27 Dez 2025, Sáb

⏱️ Tempo de leitura: 16 min.

Neste sonho de Dom Bosco aparece um jardim paradisíaco: uma encosta verde, árvores enfeitadas e, no centro, um imenso tapete cândido adornado com inscrições bíblicas que exaltam a pureza. À beira estão sentadas duas meninas de doze anos, vestidas de branco com cintos vermelhos e coroas de flores: personificam a Inocência e a Penitência. Com voz suave, dialogam sobre o valor da inocência batismal, sobre os perigos que a ameaçam e sobre os sacrifícios necessários para guardá-la: oração, mortificação, obediência, pureza dos sentidos.


            Ele teve a impressão de ter diante de si uma imensa e encantadora ribanceira verdejante, de suave declive e toda nivelada. Ao pé, esse prado formava como um degrau bastante baixo, do qual se saltava para a estradinha onde estava Dom Bosco. Parecia um Paraíso terrestre esplendidamente iluminado por uma luz mais pura e mais viva do que a do sol. Estava todo coberto de ervas verdejantes salpicadas de mil motivos de flores e sombreado por um número grandíssimo de árvores que, entrelaçando-se com os ramos, as estendiam como amplos festões.
            No meio do jardim, até a borda dele, estendia-se um tapete de um candor mágico, mas tão brilhante que ofuscava a vista; tinha mais de uma milha de largura. Apresentava a magnificência de um estado real. Como ornamento na faixa que corria ao longo da borda, tinha várias inscrições e caracteres de ouro. De um lado lia-se: Beati immaculati in via, qui ambulant in lege Domini (Felizes os que procedem com retidão, os que caminham lei do Senhor. – Sl 118,1). Do outro lado: Non privabit bonis eos, qui ambulant in innocentia (Não recusa o bem a quem caminha com retidão. – Sl 83,12). No terceiro lado: Non confundentur in tempore malo: in diebus famis saturabuntur (No tempo da calamidade não serão confundidos, nos dias de fome serão saciados. – Sl 37,19). No quarto: Novit Dominus dies immaculatorum et haereditas eorum in aeternum erit (O Senhor conhece os dias dos inocentes, eterna será sua herança. – Sl 37,18).
            Nos quatro cantos do tapete, em torno de uma magnífica rosácea, estavam quatro outras inscrições: Cum simplicibus sermocinatio eius (Reserva a sua amizade aos íntegros. – Pr 3,32). – Proteget gradientes simpliciter (Será um escudo para os que caminham com integridade. – Pr 2,7) – Qui ambulant simpliciter, ambulant confidenter (Quem vive com integridade anda seguro. – Pr 10,9) – Voluntas eius in iis, qui simpliciter ambulant (O seu agrado está nos que andam com integridade. – Pr 11,20).
            No meio do tapete, esta última inscrição: Qui ambulant simpliciter, salvus erit (Quem vive com integridade será salvo. – Pr 28,18).
            No meio da ribanceira, na borda superior do tapete branco, erguia-se um estandarte branquíssimo sobre o qual também se lia em caracteres de ouro: Fili mi, tu semper mecum es et omnia mea tua sunt (Filho, tu estás sempre comigo e tudo que é meu é teu. – Lc 15,31).
            Se Dom Bosco estava maravilhado ao ver aquele jardim, muito mais atraíam sua atenção duas graciosas donzelas de cerca de doze anos, sentadas na borda do tapete onde a ribanceira formava um degrau. Uma modéstia celestial emanava de todo o seu gracioso comportamento. De seus olhos constantemente fixos no alto transparecia não apenas uma ingênua simplicidade de pomba, mas irradiava uma vivacidade de amor puríssimo, uma alegria de felicidade celestial. Sua fronte aberta e serena parecia a sede da candura e da sinceridade, em seus lábios serpenteava um doce e encantador sorriso. Seus traços manifestavam um coração terno e ardente. Seus graciosos movimentos davam uma tal aura de grandeza e nobreza sobrenatural que contrastava com sua juventude.
            Um vestido branquíssimo descia até seus pés, sobre o qual não se via nem mancha, nem dobras, e nem mesmo um grão de poeira. Os quadris estavam cingidos com um cinto vermelho flamejante com bordas de ouro. Sobre este destacava-se um friso como um laço composto de lírios, violetas e rosas. Um laço semelhante, como se fosse um colar, usavam no pescoço, composto das mesmas flores, mas de forma diferente. Como braceletes, tinham nos pulsos uma fitinha de margaridinhas brancas. Todas essas coisas e essas flores tinham formas, cores, belezas que é impossível descrever. Todas as pedras mais preciosas do mundo, incrustadas com a arte mais requintada, pareceriam lama em comparação.
            Os calçados branquíssimos eram bordados com fita também branca com filetes de ouro, que fazia um bonito nó no meio. Branco também com pequenos fios de ouro era o cordão com o qual estavam amarrados.
            Sua longa cabeleira era presa por uma coroa, que cingia a fronte, e tão densa que fazia ondas sob a coroa e, caindo sobre os ombros, terminava enrolada em cachos.
            Elas haviam começado um diálogo: ora se alternavam falando, ora se interrogavam e ora exclamavam. Ora ambas estavam sentadas; ora uma só estava sentada e a outra em pé; e ora passeavam. Não saíam, porém, nunca daquele tapete branco e não tocavam nem na grama nem nas flores. Dom Bosco, em seu sonho, estava como espectador. Nem ele dirigiu palavras àquelas donzelas, nem as donzelas perceberam sua presença, e uma dizia com um acento suavíssimo:
            – O que é a inocência? O estado afortunado da graça santificante conservada pela constante e exata observância da lei divina.
            E a outra donzela, com voz não menos doce:
            – E a pureza conservada da inocência é fonte e origem de toda ciência e de toda virtude.
            A primeira:
            – Que bilho, que glória, que esplendor de virtude viver bem entre os maus, e entre os malignos conservar a candura da inocência e a suavidade dos costumes.
            A segunda levantou-se e, parando perto da companheira:
            – Bem-aventurado aquele jovem que não segue os conselhos dos ímpios e não se coloca no caminho dos pecadores, mas seu deleite é a lei do Senhor, que ele medita dia e noite. E ele será como árvore plantada junto à torrente das águas da graça do Senhor, que dará a seu tempo o fruto copioso de boas obras: ao soprar do vento não cairá dele folha de santas intenções e de mérito, e tudo o que fizer terá próspero efeito, e cada circunstância da vida cooperará para aumentar seu prêmio. – Assim dizendo, apontava para as árvores do jardim carregadas de frutos belíssimos que espalhavam pelo ar um perfume delicioso, enquanto pequenos riachos limpidíssimos que ora corriam entre duas margens floridas, ora caíam de pequenas cachoeiras, e ora formavam lagoas, banhavam seus troncos, com um murmúrio que parecia o som misterioso de música distante.
            A primeira donzela replicou:
            – Ele é como um lírio entre espinhos que Deus colhe em seu jardim para colocá-lo como ornamento sobre seu coração; e pode dizer ao seu Senhor: O meu Amado pertence a mim e eu a ele: porque ele se nutre entre os lírios. – Assim dizendo, apontava para um grande número de lírios belíssimos que erguiam a cabeça branca entre as ervas e as outras flores, enquanto mostrava ao longe uma altíssima cerca verdejante que cercava todo o jardim. Esta era densa de espinhos e atrás dela viam-se vagar como sombras monstros repugnantes que tentavam penetrar no jardim, mas eram impedidos pelos espinhos daquela cerca.
            – É verdade! Quanta verdade há em tuas palavras! acrescentou a segunda. Bem-aventurado aquele jovem que for encontrado sem culpa! Mas quem será este e lhe daremos louvor? Porque ele fez coisas maravilhosas em sua vida. Ele foi encontrado perfeito e terá glória eterna. Ele poderia pecar e não pecou; fazer o mal e não o fez. Por isso os bens dele estão estabelecidos no Senhor e suas boas obras serão celebradas por todas as congregações dos Santos.
            – E na terra, que glória Deus lhes reserva! Ele os chamará, lhes fará um lugar em seu santuário, os fará ministros de seus mistérios, e um nome eterno lhes dará que nunca perecerá, concluiu a primeira.
            A segunda levantou-se e exclamou:
            – Quem pode descrever a beleza de um inocente? Esta alma está vestida esplendidamente como uma de nós, ornada com a estola branca do santo Batismo. Seu pescoço, seus braços brilham com gemas divinas, tem no dedo o anel da aliança com Deus. Ela caminha leve em sua jornada para a eternidade. Apresenta-se diante dela um caminho repleto de estrelas… É tabernáculo vivo do Espírito Santo. Com o sangue de Jesus que corre em suas veias e ruboriza suas faces e seus lábios, com a Santíssima Trindade no coração imaculado, envia ao seu redor torrentes de luz que a vestem no fulgor do sol. Do alto chovem nuvens de flores celestiais que enchem o ar. Todo ao redor se espalham as suaves harmonias dos anjos que fazem eco à sua oração. Maria Santíssima está ao seu lado pronta a defendê-la. O céu está aberto para ela. Ela se faz espetáculo às imensas legiões dos Santos e dos Espíritos bem-aventurados, que a convidam agitando suas palmas. Deus, entre os inacessíveis fulgores de seu trono de glória, com a mão direita lhe aponta o trono que lhe preparou, enquanto com a esquerda segura a esplêndida coroa que deverá coroá-la para sempre. O inocente é o desejo, a alegria, o aplauso do paraíso. E em seu rosto está esculpida uma alegria inefável. É filho de Deus. Deus é seu Pai. O paraíso é sua herança. Ele está continuamente com Deus. Vê-o, ama-o, serve-o, possui-o, goza dele, tem um raio das delícias celestiais: está em posse de todos os tesouros, de todas as graças, de todos os segredos, de todos os dons e de todas as suas perfeições e de todo o próprio Deus.
            – E é por isso que a inocência nos Santos do Antigo Testamento, nos Santos do Novo, e especialmente nos Mártires se apresenta tão gloriosa. Oh Inocência, quão bela és! Tentada, cresces em perfeição; humilhada, te elevas mais sublime; combatida, triunfas; morta, voas à coroa. Tu és livre na escravidão, tranquila e segura nos perigos, alegre entre as correntes. Os poderosos se inclinam a ti, os príncipes te acolhem, os grandes te buscam. Os bons te obedecem, os malignos te invejam, os rivais te imitam, os adversários sucumbem. E tu sempre conseguirás ser vitoriosa, mesmo quando os homens te condenarem injustamente!
            As duas donzelas fizeram um instante de pausa, como para respirar após um desabafo tão acalorado e então se tomaram pelas mãos e se olharam:
            – Oh, se os jovens soubessem que precioso tesouro é a inocência, como desde o princípio de suas vidas guardariam zelosamente a estola do santo batismo! Mas, infelizmente, não refletem e não pensam o que significa maculá-la. A inocência é um líquido preciosíssimo.
            – Mas está fechado em um vaso de frágil barro e, se não for levado com grande cautela, quebra-se com toda facilidade.
            – A inocência é uma gema preciosíssima.
            – Mas se não se conhece o valor, perde-se e com facilidade se transforma em objeto vil.
            – A inocência é um espelho de ouro que retrata as semelhanças de Deus.
            – Mas basta um pouco de ar úmido para manchá-lo e é preciso mantê-lo envolto em um véu.
            – A inocência é um lírio.
            – Mas o único toque de uma mão áspera o estraga.
            – A inocência é uma veste casta. Omni tempore sint vestimenta tua candida (Que tuas roupas sejam sempre bem cuidadas. Ecl 9,8).
            – Mas uma única mancha basta para deturpá-la; portanto é preciso caminhar com grande precaução.
            – A inocência e a integridade permanecem violadas se forem manchadas por uma única mancha e perdem o tesouro de sua graça.
            – Basta um único pecado mortal.
            – E, uma vez perdida, está perdida para sempre.
            – Que desgraça tantas inocências que se perdem a cada dia! Quando um jovem cai em pecado, o paraíso se fecha: a Virgem Santíssima e o Anjo da guarda desaparecem, cessam as músicas, a luz se eclipsa. Deus não está mais em seu coração, se desvanece o caminho estrelado que ele percorria, cai e permanece em um único ponto como uma ilha no meio do mar, um mar de fogo que se estende até o extremo horizonte da eternidade, que se afunda até a profundidade do caos. Sobre sua cabeça, no céu, relampejam, ameaçadoras, as chamas da divina justiça. Satanás se lançou perto dele, carregou-o de correntes, colocou um pé sobre o pescoço dele e, com a horrenda face levantada, gritou: Venci. Teu filho é meu escravo. Não é mais teu… Acabou para ele a alegria. Se a justiça de Deus, naquele momento, lhe retirar aquele único ponto sobre o qual está, fica perdido para sempre.
            – Ele pode ressurgir! A misericórdia de Deus é infinita. Uma boa confissão lhe devolverá a graça e o título de filho de Deus.
            – Mas não mais a inocência! E quais consequências lhe restarão do primeiro pecado! Ele conhece o mal que antes não conhecia; sentirá terríveis as más inclinações; sentirá a enorme dívida que contraiu com a divina justiça, sentir-se-á mais fraco nas batalhas espirituais. Experimentará o que antes não experimentava: vergonha, tristeza, remorso.
            – E pensar que antes se dizia dele: Deixai que os pequeninos venham a mim. Eles serão como os anjos de Deus no céu. Filho, dá-me o teu coração.
            – Ah, um crime espantoso cometem aqueles desgraçados dos quais é culpa se uma criança perde a inocência. Disse Jesus: Quem escandalizar algum destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe seria que lhe pendurassem ao pescoço uma pedra de moinho e que fosse submerso no profundo do mar. Ai do mundo por causa dos escândalos. Não é possível impedir os escândalos, mas ai daquele por cuja culpa vem o escândalo. Cuidai-vos de desprezar alguns destes pequenos, pois eu vos digo que os seus anjos nos céus veem continuamente o rosto de meu Pai que está nos Céus e pedem vingança.
            – Desgraçados deles! Mas não menos infelizes aqueles que se deixam roubar a inocência.
            E aqui ambas começaram a passear; o tema de seu discurso era qual seria o meio para conservar a inocência.
            Uma dizia:
            – É um grande erro que têm na cabeça os jovens, que a penitência deve ser praticada apenas por quem é pecador. A penitência é necessária também para conservar a inocência. Se São Luís não tivesse feito penitência, teria certamente caído em pecado mortal. Isso deveria ser pregado, inculcado, ensinado continuamente aos jovens. Tantos outros conservariam a inocência, enquanto agora são tão poucos!
            – É o que diz o Apóstolo. Levamos nós sempre por toda parte a mortificação de Jesus Cristo em nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste em nossos corpos.
            – E Jesus santo, imaculado, inocente passou sua vida em privações e dores.
            – Assim Maria Santíssima, assim todos os Santos.
            – E foi para dar exemplo a todos os jovens. Diz São Paulo: Se viverdes segundo a carne, morrereis; se, porém, pelo espírito, mortificardes as ações da carne, vivereis.
            – Portanto, sem penitência não se pode conservar a inocência!
            – E, no entanto, muitos gostariam de conservar a inocência e viver em liberdade.
            – Tolos! Não está escrito: Foi arrebatado, para que a malícia não alterasse seu espírito e a sedução não induzisse sua alma ao erro? Por isso, o fascínio da vaidade obscurece o bem e a vertigem da concupiscência subverte a alma inocente. Portanto, os inocentes têm dois inimigos: as máximas distorcidas e os discursos ímpios dos maus, e a concupiscência. Não diz o Senhor que a morte em tenra idade é prêmio para o inocente, para tirá-lo das lutas? “Porque ele agradou a Deus, foi amado por ele e, porque vivia entre os pecadores, foi transportado para outro lugar. Consumido em breve tempo, completou uma longa carreira. Pois a alma dele era preciosa para Deus, por isso Ele se apressou em tirá-lo do meio das iniquidades. Foi arrebatado para que a malícia não alterasse seu espírito, e a sedução não induzisse sua alma ao erro”.
            – Felizes os meninos se abraçarem a cruz da penitência e, com firme propósito, disserem com Jó: Donec deficiam, non recedam ab innocentia mea (Enquanto eu respirar, não me apartarei da minha inocência. – Jó 27,5).
            – Portanto, mortificação para superar o tédio que eles sentem na oração.
            – E está escrito: Psallam et intelligam in via immaculata. Quando venies ad me? (Vou seguir o caminho da inocência: quando virás a mim? – Sl 100,2). Petite et accipietis (Pedi e recebereis. – Jo 16,24). Pater Noster! (Pai nosso!).
            – Mortificação na inteligência, humilhando-se, obedecendo aos Superiores e às regras.
            – E está escrito também: Si mei non fuerint dominati, tunc immaculatus ero et emundabor a delicto maximo (Também do orgulho salva teu servo, para que não me domine; então serei irrepreensível e imune do grande pecado. – Sl 18,14). E isso é a soberba. Deus resiste aos soberbos e dá graça aos humildes. Quem se humilha será exaltado, quem se exalta será humilhado. Obedeçam aos seus superiores.
            – Mortificação em sempre dizer a verdade, em expor os próprios defeitos e os perigos em que alguém pode se encontrar. Então sempre terá conselho, especialmente do confessor.
            – Pro anima tua ne confundaris dicere verum – por amor da tua alma, não te envergonhes de dizer a verdade (cf. Eclo 4,24). Porque há uma vergonha que traz consigo o pecado, e há uma vergonha que traz consigo a glória e a graça.
            – Mortificação no coração, freando seus impulsos inconscientes, amando a todos por amor de Deus e afastando-se resolutamente de quem percebemos que está tentando nossa inocência.
            – Jesus disse isto. Se a tua mão ou o teu pé te serve de escândalo, corta-os e lança-os longe de ti: é melhor para ti entrar na vida com um pé ou uma mão a menos, do que com ambas as mãos e ambos os pés ser lançado no fogo eterno. E se o teu olho te serve de escândalo, arranca-o e lança-o longe de ti; é melhor para ti entrar na vida com um só olho do que com dois olhos ser lançado no fogo do inferno.
            – Mortificação em suportar corajosa e francamente as zombarias do respeito humano. Exacuerunt, ut gladium, linguas suas: intenderunt arcum, rem amaram, ut sagittent in occultis immaculatum (Afiam sua língua como espada, lançam como flechas palavras amargas, para ferir às ocultas o inocente. – Sl 63,4-5).
            – E vencerão este maligno que zomba temendo ser descoberto pelos Superiores, pensando nas terríveis palavras de Jesus: Quem se envergonhar de mim e das minhas palavras, o Filho do homem se envergonhará dele quando vier com a sua majestade e a do Pai e dos santos Anjos.
            – Mortificação nos olhos, no olhar, nas leituras, fugindo de toda leitura má ou inconveniente.
            – Um ponto essencial. Fiz pacto com meus olhos de não pensar nem mesmo em uma virgem. E nos salmos: Volta os olhos para que não vejam a vaidade.
            – Mortificação do ouvido e não ouvir discursos maus, ou melosos, ou ímpios.
            – Lê-se no Eclesiástico: Saepi aures tuas spinis, linguam nequam non audire (Eclo 28,28). Cerca os teus ouvidos com espinhos e não queiras ouvir a língua perversa.
            – Mortificação ao falar: não se deixar vencer pela curiosidade.
            – Está também escrito: Toma cuidado para que não venhas a escorregar com a língua e não caias à vista dos inimigos que te espreitam, e tua queda não seja incurável nem mortal. (Eclo 28,25-26).
            – Mortificação da gula: não comer, não beber demais.
            – O excesso de comida, o excesso de bebida trouxe o dilúvio universal sobre o mundo e o fogo sobre Sodoma e Gomorra, e mil castigos sobre o povo hebreu.
            – Mortificar-se, em suma, em sofrer o que nos acontece ao longo do dia, frio, calor, e não buscar nossas satisfações. Mortificai vossos membros terrenos (cf. Cl 3,5).
            – Lembrar-se do que Jesus impôs: Si quis vult post me venire, abneget semetipsum et tollat crucem suam quotidie et sequatur me (Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. – Lc 9,23).
            – E Deus mesmo, com sua mão providente, cinge de cruzes e espinhos seus inocentes, como fez com Jó, José, Tobias e outros Santos. Quia acceptus eras Deo, necesse fuit, ut tentatio probaret te (Porque eras aceito por Deus, foi necessário que a tentação te provasse. – cf. Tb 12,13).
            – O caminho do inocente tem suas provas, seus sacrifícios, mas tem a força na Comunhão, porque quem comunga frequentemente tem a vida eterna, está em Jesus e Jesus nele. Ele vive da mesma vida de Jesus, será ressuscitado por ele no último dia. Este é o trigo dos eleitos, o vinho que faz germinar os virgens. Parasti in conspectu meo mensam adversus eos, qui tribulant me. (Diante de mim, preparas uma mesa aos olhos de meus inimigos. – Sl 23,5). Cadent a latere tuo mille et decem millia a dextris tuis, ad te autem non appropinquabunt (Cairão mil ao teu lado e dez mil à tua direita, mas nada te poderá atingir. – Sl 91,7).
            – E a Virgem dulcíssima amada por ele é sua Mãe. Ego mater pulchrae dilectionis et timoris et agnitionis et sanctae spei. In me gratia omnis (para conhecer) viae et veritatis; in me omnis spes vitae et virtutis. (Sou a mãe do belo amor e do temor, do conhecimento e da santa esperança. Em mim está toda a graça do caminho e da verdade. – Eclo 24,24-25). Ego diligentes me diligo (Amo aqueles que me amam. – Pr 8,17). Qui elucidant me, vitam aeternam habebunt (Os que me tornam conhecida terão a vida eterna. – Eclo 24,31). Terribilis, ut castrorum acies ordinata (terrível como um exército em linha de batalha. – Ct 6,4).
            As duas donzelas então se voltaram e subiam lentamente a encosta. E uma exclamava:
            – A salvação dos justos vem do Senhor, é ele o seu refúgio no tempo da desgraça. O Senhor os ajuda e os livra; livra-os dos ímpios e os salva, pois nele buscam refúgio. (Sl 36,39-40).
            – E a outra prosseguia:
            – Deus me cingiu de robustez e o caminho que eu trilho torna-se imaculado.
            Chegando as duas donzelas em meio àquele magnífico tapete, se voltaram.
            – Sim, gritou uma, a inocência coroada pela penitência é a rainha de todas as virtudes.
            E a outra exclamou também:
            – Quão gloriosa e bela é a geração casta! A memória dela é imortal e é conhecida diante de Deus e diante dos homens. O povo a imita quando ela está presente, e a deseja quando ela partiu para o céu, e, coroada, triunfa na eternidade, vencendo o prêmio das lutas castas. E que triunfo! E que alegria! E que glória em apresentar a Deus imaculada a estola do santo batismo após tantas lutas entre os aplausos, os cânticos, o fulgor dos exércitos celestiais!
            Enquanto assim falavam do prêmio que está preparado para a inocência conservada pela penitência, Dom Bosco viu aparecer esquadrões de anjos que, descendo, pousavam sobre aquele tapete branco. E se uniam àquelas duas donzelas, ocupando o lugar do meio. Era uma grande multidão. E cantavam: Benedictus Deus et Pater Domini Nostri Jesu Christi, qui benedixit nos in omni benedictione spirituali in coelestibus in Christo; qui elegit nos in ipso ante mundi constitutionem, ut essemus sancti et immaculati in conspectu eius in charitate et praedestinavit nos in adoptionem per Jesum Christum (Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda bênção espiritual nos céus, em Cristo. Nele, Deus nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e íntegros diante dele, no amor. Ele nos predestinou à adoção como filhos, por obra de Jesus Cristo. – Ef 1,3-5). As duas meninas então começaram a cantar um hino maravilhoso, mas com tais palavras e tais notas que apenas aqueles anjos que estavam mais próximos do centro podiam modular. Os outros também cantavam, mas Dom Bosco não podia ouvir suas vozes, embora fizessem gestos e movessem os lábios moldando a boca para o canto.
            As meninas cantavam: Me propter innocentiam suscepisti et confirmasti me in conspectu tuo in aeternum. Benedictus Dominus Deus a saeculo et usque in saeculum; fiat fiat! (Pela minha integridade me sustentas e me fazes ficar na tua presença para sempre. Seja bendito o Senhor, Deus de Israel, desde sempre e para sempre. Amém, amém. – Sal 40,13-14).
            Enquanto isso, às primeiras fileiras de Anjos se juntavam outras e depois outras continuamente. O vestuário deles era variado em cores, em ornamentos, diferentes uns dos outros e especialmente daquele das duas donzelas. Mas a riqueza e a magnificência eram divinas. A beleza de cada um deles era tal que a mente humana nunca poderá conceber uma sombra, por mais distante que seja. Todo o espetáculo desta cena não pode ser descrito, mas à força de adicionar palavra a palavra, pode-se de alguma forma explicar confusamente o conceito.
            Terminada a canção das duas meninas, ouviu-se cantar todos juntos um cântico imenso e tão harmonioso que igual não se ouviu e nunca se ouvirá na terra. Eles cantavam:
            Ei, qui potens est vos conservare sine peccato et constituere ante conspectum gloriae suae immaculatos in exultatione, in adventu Domini nostri Jesu Christi: Soli Deo Salvatori nostro, per Jesum Christum Dominum nostrum, gloria et magnificentia, imperium et protestas ante omne saeculum, et nunc et in omnia saecula saeculorum. Amen (Àquele que é capaz de guardar-vos sem pecado e de apresentar-vos irrepreensíveis e jubilosos perante a sua glória, ao
Deus único, que nos salva por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor: glória, majestade, domínio e poder, desde antes de todos os séculos e agora e por todos os séculos. Amém. – Jd 24-25).
            Enquanto cantavam, sempre novos anjos chegavam e, quando o cântico terminou, aos poucos todos juntos se elevaram e desapareceram com toda a visão. – E Dom Bosco acordou.
(MB XVII, 722-730)