18 Nov 2025, Ter

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Uma carta aparentemente simples, mas rica em significado espiritual e educativo: é a que Dom Bosco escreveu em 1858 ao jovem seminarista Bartolomeo Alasia. Este precioso documento, guardado zelosamente ao longo das gerações, fez uma viagem extraordinária antes de encontrar sua colocação definitiva no Arquivo Histórico de Nizza Monferrato. Sua história nos conta não apenas as vicissitudes de uma folha de papel, mas sobretudo revela a alma de um grande educador: Dom Bosco, incansável promotor de vocações e mestre de vida espiritual, capaz de transformar cada ocasião em uma oportunidade de crescimento para seus jovens.

Uma viagem de 50 km, que durou 162 anos
Em 11 de janeiro de 1911, o prior de Sommariva Bosco (Cuneo), o teólogo Celso Júlio Francese, depois de um encontro marcado, apresentou-se na cúria arquiepiscopal de Turim com uma carta autografada de Dom Bosco. Aguardava-o uma espécie de tribunal, composto por um bispo, o vigário geral Monsenhor Constancio Castrale, o promotor fiscal, o teólogo Carlos Franco, e o secretário, o teólogo Carlos Ferrero. Perguntaram-lhe como ele ficou de posse da suposta carta de Dom Bosco. O prior respondeu que, durante uma conversa com a senhorita Ana Betrone, professora em Sommariva del Bosco, ele ficou sabendo que ela possuía “uma preciosa lembrança do Venerável Dom Bosco”. Era uma carta escrita para o clérigo Bartolomeu Alasia [de Sommariva], que mais tarde se tornou padre, atualmente já falecido. A professora a recebera de um parente seu, também falecido, que por sua vez a recebeu diretamente do referido Bartolomeu. O prior então convidou a senhora Betrone a entregar a carta ao “Superior Eclesiástico”, como era exigido no caso dos processos de beatificação. Ela concordou imediatamente, “lamentando não ter sabido antes, pois a teria entregue imediatamente”.
Em resumo: a carta de 1859 havia passado das mãos do destinatário, o ex-seminarista que havia se tornado padre, para um de seus parentes, destes para o professor Betrone e depois para o teólogo Francese. Por fim, voltou ao seu legítimo proprietário, a senhora Betrone. Agora está guardado no Arquivo Histórico da casa das FMA em Nizza Monferrato. Uma viagem de apenas algumas dezenas de quilômetros, mas que durou 162 anos.
E a Cúria de Turim? O secretário imediatamente fez duas cópias conforme o original (uma para ser guardada e a outra enviada no dia seguinte à Sagrada Congregação dos Ritos em Roma), redigiu a ata do pequeno interrogatório que fez os presentes assinarem e autenticou os papéis com o carimbo da própria cúria arquiepiscopal. Tudo isso por uma pequena carta… mas de um santo!

Os precedentes desta pequena história
Quais são os precedentes dessa história? Aconteceu que o jovem Bartolomeu Alasia, nascido em 1842 em Sommariva del Bosco e ex-aluno de Valdocco de 22 de outubro de 1856 a 7 de agosto de 1959, entrou no seminário diocesano de Chieri com alguns de seus companheiros, convencido, pela palavra do próprio Dom Bosco, de que não pagaria a pensão. Porém, alguns meses depois, recebeu, provavelmente do ecônomo do seminário, um pedido de pagamento. Logo escreveu a Dom Bosco, que imediatamente, em 6 de abril de 1858, pediu ao Reitor do Seminário de Turim e primeiro responsável também pelo de Chieri, Cônego Alexandre Vogliotti, que transferisse a pensão gratuita do jovem Bonetti – que agora morava em sua casa em Valdocco – para o jovem Alasia. Ele teve (ou talvez presumiu ter) o consentimento de seu amigo Reitor e, no mesmo dia, tranquilizou o jovem dizendo que o Reitor o informaria da notícia diretamente no seminário de Chieri.

Isso é tudo? Não, havia muito mais!
Dom Bosco, educador de grande visão, não se contentou em “interceder” para que o jovem e pobre Bartolomeu recebesse a pensão do seminário; aproveitou a oportunidade para acrescentar recomendações especiais de caráter espiritual, a serem transmitidas aos seus colegas ex-alunos de Valdocco. Já havia sido informado do bom comportamento deles no seminário. Por isso, Dom Bosco lhe escreveu:
“Para desfrutar de favores especiais desse tipo [a pensão gratuita], é necessário também uma boa conduta especial no estudo e na piedade. Coragem, portanto. Siga os conselhos que lhe dou.
1. Evite absolutamente os companheiros dissipados e aqueles que não têm boa conduta
2. Frequente os santos sacramentos da Confissão e da Comunhão
3. Frequente, tenha familiaridade e imite aqueles mais esforçados no estudo e na conduta moral
4. Vá todos os dias visitar o Santíssimo Sacramento, mesmo que por apenas um minuto.
Se você e seus companheiros Vitrotti, Galleano, Piano, Sola praticarem esses conselhos, farão bem às suas almas, honrarão sua condição e o lugar em que a Divina Providência dispôs que fossem para o estudo de latinidade”
[em vista do sacerdócio].
Dom Bosco encerrou sua carta com um apelo de sabor joanino (1Jo 2,7): “Meus queridos, amem-se uns aos outros, ajudem-se com bons exemplos e conselhos e, enquanto me confio às suas orações, peço ao Senhor saúde e graça e digo-lhes /Af.mo P. João Bosco”.

Autenticidade garantida
Não há dúvida alguma de que se trata de uma carta de Dom Bosco, mesmo que o autógrafo original possa ter se perdido: a autenticação formal pela cúria de Turim, o estilo epistolar próprio de Dom Bosco e, acima de tudo, o conteúdo são provas convincentes disso. Em poucas linhas está Dom Bosco inteiro, ou seja, um incansável promotor de vocações, um atento mestre de vida espiritual, um sacerdote zeloso, um coração apaixonado pelos jovens. Como ainda hoje precisamos de educadores assim!
A essa altura, também se abriria o interessante e pouco conhecido capítulo da vida de Dom Bosco sobre as muitas vocações sacerdotais que saíram de Valdocco: centenas e centenas. Dom Bosco, muito inteligentemente, serviu-se disso para “defender” a sua obra e o seu método educativo nas disputas com Dom Gastaldi e com os círculos eclesiásticos de Turim e de Roma, hostis a Valdocco em geral e à educação ali ministrada. Mas o assunto merece um espaço maior do que o que está disponível aqui.

P. Francesco MOTTO

Salesiano de Dom Bosco, especialista em São João Bosco, autor de vários livros. Doutor em História e Teologia, Conferencista Convidado da Pontifícia Universidade Salesiana. Co-fundador e diretor por 20 anos do Instituto Histórico Salesiano (ISS) e da revista 'Ricerche Storiche salesiane' [Pesquisas Históricas Salesianas] (1992-2012); ele é um dos fundadores da Associação dos Estudiosos de História Salesiana (ACSSA), da qual ele é atualmente presidente (2015-2023). Ele foi consultor da Congregação para as Causas dos Santos (2009-2014).