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Provavelmente foi o advento da Reforma protestante que colocou na ordem do dia o problema da consciência e, mais precisamente, da «liberdade de consciência». Em uma carta de 1597 a Clemente VIII, o decano de Sales deplorava a «tirania» que o «estado de Genebra» impunha «sobre as consciências dos católicos». Pedia à Santa Sé que interviesse junto ao rei da França para obter que os genebrinos concedessem «o que chamam liberdade de consciência». Contrário a soluções militares para a crise protestante, ele vislumbrava na libertas conscientiae uma possível saída para o confronto violento, desde que a reciprocidade fosse respeitada. Reivindicada por Genebra em favor da Reforma, e por Francisco de Sales em benefício do catolicismo, a liberdade de consciência estava prestes a se tornar um dos pilares da mentalidade moderna.
Dignidade da pessoa humana
A dignidade do indivíduo reside na consciência, e a consciência é, antes de tudo, sinônimo de sinceridade, honestidade, franqueza, convicção. O decano de Sales reconhecia, por exemplo, «para aliviar sua consciência», que o projeto das Controvérsias lhe fora de certa forma imposto por outros. Quando apresentava suas razões a favor da doutrina e da prática católica, preocupava-se em precisar que o fazia «de consciência». «Digam-me de consciência», perguntava aos seus contraditores. A «boa consciência», de fato, faz com que alguém evite certos atos que o colocam em contradição consigo mesmo.
No entanto, a consciência subjetiva individual não pode ser sempre tomada como garantia da verdade objetiva. Não se está sempre obrigado a acreditar no que alguém diz de consciência. «Mostrem-me claramente – diz o decano aos senhores de Thonon – que não mentem de forma alguma, que realmente não me enganam, quando me dizem que de consciência tiveram esta ou aquela inspiração». A consciência pode ser vítima da ilusão, de forma voluntária ou mesmo involuntária. «Os avarentos inveterados não só não confessam sê-lo, como também não pensam de consciência que o sejam».
A formação da consciência é uma tarefa essencial, porque a liberdade de consciência implica o risco de «fazer o bem e o mal», mas «escolher o mal não é usar, mas abusar da nossa liberdade». É uma tarefa difícil, porque a consciência às vezes nos aparece como um adversário que «combate sempre contra nós e por nós»: ela «opõe resistência constante às nossas más inclinações», mas o faz «para nossa salvação». Quando alguém peca, «o remorso interior se move contra sua consciência com a espada em punho», mas o faz para «transpassá-la com um santo temor».
Um meio para exercer uma liberdade responsável é a prática do «exame de consciência». Fazer o exame de consciência é como seguir o exemplo das pombas que se olham «com olhos límpidos e puros», «se limpam com cuidado e se adornam o melhor que podem». Filoteia é convidada a fazer esse exame todas as noites, antes de ir dormir, perguntando-se «como se comportou nas várias horas do dia; para facilitar, pensará onde, com quem e em quais ocupações se dedicou».
Uma vez por ano devemos fazer um exame aprofundado do «estado da nossa alma» diante de Deus, do próximo e de nós mesmos, sem esquecer um «exame dos afetos da nossa alma». O exame – diz Francisco de Sales às visitandinas – levará vocês a sondar «a fundo a sua consciência».
Como aliviar a consciência quando alguém a sente carregada de um erro ou de uma falha? Alguns o fazem de forma errada, julgando e acusando os outros «de vícios dos quais são vítimas», pensando assim em «adoçar os remorsos da sua consciência». Dessa forma, multiplica-se o risco de fazer julgamentos temerários. Pelo contrário, «aqueles que cuidam corretamente da sua consciência não estão sujeitos a julgamentos temerários». Convém considerar à parte o caso dos pais, educadores e responsáveis pelo bem público, porque «uma boa parte da sua consciência consiste em vigiar atentamente a consciência dos outros».
O respeito por si mesmo
Da afirmação da dignidade e da responsabilidade de cada um deve nascer o respeito por si mesmo. Já Sócrates e toda a antiguidade pagã e cristã haviam mostrado o caminho:
É uma afirmação dos filósofos, que porém foi considerada válida pelos doutores cristãos: «Conhece-te a ti mesmo», ou seja, conhece a excelência da tua alma para não a rebaixar e desprezar.
Alguns de nossos atos constituem não apenas uma ofensa a Deus, mas também uma ofensa à dignidade da pessoa humana e à razão. Suas consequências são deploráveis:
A semelhança e imagem de Deus, que carregamos em nós, é manchada e desfigurada, a dignidade do nosso espírito desonrada, e somos tornados semelhantes aos animais irracionais […], tornando-nos escravos das nossas paixões e invertendo a ordem da razão.
Há êxtases e arrebatamentos que nos elevam acima da nossa condição natural e outros que nos rebaixam: «Ó homens, até quando sereis tão insensatos – escreve o autor do Teótimo – a ponto de querer pisotear a vossa dignidade natural, descendo voluntariamente e precipitando-vos na condição dos animais?».
O respeito por si mesmo permitirá evitar dois perigos opostos: o orgulho e o desprezo pelos dons que se tem. Em um século em que o senso de honra era exaltado ao máximo, Francisco de Sales teve que intervir para denunciar delitos, em particular no problema do duelo, que lhe fazia «arrepiar os cabelos da cabeça», e ainda mais o orgulho insensato que era a causa. «Estou escandalizado» – escrevia à esposa de um marido duelista –; «na verdade, não consigo entender como se pode ter uma coragem tão desregrada mesmo por bagatelas e coisas sem importância». Lutando em duelo é como se «se tornassem um o carrasco do outro».
Outros, ao contrário, não ousam reconhecer os dons recebidos e pecam assim contra o dever da gratidão. Francisco de Sales denuncia «certa falsa e tola humildade que impede descobrir o bem que há neles». Estão errados, porque «os bens que Deus colocou em nós devem ser reconhecidos, estimados e honrados sinceramente».
O primeiro próximo que devo respeitar e amar, parece querer dizer o bispo de Genebra, é o próprio eu. O verdadeiro amor por mim mesmo e o respeito devido exigem que eu tenda à perfeição e que me corrija, se necessário, mas docemente, razoavelmente e «seguindo o caminho da compaixão» em vez do da ira e da fúria.
Existe, de fato, um amor por si mesmo não apenas legítimo, mas também benéfico e mandado: «A caridade bem ordenada começa por si mesmo» – diz o provérbio – e reflete bem o pensamento de Francisco de Sales, mas desde que não se confunda o amor por si mesmo com o amor-próprio. O amor por si mesmo é bom, e Filoteia é convidada a interrogar-se sobre a maneira como ama a si mesma:
Mantém uma boa ordem no amor por si mesma? Porque só o amor desordenado por nós mesmos pode nos levar à ruína. Ora, o amor ordenado quer que amemos a alma mais do que o corpo, que busquemos adquirir as virtudes mais do que qualquer outra coisa.
Ao contrário, o amor-próprio é um amor egoísta, «narcisista», cheio de si mesmo, ciumento da própria beleza e unicamente preocupado com o próprio interesse: «Narciso – dizem os profanos – era um jovem tão arrogante que não queria oferecer seu amor a ninguém; e, finalmente, contemplando-se em uma fonte límpida, foi totalmente arrebatado por sua beleza».
O «respeito devido às pessoas»
Se se respeita a si mesmo, a gente estará mais preparado e disposto a respeitar os outros. O fato de ser «a imagem e semelhança de Deus» tem como corolário a afirmação segundo a qual «todos os seres humanos gozam da mesma dignidade». Francisco de Sales, embora vivendo em uma sociedade marcada pelo antigo regime, fortemente desigual, promoveu um pensamento e uma prática caracterizados pelo «respeito devido às pessoas».
É preciso começar pelas crianças. A mãe de São Bernardo – diz o autor da Filoteia – amava seus filhos recém-nascidos «com respeito como uma coisa sagrada que Deus lhe confiara». Uma repreensão muito grave dirigida pelo bispo de Genebra aos pagãos dizia respeito ao seu desprezo pela vida de seres indefesos. O respeito pela criança que está para nascer emerge neste trecho de uma carta, redigida segundo a retórica barroca da época, dirigida por Francisco de Sales a uma mulher grávida. Ele a encoraja explicando que a criança que está se formando em suas entranhas não é apenas «uma imagem viva da divina Majestade», mas também a imagem de sua mãe. Recomenda a outra mulher:
Ofereça frequentemente à glória eterna do seu Criador a criaturinha cuja formação Ele quis que você assumisse como sua cooperadora.
Outro aspecto do respeito devido aos outros diz respeito ao tema da liberdade. A descoberta de novas terras teve, como consequência nefasta, o ressurgimento da escravidão, que remetia às práticas dos antigos romanos na época do paganismo. A venda de seres humanos os rebaixava ao nível dos animais:
Um dia, Marco Antônio comprou de um mercador dois jovens; então, como ainda acontece hoje em algumas regiões, vendiam-se crianças; havia homens que as conseguiam e depois as traficavam como se faz com cavalos em nossos países.
O respeito pelos outros é continuamente ameaçado de forma mais sutil pela maledicência e pela calúnia. Francisco de Sales insiste bastante nos «pecados da língua». Um capítulo da Filoteia que trata explicitamente desse assunto intitula-se A honestidade nas palavras e o respeito que se deve às pessoas. Arruinar a reputação de alguém é cometer um «assassinato espiritual»; é privar «a vida civil» daquele de quem se fala mal. Assim também, «ao censurar o vício», esforçar-se-á para poupar o máximo possível «a pessoa implicada nele».
Certas categorias de pessoas são facilmente denegridas ou desprezadas. Francisco de Sales defende a dignidade do povo baseando-se no Evangelho: «São Pedro – comenta – era um homem rude, grosseiro, um velho pescador, um trabalhador de baixa condição; São João, ao contrário, era um cavalheiro, doce, amável, sábio; São Pedro, porém, ignorante». Ora, foi São Pedro quem foi escolhido para guiar os outros e para ser o «superior universal».
Ele proclama a dignidade dos doentes, dizendo que «as almas que estão na cruz são declaradas rainhas». Denunciando a «crueldade para com os pobres» e exaltando a «dignidade dos pobres», justifica e esclarece a atitude que se deve ter para com eles, explicando «como devemos honrá-los e, portanto, visitá-los como representantes de Nosso Senhor». Ninguém é inútil, ninguém é insignificante: «Não há no mundo objeto que não possa ser útil para alguma coisa; mas é preciso saber encontrar seu uso e lugar».
O «um-diferente» salesiano
O problema que sempre atormentou as sociedades humanas é o de conciliar entre si a dignidade e a liberdade de cada indivíduo com as dos outros. Recebeu de Francisco de Sales um esclarecimento original, graças à invenção de uma nova palavra. De fato, admitindo que o universo é formado por «todas as coisas criadas, visíveis e invisíveis» e que «a sua diversidade é reconduzida à unidade», o bispo de Genebra propôs chamá-lo de «um-diferente», ou seja, «único e diferente, único com diversidade e diferente com unidade».
Para ele, todo ser é único. As pessoas são como as pérolas de que fala Plínio: «são tão únicas, cada uma em sua qualidade, que nunca se encontram duas perfeitamente iguais». É significativo que suas duas principais obras, Introdução à vida devota e Tratado do amor de Deus, sejam dirigidas a uma pessoa singular, Filoteia e Teótimo. Que variedade e diversidade entre os seres! «Sem dúvida, como vemos que nunca se encontram dois homens perfeitamente iguais quanto aos dons da natureza, assim nunca se encontram perfeitamente iguais quanto aos dons sobrenaturais». A variedade o encantava também do ponto de vista puramente estético, mas temia uma curiosidade indiscreta sobre suas causas:
Se alguém se perguntasse por que Deus fez as melancias maiores que os morangos, ou os lírios maiores que as violetas; por que o alecrim não é uma rosa ou por que o cravo não é uma calêndula; por que o pavão é mais belo que um morcego, ou por que o figo é doce e o limão azedo, ririam de suas perguntas e diriam: pobre homem, como a beleza do mundo exige variedade, é necessário que nas coisas haja perfeições diferentes e diferenciadas e que uma não seja a outra; por isso umas são pequenas, outras grandes, umas ácidas, outras doces, umas mais belas, outras menos. […] Todas têm seu mérito, sua graça, seu esplendor, e todas, vistas no conjunto de suas variedades, constituem um maravilhoso espetáculo de beleza.
A diversidade não impede a unidade; pelo contrário, a torna ainda mais rica e bela. Cada flor tem suas características, que a distinguem de todas as outras: «Não é próprio das rosas serem brancas, me parece, porque as vermelhas são mais belas e têm um perfume melhor, o qual, porém, é próprio do lírio». Certamente, Francisco de Sales não suporta confusão e desordem, mas é igualmente inimigo da uniformidade. A diversidade dos seres pode levar à dispersão e à ruptura da comunhão, mas se há amor, «vínculo da perfeição», nada está perdido; pelo contrário, a diversidade é exaltada pela união.
Em Francisco de Sales há certamente uma cultura real do indivíduo, mas esta nunca é um fechamento ao grupo, à comunidade ou à sociedade. Ele vê espontaneamente o indivíduo inserido em um contexto ou «estado» de vida, que marca fortemente a identidade e a pertença de cada um. Não será possível estabelecer um programa ou projeto igual para todos, pelo simples fato de que será aplicado e realizado de maneira diferente «para o cavalheiro, para o artesão, para o criado, para o príncipe, para a viúva, para a jovem, para a casada»; é preciso ainda adaptá-lo «às forças e aos deveres de cada um em particular». O bispo de Genebra vê a sociedade dividida em espaços vitais caracterizados pela pertença social e solidariedade de grupo, como quando trata «da companhia de soldados, da oficina dos artesãos, da corte dos príncipes, da família de pessoas casadas».
O amor personaliza e, portanto, individualiza. O afeto que liga uma pessoa a outra é único, como demonstra Francisco de Sales em sua relação com a senhora de Chantal: «Cada afeto tem sua peculiaridade que o diferencia dos outros; o que sinto por você possui certa particularidade que me consola infinitamente e, para dizer tudo, para mim é sobremaneira frutífero». O sol ilumina todos e cada um: «iluminando um canto da terra, não o ilumina menos do que faria se não brilhasse em outro lugar, mas somente naquele canto».
O ser humano está em transformação
Humanista cristão, Francisco de Sales acredita finalmente na possibilidade que a pessoa humana tem de se aperfeiçoar. Erasmo havia forjado a fórmula: Homines non nascuntur sed finguntur [Os homens não nascem prontos, mas precisam se fazer]. Enquanto o animal é um ser predeterminado, guiado pelo instinto, o homem, ao contrário, está em perpétua evolução. Não só muda, mas pode mudar a si mesmo, tanto para melhor quanto para pior.
O que preocupava inteiramente o autor do Teótimo era aperfeiçoar a si mesmo e ajudar os outros a se aperfeiçoarem, e não apenas no âmbito religioso, mas em tudo. Do nascimento à sepultura, o homem está em situação de aprendiz. Imitemos o crocodilo que «nunca deixa de crescer enquanto vive». De fato, «permanecer no mesmo estado por muito tempo não é possível: quem não avança, retrocede neste trânsito; quem não sobe, desce nesta escada; quem não vence é vencido nesta luta». Ele cita São Bernardo que dizia: «Está escrito de modo particular para o homem que nunca estará no mesmo estado: é preciso que avance ou retroceda». Vamos em frente:
Não sabes que estás em caminho e que o caminho não é feito para sentar, mas para avançar? E é tão feito para avançar que mover-se para frente se chama caminhar.
Isso significa também que a pessoa humana é educável, capaz de aprender, de se corrigir e de melhorar. E isso é verdade em todos os níveis. A idade às vezes não tem nada a ver. Olhem para esses meninos cantores da catedral, que superam em muito as capacidades do seu bispo nesse campo: «Admiro essas crianças – dizia – que mal sabem falar e que já cantam sua parte; compreendem todos os sinais e regras musicais, enquanto eu não saberia mesmo como me virar, eu que sou um homem feito e que gostaria de passar por uma grande personalidade». Ninguém neste mundo é perfeito:
Há pessoas de natureza leve, outras grosseiras, outras ainda muito relutantes em ouvir as opiniões alheias, e outras finalmente propensas à indignação, outras à cólera e outras ao amor; para resumir, encontramos poucas pessoas em que não seja possível descobrir uma ou outra dessas imperfeições.
Deve-se então desesperar de poder melhorar o próprio temperamento, corrigindo alguma de nossas inclinações naturais? De jeito nenhum.
Por mais que, de fato, sejam em cada um de nós como próprias e naturais, se com a aplicação a um apego contrário podem ser corrigidas e reguladas, e até mesmo alguém pode se livrar delas e se purificar, então, digo a você, Filoteia, que é preciso fazê-lo. Encontrou-se até o modo de tornar doces as amendoeiras amargas: basta furá-las na base e fazer sair o suco; por que não poderíamos então fazer sair nossas inclinações perversas, para assim nos tornarmos melhores?
Daí a conclusão otimista, mas exigente: «Não há natureza boa que não possa se tornar má, por meio de hábitos viciosos; não há natureza tão perversa que não possa, primeiramente com a graça de Deus e depois com empenho industrioso e diligência, ser domada e vencida». Se o homem é educável, não se deve desesperar de ninguém e deve-se evitar preconceitos contra as pessoas:
Não digam: fulano é um bêbado, mesmo que o tenham visto bêbado; é um adúltero, por tê-lo visto pecar; é um incestuoso, por tê-lo apanhado naquela desgraça; porque um único ato não basta para dar nome à coisa. […] E mesmo quando um homem tenha sido viciado por muito tempo, ainda assim correria o risco de mentir ao chamá-lo viciado.
A pessoa humana nunca termina de cultivar seu jardim. É a lição que o fundador das visitandinas lhes incutia, quando as chamava «a cultivar a terra e o jardim» de seus corações e espíritos, porque não existe «homem tão perfeito que não precise se empenhar tanto para crescer na perfeição quanto para mantê-la».