27 Dez 2025, Sáb

Corrigindo os “filhos rebeldes” com São Francisco de Sales

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            Em setembro de 1594, Francisco de Sales, decano da catedral, chegou, acompanhado de seu primo, a Thonon, no Chablais, uma província localizada ao sul do Lago Lemano [ou de Genebra] e próxima a Genebra, para explorar o território com o objetivo de possivelmente reconquistar para o catolicismo essa província, que havia se tornado protestante por sessenta anos. Assim começou uma fase aguda de confronto com os filhos rebeldes da santa Igreja, que marcaria toda a sua vida como homem da Igreja. Até sua morte, em 1622, ele empregaria todos os recursos de uma arte que também é característica do educador quando confrontado com as “crianças rebeldes”.

Reconquistando almas
            Na época de Francisco de Sales, os partidários de uma “redução” dos hereges pela força eram numerosos. Seu pai, o Senhor de Boisy, era da opinião de que era necessário falar com essas pessoas “com a boca dos canhões”. Embora a força política e militar de que dispunha o Duque de Saboia no Chablais o tivesse capacitado a conquistar “o corpo” dos habitantes, o que era mais importante para Francisco de Sales, e constituía seu principal objetivo, era conquistar as almas. Em outras palavras, ele disse à Filoteia que “aquele que conquista o coração do homem conquista o homem inteiro”.
            A primeira coisa a fazer era saber exatamente qual era a posição dos adversários. Como argumentar com os protestantes se você não leu a Instituição da Religião Cristã de Calvino? O jovem decano escreveu já em 1595 para seu antigo diretor espiritual, Padre Possevino:

Não me atrevo mais a atacar Calvino ou Beza, […] sem que todos queiram saber exatamente o que estou dizendo. Por isso, já sofri duas afrontas, que não teriam me tocado se eu não tivesse confiado nas citações de livros que me enganaram. […] Em suma, nesses bailiados [territórios], todos sempre têm em mãos as ‘Instituições’; eu me encontro em um país onde todos sabem de cor suas ‘Instituições’.

            Possuímos uma lista com mais de sessenta livros proibidos, cujo uso foi permitido a Francisco de Sales pela Congregação da Inquisição. Ela contém não apenas obras de Calvino, Beza e vários autores protestantes, mas também traduções da Bíblia para o francês, catecismos protestantes, livros sobre controvérsias calvinistas, tratados sobre teologia protestante e vida evangélica, panfletos contra o papa ou simplesmente livros de católicos que foram colocados no índice.
            Depois da ciência, a missão exigia qualidades morais e espirituais especiais, a começar pela total abnegação. Seu amigo e discípulo, o bispo João Pedro Camus, enfatizou essa atitude de desapego que caracterizaria toda a vida de Francisco de Sales: “Embora os de Genebra lhe tenham retido toda a renda da mesa episcopal e os rendimentos de seu cabido, nunca o ouvi reclamar de tais retenções”. Por outro lado, de acordo com Francisco de Sales, não é bom se preocupar muito com os bens eclesiásticos, porque, segundo ele, “o destino dos bens da Igreja é como o da barba: quanto mais se raspa, mais robusta e espessa ela fica”.
            Seu objetivo era puramente pastoral: “Ele não desejava outra coisa senão converter as almas rebeldes à luz da verdade, que brilha somente na verdadeira Igreja”. Quando falava de Genebra, “a quem chamava de sua pobre ou amada (termos de compaixão e amor), apesar de sua rebeldia”, ele às vezes suspirava: “Da mihi animas, caetera tolle tibi”. Entendido em seu sentido literal, que é o do livro do Gênesis (cf. Gn 14,21), esse pedido feito a Abraão pelo rei de Sodoma, depois da vitória que lhe permitira recuperar os prisioneiros de guerra e os bens tomados do inimigo, significava simplesmente: “Dê-me o povo e fique com todo o resto”, isto é, com o saque. Mas, nos lábios de Francisco de Sales, essas palavras se tornaram a oração que o missionário dirigiu a Deus para pedir-lhe “almas”, renunciando completamente às recompensas materiais e aos interesses pessoais.
            Ele mesmo, sem recursos (seu pai lhe havia cortado o sustento durante a missão no Chablais para convencê-lo a renunciar), queria ganhar a vida com seu trabalho. Ele disse:

Quando eu pregava a fé no Chablais, muitas vezes desejei ardentemente saber fazer alguma coisa, para imitar São Paulo, que se alimentava com o trabalho de [suas] mãos; mas não sou bom em nada, exceto em consertar minhas roupas de alguma forma; é verdade, porém, que Deus me deu a graça de não ser um fardo para ninguém no Chablais; quando eu não tinha nada para me alimentar, minha boa mãe me mandava de Sales roupa de cama e dinheiro em segredo.

            A rebelião dos protestantes havia sido causada, em grande parte, pelos pecados do clero, razão pela qual sua conversão exigia três coisas acima de tudo dos missionários: oração, caridade e espírito de sacrifício. Ele escreveu a seu amigo Antônio Favre em novembro de 1594: “Oração, esmola e jejum são as três partes que compõem a corda que o inimigo rompe com dificuldade; com a graça divina, tentaremos amarrar esse adversário com ela”.

O método salesiano
            A primeira coisa a fazer era nos colocarmos no mesmo terreno intelectual dos adversários. O mínimo que se podia dizer deles a esse respeito era que eram absolutamente refratários aos argumentos filosóficos e teológicos herdados da escolástica medieval. Um ponto importante, esse, que foi identificado assim por Pedro Magnin:

Ele evitava com todas as suas forças se lançar nas disputas e brigas da escolástica, já que isso era feito em vão e, para o povo, aquele que fala em voz mais alta sempre aparece como se tivesse mais razão. Em vez disso, ele se dedicava principalmente a propor de forma clara e articulada os mistérios de nossa santa fé e a defender a Igreja Católica contra as crenças vãs de seus inimigos. Para esse fim, ele não se sobrecarregava com muitos livros, pois por cerca de dez anos usou apenas a Bíblia, a “Suma Teológica” de Santo Tomás e as “Controvérsias” do Cardeal Belarmino.

            De fato, se Santo Tomás lhe forneceu o ponto de referência católico e “o eminente teólogo” Belarmino o arsenal de evidências contra os protestantes, a única base para uma possível discussão era a Bíblia. E nisso ele concordava com os hereges:

A fé cristã está fundamentada na palavra de Deus; é ela que a coloca no grau supremo de segurança, porque tem essa verdade eterna e infalível como seu fiador. A fé que se baseia em outro lugar não é cristã. Portanto, a palavra de Deus é a verdadeira regra da boa fé, já que ser fundamento e regra nesse campo é a mesma coisa.

            Francisco de Sales era muito severo com os autores e propagadores de erros, especialmente com os “heresiarcas” Calvino e os ministros protestantes, em relação aos quais, para ele, não se podia conceber nenhuma tolerância. Sua paciência, ao contrário, era ilimitada com todos aqueles que ele considerava vítimas de suas teorias. Novamente Pedro Magnin nos assegura que Francisco
escutava pacientemente suas dificuldades, sem nunca se encolerizar e sem proferir palavras insultuosas contra eles, apesar do fato de que esses hereges eram acalorados em suas disputas e geralmente faziam uso de insultos, zombarias ou calúnias; em vez disso, ele lhes demonstrava um amor muito cordial, para convencê-los de que não era animado por nenhum outro interesse além da glória de Deus e da salvação das almas.
            Em uma seção de seu livro intitulada “Da acomodação”, João Pedro Camus apontou uma série de características do modelo salesiano, que o diferenciava de outros missionários no Chablais (provavelmente capuchinhos) com suas vestes longas e aparência austera e rude, que apostrofavam o povo com as expressões: “corações incircuncisos, rebeldes à luz, teimosos, raça de víboras, membros corruptos, centelhas do inferno, filhos do diabo e das trevas”. Para não assustar a população, Francisco e seus colaboradores decidiram “sair vestidos com capas curtas e botas, convencidos de que, dessa forma, teriam acesso mais fácil às casas do povo e não deixariam as pessoas com os olhos arregalados por usarem vestes longas que eram novas para eles”.
            Ainda de acordo com Camus, ele foi denunciado ao bispo porque chamava os hereges pelo nome de “irmãos”, embora fossem sempre irmãos “errantes”, que ele convidava à reconciliação e à reunificação. Aos olhos de Francisco, a fraternidade com os protestantes era justificada por três motivos:

Eles, de fato, são nossos irmãos em virtude do batismo, que é válido na Igreja deles; são, além disso, quanto ao sangue e à carne, porque nós e eles somos descendentes de Adão. Além disso, somos concidadãos e, portanto, súditos do mesmo príncipe; isso não é capaz de constituir alguma fraternidade? Além disso, eu os considerava como filhos da Igreja quanto à sua disposição, porque eles se permitem ser instruídos, e como meus irmãos quanto à esperança do mesmo chamado à salvação; e é precisamente [pelo nome de irmãos] que os catecúmenos eram chamados nos tempos antigos antes de serem batizados.

            Irmãos perdidos, irmãos rebeldes, mas ainda assim irmãos. Os missionários “de choque” o criticaram, então, porque ele “estragou tudo pensando que estava fazendo o bem, porque cedeu ao orgulho tão natural à heresia, porque fez essas pessoas dormirem em seu erro, acomodando o travesseiro debaixo do cotovelo; quando, em vez disso, era melhor corrigi-las usando a misericórdia e a justiça, sem ungir suas cabeças com o óleo da lisonja”. Por sua vez, Francisco tratava as pessoas com respeito, na verdade, com compaixão, e “se os outros queriam se fazer temidos, ele queria se fazer amado e entrar nos espíritos pela porta da complacência”.
            Embora Camus pareça forçar as características ao opor os dois métodos, é certo que o método salesiano tinha suas próprias características. A tática que ele empregou com um calvinista como João Gaspar Deprez prova isso claramente: na ocasião do primeiro encontro entre eles, conta ele, “ele se aproximou de mim e me perguntou como estava o pequeno mundo, ou seja, o coração, e se eu acreditava que poderia ser salvo em minha religião e como eu servia a Deus nela”. Durante as conversas secretas que teve em Genebra com Teodoro de Beza, sucessor de Calvino, ele usou o mesmo método baseado no respeito pelo interlocutor e no diálogo educado. O único que se irritou foi Beza, que proferiu “palavras indignas de um filósofo”.
            De acordo com Jorge Rolland, que muitas vezes viu Francisco trabalhando com os protestantes, “ele nunca os pressionou […] a ponto de deixá-los indignados e cobertos de vergonha e confusão”; mas “com sua ordinária gentileza, ele lhes respondia judiciosamente, lentamente, sem amargura e desprezo, e dessa forma conquistou seus corações e sua boa vontade”. Ele também acrescenta que era “frequentemente criticado pelos católicos que o acompanhavam nessas conferências, porque tratava seus oponentes com muita gentileza. Diziam-lhe que ele deveria envergonhá-los por suas respostas impertinentes; ao que ele respondia que usar palavras insultuosas e desdenhosas apenas desencorajaria e impediria essas pobres pessoas mal orientadas, enquanto era necessário tentar salvá-las e não confundi-las. E na cátedra, ao falar deles, ele dizia: “Nossos senhores adversários”, e evitava o nome de hereges ou huguenotes o máximo possível.
            A longo prazo, esse método se mostrou eficaz. A hostilidade inicial do povo do Chablais, que estava familiarizado com os termos insultantes “papista”, “mágico”, “feiticeiro”, “idólatra” e “homem de um olho só”, gradualmente deu lugar ao respeito, à admiração e à amizade. Comparando esse método com o de outros missionários, Camus escreveu que Francisco “pegou mais moscas com uma colher de mel que lhe era tão familiar do que todos eles com seus barris de vinagre”. De acordo com Cláudio Marin, os primeiros que ousavam se aproximar dele eram as crianças; “ele lhes fazia uma carícia acompanhada de uma palavra doce”. Um recém-convertido, tentado a voltar para trás (para a heresia), dizia: “O senhor recuperou minha alma”.

Em busca de uma nova forma de comunicação
            No início de sua missão no Chablais, Francisco de Sales logo se deparou com um muro. Os líderes do partido protestante haviam decidido proibir seus correligionários de assistir aos sermões do padre papista. O que fazer em tais condições? Como o povo de Thonon não queria ir até ele, ele iria até o povo. Como? A nova forma de comunicação consistiria em redigir e distribuir periodicamente folhetos, fáceis de ler à vontade em suas casas.
            O empreendimento começou em janeiro de 1595. Ele redigiu os primeiros artigos, copiados à mão enquanto aguardava os serviços de uma tipografia, e os distribuiu pouco a pouco. Em seguida, enviava um novo folheto a Chambéry toda semana para ser impresso, que depois era distribuído nas casas de Thonon e no campo. Dirigindo-se aos “senhores de Thonon”, Francisco de Sales explicou-lhes o porquê e o como dessa iniciativa:

Tendo passado algum tempo pregando a palavra de Deus em sua cidade, sem ter sido ouvido por vocês, a não ser raramente, pouco a pouco e secretamente, para não omitir nenhuma tentativa de minha parte, comecei a escrever algumas razões principais, que escolhi principalmente em meus sermões e que tratei anteriormente de viva voz em defesa da fé da Igreja.

            Distribuídos periodicamente nos lares, os folhetos apareceram como uma espécie de revista semanal. Que vantagem achava que obteria com essa nova forma de comunicação? Ao se dirigir aos “senhores de Thonon”, Francisco de Sales destacou as quatro “conveniências” da comunicação escrita:

            l. Leva a informação para casa. 2. Facilita o confronto público e o debate de opiniões com o adversário. 3. É verdade que “as palavras ditas com a boca estão vivas, enquanto as escritas no papel estão mortas”; no entanto, a escrita “pode ser manuseada, oferece mais tempo para reflexão do que a voz e permite que você pense mais profundamente sobre o assunto”. 4. A comunicação escrita é um meio eficaz de combater a desinformação, pois torna os pensamentos do autor conhecidos com precisão e permite verificar se os pensamentos de um personagem correspondem ou não à doutrina que ele afirma defender. Isso o levou a dizer: “Não digo nada a Thonon, exceto o que quero que seja conhecido em Annecy e Roma, caso haja necessidade”.
            De fato, ele considerava que seu primeiro dever era lutar contra as deformações da doutrina da Igreja por autores protestantes. João Pedro Camus explica isso com precisão:

Um de seus maiores males reside no fato de que seus ministros falsificam nossas crenças, de modo que sua apresentação acaba sendo algo bem diferente do que realmente é. Por exemplo, que não damos nenhuma importância à Sagrada Escritura; que adoramos o Papa; que consideramos os santos como deuses; que damos mais importância à Santíssima Virgem do que a Jesus Cristo; que adoramos imagens com uma adoração latrêutica e atribuímos a elas uma aura divina; que as almas do purgatório estão no mesmo estado e no mesmo desespero que as do inferno; que adoramos o pão da Eucaristia; que privamos as pessoas de participarem do sangue de Jesus Cristo; que não nos importamos com os méritos de Jesus Cristo, atribuindo a salvação somente aos méritos de nossas boas ações; que a confissão auricular é um tormento para o espírito; e outras invectivas semelhantes, que tornam nossa religião odiosa e desacreditada entre essas pessoas, que são assim mal informadas e enganadas.

            Duas atitudes caracterizam o procedimento pessoal de Francisco de Sales como “jornalista”: de um lado, o dever de informar seus leitores com precisão, explicando-lhes as razões da posição católica, em suma, ser-lhes útil; de outro, um grande desejo de mostrar-lhes sua afeição. Dirigindo-se aos seus leitores, ele imediatamente declarou: “Vocês nunca lerão um escrito dirigido a vocês, vindo de um homem tão afeiçoado ao seu bem espiritual quanto eu”.
            Além da comunicação escrita, ele também usava outras formas de comunicação, principalmente o teatro. Na ocasião do grande evento católico em Annemasse, em setembro de 1597, ao qual compareceu uma multidão de milhares de pessoas, foi apresentado um drama bíblico intitulado O Sacrifício de Abraão, no qual o decano personificava Deus Pai. O texto composto em versos não era de sua autoria; no entanto, foi ele quem sugeriu o tema a seu primo, Cônego de Sales, e ao irmão Luís, que era considerado “extremamente versado em letras humanas”.

Verdade e caridade
            O autor do livro O Espírito do Bem-Aventurado Francisco de Sales captou bem o coração da mensagem salesiana em sua forma definitiva, ao que parece, quando intitulou o início de sua obra: Da Verdadeira Caridade, citando esta “frase preciosa e notável” de seu herói: “A verdade que não é caridosa brota de uma caridade que não é verdadeira”.
            Para Francisco de Sales, explica Camus, toda correção deve ter como objetivo o bem daquele que está sendo corrigido (o que pode causar sofrimento momentâneo) e deve ser feita com gentileza e paciência. Além disso, aquele que corrige deve estar pronto para sofrer injustiça e ingratidão por parte daquele que recebe a correção.
            Sobre a experiência de Francisco de Sales no Chablais, será lembrado que a indispensável aliança da verdade com a caridade nem sempre é fácil de ser posta em prática, que há muitas maneiras de colocá-la em prática, mas que é indispensável para aqueles que são animados por uma genuína preocupação com a correção e a educação dos “filhos rebeldes”.

P. Wirth MORAND

Salesiano de Dom Bosco, professor universitário, estudioso bíblico e historiador salesiano, membro emérito do Centro de Estudos Dom Bosco, autor de vários livros.