Um touro furioso; humildade, trabalho e temperança (1876)
Este relato onírico vibrante, narrado por Dom Bosco ao final dos exercícios espirituais de 1876, apresenta uma poderosa alegoria da vida espiritual e da missão salesiana. Um touro furioso, encarnação do demônio e dos sete pecados capitais, semeia terror, mas é vencido por quem se humilha, permanece unido na obediência e adora o Santíssimo Sacramento. Da cena emergem duas verdades fundamentais: “Trabalho e temperança” como lema e garantia de fecundidade apostólica, e a advertência para evitar quatro pregos letais – gula, interesse pessoal, murmuração e ócio – juntamente com a serpente oculta da ambiguidade. O sonho termina com a visão triunfante da Congregação que, fiel a esses princípios, difundirá o Evangelho aos quatro cantos do mundo, guiando multidões de jovens para Cristo.
Como encerramento e lembrança dos exercícios (espirituais), Dom Bosco relatou um sonho simbólico, que é um dos mais instrutivos entre os que tivera até então. P. Lemoyne anotava enquanto ele falava; em seguida logo escreveu tudo e depois o fez ler a Dom Bosco, que fez algumas pequenas modificações. Para maior clareza, dividimos a narrativa em quatro partes.
PARTE I [Um touro furioso; humildade, trabalho e temperança]
Diz-se que não se deve dar importância aos sonhos: digo-lhes a verdade que, na maioria dos casos, também sou dessa opinião. Porém, por vezes, embora não nos revelem coisas futuras, servem para fazer conhecer como resolver assuntos muito complicados e para nos fazer agir com verdadeira prudência em várias tarefas. Então podem ser considerados pela parte que nos oferecem de bom.
Neste momento quero contar-lhes um sonho que me manteve ocupado, pode-se dizer, em todo o tempo desses exercícios e especialmente me atormentou a noite passada. Eu lhes contarei tal como tudo aconteceu, resumindo-o apenas um pouco aqui e ali para não demorar muito, porque me parece rico em muitos e sérios ensinamentos.
Parecia-me, pois, que estávamos todos juntos e íamos de Lanzo a Turim. Estávamos todos em algum veículo, mas não sei dizer se estávamos na ferrovia ou no ônibus; mas não estávamos a pé. Chegando a um determinado ponto da estrada, não me lembro onde, o veículo parou. Desci para ver o que sucedia, quando apareceu um personagem que não saberia definir. Ele me parecia de alta e baixa estatura ao mesmo tempo; era gordo e magro; embora fosse branco, também era vermelho; caminhava por terra e pelo ar. Fiquei completamente pasmo e não consegui dar-me um motivo para tudo aquilo, quando, tomando coragem, perguntei-lhe:
– Quem é você?
Sem me dizer mais nada, respondeu:
– Venha!
Queria antes saber quem era, o que queria, mas ele repetiu:
– Venha depressa; façamos girar os veículos neste campo. – O mais admirável é que ele falava baixo e alto ao mesmo tempo e, em várias vezes, eu me sentia extremamente maravilhado com isso.
O campo era vastíssimo, até onde a vista alcançava, tudo muito plano; não tinha sulcos, mas bastante batido como se fosse uma eira. Sem saber o que dizer, e vendo aquele personagem tão decidido, fizemos os veículos dar meia volta; esses entraram naquele vastíssimo campo, e então gritamos a todos que estavam dentro, que descessem. Todos desceram em brevíssimo tempo, e eis que apenas desceram, os veículos desapareceram, sem saber onde foram parar.
– Agora que descemos, me dirá… me direis… me dirá…, sussurrei sem saber como tratar com aquele personagem, por que nos fez parar neste lugar.
Ele respondeu:
– O motivo é grave; é para livrá-los de um grandíssimo perigo!
– E qual?
– O perigo de um touro furioso, que não deixa nenhuma pessoa viva em seu caminho. Taurus rugiens quaerens quem devoret (Touro a rugir, buscando a quem devorar – cf. 1Pd 5,8).
– Devagar, meu caro amigo, você atribui ao touro o que São Pedro diz sobre o leão na Sagrada Escritura: leo rugiens (leão que ruge)!
– Não importa: lá estava leo rugiens, e aqui está taurus rugiens. O fato é que precisa estar muito alerta. Chame todos ao seu redor. Anuncie-lhes solenemente e com muito cuidado que estejam atentos, muito atentos, e assim que ouvirem o mugido do touro… mugido extraordinário e imenso, se joguem ao solo e permaneçam deitados de bruços com os rostos voltados para o chão até que o touro tenha feito a sua passagem. Ai daquele que não ouvir sua voz; quem não se prostrar, da maneira como eu lhe disse, estará completamente perdido, porque se lê nas Sagradas Escrituras que quem se humilha será exaltado, e quem se exalta será humilhado: qui se humiliat exaltabitur, et qui se exaltat humiliabitur.
Então ele me acrescentou de novo:
– Rápido, rápido, o touro está para vir; grite, grite alto para que se abaixem.
Eu gritava, e ele:
– Alto, alto! Grite ainda mais forte, grite, grite!
Gritei tão forte, que acredito ter assustado P. Lemoyne, que dorme no quarto ao lado; porém, não podia fazer mais nada.
Eis que num instante se ouve o mugido do touro:
– Atenção! Atenção! coloque-os em linha reta, todos próximos uns dos outros em ambos os lados, com uma passagem no meio, para que o touro passe. — Assim aquele personagem grita comigo. Eu grito e com essas ordens; em um piscar de olhos todos ficaram prostrados por terra e começamos a ver o touro de longe vindo furioso. Embora a grande maioria estivesse prostrada, alguns queriam ver o que era aquele touro e não se prostravam: eram poucos.
Aquele indivíduo me disse:
– Agora verá o que acontecerá com estes; verá o que eles receberão, porque não querem abaixar-se.
Eu queria alertá-los novamente, gritar, correr onde eles estavam; o outro me proibiu; eu insisti que me deixasse ir até eles. Ele me respondeu bruscamente:
– A obediência também é para você: abaixe-se.
Eu ainda não estava prostrado quando um fortíssimo mugido, terrível, aterrorizante, se fez ouvir. O touro já estava perto de nós. Todos tremiam e perguntavam:
– Quem sabe?… Quem sabe?…
– Não temam; se joguem por terra, eu gritei.
E aquele sujeito não parava de gritar: Qui se humiliat, exaltabitur, et qui se exaltat, humiliabitur… qui se humiliat… qui se humiliat…
Uma coisa estranha, que também me surpreendeu, foi esta, que embora minha cabeça estivesse por terra e eu estivesse completamente prostrado com os olhos na poeira, no entanto via muito bem o que se passava ao meu redor: o touro tinha sete chifres quase em forma de círculo; dois situados no nariz; dois no lugar dos olhos; dois no lugar normal dos chifres e um acima. Mas, coisa maravilhosa! Esses chifres eram fortíssimos, móveis, ele os virava para o lado que queria, de modo que para matar e derrubar alguém, enquanto corria, não precisava virar aqui e ali; bastava prosseguir adiante sem retroceder para matar qualquer um que encontrasse. Mais longos eram os chifres do nariz, e esses faziam estragos realmente surpreendentes.
O touro já estava bem perto de nós. Então o outro grita:
– O efeito da humildade será visto. – E em um instante, que maravilha! Todos nós nos vimos erguidos no ar, a uma altura considerável, de modo que era impossível que o touro pudesse nos alcançar. Os poucos que não estavam abaixados não foram levantados. O touro chega e os despedaça em um momento. Nenhum se salvou. Nós, entretanto, elevados assim no ar, tínhamos medo e dizíamos:
– Se cairmos, estaremos perdidos! Pobres de nós! O que será de nós? – No entanto, víamos o touro furioso tentando nos alcançar; dava saltos terríveis para poder nos dar chifradas; mas não pôde nos fazer nenhum mal. Então, mais furioso do que nunca, faz sinal que quer buscar companheiros, quase dizendo: – Então nos ajudaremos mutuamente, faremos uma escalada… – E assim, habens iram magnam (cheio de grande furor – Ap 12,12), foi embora.
Então nos encontramos de novo por terra, e aquele sujeito começou a gritar:
– Vamos nos voltar para o Sul.
PARTE II (Um touro furioso)
E eis que, sem entender como isso acontecesse, a cena mudou completamente diante de nós. Dirigindo nosso olhar para o Sul, vimos o Santíssimo Sacramento exposto; havia muitas velas acesas dos dois lados, e não se via mais aquele prado, mas parecia que estávamos em uma imensa igreja, muito bem ornada. Enquanto estávamos todos em adoração diante do Santíssimo Sacramento, eis que chegam muitos touros furiosos, todos com chifres horríveis e de aparência muito assustadora. Ao chegar, mas estando todos nós em adoração ao Santíssimo Sacramento, não puderam nos fazer mal. Nós, entretanto, nos pusemos a rezar a coroinha em honra do Sacratíssimo Coração de Jesus. Depois de um tempo, não sei como, olhamos, e os touros não estavam mais lá. Depois, voltados novamente para o lado do altar, descobrimos que as luzes haviam desaparecido, o Sacramento não estava mais exposto; a igreja desaparece: mas onde estamos? Nós nos encontramos no campo em que estávamos antes.
Vocês compreendem bastante que o touro é o inimigo das almas, o demônio, que tem grande ira contra nós e continuamente busca fazer-nos o mal. Os sete chifres são os sete pecados capitais. O que pode nos livrar dos chifres desse touro, ou seja, dos ataques do demônio, de não cair nos vícios, é principalmente a humildade, base e fundamento das virtudes.
PARTE III (O triunfo da congregação)
Nós, no entanto, espantados e perplexos, nos olhávamos uns aos outros; ninguém falava; não sabíamos o que dizer. Esperava-se que Dom Bosco falasse ou que aquele sujeito nos dissesse algo. Quando me chamou à parte, acrescentou:
– Venha, vou mostrar-lhe o triunfo da Congregação de São Francisco de Sales. Suba sobre essa pedra e verá!
Havia uma grande pedra em meio àquela planície sem limites, e eu subi nela. Oh, que visão imensa apareceu diante dos meus olhos! Aquele campo, que eu jamais teria imaginado tão vasto, parecia-me que ocupava toda a terra. Estavam reunidos homens de todas as cores, vestidos de formas as mais diversas e de todas as nações. E vi tantas pessoas que não sei se o mundo possui tantas. Comecei a observar os primeiros que apareceram aos meus olhos. Eles estavam vestidos como nós, italianos. Eu conhecia aqueles das primeiras filas e havia numerosos Salesianos que conduziam pela mão grupos de meninos e meninas. Depois vieram outros, com outros grupos; depois ainda outros e outros que não conhecia e não podia mais distinguir, mas eram em número indescritível. Do lado sul apareceram aos meus olhos sicilianos, africanos e uma infindável população de pessoas que eu não conhecia. Eram sempre conduzidos por Salesianos, dos quais eu conhecia somente os que estavam nas primeiras filas e depois não mais.
– Vire-se, – disse aquele desconhecido. Eis que vi outros povos, em número imenso; apareceram-me vestidos de maneira diferente de nós: tinham peles e uma espécie de manto que parecia veludo, todos em várias cores. Ele me fez voltar para os quatro pontos cardeais. Entre outras coisas vi no Oriente mulheres com pés tão pequenos que tinham dificuldade para ficar em pé e mal conseguiam caminhar. O mais maravilhoso é que em todos os lugares via os Salesianos que conduziam grupos de meninos e meninas e com eles um povo imenso. Nas primeiras filas sempre os conhecia; mas aqueles que estavam atrás não os conhecia mais, nem mesmo os missionários. Aqui muitas coisas não posso contá-las na íntegra, porque demoraria muito.
Então o tal que me havia me conduzido e aconselhado até este ponto, o que eu tinha que fazer, tomou a palavra novamente e acrescentou:
– Olhe; considere; agora não entenderá tudo o que lhe digo, mas preste atenção: tudo quanto viu é toda a messe preparada para os Salesianos. Vê como a messe é imensa? Este imenso campo no qual você se encontra é o campo em que os Salesianos devem trabalhar. Os Salesianos que vê são os trabalhadores desta vinha do Senhor. Muitos trabalham e você os conhece. O horizonte então se alarga, visivelmente, de pessoas que você ainda não conhece; e isso significa que não só neste século, mas também nos próximos e nos séculos futuros, os Salesianos trabalharão neste campo. Mas sabe em que condições será possível realizar o que tem visto? Eu lhe direi. Veja; precisa imprimir estas palavras, que são como seu brasão, como sua palavra de ordem, como seu distintivo. Observe bem: o trabalho e a temperança farão florescer a Congregação Salesiana. Estas palavras as fará explicar, as repetirá, insistirá. Fará imprimir o manual que as explique e fará compreender bem que o trabalho e a temperança são a herança que deixará à Congregação e, ao mesmo tempo, serão também a sua glória.
Eu respondi:
– Eu farei isso de boa vontade; tudo isto está de acordo com o nosso objetivo, é o que já lhes recomendo todos os dias e vou insistindo sempre que tiver oportunidade.
– Está, então, bem persuadido? Você me entendeu bem? Essa é a herança que deixará para eles, e também deixe claro para eles que, enquanto seus filhos corresponderem, eles terão seguidores ao sul, ao norte, ao oriente e ao ocidente. Agora desça dos exercícios e os encaminhe para o seu destino. Estes servirão como normas; depois virão os outros.
E eis que aparecem novamente alguns ônibus para nos levar a todos para Turim. Eu observo, observo; eram todos ônibus sui generis, estranhos como nunca. Os nossos começam a subir; ora, aqueles ônibus não tinham apoio em lugar nenhum, e eu temia que os jovens caíssem e não queria deixá-los ir. Mas aquele sujeito me disse: – Deixe-os ir, deixe-os ir; eles não precisam de apoio, apenas que eles cumpram bem aquelas palavras. Sobrii estote et vigilate (Sede sóbrios e vigiai – 1Pd 5,8). Cumpram bem estas duas palavras e não haverá nenhum perigo de cair, mesmo que não haja apoios e o veículo corra.
PARTE IV (Quatro pregos emblemáticos)
Então partiram e eu fiquei sozinho com aquele sujeito:
– Venha, ele acrescentou logo. Venha, eu quero mostrar a parte mais importante; oh, e terá que aprender bem! Você vê aquele veículo aí?
– Eu o vejo!
– Sabe o que é?
– Mas não vejo bem.
– Se quiser ver com clareza, chegue mais perto. Vê aquele cartaz aí? Aproxime-se; observe-o; sobre aquele cartaz está o emblema: desse você vai saber.
Eu me aproximo e vejo pintados sobre aquele cartaz quatro pregos muito grandes. Virei-me para ele dizendo:
– Mas não entendo nada, se não me explica.
– Você não vê esses quatro pregos? Observe-os bem. São os quatro cravos que perfuraram e atormentaram a pessoa do Divino Salvador de forma tão cruel.
– O que quer dizer-me com isto?
– São quatro pregos que atormentam as Congregações religiosas. Se evitar estes quatro pregos, isto é, que sua Congregação não seja atormentada por eles, saibam mantê-los afastados, então tudo correrá bem e vocês estarão a salvo.
– Mas eu não entendo como antes, respondi; o que significam estes pregos?
– Se quer saber mais, observe melhor esta carruagem que tem pregos por emblema. Veja; esta carruagem tem quatro compartimentos, cada um dos quais corresponde a um prego.
– Mas esses compartimentos o que significam?
– Observe o primeiro compartimento. – Observo e leio na placa: Quorum deus venter est (O deus deles é o ventre – Fl 3,19). – Oh, agora estou começando a entender alguma coisa.
Aquele sujeito me respondeu:
– Este é o primeiro prego que atormenta e estraga as Congregações religiosas. Este fará estragos também entre vocês, se não estiver atento. Lute firme e verá que suas coisas prosperarão.
– Agora chegamos ao segundo compartimento; leia a inscrição no segundo prego: Quaerunt que sua sunt, não quae Jesu Christi (Procuram os próprios interesses e não os de Jesus Cristo – Fl 2,21). Estes são os que buscam as próprias comodidades, confortos, e procuram seu próprio interesse, até mesmo dos familiares, e não buscam o bem da Congregação, que é o que forma a porção de Jesus Cristo. Cuidado, remova esse flagelo e verá prosperar a Congregação.
Terceiro compartimento: observo a inscrição do terceiro prego, e era: Aspidis lingua eorum (Suas línguas são como serpentes – cf. Sl 140,4). – O prego fatal para as Congregações são os murmuradores, os fofoqueiros; aqueles que procuram criticar, com ou sem razão.
Quarto compartimento: Cubiculum otiositatis (Cubículo do ócio). – Aqui estão os ociosos em grande número, e quando se começa a introduzir o ócio, a comunidade fica bastante arruinada; ao invés, enquanto se trabalhar muito, não haverá nenhum perigo para vocês. Agora observe mais uma coisa que há nesta carruagem à qual muitas e muitas vezes não se dá importância, eu quero que você observe com atenção muito especial. Vê aquele armário que não faz parte de nenhum compartimento, mas se estende um pouco por todos? É como um meio compartimento ou divisão.
– Vejo; mas não há nada além de restos de folhas, erva daninha alta, outra mais baixa, emaranhada.
– Muito bem; isso é o que eu quero que você observe.
– Mas o que posso tirar disso?
– Observe bem a inscrição que está quase escondida.
– Observo com atenção e vejo escrito: Latet anguis in herba (Na erva se esconde a serpente – Virgílio, Bucólicas III, 93).
Mas e com isso?
– Olha, há certos indivíduos que estão escondidos; eles não falam; nunca abrem o coração aos Superiores; sempre ruminam seus segredos em seus corações; preste atenção; latet anguis in herba. São verdadeiros flagelos, uma verdadeira praga das Congregações. Mesmo ruins, se fossem revelados, poderiam ser corrigidos; mas não, eles estão escondidos, nós não percebemos, e enquanto isso o mal se torna grave, o veneno se multiplica no coração deles, e quando forem conhecidos não haverá mais tempo para reparar os danos que já causaram. Portanto, aprenda bem as coisas que devem manter longe de sua Congregação; tenha bem em mente o que tem ouvido: dê ordens para que essas coisas sejam explicadas e reexplicadas novamente com detalhes. Ao fazer isso, tenha a certeza sobre a sua Congregação, que as coisas prosperarão um dia após o outro.
Então implorei àquele sujeito que, para não esquecer nada do que me havia dito, me deixasse algum tempo para poder escrever:
– Se quer experimentar, respondeu ele, escreva-as, mas temo que lhe falte o tempo, e esteja atento.
Enquanto ele me dizia essas coisas e eu me preparava para escrever, pareceu-me ter ouvido um barulho confuso, uma agitação ao meu redor. O solo daquele campo parecia oscilar. Então me viro para ver se havia algo novo, e vejo os jovens que tinham partido pouco antes, todos bastante assustados, voltando para mim de todos os lados, e logo em seguida, o mugido do touro e o próprio touro os perseguia. Quando o touro reapareceu, fiquei tão assustado com a visão que despertei.
Nesta ocasião, antes de nos despedirmos, contei-lhes o sonho, bem convencido de poder dizer, com toda a verdade, que seria uma conclusão digna dos exercícios, se nos propuséssemos a nos ater ao nosso emblema: Trabalho e temperança; e se tentarmos evitar os quatro grandes pregos que torturam as Congregações: o vício da gula, a busca do conforto, a murmuração e o ócio; a esses se deve acrescentar que cada um seja sempre aberto, fiel e confiante com os próprios Superiores. Desta maneira faremos um grande bem às nossas almas e, ao mesmo tempo, poderemos salvar também aqueles que a Divina Providência confiar aos nossos cuidados.
Dom Bosco havia anunciado e prometido no decorrer da narração que explicaria melhor por último o ponto sobre a temperança, contando um apêndice do sonho; mas ao passar para a segunda parte de seu relato, que veremos em breve, ele se esqueceu. Ao despertar, como disse, pelo reaparecimento do animal furioso, sentiu o desejo de conhecer algo mais; disso foi plenamente satisfeito, logo que adormeceu. O que então viu, o contou mais tarde em Chieri. P. Berto, que estava presente, escreveu e enviou ao P. Lemoyne, o qual o copiou, para completar o que ele já tinha escrito.
Eu estava ansioso para saber os efeitos da temperança e da intemperança e com esse pensamento fui para a cama; quando comecei a dormir, nosso personagem reaparece e me convida a segui-lo e ver os efeitos da temperança. Levou-me a um jardim muito aprazível, cheio de delícias e flores de todo tipo e espécie; lá eu observei uma quantidade de rosas, as mais pomposas, símbolo da caridade; ali um cravo, ali um jasmim; aqui um lírio, ali uma violeta, ali uma sempre viva, um girassol e um número infinito de flores, cada uma simbolizando uma virtude.
– Agora esteja atento – disse-me o guia. O jardim desapareceu e ouvi um barulho forte:
– O que é isso? De onde vem esse barulho?
– Vire-se e observe.
Eu me virei e vi, oh visão singular! Eu vi uma carro quadrado, puxado por um porco e um sapo de tamanho enorme.
— Aproxime-se e olhe dentro.
Avancei para examinar o conteúdo do carro. Estava cheio e transbordando dos animais mais nojentos: corvos, cobras, escorpiões, lagartos, caracóis, morcegos, crocodilos, salamandras. Não resisti a essa visão e, horrorizado, voltei o olhar; pelo fedor daqueles animais nojentos, levei como um choque e acordei, sentindo o mesmo cheiro por muito tempo; e minha mente ainda estava tão perturbada com o horror daquela visão, que me parecia que eu ainda tinha tal coisa diante dos meus olhos, e não foi mais possível descansar naquela noite.
P. Lemoyne, prestando atenção apenas ao sonho, não pensou em escrever a segunda parte da pregação, que encontramos, pelo contrário, resumida por P. Barberis da seguinte maneira.
Querendo agora dar alguma lembrança especial que sirva para o curso (de retiro) deste ano, eis qual seria: buscar todos os meios para preservar a rainha das virtudes, a virtude que guarda todas as outras; pois, se a temos, nunca estará só, aliás terá todas as outras como cortejo; se perdermos esta, as outras, ou não existem ou se perdem em pouco tempo.
Amem esta virtude, amem-na muito e lembrem-se de que para mantê-la é preciso trabalhar e rezar: non eicitur nisi in ieiunio et oratione (não se expulsa senão com o jejum e a oração – Mt 17,21) Sim, oração e mortificação nos olhares, no descanso, na comida, e principalmente no vinho; para o nosso corpo não buscar conforto, aliás, eu quase diria, maltratá-lo. Não respeitá-lo demasiado, exceto por necessidade, quando a saúde assim o exigir; então sim; afinal, dar ao corpo o estritamente necessário e nada mais, porque o Espírito Santo diz: Corpus hoc quod corrumpitur aggravat animam (o corpo corruptível torna pesada a alma – Sb 9,15). Sim? Então, o que São Paulo fazia? Castigo corpus meum et in servitutem redigo, ut spiritui inserviat (Trato duramente meu corpo e o subjugo, para que esteja a serviço do espírito – cf. 1Cor 9,27).
Recomendo aqui o que recomendei no outro grupo de exercícios, isto é: OBEDIÊNCIA, PACIÊNCIA, ESPERANÇA…
A outra coisa é a humildade que devemos procurar possuir e incutir em nossos jovens e em todos, virtude que normalmente é chamada de fundamento da vida cristã e da perfeição.
Uma coisa que às vezes se diz, mas eu não gostaria que se fizesse, é a seguinte: fazer as coisas só para agradar a Dom Bosco. Não, meus queridos, não tentem agradar-me, mas tentem agradar ao Senhor. Pobrezinhos! Que recompensa eu poderia lhes dar? Eu poderia lhes dar minhas misérias. Coloquem apenas o verdadeiro espírito de agradar ao Senhor; e se às vezes lhes for confiado um ofício repugnante, façam-no igualmente, façam-no de boa vontade, pensando que com isso ganharão o amor de Nosso Senhor Jesus Cristo e uma recompensa eterna no céu.
Tenham todos uma cópia das Regras; leiam-nas, estudem-nas e sejam estas como nosso código, com o qual procuramos conformar totalmente a nossa vida.
Entre as Regras se observem especialmente as práticas de piedade e, entre estas, como uma lembrança especial, desejo que se introduza e se faça bem o que diz respeito ao exercício da “boa morte”. Posso assegurar-lhes que quem realiza bem este exercício mensal pode ter a certeza da salvação da sua alma e ter a certeza de trilhar sempre o verdadeiro caminho da sua vocação. Haverá muitos que não encontrarão um dia em que se isentem de qualquer ocupação, não importa, que façam o que for estritamente necessário para fazer seu ofício; mas não haverá ninguém que não encontre naquele dia uma boa meia hora em que pense seriamente: 1º Se eu morresse neste momento, tenho alguma confusão na consciência? 2º Quais foram os meus defeitos principais neste mês? 3º Entre este mês e os anteriores, em qual progredi melhor? 4º Se eu morresse agora, não deixaria nenhum problema na minha gestão ou nos meus trabalhos? Não deixaria em dificuldades os Superiores no que se refere a quanto possuo? E na gestão de materiais que me dizem respeito? — Fazendo essas considerações, procurar de fato colocar no lugar o que podemos encontrar de inconveniente.
Ainda um pensamento sobre a dúvida que alguém pode ter sobre sua vocação. Serei chamado a ficar nesta Congregação? Tenho certeza de que esta é a vida que o Senhor quer de mim?
Antes de mais nada, digo-lhes, e tenham bem em mente: nunca aceitei ninguém de quem não tivesse certeza de que este sujeito foi chamado pelo Senhor.
Então, pensem: eu sou da opinião de que todos vieram aqui para se reunir em Lanzo, quem de um lugar, quem de outro, alguns superando obstáculos de um tipo, outros de outro; deixando suas ocupações e a oportunidade especial de estar aqui agora: só isso, creio, já é um verdadeiro sinal de que Deus os chama para abraçar este estado. E eu neste momento não temo absolutamente de dizer que todos vocês que estão aqui, todos são chamados pelo Senhor; tudo o que é necessário é que vocês correspondam, colocando-se de todo o coração na observância das Regras. Aí sim! A cada um eu responderia o que o Divino Salvador respondia àquele tal: Si vis ad vitam ingredi, serva mandata… (Se queres entrar na vida, observa os mandamentos – Mt 19,17). Hoc fac et vives (Faze isto e viverás – Lucas 10,28).
… Hoc fac et vives. Observe as regras. O que mais? Faça isso e viverá. Sabem quando é que a vocação começa a ficar em dúvida? Começará em vocês a dúvida, quando começarem a transgredir as Regras. Então, sim, que virá a dúvida, e se se continua nas transgressões, se corre grave perigo de perdê-la.
Coragem, portanto: observância exata de nossas Regras e seja esta a lembrança que coloca como o selo a todas as outras, tanto para aqueles que gradualmente lhes vem sugerindo o bom Pregador, seja ao que lhes sugeriu sua piedade nas meditações, nos exames de consciência, na Santa Comunhão; e também sirva como selo o que eu já lhes sugeri nesta mesma conferência; e viverão felizes!
(MB IT XII, 462-472 / MB PT XII, 388-400)