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No trecho a seguir, Dom Bosco, fundador do Oratório de Valdocco, conta aos seus jovens um sonho que teve entre 29 e 30 de maio de 1867 e narrou na noite do Domingo da Santíssima Trindade. Numa planície sem fim, rebanhos e cordeiros tornam-se alegoria do mundo e dos jovens: prados exuberantes ou desertos áridos figuram a graça e o pecado; chifres e feridas denunciam escândalo e desonra; o número “3” prenuncia três fomes – espiritual, moral, material – que ameaçam quem se afasta de Deus. Do relato brota o apelo urgente do santo: guardar a inocência, voltar à graça com a penitência, para que cada jovem possa revestir-se das flores da pureza e participar da alegria prometida pelo bom Pastor.
No domingo da Santíssima Trindade, 16 de junho, em que Dom Bosco há vinte e seis anos atrás tinha celebrado sua primeira missa, os jovens estavam na expectativa do sonho, cuja narração havia sido anunciada no dia 13. Seu ardente desejo era o bem espiritual da grei, e sua norma, as admoestações e as promessas do livro dos Provérbios, 27, 23-25: Diligentes agnosce vultum pecoris tui, tuosque greges considera: non enim habebis iugiter potestatem: sed corona tribuetur in generationem et generationem. Aperta sunt prata, et apparuerunt herbae virentes, et collecta sunt foena de montibus (Com diligência reconhece o aspecto das tuas ovelhas e dá atenção aos teus rebanhos, pois nem sempre poderás fazê-lo e a coroa não passa de geração a geração! Roçaram-se os prados, apareceu a erva verde e foi recolhido o feno dos montes)… Nas suas orações pedia para conhecer bem as ovelhas, para ter a graça de vigiar com atenção, e garantir-lhes a guarda também após sua morte, vê-las providas de fácil e conveniente alimento espiritual e material. Então, depois das orações da noite, Dom Bosco falou assim:
Numa das últimas noites do mês de Maria, estando na cama e não conseguindo dormir, pensando nos meus queridos jovens, dizia para mim mesmo:
– Que bom se pudesse sonhar algo que fosse para o bem deles! Fiquei algum tempo refletindo e resolvi:
– Sim, agora eu quero sonhar em favor de meus jovens.
E eis que adormeci. Mal peguei no sono, me vi numa imensa planície cheia de infinita quantidade de grandes ovelhas, as quais, divididas em rebanhos, pastavam em prados extensos a perder de vista. Quis me aproximar delas e pus-me a procurar o pastor, cheio de espanto em imaginar que pudesse existir alguém no mundo dono de tantas ovelhas. Procurei por pouco tempo e me vi diante de um pastor apoiado em seu cajado.
Apressei-me a interrogá-lo, perguntando-lhe:
– A quem pertence este rebanho tão numeroso?
O pastor não respondeu. Repeti a pergunta; então me falou:
– Que interesse tem o senhor em saber?
– E por que – acrescentei – me responde desta maneira?
– Está bem, este rebanho é de seu dono.
– De seu dono? Isso eu já sabia – falei para mim mesmo. Porém continuei em voz alta:
– Quem é esse dono?
– Não se incomode – respondeu-me o pastor – sabê-lo-á.
Então, andando com ele por aquele vale, pus-me a examinar o rebanho, por todos os lugares por onde vagava. Em certos locais, o vale estava coberto por rica vegetação, com árvores que estendiam grandes copas com agradáveis sombras e gramados novíssimos nos quais belas e vigorosas ovelhas pastavam. Em outras partes a planície era estéril, arenosa, cheia de pedras com espinheiros sem folhas, gramíneas amareladas, não existindo sequer um fio de capim verde. Apesar disso, também aqui outras ovelhas pastavam, mas com miserável aparência.
Eu pedia que meu guia me explicasse várias coisas a respeito de seu rebanho. Sem nada me responder às minhas perguntas, me disse:
– Você não é destinado para elas. Não pense nestas. Vou conduzi-lo ao rebanho do qual você deve cuidar.
– Mas você, quem é?
– Sou o dono. Venha comigo para observar lá, daquele lado.
Conduziu-me a outro lugar da planície onde havia milhares e milhares somente de cordeirinhos. Eram tão numerosos que não dava para contá-los. Eram tão magros que mal e mal podiam andar. O campo estava seco, árido e arenoso; não se via um fiapo de capim verde, um regato. Somente algum raminho ressequido e moitas secas. Toda pastagem havia sido destruída pelos próprios cordeirinhos.
Notava-se à primeira vista que esses coitados cordeirinhos, cobertos de feridas, tinham sofrido muito, continuavam sofrendo. Coisa estranha! Cada um tinha dois chifres compridos e grossos na testa, como se fossem carneiros velhos. Na ponta dos chifres havia um apêndice em forma de “S”. Maravilhado, fiquei perplexo com este estranho apêndice. Não entendia porque esses cordeirinhos já tinham chifres tão compridos e grossos e tivessem destruído tão rapidamente toda a pastagem.
– Como se explica isto? – Falei ao pastor. – Esses cordeirinhos são tão pequenos e já com chifres assim?
– Olhe – respondeu-me; – observe.
Observando com mais atenção, vi que esses cordeirinhos carregavam enigmaticamente muitos números “3” estampados em todas as partes do corpo: no lombo, na cabeça, no focinho, nas orelhas, no nariz, nas pernas, nos cascos.
– Mas, o que isto significa? – Exclamei. – Não entendo nada.
– Como não entende? – Disse-me o pastor. – Então ouça e compreenderá tudo. Esta enorme planície é o mundo. Os locais revestidos de ervas, a palavra de Deus e sua graça. Os locais estéreis e áridos são onde não se ouve a palavra de Deus, procurando-se somente os prazeres do mundo. As ovelhas são os adultos; os cordeirinhos são os jovens; para estes Deus enviou Dom Bosco. Este ângulo da planície que você vê é o Oratório; os cordeirinhos aí reunidos são os seus meninos. Este lugar árido significa o estado de pecado. Os chifres significam a desonra. A letra “S” quer dizer scandalo (escândalo). Com o mau exemplo se dirigem para a ruína. No meio desses cordeirinhos há alguns com os chifres quebrados; foram escandalosos, e agora pararam de dar escândalo. O número “3” significa que carregam o castigo da culpa. Quer dizer que sofrerão três grandes carências: carência espiritual, moral, material. 1º A carência de auxílios espirituais; pedirão esta ajuda, e não a terão. 2º Carência da palavra de Deus. 3º Carência de pão material. O fato de os cordeirinhos terem comido tudo, quer dizer que nada mais lhes resta senão a desonra. O número “3” são as três ausências. Esse espetáculo mostra também os sofrimentos de muitos jovens no meio do mundo. No Oratório não falta pão material, também para os que seriam indignos.
Enquanto eu ouvia e observava tudo como que esquecido, nova maravilha
aparece. Todos os cordeirinhos mudam de aparência.
Ergueram-se sobre as patas traseiras ficando altos e tomando a forma de outros tantos jovens do Oratório. Aproximei-me para ver se conhecia algum. Todos eram alunos do Oratório. Muitos deles nunca os tinha visto, porém, todos afirmavam serem filhos do nosso Oratório. Entre os que eu não conhecia havia alguns poucos que presentemente estão no Oratório. São os que nunca se apresentam a Dom Bosco, que nunca vão buscar conselho com ele, os que fogem dele. Numa palavra, aqueles que Dom Bosco não conhece ainda! Entretanto, a maioria dos desconhecidos era dos que não foram nem estão ainda no Oratório.
Enquanto, com pena, observava essa multidão, quem me acompanhava tomou-me pela mão e me disse: – Venha comigo e verá outras coisas. – Conduziu-
-me a um canto remoto do vale, circundado por pequenas colinas, cercado por uma sebe de plantas viçosas, onde havia um grande prado verdejante, o mais agradável que se pode imaginar, cheio de toda espécie de ervas aromáticas, disseminado de flores campestres, com viçosas moitas e correntes de águas límpidas. Aqui encontrei outro imenso número de filhos, todos alegres, os quais com flores tinham-se feito ou estavam fazendo linda roupagem.
– Você tem ao menos esses que lhe dão grande satisfação.
– Quem são? – Perguntei.
– São os que estão na graça de Deus.
Ah, posso dizer que nunca vi coisas e pessoas tão bonitas e esplêndidas. Nem podia imaginar tais resplendores. É inútil que eu queira descrevê-los, pois seria impossível falar sem estar vendo. Porém, estava reservado um espetáculo mais surpreendente. Enquanto observava com grande alegria esses jovens, e entre eles via muitos que não conhecia ainda, meu guia acrescentou:
– Venha, venha comigo, e lhe mostrarei algo que lhe fará grande alegria e consolação maior. – Conduziu-me a outro campo completamente tomado das mais raras e perfumadas flores nunca vistas. Seu aspecto era como um jardim principesco. Aqui se via uma quantidade não tão grande de jovens, entretanto de extraordinária formosura e esplendor de maneira a fazer desaparecer os que há pouco eu tinha admirado. Alguns desses já estão aqui no Oratório, outros virão mais tarde.
O pastor me falou:
– Esses são os que conservam o lindo lírio da pureza. Estão ainda vestidos com a estola da inocência.
Olhava extático. Quase todos tinham na cabeça um coroa de flores indescritivelmente lindas. Estas flores eram formadas de outras minúsculas flores de surpreendente delicadeza. As cores eram de encantadora vivacidade e variedade, mais de mil cores numa única flor. Numa só flor se viam mil flores. Uma veste de deslumbrante brancura lhes descia até aos pés, também toda tecida de guirlandas de flores, semelhantes às da coroa. A luz que saía dessas flores revestia toda a pessoa e espelhava nela toda a alegria. As flores se refletiam umas nas outras, aqueles das coroas naquelas das guirlandas, reverberando cada uma os raios emitidos pelas outras. Um raio de uma cor, quebrando-se com raio de outra cor, formava outros novos raios, diferentes, brilhantes. Assim, de cada raio eram reproduzidos outros novos raios, de forma que eu nunca teria podido imaginar que no céu houvesse tantos variados encantos. Isto não é tudo. Os raios e as flores da coroa de uns se refletiam nas flores e nos raios da coroa de todos os outros: igualmente as guirlandas e o esplendor da veste de um refletiam-se nas guirlandas e vestes dos outros. E depois, os esplendores do rosto de um jovem, ricocheteando, se fundiam com os do rosto dos companheiros, de modo que, reverberando sobre todos aqueles rostinhos inocentes e redondos, produziam luz tão forte que ofuscava a visão e impedia de fixar o olhar.
Desta forma, em um só se concentravam as belezas de todos os outros companheiros com inefável harmonia de luz! Era a afortunada glória dos santos. Não há imagem humana para descrever, nem que seja fracamente, como estava belo cada um dos jovens no meio do oceano de esplendores. Entre estes observei alguns em particular, que hoje estão no Oratório. Tenho certeza que se pudessem contemplar ao menos um décimo de sua beleza atual, estariam prontos a sofrer o fogo, a se deixar cortar em pedaços, enfim, a ir ao encontro do mais atroz martírio para não perdê-la.
Assim que pude me recuperar deste espetáculo celeste, voltei-me para o pastor e disse:
– Então, entre tantos, meus jovens, são tão poucos os inocentes? São tão poucos os que nunca perderam a graça de Deus?
O pastor respondeu:
– Como? Não lhe parece bastante este elevado número? De mais, os que tiveram a desgraça de perder o lindo lírio da pureza, e com este a inocência, podem ainda seguir seus companheiros na penitência. O senhor vê lá? Naquele campo se encontram ainda muitas flores. Pois bem, eles podem fazer-se uma coroa e uma veste belíssima e acompanhar ainda os inocentes na glória.
– Sugira-me ainda alguma coisa para eu falar aos meus jovens – disse eu.
– Repita a seus jovens, que se soubessem como são belas a inocência e a pureza aos olhos de Deus, estariam prontos a fazer qualquer sacrifício para conservá-la. Diga-lhes que criem coragem para praticar esta virtude cândida, que supera as outras em beleza e esplendor. Pois os castos são os que crescunt tanquam lilia in conspectu Domini (Crescem como lírios na presença do Senhor).
Então quis me dirigir para o meio daqueles meus caríssimos, tão singularmente coroados, mas tropecei no terreno e, acordando, estava na cama.
Meus filhos, vocês são todos inocentes? Talvez alguns de vocês sejam. A estes dirijo minhas palavras. Não percam, por caridade, esta virtude de valor inestimável! É uma riqueza que tem o mesmo valor do Paraíso, o mesmo valor de Deus! Se vocês tivessem visto como eram belos esses jovens com suas flores. O conjunto desse espetáculo era tal que eu daria qualquer coisa do mundo para usufruir ainda dessa vista; mais, se fosse pintor, consideraria uma grande graça conseguir pintar de alguma maneira o que vi. Se soubessem como é a beleza de um inocente, se sujeitariam a qualquer grande esforço, até à morte, para conservar o tesouro da inocência.
O número dos que tinham voltado à graça, apesar de me terem dado contentamento, contudo eu esperava que fosse mais alto. Fiquei maravilhado ao ver que alguns que aqui na aparência parecem bons jovens, lá tinham os chifres compridos e grossos…
Dom Bosco encerrou com calorosa exortação para aqueles que tinham perdido a inocência, a fim de que se esforçassem com toda a vontade a recuperar a graça por meio da penitência.
Dois dias depois, em 18 de junho, subia à cátedra e explicava um pouco o sonho.
Não haveria necessidade de explicar o sonho, porém repetirei o que já falei. A grande planície é o mundo e também os lugares e a região de onde foram chamados para cá todos os nossos jovens. O lugar onde estavam os cordeirinhos é o Oratório. Os cordeirinhos são todos os jovens que estiveram, presentemente estão e estarão no Oratório. Os três prados nesse lugar, o árido, o verdejante, o florido, significam a situação de pecado, o estado de graça e o estado de inocência. Os chifres dos cordeirinhos são os escândalos dados no passado. Havia os que tinham os chifres quebrados; estes foram escandalosos, agora, porém, pararam de dar escândalo. Os enigmas “3”, estampados em cima de cada cordeirinho, são como aprendi do pastor, três castigos que o Senhor enviará para os jovens: 1 º Carência de auxílios espirituais. 2º Carência moral, isto é, falta de instrução religiosa e da palavra de Deus. 3º Carência material, quer dizer, falta de alimento. Os jovens reluzentes são os que estão na graça de Deus, sobretudo os que ainda conservam a inocência batismal e a bela virtude da pureza. Que glória os aguarda!
Disponhamo-nos, então, caros jovens, corajosamente a praticar a virtude.
Quem não está na graça de Deus coloque-se de boa vontade e, depois, com todas as suas forças e a ajuda de Deus, persevere até a morte. Se nem todos pudermos estar na companhia dos inocentes fazendo coroa ao Cordeiro Imaculado, Jesus, ao menos possamos segui-lo depois deles.
Um me perguntou se ele estava entre os inocentes, e eu lhe disse que não; que tinha os chifres, mas quebrados. Perguntou-me ainda se estava com feridas; respondi-lhe que sim.
– E o que significam essas feridas? – Acrescentou.
Respondi: – Não tenha medo. Estão tratadas, desaparecerão. Essas feridas agora não são mais de desonra, como as cicatrizes não trazem desonra a quem esteve no combate. Este, apesar de tantas feridas, perseguição e esforços do inimigo, soube vencer e conseguir a vitória. São, portanto, cicatrizes de honra!… Mas, tem mais honra quem, lutando no meio dos inimigos, fica sem nenhuma ferida. Sua incolumidade provoca a maravilha em todos.
Ao explicar este sonho, Dom Bosco afirmou que não levará muito tempo até que esses três males se façam sentir: – Peste, fome e falta de meios para trazer-nos o bem.
Acrescentou que não passarão três meses sem que aconteça algo de particular.
Este sonho produziu impressão nos jovens, com os frutos obtidos como tantas outras exposições similares.
(MB IT VIII 839-845 / MB PT VIII 903-909)