26 Set 2025, Sex

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“O coração do sábio conhece o tempo (de agir) e julgamento (para dar sentido a suas ações). De fato, para todas as coisas, há tempo e julgamento… Ele não sabe o que vai acontecer. Quem pode anunciar-lhe como há de ser”? (cf. Ecl 8,5b-7). Desta percepção de Dom Bosco, o fato dele conhecer as coisas passadas e prever futuras que eram do seu interesse, nos dá nova prova à persuasão, que inspirou as Crônicas dos padres Domingos Ruffino e João Bonetti e também as memórias do P. João Cagliero, do P. César Chiala e de outros, todos eles testemunhas auriculares das palavras do servo de Deus.
Com singular concordância nos expõem um outro sonho, contado por Dom Bosco, no qual ele vê o Oratório de Valdocco, os frutos que produzia, a condição dos alunos perante Deus; aqueles que eram chamados ao estado eclesiástico ou ao estado religioso na Pia Sociedade, ou a viver no estado civil; e o futuro da nascente Pia Sociedade.



            Dom Bosco, portanto, sonhou, na noite anterior ao dia 2 de maio. Esse sonho durou seis horas, mais ou menos. Logo que o dia raiou, ele pulou da cama para tomar nota dos itens principais e dos nomes de alguns personagens que tinha visto passarem-lhe à sua frente enquanto dormia. Para contá-lo ele demorou três noites consecutivas, estando num estrado sob os pórticos depois das orações.
            No dia 2 de maio, falou cerca de três quartos de hora. O exórdio, como de costume nestas narrativas, apareceu um tanto confuso e estranho por motivos que já expusemos em outras ocasiões e devido àquelas que deixaremos ao juízo dos leitores. Assim ele começou falando aos jovens depois de ter anunciado assunto:
            Este sonho diz respeito somente aos estudantes. Muitíssimas coisas vistas por mim não podem ser descritas por falta de memória ou insuficiência de palavras. Parecia-me estar saindo de minha casa lá dos Becchi. Estava andando por um caminho que conduzia a um lugarejo vizinho a Castelnuovo chamado Capriglio. Queria chegar a um campo arenoso, de nossa propriedade, numa valada atrás do casario chamado Valcappone, cuja colheita dava apenas para pagar os impostos. Ali, na minha infância, eu tinha ido muitas vezes trabalhar. Já tinha percorrido um bom trecho de caminho, quando encontrei perto do campo um homem de uns quarenta anos, de estatura normal, de barba comprida bem ajeitada e de tez morena. Vestia um traje que descia até os joelhos e cingido na cintura. Trazia na cabeça uma espécie de boné branco. Estava numa postura de quem esperava alguém. Cumprimentou-me familiarmente como se eu fosse velho conhecido e me perguntou:
            – Aonde vai?
            Detendo o passo, respondi:
            – Eh! Vou ver um campo que temos por estas bandas. E o senhor, o que faz por aqui?
            – Não seja curioso! Não precisa saber!
            – Muito bem! Faça ao menos o favor de dizer-me seu nome, quem é, porque me parece que me conhece. De minha parte eu não o conheço.
            – Não é preciso que eu lhe diga meu nome e minhas qualidades. Vem. Façamo-nos companhia.
             Pus-me a caminho com ele e depois de alguns passos me vi diante de um campo coberto de pés de figo. Aí o meu companheiro me disse:
            – Olhe que belos figos. Se quer, pode colher e comer.
            Eu respondi maravilhado:
            – Nunca houve figos neste campo!
            E ele:
            – Mas agora existem. Olhe lá.
            – Mas estes estão verdes. Ainda não é a estação dos figos.
            – Mas pode ver. Há belos figos e bem maduros. Se quer… Vai logo porque já é tarde. 
            Eu não me decidia, e o amigo continuava insistindo: 
            – Ande logo! Não perca tempo! A noite vem caindo! 
            – Por qual motivo me apura tanto? Não vou comer! Não quero! Agrada-me vê-los, dá-los de presente, mas não me agradam muito ao meu paladar.
            – Bem, se é assim, vamos. Lembre-se, porém, o que o Evangelho de São Mateus, onde ele fala dos grandes acontecimentos que estavam para cair sobre Jerusalém. Jesus Cristo falava para seus discípulos: Ab arbore fici discite parabolam. Cum iam ramus ejus tener fuerit et folia nata, scitis quia prope est aestas (Da parábola da figueira, aprendei a lição: quando seus ramos vicejam e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto – Mt 24,32). E agora já está mais próximo o verão porque os frutos estão a amadurecer.
            Pusemo-nos de novo a caminho e eis que apareceu um outro campo coberto de videiras. E o desconhecido:
            – Quer uvas? Se não lhe agradam os figos, olhe lá aqueles cachos! Pegue e coma!
            – Oh! Pegaremos uvas a seu tempo lá na vinha.
            – Mas aqui também há!
            – A seu tempo!
            – Mas não está vendo toda aquela uva madura?
            – Mas será possível!? Nesta época!?
            – Ande logo! Vá! A noite vem chegando! Não tem tempo a perder!
            – E por que tanto afã para fazer depressa? Contanto que ao anoitecer me encontre em casa.        – Ande logo! Estou falando: ande logo. Logo chega a noite.
            – Bem, se cai a noite, voltará o dia.
            – Não é verdade! O dia não voltará mais.
            – Mas como!? O que quer dizer com isso?
           
– Que a noite se aproxima.
            – Mas de que noite está a me falar? Quer então dizer que devo preparar a mala e partir? Que eu devo partir já para minha eternidade?
            – A noite se aproxima: tem bem pouco tempo.
            – Diga-me pelo menos se será logo. Quando será?
            – Não seja tão curioso.  Non plus sapere quam oportet sapere (Não saber mais do que convém).
            – Assim dizia minha mãe a respeito dos enxeridos. – Pensei comigo e respondi em alta voz: – Por enquanto não tenho nenhum desejo de uvas!
            Enquanto isso íamos caminhando lentamente por um curto trecho de estrada e chegamos ao campo que era de nossa propriedade. Encontramos meu irmão José que carregava sua carroça. Ele se aproximou e me cumprimentou. Depois saudou meu companheiro, mas vendo que o amigo não respondia ao cumprimento e não lhe dava bola, perguntou-me se, por acaso, ele não tivesse sido colega de escola e respondi:
            – Não, nunca o vi.
            Então José voltou-se para o amigo e dirigiu-lhe a palavra:
            – Por gentileza, diga-me seu nome. Brinde-me com uma resposta para que eu saiba com quem estou a falar. – Mas o outro permaneceu mudo. Meu irmão ficou admirado e voltou-se para mim e perguntou:
            – Mas quem é essa pessoa?
            – Não sei! Ele não quis dizer!
            Nós insistimos ainda um pouco para saber donde vinha, mas o outro respondia apenas:
            – Non plus sapere quam oportet sapere.
            Neste momento meu irmão já se tinha afastado e não mais o vi. O desconhecido virou-se para mim e me disse:
            – Quer ver alguma coisa diferente?
            – De bom grado!
            – Quer ver seus meninos, como eles estão agora no presente? O que serão no futuro? Quer contá-los?
            – Oh! Sim! Sim!
            – Então venha comigo.

I

            Então ele tirou, não se de onde, uma engenhoca enorme que eu não saberia descrever. Tinha dentro uma grande roda. Fincou-a no chão.
            – O que quer dizer esta roda?
            – A eternidade nas mãos de Deus. E pegou a manivela da roda e a fez rodar e falou:
            – Pegue a manivela e dê uma volta.
            Assim o fiz. E me acrescentou:
            – Agora olhe lá dentro.
            – Olhei. Lá dentro havia um vidro em forma de lente com a largura um metro, mais ou menos, que se encontrava fixa no meio da máquina. Ao redor desta lente estava escrito: Hic est oculus qui humilia respicit in coelo et in terra (Este é o olho que vê as coisas humildes tanto céu quanto na terra). Logo coloquei os olhos sobre aquela lente. Olhei. Oh, que espetáculo! Vi lá dentro todos os jovens do Oratório. Eu pensava comigo: – Mas como é possível isso? Até o momento eu não vi ninguém nesta região e agora vejo todos os meus filhos! Mas eles não estão todos em Turim?
            Olhei por cima e pelos lados da engenhoca, mas por fora da lente não via nada. Levantei a cabeça para partilhar minha admiração com o amigo. Depois de alguns instantes ele me disse para dar mais um giro na manivela. Então eu vi estranha e singular separação dos jovens. Os bons separados dos maus. Os primeiros estavam radiantes de alegria; os outros, que por sinal não eram muitos, causavam compaixão. Eu os reconheci a todos, mas como eram diferentes do conceito que os colegas faziam deles. Uns tinham a língua furada, outros tinham os olhos piedosamente esbugalhados, outros oprimidos por dor de cabeça, feridas repugnantes, e havia jovens com o coração roído pelos vermes. Mais eu os olhava, mais me sentia oprimido e dizia: – Mas será possível que estes sejam os meus filhos? Não consigo compreender o que significam estas doenças!
            Ouvindo minhas palavras, o amigo que me tinha levado para a roda, me disse:
            – Ouça-me! Língua furada significa as más conversas. Os olhos esbugalhados representam os que interpretam e valoram erradamente as graças de Deus, preferindo a terra ao céu. A cabeça doída é a não preocupação com os seus conselhos, a satisfação com os caprichos próprios. Os vermes significam as paixões maldosas que corroem os corações. Também há surdos que não querem ouvir suas palavras para não ter que colocá-las em prática.
            Então fez-me um gesto para eu dar mais uma manivelada na roda. Aproximei o olho à lente do aparelho. Vi quatro jovens amarrados com pesadas correntes. Olhei bem e reconheci os quatro. Pedi explicações ao desconhecido, e ele respondeu:
            – Pode descobrir facilmente. São os que não ouvem os seus conselhos e não trocam de atitudes, estão na iminência de serem postos na prisão e aí apodrecerem por causa de seus delitos ou desobediências graves.
            – Quero tomar nota dos nomes deles para não esquecer. Mas o amigo respondeu:
            – Não é preciso. Estão todos anotados! Ei-los todos escritos neste caderno.
            Então lembrei-me de um livrinho que ele tinha na mão. Deu-me ordem para eu dar mais um giro na roda. Obedeci e enfiei os olhos naquela tela. Vi outros sete jovens que estavam bem altivos, em atitude desconfiada, com um cadeado na boa, que lhes trancava os lábios. Três deles também tapavam os ouvidos com as mãos. Afastei-me da imagem, quis pegar um caderno e lápis para anotar seus nomes. Aí o homem me disse:
            – Não é preciso. Estão anotados aqui no caderno que trago sempre comigo.
            Não quis de jeito nenhum que eu escrevesse. Eu estava espantado e condoído com aquela cena estranha. Perguntei o porquê de o cadeado trancar a boca daqueles tais, e ele explicou:
            – Mas não entende? São os que calam!
            – Mas calam o quê?
            – Calam!
            Então entendi que calavam na confissão. São os que, mesmo perguntados pelo confessor, não respondem ou respondem evasivamente ou contra a verdade. Respondem “não” quando é “sim”. E o amigo continuou:
            – Está vendo aqueles três outros que, além do cadeado na boca, tapam as orelhas com as mãos? A condição deles é deplorável. São os que não apenas omitem na confissão e de maneira alguma querem ouvir os avisos, os conselhos, as ordens do confessor. São os que ouviram suas palavras, mas não as colocaram em prática, não deram atenção. Poderiam baixar as mãos, mas não querem. Os outros quatro ouviram as exortações, as recomendações, mas não aproveitaram.
            – E como fazer para tirar o cadeado?
            – Ejiciatur superbia e cordibus eorum (Tire-se a soberba dos seus corações).
            – Eu darei o aviso a todos, mas para os que conservam as mãos nas orelhas existe pouca esperança.
            Aquele homem deu-me um conselho:
            – Ao dizer duas palavras no púlpito, uma seja sobre fazer bem a confissão.
            Prometi obedecer. Não quero dizer que vou me orientar exatamente assim, porque tornar-me-ia enjoado, mas vou fazer o possível para repetir muitas vezes esta máxima necessária. De fato, é bem maior o número dos que se condenam confessando-se, do que os que se condenam por não se confessarem, porque os depravados se confessam alguma vez, mas muitíssimas vezes não se confessam bem.
            Daí o personagem me mandou dar mais uma manivelada.
            Dito e feito. Olhei e vi três outros jovens com atitudes apavorantes. Cada um deles tinha um imenso gorila nas costas. Olhei atentamente. Vi que os animais tinham chifres. Cada um daqueles horrendos monstros com as patas dianteiras apertava o pescoço do infeliz com tal veemência que o fazia ficar vermelho e de rosto inflamado, e com os olhos ameaçando explodir das órbitas afora e cheios de sangue. Com as patas traseiras apertava as coxas que a custo conseguiam mover-se e com o rabo, chegava até o chão, enrodilhava-lhes as pernas de modo que era difícil e quase impossível caminhar.
            Isto significava que aqueles jovens, depois dos exercícios (espirituais), estavam em pecado mortal, especialmente da impureza e da imodéstia, réus de matéria grave contra o sexto mandamento. O demônio lhes apertava o pescoço, não lhes permitindo falar quando deviam. Fazia-os ficar de rosto vermelho e perdiam a intelecção, não sabendo mais o que fazer. Ficavam atados pela vergonha fatal que, em vez de levá-los à salvação, os leva à perdição. Com seus apertos fazia-lhes empurrar os olhos para fora das órbitas e aí não conseguiam divisar as próprias misérias e os meios para sair desta horrível situação, porque, dominados por uma amedrontadora preocupação, sentiam repugnância pelos sacramentos. Mantêm-nos presos pelas pernas para que não possam caminhar e nem dar passo para se colocarem no caminho do bem: é o predomínio da paixão por causa do hábito que lhes tira a possibilidade de emendarem-se.
            Asseguro-lhes, meus caros jovens, que, ao presenciar tal espetáculo, eu chorei. Teria querido pular para frente para libertar aqueles desgraçados, mas logo que me afastava da tela a imagem sumia. Quis então anotar os nomes daqueles três, mas o amigo disse:
            – Coisa inútil, porque eu já os tenho escrito no livro que tenho em mãos.
            Eu estava com o coração perturbado, lágrimas nos olhos e disse ao amigo:
            – Mas como é que estes pobres jovens estão neste estado! Eu lhes disse tantas palavras, servi-me de todos os cuidados na confissão e fora da confissão! – Perguntei-lhe o que deviam fazer para tirar das costas aquele monstro horrível. Ele respondeu ligeiro e entredentes:
            – Labor; sudor; fervor (trabalho, suor, fervor).
            – Não entendo. Fale mais claro. – De novo ele repetiu, mas sempre entredentes:
            – Labor; sudor; fervor.
            – É inútil. Se fala assim eu não o compreendo!
            – Oh! Quer debochar de mim.
            – Ora! Seja lá como quiser! Mas repito: não entendo!
            – Pois é! Está acostumado ao uso da gramática e às sintaxes das salas de aula. Pois então, observe: Labor, ponto e vírgula; Sudor, ponto e vírgula. Fervor, ponto. Entendeu?
            – Materialmente entendi as palavras. Porém, convém que me dê a explicação.
            – Labor in singulis operibus. Sudor in paenitentiis continuis. Fervor in orationibus ferventibus e perseverantibus (Trabalho nas obras assíduas, suor nas penitências contínuas, fervor nas orações fervorosas e perseverantes). Com eles muito se sacrificará. Não conseguirá conquistá-los, porque não querem sacudir o jugo de satanás, de quem são escravos.
            Eu continuava olhando e me atormentava pensando:
            –  Mas como!? Então todos estes estão perdidos? Possível!? Mesmo depois dos exercícios espirituais… aqueles tais… depois que eu fiz tanto por eles… depois de ter trabalhado tanto… depois de tantas pregações… depois de lhes ter dado tantos conselhos… feito tantas promessas… dado tantos avisos. Eu nunca teria imaginado tamanho desengano. – Eu não conseguia sossegar.
            Então meu intérprete começou a recriminar-me: – Oh, o soberbo! Vejam o soberbo! E quem é você para pretender converter porque trabalha? Porque ama os seus jovens, pretende vê-los todos corresponderem aos seus desejos? Pretende ser melhor do que nosso Divino Salvador em amar as almas, em trabalhar e sofrer por elas? Pensa que sua palavra seja mais eficaz do que a palavra de Jesus Cristo? Por acaso prega melhor do que Ele? Acha que usou mais caridade, maior cuidado com os seus jovens do que usou o Salvador para com seus Apóstolos? Você sabe que eles viviam continuamente com Ele, a todos os momentos, a cada instante ficavam repletos de todo tipo de benefícios, ouviam dia e noite Suas advertências e os preceitos de Sua doutrina, viam Suas obras que deviam ser um estímulo para a santificação de seus costumes. Quanto não terá feito e dito a respeito de Judas! Contudo Judas o traiu e morreu impenitente. Por acaso é melhor do que os Apóstolos? Pois bem! Os Apóstolos escolheram sete Diáconos. Eram apenas sete, escolhidos com todo cuidado e, todavia, um prevaricou! E você, entre quinhentos, se assusta com esse pequeno número que não corresponde aos seus cuidados? Pretende conseguir que não haja um desviado, que não haja um perverso sequer? Oh, o soberbo! – Quando ouvi isso, fiquei quieto. Mas sentia a alma deprimida pela dor. O homem continuou e percebeu que eu estava abatido. Fez-me dar mais um giro na roda, retomando:
            – Sossegue! Veja como o Senhor é generoso. Olhe quantas almas Deus quer lhe dar. Vê lá no fundo aquele grande número de jovens?
            Continuei a observar naquela tela imensa massa de jovens que nunca tinha conhecido em vida.
            – Sim! Estou vendo! Mas não conheço ninguém.
            – Pois bem! Estes são os que o Senhor lhe dará em compensação dos quatorze que não correspondem aos seus cuidados. Saiba que para compensar cada um dos quatorze o Senhor lhe dará cem.
            – Ah! Pobre e mim! Já estou com a casa cheia. Onde vou alojá-los?
            – Não se apoquente. Por enquanto lugar há suficiente. Mais tarde Aquele que os manda para você, Ele sabe onde você poderá colocá-los. Ele mesmo achará lugar.
            – Mas não é tanto o lugar que causa preocupação. O que mais me preocupa é o refeitório.
            – Por ora deixe de lado estas preocupações. O Senhor providenciará.
            – Bem, se é assim, fico muito contente. Até que me consolei. Olhei para todos aqueles jovens por muito tempo e ainda conservo na mente algumas fisionomias e poderei reconhecê-los se um dia os encontrar.
            Neste ponto Dom Bosco encerrou a Boa-noite. Era o dia 2 de maio.

II

            Na noite do dia 3, ele retomava a narrativa. Naquela tela ele tinha visto também o espetáculo das vocações, que dizia respeito a cada de seus alunos. Foi conciso e categórico em sua fala. Não proferiu nome algum e passou para outra ocasião a explicação das respostas ouvidas do guia a respeito de certos símbolos ou às alegorias que lhe passaram perante os olhos. Porém, o clérigo Ruffino tomou nota de diversos nomes recolhidos das suas confidências com os mesmos jovens, para quem Dom Bosco tinha segredado em particular o que ele tinha visto. Ruffino os escreveu em 1861 e no-los repassou.
            Para maior clareza de exposição e para não sermos obrigados a fazer muitas repetições, colocaremos tudo num bloco só, incluindo na narrativa os nomes omitidos e as explicações já dadas; estas, porém, não em forma de diálogo. Contudo, seremos exatos em referir ao pé da letra o que escreveu o cronista. Dom Bosco então começou a falar:

            O desconhecido estava perto da engenhoca da roda e da tela, e eu estava contente por ter visto tantos jovens que um dia viriam morar conosco. Então ele me disse:
            – Não quereria ver ainda uma cena espetacular?
            – Mas é claro que quero!
            – Rode a roda!
            Girei, olhei e vi. Todos os jovens estavam divididos em dois grupos, um grupo longe do outro, numa vasta região bem espraiada. De um dos lados aparecia um terreno coberto de legumes, hortaliças, relva e campo, em cuja orla havia umas fileiras de vinhas selvagens. Ali os jovens de um dos grupos, com pás, enxadas, as picaretas, os ancinhos, revolviam o terreno. Estavam distribuídos em quadras que tinham supervisores. Fiscal geral era o Cavaleiro Oréglia, de Santo Estêvão, que distribuía ferramentas agrícolas de todo tipo aos que cavavam e fazia trabalhar quem tinha pouca vontade. Ao longe divisei jovens que semeavam.
             O segundo grupo estava do outro lado, num extenso campo de trigo coberto de espigas douradas. Um valo comprido servia de limite entre este e outros campos cultivados que de ambas as partes se perdiam no horizonte. Os jovens trabalhavam recolhendo a messe, mas nem todos faziam o mesmo serviço. Alguns colhiam e faziam enormes feixes, uns amontoavam, outros respigavam, alguém dirigia a carroça, outro esbagoava, uns afiavam as foices e as aguçavam, um as distribuía, outro mais longe tocava violão. Era uma cena fabulosa de variantes surpreendentes.
            Naquele campo, à sombra de vetustas árvores, viam-se mesas cobertas de alimento necessário para toda aquela gente. Um pouco além um vasto e magnífico jardim cercado e sombreado, risonho de todas as espécies de canteiros de flores.
            A separação entre os trabalhadores da terra e os ceifeiros indicava os que abraçavam o estado eclesiástico e os que não o abraçavam. Eu não entendia o mistério e dirigi-me ao guia:
            – O que significa isto? Quem são aqueles que estão a cavar a terra?
            – Ainda não entende estas coisas? Os que cavam a terra são os que trabalham só para si mesmos, isto é, que não são chamados para o estado eclesiástico, mas são chamados ao estado laico.
            Logo entendi que os cavadores eram os aprendizes. Estes, em seu estado, basta que pensem em salvar a própria alma sem que tenham a obrigação especial de ocupar-se com a salvação dos outros. Repliquei:
            – E aqueles que estão a fazer a colheita, que estão do outro lado do campo?
            Sem dificuldade reconheci serem os que são chamados ao estado eclesiástico. Agora eu sei quem deve ser padre e quem deve seguir outro caminho. E eu contemplava com viva curiosidade o campo de trigo. Provera distribuía as foices aos ceifadores, e isto indicava que ele poderia tornar-se Reitor do Seminário ou diretor de comunidade religiosa ou de uma casa de estudos e, talvez algo mais importante. Deve-se notar que nem todos os que trabalhavam recebiam dele a foice, porque aqueles que a solicitavam eram os que fariam parte da nossa Congregação. Os outros recebiam a foice de outros distribuidores que não pertenciam aos nossos e, com isso, queria-se significar que se tornariam padres, mas exerceriam o sagrado ministério fora do Oratório. A foice é símbolo da Palavra de Deus.
            Nem a todos que solicitavam a foice Provera a entregava logo. Ele mandava alguns se alimentarem. Um comia um bocado, outros dois, isto é, o bocado da piedade e do estudo. O Tiago Rossi foi mandado a comer um bocado. Outros iam até o arvoredo onde estava o clérigo Durando que fazia muitas coisas e, entre elas, preparava a mesa para os ceifadores e lhe distribuía a comida. Este serviço mostrava os que são indicados de modo especial a promover a devoção para com o Santíssimo Sacramento. Ao mesmo tempo Mateus Galiano atarefava-se em levar água para os ceifadores.
            Costamagna foi pegar uma foice, mas Provera o mandou ao jardim a fim de colher duas flores. O mesmo aconteceu com Quattrocollo. Ao Rebuffo foi ordenado que recolhesse três flores, com a promessa de que lhe seria posta nas mãos uma foice. Olivero também estava nessa.
            Os jovens continuavam esparsos cá e acolá em meio às espigas. Muitos estavam dispostos em linha. Alguns tinham diante de si um canteiro grande, outros tinham um canteiro menor. O P. Ciattino, pároco de Maretto, colhia com uma foice entregue por Provera. P. Francésia e Vibert cortavam o trigo. Também colhiam Jacinto Perucatti, Merlone, Momo, Giarino, Jarach, os quais salvariam almas com a evangelização, se correspondessem à própria vocação. Quem colhia mais, quem colhia menos. Bondioni ceifava como um desesperado, mas nada de violento dura muito. Alguns lançavam a foice com muita força contra o trigo, mas ceifavam nada. Vaschetti pegou uma foice e se pôs a cortar, a cortar, e saiu do campo e foi trabalhar noutro lugar. A ouros aconteceu o mesmo. Entre aqueles que ceifavam, muitos não tinham uma foice bem afiada. De outras foices faltavam a pontas. Alguns a tinham muito gasta e quando queriam ceifar despedaçavam e estragavam tudo.
            Domingos Ruffino colhia e tinha recebido um canteiro muito grande. Sua foice cortava bem. Só tinha um defeito: a foice dele não tinha ponta, símbolo da humildade. Era o desejo de atingir um grau mais elevado entre os iguais. Ele foi até Francisco Cerruti para martelá-la. De fato, eu vi que Cerruti martelava as foices para afiá-las, indício de que devia colocar nos corações ciência e piedade, dando a ideia de que devia tornar-se um professor. O fato de martelar era o serviço de quem se entrega à formação do clero. Provera entregava a ele as foices desgastadas. Ao P. Rocchietti e a outros ele entregava as que precisavam ser afiadas. Essa era a ocupação deles.
            O serviço de afiar era próprio de quem dirige o clero na piedade. Viale se apresentou e foi pegar uma foice que não estava afiada, mas Provera quis dar-lhe uma cortante que tinha sido passada no esmeril. Vi também um serralheiro que devia preparar ferramentas agrícolas e este era o Constâncio.
            Enquanto fervilhava todo este complicado trabalho, Fusero preparava os feixes e isto significava o fato de conservar as consciências na graça de Deus. Mas descendo mais para os detalhes e tomando os feixes não como imagens dos meros fiéis, mas como dos que estão destinados ao estado eclesiástico, dava para entender que ele teria ocupado um lugar de formador dos clérigos.
            Havia quem o ajudava a amarrar os feixes. Lembro de ter visto entre outros o P. Turchi e Guivarello. Isto significa os que são destinados a harmonizar as consciências, como, por exemplo, confessando, especialmente os voluntários ou aspirantes ao estado eclesiástico. Outros transportavam os feixes sobre uma carroça, que representa a graça de Deus. Os pecadores convertidos devem embarcar nesta carroça para se encaminharem pela senda da salvação, que tem como ponto final o céu. A carroça se movimentou quando esteve cheia de feixes. Era puxada não por jovens, mas por bois, símbolo da força perseverante. Havia quem os conduzia. P. Rua estava na frende do carro e o guiava e isto significa que a ele caberia guiar as almas para o céu. P. Ângelo Sávio vinha andando atrás com a vassoura recolhendo as espigas e os feixes que caíam.
            Espalhados pelo campo, viam-se os que respigavam, entre eles João Bonetti e José Bongiovanni, isto é, os que recolhem os pecadores obstinados. Bonetti é especialmente chamado pelo Senhor para procurar de modo particular os infelizes afastados da foice dos ceifeiros. Fusero e Anfossi amontoavam no campo os feixes de trigo cortado para que fosse debulhado em tempo hábil: isso talvez fosse símbolo de alguma cátedra. Outros como o P. Alasonatti formavam os montes e os que administram o dinheiro, zelam pelo cumprimento das normas, ensinam as orações e o canto dos louvores sagrado e, afinal de contas, colaboram material e moralmente para repor as almas no caminho do paraíso.
            Aparecia um espaço plano de terra apropriado para bater as espigas. O P. João Cagliero, que antes tinha ido ao jardim colher flores e as tinha distribuído aos companheiros com um ramilhete nas mãos, foi até aquela área para debulhar o trigo. Debulhar o trigo refere-se aos destinados por Deus a se ocuparem da instrução do povo simples. À distância viam-se diversos focos de fumaça negra que subiam às nuvens. Era o trabalho dos que recolhiam o joio e, tendo saído fora dos limites da seara, o amontoavam e queimavam. Significava de modo especial os que são destinados a separar os maus dos bons. Indica os diretores das nossas futuras casas. Entre estes estava o P. Francisco Cerutti, João Tomietti, Domingos Belmonte, Paulo Álbera e outros que ainda estão estudando nas classes ginasiais e inferiores.
            Todas as cenas descritas acima desenvolviam-se ao mesmo tempo. Vi no meio daquela multidão de jovens alguns que carregavam uma lamparina para iluminar mesmo em pleno meio-dia. Seriam os que teriam sido de bom exemplo para outros operários do Evangelho e com isso devem iluminar o clero. Entre eles está Paulo Álbera que, além de carregar a lamparina, também tocava violão. Isto significa que mostrará o caminho para os sacerdotes e lhes incutirá coragem para seguirem adiante na própria missão: alude-se a um outro alto cargo que desempenhará na Igreja.
            Em meio a tanta movimentação, nem todos os jovens que eu via estavam ocupados em algum serviço. Um deles segurava uma pistola, isto é, tinha vocação para militar, mas ainda não se tinha decidido. Havia quem estava com a mão na cintura olhando para os que ceifavam e ao mesmo tempo não estavam nem um pouco decididos a imitar seu exemplo. Alguém estava indeciso, mas pesava-lhe o cansaço e não sabia se devia também meter-se a ceifar. Outro apressava-se em pegar a foice. Um grupinho, porém, reunido, permanecia sem fazer nada. Outros manejavam a foice segurando-a voltada de costas entre eles estava o Molino, e são os que fazem o contrário do que devem fazer. Existiam aqueles, e eram muitos, que se afastavam para ir recolher uvas silvestres e representam os que perdem tempo em coisas alheias ao ministério.
            Enquanto eu ia observando o que se passava no campo de trigo, vi um outro grupo de jovens que capinava, e também este grupo apresentava um espetáculo interessante: a maior parte deles era forte e trabalhava com afinco, mas também entre eles não faltavam os acomodados; havia quem manuseasse a enxada do lado errado, outros davam a enxadada sobre a terra, mas ela não rasgava o solo. Para alguns, a cada enxadada, a lâmina se soltava do cabo. O dito cabo significa a reta intenção.
            Percebi que alguns, que atualmente são aprendizes, antes estavam no campo a ceifar, e outros, que agora estão a estudar, anteriormente estavam capinando. Novamente tentei tomar nota de todas as situações, mas meu intérprete sempre me mostrava seu caderno e me impedia de escrever. Ao mesmo tempo percebi que havia muitíssimos jovens que lá estavam sem nada fazer, que não se decidiam se deviam ceifar ou carpir. Os dois Dalmazzo, o Primo Gariglio e Monasterolo com muitos outros olhavam, mas estavam resolvidos a assumir uma posição.
            E continuei a olhar. Notei que alguns dos que saíam do meio dos capinadores queriam meter-se a ceifar. Um deles correu distraidamente para o campo de trigo, mas sem antes pegar uma foice. Envergonhou-se daquela estulta precipitação, voltou atrás para pedi-la. Quem distribuía foices não queria ceder, mas ele queria. E o distribuidor lhe disse:
            – Ainda não é tempo.
            – Sim! É tempo sim! Eu quero.
            – Não! Vai ainda pegar duas flores naquele canteiro!
            Exclamou, levantando os ombros, o presunçoso:
            – Ah! Vou pegar quantas flores você quiser.
            – Não! Só duas!
            E aquele presunçoso correu logo. Mas lembrou-se de que não tinha perguntado que tipo de flores devia pegar. Voltou rápido. E recebeu esta resposta:
            – Pegará a flor da caridade e a flor da humildade.
            – Eu já as tenho!
            – Você as tem na presunção. Na realidade não tem nada.
            E o jovem discutiu, esperneou, enfureceu-se, agitou-se. E o distribuidor lhe disse:
            – Agora não é mais tempo de ficar bravo. – E negou-lhe resolutamente a foice. O pretendente roía os punhos de raiva.
            Tendo assistido a este último espetáculo, desgrudei os olhos da tela onde tinha visto coisas tão impressionantes. Estava comovido com as aplicações morais que se me tinham sugerido por aquele amigo. Eu ainda quis pedir algumas explicações, e ele me repetiu:
            – O campo de trigo significa a Igreja. A messe é o fruto recolhido. A foice é o símbolo dos meios para colher fruto, especialmente a palavra de Deus, foice sem corte é a falta de piedade, sem ponta é a falta de humildade. Sair do campo ceifando quer dizer sair do Oratório e abandonar a Pia Sociedade.

III

            Na noite do dia 4 de maio, Dom Bosco fez a conclusão do sonho em que no primeiro quadro lhe tinha sido mostrado o Oratório, seus alunos e, de modo especial, os estudantes. No segundo quadro os que eram chamados ao estado eclesiástico. Agora entramos no terceiro quadro do seriado, em que aparecem em cenas sucessivas os jovens do ano de 1861 inscritos na Pia Sociedade de São Francisco de Sales, com seu prodigioso crescimento e com o desaparecimento gradativo do mundo dos primeiros salesianos a quem iam se sucedendo os continuadores de sua obra. E aí Dom Bosco falou:

            Depois que eu tinha agradavelmente assistido à cena da colheita, rica de tanta variedade, o gentil desconhecido me ordenou:
            – Agora, dê dez rodadas com a manivela, conta e, depois, olha.
            Pus-me a girar a roda e, após dez giros, enfiei os olhos na lente. Vi todos os meus jovens que, havia uns poucos dias, eu os tinha acariciado como meninos. Agora estavam adultos, de aspecto viril, alguns de barba comprida, outros de cabelos grisalhos. Então eu perguntei:
            – Mas como é isso? Faz poucos dias aquele aí era um menino, quase de podia carregá-lo no colo! Como é que está assim crescido?
            – É natural. Quantas maniveladas deu na roda?
            – Dez.
            – Pois é! 61 a 71. Neste ano todos somam dez anos a mais.
            – Ah! Entendi. Olhei no fundo da lente. Panoramas desconhecidos. Novas casas que nos pertenciam. Muitos jovens alunos sob a direção dos meus caros filhos do Oratório, agora já padres, professores e diretores, que os instruíam e os divertiam. O personagem continuou a dizer:
            – Dê mais dez giros na manivela. Avançamos até 1881.
            Peguei a manivela e a roda rodou por mais dez vezes. Parei. Encostei o olho, olhei e vi. Só a metade dos jovens vistos antes, quase todos grisalhos e alguns já encurvados. Perguntei:
            – Onde estão os outros?
            – Já passaram, foram para a outra vida.
            A assombrosa diminuição dos meus jovens ocasionou-me viva preocupação. Mas retomei fôlego ao poder visualizar também como, num quadro imenso, lugares novos, e regiões desconhecidas, e uma multidão de jovens sob o cuidado e a direção de professores novos, ainda dependentes dos meus antigos jovens, alguns deles em idade bem madura. Depois dei mais dez giros na roda e aí só vi uma quarta parte dos meus jovens visualizados na rodada anterior, mais velhos, de barba e cabelos brancos…
            – E os outros todos?
            – Já foram para a outra vida. Estamos em 1891.
            Eis o que aconteceu debaixo de meus olhos: outra cena comovente. Meus filhos padres, cansados das fadigas, rodeados de jovens que eu nunca tinha visto. Muitos de pele de outra cor, bem diversos dos nossos lugares. E mais dez vezes rodei a roda. Só vi um terço dos meus jovens, já decrépitos, velhos, corcundas, desfigurados, macilentos, em seus últimos anos. Entre eles lembro de ter visto o P. Rua tão velho, magro, quase não dava para reconhecê-lo mais, tanto tinha mudado. Perguntei:
            – E os outros todos?
            – Já foram para a outra vida. Estamos em 1901.
            Em muitas casas eu não reconheci mais nenhum dos nossos antigos. Havia diretores e mestres nunca dantes vistos por mim, uma multidão de jovens cada vez maior, casas aumentadas, pessoal dirigente admiravelmente acrescido. O gentil intérprete continuou a falar:
            – Agora dê mais dez giros na roda neste controle e verá coisas que o consolam e outras que causarão profunda preocupação.
            Girei dez vezes mais a manivela. Ele exclamou:
            – Eis o ano de 1911!
            – Ah! Meus caros jovens! Vi casas novas, novos jovens; diretores e professores com trajes diferentes, novas atitudes.
            E dos meus do Oratório de Turim? Procurei e busquei com insistência no meio daquela multidão de jovens. Achei um só dentre vocês, todo encanecido e decrépito pelos muito anos, cercado de uma bela coroa de jovens. Contava o início do nosso Oratório. Recordava-lhes as coisas aprendidas de Dom Bosco e mostrava os retratos de Dom Bosco dependurados na parede da portaria, de outros velhos alunos, de superiores das casas que ele já tinha conhecido como anciãos…
            Depois de um novo comando na manivela, mais giros. Não vi senão um imenso ermo povoado de solidão, sem alma viva. Gritei estarrecido:
            – Oh! Não vejo mais ninguém! Não vejo mais ninguém dos meus! Onde estão todos aqueles jovens acolhidos por mim, tão alegres, espertos, vigorosos e que atualmente estão junto comigo no Oratório?
            – Estão na outra vida. Saiba que já se passaram dez anos a cada dezena da manivelada.
            Então contei quantas voltas de dez giros tinha dado com o manípulo e resultou que tinham transcorrido cinquenta anos e que lá pelo ano de 1911 os atuais jovens do Oratório tinham falecido todos. E o benévolo guia:
            – Quer ver algo surpreendente?
            – Sim! Sim! Quero sim.
            – Então preste atenção, se é que lhe agrada ver e saber mais. Gire a manivela em sentido contrário, contando outros tantos giros quantos deu antes.
            E a roda girou. Ele me disse:
            – Olhe agora!
            Olhei e vi. Apareceu diante de mim uma quantidade imensa de jovens, todos diferentes, de infinita variedade de trajes, países, feições e línguas. Embora eu me esforçasse o mais que podia, não consegui distinguir a não ser uma mínima parte junto com seus superiores, diretores, mestres e assistentes. Eu falei em voz alta:
            – Todos estes realmente são desconhecidos. E obtive a seguinte resposta:
            – Todavia, todos eles são seus filhos. Ouça-os, pois estão falando de você, de seus antigos filhos e que foram superiores deles mesmos e que agora não mais estão há tempo. Relembram os ensinamentos recebidos de vocês e deles.
            Olhei ainda com muita atenção. Mas quando tirei os olhos da tela, a roda começou a girar sozinha com extrema velocidade e muito estrépito. Aí eu acordei, morto de cansaço.
            Agora que lhes contei estas coisas, vocês poderão pensar: Quiçá! Dom Bosco é um homem fora do comum, algum grande personagem, seguramente um santo! Meus queridos jovens! Para dirimir falsos conceitos a meu respeito, deixo a todos a completa liberdade de acreditar ou não nestas coisas, dar ou não dar importância. Recomendo-lhes, porém, não levem isso em mofa, quer com companheiros, quer com pessoas estranhas. Acho por bem asseverar-lhes que o Senhor tem infinitos meios para manifestar aos homens sua vontade. Às vezes ele se serve de instrumentos ineptos e indignos, como se serviu da burra de Balaão, fazendo-a falar. Serviu-se do mesmo Balaão, falso profeta, que predisse muitas coisas relativas ao Messias. Isso pode acontecer também comigo. Peço, porém, que não comparem suas obras com as minhas.
            O que vocês devem fazer é apenas ouvir o que eu digo porque isto, é o que espero, mostrará sempre a vontade de Deus e redundará no bem das almas. Com relação àquilo que eu faço, nunca digam: Dom Bosco fez assim, então, está certo. Não! Primeiro observem o que eu faço. Se virem que é bom, imitem. Se, por acaso, perceberem que aquilo que eu faço não é conveniente, guardem-se de imitar. Considerem-no mal feito.
(MB IT VI, 898-916 / MB PT VI, 839-949)