O lenço da pureza (1861)

            No dia 16 de junho, Dom Bosco apresentou como estreia para os jovens o compromisso de fazer uma oração especial, a fim de que Deus fizesse cair em si aqueles do grande macaco que disse apenas ser um número no plural. Na noite do dia 18, contou a seguinte historieta, ou espécie de sonho, como a definiu em outra ocasião. A maneira, porém, que mantinha em contar era sempre tal, que dele pôde repetir o P. Rufino, que conservou escrita a lembrança, o que Baruc falava das visões de Jeremias: “Ele ia ditando para mim todas estas palavras (como se as lesse), e eu as escrevia no rolo com tinta” (Jr 36,18).
            E Dom Bosco falou assim:

            Era a noite de 14 para 15 do mês. Logo que me deitei, apenas tive um pouco de sonolência, senti um grande golpe na cabeceira da cama como se alguém batesse com um pedaço de pau. Sentei-me na cama. Logo me lembrei do raio. Olhei de um lado para outro. Não vi nada. Convenci-me de que estava a sonhar e que nada houvera de real. Voltei a deitar-me. Apenas comecei a querer pegar no sono, houve uma segunda pancada que me fere as orelhas e me abala. Então me levantei nos travesseiros, desci da cama, procurei, examinei debaixo da cama, debaixo da mesa e nos cantos do quarto, mas não vi nada. Então coloquei-me nas mãos do Senhor, persignei-me com água benta e deitei. Foi aí que minha mente voou de cá para lá e vi o que estou para contar.
            Pareceu-me estar no púlpito de nossa igreja iniciando a pregação. Os jovens todos estavam sentados em seus lugares com o olhar fixo em mim. Atentos aguardavam que eu falasse. Mas eu não sabia de qual assunto devia tratar e de que maneira começar a falar. Mesmo forçando a memória, minha mente permaneceu estéril e vazia. Fiquei assim por um pouco de tempo, confuso e angustiado e nunca me tinha sucedido semelhante trapalhada depois de tantos anos de pregação. Mas eis que logo vi aquela nossa igreja transformando-se em um grande vale. Procurei as paredes da igreja e não as vi mais e nem vi mais jovem algum. Estava fora de mim, maravilhado, e não conseguia convencer-me daquela mudança de cenário.
            Pensei com meus botões: – Mas o que será isso? Havia pouco eu estava na igreja, no púlpito, e agora encontro-me num vale! Seria um sonho? Mas o que preciso fazer? – Decidi descer pelo vale afora. Andei um pouco e procurei alguém para manifestar-lhe minha admiração e pedir explicações. Vi um belo palácio com grandes sacadas e amplos terraços, como se queira denominá-los, e que constituíam um conjunto admirável. Diante do palácio estendia-se uma praça. Num dos cantos da praça, à direita, vi um grande grupo de jovens reunidos que estavam ao redor de uma senhora, a qual entregava um lenço a cada um. Após receber o lenço saíam e dispunham-se em fila um atrás do outro no terraço com balaustrada.
            Eu também cheguei perto daquela senhora e ouvi que, no ato de entregar os lenços, ela dizia a cada um estas palavras:
            – Não o abra nunca quando sopra o vento. Mas se o vento o pegar de surpresa quando o tiver aberto, vire-se logo para a direita e nunca para a esquerda.
            Eu observava todos aqueles jovens, mas no momento não cheguei a reconhecer nenhum. Terminada a distribuição dos lenços, quando todos estavam no terraço, formavam uma longa fila única e ficaram lá de pé sem dizer palavra. E eu continuava a olhar. Vi um jovem que começou a tirar o seu lenço e abri-lo. Depois os outros também começaram, pouco a pouco, a abrir cada um o seu e aí todos com o lenço desfraldado. Era um lenço enorme, bordado a ouro com desenhos de grande estilo e nele podiam-se ler estas palavras também douradas e que o ocupavam todo:  Regina Virtutum (Rainha das virtudes).
            E eis que vindo do norte, isto é, da esquerda, começou a soprar uma leve brisa. Depois ficou mais forte. Por fim levantou-se o vento. Logo que começou este vento, vi alguns dos jovens dobrarem logo o lenço e escondê-lo. Outros viraram-se para a direita.
            Outros, porém, ficaram imóveis com seu lenço aberto. Logo que o vento soprou forte, formou-se rapidamente uma nuvem escura que cobriu todo o céu e formou-se um ciclone, desabou grande temporal e rugiu pavorosamente o trovão. Caiu granizo, desceu a chuva e, por fim, a neve.
            No entanto, muitos jovens continuaram com o lenço estendido e o granizo furava-o de lado a lado: parecia que as gotas d’água também tivessem ponta. Outrossim os flocos de neve esburacavam os lenços. Em poucos instantes aqueles lenços se estragaram e viraram uma peneira, ao ponto de perderem a beleza.
            Esta cena causou em mim tamanho assombro que não conseguia dar-lhe explicação. O pior é que, aproximando-me daqueles jovens que antes não conhecera, agora, ao olhá-los com mais atenção, consegui reconhecê-los bem distintamente, um por um. Eram os meus jovens do Oratório. Cheguei mais perto ainda e perguntei:
            – O que está fazendo aqui? Você não é o fulano de tal? – Sim! Estou aqui, sim! Veja, aqui também estão Sicrano e Beltrano… este e aquele…
            Então fui até aquela senhora que distribuíra lenços. Estavam ali junto também uns homens e perguntei-lhes: – O que significa tudo isso?
            A senhora voltou-se para mim e disse: – Por acaso não leu o que estava escrito nos lenços?
            – Sim! Regina Virtutum!
            – Não sabe por quê?
            – Claro que sei!
            – Pois bem! Aqueles jovens expuseram a virtude da pureza ao vento das tentações. Logo que os primeiros perceberam, fugiram e são aqueles que recolheram o lenço. Outros foram pegos de surpresa e não tiveram tempo para dobrá-lo e viraram para a direita e são os que, na hora do perigo, recorrem ao Senhor, virando as costas para o inimigo. Outros, porém, ficaram com o lenço aberto virado para o ímpeto das tentações, que os fizeram cair em pecado.
            Fiquei admirado com o espetáculo e estava prestes a desesperar ao ver quão poucos fossem os que tinham preservado a bela virtude. Comecei a chorar e a soluçar um pranto lastimoso. Logo que me acalmei, perguntei:
            – Como é que os lenços ficaram perfurados não só pelo granizo, mas também pelas gotas d’água e pelos flocos de neve? As gotas, os flocos de neve não seriam os pecados veniais?
            – E não sabe que neste campo non datur parvitas materiae (Não existe matéria leve)? Todavia, não se inquiete, venha e veja.
            Um daqueles homens aproximou-se da sacada, fez aos jovens um aceno de mão e gritou: – Para a direita!
            Quase todos os jovens viraram-se para o lado direito. Alguns não se moveram do lugar, e seus lenços acabaram por ficar inteiramente despedaçados. Vi o lenço dos que se tinham voltado para a direita ficar bem pequeno, todo remendado e cerzido de tal modo que não se via mais buraco algum. Estavam, porém, em estado tão lastimáveis que dava pena. Não tinham mais regularidade. Podia ver alguns lenços com três palmos de comprimento, outros com dois e até com um.
            Aquela senhora, no entanto, disse:
            – Eis os que perderam a bela virtude, mas remediaram-se com a confissão. Os que não se mexeram, são os que permaneceram no pecado e, talvez, muito provavelmente, entrarão no caminho da perdição.
            Por fim me disse:
            – Nemini dicito, sed tantum admone (Não digas nada a ninguém, apenas admoesta).
(MB IT VI, 972-975 / MBp VI, 899-903)