O Venerável Mons. Stefano Ferrando

Monsenhor Stefano Ferrando foi um exemplo extraordinário de dedicação missionária e serviço episcopal, unindo o carisma salesiano a uma vocação profunda ao serviço dos mais pobres. Nascido em 1895 no Piemonte, entrou jovem na Congregação Salesiana e, após servir no exército durante a Primeira Guerra Mundial, o que lhe valeu a medalha de prata por valor, dedicou-se ao apostolado na Índia. Bispo de Krishnagar e depois de Shillong por mais de trinta anos, caminhou incansavelmente entre as populações, promovendo a evangelização com humildade e profundo amor pastoral. Fundou instituições, apoiou os catequistas leigos e encarnou em sua vida o lema “Apóstolo de Cristo”. Sua vida foi um exemplo de fé, entrega a Deus e doação total, deixando um legado espiritual que continua a inspirar a missão salesiana no mundo.

O Venerável Bispo Dom Estêvão Ferrando soube conjugar a vocação salesiana com o carisma missionário e o ministério episcopal. Nascido em 28 de setembro de 1895, em Rossiglione (Gênova, diocese de Acqui), filho de Agostinho e Josefina Salvi, distinguiu-se por um ardente amor a Deus e uma terna devoção à Santíssima Virgem Maria. Em 1904, ingressou nas escolas salesianas, primeiramente em Fossano e depois em Turim-Valdocco, onde conheceu os sucessores de Dom Bosco e a primeira geração de salesianos, e iniciou seus estudos sacerdotais; nesse meio tempo, alimentou o desejo de partir como missionário. Em 13 de setembro de 1912, fez sua primeira profissão religiosa na Congregação Salesiana de Foglizzo. Convocado às armas em 1915, participou da Primeira Guerra Mundial. Por sua coragem, recebeu a medalha de prata por bravura. Voltou para casa em 1918; emitiu seus votos perpétuos em 26 de dezembro de 1920.
Foi ordenado sacerdote no Bairro São Martinho (Alessandria) em 18 de março de 1923. Em 2 de dezembro do mesmo ano, com nove companheiros, embarcou em Veneza como missionário para a Índia. Em 18 de dezembro, após 16 dias de viagem, o grupo chegou a Bombaim e, em 23 de dezembro, a Shillong, local de seu novo apostolado. Como mestre de noviços, ele educou os jovens salesianos no amor de Jesus e Maria e tinha um grande espírito de apostolado.
Em 9 de agosto de 1934, o Papa Pio XI o nomeou Bispo de Krishnagar. Seu lema era “Apóstolo de Cristo”. Em 26 de novembro de 1935, foi transferido para Shillong, onde permaneceu como bispo por 34 anos. Enquanto trabalhava em uma situação difícil de impacto cultural, religioso e social, o Bispo Dom Ferrando trabalhou incansavelmente para estar perto das pessoas que lhe foram confiadas, trabalhando com zelo na vasta diocese que abrangia toda a região do nordeste da Índia. Ele preferia viajar a pé em vez do carro, que teria à sua disposição: isso lhe permitia conhecer as pessoas, parar e conversar com elas, envolver-se em suas vidas. Esse contato ao vivo com a vida das pessoas foi um dos principais motivos da fecundidade de sua proclamação evangélica: a humildade, a simplicidade e o amor pelos pobres levaram muitos a se converterem e a pedir o batismo. Ele fundou um seminário para a formação de jovens salesianos indianos, construiu um hospital, ergueu um santuário dedicado a Maria Auxiliadora e fundou a primeira congregação de irmãs autóctones, a Congregação das Irmãs Missionárias de Maria Auxiliadora (1942).

Homem de caráter forte, ele não desanimou diante das inúmeras dificuldades, que enfrentou com um sorriso e a mansidão. A perseverança diante dos obstáculos era uma de suas principais características. Ele procurou unir a mensagem do Evangelho à cultura local na qual ela deveria ser inserida. Era intrépido em suas visitas pastorais, que fazia aos lugares mais remotos da diocese, a fim de recuperar a última ovelha perdida. Mostrou sensibilidade e promoção especiais para com os catequistas leigos, que considerava complementares à missão do bispo e dos quais dependia grande parte da fecundidade da proclamação do Evangelho e de sua penetração no território. Sua atenção ao trabalho de pastoral familiar também era imensa. Apesar de seus inúmeros compromissos, o Venerável era um homem com uma rica vida interior, alimentada pela oração e pelo recolhimento. Como pastor, era apreciado por suas irmãs, sacerdotes, irmãos salesianos e no episcopado, bem como pelo povo, que o sentia profundamente próximo a eles. Ele se doou de forma criativa ao seu rebanho, cuidando dos pobres, defendendo os intocáveis, cuidando dos doentes de cólera.
As pedras angulares de sua espiritualidade eram o vínculo filial com a Virgem Maria, o zelo missionário, a referência contínua a Dom Bosco, como se depreende de seus escritos e de toda a sua atividade missionária. O momento mais luminoso e heroico de sua vida virtuosa foi sua partida da diocese de Shillong. Dom Ferrando teve que apresentar sua renúncia ao Santo Padre quando ainda estava na plenitude de suas faculdades físicas e intelectuais, para permitir a nomeação de seu sucessor, que deveria ser escolhido, de acordo com as instruções superiores, entre os sacerdotes autóctones que ele havia formado. Foi um momento particularmente doloroso, vivido pelo grande bispo com humildade e obediência. Ele entendeu que era hora de se retirar em oração, de acordo com a vontade do Senhor.
Retornou a Gênova em 1969 e continuou sua atividade pastoral, presidindo as cerimônias de confirmação e dedicando-se ao sacramento da penitência.
Foi fiel à vida religiosa salesiana até o fim, decidindo viver em comunidade e renunciando aos privilégios que sua posição como bispo poderia ter-lhe reservado. Continuou a ser “um missionário” na Itália. Não “um missionário que se desloca, mas […] um missionário que é. Sua vida nessa última temporada tornou-se uma vida “irradiante”. Ele se tornou um “missionário da oração” que dizia: “Estou feliz por ter vindo embora para que outros pudessem me substituir e fazer obras tão maravilhosas”.
De Gênova Quarto, ele continuou a animar a missão em Assam, aumentando a conscientização e enviando ajuda financeira. Viveu essa hora de purificação com espírito de fé, de abandono à vontade de Deus e de obediência, tocando com as próprias mãos o pleno significado da expressão evangélica “somos apenas servos inúteis”, e confirmando com sua vida o caetera tolle, o aspecto oblativo-sacrifical da vocação salesiana. Morreu em 20 de junho de 1978 e foi sepultado em Rossiglione, sua terra natal. Em 1987, seus restos mortais foram levados de volta à Índia.

Na docilidade ao Espírito, desenvolveu uma fecunda ação pastoral, que se manifestou no grande amor aos pobres, na humildade de espírito e na caridade fraterna, na alegria e no otimismo do espírito salesiano.
Junto com muitos missionários que compartilharam com ele a aventura do Espírito na terra da Índia, entre os quais os Servos de Deus Francisco Convertini, Constantino Vendrame e Orestes Marengo, Dom Ferrando inaugurou um novo método missionário: ser missionário itinerante. Esse exemplo é um incentivo providencial, especialmente para as congregações religiosas tentadas por um processo de institucionalização e fechamento, para que não percam a paixão de ir ao encontro das pessoas e das situações de maior pobreza e miséria material e espiritual, indo aonde ninguém quer ir e confiando, como ele fez. “Olho para o futuro com confiança, confiando em Maria Auxiliadora… Vou me confiar a Maria Auxiliadora, que já me salvou de tantos perigos”.




Dom Bosco com seus salesianos

Se com seus meninos Dom Bosco brincava alegremente para vê-los alegres e serenos, com seus salesianos revelava também em tom de brincadeira a estima que tinha por eles, o desejo de vê-los formar com ele uma grande família, pobre sim, mas confiante na Divina Providência, unida na fé e na caridade.

Os feudos de Dom Bosco
Em 1830, Margarida Occhiena, viúva de Francisco Bosco, fez a divisão dos bens herdados de seu marido entre seu enteado Antônio e seus dois filhos José e João. Consistia, entre outras coisas, de oito lotes de terra com prado, campo e vinhedo. Não sabemos nada exato sobre os critérios seguidos por Mamãe Margarida ao dividir a herança paterna entre os três. Entretanto, entre os lotes de terra havia um vinhedo próximo aos Becchi (em Bric dei Pin), um campo em Valcapone (ou Valcappone) e outro em Bacajan (ou Bacaiau). De qualquer forma, essas três terras constituem os “feudos” que Dom Bosco, às vezes, chamava por brincadeira de sua propriedade.
Os Becchi, como todos sabemos, são o humilde povoado do vilarejo onde Dom Bosco nasceu; Valcapponé (ou Valcapone) era um local a leste do Colle, sob a Serra di Capriglio, mas no fundo do vale, na área conhecida como Sbaruau (= espantalho), porque era densamente arborizada, com algumas cabanas escondidas entre os galhos, que serviam como local de armazenamento para lavanderias e como refúgio para bandidos. Bacajan (ou Bacaiau) era um campo a leste do Colle, entre os lotes de Valcapone e Morialdo. Estes são os “feudos” de Dom Bosco!
As Memórias Biográficas dizem que, por algum tempo, Dom Bosco conferiu títulos de nobreza a seus colaboradores leigos. Assim, havia o Conde dos Becchi, o Marquês de Valcappone, o Barão de Bacaiau, isto é, os três terrenos que Dom Bosco devia conhecer como parte de sua herança. “Com esses títulos costumava chamar Rossi, Gastini, Enria, Pelazza, Buzzetti, não só em casa, mas também fora, sobretudo quando viajava com alguns deles” (MB VIII, 198-199 – MB VIII, 231-232).
Entre esses “nobres” salesianos, sabemos com certeza que o conde dos Becchi (ou do Bricco del Pino) era José Rossi, o primeiro salesiano leigo, ou “Coadjutor”, que amava Dom Bosco como um filho muito afeiçoado e lhe foi fiel para sempre.
Um dia, Dom Bosco foi à estação de Porta Nova e José Rossi o acompanhou carregando sua mala. Eles chegaram quando o trem estava prestes a partir e os vagões estavam cheios de gente. Dom Bosco, não conseguindo encontrar um assento, voltou-se para Rossi e, em voz alta, disse-lhe:
– Oh, senhor conde, lamento que esteja tendo tanto trabalho por mim!
– Imagine, Dom Bosco, é uma honra para mim!
Alguns viajantes que estavam na janela, ao ouvirem aquelas palavras “Senhor Conde” e “Dom Bosco”, olharam uns para os outros com espanto e um deles gritou do vagão:
– Dom Bosco! Senhor Conde! Subam aqui; ainda há dois lugares!
– Mas eu não queria incomodá-los – respondeu Dom Bosco.
– Subam! É uma honra para nós. Vou retirar minhas malas; estarão à vontade!
E assim o “Conde dos Becchi” pôde entrar no trem com Dom Bosco e a mala.

As bombas e uma cabana
Dom Bosco viveu e morreu pobre. Para comer, ele se contentava com muito pouco. Até mesmo um copo de vinho já era demais para ele, e ele sistematicamente misturava com água.
“Muitas vezes se esquecia de beber por estar absorto em outros pensamentos, e cabia aos vizinhos de mesa completar-lhe o copo. Então, se o vinho era do bom, logo procurava água “para fazê-lo melhor”, dizia. E acrescentava sorrindo: ‘Renunciei ao mundo e ao demônio, mas não às pompas’, aludindo às bombas que tiram água dos poços” (MB IV, 191-192 – MBp IV, 181).
Até mesmo para as acomodações, sabemos como ele vivia. Em 12 de setembro de 1873, foi realizada a Conferência Geral dos Salesianos para reeleger um ecônomo e três conselheiros. Naquela ocasião, Dom Bosco pronunciou palavras memoráveis e proféticas sobre o desenvolvimento da Congregação. Então, quando chegou a hora de falar sobre o Capítulo Superior, que a essa altura parecia precisar de uma residência adequada, ele disse, em meio à hilaridade universal: “Se fosse possível, eu gostaria de fazer no meio do pátio uma ‘söpanta’ (leia-se: supanta = barraca, abrigo), onde o Capítulo Superior pudesse ficar separado de todos os mortais. Como os membros deste Capítulo Superior têm o direito de continuar a viver nesta terra, ele poderá estar ora aqui, ora lá, nas diversas casas, segundo parecer melhor!” (MB X, 1061-1062 – MBp X, 888-889).

Otis, botis, pija tutis
Um jovem lhe perguntava um dia como ele conhecia o futuro e adivinhava tantos segredos. Respondeu-lhe:
– “Escute-me. A maneira é esta, e se explica com: Ótis, bótis, pija tútis. Sabe o que significam estas palavras? Preste atenção. São palavras gregas. E soletrando, repetiu: Ó-tis, bó-tis, pi-ja tú-tis. Entende?
– É um negócio complicado de entender!
– Também sei disso. Eu mesmo nunca quis revelar a ninguém o que significa essa epígrafe. E ninguém sabe mesmo. Nem nunca saberá. É conveniente não o revelar. Este é o grande segredo com que opero todas as coisas fora do comum. Com ele eu leio as consciências, e por meio dele revelam-se os mistérios. Mas se você é esperto, veja se pode entender alguma coisa.
E repetia aquelas quatro palavras, acentuando-as sucessivamente ao pronunciar cada uma delas. Passava o indicador na testa, sobre a boca, sobre o queixo, sobre o peito do jovem e acabava por dar-lhe, de improviso, um tapinha no rosto. O jovem ria, mas insistia:
– Mas, ao menos, traduza-me as quatro palavras em língua vulgar.
– Posso traduzi-las, mas não entenderá a tradução.
E, brincando, falava em dialeto piemontês:
– Quand ch’at dan ed bòte, pije tute (Quando lhe dão bofetadas, tome-as todas) (MB VI, 424 – MB VI, 401-402). E queria dizer que, para se tornar santo, é preciso aceitar todos os sofrimentos que a vida nos reserva.

Protetor dos funileiros
Todos os anos, os jovens do Oratório de São Leão, em Marselha, faziam um passeio à casa do Sr. Olive, um generoso benfeitor dos Salesianos. Naquela ocasião, o pai e a mãe serviam os superiores à mesa, e seus filhos, os alunos.

Em 1884, o passeio aconteceu durante a estada de Dom Bosco em Marselha.
Enquanto os alunos estavam se divertindo nos jardins, o cozinheiro correu até a Madame Olive para lhe dizer:
– Madame, a panela de sopa para os meninos está vazando e não há como remediar a isso. Terão de ficar sem sopa!
A senhora, que tinha muita fé em Dom Bosco, teve uma ideia. Mandou chamar todos os jovens:
– “Escutem”, disse-lhes ela, “se quiserem comer a sopa, ajoelhem-se aqui e rezem uma oração a Dom Bosco para que a panela deixe de vazar”.
Eles obedeceram. A panela parou de vazar instantaneamente. Mas Dom Bosco, ao ouvir o fato, riu muito e disse:
– De agora em diante, chamarão Dom Bosco de patrono dos funileiros (MB XVII, 55-56).




O cardeal Augusto Hlond

Era o segundo de 11 filhos; seu pai era um trabalhador ferroviário. Tendo recebido de seus pais uma fé simples, mas forte, aos 12 anos, atraído pela fama de Dom Bosco, seguiu seu irmão Inácio para a Itália para se consagrar ao Senhor na Sociedade Salesiana; e logo atraiu outros dois irmãos para lá: Antônio, que se tornaria salesiano e um músico renomado, e Clemente, que se tornaria missionário. O colégio de Valsalice o acolheu para seus estudos ginasiais. Em seguida, foi admitido no noviciado e recebeu a batina do Beato Miguel Rua (1896). Depois de fazer sua profissão religiosa em 1897, seus superiores o enviaram a Roma, à Universidade Gregoriana, para o curso de filosofia, que ele coroou com um diploma. De Roma, retornou à Polônia para fazer seu tirocínio prático no colégio de Oświęcim. Sua fidelidade ao sistema de educação de Dom Bosco, seu compromisso com a assistência e com a escola, sua dedicação aos jovens e a amabilidade de seus modos lhe renderam grande ascendência. Ele também se tornou rapidamente conhecido por seu talento musical.
Concluídos os estudos de teologia, recebeu a ordenação sacerdotal em 23 de setembro de 1905; foi ordenado em Cracóvia pelo bispo Dom Nowak. De 1905 a 1909, frequentou a Faculdade de Artes das Universidades de Cracóvia e Leópolis. Em 1907, foi encarregado da nova casa em Przemyśl (1907-1909), de onde passou a dirigir a casa de Viena (1909-1919). Ali, sua coragem e habilidade pessoal tiveram um alcance ainda maior devido às dificuldades específicas que o instituto enfrentou na capital imperial. O P. Augusto Hlond, com sua virtude e tato, conseguiu, em pouco tempo, não apenas resolver a situação econômica, mas também fazer florescer um trabalho com jovens que atraiu a admiração de todas as classes de pessoas. O cuidado com os pobres, os trabalhadores e os filhos do povo lhe atraiu a afeição das classes mais humildes. Querido pelos bispos e núncios apostólicos, ele gozava da estima das autoridades e da própria família imperial. Em reconhecimento a esse trabalho social e educativo, por três vezes, recebeu algumas das mais prestigiosas honrarias.
Em 1919, o desenvolvimento da Inspetoria Austro-Húngara aconselhou uma divisão proporcional ao número de casas, e os superiores nomearam o P. Hlond como inspetor da Inspetoria Germano-Húngara, com sede em Viena (1919-1922), confiando-lhe o cuidado dos coirmãos austríacos, alemães e húngaros. Em menos de três anos, o jovem inspetor abriu uma dúzia de novas presenças salesianas e as formou no mais genuíno espírito salesiano, suscitando numerosas vocações.
Estava em pleno fervor de sua atividade salesiana quando, em 1922, tendo a Santa Sé que providenciar a organização religiosa para a Silésia polonesa, ainda sangrando por conflitos políticos e nacionais, o Santo Padre Pio XI confiou-lhe a delicada missão, nomeando-o Administrador Apostólico. Sua mediação entre alemães e poloneses deu origem, em 1925, à diocese de Katowice, da qual se tornou bispo. Em 1926, ficou Arcebispo de Gniezno e Poznań e Primaz da Polônia. No ano seguinte, o Papa o criou cardeal. Em 1932, fundou a Sociedade de Cristo para os emigrantes poloneses, com o objetivo de ajudar os muitos compatriotas que haviam deixado o país.
Em março de 1939, participou do conclave que elegeu Pio XII. Em 1º de setembro do mesmo ano, os nazistas invadiram a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. O cardeal levantou sua voz contra as violações dos direitos humanos e da liberdade religiosa cometidas por Hitler. Forçado ao exílio, ele se refugiou na França, na Abadia de Hautecombe, denunciando a perseguição aos judeus na Polônia. A Gestapo entrou na abadia e o prendeu, deportando-o para Paris. O cardeal se recusa categoricamente a apoiar a formação de um governo polonês pró-nazista. Ele foi preso primeiro em Lorena e depois em Westfália. Libertado pelas tropas aliadas, ele retornou à sua terra natal em 1945.
Na nova Polônia libertada do nazismo, ele encontrou o comunismo. Ele defendeu corajosamente os poloneses contra a opressão marxista ateísta, escapando até mesmo de várias tentativas de assassinato. Morreu em 22 de outubro de 1948 de pneumonia, aos 67 anos de idade. Milhares de pessoas compareceram ao seu funeral.
O Cardeal Hlond era um homem virtuoso, um exemplo brilhante de religioso salesiano e um pastor generoso e austero, capaz de visões proféticas. Obediente à Igreja e firme no exercício da autoridade, demonstrou humildade heroica e constância inequívoca nos momentos de maior provação. Cultivou a pobreza e praticou a justiça para com os pobres e necessitados. Os dois pilares de sua vida espiritual, na escola de São João Bosco, eram a Eucaristia e Maria Auxiliadora.
Na história da Igreja da Polônia, o Cardeal Augusto Hlond foi uma das figuras mais eminentes pelo testemunho religioso de sua vida, pela grandeza, variedade e originalidade de seu ministério pastoral, pelos sofrimentos que enfrentou com um intrépido espírito cristão pelo Reino de Deus. O ardor apostólico distinguiu o trabalho pastoral e a fisionomia espiritual do Venerável Augusto Hlond, que tomou como lema episcopal Da mihi animas coetera tolle, como verdadeiro filho de São João Bosco; confirmou-o com sua vida de consagrado e de bispo, dando testemunho de incansável caridade pastoral.
Devemos lembrar o seu grande amor a Nossa Senhora, aprendido em sua família e a grande devoção do povo polonês à Mãe de Deus, venerada no santuário de Częstochowa. Além disso, de Turim, onde iniciou sua jornada como salesiano, difundiu o culto a Maria Auxiliadora na Polônia e consagrou a Polônia ao Imaculado Coração de Maria. Sua entrega a Maria sempre o sustentou na adversidade e na hora de seu encontro final com o Senhor. Ele morreu com as contas do rosário nas mãos, dizendo aos presentes que a vitória, quando chegasse, seria a vitória de Maria Imaculada.
O Venerável Cardeal Augusto Hlond é uma testemunha singular de como devemos aceitar o caminho do Evangelho todos os dias, apesar do fato de que ele nos traz problemas, dificuldades e até mesmo perseguição: isso é santidade. «Jesus lembra as inúmeras pessoas que foram, e são, perseguidas simplesmente por ter lutado pela justiça, ter vivido os seus compromissos com Deus e com os outros. Se não queremos afundar numa obscura mediocridade, não pretendamos uma vida cômoda, porque, “quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la” (Mt 16,25). Não podemos esperar que tudo à nossa volta seja favorável, porque muitas vezes as ambições de poder e os interesses mundanos jogam contra nós… A cruz, especialmente as fadigas e os sofrimentos que suportamos para viver o mandamento do amor e o caminho da justiça, é fonte de amadurecimento e santificação.» (Francisco, Gaudete et Exsultate, nn. 90-92).




Dom José Luis Carreño, missionário salesiano

O P. José Luís Carreño (1905-1986) foi descrito pelo historiador José Thekkedath como “o salesiano mais amado do sul da Índia” na primeira metade do século XX. Em todos os lugares onde viveu – seja na Índia britânica, na colônia portuguesa de Goa, nas Filipinas ou na Espanha – encontramos salesianos que guardam com carinho sua memória. Estranhamente, porém, ainda não dispomos de uma biografia adequada deste grande salesiano, exceto pela extensa carta mortuária redigida pelo P. José Antônio Rico: “José Luís Carreño Etxeandía, operário de Deus”. Esperamos que em breve essa lacuna seja preenchida. O P. Carreño foi um dos artífices da região da Ásia Sul, e não podemos nos dar ao luxo de esquecê-lo.

José Luís Carreño Etxeandía nasceu em Bilbao, na Espanha, em 23 de outubro de 1905. Órfão de mãe aos oito anos, foi acolhido na casa salesiana de Santander. Em 1917, aos doze anos, entrou no aspirantado de Campello. Lembra que naquela época “não se falava muito de Dom Bosco… Mas para nós um P. Binelli era um Dom Bosco, sem falar do P. Rinaldi, então Prefeito Geral, cujas visitas nos deixavam uma sensação sobrenatural, como quando os mensageiros de Javé visitaram a tenda de Abraão”.
Após o noviciado e pós-noviciado, realizou o tirocínio como assistente dos noviços. Devia ser um clérigo brilhante, pois o P. Pedro Escursell escreveu ao Reitor-Mor sobre ele: “Estou falando neste momento com um dos clérigos modelo desta casa. Ele é assistente na formação do pessoal desta Inspetoria; me disse que há muito tempo pede para ser enviado às missões e que desistiu de pedir porque não recebe resposta. É um jovem de grande valor intelectual e moral.”
Na véspera de sua ordenação sacerdotal, em 1932, o jovem José Luís escreveu diretamente ao Reitor-Mor, oferecendo-se para as missões. A oferta foi aceita, e ele foi enviado para a Índia, desembarcando em Mumbai em 1933. Apenas um ano depois, quando foi criada a Inspetoria da Índia do Sul, foi nomeado mestre dos noviços em Tirupattur: tinha apenas 28 anos. Com suas extraordinárias qualidades de mente e coração, tornou-se rapidamente a alma da casa e deixou uma profunda impressão em seus noviços. “Nos conquistou com seu coração paterno”, escreve um deles, o arcebispo Hubert D’Rosario de Shillong.
O P. José Vaz, outro noviço, contava frequentemente como Carreño percebeu que ele tremia de frio durante uma conferência. “Espere um momento, hombre,” disse o mestre dos noviços, e saiu. Pouco depois voltou com um suéter azul que entregou a Joe. Joe notou que o suéter estava estranhamente quente. Então lembrou que sob a batina seu mestre usava algo azul… que agora não estava mais lá. Carreño lhe dera seu próprio suéter.
Em 1942, quando o governo britânico na Índia aprisionou todos os estrangeiros provenientes de países em guerra com a Grã-Bretanha, Carreño, sendo cidadão de um país neutro, não foi incomodado. Em 1943 recebeu uma mensagem pela Rádio Vaticana: deveria substituir o P. Eligio Cinato, inspetor da Inspetoria da Índia do Sul, também preso. No mesmo período, o arcebispo salesiano Luís Mathias de Madras-Mylapore o convidou para ser seu vigário geral.
Em 1945 foi oficialmente nomeado inspetor, cargo que ocupou de 1945 a 1951. Um de seus primeiros atos foi consagrar a Inspetoria ao Sagrado Coração de Jesus. Muitos salesianos acreditavam que o extraordinário crescimento da Inspetoria do Sul se devia justamente a esse gesto. Sob a liderança do P. Carreño, as obras salesianas dobraram. Um de seus atos mais visionários foi o início de uma faculdade universitária na remota e pobre vila de Tirupattur. O Sacred Heart College acabaria por transformar todo o distrito.
O P. Carreño foi também o principal artífice da “indianização” do rosto salesiano na Índia, buscando desde o início vocações locais, em vez de depender exclusivamente dos missionários estrangeiros. Uma escolha que se revelou providencial: primeiro, porque o fluxo de missionários estrangeiros cessou durante a guerra; depois, porque a Índia independente decidiu não conceder mais vistos a novos missionários estrangeiros. “Se hoje os salesianos na Índia são mais de dois mil, o mérito desse crescimento deve ser atribuído às políticas iniciadas pelo P. Carreño,” escreve o P. Thekkedath em sua história dos salesianos na Índia.
Como dissemos, o P. Carreño não era apenas inspetor, mas também vigário de Dom Mathias. Esses dois grandes homens, que se estimavam profundamente, eram, porém, muito diferentes em temperamento. O arcebispo defendia medidas disciplinares severas contra os coirmãos em dificuldades, enquanto o P. Carreño preferia procedimentos mais brandos. O visitador extraordinário, P. Albino Fedrigotti, parece ter dado razão ao arcebispo, definindo o P. Carreño como “um excelente religioso, um homem de grande coração”, mas também “um pouco poeta demais”.
Não faltou também a acusação de ser um mau administrador, mas é significativo que uma figura como o P. Aurélio Maschio, grande procurador e arquiteto das obras salesianas de Mumbai, tenha rejeitado firmemente tal acusação. Na verdade, o P. Carreño era um inovador e visionário. Algumas de suas ideias – como a de envolver voluntários não salesianos para um serviço de alguns anos – eram, na época, vistas com desconfiança, mas hoje são amplamente aceitas e ativamente promovidas.
Em 1951, ao término de seu mandato oficial como inspetor, Carreño foi chamado a retornar à Espanha para cuidar dos Salesianos Cooperadores. Esse não era o verdadeiro motivo de sua partida, após dezoito anos na Índia, mas Carreño aceitou serenamente, embora não sem dor.
Em 1952 foi enviado a Goa, onde permaneceu até 1960. “Goa foi amor à primeira vista,” escreveu em Urdimbre en el telar. Goa, por sua vez, o acolheu no coração. Prosseguiu a tradição dos salesianos que serviam como diretores espirituais e confessores do clero diocesano, e foi até patrono da associação dos escritores em língua concani. Acima de tudo, governou a comunidade de Dom Bosco Panjim com amor, cuidou com extraordinária paternidade dos muitos meninos pobres e, mais uma vez, dedicou-se ativamente à busca de vocações para a vida salesiana. Os primeiros salesianos de Goa – pessoas como Thomas Fernandes, Elias Diaz e Rômulo Noronha – contavam com lágrimas nos olhos como Carreño e outros passavam pelo Goa Medical College, bem ao lado da casa salesiana, para doar sangue e assim conseguir algumas rúpias para comprar mantimentos e outros bens para os meninos.
Em 1961 ocorreram a ação militar indiana e a anexação de Goa. Naquele momento o P. Carreño estava na Espanha e não pôde mais retornar à terra amada. Em 1962 foi enviado às Filipinas como mestre dos noviços. Acompanhou apenas três grupos de noviços, porque em 1965 pediu para voltar à Espanha. A origem de sua decisão foi uma séria divergência de visão entre ele e os missionários salesianos vindos da China, especialmente com o P. Carlo Braga, superior da visitadoria. Carreño se opôs fortemente à política de enviar os jovens salesianos filipinos recém-professos a Hong Kong para os estudos de filosofia. Como aconteceu, no final os superiores aceitaram a proposta de manter os jovens salesianos nas Filipinas, mas naquele momento o pedido de Carreño para retornar ao país já havia sido aceito.

Dom Carreño passou apenas quatro anos nas Filipinas, mas também ali, como na Índia, deixou uma marca indelével, “uma contribuição incomensurável e crucial para a presença salesiana nas Filipinas”, segundo as palavras do historiador salesiano Nestor Impelido.
De volta à Espanha, colaborou com as Procuradorias Missionárias de Madri e de New Rochelle, e na animação das inspetorias ibéricas. Muitos na Espanha ainda lembram o velho missionário que visitava as casas salesianas, contagiando os jovens com seu entusiasmo missionário, suas canções e sua música.
Mas em sua imaginação criativa estava tomando forma um novo projeto. Carreño dedicou-se de todo coração ao sonho de fundar um Pueblo Misionero com dois objetivos: preparar jovens missionários – em sua maioria vindos da Europa Oriental – para a América Latina; e oferecer um refúgio para missionários “aposentados” como ele, que também poderiam servir como formadores. Após uma longa e sofrida correspondência com os superiores, o projeto finalmente tomou forma no Hogar del Misionero em Alzuza, a poucos quilômetros de Pamplona. O componente vocacional missionário nunca decolou, e foram pouquíssimos os missionários idosos que efetivamente se juntaram a Carreño. Seu principal apostolado nesses últimos anos permaneceu o da caneta. Deixou mais de trinta livros, entre os quais cinco dedicados ao Santo Sudário, ao qual era particularmente devoto.
O P. José Luís Carreño faleceu em 1986 em Pamplona, aos 81 anos. Apesar dos altos e baixos de sua vida, este grande amante do Sagrado Coração de Jesus pôde afirmar, no jubileu de ouro de sua ordenação sacerdotal: “Se cinquenta anos atrás meu lema como jovem padre era ‘Cristo é tudo’, hoje, velho e dominado por seu amor, eu o escreveria em letras de ouro, porque na verdade CRISTO É TUDO”.

P. Ivo COELHO, sdb




O oratório festivo de Valdocco

Em 1935, após a canonização de Dom Bosco em 1934, os salesianos tiveram o cuidado de coletar testemunhos sobre ele. Um tal Pedro Pons, que quando menino tinha frequentado o oratório festivo de Valdocco por cerca de dez anos (de 1871 a 1882) e que também tinha frequentado dois anos de escola primária (com salas de aula sob a Basílica de Maria Auxiliadora), no dia 8 de novembro deu um belo testemunho daqueles anos. Extraímos dele algumas passagens, quase todas inéditas.

A figura de Dom Bosco
Ele era o centro de atração de todo o Oratório. É assim que o nosso ex-oratoriano Pedro Pons se lembra dele no final dos anos 1970: “Ele não tinha mais vigor, mas estava sempre calmo e sorridente. Tinha dois olhos que perfuravam e penetravam a mente. Comparecia entre nós: era uma alegria para todos”. O P. Rua, o P. Lazzero estavam ao seu lado como se tivessem o Senhor no meio deles. O P. Barberis e todos os rapazes corriam em sua direção, cercando-o, alguns andando ao seu lado, outros atrás dele com o rosto voltado para ele. Era uma sorte, um privilégio cobiçado poder estar perto dele, conversar com ele. Ele passeava devagar, conversando e olhando para todos, com aqueles dois olhos que se voltavam para todos os lados, eletrizando os corações com alegria”.
Entre os episódios que ficaram gravados em sua mente 60 anos depois, ele se lembra de dois em particular: “Um dia… ele apareceu sozinho na porta da frente do santuário. Então, um bando de meninos correu para encontrá-lo como uma rajada de vento. Mas ele segura na mão o guarda-chuva, que tem um cabo e uma haste tão grossa como a dos camponeses. Ele o levanta e, usando-o como uma espada, faz malabarismos para repelir aquele ataque afetuoso, ora para a direita, ora para a esquerda, para abrir a passagem. Toca um com a ponta, outro para o lado, mas, enquanto isso, os outros se aproximam pelo outro lado. Assim, o jogo, a brincadeira continua, alegrando os corações, ansiosos por ver o bom Pai voltar de sua viagem. Ele parecia um pároco de aldeia, mas daqueles bem simples”.

Os jogos e o teatrinho
É impensável um oratório salesiano sem jogos. O ex-aluno idoso recorda: “O pátio era ocupado por um prédio, a igreja de Maria Auxiliadora e no final de um muro baixo… no canto esquerdo havia uma espécie de cabana, onde sempre havia alguém para vigiar quem entrava… Logo na entrada à direita, havia um balanço com um único assento, depois as barras paralelas e a barra fixa para os meninos maiores, que gostavam de dar piruetas e cambalhotas, e também o trapézio e o passo do gigante, que ficavam, porém, perto das sacristias, além da capela de São José”. E ainda: “Esse pátio era bem comprido e se prestava muito bem as corridas de velocidade que partiam da lateral da igreja e retornavam para lá no caminho de volta. Também se brincava com “prende e solta”, corridas de sacos e quebra-pote. Esses últimos jogos eram anunciados desde o domingo anterior. O mesmo acontecia com o pau de sebo, mas o pau era fincado com a ponta fina na parte inferior para que fosse mais difícil subir. Havia loterias, e o bilhete custava um ou dois centavos. Dentro da casinha havia uma pequena biblioteca em um armário”.

O jogo era acompanhado pelo famoso “teatrinho”, no qual eram apresentados dramas autênticos, como “O filho do cruzado”, as canções de Dom Cagliero e os “musicais”, como o Sapateiro, personificado pelo lendário Carlos Gastini [um brilhante animador dos ex-alunos]. A peça, assistida gratuitamente pelos pais, era realizada no salão sob a nave da igreja de Maria A., mas o antigo oratoriano também lembra que “uma vez foi apresentada na casa Moretta [atual igreja paroquial perto da praça]. As pessoas pobres viviam lá na mais miserável pobreza. Nos porões que podem ser vistos sob a varanda, havia uma mãe pobre que, ao meio-dia, levava nos ombros seu filho Carlos, cujo corpo era rígido por causa de uma doença, a fim de poder tomar sol”.

As funções religiosas e as reuniões formativas
No oratório festivo não faltavam as funções religiosas nas manhãs de domingo: Santa Missa com a Sagrada Comunhão, orações do bom cristão; à tarde, seguia-se a recreação, o catecismo e a pregação do P. Júlio Barberis. Já idoso, “Dom Bosco nunca vinha para rezar a missa ou pregar, mas apenas para visitar e entreter-se com os meninos durante o recreio… Os catequistas e assistentes levavam seus alunos com eles para a igreja durante as funções e lhes ensinavam o catecismo. A pequena pregação era feita para todos. Exigia-se que a lição fosse memorizada em cada festa e também a explicação”. As festas solenes terminavam com uma procissão e um lanche para todos: “Ao sair da igreja depois da missa, havia um lanche. Um jovem à direita, do lado de fora da porta, dava o pão, outro à esquerda colocava duas fatias de salame com um garfo”. Aqueles meninos se contentavam com pouco, mas estavam muito felizes. Quando os meninos internos se juntavam aos oratorianos para cantar as vésperas, suas vozes podiam ser ouvidas na Rua Milão e na Rua Corte de Apelação!
As reuniões formativas do grupo também eram realizadas no oratório festivo. Na casinha perto da igreja de São Francisco, havia “uma sala pequena e baixa com capacidade para cerca de vinte pessoas… Na sala havia uma pequena mesa para o palestrante, havia bancos para as reuniões e conferências para os mais crescidos em geral e para a Companhia de São Luís, quase todos os domingos”.

Quem eram os oratorianos?
De seus cerca de 200 companheiros – mas seu número diminuía no inverno devido ao retorno dos trabalhadores sazonais para suas famílias – nosso alegre senhor lembrava que muitos eram de Biella “quase todos ‘bic’, ou seja, carregavam o balde de madeira cheio de cal e o cesto de vime cheio de tijolos para os pedreiros das construções”. Outros eram “aprendizes de pedreiros, mecânicos, funileiros”. Pobres aprendizes: trabalhavam da manhã à noite, todos os dias, e somente aos domingos podiam se dar ao luxo de um pouco de recreação “na casa de Dom Bosco” (como era chamado seu oratório): “Brincávamos de “Elefante voa”, sob a direção do então Sr. Milanesio [um futuro padre que foi um grande missionário na Patagônia]. O senhor Ponzano, mais tarde padre, era professor de ginástica. Ele nos obrigava a fazer exercícios corporais sem instrumentos, com bastões, em aparelhos”.
As lembranças de Pedro Pons são muito mais amplas, tão ricas em sugestões distantes quanto permeadas por uma sombra de nostalgia; elas esperam para serem conhecidas em sua totalidade. Esperamos que isso aconteça em breve.




Ninguém assustava as galinhas (1876)

Ambientada em janeiro de 1876, a peça apresenta um dos mais sugestivos “sonhos” de Dom Bosco, instrumento predileto com que o santo turinense sacudia e guiava os jovens do Oratório. A visão se abre para uma planície interminável onde fervilham os trabalhos dos semeadores: o trigo, símbolo da Palavra de Deus, só germinará se protegido. Mas galinhas vorazes caem sobre a semente e, enquanto os camponeses cantam versículos evangélicos, os clérigos encarregados da custódia permanecem mudos ou distraídos, deixando que tudo se perca. A cena, animada por diálogos argutos e citações bíblicas, torna-se parábola da murmuração que apaga o fruto da pregação e advertência à vigilância ativa. Com tons ao mesmo tempo paternos e severos, Dom Bosco transforma o elemento fantástico em lição moral incisiva.

Na segunda metade de janeiro o Servo de Deus teve um sonho simbólico do qual falou com alguns Salesianos. P. Barberis pediu-lhe para contá-lo em público porque os seus sonhos agradavam muito aos jovens, faziam-lhes muito bem e os afeiçoava ao Oratório.
– Sim, isso é verdade, respondeu o Beato, fazem bem e são ouvidos com avidez; o único prejudicado sou eu, pois precisaria ter pulmões de ferro. Bem se pode dizer que no Oratório não há sequer um que não se sinta emocionado com tais narrações, pois na maioria das vezes esses sonhos impressionam a todos e cada um quer saber em que situação o tenha visto, o que deva fazer, que significado tenha isto ou aquilo. E eu fico aflito dia e noite. Se depois quero despertar o desejo das confissões gerais, não tenho outra coisa a fazer senão narrar um sonho. Escute, faça uma coisa. Domingo irei falar aos jovens e você interrompe-me em público. Eu então contarei o sonho.
No dia 23 de janeiro, após as orações da noite, ele subiu na cátedra. O seu rosto, radiante de alegria, manifestava, como sempre, a própria alegria de encontrar-se entre seus filhos. Após um pouco de silêncio, P. Barberis pediu para falar e perguntou:
– Desculpe, senhor Dom Bosco, permite-me fazer-lhe uma pergunta?
– Pois não, diga.
– Ouvi dizer que nestas noites passadas, teve um sonho de semeadura, com semeador, com galinhas e que já o contou ao clérigo Calvi. Poderia fazer o favor de contá-lo também a nós? Isso nos daria muito prazer.
– Curioso! – disse Dom Bosco em tom de bronca. E então explodiu uma gargalhada geral.
– Não importa, sabe, que me chame de curioso; contanto que nos conte o sonho. E com este meu pedido creio interpretar a vontade de todos os jovens que certamente o ouvirão com muito gosto.
– Se é assim, eu o conto. Não queria dizer nada porque há coisas que se referem a vários de vocês em particular e algumas também para você, que fazem arder um pouco as orelhas; mas já que me pediram, eu contarei.
– Mas, eh!, senhor Dom Bosco, se há alguma paulada para mim, poupe-a aqui em público.
– Eu contarei as coisas como as sonhei, cada um tome a sua parte. Mas antes de tudo é preciso que cada um tenha em mente que os sonhos me acontecem dormindo e dormindo não se pensa; por isso, se há algo de bom, alguma advertência a tomar, se tome. Além disso, ninguém fique preocupado. Disse que sonhando eu de noite dormia, porque alguns sonham também de dia e algumas vezes até mesmo estando acordados e com não leve incômodo dos professores para os quais tornam-se estudantes que importunam.

Parecia-me estar longe daqui e encontrar-me em Castelnuovo d’Asti, minha terra. Diante de mim, havia uma grande extensão de terra, situada em uma vasta e bela planície; mas aquele terreno não era nosso e não sabia de quem era.
Naquele campo vi muitos que trabalhavam com pás, enxadas e outros instrumentos. Havia um que arava, quem semeava o grão, quem aplainava a terra, quem fazia outras coisas. Havia aqui e lá chefes escolhidos para dirigir os trabalhos e, entre esses, parecia-me estar também eu. Coros de camponeses estavam em outro lugar cantando. Eu observava maravilhado e não sabia dar-me conta daquele lugar. Dizia a mim mesmo: – Mas, com que finalidade estas pessoas trabalham tanto? E respondia a mim mesmo: – Para prover o pão de cada dia aos meus jovens. E era realmente uma maravilha ver como aqueles bons agricultores não desistiam sequer um instante do trabalho e sem cessar continuavam no seu trabalho com um ardor contínuo e com a mesma constância. Só alguns estavam rindo e brincando entre eles.
Enquanto eu contemplava tão belo quadro, olho ao meu redor e vejo que me rodeavam alguns padres e muitos dos meus clérigos, alguns próximos e outros a uma certa distância. Dizia comigo mesmo: – Mas eu sonho; os meus clérigos estão em Turim, aqui, ao invés, estamos em Castelnuovo. E depois, como pode ser isso? Eu estou com roupa de inverno da cabeça aos pés, somente ontem eu estava com tanto frio e agora aqui se semeia o grão. Eu me tocava as mãos e caminhava e dizia: – Mas realmente não estou sonhando, este é um campo real; este clérigo aqui é o clérigo A… em pessoa; este outro é o clérigo B. E depois, como no sonho eu poderia ver esta coisa e aquela outra?
Nesse meio tempo, vi ali perto mais à parte, um velho que aparentemente se mostrava muito benévolo e sensato, prudente, atento a observar-me e aos outros. Aproximei-me dele e lhe perguntei: – Diga-me, bravo homem, escute-me! Que é isso que eu vejo e não compreendo nada? Onde estamos aqui? Quem são esses trabalhadores? De quem é este campo?
– Oh, respondeu-me aquele homem; belas perguntas a serem feitas! É um padre e não sabe estas coisas?
– Mas por isso diga-me! Você acredita que eu sonho ou que esteja acordado? Pois me parece sonhar e não me parecem possíveis as coisas que vejo.
– Possibilíssimas, antes, reais e me parece que o senhor esteja bem desperto. Não se percebe? Fala, ri, brinca.
– E no entanto há alguns, eu acrescentei, que no sonho parecem falar, escutar, agir, como se estivessem acordados.
– Mas não; deixe de lado tudo isso. O senhor está aqui com corpo e alma.
– Seja pois assim; e se eu despertar, diga-me, então, de quem é este campo.
– O senhor estudou latim; qual é o primeiro nome da segunda declinação que estudou no Donato? Sabe-o ainda?
– Eh, claro que sei; mas o que tem a ver isso com a minha pergunta?
– Tem a ver e muitíssimo. Diga, pois, qual é o primeiro nome que se estuda na segunda declinação.
– É Dominus.
– E como é o genitivo?
– Domini!
– Bravo, bem, Domini; este campo é pois Domini, do Senhor.
– Ah! Agora começo a compreender alguma coisa! – exclamei.
Estava maravilhado pela conclusão obtida daquele bom velho. No momento vi várias pessoas chegando com sacos de grãos para semear e um grupo de camponeses cantava: Exit, qui seminat, seminare semem suum (O semeador saiu a semear a sua semente – Lc 8,5).
A mim parecia um pecado jogar fora aquela semente e fazê-las morrer enterrada. Era tão belo aquele grão! Não seria melhor, dizia comigo mesmo, não seria melhor triturá-lo e fazer dele pão ou massa? – Mas depois pensava: – Quem não semeia não recolhe. Se não se lança a semente e essa não apodrece, o que se recolherá depois?
Naquele instante vejo sair de todas as partes uma multidão de galinhas e irem para a semeadura bicar todo grão que outros espalhavam.
E aquele grupo de cantores continuava o seu canto: Venerunt aves caeli, sustulerunt frumentum e reliquerunt zizaniam (Vieram as aves do céu, pegaram o trigo e deixaram a cizânia – cf. Mt 12,43).
Dou uma olhada ao redor e observo aqueles clérigos que estavam comigo. Um com as mãos entrelaçadas estava olhando com fria indiferença; outro tagarelava com os colegas, outros se abraçavam; outros olhavam o céu, outros riam daquele quadro, outros continuavam tranquilamente o seu recreio e os seus jogos, outros terminavam algum trabalho seu; mas ninguém espantava as galinhas para fazê-las ir embora. Eu me dirijo a eles muito magoado e, chamando cada um pelo nome, dizia: – Mas o que fazem? Não veem aquelas galinhas comendo todo o grão? Não veem que destroem a boa semente, fazem desaparecer as esperanças destes bons lavradores? O que colherão depois? Por que estão assim calados? Por que não gritam, por que não as fazem ir embora?
Mas os clérigos encolhiam os ombros, olhavam-me e nada diziam. Alguns nem sequer se viraram: não cuidavam antes daquele campo nem cuidarão depois que eu ralhei.
Vocês são todos insensatos! – eu continuava. As galinhas já estão todas com o papo cheio. Vocês não poderiam bater as mãos e fazer assim? E, no entanto, eu batia as mãos encontrando-me em uma verdadeira confusão, pois de nada adiantavam as minhas palavras. Então alguns se puseram a afugentar as galinhas, mas eu repetia comigo mesmo: – Eh, sim! Agora que todo o grão foi comigo, se espantam as galinhas!
Naquele momento me surpreendeu o ouvido o canto daquele grupo de lavradores os quais cantavam assim: Canes muti nescientes latrare (São cães mudos incapazes de ladrar – cf. Is 56,10).
Então me dirigi àquele bom velho e, entre estupefato e indignado, disse-lhe: – Vamos lá! Dê-me uma explicação do que vejo; eu não entendo nada disso. O que é aquela semente que se lança por terra?
– Oh, amigo! Semen est verbum Dei (A semente é a Palavra de Deus – Lc 8,11).
– Mas o que quer dizer isso, pois vejo que lá as galinhas a comem?
O velho, mudando o tom de voz, prosseguiu:
– Oh! Se quer uma explicação mais completa eu lha dou. O campo é a vinha do Senhor, da qual se fala no Evangelho, e se pode também entender do coração do homem. Os cultivadores são os operários evangélicos que, especialmente com a pregação, semeiam a Palavra de Deus. Esta palavra produziria muito fruto naquele coração, terreno bem preparado. Mas quê? Vêm os pássaros do céu e a levam embora.
– O que significam esses pássaros?
– Quer que eu lhe diga o que indicam? Indicam as murmurações. Ouvida aquela pregação que traria efeito, vai-se com os colegas. Um faz o comentário sobre um gesto, em voz alta, durante uma palavra do pregador, e então se perde todo o fruto da pregação. Um outro culpa o pregador por algum defeito físico ou intelectual, um terceiro ri do seu italiano, e todo o fruto da pregação fica perdido. O mesmo deve-se dizer de uma boa leitura cujo bem fica impedido por uma murmuração. As murmurações são tanto piores, pois geralmente são secretas, ocultas e ali vivem e crescem onde nada mais podemos esperar. O grão, ainda que seja num campo não muito cultivado, todavia nasce, cresce, alcança uma boa altura e produz fruto. Quando num campo, há pouco semeado, vem um temporal, então ele se torna chão batido e não produz mais tanto fruto, mas ainda produz. Se também a semeadura não for tão boa, no entanto crescerá: trará pouco fruto, mas o trará. Ao invés, quando as galinhas ou os pássaros bicam as sementes, não tem mais jeito: o campo não produz mais nada; não traz fruto de qualidade. Do mesmo modo, se às pregações, aos conselhos, aos bons propósitos houver por trás alguma outra coisa como distração, tentação etc., haverá menos fruto; mas quando há murmuração, o falar mal ou coisa semelhante, aqui não há o pouco que permanece, mas há logo o tudo que é levado embora. E a quem compete bater palmas, insistir, ralhar, vigiar, para que estas murmurações, estas más conversas não aconteçam? O senhor o sabe!
– Mas o que faziam esses clérigos? – eu lhe perguntei. Não podiam eles impedir tanto mal?
– Não impediram nada, ele prosseguiu. Alguns estavam observando como estátuas mudas, outros não olhavam, não pensavam, não viam e ali estavam com os braços cruzados, outros não tinham a coragem para impedir esse mal; alguns poucos, porém, se uniam também aos murmuradores, tomavam parte nas suas maledicências, faziam o papel de destruidores da Palavra de Deus. Você que é padre insista sobre isto: prega, exorta, fala, não tenha medo de jamais falar demais; e todos saibam que criticar quem prega, quem exorta, quem dá bom conselho é o que provoca a parte maior do mal. E o ficar calado quando se vê alguma desordem e não impedi-la, especialmente quem poderia ou deveria, isto é, em resumo, tornar-se cúmplice do mal alheio.
Eu, ciente de tudo por essas palavras, queria ainda olhar, observar esta e aquela coisa, repreender os clérigos, estimulá-los a cumprir o próprio dever. E eles já se mexiam e procuravam afugentar as galinhas. Mas eu, tendo dado alguns passos, tropecei num rastelo, destinado a aplainar a terra, deixado naquele campo, e acordei. Agora deixemos de lado tudo e vamos à moral. P. Barberis, o que nos diz a respeito deste sonho?
– Digo, respondeu P. Barberis, que é uma boa surra e um golpe a quem toca.
– Está certo, retomou Dom Bosco, é uma lição que precisa fazer-nos bem; e tenham em mente isto, meus queridos jovens, evitar entre vocês de qualquer maneira a murmuração, como um mal extraordinário, fugindo dela como se foge da peste, e não só evitá-la vocês, mas com toda força procurar fazer com os outros a evitem. Algumas vezes santos conselhos, ótimas obras não fazem o bem, que leva a impedir uma murmuração e qualquer palavra que possa prejudicar a outros. Armemo-nos de coragem e combatamo-la com franqueza. Não há pior desgraça do que a de fazer perder a palavra de Deus. E basta um mote, basta uma brincadeira.
Contei-lhes um sonho ocorrido já em várias noites, mas nesta noite passada tive um outro que agora desejo narrar-lhes. Ainda não é muito tarde; são apenas as nove eu posso expô-lo a vocês. Contudo procurarei não demorar.
Pareceu-me, então, encontrar-me num lugar que agora não me lembro mais qual fosse; eu não estava mais em Castelnuovo, mas parece-me que nem mesmo estivesse no Oratório. Veio alguém apressadamente me chamar: – Dom Bosco, venha! Dom Bosco, venha!
– Mas qual é o motivo de tanta pressa? – eu respondi.
– Está sabendo das coisas acontecidas?
– Eu não entendo o que você quer dizer: explique-me claramente, respondi ansioso.
– Não sabe, Dom Bosco, que tal jovem tão bom, tão animado, está gravemente enfermo, aliás, moribundo?
– Eu duvido que você queira brincar comigo, lhe disse: porque exatamente esta manhã falei e passeei com o mesmo jovem que você agora me diz estar moribundo.
– Ah, Dom Bosco! Eu não o estou enganando e me julgo na obrigação de narrar-lhe a pura verdade. Aquele jovem tem grande necessidade do senhor e deseja vê-lo e falar-lhe pela última vez. Mas venha logo porque senão não chega em tempo.
Eu, sem saber o lugar, fui apressadamente atrás daquele tal. Chego em um lugar e vejo gente triste e chorando que me diz:  Ajude-nos logo, por favor, porque está nas últimas.
– Mas o que aconteceu? – respondo. Fui levado em um quarto onde vejo deitado um jovem muito pálido no rosto, com uma cor quase cadavérica, com uma tosse e um estertor que o sufocava e mal permitia que ele falasse.
– Mas você não é o fulano de tal? – eu lhe disse:
– Sim, sou o tal.
– Como está?
– Estou mal!
– E como é que agora o vejo neste estado? Você não estava andando tranquilo sob os pórticos ontem e esta manhã?
– Sim, respondeu o jovem, ontem e esta manhã passeava sob os pórticos; mas agora faça depressa que eu tenho necessidade de confessar-me; vejo que me resta muito pouco tempo.
– Não se aflija, não se aflija; você confessou-se há poucos dias.
– É verdade e me parece não havia nenhuma falta grave no meu coração; todavia desejo receber a santa absolvição antes de apresentar-me ao Divino Juiz.
Eu ouvi a sua confissão. Mas observei que piorava visivelmente e um catarro estava para sufocá-lo. – Mas aqui é preciso agir rápido, digo comigo mesmo, se quiser que receba ainda o santo viático e o óleo santo. Antes, o viático não poderá mais recebê-lo, seja porque requer mais tempo para os preparativos, seja porque a tosse poderia impedi-lo de engolir. Depressa, o óleo santo!
Assim dizendo, saio do quarto e mando imediatamente um homem pegar a bolsa com os óleos santos. Os jovens que estavam na sala me perguntavam:
– Mas está realmente em perigo? Está mesmo moribundo, como se está dizendo?
– Infelizmente! – eu respondia. Não vê que a respiração se lhe torna cada vez mais lenta e o catarro o sufoca?
– Mas será melhor trazer-lhe também o viático e assim fortalecido mandá-lo nos braços de Maria.
Mas enquanto eu me apressava preparando o necessário, ouço um voz. – Expirou!
Entro de novo no quarto e encontro o enfermo com os olhos arregalados; não respira mais; está morto.
– Está morto? – perguntei para aqueles dois que o assistiam.
– Está morto, responderam-me. Está morto.
– Mas como vai, assim tão depressa? Diga-me: não é esse o fulano?
– Sim, é o fulano.
– Não posso acreditar! Ainda ontem passeava comigo sob os pórticos.
– Ontem passeava e agora está morto, me replicaram.
– Felizmente era um jovem bom! – exclamei. E dizia aos jovens que estavam ao meu redor: – Veem, veem? Este não pôde nem mesmo receber o viático e a extrema unção. Agradeçamos, porém, ao Senhor que lhe deu tempo para confessar-se. Este jovem era bom, frequentava bastante os sacramentos, e esperamos que tenha ido para uma vida feliz, ou ao menos no purgatório. Mas se tocasse um pouco a outros o mesmo destino, o que seria agora de alguns?
Dito isso, colocamo-nos todos de joelhos e rezamos um De profundis pela alma do pobre falecido.
Enquanto eu ia para o quarto, vejo chegar Ferraris [Coadjutor João Antônio Ferraris, livreiro] da livraria, o qual todo aflito, me diz:
– Sabe, Dom Bosco, o que aconteceu?
– Eh, infelizmente já sei! Morreu o tal! – respondo.
– Não é isso que eu quero dizer; há outros dois mortos.
– Como? Quem?
– O sicrano e o beltrano.
– Mas quando? Não compreendo.
– Sim, dois outros que morreram antes que o senhor chegasse.
– E por que não me chamou?
– Faltou tempo. Mas o senhor sabe dizer-me quando este aqui morreu?
– Morreu agora, respondi.
– O senhor sabe que dia é hoje e de que mês? – continuou Ferraris.
– Claro que sei: hoje é 22 de janeiro, segundo dia da novena de São Francisco de Sales.
– Não, disse Ferraris. O senhor se engana, Dom Bosco; veja bem. – Eu ergo os olhos para o calendário e vejo: 26 de maio.
– Mas esta é boa! – exclamei. Estamos em janeiro e eu bem consciente de como estou vestido; não se veste assim em maio; em maio o aquecedor não estaria ligado.
            – Eu não sei o que dizer-lhe ou que explicação dar-lhe, mas agora estamos no dia 26 de maio.
– Mas se apenas ontem faleceu este nosso companheiro e estávamos em janeiro.
– Engana-se, insistiu Ferraris; estávamos no tempo pascal.
– Mais uma você acrescenta e ainda maior!
– Tempo pascal, sem dúvida; estávamos no tempo pascal, e ele teve mais sorte de morrer na Páscoa do que os outros dois, que morreram no mês de Maria.
– Você está zombando de mim, eu lhe disse. Explique-se melhor, do contrário eu não o entendo.
– Eu não estou zombando, em absoluto. A coisa é assim. Se depois quiser saber mais, e que eu me explique melhor, eis! Esteja atento!
– Abri os braços, depois bati as duas mãos uma contra a outra bem forte. E despertei. Então exclamei: – Oh, que sorte! Não é realidade, mas um sonho. Que medo que eu tive!
Eis o sonho que tive na noite passada. Vocês deem a ele a importância que quiserem. Eu mesmo não quero dar-lhe fé totalmente. Hoje, porém, quis ver se aqueles que me pareceram mortos no sonho estavam vivos ainda, e os vi sãos e fortes. Certamente não convém que eu diga e não direi quem são aqueles. Todavia estarei de olho sobre os dois; se for necessário algum conselho para viver bem, lhes darei, e os prepararei fazendo vistas largas sem que percebam; porque assim, se lhes ocorresse morrer, a morte não os encontre despreparados. Mas ninguém fique falando: Será este, será aquele. Cada um pense em si.
E não fiquem preocupados com isso. O efeito que deve surtir em vocês é simplesmente o que nos sugere o Divino Salvador no Evangelho: Estote parati, quia, qua hora non putatis, filius hominis veniet (Estejam preparados porque o Filho do homem virá na hora em que não pensais – Lc 12,4). É esta uma importante advertência que nos faz o Senhor, meus queridos jovens. Estejam sempre preparados porque na hora em que menos esperamos pode vir a morte, e aquele que não estiver preparado para morrer bem, corre o grave risco de morrer mal. Eu procuro estar preparado o melhor que posso e vocês façam o mesmo, a fim de que a qualquer hora que agrade ao Senhor chamar-nos, possamos estar prontos para passar à eternidade. Boa noite!

As palavras de Dom Bosco eram ouvidas sempre em religioso silêncio, mas quando ele falava destas coisas extraordinárias, entre as centenas de meninos que lotavam o lugar, não se ouvia um rumor de tosse nem a mais leve roçadura dos pés. A forte impressão durava semanas e meses; e com a impressão aconteciam mudanças radicais no comportamento de alguns endiabrados. Fazia-se depois fila ao redor do confessionário de Dom Bosco. Não vinha à cabeça de ninguém supor que ele inventasse aquelas narrativas para assustar e melhorar a vida dos jovens, porque os anúncios de mortes próximas tornavam-se realidade sempre e certos estados de consciência vistos em sonhos correspondiam à realidade.
Mas o temor produzido por tão lúgubres prognósticos não era uma angústia opressora? Não parece. Apresentavam-se muitas possibilidades e hipóteses a uma multidão de mais de oitocentos jovens a fim de que cada um pudesse preocupar-se disso. Além do mais, a persuasão realmente difundida, que quem morria no Oratório ia certamente para o Paraíso, e que Dom Bosco preparava os designados sem assustá-los, contribuía para expulsar todo temor do espírito. Por outro lado, sabe-se bem quão grande é a volubilidade juvenil, num instante a fantasia dos jovens é atingida e abalada; mas depois aquela lembrança se liberta bem depressa de qualquer preocupação. É o que nos atestavam unânimes os sobreviventes daqueles tempos.
Tendo os jovens ido dormir, alguns coirmãos que rodeavam o Beato cobriam-no de perguntas para saber se algum deles estava entre aqueles que deviam morrer. O Servo de Deus, sorrindo conforme o seu costume e girando a cabeça, repetia:
– Já, já! Virei dizer-lhes quem é, com perigo de fazer alguém morrer antes do tempo!
Visto que ali não se tirava nada, perguntaram-lhe se no primeiro sonho havia também clérigos fazendo parte das galinhas, que se entregassem à murmuração. Dom Bosco, que passeava, parou, olhou para os interlocutores e deu um risinho como para dizer: – Eh! Alguém sim; mas poucos, e não acrescentou nada mais. – Então lhe pediram que dissesse ao menos se eles estavam entre os cães mudos; o Beato se firmou nos princípios gerais, observando que era preciso estar atentos para evitar e fazer evitar as murmurações e em geral todas as desordens, especialmente as más conversas. – Ai do padre e do clérigo, disse, o qual, encarregado da vigilância, vê as desordens, e não as impede! Desejo que se saiba e se lembrem que com a palavra “murmurações” eu não entendo apenas o cortar a casaca pelas costas, mas toda conversa, todo gracejo, toda palavra que possa diminuir em um colega o fruto da Palavra de Deus ouvida. Em geral, entendo dizer que é um grande mal calar-se, quando se conhece alguma desordem, não a impedindo ou não procurando que a impeça quem de direito.
Um mais ousado fez ao Servo de Deus uma pergunta um tanto arriscada.
– E P. Barberis, por que entra no sonho? O senhor disse que havia também para ele, e o próprio P. Barberis parecia esperar para si uma boa paulada. – P. Barberis estava presente. Inicialmente Dom Bosco acenava a não querer responder. Mas depois, permanecendo ao seu lado apenas alguns padres e mostrando-se P. Barberis satisfeito que ele revelasse o segredo, o Beato disse:
– Eh! P. Barberis não prega suficientemente sobre este ponto; não insiste quanto é preciso sobre este assunto. – P. Barberis confirmou que nem no ano anterior nem no ano em curso jamais se tinha fixado de propósito sobre aqueles temas aos seus noviços; gostou muito da observação e pendurou-a na orelha para o futuro.
Dito isto, subiram as escadas e todos, após beijar a mão de Dom Bosco, se afastaram e foram dormir. Todos, menos P. Barberis que, conforme o costume, acompanhou-o até a porta do seu quarto. Dom Bosco, vendo que ainda era cedo e pressentindo que não poderia dormir, porque fortemente impressionado pelas coisas expostas, contra o seu hábito costumeiro, fez P. Barberis entrar em seu aposento, dizendo:
– Já que ainda temos tempo podemos dar dois passos num vai-e-vem pela sala.
Assim continuou a discorrer por uma meia hora. Disse então outras coisas: – Eu, no sonho, vi todos e vi o estado em que cada um se encontrava; se galinha, se cão mudo, se no número daqueles que avisados se puseram mãos à obra ou não se moveram. Sirvo-me desta doutrina confessando, exortando em público até ver que produzam o bem. No início não dava muita importância a esses sonhos; mas percebi que na maior parte das vezes são mais eficazes que as pregações; antes, para alguns são mais eficazes do que um curso de Exercícios Espirituais, por isso sirvo-me deles. E por que não? Lê-se na Sagrada Escritura: Probate spiritus: quod bonum est tenete (Examinai vossas almas; guardai o que é bom – cf. 1Ts 5,21). Vejo que valem, vejo que agradam, e por que mantê-los secretos? Antes, vejo que contribuem para afeiçoar muitos à Congregação.
– Experimentei eu mesmo, interrompeu P. Barberis, quão úteis são esses sonhos e quão salutares. Mesmo narrados alhures, fazem bem. Onde Dom Bosco é conhecido, pode-se dizer que são sonhos que ele teve; onde não é conhecido, pode-se apresentar como semelhança. Oh, se se pudesse fazer disso uma antologia, expondo-lhes em forma de semelhanças! Seriam procurados e lidos por crianças e por adultos, por jovens e por idosos, com vantagem para suas almas.
– Já, já! Fariam bem, estou intimamente convicto disso.
– Mas, talvez, lamentou P. Barberis, ninguém os recolheu por escrito.
– Eu, retomou Dom Bosco, não tenho tempo e de muitas coisas não me lembro mais.
– Aquilo de que me lembro, replicou P. Barberis, são os sonhos que se referiam aos progressos da Congregação, ao estender-se do manto de Nossa Senhora.
– Ah, sim! – exclamou o Beato. E acenou a várias visões deste gênero. Tomando depois um ar mais sério e meio conturbado, prosseguiu:
– Quando penso na minha responsabilidade na posição em que me encontro, tremo inteiramente… Que contas tremendas deverei prestar a Deus por todas as graças que nos concede para o bom andamento da nossa Congregação!
(MBp XII, 36-48)

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Casa Salesiana de Castel Gandolfo

Entre as colinas verdes dos Castelli Romani e as águas tranquilas do Lago Albano, surge um lugar onde história, natureza e espiritualidade se encontram de forma singular: Castel Gandolfo. Neste contexto rico em memória imperial, fé cristã e beleza paisagística, a presença salesiana representa um ponto firme de acolhimento, formação e vida pastoral. A Casa Salesiana, com sua atividade paroquial, educativa e cultural, continua a missão de São João Bosco, oferecendo aos fiéis e visitantes uma experiência de Igreja viva e aberta, imersa em um ambiente que convida à contemplação e à fraternidade. É uma comunidade que, há quase um século, caminha a serviço do Evangelho no coração da tradição católica.

Um lugar abençoado pela história e pela natureza
Castel Gandolfo é uma joia dos Castelli Romani, situada a cerca de 25 km de Roma, imersa na beleza natural dos “Colli Albani” e de frente para o sugestivo Lago Albano. A cerca de 426 metros de altitude, este lugar se destaca pelo seu clima ameno e acolhedor, um microclima que parece preparado pela Providência para receber quem busca descanso, beleza e silêncio.

Já na época romana, este território fazia parte do Albanum Caesaris, uma antiga propriedade imperial frequentada pelos imperadores desde os tempos de Augusto. Foi, porém, o imperador Tibério o primeiro a residir ali de forma estável, enquanto Domiciano, mais tarde, mandou construir uma esplêndida vila, cujos restos são hoje visíveis nos jardins pontifícios. A história cristã do local começa com a doação de Constantino à Igreja de Albano: um gesto que simbolicamente marca a passagem da glória imperial para a luz do Evangelho.

O nome Castel Gandolfo deriva do latim Castrum Gandulphi, o castelo construído pela família Gandolfi no século XII. Quando, em 1596, o castelo passou para a Santa Sé, tornou-se residência de verão dos Pontífices, e o vínculo entre este lugar e o ministério do Sucessor de Pedro tornou-se profundo e duradouro.

O Observatório do Vaticano: contemplar o céu, louvar o Criador
De particular relevância espiritual é o Observatório do Vaticano, fundado pelo papa Leão XIII em 1891 e transferida nos anos 30 para Castel Gandolfo devido à poluição luminosa de Roma. Ela testemunha como também a ciência, quando orientada para a verdade, conduz a louvar o Criador.
Ao longo dos anos, o Observatório contribuiu para projetos astronômicos de grande importância como a Carte du Ciel [Mapa do Céu] e para a descoberta de numerosos objetos celestes.

Com o agravamento das condições de observação também nos Castelli Romani, nos anos 80 a atividade científica mudou-se principalmente para o Observatório Mount Graham, no Arizona (EUA), onde o Vatican Observatory Research Group [Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano] continua as pesquisas astrofísicas. Castel Gandolfo permanece, porém, um importante centro de estudos: desde 1986 recebe bienalmente a Vatican Observatory Summer School [Escola de Verão do Observatório do Vaticano], dedicada a estudantes e graduados em astronomia de todo o mundo. O Observatório também organiza congressos especializados, eventos de divulgação, exposições de meteoritos e apresentações de materiais históricos e artísticos com tema astronômico, tudo em um espírito de pesquisa, diálogo e contemplação do mistério da criação.

Uma igreja no coração da cidade e da fé
No século XVII, o papa Alexandre VII confiou a Gian Lorenzo Bernini a construção de uma capela palatina para os funcionários das Vilas Pontifícias. O projeto, inicialmente concebido em honra a São Nicolau de Bari, foi finalmente dedicado a São Tomás de Villanova, agostiniano canonizado em 1658. A igreja foi consagrada em 1661 e confiada aos Agostinianos, que a administraram até 1929. Com a assinatura dos Pactos de Latrão, o papa Pio XI confiou aos mesmos Agostinianos o cuidado pastoral da nova Paróquia Pontifícia de Santa Ana no Vaticano, enquanto a igreja de São Tomás de Villanova foi posteriormente confiada aos Salesianos.

A beleza arquitetônica desta igreja, fruto do gênio barroco, está a serviço da fé e do encontro entre Deus e o homem: hoje ali se celebram numerosos casamentos, batismos e liturgias, atraindo fiéis de todas as partes do mundo.

A casa salesiana
Os Salesianos estão presentes em Castel Gandolfo desde 1929. Naqueles anos, a vila conheceu um notável desenvolvimento, tanto demográfico quanto turístico, ainda mais graças ao início das celebrações papais na igreja de São Tomás de Villanova. Todo ano, na solenidade da Assunção, o papa celebrava a Santa Missa na paróquia pontifícia, uma tradição iniciada por São João XXIII em 15 de agosto de 1959, quando saiu a pé do Palácio Pontifício para celebrar a Eucaristia entre o povo. Essa prática se manteve até o pontificado do Papa Francisco, que interrompeu as estadias de verão em Castel Gandolfo. Em 2016, de fato, todo o complexo das Vilas Pontifícias foi transformado em museu e aberto ao público.

A casa salesiana fez parte da Inspetoria Romana e, de 2009 a 2021, da Circunscrição Salesiana Itália Central. Desde 2021 está sob a responsabilidade direta da Sede Central, com diretor e comunidade nomeados pelo Reitor-Mor. Atualmente, os salesianos presentes vêm de diferentes países (Brasil, Índia, Itália, Polônia) e atuam na paróquia, nas capelanias e no oratório.

Os espaços pastorais, embora pertençam ao Estado da Cidade do Vaticano e sejam considerados zonas extraterritoriais, fazem parte da diocese de Albano, à qual os Salesianos participam ativamente da vida pastoral. Estão envolvidos na catequese diocesana para adultos, no ensino na escola teológica diocesana e no Conselho Presbiteral como representantes da vida consagrada.

Além da paróquia de São Tomás de Villanova, os Salesianos também administram outras duas igrejas: Maria Auxiliadora (também chamada de “São Paulo”, pelo nome do bairro) e Madonna del Lago [Nossa Senhora do Lago], desejada por São Paulo VI. Ambas foram construídas entre as décadas de 60 e 70 para atender às necessidades pastorais da população crescente.

A igreja paroquial projetada por Bernini é hoje destino de numerosos casamentos e batismos celebrados por fiéis vindos de todo o mundo. Todo ano, com as devidas autorizações, são realizadas dezenas, às vezes centenas, de celebrações.

O pároco, além de guiar a comunidade paroquial, é também capelão das Vilas Pontifícias e acompanha espiritualmente os funcionários do Vaticano que ali trabalham.

O oratório, atualmente administrado por leigos, conta com o envolvimento direto dos Salesianos, especialmente na catequese. Em finais de semana, festas e atividades de verão como o Verão dos Meninos, colaboram também estudantes salesianos residentes em Roma, oferecendo um apoio valioso. Na igreja de Maria Auxiliadora existe também um teatro ativo, com grupos paroquiais que organizam espetáculos, um lugar de encontro, cultura e evangelização.

Vida pastoral e tradições
A vida pastoral é marcada pelas principais festas do ano: São João Bosco em janeiro, Maria Auxiliadora em maio com uma procissão no bairro de São Paulo, a festa da Madonna del Lago – e portanto a festa do Lago – no último sábado de agosto, com a estátua levada em procissão em um barco no lago. Esta última celebração está envolvendo cada vez mais as comunidades vizinhas, atraindo muitos participantes, incluindo motociclistas, com os quais foram iniciados momentos de encontro.

No primeiro sábado de setembro celebra-se a festa patronal de Castel Gandolfo em honra a São Sebastião, com uma grande procissão pela cidade. A devoção a São Sebastião remonta a 1867, quando a cidade foi poupada de uma epidemia que atingiu duramente as cidades vizinhas. Embora a memória litúrgica seja em 20 de janeiro, a festa local é celebrada em setembro, tanto em lembrança da proteção obtida quanto por razões climáticas e práticas.

No dia 8 de setembro celebra-se o padroeiro da igreja, São Tomás de Villanova, coincidindo com o Nascimento da Bem-Aventurada Virgem Maria. Nesta ocasião também ocorre a festa das famílias, dirigida aos casais que se casaram na igreja de Bernini: são convidados a retornar para uma celebração comunitária, uma procissão e um momento de confraternização. A iniciativa teve ótima aceitação e está se consolidando com o tempo.

Uma curiosidade: a caixa de correio
Ao lado da entrada da casa salesiana encontra-se uma caixa postal, conhecida como “Buca delle corrispondenze” [caixa das correspondências], considerada a mais antiga ainda em uso. Data de 1820, vinte anos antes da introdução do primeiro selo postal do mundo, o famoso Penny Black (1840). É uma caixa oficial dos Correios Italianos ainda ativa, mas também um símbolo eloquente: um convite à comunicação, ao diálogo, à abertura do coração. O retorno do papa Leão XIV à sua residência de verão certamente o aumentará.

Castel Gandolfo continua sendo um lugar onde o Criador fala através da beleza da criação, da Palavra proclamada e do testemunho de uma comunidade salesiana que, na simplicidade do estilo de Dom Bosco, continua a oferecer acolhimento, formação, liturgia e fraternidade, lembrando a quem se aproxima dessas terras em busca de paz e serenidade que a verdadeira paz e serenidade só se encontram em Deus e em sua graça.




Dom Bosco e a Igreja do Santo Sudário

O Santo Sudário de Turim, impropriamente chamado de “Santo Sudário” pelo costume francês de chamá-lo de “Le Saint Suaire”, era propriedade da Casa de Saboia desde 1463 e foi transferido de Chambery para a nova capital da Saboia em 1578.
            Naquele mesmo ano, foi realizada a primeira Exposição, que Emanuel Filiberto quis fazer em homenagem ao Card. Carlos Borromeu, que veio a Turim em peregrinação para venerá-la.

Exposições no século XIX e o culto ao Sudário
            No século XIX, as Exposições de 1815, 1842, 1868 e 1898 são particularmente dignas de nota: a primeira por ocasião do retorno da família de Saboia aos seus estados, a segunda no casamento de Vítor Emanuel II com Maria Adelaide de Habsburgo-Lorena, a terceira no casamento de Humberto I com Margarida de Saboia-Gênova e a quarta na Exposição Universal.
            Os santos de Turim do século XIX, Cottolengo, Cafasso e Dom Bosco, eram devotos do Santo Sudário, imitando o exemplo do Beato Sebastião Valfré, o apóstolo de Turim durante o cerco de 1706.
            As Memórias Biográficas nos asseguram que Dom Bosco o venerou especialmente na Exposição de 1842 e na de 1868, quando também levou os meninos do oratório para vê-lo (MBp II, 110-111; IX, 182).
            Hoje, a tela de valor inestimável, doada por Umberto II de Saboia à Santa Sé, é confiada ao Arcebispo de Turim “Custódio Pontifício” e mantida na suntuosa Capela Guarini, atrás da Catedral.
            Em Turim, há também, na Rua Piave, na esquina da Rua São Domingos, a Igreja do Santo Sudário, construída pela Confraria de mesmo nome e reconstruída em 1761. Adjacente à igreja está o “Museu Sindonológico” e a sede do Sodalício “Cultores Sanctae Sindonis” [Cultores do Santo Sudário], um centro de estudos sindonológicos para o qual fizeram valiosas contribuições estudiosos salesianos como o P. Natal Noguier de Malijay, o P. Antônio Tonelli, o P. Alberto Caviglia, o P. Pedro Scotti e, mais recentemente, o P. Pedro Rinaldi e o P. Luís Fossati, para citar apenas os principais.

A Igreja do Santo Sudário em Roma
            Também existe uma Igreja do Santo Sudário em Roma, ao longo da rua homônima que vai do Largo Argentina paralelamente à Avenida Vitório. Erguida em 1604 com um projeto de Carlos di Castellamonte, era a Igreja dos Piemonteses, Saboianos e Niceanos, construída pela Confraria do Santo Sudário que havia surgido em Roma naquela época. Depois de 1870, ela se tornou a igreja particular da Casa de Saboia.
            Durante suas estadas em Roma, Dom Bosco celebrou a missa nessa igreja várias vezes e formulou um plano para ela e para a casa adjacente, de acordo com o propósito da então extinta Confraria, dedicada a obras de caridade para jovens abandonados, doentes e prisioneiros.
            A Confraria havia deixado de funcionar no início do século e a propriedade e a administração da igreja haviam passado para a Delegação Sarda junto à Santa Sé. Na década de 1860, a igreja estava precisando de grandes reformas, tanto que em 1868 foi temporariamente fechada.
            Mas, já em 1867, Dom Bosco teve a ideia de propor ao governo da Saboia que lhe entregasse o uso e a administração da igreja, oferecendo sua colaboração em dinheiro para concluir o trabalho de restauração. Talvez ele tenha previsto a entrada das tropas piemontesas em Roma, não muito distante, e, desejando abrir uma casa lá, pensou em fazê-lo antes que a situação se precipitasse, tornando mais difícil obter a aprovação da Santa Sé e o respeito do Estado pelos acordos (MBp IX, 461-462).
            Ele então apresentou o pedido ao governo. Em 1869, durante uma escala em Florença, ele preparou uma minuta de acordo que, ao chegar a Roma, apresentou a Pio IX. Depois de obter seu consentimento, ele passou para a solicitação oficial ao Ministério das Relações Exteriores, mas, infelizmente, a ocupação de Roma acabou prejudicando todo o caso. O próprio Dom Bosco percebeu a inadequação de insistir. Assumir, de fato, naquela época, a oficialização de uma igreja romana pertencente à Casa da Saboia por uma Congregação religiosa com sua Casa Mãe em Turim, poderia ter parecido um ato de oportunismo e servilismo em relação ao novo Governo.
            Em 1874, Dom Bosco testou novamente o terreno com o governo. Mas, infelizmente, as notícias intempestivas que vazaram dos jornais interromperam definitivamente o projeto (MBp X, 1041-1042).
            Gostaríamos, porém, de recordar o fato de que Dom Bosco, ao procurar uma oportunidade favorável para abrir uma casa em Roma, pôs os olhos na Igreja do Santo Sudário.




A décima colina (1864)

O sonho da “Décima Colina”, narrado por Dom Bosco em outubro de 1864, é uma das páginas mais sugestivas da tradição salesiana. Nele, o santo se encontra em um vale imenso cheio de jovens: alguns já no Oratório, outros ainda a serem encontrados. Guiado por uma voz misteriosa, ele deve conduzi-los por uma escarpa íngreme e depois por dez colinas, símbolo dos dez mandamentos, em direção a uma luz que prefigura o Paraíso. O carro da Inocência, as hostes penitenciais e a música celestial desenham um afresco educativo: mostram a dificuldade de preservar a pureza, o valor do arrependimento e o papel insubstituível dos educadores. Com essa visão profética, Dom Bosco antecipa a expansão mundial de sua obra e o compromisso de acompanhar cada jovem no caminho da salvação.

            Dom Bosco tinha tido um sonho na noite anterior. Ao mesmo tempo um menino, chamado C… E…, de Casale Monferrato, teve o mesmo sonho, parecendo-lhe estar com Dom Bosco e conversar com ele. Quando acordou ficou muito impressionado e foi contar o sonho ao seu professor, que o exortou a contar tudo a Dom Bosco. O menino foi procurá-lo e se encontrou com o próprio, que descia a escada e soube que ele também estava à sua procura para lhe relatar a mesma coisa.
            Pareceu a Dom Bosco estar num vale enorme repleto de milhares de garotos, mas tão numerosos que ele não acreditava poder encontrar tantos no mundo inteiro. Entre estes ele podia reconhecer todos aqueles que foram e que estão agora no Oratório. Todos os outros eram talvez aqueles que virão mais tarde. No meio dos jovens, podiam-se ver os padres e os clérigos da casa.
            Uma escarpada muito alta fechava um lado daquele vale. Enquanto Dom Bosco pensava o que poderia fazer com todos estes jovens, “uma voz” lhe disse:
            – Está vendo aquela escarpada? Pois bem, precisa que você e os seus jovens alcancem o topo.
            Então Dom Bosco ordenou àquela multidão de jovens de se dirigir até o ponto indicado. Os jovens foram correndo e iniciaram a subir pela escarpada. Os padres da casa também correram e subiam ajudando os jovens: Levantavam os que caíam e carregavam os que, cansados, não aguentavam mais. P. Rua, com as mangas arregaçadas, trabalhava mais que todos e, até agarrando os meninos de dois em dois, lançava-os até o cume da escarpada, onde caíam em pé e corriam alegremente a brincar. P. Cagliero e P. Francesia corriam no meio dos meninos gritando:
            – Coragem, continuem; continuem, coragem.
            Em pouco tempo aquela multidão de jovens chegou no topo da escarpada; também Dom Bosco tinha chegado e disse: – E agora, o que vamos fazer?
            – E a “voz” continuou:
            – Você deve ultrapassar com os seus jovens estas dez colinas que estão à sua frente, uma após a outra.
            – Mas como é que vão conseguir aguentar uma caminhada tão longa, estes garotos tão pequenos e delicados?
            Foi-lhe respondido: – Quem não puder andar com suas próprias pernas será carregado.
            E eis, de fato, na extremidade da colina aparecer uma magnífica carruagem. Impossível descrever a beleza daquela carruagem, mas vou tentar. Era triangular e tinha três rodas que se movimentavam em todos os sentidos. Nos três cantos havia três hastes cujas extremidades se encontravam num mesmo ponto por cima da mesma carruagem, formando como que um pináculo de caramanchão. Sobre este ponto de união se levantava um magnífico estandarte sobre o qual estava escrito em caracteres cubitais: Innocentia (Inocência). Havia uma faixa ao redor da carruagem com a escrita: Adjutorio Dei Altissimi Patris et Filii et Spiritus Sancti (Com a ajuda do Deus Altíssimo Pai e Filho e Espírito Santo).
            A carruagem, que era de grande esplendor, por causa do ouro e pedras preciosas, veio até o meio dos jovens. Dada a ordem, muito meninos subiram na carruagem. Seu número era de quinhentos. Quinhentos apenas eram ainda inocentes, no meio a tantos milhares de jovens.
            Dispostos estes na carruagem, Dom Bosco pensava por qual caminho deveria ir, quando viu abrir-se à sua frente uma estrada ampla e bonita, mas cheia de espinhos. Apareceram então, de repente, seis jovens, já falecidos no Oratório, vestidos de branco, carregando outra belíssima bandeira onde estava escrito: Poenitentia (Penitência). Estes se puseram à frente daquelas legiões de jovens que deviam seguir o caminho a pé. Então foi dado o sinal da partida. Muitos padres puseram-se no timão da carruagem, que, dirigida por eles, começou a se mover. Os seis meninos, vestidos de branco, seguem-no. Atrás deles vinha a multidão. Os garotos que estavam na carruagem entoaram o Laudate pueri Dominum (Louvai, meninos, ao Senhor – Sl 112,1) com uma melodia magnífica e inexprimível.
            Dom Bosco caminhava encantado com aquela música celestial, quando se lembrou de olhar atrás para ver se todos os jovens o acompanhavam. Mas, oh, doloroso espetáculo! Muitos tinham ficado no vale, muitos voltaram atrás. Dom Bosco, agitado por dor inexprimível, decidiu voltar atrás para tentar convencer aqueles jovens levianos e ajudá-los a segui-lo. Mas foi-lhe decididamente negado.
            Exclamou ele: – Mas aqueles coitados vão se perder.
            Foi-lhe respondido:
            – Pior para eles: eles foram chamados como os outros e não quiseram acompanhá-lo. A estrada a ser percorrida, eles a viram e isso basta.
            Dom Bosco queria replicar; pediu, suplicou: inútil.
            Foi-lhe dito: – A obediência é para você também! – E teve que continuar o caminho.
            Nem tinha ainda suavizado esta dor, quando um outro acidente aconteceu. Muitos dos que estavam na carruagem, aos poucos, foram caindo por terra. De quinhentos, ficaram apenas 150 debaixo do estandarte da inocência.
            O coração de Dom Bosco partia-se por tanta angústia. Ele esperava que o que estava acontecendo fosse um sonho, fazia de tudo para acordar, mas infelizmente tudo aquilo era a triste realidade. Batia palmas e ouvia o som delas; gemia e ouvia seus gemidos ecoarem pelo quarto; queria fazer sumir aquele terrível fantasma, mas não podia.
            Neste ponto, narrando o sonho, exclamava: – Meus queridos jovens! Eu conheci e vi os que ficaram no vale, os que voltaram ou caíram da carruagem! Eu reconheci a todos vocês. Mas tenho a certeza de que farei de tudo para salvá-los. Muitos de vocês, convidados por mim para se confessar, não acataram o meu chamado! Pelo amor de Deus, salvem suas almas.
            Muitos dos garotos que tinham caído da carruagem foram aos poucos se juntar entre os que caminhavam atrás da segunda bandeira. E a música da carruagem continuava tão suave que aos poucos fez esquecer a dor que Dom Bosco sentia. Sete colinas já estavam ultrapassadas e, chegando aquelas legiões na oitava, entraram num maravilhoso povoado, onde pararam para descansar um pouco. As casas daquele lugar eram de uma riqueza e beleza indescritível.
            Dom Bosco, falando aos jovens sobre este lugar, acrescentou:
            – Vou dizer para vocês o que Santa Teresa afirmou das coisas do Paraíso: são coisas que ao se falar se degradam, porque são tão belas que é inútil esforçar-se para descrevê-las. Por isso digo-lhes só que os portais das casas pareciam um conjunto de ouro, cristal e diamante que surpreendia, enchia os olhos e infundia muita alegria. Os campos estavam cheios de árvores carregadas ao mesmo tempo de flores, botões, fruta madura e fruta verde. Era uma visão maravilhosa.
            Os jovens espalharam-se pelo povoado daqui e dali, uns para uma coisa, outros para outra, pois grande era a curiosidade deles e o desejo de provar daquela fruta.
            Foi nesta vila que aquele jovem de Casale se encontrou com Dom Bosco e conversou longamente com ele. Dom Bosco e o menino lembravam perfeitamente as perguntas feitas e as respostas. Singular combinação de dois sonhos.
            Dom Bosco neste ponto teve mais uma estranha surpresa. Os seus jovens apareceram-lhe, de repente, de idade avançada, curvos, desdentados, cheios de rugas no rosto, cabelos brancos, claudicantes, apoiados em bengalas. Ficou admirado com esta metamorfose, mas a “voz” lhe disse:
            – Você se admira; mas saiba que não são poucas horas desde que saiu do vale, mas já se passaram anos e anos. Foi aquela música que lhe fez parecer curto o caminho. Como prova, olhe a sua fisionomia e verá o que estou lhe dizendo.  – E foi apresentado a Dom Bosco um espelho. Ele olhou-se no espelho e viu que o seu aspecto era de um homem idoso, com o rosto cheio de rugas e com poucos dentes e estragados.
            A comitiva, entretanto, retomou o caminho, e os jovens de vez em quando pediam para parar a fim de olhar aquelas coisas novas. Mas Dom Bosco lhes dizia: – Em frente, em frente; nós não precisamos de nada; não temos fome, nem sede, portanto em frente.
            (Lá no fundo, distante, sobre a décima colina despontava uma luz que ia sempre aumentando, como que saída de um portal). Recomeçou, então, o canto, mas tão bonito que só mesmo no Paraíso se poderia ouvir coisa igual e deleitar-se. Não era música de instrumentos, nem parecia de vozes humanas. Era uma música impossível de descrever; e tamanha foi a alegria que invadiu a alma de Dom Bosco que acordou e se viu em sua cama.
            Dom Bosco, então, explicou o sonho:
            – O vale é o mundo. A escarpada são os obstáculos para afastar-se dele. A carruagem, vocês já entenderam. As turmas dos jovens a pé são os que, perdida a inocência, arrependeram-se de suas faltas.
            Dom Bosco acrescentou ainda que as dez colinas representavam os dez mandamentos da lei de Deus, cuja observância leva à vida eterna.
            Enfim, anunciou que, se fosse necessário, estaria disposto a revelar em particular a alguns jovens o que faziam naquele sonho; se ficaram no vale ou se caíram da carruagem.
            Descido do estrado, o aluno Antônio Ferraris aproximou-se dele e contou, estando nós presentes e entendendo perfeitamente o que ele dizia, como na noite anterior ele sonhou de estar com sua querida mãe, que lhe perguntou se por ocasião da Páscoa viria para casa de férias. Dom Bosco respondeu-lhe que antes da Páscoa estaria no Paraíso. Em seguida o jovem, em confiança, baixinho, falou algumas outras coisas ao ouvido de Dom Bosco. Antônio Ferraris faleceu no dia 16 de março de 1865.
            Colocamos logo por escrito o sonho, e na mesma noite de 22 de outubro de 1864, no final, acrescentamos a seguinte nota: “Eu tenho certeza de que Dom Bosco, pelas suas explicações, procurou encobrir o que o sonho tem de mais surpreendente, pelo menos por alguma circunstância. Aquela dos dez mandamentos não me convence. A oitava colina onde Dom Bosco parou, e se viu no espelho muito mais idoso, eu creio que indique o fim de sua vida, que deveria acontecer depois dos setenta anos. O futuro dirá”.
            Este futuro é agora, tempo que passou e confirmou a nossa opinião. O sonho indicava a Dom Bosco a duração de seu viver. Vamos confrontar com esse o da Roda, que a gente só pôde conhecer alguns anos depois. Os giros da Roda correspondem a uma dezena de anos; e assim, também, parece que tenha o mesmo espaço de tempo o proceder de colina em colina. Cada um das colinas corresponde a dez anos, de modo que elas significam cem anos, o máximo da vida de um homem. Agora, nós vemos Dom Bosco, menino de dez anos, iniciar sua missão entre os colegas dos Becchi e, assim, iniciar sua viagem; percorre todas as sete colinas, isto é, sete dezenas, portanto, a sua idade chega a setenta anos; sobe na oitava colina e aqui faz uma parada: vê casas e campos maravilhosos, isto é, a sua Congregação (Pia Sociedade), tornada grande e cheia de frutos pela infinita bondade de Deus. É ainda longo o caminho a percorrer na oitava colina, e retoma a viagem; mas não chega à nona colina, pois ele acordou. Assim ele não viveu a oitava dezena de anos, vindo a falecer aos 72 anos e cinco meses.
            O que diz o leitor sobre isso? Vou acrescentar que, na noite seguinte, tendo Dom Bosco perguntado nosso parecer sobre o sonho, respondi que o sonho não dizia respeito somente aos jovens, mas indicava a expansão da Congregação (Pia Sociedade) em todo o mundo.
            – Que nada – retrucou um dos nossos irmãos; temos já o Colégio de Mirabello e de Lanzo e talvez vamos ter mais alguns outros no Piemonte. O que quer mais?
            – Não! O sonho nos aponta outros destinos.
            E Dom Bosco aprovava, sorrindo, a nossa certeza.
(MBp VII, 820-826)




A educação feminina com São Francisco de Sales

O pensamento educativo de São Francisco de Sales revela uma visão profunda e inovadora do papel da mulher na Igreja e na sociedade de seu tempo. Convencido de que a formação das mulheres era fundamental para o crescimento moral e espiritual de toda a comunidade, o santo bispo de Genebra promoveu uma educação equilibrada, respeitosa da dignidade feminina, mas também atenta às fragilidades. Com um olhar paterno e realista, soube reconhecer e valorizar as qualidades das mulheres, encorajando-as a cultivar a virtude, a cultura e a devoção. Fundador da Ordem da Visitação com Joana de Chantal, defendeu vigorosamente a vocação feminina, mesmo contra críticas e preconceitos. Seu ensinamento continua a oferecer reflexões atuais sobre a educação, o amor e a liberdade na escolha da própria vida.

                Por ocasião de sua viagem a Paris em 1619, Francisco de Sales encontrou Adrien Bourdoise, um padre reformador do clero, que o repreendeu por se ocupar demais das mulheres. O bispo teria respondido com calma que as mulheres eram metade da humanidade e que, formando boas cristãs, haveria bons jovens e, com bons jovens, bons padres. Aliás, São Jerônimo não lhes dedicou muito tempo e vários escritos? A leitura de suas cartas é recomendada por Francisco de Sales à senhora de Chantal, que encontrará nelas, entre outras coisas, numerosas indicações “para educar suas filhas”. Deduz-se que o papel das mulheres na educação justificava, aos seus olhos, o tempo e a solicitude que lhes dedicava.

Francisco de Sales e as mulheres de seu tempo
                “É preciso ajudar o sexo feminino, desprezado”, disse certa vez o bispo de Genebra a Jean-François de Blonay. Para compreender as preocupações e o pensamento de Francisco de Sales, convém situá-lo em sua época. É preciso dizer que algumas de suas afirmações ainda parecem muito ligadas à mentalidade corrente. Nas mulheres de sua época, ele lamentava “essa ternura feminina consigo mesmas”, a facilidade “em se compadecer e desejar ser compadecidas”, uma maior propensão do que os homens “a dar crédito aos sonhos, a ter medo dos espíritos e a ser crédulas e supersticiosas” e, acima de tudo, as “contorções de seus pensamentos vaidosos”. Entre os conselhos dados à senhora de Chantal relativos à educação das filhas, escrevia sem hesitação: “Tire-lhes a vaidade da alma: ela nasce quase ao mesmo tempo que o sexo”.
                No entanto, as mulheres são dotadas de grandes qualidades. Ele escreveu sobre a senhora de La Fléchère, que acabara de perder o marido: “Se eu tivesse apenas esta ovelha perfeita no meu rebanho, não me angustiaria por ser pastor desta diocese aflita. Depois da senhora de Chantal, não sei se alguma vez encontrei uma alma mais forte num corpo feminino, um espírito mais sensato e uma humildade mais sincera”. As mulheres não são de forma alguma as últimas na prática das virtudes: “Não vimos muitos grandes teólogos que disseram coisas maravilhosas sobre as virtudes, mas não as praticavam, enquanto, ao contrário, há tantas mulheres santas que não sabem falar de virtudes, mas sabem muito bem como praticá-las?”.
                São as mulheres casadas as mais dignas de admiração: “Ó meu Deus! Como são agradáveis a Deus as virtudes de uma mulher casada; na verdade, elas devem ser fortes e excelentes para poderem permanecer nessa vocação!”. Na luta para preservar a castidade, ele acreditava que “as mulheres muitas vezes lutaram com mais coragem do que os homens”.
                Fundador de uma congregação de mulheres junto com Joana de Chantal, ele manteve contato constante com as primeiras religiosas. Ao lado dos elogios, começaram a chover críticas. Empurrado para essas trincheiras, o fundador teve que se defender e defendê-las, não apenas como religiosas, mas também como mulheres. Em um documento que deveria servir de prefácio às Constituições das Visitandinas, encontramos a veia polêmica de que ele era capaz, dirigindo-se não mais contra os “hereges”, mas contra os “censores” maliciosos e ignorantes:

A presunção e a arrogância inoportuna de muitos filhos deste século, que criticam ostensivamente tudo o que não está de acordo com o seu espírito […], oferecem-me a oportunidade, ou melhor, obrigam-me a redigir esta Prefácio, minhas queridas Irmãs, para armar e defender a vossa santa vocação contra as pontas das suas línguas pestilentas; para que as almas boas e piedosas, que sem dúvida estão ligadas ao vosso amável e honrado Instituto, encontrem aqui como repelir as flechas lançadas pela temeridade desses censores bizarros e insolentes.

                Prevendo talvez que tal preâmbulo corria o risco de prejudicar a causa, o fundador da Visitação escreveu uma segunda edição suavizada, com o objetivo de destacar a igualdade fundamental entre os sexos. Depois de citar o Gênesis, desta vez ele fez o seguinte comentário: “A mulher, portanto, não menos que o homem, tem a graça de ter sido feita à imagem de Deus; igual honra em ambos os sexos; suas virtudes são iguais”.

A educação das filhas
                O inimigo do amor verdadeiro é a “vaidade”. Este era o defeito que Francisco de Sales, assim como os moralistas e pedagogos de seu tempo, mais temia na educação das jovens. Ele destaca várias manifestações disso. Veja “estas moças da alta sociedade, que, tendo-se bem estabelecido, andam por aí cheias de orgulho e vaidade, com a cabeça erguida, os olhos abertos, ansiosas por serem notadas pelos mundanos”.
                O bispo de Genebra diverte-se um pouco ao ridicularizar essas “moças da sociedade”, que “usam chapéus espalhados e empoados”, com a cabeça “ferrada como se fossem ferraduras de cavalo”, todas “empinadas e enfeitadas com flores como não se pode dizer” e “carregadas de enfeites”. Há aquelas que “usam vestidos apertados e muito incômodos, para parecerem magras”; eis uma verdadeira “loucura que, na maioria das vezes, as torna incapazes de fazer qualquer coisa”.
                O que pensar, então, de certas belezas artificiais transformadas em “boutiques de vaidade”? Francisco de Sales prefere um “rosto limpo e puro”, deseja “que não haja nada afetado, porque tudo o que é embelezado desagrada”. É preciso, então, condenar todo “artifício”? Ele admite de bom grado que “no caso de algum defeito da natureza, é preciso corrigi-lo de modo a ver a correção, mas despojado de todo artifício”.
                E o perfume? perguntava-se o pregador falando de Madalena. “É uma coisa excelente – responde –, até quem está perfumado percebe algo de excelente”; acrescentando, como bom conhecedor, que “o almíscar da Espanha goza de grande estima no mundo”. No capítulo sobre a “decência das vestes”, ele permite que as jovens tenham roupas com vários ornamentos, “porque podem desejar livremente ser agradáveis a muitos, mas com o único objetivo de conquistar um jovem com vistas a um santo matrimônio”. Ele encerrava com esta observação indulgente: “O que vocês querem? É conveniente que as moças sejam um tanto graciosas”.
                É oportuno acrescentar que a leitura da Bíblia o preparou para não ser severo diante da beleza feminina. No amante do Cântico dos Cânticos, ele admirava “a notável beleza de seu rosto semelhante a um buquê de flores”. Ele descreve Jacó que, ao encontrar Raquel junto ao poço, “derramava lágrimas de alegria ao ver uma virgem que lhe agradava e o encantava pela graça do rosto”. Ele também gostava de contar a história de Santa Brígida, nascida na Escócia, um país onde se admiram “as mais belas criaturas que se podem ver”; ela era “uma jovem extremamente atraente”, mas sua beleza era “natural”, indica o nosso autor.
                O ideal de beleza salesiana chama-se “boa graça”, que designa não só “a perfeita harmonia das partes que tornam belo”, mas também a “graça dos movimentos, dos gestos e das ações, que é como a alma da vida e da beleza”, ou seja, a bondade do coração. A graça exige “simplicidade e modéstia”. Ora, a graça é uma perfeição que deriva do íntimo da pessoa. É a beleza unida à graça que faz de Rebeca o ideal feminino da Bíblia: ela era “tão bela e graciosa junto ao poço onde tirava água para dar de beber ao rebanho”, e sua “bondade familiar” a inspirava, além disso, a dar de beber não só aos servos de Abraão, mas também aos seus camelos.

Educação e preparação para a vida
                Na época de São Francisco de Sales, as mulheres tinham poucas oportunidades de acesso aos estudos superiores. As meninas aprendiam o que ouviam de seus irmãos e, quando a família tinha condições, frequentavam um convento. A leitura era certamente mais frequente do que a escrita. Os colégios eram reservados aos meninos, portanto, aprender latim, a língua da cultura, era praticamente proibido para as meninas.
                É preciso acreditar que Francisco de Sales não era contra que as mulheres se tornassem pessoas cultas, mas desde que não caíssem na pedanteria e na vaidade. Ele admirava Santa Catarina, que era “muito erudita, mas humilde em tanta ciência”. Entre as interlocutoras do bispo de Genebra, a senhora de La Fléchère havia estudado latim, italiano, espanhol e belas-artes, mas era uma exceção.
                Para encontrar um lugar na vida, tanto no âmbito social quanto no religioso, em determinado momento as jovens frequentemente precisavam de uma ajuda especial. Georges Rolland relata que o bispo ocupou-se pessoalmente de vários casos difíceis. Uma mulher de Genebra, com três filhas, foi generosamente assistida pelo bispo, “com dinheiro e créditos”; “colocou uma das filhas como aprendiz junto a uma senhora honesta da cidade, pagando-lhe a pensão durante seis anos, em grãos e dinheiro”. Ele também doou 500 florins para o casamento da filha de um impressor de Genebra.
                A intolerância religiosa da época às vezes provocava dramas, aos quais Francisco de Sales tentava remediar. Marie-Judith Gilbert, educada em Paris pelos pais nos “erros de Calvino”, descobriu aos dezenove anos o livro da Filoteia, que ousava ler apenas em segredo. Ela simpatizou com o autor, de quem tinha ouvido falar. Vigiada de perto pelo pai e pela mãe, conseguiu ser levada de carruagem, recebeu instrução na religião católica e entrou para as irmãs da Visitação.
                O papel social das mulheres ainda era bastante limitado. Francisco de Sales não era totalmente contra a intervenção das mulheres na vida pública. Ele escreveu nestes termos, por exemplo, a uma mulher levada a intervir na esfera pública, a propósito e a desproposito:

O seu sexo e a sua vocação permitem-lhe reprimir o mal externo a si, mas apenas se isso for inspirado pelo bem e realizado com repreensões simples, humildes e caridosas para com os transgressores e avisando os superiores, na medida do possível.

                Por outro lado, é significativo que uma contemporânea de Francisco de Sales, a senhorita de Gournay, uma das primeiras feministas ante litteram [antes da palavra], intelectual e autora de textos polêmicos como seu tratado A igualdade entre homens e mulheres e A queixa das mulheres, tenha manifestado grande admiração por ele. Ela se empenhou durante toda a sua vida em demonstrar essa igualdade, reunindo todos os testemunhos possíveis a esse respeito, sem esquecer o do “bom e santo bispo de Genebra”.

Educação para o amor
                Francisco de Sales falou muito sobre o amor de Deus, mas também foi muito atento às manifestações do amor humano. Para ele, de fato, o amor é uno, mesmo que seu “objeto” seja diferente e desigual. Para explicar o amor de Deus, ele não soube fazer melhor do que partir do amor humano.
                O amor nasce da contemplação do belo, e o belo se deixa perceber pelos sentidos, sobretudo pelos olhos. Estabelece-se um fenômeno interativo entre o olhar e a beleza: “Contemplar a beleza nos faz amá-la, e o amor nos faz contemplá-la”. O olfato reage da mesma maneira; de fato, “os perfumes exercem seu único poder de atração com sua doçura”.
                Após a intervenção dos sentidos externos, intervêm os sentidos internos, a fantasia, a imaginação, que exaltam e transfiguram a realidade: “Em virtude desse movimento recíproco do amor para a visão e da visão para o amor, da mesma forma que o amor torna mais resplandecente a beleza da coisa amada, assim a visão da coisa amada torna o amor mais apaixonado e agradável”. Compreende-se então por que “aqueles que pintaram Cupido lhe vendaram os olhos, afirmando que o amor é cego”. A este ponto surge o amor-paixão: ele faz “buscar o diálogo, e o diálogo muitas vezes alimenta e aumenta o amor”; além disso, “deseja o segredo, e quando os apaixonados não têm nenhum segredo a dizer, às vezes se agradam em dizê-lo secretamente”; e, finalmente, induz a “proferir palavras que, certamente, seriam ridículas se não brotassem de um coração apaixonado”.
                Ora, esse amor-paixão, que talvez se reduza apenas a “amorezinhos”, a “galanteios”, está exposto a várias vicissitudes, a tal ponto que leva o autor da Filoteia a intervir com uma série de considerações e advertências a respeito das “amizades frívolas que se estabelecem entre pessoas de sexos diferentes e sem intenção de casamento”. Muitas vezes, não passam de “abortos ou, melhor, aparências de amizade”.
                Francisco de Sales também se expressou sobre o tema dos beijos, perguntando-se, por exemplo, com os antigos comentaristas, por que Raquel permitiu que Jacó a abraçasse. Ele explica que existem dois tipos de beijo: um mau e outro bom. Os beijos que os jovens trocam facilmente entre si e que no início não são maus, podem tornar-se maus devido à fragilidade humana. Mas o beijo também pode ser bom. Em determinados lugares, é exigido pelo costume. «O nosso Jacó abraça muito inocentemente a sua Raquel; Rachel aceita este beijo de cortesia por parte deste homem de bom caráter e rosto limpo». «Oh! – concluía Francisco de Sales – dai-me pessoas que tenham a inocência de Jacó e Raquel e eu permitirei que se beijem».
                Na questão da dança e do baile, também em voga na época, o bispo de Genebra evitava mandamentos absolutos, como faziam os rigoristas da época, tanto católicos quanto protestantes, mostrando-se, no entanto, muito prudente. Chegaram mesmo a acusá-lo duramente de ter escrito que “as danças e os bailes, em si mesmos, são coisas indiferentes”. Tal como certos jogos, também eles se tornam perigosos quando se fica tão apegado a eles que não se consegue mais separar-se deles: o baile “deve ser feito por recreação e não por paixão; por pouco tempo e não até ficar cansado e atordoado”. O que é mais perigoso é o fato de que esses passatempos muitas vezes se tornam ocasiões que provocam “disputas, invejas, zombarias, namoricos”.

A escolha do modo de vida
                Quando a filha cresce, chega “o dia em que será preciso falar com ela, refiro-me a uma palavra decisiva, aquela em que se diz às jovens que se quer casá-las”. Homem do seu tempo, Francisco de Sales compartilhava em grande medida a ideia de que os pais tinham uma tarefa importante na determinação da vocação dos filhos, tanto para o casamento quanto para a vida religiosa. “Normalmente não se escolhe o próprio príncipe ou bispo, o próprio pai ou a própria mãe, e muitas vezes nem mesmo o próprio marido”, constatava o autor da Filoteia. No entanto, ele afirma claramente que “as filhas não podem ser dadas em casamento enquanto elas disserem não”.
                A prática corrente é bem explicada nesta passagem da Filoteia: “Para que um casamento se realize verdadeiramente, são necessárias três coisas em relação à jovem que se quer dar em casamento: em primeiro lugar, que lhe seja feita a proposta; em segundo lugar, que ela a aceite; em terceiro lugar, que ela consinta”. Como as moças se casavam muito jovens, não se pode admirar sua imaturidade afetiva. “As moças que se casam muito jovens amam realmente seus maridos, se os têm, mas não deixam de amar também os anéis, as joias, as amigas com quem se divertem muito brincando, dançando e fazendo loucuras”.
                O problema da liberdade de escolha se colocava igualmente para as crianças que se destinavam à vida religiosa. Franceschetta [Francisquinha], filha da baronesa de Chantal, deveria ser colocada em um convento por sua mãe, que desejava vê-la religiosa, mas o bispo interveio: “Se Franceschetta deseja ser religiosa, muito bem; caso contrário, não aprovo que se antecipe sua vontade com decisões que não são suas”. Além disso, não seria conveniente que a leitura das cartas de São Jerônimo orientasse demais a mãe no caminho da severidade e da coação. Por isso, aconselhou-a a “usar moderação” e a proceder com “inspirações suaves”.
                Algumas jovens hesitam diante da vida religiosa e do casamento, sem nunca chegar a se decidir. Francisco de Sales encorajou a futura senhora de Longecombe a dar o passo do casamento, que ele mesmo quis celebrar. Fez esta boa obra, dirá mais tarde o marido, à pergunta da esposa «que desejava casar-se pelas mãos do bispo e que, sem essa presença, nunca poderia dar esse passo, devido à grande aversão que nutria pelo casamento».

As mulheres e a «devoção»
                Alheio a qualquer feminismo ante litteram, Francisco de Sales estava consciente da contribuição excepcional da feminilidade no plano espiritual. Foi observado que, ao favorecer a devoção nas mulheres, o autor da Filoteia favoreceu, ao mesmo tempo, a possibilidade de uma maior autonomia, uma “vida privada feminina”.
                Não é de admirar que as mulheres tenham uma disposição especial para a “devoção”. Depois de enumerar um certo número de doutores e especialistas, ele pôde escrever no prefácio do Teótimo: “Mas para que se saiba que este tipo de escritos se redige melhor com a devoção dos apaixonados do que com a doutrina dos sábios, o Espírito Santo fez com que numerosas mulheres realizassem maravilhas a este respeito. Quem melhor manifestou as paixões celestiais do amor divino do que Santa Catarina de Gênova, Santa Ângela de Foligno, Santa Catarina de Sena e Santa Matilde?”. É conhecida a influência da Madre de Chantal na redação do Teótimo, e em particular do nono livro, “o seu nono livro do Amor de Deus”, segundo a expressão do autor.
                As mulheres podiam se envolver em questões religiosas? “Eis, pois, esta mulher que se faz de teóloga”, diz Francisco de Sales, falando da Samaritana do Evangelho. É preciso necessariamente ver nisso uma desaprovação em relação às teólogas? Não é certo. Tanto mais que ele afirma com veemência: “Eu vos digo que uma mulher simples e pobre pode amar a Deus tanto quanto um doutor em teologia”. A superioridade nem sempre está onde se pensa.
                Há mulheres superiores aos homens, a começar pela Santa Virgem. Francisco de Sales respeita sempre o princípio da ordem estabelecida pelas leis religiosas e civis de seu tempo, às quais prega a obediência, mas sua prática testemunha uma grande liberdade de espírito. Assim, para o governo dos mosteiros femininos, ele considerava que era melhor para elas estarem sob a jurisdição do bispo do que depender de seus irmãos religiosos, que corriam o risco de exercer uma influência excessiva sobre elas.
                As visitandinas, por sua vez, não dependeriam de nenhuma ordem masculina e não teriam nenhum governo central, estando cada mosteiro sob a jurisdição do bispo local. Ele ousou qualificar com o título inesperado de “apóstolas” as irmãs da Visitação que partiam para uma nova fundação.
                Se interpretarmos corretamente o pensamento do bispo de Genebra, a missão eclesial das mulheres consiste em anunciar não a palavra de Deus, mas “a glória de Deus” com a beleza do seu testemunho. Os céus, reza o salmista, narram a glória de Deus apenas com o seu esplendor. “A beleza do céu e do firmamento convida os homens a admirar a grandeza do Criador e a anunciar as suas maravilhas”; e “não é talvez uma maravilha maior ver uma alma adornada com muitas virtudes do que um céu constelado de estrelas?”.