25 Set 2025, Qui

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O sonho da “Décima Colina”, narrado por Dom Bosco em outubro de 1864, é uma das páginas mais sugestivas da tradição salesiana. Nele, o santo se encontra em um vale imenso cheio de jovens: alguns já no Oratório, outros ainda a serem encontrados. Guiado por uma voz misteriosa, ele deve conduzi-los por uma escarpa íngreme e depois por dez colinas, símbolo dos dez mandamentos, em direção a uma luz que prefigura o Paraíso. O carro da Inocência, as hostes penitenciais e a música celestial desenham um afresco educativo: mostram a dificuldade de preservar a pureza, o valor do arrependimento e o papel insubstituível dos educadores. Com essa visão profética, Dom Bosco antecipa a expansão mundial de sua obra e o compromisso de acompanhar cada jovem no caminho da salvação.


            Dom Bosco tinha tido um sonho na noite anterior. Ao mesmo tempo um menino, chamado C… E…, de Casale Monferrato, teve o mesmo sonho, parecendo-lhe estar com Dom Bosco e conversar com ele. Quando acordou ficou muito impressionado e foi contar o sonho ao seu professor, que o exortou a contar tudo a Dom Bosco. O menino foi procurá-lo e se encontrou com o próprio, que descia a escada e soube que ele também estava à sua procura para lhe relatar a mesma coisa.
            Pareceu a Dom Bosco estar num vale enorme repleto de milhares de garotos, mas tão numerosos que ele não acreditava poder encontrar tantos no mundo inteiro. Entre estes ele podia reconhecer todos aqueles que foram e que estão agora no Oratório. Todos os outros eram talvez aqueles que virão mais tarde. No meio dos jovens, podiam-se ver os padres e os clérigos da casa.
            Uma escarpada muito alta fechava um lado daquele vale. Enquanto Dom Bosco pensava o que poderia fazer com todos estes jovens, “uma voz” lhe disse:
            – Está vendo aquela escarpada? Pois bem, precisa que você e os seus jovens alcancem o topo.
            Então Dom Bosco ordenou àquela multidão de jovens de se dirigir até o ponto indicado. Os jovens foram correndo e iniciaram a subir pela escarpada. Os padres da casa também correram e subiam ajudando os jovens: Levantavam os que caíam e carregavam os que, cansados, não aguentavam mais. P. Rua, com as mangas arregaçadas, trabalhava mais que todos e, até agarrando os meninos de dois em dois, lançava-os até o cume da escarpada, onde caíam em pé e corriam alegremente a brincar. P. Cagliero e P. Francesia corriam no meio dos meninos gritando:
            – Coragem, continuem; continuem, coragem.
            Em pouco tempo aquela multidão de jovens chegou no topo da escarpada; também Dom Bosco tinha chegado e disse: – E agora, o que vamos fazer?
            – E a “voz” continuou:
            – Você deve ultrapassar com os seus jovens estas dez colinas que estão à sua frente, uma após a outra.
            – Mas como é que vão conseguir aguentar uma caminhada tão longa, estes garotos tão pequenos e delicados?
            Foi-lhe respondido: – Quem não puder andar com suas próprias pernas será carregado.
            E eis, de fato, na extremidade da colina aparecer uma magnífica carruagem. Impossível descrever a beleza daquela carruagem, mas vou tentar. Era triangular e tinha três rodas que se movimentavam em todos os sentidos. Nos três cantos havia três hastes cujas extremidades se encontravam num mesmo ponto por cima da mesma carruagem, formando como que um pináculo de caramanchão. Sobre este ponto de união se levantava um magnífico estandarte sobre o qual estava escrito em caracteres cubitais: Innocentia (Inocência). Havia uma faixa ao redor da carruagem com a escrita: Adjutorio Dei Altissimi Patris et Filii et Spiritus Sancti (Com a ajuda do Deus Altíssimo Pai e Filho e Espírito Santo).
            A carruagem, que era de grande esplendor, por causa do ouro e pedras preciosas, veio até o meio dos jovens. Dada a ordem, muito meninos subiram na carruagem. Seu número era de quinhentos. Quinhentos apenas eram ainda inocentes, no meio a tantos milhares de jovens.
            Dispostos estes na carruagem, Dom Bosco pensava por qual caminho deveria ir, quando viu abrir-se à sua frente uma estrada ampla e bonita, mas cheia de espinhos. Apareceram então, de repente, seis jovens, já falecidos no Oratório, vestidos de branco, carregando outra belíssima bandeira onde estava escrito: Poenitentia (Penitência). Estes se puseram à frente daquelas legiões de jovens que deviam seguir o caminho a pé. Então foi dado o sinal da partida. Muitos padres puseram-se no timão da carruagem, que, dirigida por eles, começou a se mover. Os seis meninos, vestidos de branco, seguem-no. Atrás deles vinha a multidão. Os garotos que estavam na carruagem entoaram o Laudate pueri Dominum (Louvai, meninos, ao Senhor – Sl 112,1) com uma melodia magnífica e inexprimível.
            Dom Bosco caminhava encantado com aquela música celestial, quando se lembrou de olhar atrás para ver se todos os jovens o acompanhavam. Mas, oh, doloroso espetáculo! Muitos tinham ficado no vale, muitos voltaram atrás. Dom Bosco, agitado por dor inexprimível, decidiu voltar atrás para tentar convencer aqueles jovens levianos e ajudá-los a segui-lo. Mas foi-lhe decididamente negado.
            Exclamou ele: – Mas aqueles coitados vão se perder.
            Foi-lhe respondido:
            – Pior para eles: eles foram chamados como os outros e não quiseram acompanhá-lo. A estrada a ser percorrida, eles a viram e isso basta.
            Dom Bosco queria replicar; pediu, suplicou: inútil.
            Foi-lhe dito: – A obediência é para você também! – E teve que continuar o caminho.
            Nem tinha ainda suavizado esta dor, quando um outro acidente aconteceu. Muitos dos que estavam na carruagem, aos poucos, foram caindo por terra. De quinhentos, ficaram apenas 150 debaixo do estandarte da inocência.
            O coração de Dom Bosco partia-se por tanta angústia. Ele esperava que o que estava acontecendo fosse um sonho, fazia de tudo para acordar, mas infelizmente tudo aquilo era a triste realidade. Batia palmas e ouvia o som delas; gemia e ouvia seus gemidos ecoarem pelo quarto; queria fazer sumir aquele terrível fantasma, mas não podia.
            Neste ponto, narrando o sonho, exclamava: – Meus queridos jovens! Eu conheci e vi os que ficaram no vale, os que voltaram ou caíram da carruagem! Eu reconheci a todos vocês. Mas tenho a certeza de que farei de tudo para salvá-los. Muitos de vocês, convidados por mim para se confessar, não acataram o meu chamado! Pelo amor de Deus, salvem suas almas.
            Muitos dos garotos que tinham caído da carruagem foram aos poucos se juntar entre os que caminhavam atrás da segunda bandeira. E a música da carruagem continuava tão suave que aos poucos fez esquecer a dor que Dom Bosco sentia. Sete colinas já estavam ultrapassadas e, chegando aquelas legiões na oitava, entraram num maravilhoso povoado, onde pararam para descansar um pouco. As casas daquele lugar eram de uma riqueza e beleza indescritível.
            Dom Bosco, falando aos jovens sobre este lugar, acrescentou:
            – Vou dizer para vocês o que Santa Teresa afirmou das coisas do Paraíso: são coisas que ao se falar se degradam, porque são tão belas que é inútil esforçar-se para descrevê-las. Por isso digo-lhes só que os portais das casas pareciam um conjunto de ouro, cristal e diamante que surpreendia, enchia os olhos e infundia muita alegria. Os campos estavam cheios de árvores carregadas ao mesmo tempo de flores, botões, fruta madura e fruta verde. Era uma visão maravilhosa.
            Os jovens espalharam-se pelo povoado daqui e dali, uns para uma coisa, outros para outra, pois grande era a curiosidade deles e o desejo de provar daquela fruta.
            Foi nesta vila que aquele jovem de Casale se encontrou com Dom Bosco e conversou longamente com ele. Dom Bosco e o menino lembravam perfeitamente as perguntas feitas e as respostas. Singular combinação de dois sonhos.
            Dom Bosco neste ponto teve mais uma estranha surpresa. Os seus jovens apareceram-lhe, de repente, de idade avançada, curvos, desdentados, cheios de rugas no rosto, cabelos brancos, claudicantes, apoiados em bengalas. Ficou admirado com esta metamorfose, mas a “voz” lhe disse:
            – Você se admira; mas saiba que não são poucas horas desde que saiu do vale, mas já se passaram anos e anos. Foi aquela música que lhe fez parecer curto o caminho. Como prova, olhe a sua fisionomia e verá o que estou lhe dizendo.  – E foi apresentado a Dom Bosco um espelho. Ele olhou-se no espelho e viu que o seu aspecto era de um homem idoso, com o rosto cheio de rugas e com poucos dentes e estragados.
            A comitiva, entretanto, retomou o caminho, e os jovens de vez em quando pediam para parar a fim de olhar aquelas coisas novas. Mas Dom Bosco lhes dizia: – Em frente, em frente; nós não precisamos de nada; não temos fome, nem sede, portanto em frente.
            (Lá no fundo, distante, sobre a décima colina despontava uma luz que ia sempre aumentando, como que saída de um portal). Recomeçou, então, o canto, mas tão bonito que só mesmo no Paraíso se poderia ouvir coisa igual e deleitar-se. Não era música de instrumentos, nem parecia de vozes humanas. Era uma música impossível de descrever; e tamanha foi a alegria que invadiu a alma de Dom Bosco que acordou e se viu em sua cama.
            Dom Bosco, então, explicou o sonho:
            – O vale é o mundo. A escarpada são os obstáculos para afastar-se dele. A carruagem, vocês já entenderam. As turmas dos jovens a pé são os que, perdida a inocência, arrependeram-se de suas faltas.
            Dom Bosco acrescentou ainda que as dez colinas representavam os dez mandamentos da lei de Deus, cuja observância leva à vida eterna.
            Enfim, anunciou que, se fosse necessário, estaria disposto a revelar em particular a alguns jovens o que faziam naquele sonho; se ficaram no vale ou se caíram da carruagem.
            Descido do estrado, o aluno Antônio Ferraris aproximou-se dele e contou, estando nós presentes e entendendo perfeitamente o que ele dizia, como na noite anterior ele sonhou de estar com sua querida mãe, que lhe perguntou se por ocasião da Páscoa viria para casa de férias. Dom Bosco respondeu-lhe que antes da Páscoa estaria no Paraíso. Em seguida o jovem, em confiança, baixinho, falou algumas outras coisas ao ouvido de Dom Bosco. Antônio Ferraris faleceu no dia 16 de março de 1865.
            Colocamos logo por escrito o sonho, e na mesma noite de 22 de outubro de 1864, no final, acrescentamos a seguinte nota: “Eu tenho certeza de que Dom Bosco, pelas suas explicações, procurou encobrir o que o sonho tem de mais surpreendente, pelo menos por alguma circunstância. Aquela dos dez mandamentos não me convence. A oitava colina onde Dom Bosco parou, e se viu no espelho muito mais idoso, eu creio que indique o fim de sua vida, que deveria acontecer depois dos setenta anos. O futuro dirá”.
            Este futuro é agora, tempo que passou e confirmou a nossa opinião. O sonho indicava a Dom Bosco a duração de seu viver. Vamos confrontar com esse o da Roda, que a gente só pôde conhecer alguns anos depois. Os giros da Roda correspondem a uma dezena de anos; e assim, também, parece que tenha o mesmo espaço de tempo o proceder de colina em colina. Cada um das colinas corresponde a dez anos, de modo que elas significam cem anos, o máximo da vida de um homem. Agora, nós vemos Dom Bosco, menino de dez anos, iniciar sua missão entre os colegas dos Becchi e, assim, iniciar sua viagem; percorre todas as sete colinas, isto é, sete dezenas, portanto, a sua idade chega a setenta anos; sobe na oitava colina e aqui faz uma parada: vê casas e campos maravilhosos, isto é, a sua Congregação (Pia Sociedade), tornada grande e cheia de frutos pela infinita bondade de Deus. É ainda longo o caminho a percorrer na oitava colina, e retoma a viagem; mas não chega à nona colina, pois ele acordou. Assim ele não viveu a oitava dezena de anos, vindo a falecer aos 72 anos e cinco meses.
            O que diz o leitor sobre isso? Vou acrescentar que, na noite seguinte, tendo Dom Bosco perguntado nosso parecer sobre o sonho, respondi que o sonho não dizia respeito somente aos jovens, mas indicava a expansão da Congregação (Pia Sociedade) em todo o mundo.
            – Que nada – retrucou um dos nossos irmãos; temos já o Colégio de Mirabello e de Lanzo e talvez vamos ter mais alguns outros no Piemonte. O que quer mais?
            – Não! O sonho nos aponta outros destinos.
            E Dom Bosco aprovava, sorrindo, a nossa certeza.
(MBp VII, 820-826)