A fé, nosso escudo e nossa vitória (1876)

“Quando me dediquei a esta parte do sagrado ministério, tive a intenção de consagrar todo o meu esforço para a maior glória de Deus e para o benefício das almas; tive a intenção de trabalhar para formar bons cidadãos nesta terra, para que um dia fossem dignos habitantes do céu. Que Deus me ajude a continuar assim até o último suspiro da minha vida.” (Dom Bosco)

            Os jovens, e não somente eles, esperavam avidamente a narração do sonho; Dom Bosco manteve a promessa, mas com um dia de atraso, na “boa noite” do dia 30 de junho, solenidade de “Corpus Domini”. Começou desta maneira: – “Alegro-me em revê-los. Oh! Quantos rostos angélicos eu tenho na minha frente e todos voltados para mim (risada geral). Pensei que narrando-lhes este sonho lhes causaria medo! Se também eu tivesse um rosto angélico, poderia dizer-lhes: Olhem para mim! E então se dissiparia todo o medo de vocês. Mas infelizmente não sou mais que barro, como são vocês. Porém, somos obra de Deus e posso dizer com São Paulo que vocês são gaudium meum et corona mea; vocês são o meu consolo e a minha coroa. Porém, não é para se maravilhar se na coroa houver algum Gloria Patri um tanto rude. Mas vamos ao sonho. Eu não queria contá-lo por temor de amedrontá-los; mas depois pensei: Um pai nada deve manter oculto a seus filhos, tanto mais se esses, naquilo que ele sabe, têm interesse e devem saber o que o pai conhece e faz. Por isso decidi contá-lo com todos os seus particulares; mas peço-lhes não dar-lhe senão a importância que se dá a um sonho, e cada um o tome na parte que mais lhe agrada e que é mais salutar. Saibam, pois, que o sonho se faz dormindo (risada geral). Porém, saibam também que este sonho não o tive agora; foi há uns quinze dias atrás, exatamente quando vocês terminavam os seus exercícios. Há muito tempo que eu rezava pedindo ao Senhor que me fizesse conhecer o estado da alma dos meus jovens e o que se pudesse fazer para o seu maior progresso na virtude e para erradicar de seus corações certos vícios. Especialmente nestes exercícios espirituais eu estava pensativo por esse motivo. Agradecendo ao Senhor, estes exercícios correram verdadeiramente bem, seja por parte dos estudantes como dos aprendizes. Mas o Senhor não se deteve aqui nas suas misericórdias. Ele quis ajudar-me de modo que eu pudesse ler nas consciências dos jovens, exatamente como se lesse num livro; e o que é mais admirável, vi não somente o estado presente de cada um, mas as coisas que a cada um aconteceriam no futuro. E isto de modo preciso, também para mim extraordinário; porque jamais me acontecia que eu visse de modo semelhante, tão bem, tão claro, tão evidente nas coisas futuras e nas consciências dos jovens. Foi esta a primeira vez. Eu havia pedido muito a Maria Santíssima que quisesse me conceder a graça, que nenhum de vocês tivesse o demônio no coração, e espero que também isto me tenha sido concedido; pois tenho motivos para crer que todos vocês me tenham revelado a própria consciência. Estando eu com esses pensamentos e pedindo ao Senhor que me fizesse conhecer o que pudesse favorecer e prejudicar a saúde da alma dos meus queridos jovens, fui para a cama, e eis que tive um sonho que lhes narrarei”.
            O preâmbulo inicia com um sentimento habitual de profunda humildade; mas desta vez termina em uma afirmação de tal natureza, que exclui toda dúvida a respeito do caráter sobrenatural do fenômeno. O sonho poderia intitular-se: A fé, nosso escudo e nossa vitória.
            Pareceu-me estar no Oratório com os meus jovens, que formam a minha glória e a minha coroa. Estava anoitecendo. Enxergava-se ainda, mas não mais tão claramente. Eu, saindo aqui dos pórticos, estava me dirigindo à portaria; mas um imenso número de jovens me rodeava, como vocês costumam, porque somos amigos. Uns tinham vindo para cumprimentar-me, outros para dizer-me alguma coisa. Eu dirigia uma palavra a este e uma para aquele. Assim, lentamente chegara ao meio do pátio; quando eu ouço ai! ai! lamentosos e prolongados e um ruído imenso, misturado com altos gritos de jovens e berros ferozes que vinham da portaria. Os estudantes ao ouvir aquele insólito tumulto voam para ver; mas depressa, junto com os aprendizes apavorados, os vi fugir precipitadamente, gritando e correndo em nossa direção. Muitos aprendizes passaram pela porta do fundo do pátio.
            Mas crescendo ainda mais os gritos com acentos de dor e desespero, eu ansiosamente perguntava a todos o que tinha acontecido. E procurava adiantar-me para auxiliar onde fosse necessário. Mas os jovens aglomerados ao meu redor me detinham. Então eu:
            – Mas deixem-me ir ver o que causa tanto susto.
            – Não, não, pelo amor de Deus! – me diziam; não vá adiante; venha, venha, venha para trás; há um monstro que o devorará; fuja, fuja conosco; não vá lá embaixo.
            Quis, todavia, ver o que havia ali e, libertando-me dos jovens, andei um pouco no pátio dos aprendizes enquanto todos os jovens gritavam:
            – Veja, veja!
            – O que é?
            – Veja lá no fundo!
            Virei-me daquela parte e vi um monstro que de início pareceu-me um gigantesco leão, que não existe igual na terra. Fixei-o com atenção. Era repugnante, tinha o aspecto como de urso, porém mais feroz e horroroso. A parte de trás, ao invés, em proporção aos outros membros, era pequena, mas as espáduas anteriores eram muito largas, assim como o estômago. A sua cabeça era enorme e a sua boca tão imensa e aberta, que parecia feita para devorar a gente em um bocado. Dela saíam fora dois enormes dentes, pontudos e bem compridos como de espadas afiadas.
            Eu logo me afastei e voltei ao meio dos jovens que me pediam conselho muito ansiosos; mas nem mesmo eu estava livre do susto e me encontrava não pouco perturbado. Entretanto respondi:
            – Gostaria de poder dizer-lhes o que devem fazer; mas não o sei. Contudo reunamo-nos debaixo dos pórticos.
            Enquanto falava, o urso entrava no segundo pátio e avançava em nossa direção com passo pesado e lento como quem está seguro da presa que quer fazer. Nós recuamos aterrorizados até que nos encontramos aqui sob os pórticos. Os jovens se apertavam ao meu redor. Todos os olhos estavam fixos em mim.
            – Dom Bosco, o que devemos fazer? – diziam-me. E eu também olhava os jovens, mas silencioso, não sabendo que decisão tomar. Finalmente exclamei:
            – Voltemo-nos para lá, para o fundo dos pórticos, para a imagem de Nossa Senhora; coloquemo-nos de joelhos, peçamos a ela com a maior devoção possível, fervorosamente, para que ela nos diga o que devemos fazer nestes momentos, faça-nos conhecer quem seja este monstro; venha em nosso auxílio e nos livre. Se for um animal feroz, de qualquer maneira entre todos juntos procuraremos matá-lo; se é um demônio, Maria nos socorrerá. Não tenham medo! A Mãe celeste cuidará de nossa salvação.
            No momento o urso continuava a aproximar-se lentamente e quase se arrastava pelo chão em ato de tomar fôlego para agredir.
            Ajoelhamo-nos e começamos a rezar. Transcorreram poucos minutos de grande aflição. A fera havia chegado tão perto a ponto de poder com um arremesso cair-nos em cima. Eis que não sei como, nem quando, vimo-nos todos no refeitório dos clérigos.
            No meio destes via-se Nossa Senhora que tinha semelhança, não sei bem se com a estátua que está aqui sob os pórticos, ou com aquela do refeitório, ou com aquela que está colocada na cúpula, ou com aquela que está na igreja. Mas seja como for, o fato é que estava toda resplandecente de uma luz muito viva e iluminava todo o refeitório, ampliado cem vezes mais, tanto em amplidão como em altura, com um sol em pleno meio dia. Estava rodeada de bem-aventurados e de anjos, de modo que aquela sala parecia um paraíso. Os seus lábios moviam-se como se quisesse falar, para dizer alguma coisa.
            Nós aqui no refeitório éramos em número extraordinário. Nos nossos corações, junto com o susto penetrou o estupor. Os olhos de todos estavam fixos em Nossa Senhora que, com voz muito doce, nos assegurou:
            – Não tenham medo, disse; tenham fé; esta é apenas uma prova que lhes quer fazer o meu divino Filho.
            Observei então atentamente aqueles que, fulgurantes de glória, faziam coroa à Santa Virgem, e reconheci o P. Alasonatti, P. Rufino, um certo Miguel, irmão das Escolas Cristãs, que algum de vocês terá conhecido, e meu irmão José; e outros que foram antigamente do nosso Oratório, pertencentes à Congregação e agora estão no paraíso. Com estes vi alguns outros que estão ainda vivos.

***

            Quando eis que um deles, que faziam corte a Nossa Senhora, diz em alta voz: Surgamus! Levantemo-nos!
            Nós estávamos em pé e não sabíamos o que nos indicasse aquele aviso, e dizíamos: – Mas como, – Levantar-nos? Se já estamos todos de pé? – Levantemo-nos! – repetiu mais forte a mesma voz. Os jovens firmes e atônitos haviam se voltado para mim, esperando um aceno meu; e não sabiam o que fazer. Eu me voltei para lá, de onde havia partido aquele som e disse:
            – Mas como fazer? O que quer dizer levantemo-nos, se já estamos todos de pé?
            E aquela voz me respondeu com mais força: Levantemo-nos! Eu não sabia encontrar a razão desta ordem que não entendia.
            Então um daqueles que estavam com a Bem-aventurada Virgem dirigiu-se a mim, que estava em cima de uma mesa para dominar toda aquela multidão, e assim começou a dizer com voz admiravelmente forte, enquanto os jovens estavam atentos:
            – E você que é padre deveria entender este levantemo-nos. Quando celebra a Santa Missa não diz todos os dias “corações ao alto”? Entende-se talvez com isso levantar-se materialmente ou então elevar ao céu os afetos do coração a Deus?
            Eu logo gritei aos jovens:
            – Vamos, vamos, filhinhos, revivemos, fortifiquemos nossa fé, elevemos os nossos corações a Deus, façamos um ato de amor e de arrependimento; façamos um esforço de vontade para rezar com vivo fervor, confiemos em Deus. E fiz um sinal e todos nos ajoelhamos.
            Um momento após, enquanto nós rezávamos em voz baixa, com ardor cheio de confiança, uma voz se fez ouvir de novo: Surgite (Levantem-se)! Ficamos todos de pé e nos sentimos levantar sensivelmente do chão por uma força sobrenatural e subimos, eu não sei dizer quanto, mas sei bem que estávamos todos no alto. Não saberia nem mesmo dizer em cima de que pousassem os nossos pés. Recordo-me de que eu me encontrava comprimido entre a armação ou parapeito de uma janela. Todos os jovens depois escalavam as janelas e as portas. Quem se agarrava daqui, quem se agarrava de lá; alguns em barras de ferro, outros em pregos robustos, alguns na moldura da abóbada. Estávamos todos elevados no ar e eu estava pasmo que não caíssemos no chão.
            E eis que aquele monstro, que havíamos visto no pátio, entrou na sala seguido por uma inumerável quantidade de animais de várias espécies, mas todos ferozes. Vagavam aqui e acolá pelo refeitório, soltavam urros horríveis, pareciam ávidos de combate, parecia que a todo o momento estivessem prontos para lançar-se com um pulo em cima de nós. Mas eles ainda não estavam tentando atacar-nos. Olhavam-nos, porém, levantando o focinho com olhar sanguíneo. Nós, do alto, estávamos observando-os e eu, tendo-me comprimido àquela janela: – Se caísse, dizia comigo mesmo, que suplício horrível fariam comigo!

***

            Enquanto estávamos naquela estranha posição, saiu uma voz da Nossa Senhora que cantava as palavras de São Paulo: Sumite ergo scutum fidei enexpugnabile (Empunhai o escudo inexpugnável da fé – Ef 6,16). Era um canto tão harmonioso, tão unido, de melodia tão sublime, que nós estávamos como em êxtase. Ouviam-se todas as notas da mais baixa à mais alta e parecia que cem vozes cantavam em uma só.
            Nós estávamos ouvindo este canto de paraíso, quando vimos sair do lado de Nossa Senhora muitos jovens encantadores, com asas e descidos do céu. Aproximaram-se de nós trazendo escudos na mão e colocavam um no coração de cada um de nossos jovens. Todos aqueles escudos eram grandes, belos, resplandecentes. Refletia-se neles a luz que vinha de Nossa Senhora e parecia mesmo algo celeste. Cada escudo no meio parecia de ferro, depois um grande círculo de diamante e por último, na extremidade, um círculo de ouro puríssimo. Este escudo representava a fé. Quando todos estávamos assim armados, aqueles que estavam ao redor da Beata Virgem entoaram um dueto e cantavam com tão bela harmonia que não saberia quais palavras possam de alguma maneira exprimir tanta doçura. Era tudo o que se pode imaginar de mais belo, de mais suave, de mais melodioso.
            Enquanto eu contemplava aquela apresentação e estava absorto com aquela música, assustei-me com uma voz potente que gritava: Ad pugnam (À luta)! Todas aquelas feras começaram a agitar-se furiosamente.
            Num átimo nós todos caímos, ficando em pé no chão, e eis que cada um lutava com as feras, protegidos pelo escudo divino. Não sei dizer se travamos a batalha no refeitório ou no pátio. O coro celeste continuava as suas harmonias. Aqueles monstros lançavam-se contra nós com vapores que saíam de suas goelas, balas de chumbo, lanças, setas e outros projéteis de toda espécie: mas essas armas não chegavam a nós ou batiam em nossos escudos e ricocheteavam para trás. Mas os inimigos queriam de todos os modos ferir e matar e se precipitavam ao ataque; mas não podiam causar-nos nenhum ferimento. Todos os seus golpes batiam com ímpeto naqueles escudos, e se quebravam os dentes e fugiam. Como vagalhões um após o outro se sucediam em assaltar-nos aquelas massas de feras assustadoras, mas todas encontram o mesmo destino.
            Longa foi a batalha. Finalmente se fez ouvir a voz de Nossa Senhora: Haec est Victoria vestra, quae vincit mundum, fides vestra (esta é a vossa vitória que venceu o mundo: a vossa fé, 1Jo 5,4).
            A esta voz, aquela multidão de feras assustada se precipitou em fuga e desapareceu. Nós ficamos livres, salvos, vencedores naquela sala imensa do refeitório, sempre iluminada pela luz que se difundia de Nossa Senhora.
            Então eu olhei fixando-me atentamente nos que levavam aquele escudo. Eram muitos milhares. Entre outros, vi P. Alasonatti, P. Rufino, meu irmão José e o Irmão das Escolas Cristãs que haviam combatido conosco.
            Mas os olhos de todos os jovens não podiam desprender-se da Senhora Santíssima. Ela entoava um hino de agradecimento, que em nós avivava novos prazeres e novos êxtases indescritíveis. Não sei se se possa ouvir cântico mais belo no paraíso.

***

            Mas nossa alegria foi improvisamente perturbada por gritos e gemidos angustiantes misturados a urros ferozes. Parecia que os nossos jovens fossem despedaçados por aquelas feras, que tinham fugido daquele lugar poucos momentos antes. Eu quis logo sair para ver o que acontecia, e prestar socorro aos meus filhos; mas não podia sair, porque na porta estavam os jovens que me impediam e não queriam a todo custo que eu saísse. Eu fazia todos os esforços e dizia-lhes:
            – Deixem-me ir para ajudar aqueles que gritam. Quero ver os meus jovens e se lhes toca dano ou morte, quero morrer com eles. Quero ir, mesmo que tivesse que deixar a vida lá. – E arrancando-me de suas mãos, fui embaixo dos pórticos. E, oh, miserável espetáculo! O pátio estava coberto de mortos, de moribundos e de feridos.
            Os jovens, apavorados pelo susto, tentavam fugir de um lado para o outro e todos aqueles monstros os perseguiam, lançavam-se sobre eles, fincavam os dentes em seus membros e os dilaceravam. A cada instante eram jovens que caíam e expiravam dando os gritos mais dolorosos.
            Mas quem mais de todos fazia o maior massacre, era aquele urso que por primeiro aparecera no pátio dos aprendizes. Com aqueles dois dentes semelhantes a espadas, transpassava o peito dos jovens da direita à esquerda, e da esquerda à direita e aqueles com dupla ferida no coração caíam miseravelmente mortos.
            Eu resolutamente me pus a gritar:
            – Coragem, meus queridos jovens!
            Muitos jovens se refugiavam perto de mim; mas o urso, quando apareci, correu ao meu encontro. Eu, enchendo-me de coragem, dei alguns passos em sua direção. No momento, alguns jovens daqueles que estavam no refeitório e que já haviam vencido os animais, vieram até a soleira e uniram-se a mim. Aquele príncipe dos demônios se lançou contra mim e contra eles, mas não nos pôde ferir porque os escudos nos defendiam. Antes, nem mesmo nos tocou, porque à vista deles, assustado e quase reverente, ia para trás. Foi então que fixando os olhos naqueles seus longos dentes em forma de espada, aí pude ler escritas duas palavras com letras maiúsculas. Sobre um estava escrito: Otium (Ócio); sobre o outro Gula (Gula).
            Fiquei pasmo e dizia comigo mesmo:
            – É possível que na nossa casa, onde todos se encontram tão ocupados, onde há tanto que fazer, que não se sabe por onde começar para desobrigar-se de novas ocupações, haja quem peque por ócio? E com respeito aos jovens, me parece que trabalhem e que estudem a tempo e lugar e que no receio não perdem tempo. – E não conseguia encontrar razão da coisa.
            Mas foi-me respondido:
            – Contudo bem meias horas se perdem!
            – E de gula depois? – eu continuava: entre nós parece que, mesmo querendo, não se pode ir atrás de muitas gulodices. Não temos nem mais ocasiões para ser intemperantes. Os alimentos não são finos assim como as bebidas. Dá-se apenas o necessário. Como, pois, podem ocorrer intemperanças que levem ao inferno?
            De novo foi-me respondido:
            – Ó sacerdote! Você acredita ser profundo na doutrina moral e ter já muita experiência, mas nisto não sabe nada; é completamente ingênuo. E não sabe que se pode cometer um ato de gula, uma intemperança, mesmo bebendo água?
            Não contente eu quis ter uma explicação mais clara e, estando ainda o refeitório iluminado pela Virgem, fui muito triste até o irmão Miguel porque queria esclarecer a minha dúvida. Miguel respondeu-me:
            – Eh, meu caro, neste assunto você é ainda inexperiente. Explicar-lhe-ei o que me pergunta.
            – Quanto à gula, precisa saber que se pode pecar por intemperança, quando mesmo à mesa se come ou se bebe mais que o necessário; comete-se intemperança no dormir ou quando se faz para o corpo algo que vá além da necessidade. Quanto ao ócio saiba que com esta palavra não se entende apenas o não trabalhar e o ocupar ou não o tempo de recreio em divertir-se, mas também quando neste tempo se deixa livre a imaginação para pensar em coisas que são perigosas. O ócio também acontece no estudo, quando alguém se diverte com outras distrações, quando certos retalhos de hora são desperdiçados em leituras frívolas, ou estando inertes a olhar os outros, deixando-se vencer por aquele momento de indolência e especialmente quando na igreja não se reza e se sente tédio no que se refere à piedade. O ócio é o pai, a fonte, a causa de tantas tentações nocivas e de todos os males. Você, portanto, que é diretor destes jovens, deve mantê-los longe desses dois pecados, procurando reavivar neles a fé. Se você puder conseguir de seus jovens que sejam moderados naquelas pequenas coisas que eu disse, eles vencerão sempre o demônio e com a temperança virão a eles a humildade, a castidade e outras virtudes. E se ocuparem o tempo no cumprimento de seus deveres, não cairão jamais nas tentações do inimigo infernal e viverão e morrerão como santos cristãos.

***

            Após ouvir essas coisas eu lhe agradeci por tão bela instrução e, depois, para certificar-me de que isso que eu via era realidade ou simples sonho, tentei tocar sua mão; mas nada apertei. Procurei tocá-la pela segunda vez e pela terceira e inutilmente, pois não apertei senão ar. No entanto, eu via todas aquelas pessoas, falavam, pareciam vivas. Aproximei-me do P. Alasonatti, do P. Rufino, de meu irmão; porém, não me foi possível apalpar a mão de nenhum deles.
            Eu estava fora de mim e exclamei:
            – Mas é verdade ou não tudo isso que eu vejo? Mas estas não parecem pessoas? Não as ouvi falar?
            O irmão Miguel respondeu-me:
            – Deveria saber e estudou isso, que enquanto a alma não estiver unida ao corpo, é inútil tentar tocar-me. Você não pode tocar os puros espíritos. Só para fazer-nos ver pelos mortais devemos tomar a nossa forma. Mas quando todos ressuscitarmos no Juízo, então retomaremos os nossos corpos espiritualizados.
            Então quis aproximar-me de Nossa Senhora que parecia tivesse alguma coisa a dizer-me. Estava quase perto dela, quando ouvi um novo rumor e novos e altos gritos vindo de fora. Imediatamente quis sair pela segunda vez do refeitório; mas ao sair, acordei.
            Assim que terminou de contar, acrescentou estas observações e recomendações: “O que quer que seja deste sonho, tão variadamente entrelaçado, o fato é que nele se repetem e se explicam os ditos de São Paulo. Mas tamanha era a prostração de forças e o abatimento causado por este sonho que pedi ao Senhor que não permitisse que outra vez se apresentasse à minha mente um sonho semelhante: porém, eis que na noite seguinte repetiu-se de novo o mesmo sonho e deste tive que ver também o fim, que não havia visto na noite anterior. E eu me pus a gritar tanto que P. Berto ouviu o rumor e de manhã veio perguntar-me por que eu havia gritado e se eu tinha passado a noite sem dormir. Esses sonhos me cansaram muito mais do que se houvesse passado a noite inteira sem dormir e escrevendo. Como veem, este é um sonho, e eu não quero dar-lhe nenhuma autoridade, mas apenas considerá-lo como um sonho sem ir adiante. Não gostaria depois que se falasse disso em casa, ou aqui, ou ali, para que os de fora, que nada conhecem das coisas do Oratório, tenham que dizer, como já disseram, que Dom Bosco faz os seus jovens viverem de sonhos. Porém, isso pouco importa; digam o que quiserem. Cada um tire do sonho o que importa para ele. No momento, não lhes dou explicações disso porque é tão fácil de ser compreendido por todos. O que muito lhes recomendo é que reavivem a própria fé, a qual se conserva especialmente com a temperança e com a fuga do ócio. Deste, sejam inimigos; daquela, amigos. Em outras noites, voltarei a tratar desse assunto. No momento lhes dou a boa noite”.
(MBp XII, 291-299)