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Dom Bosco contou esse sonho no dia 4 de setembro, na sessão matutina do Capítulo Geral. O P. Lemoyne imediatamente o colocou no papel e o Servo de Deus revisou o escrito de ponta a ponta, acrescentando e modificando. Imprimiremos em itálico as partes que, no original, revelam a mão do Santo; em vez disso, colocaremos entre colchetes algumas passagens que o P. Lemoyne introduziu mais tarde, sob a forma de notas, por meio de explicações adicionais dadas por Dom Bosco.
Era a noite anterior à festa de Santa Rosa de Lima [30 de agosto] e eu tive um sonho. Percebi que estava dormindo e, ao mesmo tempo, parecia estar correndo muito, a ponto de me sentir cansado de correr, falar, escrever e de minhas outras ocupações habituais. Enquanto pensava se era um sonho ou a realidade, pareceu-me entrar em um salão de entretenimento onde muitas pessoas estavam conversando sobre coisas diversas.
Um longo discurso de desenvolveu em torno da multidão de selvagens que, na Austrália, nas Índias, na China, na África e, mais particularmente, na América, em número incalculável, ainda estão sepultados na sombra da morte.
– A Europa, disse um dos debatedores com seriedade, a Europa cristã, a grande mestra da civilização e do catolicismo, parece ter se aproximado apaticamente das missões estrangeiras. Poucos são aqueles que têm coragem suficiente para enfrentar longas viagens e países desconhecidos para salvar as almas de milhões de homens que foram redimidos pelo Filho de Deus, por Cristo Jesus.
Disse outro:
– Que quantidade de idólatras vive infeliz fora da Igreja e longe do conhecimento do Evangelho somente na América! Os homens pensam (e os geógrafos se enganam) que as Cordilheiras da América são como um muro que divide essa grande parte do mundo. Não é bem assim. Essas longas cadeias de altas montanhas formam muitas entrâncias de mil ou mais quilômetros de comprimento. Nelas há florestas que nunca foram visitadas, há plantas, animais e pedras que são escassas por lá. Carvão mineral, petróleo, chumbo, cobre, ferro, prata e ouro estão escondidos nessas montanhas, nos locais onde foram colocados pela mão onipotente do Criador para o benefício da humanidade. Ó Cordilheiras, Cordilheiras, quão rico é o vosso oriente!
Naquele momento, senti-me tomado por um desejo ardente de pedir explicações sobre mais coisas e questionar quem eram aquelas pessoas que haviam se reunido ali e onde eu estava. Mas eu disse a mim mesmo: – Antes de falar, preciso observar que pessoas são essas! E olhei em volta com curiosidade. Só que todas essas pessoas eram desconhecidas para mim. Entretanto, como se tivessem me visto apenas naquele momento, convidaram-me a vir à frente e me acolheram com bondade.
Eu então perguntei:
– Digam-me, por favor! Estamos em Turim, Londres, Madri, Paris? Onde estamos? E quem são vocês? Com quem tenho o prazer de falar? Mas todos esses personagens respondiam vagamente, sempre falando sobre as missões.
Naquele momento, aproximou-se de mim um jovem de cerca de dezesseis anos, adorável pela beleza sobre-humana e todo radiante com uma luz viva mais brilhante que a do sol. Sua roupa era tecida com riqueza celestial e sua cabeça estava cingida com um chapéu em forma de coroa, cravejado com as mais brilhantes pedras preciosas. Olhando para mim com um olhar benevolente, demonstrava um interesse especial por mim. Seu sorriso expressava um afeto de atração irresistível. Chamou-me pelo nome, pegou-me pela mão e começou a me falar sobre a Congregação Salesiana.
Fiquei encantado com o som daquela voz. Em um determinado momento, eu o interrompi:
– Com quem tenho a honra de falar? Poderia me dizer seu nome? E o jovem:
– Não duvide! Fale sempre com total confiança, pois o senhor está com um amigo.
– Mas qual o seu nome?
– Eu lhe diria meu nome, se fosse necessário; mas não é necessário, pois o senhor deve me conhecer.
Dizendo isso, sorria.
Dei uma olhada mais de perto naquela fisionomia envolta em luz. Oh, como era bela! E reconheci nele o filho do conde Fiorito Colle de Toulon, ilustre benfeitor de nossa Casa e especialmente de nossas missões americanas. Esse jovem havia morrido pouco tempo antes.
– Oh! você? eu disse, chamando-o pelo nome: Luís! E quem são todas essas pessoas?
– São amigos de seus salesianos e, como amigo seu e dos salesianos, em nome de Deus, gostaria de lhe dar algum trabalho.
– Vamos ver o que é. Que trabalho é esse?
– Fique aqui nesta mesa e depois puxe esta corda para baixo.
No meio daquele grande salão havia uma mesa, na qual estava enrolada uma corda, e vi que essa corda estava marcada como o metro, com linhas e números. Mais tarde, percebi que aquela sala estava localizada na América do Sul, bem na linha do Equador, e que os números impressos na corda correspondiam aos graus geográficos de latitude. Então, peguei a ponta da corda, olhei para ela e vi que no início estava marcado o número zero.
Eu ria. E aquele jovem angelical:
– Não é hora de rir, ele me disse. Observe! O que está escrito na corda?
– O número zero.
– Puxe um pouco!
Puxei um pouco a corda, e apareceu o número 1.
– Puxe novamente e faça um grande rolo com essa corda.
Puxei e saiu o número 2, 3, 4, até 20.
– É suficiente? disse eu.
– Não; mais para cima; mais para cima! Vá até encontrar um nó! respondeu o jovem.
Puxei até o número 47, onde encontrei um grande nó. A partir desse ponto, a corda continuava, mas dividida em muitos fios que se estendiam para leste, oeste e sul.
– Já chega? perguntei.
– Que número é esse? perguntou o jovem. É o número 47. E 47 mais 3 dá o quê? 50! E mais 5? São 55! Observe; cinquenta e cinco.
E então ele disse:
– Puxe novamente.
– Estou no fim! respondi.
– Agora, então, volte-se para trás e puxe a corda do outro lado. Puxei a corda do outro lado, até o número dez.
O jovem replicou:
– Puxe ainda!
– Não há mais nada!
– O quê? Não há mais nada? Olhe de novo! O que há?
– Há água, respondi.
Naquele instante, um fenômeno extraordinário ocorreu dentro de mim, algo que não é possível ser descrito. Eu estava naquela sala, puxando aquela corda, e, ao mesmo tempo, um panorama de um imenso país se desdobrou diante de meus olhos, que eu dominava como numa visão aérea e que se estendia à medida que a corda se estendia.
Do primeiro zero até o número 55 havia uma terra imensa que, depois de um estreito de mar, no final se repartia em cem ilhas, uma das quais era muito maior do que as outras. A essas ilhas parecia aludirem as cordinhas espalhadas que partiam do grande nó. Cada cordinha levava a uma ilha. Algumas delas eram habitadas por nativos bastante numerosos; outras eram estéreis, nuas, rochosas, desabitadas; outras eram todas cobertas de neve e gelo. A oeste, havia vários grupos de ilhas, habitadas por muitos selvagens. [Parece que o nó colocado no número ou grau 47 representava o local de partida, o centro salesiano, a missão principal de onde nossos missionários se ramificavam para as Ilhas Malvinas, para a Terra do Fogo e para as outras ilhas desses países da América].
No lado oposto, ou seja, de zero a 10, continuava a mesma terra e terminava naquela água que vi por último. Pareceu-me que essa água era o mar das Antilhas, que eu vi de maneira tão surpreendente que não me é possível explicar com palavras esse modo de ver.
Ora, então, tendo eu respondido:
– Há água! – aquele jovem respondeu:
– Agora junte 55 mais 10. Qual o resultado?
E eu:
– Soma 65.
– Agora junte tudo e faça uma única corda.
– E então?
– O que há deste lado? – E ele apontou para um ponto no panorama.
– A oeste, vejo altas montanhas e, a leste, está o mar!
[Observo aqui que, naquele momento, vi abreviadamente, como em miniatura, tudo aquilo que vi depois, como diria, em seu tamanho e extensão reais, e os graus marcados pela corda, que correspondiam exatamente aos graus geográficos de latitude, foram os que me permitiram guardar na memória por vários anos os sucessivos pontos que visitei enquanto viajava na segunda parte desse mesmo sonho].
Meu jovem amigo continuava:
– Pois bem: essas montanhas são como um limite, uma fronteira. Até aqui e até ali está a messe oferecida aos salesianos. Milhares e milhões estão esperando por sua ajuda, esperam a fé.
Essas montanhas eram as Cordilheiras da América do Sul e esse mar, o Oceano Atlântico.
– E como faremos isso? retomei; como levaremos tantos povos ao redil de Jesus Cristo?
– Como fazer isso? Veja!
E eis que chega o P. Lago [P. Ângelo Lago, secretário particular do P. Rua, que morreu em conceito de santidade em 1914], carregando uma cesta de figos pequenos e verdes; e ele me disse:
– Pegue, Dom Bosco!
– O que está me trazendo? respondi, olhando para o conteúdo da cesta.
– Disseram-me que os trouxesse para o senhor.
– Mas esses figos não são bons para comer, não estão maduros.
Então meu jovem amigo pegou aquela cesta, que era muito larga, mas tinha pouco fundo, e a apresentou a mim, dizendo:
– Aqui está o presente que lhe dou!
– E o que devo fazer com esses figos?
– Estes figos não estão maduros, mas pertencem à grande figueira da vida. E o senhor procure a maneira de fazê-los amadurecer.
– E como? Se fossem maiores!… poderiam ser amadurecidos com palha, como é o costume com outras frutas; mas tão pequenos… tão verdes… É impossível.
– Na verdade, o senhor deve saber que, para amadurecê-los, é preciso garantir que todos esses figos estejam ligados à planta novamente.
– Que coisa incrível! E como fazer isso?
– Veja!
E ele pegou um daqueles figos e o mergulhou em uma jarra de sangue; depois, mergulhou-o em outra jarra cheia de água e disse:
– Com o suor e o sangue, os selvagens voltarão a se apegar à planta e serão agradáveis ao dono da vida.
Eu pensava: Mas para conseguir isso é preciso tempo. E então exclamei em voz alta:
– Não sei mais o que responder.
Mas aquele querido jovem, lendo meus pensamentos, continuou:
– Esse acontecimento será realizado antes que a segunda geração se complete.
– E qual será a segunda geração?
– Está atual não está sendo contada. Será outra e depois outra.
Eu falava confuso, perplexo e quase gaguejando ao ouvir os magníficos destinos que estão sendo preparados para nossa Congregação; e perguntei:
– Mas cada uma dessas gerações compreende quantos anos?
– Sessenta anos!
– E depois disso?
– O senhor quer ver o que acontecerá? Venha!
E sem saber como, encontrei-me em uma estação ferroviária. Muitas pessoas estavam reunidas lá. Embarcamos no trem. Perguntei onde estávamos. O jovem respondeu:
– Repare bem! Veja! Estamos viajando ao longo das Cordilheiras. O senhor tem a estrada aberta para o leste até o mar. É outra dádiva do Senhor.
– E a Boston, onde somos esperados, quando iremos?
– Tudo a seu tempo.
Dito isso, ele pegou um mapa onde a diocese de Cartagena era mostrada em letras grandes. [Esse era o ponto de partida].
Enquanto eu olhava o mapa, a locomotiva apitou e o trem partiu. Viajando, meu amigo falava muito, mas por causa do barulho do trem, eu não conseguia entendê-lo completamente. No entanto, aprendi coisas lindas e novas sobre astronomia, navegação, meteorologia, mineralogia, fauna, flora e a topografia daquelas regiões, que ele me explicou com uma precisão maravilhosa. Enquanto isso, ele compartilhava suas palavras com uma familiaridade recatada e ao mesmo tempo carinhosa, o que demonstrava o quanto ele me queria bem. Desde o início, ele me pegou pela mão e sempre me segurou com muito carinho até o final do sonho. Às vezes, eu levava minha outra mão sobre a dele, mas ela parecia desaparecer debaixo da minha como se estivesse se evaporando, e minha mão esquerda só segurava a minha direita. O jovem sorria com minha tentativa inútil.
Nesse meio tempo, olhei pelas janelas do vagão e via passarem à minha frente variadas, mas estupendas regiões. Florestas, montanhas, planícies, rios muito longos e majestosos que eu não acreditava que fossem tão grandes em regiões tão distantes de seus estuários. Por mais de mil quilômetros, contornamos a borda de uma floresta virgem, ainda hoje inexplorada. Meu olhar adquiriu um poder visual maravilhoso. Não havia nenhum obstáculo para alcançar aquelas regiões. Não sei explicar como esse fenômeno surpreendente aconteceu com meus olhos. Eu era como alguém que, no alto de uma colina, vê uma grande região estendida a seus pés e, se coloca uma tira de papel, mesmo que estreita, diante de seus olhos a uma pequena distância, não vê nada ou vê muito pouco; se for afastada essa tira ou apenas levantada ou abaixada um pouco, sua visão pode se estender até o horizonte extremo. Foi o que aconteceu comigo devido à extraordinária intuição que adquiri; mas com esta diferença: quando eu olhava para um ponto e esse ponto passava diante de mim, era como se eu levantasse sucessivamente as cortinas individuais, e eu via a distâncias incalculáveis. Não apenas via as Cordilheiras mesmo quando estava longe delas, mas também as cadeias de montanhas, isoladas naqueles planos imensuráveis, eu as via com seus mínimos acidentes. [As de Nova Granada, da Venezuela, das três Guianas; as do Brasil e da Bolívia, até as últimas fronteiras].
Pude então verificar a exatidão das frases que ouvi no início do sonho no grande salão no grau zero. Eu podia ver as entranhas das montanhas e a escuridão profunda das planícies. Tinha diante dos olhos as riquezas incomparáveis desses países que um dia serão descobertas. Via inúmeras minas de metais preciosos, pedreiras inesgotáveis de carvão mineral, depósitos de petróleo tão abundantes que nunca foram encontrados em nenhum outro lugar. Mas isso não foi tudo. Entre os graus 15 e 20, havia uma reentrância muito larga e muito longa que começava em um ponto onde se formava um lago. Então uma voz disse repetidamente:
– Quando forem escavadas as minas escondidas no meio destas montanhas, aqui aparecerá a terra prometida que mana leite e mel. Será uma riqueza inconcebível.
Mas isso não foi tudo. O que mais me surpreendeu foi ver as Cordilheiras em vários lugares, recuando para dentro de si mesmas para formar vales, que os atuais geógrafos nem sequer suspeitam que existam, imaginando que as encostas das montanhas são como uma espécie de parede reta. Nessas bacias e vales, que às vezes se estendiam por até mil quilômetros, viviam densas populações que ainda não haviam entrado em contato com os europeus, nações ainda completamente desconhecidas.
Enquanto isso, o trem continuava correndo continuamente e, seguindo por aqui e por ali, finalmente parou. Aí desceu um grande número de viajantes, passando por baixo das Cordilheiras, em direção ao oeste.
[Dom Bosco mencionou a Bolívia. A estação talvez fosse La Paz, onde um túnel que se abre para o litoral do Pacífico pode ligar o Brasil a Lima por meio de outra linha de trem].
O trem partiu novamente, sempre em frente. Como na primeira parte da viagem, passamos por florestas, túneis, viadutos gigantescos, desfiladeiros nas montanhas, lagos e pântanos em pontes, rios largos, pradarias e planícies. Passamos pelas margens do Uruguai. Pensei que fosse um rio curto, mas, em vez disso, é muito longo. Em um determinado momento, vi o rio Paraná se aproximando do Uruguai, como se fosse levar o tributo de suas águas até ele; mas, em vez disso, depois de correr por um trecho quase paralelo, afastou-se dele fazendo uma curva ampla. Ambos os rios eram muito longos. [Argumentando a partir desses poucos dados, parece que essa futura linha férrea, partindo de La Paz, tocará Santa Cruz, passará pela única abertura que há em Santa Cruz della Sierra, atravessada pelo rio Guapay; cruzará o rio Parapiti, na província de Chiquitos, na Bolívia; cortará o extremo norte da República do Paraguai; entrará na província de São Paulo, no Brasil, e de lá seguirá para o Rio Janeiro. De uma estação intermediária na província de São Paulo talvez parta a linha férrea que, passando entre o Rio Paraná e o Rio Uruguai, ligará a capital do Brasil à República do Uruguai e à República Argentina].
E o trem estava sempre descendo, virava para um lado e virava para outro; depois de muito tempo, parou pela segunda vez. Lá, muitas outras pessoas desceram e também passaram por baixo das Cordilheiras, indo para o oeste. [Dom Bosco indicou a província de Mendoza, na República Argentina. Portanto, a estação talvez fosse Mendoza e o túnel levava a Santiago, capital da República do Chile].
O trem retomou sua viagem pelos Pampas e pela Patagônia. Os campos cultivados e as casas espalhadas aqui e ali indicavam que a civilização estava tomando posse daqueles desertos.
No início da Patagônia, passamos por um braço do Rio Colorado ou Rio Chubut [ou talvez Rio Negro?]. Não conseguia ver o rumo que seguia, se em direção às Cordilheiras ou ao Atlântico. Tentava desvendar esse meu problema, mas não conseguiu me orientar.
Finalmente chegamos ao Estreito de Magalhães. Eu observava. Descemos. Punta Arenas estava à nossa frente. Por vários quilômetros, o solo estava repleto de depósitos de carvão mineral, tábuas, vigas, madeira, pilhas imensas de metal, alguns brutos, outros processados. Longas filas de vagões de carga estavam sobre os trilhos.
Meu amigo mencionou todas essas coisas para mim. Então perguntei:
– O que você quer dizer com isso?
Ele me respondeu:
– O que está sendo planejado agora será realidade um dia. No futuro, esses selvagens serão tão dóceis que eles mesmos virão para receber educação, religião, civilização e comércio. O que em outros lugares causa admiração, aqui será tão surpreendente que ultrapassará o que hoje causa espanto em todos os outros povos.
– Já vi o suficiente, concluí; agora me leve para ver meus salesianos na Patagônia.
Voltamos à estação e embarcamos no trem para retornar. Depois de percorrer um longo caminho, o trem parou em frente a um vilarejo considerável. [Talvez no grau 47, onde ele tinha visto aquele grande nó de corda no início do sonho]. Na estação, não havia ninguém esperando por mim. Desci e imediatamente encontrei os salesianos. Havia muitas casas lá com um grande número de habitantes; mais igrejas, escolas, vários internatos para jovens e adultos, artesãos e agricultores, e um centro de educação para meninas que faziam uma variedade de trabalhos domésticos. Nossos missionários conduziam jovens e adultos juntos.
Eu estava entre eles. Havia muitos deles, mas eu não os conhecia, e entre eles não havia nenhum de meus antigos filhos. Todos me olhavam com espanto, como se eu fosse uma pessoa nova, e eu disse a eles:
– Vocês não me conhecem? Vocês não conhecem Dom Bosco?
– Oh, Dom Bosco! Nós o conhecemos pela fama, mas só o vimos em retratos! Em pessoa, não, é claro!
– E o P. Fagnano, P. Costamagna, P. Lasagna, P. Milanesio, onde estão eles?
– Nós não os conhecemos. São aqueles que vieram aqui antigamente: os primeiros salesianos que vieram da Europa para estes lugares. Mas já se passaram muitos anos desde que eles morreram!
Diante dessa resposta, pensei com espanto: – Mas isso é um sonho ou uma realidade? E batia as mãos uma na outra, tocava os meus braços e me sacudia, enquanto realmente ouvia o som das minhas mãos e me percebia a mim mesmo e me convencia de que eu não estava dormindo.
Essa visita foi algo instantâneo. Ao ver o maravilhoso progresso da Igreja Católica, de nossa Congregação e da civilização naquelas regiões, agradeci à Divina Providência por ter se dignado me usar como instrumento de sua glória e da salvação de tantas almas.
Nesse meio tempo, o jovem Colle me fez sinal de que era hora de voltar: assim, depois de nos despedirmos de meus salesianos, voltamos à estação, onde o trem estava pronto para partir. Subimos novamente; a locomotiva apitou e partimos para o norte.
Fiquei surpreso com a novidade que surgiu diante de meus olhos. O território da Patagônia, na parte mais próxima ao Estreito de Magalhães, entre as Cordilheiras e o Oceano Atlântico, era mais estreito do que os geógrafos geralmente acreditam.
O trem avançava em um ritmo muito rápido e me pareceu que estava passando pelas províncias, que agora já são civilizadas na República Argentina.
À medida que avançávamos, entramos em uma floresta virgem, muito ampla, muito longa, interminável. Em um determinado ponto, o trem parou e um espetáculo doloroso apareceu diante de nossos olhos. Uma enorme multidão de selvagens estava reunida em um espaço aberto no meio da floresta. Seus rostos eram deformados e repugnantes; suas pessoas estavam vestidas, ao que parecia, com peles costuradas de animais. Eles cercavam um homem amarrado que estava sentado em uma pedra. Ele era muito gordo, pois os selvagens o haviam engordado. O pobre homem havia sido feito prisioneiro e parecia pertencer a uma nação estrangeira, devido à maior regularidade de suas feições. Os selvagens o questionavam e ele respondia narrando as várias aventuras que lhe haviam acontecido em suas viagens. De repente, um selvagem se levantou e, brandindo um grande ferro, que não era uma espada, mas era muito afiado, atacou o prisioneiro e, com um golpe, cortou sua cabeça. Todos os viajantes do trem ficaram nas portas e janelas dos vagões, atentos e mudos de horror. O próprio Colle olhava e ficava em silêncio. A vítima emitiu um grito agonizante ao ser golpeada. Os canibais saltaram sobre o cadáver que jazia em um lago de sangue, rasgaram-no em pedaços, colocaram a carne ainda quente e latejante sobre fogueiras especialmente acesas e, depois de assá-la por algum tempo, devoraram-na quase crua. Ao grito daquele infeliz, a máquina foi posta em movimento e gradualmente retomou sua velocidade vertiginosa.
Durante longas horas, o trem passou pelas margens de um rio muito largo. Ora o trem corria na margem direita, ora na margem esquerda. Da janela, não percebi em quais pontes fazíamos essas mudanças frequentes de rotas. Enquanto isso, naquelas margens, numerosas tribos de selvagens apareciam de tempos em tempos. Toda vez que víamos essas multidões, o jovem Colle repetia:
– Eis a messe dos salesianos! Eis a messe dos salesianos!
Entramos então em uma região cheia de animais ferozes e répteis venenosos de formas estranhas e horríveis. Estavam espalhados nas faldas das montanhas, nas entrâncias das colinas; as bases das montanhas e colinas onde se apoiam, nas margens dos lagos, nas margens dos rios, nas planícies, nos declives, nas encostas. Alguns se pareciam com cães que tinham asas e eram extraordinariamente barrigudos [gula, luxúria, orgulho]. Os outros eram sapos muito grandes que comiam rãs. Podiam-se ver alguns esconderijos cheios de animais, com formas diferentes dos nossos. Essas três espécies de animais estavam cruzadas entre si e grunhiam sordidamente como se quisessem morder umas às outras. Também se viam tigres, hienas, leões, mas de uma forma diferente das espécies da Ásia e da África. Meu companheiro até falou comigo aqui e, mencionando essas feras, exclamou:
– Os salesianos vão amansá-las.
Enquanto isso, o trem se aproximava do local da primeira partida e não estávamos muito longe dele. O jovem Colle, então, pegou um mapa topográfico de estupenda beleza e me disse:
– O senhor gostaria de ver a viagem que fez? As regiões que percorremos?
– Com prazer, respondi.
Ele então desdobrou o mapa, no qual toda a América do Sul estava desenhada com uma precisão maravilhosa. Além disso, retratava tudo o que era, tudo o que é, tudo o que será nessas regiões, mas sem confusão; pelo contrário, com tanta clareza que era possível ver tudo em um piscar de olhos. Compreendi tudo imediatamente, mas devido à multiplicidade daquelas circunstâncias, essa clareza durou apenas uma hora e agora uma confusão completa se formou em minha mente.
Enquanto eu olhava para aquele papel esperando que o jovem acrescentasse alguma explicação, todo agitado pela surpresa do que tinha diante dos olhos, pareceu-me que Quirino (santo coadjutor, matemático, poliglota e sineiro) estava tocando a Ave Maria do alvorecer; mas, ao acordar, percebi que era o toque dos sinos da paróquia de São Benigno. O sonho havia durado a noite toda.
Dom Bosco terminou sua história com estas palavras:
– Com a doçura de São Francisco de Sales, os salesianos atrairão o povo da América para Jesus Cristo. Será muito difícil converter os selvagens; mas seus filhos obedecerão facilmente às palavras dos missionários e com eles serão fundadas colônias, a civilização tomará o lugar da barbárie e muitos selvagens passarão a fazer parte do rebanho de Jesus Cristo.
(MB XVI, 385-394)

