27 Dez 2025, Sáb

⏱️ Tempo de leitura: 4 min.

            Eis o sonho que decidiu Dom Bosco a iniciar o apostolado missionário na Patagônia.
            Narrou-o a primeira vez a Pio IX em março de 1876. Em seguida, contou-o também a alguns Salesianos em particular. O primeiro, admitido a essa narração confidencial foi o P. Francisco Bodratto, no dia 30 de julho do mesmo ano. E o P. Bodratto, naquela mesma noite, o contava ao P. Júlio Barberis, em Lanzo, onde foi passar alguns dias de descanso com um grupo de clérigos noviços.
            Três dias depois o P. Barberis voltava a Turim, e encontrando-se na biblioteca em colóquio com o Santo, passeando um pouco com ele, ouvia dele a narração. O P. Júlio evitou dizer-lhe que já a tinha ouvido, feliz de ouvi-lo repetir pelos seus lábios, também porque Dom Bosco, ao narrar, toda vez tinha sempre algum novo particular interessante.
            Também o P. Lemoyne a ouviu dos lábios de Dom Bosco; e tanto o P. Barberis quanto o P. Lemoyne a puseram por escrito. O P. Lemoyne declarava: – Dom Bosco disse-lhes que eram os primeiros aos quais revelava detalhadamente esta espécie de visão, que trazemos aqui quase com usas mesmas palavras.


            Pareceu encontrar-me numa região selvagem e totalmente desconhecida. Era uma planície imensa, absolutamente selvagem, onde não se viam colinas, nem montes. Nos seus limites, ao longe, levantavam-se montanhas escarpadas. Na planície vi turbas de homens que a percorriam. Estavam quase nus, eram de altura e estatura fora do comum, de aspecto feliz, com os cabelos hirsutos e longos, cor de bronze e enegrecido, vestidos com longas mantas de peles de animais que lhes pendiam dos ombros. Como armas tinham uma longa lança e uma funda (lazo).
            Essas turbas de homens, esparsos cá e lá, ofereciam ao espectador cenas diversas: alguns corriam caçando animais ferozes; outros caminhavam, trazendo espetados nas pontas das lanças pedaços de carne sangrenta; alguns combatiam entre si; outros mais lutavam contra os soldados vestidos à europeia, e o terreno estava repleto de cadáveres. Eu fremia diante daquele espetáculo. De repente, despontaram desde as margens daquela planície muitos personagens que, pelas roupas e pelo modo de agir, eram missionários de várias Ordens que se aproximavam para pregar àqueles bárbaros a Religião de Jesus Cristo. Eu olhei atentamente, mas não conheci nenhum deles. Foram ao encontro daqueles selvagens, mas os bárbaros, apenas os viam, movidos por furor diabólico e alegria infernal, caíam-lhes em cima e os matavam. Depois, com ferocidade, os esquartejavam e fincavam pedaços das carnes na ponta de suas lanças. Em seguida, de vez em quando, renovavam-se as cenas das escaramuças, como antes, entre eles e as povoações vizinhas.
            Depois de observar aquelas horríveis matanças, disse a mim mesmo: – Como fazer para converter essa gente tão brutal? – Nesse ínterim, vi ao longe um grupo de outros missionários: aproximavam-se dos selvagens com o rosto alegre, precedidos por uma multidão de jovens.
            Eu tremia, pensando: – Eles vêm aqui para se fazer matar. Aproximei-me deles: eram clérigos e padres. Fixei-os com atenção e os reconheci como sendo os nossos Salesianos. Os primeiros eram mais conhecidos. Embora não tenha podido conhecer pessoalmente muitos outros que vinham em seguida, percebi que também esses eram missionários Salesianos, precisamente dos nossos.
            Eu exclamava: – Como é possível tudo isso? – Não queria deixá-los avançar, e estava ali para barrá-los. Tinha medo que de repente acabassem tendo a mesma sorte dos antigos missionários. Eu queria que voltassem para trás, quando notei que a sua presença despertou a alegria de todas aquelas turbas de bárbaros, que abaixaram as armas, depuseram sua ferocidade e acolheram os nossos missionários com grandes demonstrações de amizade. Maravilhado, dizia a mim mesmo: – Vejamos como tudo isso vai acabar! – E vi que os nossos missionários avançavam em direção àqueles índios, os instruíam, e eles ouviam de boa mente suas palavras. Ensinavam, e eles aprendiam com interesse; admoestavam, e eles aceitavam e punham em prática suas orientações.
            Fique observando e me dei conta de que os missionários recitavam o Terço, enquanto os selvagens, correndo por todos os lados, abriam alas à sua passagem e de bom grande respondiam àquela oração.
            Depois de um pouco de tempo, os Salesianos puseram-se no centro daquela multidão, que os rodeou, e se ajoelharam. Os selvagens, depostas as armas aos pés dos missionários, também dobraram os joelhos. E eis um dos Salesianos a entoar: Lodate Maria, o lingue fedeli (Louvai Maria, línguas fiéis), e aquelas turbas, a uma voz, continuar o canto, tão uníssono e forte que eu, quase assustado, acordei.
            Tive esse sonho há quatro ou cinco anos e me impressionou profundamente, considerando-o um aviso celeste. Todavia, não compreendi bem seu significado específico. Compreendi, porém, que se tratava de Missões estrangeiras, que, já antes de agora, correspondiam ao meu maior desejo.


            O sonho ocorreu em torno de 1872. Primeiramente Dom Bosco achou que fossem os povos da Etiópia, depois pensou aos que estavam perto de Hong Kong, depois gente da Austrália e da Índias. Somente em 1874, quando recebeu insistentes convites para mandar os Salesianos para a Argentina, compreendeu que os silvícolas vistos no sonho eram os indígenas daquela imensa região, então quase desconhecida, que era a Patagônia.
(MB IT X, 53-55 / MB PT X, 60-62)