua generosa paixão por Deus e Sua glória até o caminho da cruz, entregando tudo em sua condição de doente”.