25 Set 2025, Qui

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Ambientada em janeiro de 1876, a peça apresenta um dos mais sugestivos “sonhos” de Dom Bosco, instrumento predileto com que o santo turinense sacudia e guiava os jovens do Oratório. A visão se abre para uma planície interminável onde fervilham os trabalhos dos semeadores: o trigo, símbolo da Palavra de Deus, só germinará se protegido. Mas galinhas vorazes caem sobre a semente e, enquanto os camponeses cantam versículos evangélicos, os clérigos encarregados da custódia permanecem mudos ou distraídos, deixando que tudo se perca. A cena, animada por diálogos argutos e citações bíblicas, torna-se parábola da murmuração que apaga o fruto da pregação e advertência à vigilância ativa. Com tons ao mesmo tempo paternos e severos, Dom Bosco transforma o elemento fantástico em lição moral incisiva.

Na segunda metade de janeiro o Servo de Deus teve um sonho simbólico do qual falou com alguns Salesianos. P. Barberis pediu-lhe para contá-lo em público porque os seus sonhos agradavam muito aos jovens, faziam-lhes muito bem e os afeiçoava ao Oratório.
– Sim, isso é verdade, respondeu o Beato, fazem bem e são ouvidos com avidez; o único prejudicado sou eu, pois precisaria ter pulmões de ferro. Bem se pode dizer que no Oratório não há sequer um que não se sinta emocionado com tais narrações, pois na maioria das vezes esses sonhos impressionam a todos e cada um quer saber em que situação o tenha visto, o que deva fazer, que significado tenha isto ou aquilo. E eu fico aflito dia e noite. Se depois quero despertar o desejo das confissões gerais, não tenho outra coisa a fazer senão narrar um sonho. Escute, faça uma coisa. Domingo irei falar aos jovens e você interrompe-me em público. Eu então contarei o sonho.
No dia 23 de janeiro, após as orações da noite, ele subiu na cátedra. O seu rosto, radiante de alegria, manifestava, como sempre, a própria alegria de encontrar-se entre seus filhos. Após um pouco de silêncio, P. Barberis pediu para falar e perguntou:
– Desculpe, senhor Dom Bosco, permite-me fazer-lhe uma pergunta?
– Pois não, diga.
– Ouvi dizer que nestas noites passadas, teve um sonho de semeadura, com semeador, com galinhas e que já o contou ao clérigo Calvi. Poderia fazer o favor de contá-lo também a nós? Isso nos daria muito prazer.
– Curioso! – disse Dom Bosco em tom de bronca. E então explodiu uma gargalhada geral.
– Não importa, sabe, que me chame de curioso; contanto que nos conte o sonho. E com este meu pedido creio interpretar a vontade de todos os jovens que certamente o ouvirão com muito gosto.
– Se é assim, eu o conto. Não queria dizer nada porque há coisas que se referem a vários de vocês em particular e algumas também para você, que fazem arder um pouco as orelhas; mas já que me pediram, eu contarei.
– Mas, eh!, senhor Dom Bosco, se há alguma paulada para mim, poupe-a aqui em público.
– Eu contarei as coisas como as sonhei, cada um tome a sua parte. Mas antes de tudo é preciso que cada um tenha em mente que os sonhos me acontecem dormindo e dormindo não se pensa; por isso, se há algo de bom, alguma advertência a tomar, se tome. Além disso, ninguém fique preocupado. Disse que sonhando eu de noite dormia, porque alguns sonham também de dia e algumas vezes até mesmo estando acordados e com não leve incômodo dos professores para os quais tornam-se estudantes que importunam.

Parecia-me estar longe daqui e encontrar-me em Castelnuovo d’Asti, minha terra. Diante de mim, havia uma grande extensão de terra, situada em uma vasta e bela planície; mas aquele terreno não era nosso e não sabia de quem era.
Naquele campo vi muitos que trabalhavam com pás, enxadas e outros instrumentos. Havia um que arava, quem semeava o grão, quem aplainava a terra, quem fazia outras coisas. Havia aqui e lá chefes escolhidos para dirigir os trabalhos e, entre esses, parecia-me estar também eu. Coros de camponeses estavam em outro lugar cantando. Eu observava maravilhado e não sabia dar-me conta daquele lugar. Dizia a mim mesmo: – Mas, com que finalidade estas pessoas trabalham tanto? E respondia a mim mesmo: – Para prover o pão de cada dia aos meus jovens. E era realmente uma maravilha ver como aqueles bons agricultores não desistiam sequer um instante do trabalho e sem cessar continuavam no seu trabalho com um ardor contínuo e com a mesma constância. Só alguns estavam rindo e brincando entre eles.
Enquanto eu contemplava tão belo quadro, olho ao meu redor e vejo que me rodeavam alguns padres e muitos dos meus clérigos, alguns próximos e outros a uma certa distância. Dizia comigo mesmo: – Mas eu sonho; os meus clérigos estão em Turim, aqui, ao invés, estamos em Castelnuovo. E depois, como pode ser isso? Eu estou com roupa de inverno da cabeça aos pés, somente ontem eu estava com tanto frio e agora aqui se semeia o grão. Eu me tocava as mãos e caminhava e dizia: – Mas realmente não estou sonhando, este é um campo real; este clérigo aqui é o clérigo A… em pessoa; este outro é o clérigo B. E depois, como no sonho eu poderia ver esta coisa e aquela outra?
Nesse meio tempo, vi ali perto mais à parte, um velho que aparentemente se mostrava muito benévolo e sensato, prudente, atento a observar-me e aos outros. Aproximei-me dele e lhe perguntei: – Diga-me, bravo homem, escute-me! Que é isso que eu vejo e não compreendo nada? Onde estamos aqui? Quem são esses trabalhadores? De quem é este campo?
– Oh, respondeu-me aquele homem; belas perguntas a serem feitas! É um padre e não sabe estas coisas?
– Mas por isso diga-me! Você acredita que eu sonho ou que esteja acordado? Pois me parece sonhar e não me parecem possíveis as coisas que vejo.
– Possibilíssimas, antes, reais e me parece que o senhor esteja bem desperto. Não se percebe? Fala, ri, brinca.
– E no entanto há alguns, eu acrescentei, que no sonho parecem falar, escutar, agir, como se estivessem acordados.
– Mas não; deixe de lado tudo isso. O senhor está aqui com corpo e alma.
– Seja pois assim; e se eu despertar, diga-me, então, de quem é este campo.
– O senhor estudou latim; qual é o primeiro nome da segunda declinação que estudou no Donato? Sabe-o ainda?
– Eh, claro que sei; mas o que tem a ver isso com a minha pergunta?
– Tem a ver e muitíssimo. Diga, pois, qual é o primeiro nome que se estuda na segunda declinação.
– É Dominus.
– E como é o genitivo?
– Domini!
– Bravo, bem, Domini; este campo é pois Domini, do Senhor.
– Ah! Agora começo a compreender alguma coisa! – exclamei.
Estava maravilhado pela conclusão obtida daquele bom velho. No momento vi várias pessoas chegando com sacos de grãos para semear e um grupo de camponeses cantava: Exit, qui seminat, seminare semem suum (O semeador saiu a semear a sua semente – Lc 8,5).
A mim parecia um pecado jogar fora aquela semente e fazê-las morrer enterrada. Era tão belo aquele grão! Não seria melhor, dizia comigo mesmo, não seria melhor triturá-lo e fazer dele pão ou massa? – Mas depois pensava: – Quem não semeia não recolhe. Se não se lança a semente e essa não apodrece, o que se recolherá depois?
Naquele instante vejo sair de todas as partes uma multidão de galinhas e irem para a semeadura bicar todo grão que outros espalhavam.
E aquele grupo de cantores continuava o seu canto: Venerunt aves caeli, sustulerunt frumentum e reliquerunt zizaniam (Vieram as aves do céu, pegaram o trigo e deixaram a cizânia – cf. Mt 12,43).
Dou uma olhada ao redor e observo aqueles clérigos que estavam comigo. Um com as mãos entrelaçadas estava olhando com fria indiferença; outro tagarelava com os colegas, outros se abraçavam; outros olhavam o céu, outros riam daquele quadro, outros continuavam tranquilamente o seu recreio e os seus jogos, outros terminavam algum trabalho seu; mas ninguém espantava as galinhas para fazê-las ir embora. Eu me dirijo a eles muito magoado e, chamando cada um pelo nome, dizia: – Mas o que fazem? Não veem aquelas galinhas comendo todo o grão? Não veem que destroem a boa semente, fazem desaparecer as esperanças destes bons lavradores? O que colherão depois? Por que estão assim calados? Por que não gritam, por que não as fazem ir embora?
Mas os clérigos encolhiam os ombros, olhavam-me e nada diziam. Alguns nem sequer se viraram: não cuidavam antes daquele campo nem cuidarão depois que eu ralhei.
Vocês são todos insensatos! – eu continuava. As galinhas já estão todas com o papo cheio. Vocês não poderiam bater as mãos e fazer assim? E, no entanto, eu batia as mãos encontrando-me em uma verdadeira confusão, pois de nada adiantavam as minhas palavras. Então alguns se puseram a afugentar as galinhas, mas eu repetia comigo mesmo: – Eh, sim! Agora que todo o grão foi comigo, se espantam as galinhas!
Naquele momento me surpreendeu o ouvido o canto daquele grupo de lavradores os quais cantavam assim: Canes muti nescientes latrare (São cães mudos incapazes de ladrar – cf. Is 56,10).
Então me dirigi àquele bom velho e, entre estupefato e indignado, disse-lhe: – Vamos lá! Dê-me uma explicação do que vejo; eu não entendo nada disso. O que é aquela semente que se lança por terra?
– Oh, amigo! Semen est verbum Dei (A semente é a Palavra de Deus – Lc 8,11).
– Mas o que quer dizer isso, pois vejo que lá as galinhas a comem?
O velho, mudando o tom de voz, prosseguiu:
– Oh! Se quer uma explicação mais completa eu lha dou. O campo é a vinha do Senhor, da qual se fala no Evangelho, e se pode também entender do coração do homem. Os cultivadores são os operários evangélicos que, especialmente com a pregação, semeiam a Palavra de Deus. Esta palavra produziria muito fruto naquele coração, terreno bem preparado. Mas quê? Vêm os pássaros do céu e a levam embora.
– O que significam esses pássaros?
– Quer que eu lhe diga o que indicam? Indicam as murmurações. Ouvida aquela pregação que traria efeito, vai-se com os colegas. Um faz o comentário sobre um gesto, em voz alta, durante uma palavra do pregador, e então se perde todo o fruto da pregação. Um outro culpa o pregador por algum defeito físico ou intelectual, um terceiro ri do seu italiano, e todo o fruto da pregação fica perdido. O mesmo deve-se dizer de uma boa leitura cujo bem fica impedido por uma murmuração. As murmurações são tanto piores, pois geralmente são secretas, ocultas e ali vivem e crescem onde nada mais podemos esperar. O grão, ainda que seja num campo não muito cultivado, todavia nasce, cresce, alcança uma boa altura e produz fruto. Quando num campo, há pouco semeado, vem um temporal, então ele se torna chão batido e não produz mais tanto fruto, mas ainda produz. Se também a semeadura não for tão boa, no entanto crescerá: trará pouco fruto, mas o trará. Ao invés, quando as galinhas ou os pássaros bicam as sementes, não tem mais jeito: o campo não produz mais nada; não traz fruto de qualidade. Do mesmo modo, se às pregações, aos conselhos, aos bons propósitos houver por trás alguma outra coisa como distração, tentação etc., haverá menos fruto; mas quando há murmuração, o falar mal ou coisa semelhante, aqui não há o pouco que permanece, mas há logo o tudo que é levado embora. E a quem compete bater palmas, insistir, ralhar, vigiar, para que estas murmurações, estas más conversas não aconteçam? O senhor o sabe!
– Mas o que faziam esses clérigos? – eu lhe perguntei. Não podiam eles impedir tanto mal?
– Não impediram nada, ele prosseguiu. Alguns estavam observando como estátuas mudas, outros não olhavam, não pensavam, não viam e ali estavam com os braços cruzados, outros não tinham a coragem para impedir esse mal; alguns poucos, porém, se uniam também aos murmuradores, tomavam parte nas suas maledicências, faziam o papel de destruidores da Palavra de Deus. Você que é padre insista sobre isto: prega, exorta, fala, não tenha medo de jamais falar demais; e todos saibam que criticar quem prega, quem exorta, quem dá bom conselho é o que provoca a parte maior do mal. E o ficar calado quando se vê alguma desordem e não impedi-la, especialmente quem poderia ou deveria, isto é, em resumo, tornar-se cúmplice do mal alheio.
Eu, ciente de tudo por essas palavras, queria ainda olhar, observar esta e aquela coisa, repreender os clérigos, estimulá-los a cumprir o próprio dever. E eles já se mexiam e procuravam afugentar as galinhas. Mas eu, tendo dado alguns passos, tropecei num rastelo, destinado a aplainar a terra, deixado naquele campo, e acordei. Agora deixemos de lado tudo e vamos à moral. P. Barberis, o que nos diz a respeito deste sonho?
– Digo, respondeu P. Barberis, que é uma boa surra e um golpe a quem toca.
– Está certo, retomou Dom Bosco, é uma lição que precisa fazer-nos bem; e tenham em mente isto, meus queridos jovens, evitar entre vocês de qualquer maneira a murmuração, como um mal extraordinário, fugindo dela como se foge da peste, e não só evitá-la vocês, mas com toda força procurar fazer com os outros a evitem. Algumas vezes santos conselhos, ótimas obras não fazem o bem, que leva a impedir uma murmuração e qualquer palavra que possa prejudicar a outros. Armemo-nos de coragem e combatamo-la com franqueza. Não há pior desgraça do que a de fazer perder a palavra de Deus. E basta um mote, basta uma brincadeira.
Contei-lhes um sonho ocorrido já em várias noites, mas nesta noite passada tive um outro que agora desejo narrar-lhes. Ainda não é muito tarde; são apenas as nove eu posso expô-lo a vocês. Contudo procurarei não demorar.
Pareceu-me, então, encontrar-me num lugar que agora não me lembro mais qual fosse; eu não estava mais em Castelnuovo, mas parece-me que nem mesmo estivesse no Oratório. Veio alguém apressadamente me chamar: – Dom Bosco, venha! Dom Bosco, venha!
– Mas qual é o motivo de tanta pressa? – eu respondi.
– Está sabendo das coisas acontecidas?
– Eu não entendo o que você quer dizer: explique-me claramente, respondi ansioso.
– Não sabe, Dom Bosco, que tal jovem tão bom, tão animado, está gravemente enfermo, aliás, moribundo?
– Eu duvido que você queira brincar comigo, lhe disse: porque exatamente esta manhã falei e passeei com o mesmo jovem que você agora me diz estar moribundo.
– Ah, Dom Bosco! Eu não o estou enganando e me julgo na obrigação de narrar-lhe a pura verdade. Aquele jovem tem grande necessidade do senhor e deseja vê-lo e falar-lhe pela última vez. Mas venha logo porque senão não chega em tempo.
Eu, sem saber o lugar, fui apressadamente atrás daquele tal. Chego em um lugar e vejo gente triste e chorando que me diz:  Ajude-nos logo, por favor, porque está nas últimas.
– Mas o que aconteceu? – respondo. Fui levado em um quarto onde vejo deitado um jovem muito pálido no rosto, com uma cor quase cadavérica, com uma tosse e um estertor que o sufocava e mal permitia que ele falasse.
– Mas você não é o fulano de tal? – eu lhe disse:
– Sim, sou o tal.
– Como está?
– Estou mal!
– E como é que agora o vejo neste estado? Você não estava andando tranquilo sob os pórticos ontem e esta manhã?
– Sim, respondeu o jovem, ontem e esta manhã passeava sob os pórticos; mas agora faça depressa que eu tenho necessidade de confessar-me; vejo que me resta muito pouco tempo.
– Não se aflija, não se aflija; você confessou-se há poucos dias.
– É verdade e me parece não havia nenhuma falta grave no meu coração; todavia desejo receber a santa absolvição antes de apresentar-me ao Divino Juiz.
Eu ouvi a sua confissão. Mas observei que piorava visivelmente e um catarro estava para sufocá-lo. – Mas aqui é preciso agir rápido, digo comigo mesmo, se quiser que receba ainda o santo viático e o óleo santo. Antes, o viático não poderá mais recebê-lo, seja porque requer mais tempo para os preparativos, seja porque a tosse poderia impedi-lo de engolir. Depressa, o óleo santo!
Assim dizendo, saio do quarto e mando imediatamente um homem pegar a bolsa com os óleos santos. Os jovens que estavam na sala me perguntavam:
– Mas está realmente em perigo? Está mesmo moribundo, como se está dizendo?
– Infelizmente! – eu respondia. Não vê que a respiração se lhe torna cada vez mais lenta e o catarro o sufoca?
– Mas será melhor trazer-lhe também o viático e assim fortalecido mandá-lo nos braços de Maria.
Mas enquanto eu me apressava preparando o necessário, ouço um voz. – Expirou!
Entro de novo no quarto e encontro o enfermo com os olhos arregalados; não respira mais; está morto.
– Está morto? – perguntei para aqueles dois que o assistiam.
– Está morto, responderam-me. Está morto.
– Mas como vai, assim tão depressa? Diga-me: não é esse o fulano?
– Sim, é o fulano.
– Não posso acreditar! Ainda ontem passeava comigo sob os pórticos.
– Ontem passeava e agora está morto, me replicaram.
– Felizmente era um jovem bom! – exclamei. E dizia aos jovens que estavam ao meu redor: – Veem, veem? Este não pôde nem mesmo receber o viático e a extrema unção. Agradeçamos, porém, ao Senhor que lhe deu tempo para confessar-se. Este jovem era bom, frequentava bastante os sacramentos, e esperamos que tenha ido para uma vida feliz, ou ao menos no purgatório. Mas se tocasse um pouco a outros o mesmo destino, o que seria agora de alguns?
Dito isso, colocamo-nos todos de joelhos e rezamos um De profundis pela alma do pobre falecido.
Enquanto eu ia para o quarto, vejo chegar Ferraris [Coadjutor João Antônio Ferraris, livreiro] da livraria, o qual todo aflito, me diz:
– Sabe, Dom Bosco, o que aconteceu?
– Eh, infelizmente já sei! Morreu o tal! – respondo.
– Não é isso que eu quero dizer; há outros dois mortos.
– Como? Quem?
– O sicrano e o beltrano.
– Mas quando? Não compreendo.
– Sim, dois outros que morreram antes que o senhor chegasse.
– E por que não me chamou?
– Faltou tempo. Mas o senhor sabe dizer-me quando este aqui morreu?
– Morreu agora, respondi.
– O senhor sabe que dia é hoje e de que mês? – continuou Ferraris.
– Claro que sei: hoje é 22 de janeiro, segundo dia da novena de São Francisco de Sales.
– Não, disse Ferraris. O senhor se engana, Dom Bosco; veja bem. – Eu ergo os olhos para o calendário e vejo: 26 de maio.
– Mas esta é boa! – exclamei. Estamos em janeiro e eu bem consciente de como estou vestido; não se veste assim em maio; em maio o aquecedor não estaria ligado.
            – Eu não sei o que dizer-lhe ou que explicação dar-lhe, mas agora estamos no dia 26 de maio.
– Mas se apenas ontem faleceu este nosso companheiro e estávamos em janeiro.
– Engana-se, insistiu Ferraris; estávamos no tempo pascal.
– Mais uma você acrescenta e ainda maior!
– Tempo pascal, sem dúvida; estávamos no tempo pascal, e ele teve mais sorte de morrer na Páscoa do que os outros dois, que morreram no mês de Maria.
– Você está zombando de mim, eu lhe disse. Explique-se melhor, do contrário eu não o entendo.
– Eu não estou zombando, em absoluto. A coisa é assim. Se depois quiser saber mais, e que eu me explique melhor, eis! Esteja atento!
– Abri os braços, depois bati as duas mãos uma contra a outra bem forte. E despertei. Então exclamei: – Oh, que sorte! Não é realidade, mas um sonho. Que medo que eu tive!
Eis o sonho que tive na noite passada. Vocês deem a ele a importância que quiserem. Eu mesmo não quero dar-lhe fé totalmente. Hoje, porém, quis ver se aqueles que me pareceram mortos no sonho estavam vivos ainda, e os vi sãos e fortes. Certamente não convém que eu diga e não direi quem são aqueles. Todavia estarei de olho sobre os dois; se for necessário algum conselho para viver bem, lhes darei, e os prepararei fazendo vistas largas sem que percebam; porque assim, se lhes ocorresse morrer, a morte não os encontre despreparados. Mas ninguém fique falando: Será este, será aquele. Cada um pense em si.
E não fiquem preocupados com isso. O efeito que deve surtir em vocês é simplesmente o que nos sugere o Divino Salvador no Evangelho: Estote parati, quia, qua hora non putatis, filius hominis veniet (Estejam preparados porque o Filho do homem virá na hora em que não pensais – Lc 12,4). É esta uma importante advertência que nos faz o Senhor, meus queridos jovens. Estejam sempre preparados porque na hora em que menos esperamos pode vir a morte, e aquele que não estiver preparado para morrer bem, corre o grave risco de morrer mal. Eu procuro estar preparado o melhor que posso e vocês façam o mesmo, a fim de que a qualquer hora que agrade ao Senhor chamar-nos, possamos estar prontos para passar à eternidade. Boa noite!

As palavras de Dom Bosco eram ouvidas sempre em religioso silêncio, mas quando ele falava destas coisas extraordinárias, entre as centenas de meninos que lotavam o lugar, não se ouvia um rumor de tosse nem a mais leve roçadura dos pés. A forte impressão durava semanas e meses; e com a impressão aconteciam mudanças radicais no comportamento de alguns endiabrados. Fazia-se depois fila ao redor do confessionário de Dom Bosco. Não vinha à cabeça de ninguém supor que ele inventasse aquelas narrativas para assustar e melhorar a vida dos jovens, porque os anúncios de mortes próximas tornavam-se realidade sempre e certos estados de consciência vistos em sonhos correspondiam à realidade.
Mas o temor produzido por tão lúgubres prognósticos não era uma angústia opressora? Não parece. Apresentavam-se muitas possibilidades e hipóteses a uma multidão de mais de oitocentos jovens a fim de que cada um pudesse preocupar-se disso. Além do mais, a persuasão realmente difundida, que quem morria no Oratório ia certamente para o Paraíso, e que Dom Bosco preparava os designados sem assustá-los, contribuía para expulsar todo temor do espírito. Por outro lado, sabe-se bem quão grande é a volubilidade juvenil, num instante a fantasia dos jovens é atingida e abalada; mas depois aquela lembrança se liberta bem depressa de qualquer preocupação. É o que nos atestavam unânimes os sobreviventes daqueles tempos.
Tendo os jovens ido dormir, alguns coirmãos que rodeavam o Beato cobriam-no de perguntas para saber se algum deles estava entre aqueles que deviam morrer. O Servo de Deus, sorrindo conforme o seu costume e girando a cabeça, repetia:
– Já, já! Virei dizer-lhes quem é, com perigo de fazer alguém morrer antes do tempo!
Visto que ali não se tirava nada, perguntaram-lhe se no primeiro sonho havia também clérigos fazendo parte das galinhas, que se entregassem à murmuração. Dom Bosco, que passeava, parou, olhou para os interlocutores e deu um risinho como para dizer: – Eh! Alguém sim; mas poucos, e não acrescentou nada mais. – Então lhe pediram que dissesse ao menos se eles estavam entre os cães mudos; o Beato se firmou nos princípios gerais, observando que era preciso estar atentos para evitar e fazer evitar as murmurações e em geral todas as desordens, especialmente as más conversas. – Ai do padre e do clérigo, disse, o qual, encarregado da vigilância, vê as desordens, e não as impede! Desejo que se saiba e se lembrem que com a palavra “murmurações” eu não entendo apenas o cortar a casaca pelas costas, mas toda conversa, todo gracejo, toda palavra que possa diminuir em um colega o fruto da Palavra de Deus ouvida. Em geral, entendo dizer que é um grande mal calar-se, quando se conhece alguma desordem, não a impedindo ou não procurando que a impeça quem de direito.
Um mais ousado fez ao Servo de Deus uma pergunta um tanto arriscada.
– E P. Barberis, por que entra no sonho? O senhor disse que havia também para ele, e o próprio P. Barberis parecia esperar para si uma boa paulada. – P. Barberis estava presente. Inicialmente Dom Bosco acenava a não querer responder. Mas depois, permanecendo ao seu lado apenas alguns padres e mostrando-se P. Barberis satisfeito que ele revelasse o segredo, o Beato disse:
– Eh! P. Barberis não prega suficientemente sobre este ponto; não insiste quanto é preciso sobre este assunto. – P. Barberis confirmou que nem no ano anterior nem no ano em curso jamais se tinha fixado de propósito sobre aqueles temas aos seus noviços; gostou muito da observação e pendurou-a na orelha para o futuro.
Dito isto, subiram as escadas e todos, após beijar a mão de Dom Bosco, se afastaram e foram dormir. Todos, menos P. Barberis que, conforme o costume, acompanhou-o até a porta do seu quarto. Dom Bosco, vendo que ainda era cedo e pressentindo que não poderia dormir, porque fortemente impressionado pelas coisas expostas, contra o seu hábito costumeiro, fez P. Barberis entrar em seu aposento, dizendo:
– Já que ainda temos tempo podemos dar dois passos num vai-e-vem pela sala.
Assim continuou a discorrer por uma meia hora. Disse então outras coisas: – Eu, no sonho, vi todos e vi o estado em que cada um se encontrava; se galinha, se cão mudo, se no número daqueles que avisados se puseram mãos à obra ou não se moveram. Sirvo-me desta doutrina confessando, exortando em público até ver que produzam o bem. No início não dava muita importância a esses sonhos; mas percebi que na maior parte das vezes são mais eficazes que as pregações; antes, para alguns são mais eficazes do que um curso de Exercícios Espirituais, por isso sirvo-me deles. E por que não? Lê-se na Sagrada Escritura: Probate spiritus: quod bonum est tenete (Examinai vossas almas; guardai o que é bom – cf. 1Ts 5,21). Vejo que valem, vejo que agradam, e por que mantê-los secretos? Antes, vejo que contribuem para afeiçoar muitos à Congregação.
– Experimentei eu mesmo, interrompeu P. Barberis, quão úteis são esses sonhos e quão salutares. Mesmo narrados alhures, fazem bem. Onde Dom Bosco é conhecido, pode-se dizer que são sonhos que ele teve; onde não é conhecido, pode-se apresentar como semelhança. Oh, se se pudesse fazer disso uma antologia, expondo-lhes em forma de semelhanças! Seriam procurados e lidos por crianças e por adultos, por jovens e por idosos, com vantagem para suas almas.
– Já, já! Fariam bem, estou intimamente convicto disso.
– Mas, talvez, lamentou P. Barberis, ninguém os recolheu por escrito.
– Eu, retomou Dom Bosco, não tenho tempo e de muitas coisas não me lembro mais.
– Aquilo de que me lembro, replicou P. Barberis, são os sonhos que se referiam aos progressos da Congregação, ao estender-se do manto de Nossa Senhora.
– Ah, sim! – exclamou o Beato. E acenou a várias visões deste gênero. Tomando depois um ar mais sério e meio conturbado, prosseguiu:
– Quando penso na minha responsabilidade na posição em que me encontro, tremo inteiramente… Que contas tremendas deverei prestar a Deus por todas as graças que nos concede para o bom andamento da nossa Congregação!
(MBp XII, 36-48)

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