26 Set 2025, Sex

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Nós temos um sonho. E é a nossa maior riqueza


Há duzentos anos, um menino de nove anos, pobre e sem outro futuro senão ser camponês, teve um sonho. Ele o contou pela manhã para sua mãe, avó e irmãos, que riram dele. A avó concluiu: “Não se deve dar atenção aos sonhos”. Muitos anos depois, aquele menino, João Bosco, escreveu: “Eu era da opinião de minha avó, mas nunca consegui tirar aquele sonho da cabeça.”
Porque não era um sonho como tantos outros e não morreu ao amanhecer.
Ele voltou e voltou de novo. Com uma carga de energia avassaladora. Foi uma fonte de alegre segurança e força inesgotável para João Bosco. A fonte da sua vida.
No processo diocesano para a causa de beatificação de Dom Bosco, o Padre Rua, seu primeiro sucessor, testemunhou: “Lúcia Turco, membro de uma família onde Dom Bosco costumava entreter-se com os irmãos dela, me contou que numa manhã o viram chegar mais alegre do que de costume. Quando lhe perguntaram qual era a causa, ele respondeu que havia tido um sonho durante a noite, que o havia deixado muito feliz. Pediram-lhe que contasse o sonho. Ele falou que tinha visto uma Senhora vindo em sua direção, com um rebanho muito grande atrás de si, que se aproximou dele, chamou-o pelo nome e disse: “Oi, Joãozinho: confio todo esse rebanho aos teus cuidados”. Soube então por outros que ele perguntou: – Como vou cuidar de tantas ovelhas? E de tantos cordeiros? Onde encontrarei pastagens para mantê-los? A Senhora lhe respondeu: – Não tenhas medo, eu te ajudarei; e depois desapareceu.
A partir daquele momento, seu desejo de estudar para se tornar padre se tornou mais ardente; mas surgiram sérias dificuldades por causa da pobreza de sua família e também por causa da oposição de seu meio-irmão Antônio, que gostaria que ele trabalhasse no campo como ele…”
De fato, tudo parecia impossível, mas a ordem de Jesus tinha sido “imperiosa” e a assistência de Nossa Senhora tinha sido docemente garantida.
O P. Lemoyne, primeiro historiador de Dom Bosco, de fato resumiu o sonho da seguinte forma: “Pareceu-lhe ver o Divino Salvador vestido de branco, radiante com a mais esplêndida luz, no ato de conduzir uma multidão inumerável de jovens. Voltando-se para ele, disse: – ‘Venha cá: coloque-se à frente desses jovens e conduza-os você mesmo’. – ‘Mas eu não sou capaz’, respondeu João. O Divino Salvador insistiu imperiosamente até que João se colocou à frente daquela multidão de rapazes e começou a conduzi-los exatamente como lhe havia sido ordenado.”
No seminário, Dom Bosco escreveu uma página de admirável humildade como motivação para a sua vocação: “O sonho de Morialdo sempre me impressionou; na verdade, ele renovou-se em outras ocasiões de modo muito mais claro, de modo que, se quisesse acreditar nele, deveria escolher o estado eclesiástico, para o qual achava que eu estava inclinado: mas não queria acreditar em sonhos, e o meu modo de vida e a absoluta falta das virtudes necessárias para esse estado tornavam essa decisão duvidosa e muito difícil”.
Podemos ter certeza: ele havia reconhecido o Senhor e sua Mãe. Apesar de sua modéstia, ele não duvidava de forma alguma de que havia sido visitado pelo Céu. Tampouco duvidava de que essas visitas tinham a intenção de revelar a ele seu futuro e o de seu trabalho. Ele mesmo disse: “A Congregação Salesiana não deu um passo sem ser aconselhada a fazê-lo por um fato sobrenatural. Não chegou ao ponto de desenvolvimento em que se encontra sem uma ordem especial do Senhor. Toda a nossa história passada, poderíamos ter escrito antecipadamente em seus mais humildes detalhes…”.
É por isso que as Constituições Salesianas começam com um “ato de fé”: “Com sentimento de humilde gratidão, cremos que a Sociedade de São Francisco de Sales não nasceu de simples projeto humano, mas por iniciativa de Deus”.

O Testamento de Dom Bosco
O próprio Papa ordenou a Dom Bosco que escrevesse o sonho para seus filhos. Ele começou assim: “Para que servirá então este trabalho? Servirá de norma para superar as dificuldades futuras, aprendendo as lições do passa­do; servirá para dar a conhecer como o próprio Deus conduziu todas as coisas a cada momento; servirá de ameno entretenimento para meus filhos quando lerem as aventuras em que andou metido seu pai; e haverão de lê-las com mais gosto quando, cha­mado por Deus a prestar conta dos meus atos, já não estiver entre eles.”
Dom Bosco revela claramente sua intenção de envolver o leitor na aventura narrada, a ponto de fazê-lo participar dela como uma história que lhe diz respeito e que ele, atraído pela narrativa, é chamado a prosseguir. A narração do sonho torna-se claramente o “testamento” de Dom Bosco.
Aqui está a missão: a transformação do mundo a partir dos menores, dos mais jovens, dos mais abandonados. Há o método: bondade, respeito, paciência. Há a segurança da forte proteção da Santíssima Trindade e da terna e maternal proteção de Maria.
Nas Memórias do Oratório, Dom Bosco conta que vinte anos depois do primeiro sonho, em 1824, ele teve naquela noite outro sonho, que parece um apêndice do que tive nos Becchi aos 9 anos. Sonhei que estava no meio de uma multidão de lobos, cabras e cabritos, cordeiros, ovelhas, bodes, cães e pássaros. Faziam todos juntos um barulho, uma desordem, ou melhor, uma inferneira de espantar os mais corajosos. Ia fugir, quando uma senhora, muito bem trajada à moda de pastorinha, fez um gesto para que seguisse e acompanhasse o estranho rebanho; enquanto isso ela se punha à frente.
Depois de muito andar, encontrei-me num prado onde os animais saltitavam e comiam juntos, sem que nenhum deles tentasse fazer mal aos outros.
Esgotado de cansaço, queria sentar-me à beira de um caminho aí perto, mas a pastorinha convidou-me a continuar andando. Após andar um pouco, encontrei-me em vasto pátio rodeado de pórticos, em cuja extremidade se erguia uma igreja. Percebi então que quatro quintos dos animais haviam-se transformado em cordeiros. O número deles tornou-se depois muito maior. Naquele momento chegaram alguns pastorzinhos para vigiá-los. Mas ficavam pouco tempo e iam-se embora. Aconteceu então uma coisa maravilhosa. Muitos cordeiros convertiam-se em pastorzinhos, que cresciam e passavam a tomar conta dos outros. Eu queria ir embora, mas a pastora me convidou a olhar para o sul. Olha outra vez – disse-me. Olhei de novo. Vi então uma igreja estupenda e alta. No interior da igreja havia uma faixa branca, na qual estava escrito em caracteres garrafais: “Hic domus mea, inde gloria mea” [aqui é minha casa, daqui sairá a minha glória].
É por isso que, quando entramos na Basílica de Maria Auxiliadora, entramos no sonho de Dom Bosco.
Que pede para se tornar o “nosso” sonho.

By Ángel Card. FERNÁNDEZ ARTIME

Reitor-Mor dos Salesianos de Dom Bosco