Profetas do perdão e da gratuidade

Nestes tempos, em que as notícias, dia após dia, nos comunicam experiências de conflito, guerra e ódio, quão grande é o risco de nós, como crentes, acabarmos envolvidos numa leitura dos acontecimentos que se reduz apenas ao nível político ou nos limitamos a tomar partido por um lado ou outro com argumentos que têm a ver com a nossa maneira de ver as coisas, com a nossa forma de interpretar a realidade.

No discurso de Jesus que segue as bem-aventuranças, há uma série de “pequenas/grandes lições” que o Senhor oferece. Sempre começam com o versículo “vocês ouviram que foi dito”. Em uma delas, o Senhor recorda o antigo ditado “olho por olho e dente por dente” (Mt 5,38).
Fora da lógica do Evangelho, essa lei não só não é contestada, como pode ser tomada como uma regra que expressa a forma de acertar as contas com aqueles que nos ofenderam. Obter vingança é percebido como um direito, chegando até a ser um dever.
Jesus se apresenta diante dessa lógica com uma proposta completamente diferente, totalmente oposta. Ao que ouvimos, Jesus nos diz: “Mas eu lhes digo” (Mt 5,39). E aqui, como cristãos, devemos ter muito cuidado. As palavras de Jesus que seguem são importantes não apenas por si mesmas, mas porque expressam de forma muito sintética toda a sua mensagem. Jesus não veio para nos dizer que há outra maneira de interpretar a realidade. Jesus não se aproxima de nós para ampliar o espectro das opiniões sobre as realidades terrenas, especialmente aquelas que tocam a nossa vida. Jesus não é uma opinião a mais, mas ele próprio encarna a proposta alternativa à lei da vingança.
A frase “mas eu lhes digo” é de fundamental importância porque agora não é mais a palavra pronunciada, mas a própria pessoa de Jesus. O que Jesus nos comunica, ele vive. Quando Jesus diz “não resistam ao perverso; pelo contrário, se alguém lhe der um tapa na face direita, ofereça também a outra” (Mt 5,39), essas mesmas palavras ele viveu em primeira pessoa. Certamente não podemos dizer que Jesus prega bem, mas faz mal com sua mensagem.
Voltando aos nossos tempos, essas palavras de Jesus correm o risco de ser percebidas como as palavras de uma pessoa fraca, reações de quem não é mais capaz de reagir, mas apenas de sofrer. E, de fato, quando olhamos para Jesus que se entrega completamente no madeiro da Cruz, essa é a impressão que podemos ter. No entanto, sabemos muito bem que o sacrifício na cruz é fruto de uma vivência que parte da frase “mas eu lhes digo”. Porque tudo o que Jesus nos disse, ele acabou por assumir plenamente. E, assumindo plenamente, conseguiu passar da cruz à vitória. A lógica de Jesus aparentemente comunica uma personalidade derrotada. Mas sabemos muito bem que a mensagem que Jesus nos deixou, e que ele viveu plenamente, é o remédio de que este mundo hoje realmente precisa.

Ser profetas do perdão significa assumir o bem como resposta ao mal. Significa ter a determinação de que o poder do maligno não condicionará a minha forma de ver e interpretar a realidade. O perdão não é a resposta do fraco. O perdão é o sinal mais eloquente daquela liberdade capaz de reconhecer as feridas que o mal deixa para trás, mas que essas mesmas feridas jamais serão um barril de pólvora que fomenta a vingança e o ódio.
Reagir ao mal com o mal só faz ampliar e aprofundar as feridas da humanidade. A paz e a concórdia não crescem no terreno do ódio e da vingança.

Ser profetas da gratuidade exige de nós a capacidade de olhar para o pobre e para o necessitado não com a lógica do lucro, mas com a lógica da caridade. O pobre não escolhe ser pobre, mas quem está bem tem a possibilidade de escolher ser generoso, bom e cheio de compaixão. Quão diferente seria o mundo se nossos líderes políticos, neste cenário onde crescem os conflitos e as guerras, tivessem a sensatez de olhar para aqueles que pagam o preço dessas divisões, que são os pobres, os marginalizados, aqueles que não podem fugir porque não conseguem.
Se partirmos de uma leitura puramente horizontal, há motivo para desespero. Não nos resta outra coisa senão ficar presos às nossas murmurações e críticas. E, no entanto, não! Nós somos educadores dos jovens. Sabemos bem que esses jovens, neste nosso mundo, estão buscando pontos de referência de uma humanidade saudável, de líderes políticos capazes de interpretar a realidade com critérios de justiça e paz. Mas quando nossos jovens olham ao redor, sabemos bem que percebem apenas o vazio de uma visão pobre da vida.
Nós, que estamos comprometidos com a educação dos jovens, temos uma grande responsabilidade. Não basta comentar a escuridão que deixa uma quase completa ausência de liderança. Não basta comentar que não há propostas capazes de inflamar a memória dos jovens. Cabe a cada um e a cada uma de nós acender essa vela de esperança nesta escuridão, oferecer exemplos de humanidade bem-sucedida no cotidiano.
Realmente vale a pena hoje ser profetas do perdão e da gratuidade.




A síndrome de Filipe e a de André

No relato do evangelho de João, capítulo 6, versículos 4-14, que apresenta a multiplicação dos pães, temos alguns detalhes sobre os quais me detenho um pouco toda vez que medito ou comento esse trecho.

Tudo começa quando, diante da “grande” multidão faminta, Jesus convida os discípulos a assumirem a responsabilidade de alimentá-la. 
Os detalhes de que falo são, primeiro, quando Filipe diz que não é possível assumir esse chamado devido à quantidade de pessoas presentes. André, por sua vez, enquanto observa que “aqui há um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes”, acaba subestimando essa mesma possibilidade com um simples comentário: “mas o que é isso para tanta gente?” (v.9). 
Desejo simplesmente compartilhar com vocês, queridas leitoras e queridos leitores, como nós cristãos, que temos o chamado de compartilhar a alegria da nossa fé, às vezes, sem perceber, podemos ser contagiados pela síndrome de Filipe ou pela de André. Às vezes, talvez até por ambas! 
Na vida da Igreja, assim como na vida da Congregação e da Família Salesiana, os desafios não faltam e nunca faltarão. Nosso chamado não é formar um grupo de pessoas onde se busca apenas estar bem, sem incomodar e sem ser incomodado. Não é uma experiência feita de certezas pré-fabricadas. Fazer parte do corpo de Cristo não deve nos distrair nem nos afastar da realidade do mundo como ele é. Pelo contrário, nos impulsiona a estar plenamente envolvidos nas questões da história humana. Isso significa, antes de tudo, olhar a realidade não apenas com olhos humanos, mas também, e principalmente, com os olhos de Jesus. Somos convidados a responder guiados pelo amor que encontra sua fonte no coração de Jesus, ou seja, viver para os outros como Jesus nos ensina e nos mostra.

A síndrome de Filipe 
A síndrome de Filipe é sutil e por isso muito perigosa. A análise que Filipe faz é justa e correta. Sua resposta ao convite de Jesus não está errada. Seu raciocínio segue uma lógica humana muito linear e sem falhas. Ele olhava a realidade com seus olhos humanos, com uma mente racional e, no fim das contas, não viável. Diante desse modo “racional” de proceder, o faminto para de me interpelar, o problema é dele, não meu. Para ser mais preciso à luz do que vivemos diariamente: o refugiado poderia ficar em sua casa, não deve me incomodar; o pobre e o doente cuidem de si mesmos e não cabe a mim fazer parte do problema deles, muito menos encontrar a solução para eles. Eis a síndrome de Filipe. Ele é um seguidor de Jesus, mas sua maneira de ver e interpretar a realidade ainda está parada, não desafiada, a anos-luz da do seu mestre.

A síndrome de André
Segue a síndrome de André. Não digo que seja pior que a síndrome de Filipe, mas falta pouco para ser mais trágica. É uma síndrome fina e cínica: vê alguma possibilidade, mas não vai além. Há uma pequena esperança, mas humanamente não é viável. Então chega-se a desqualificar tanto o dom quanto o doador. E o doador, que neste caso tem “azar”, é um menino que está simplesmente pronto para compartilhar o que tem! 
Duas síndromes que ainda estão conosco, na Igreja e também entre nós pastores e educadores. Abafar uma pequena esperança é mais fácil do que dar espaço à surpresa de Deus, uma surpresa que pode fazer florescer uma esperança, ainda que pequena. Deixar-se condicionar por clichês dominantes para não explorar oportunidades que desafiam leituras e interpretações redutivas é uma tentação permanente. Se não tomarmos cuidado, nos tornamos profetas e executores da nossa própria ruína. Ao permanecer fechados numa lógica humana, “academicamente” refinada e “intelectualmente” qualificada, o espaço para uma leitura evangélica torna-se cada vez mais limitado e acaba desaparecendo. 
Quando essa lógica humana e horizontal é colocada em crise, para se defender, um dos sinais que surge é o do “ridículo”. Quem ousa desafiar a lógica humana porque deixa entrar o ar fresco do Evangelho será cheio de ridículo, atacado, zombado. Quando isso acontece, estranhamente podemos dizer que estamos diante de um caminho profético. As águas se movem.

Jesus e as duas síndromes
Jesus supera as duas síndromes “pegando” os pães considerados poucos e, por consequência, irrelevantes. Jesus abre a porta para aquele espaço profético e de fé que nos é pedido habitar. Diante da multidão, não podemos nos contentar em fazer leituras e interpretações autorreferenciais. Seguir Jesus implica ir além do raciocínio humano. Somos chamados a olhar os desafios com seus olhos. Quando Jesus nos chama, não pede soluções, mas a doação de todo nós mesmos, com o que somos e o que temos. No entanto, o risco é que, diante do seu chamado, permaneçamos presos, consequentemente escravos, do nosso pensamento e ávidos pelo que acreditamos possuir. 
Só na generosidade fundada no abandono à sua Palavra chegamos a colher a abundância da ação providencial de Jesus. “Eles, então, os recolheram e encheram doze cestos com os pedaços que sobraram dos que tinham comido daqueles cinco pães de cevada” (v.13): o pequeno dom do menino frutifica de maneira surpreendente somente porque as duas síndromes não tiveram a última palavra. 
O Papa Bento comenta assim esse gesto do menino: “Na cena da multiplicação, é também destacada a presença de um menino que, diante da dificuldade de alimentar tanta gente, compartilha o pouco que tem: cinco pães e dois peixes. O milagre não surge do nada, mas de uma primeira modesta partilha do que um simples menino tinha consigo. Jesus não nos pede o que não temos, mas nos mostra que, se cada um oferece o pouco que tem, o milagre pode sempre se realizar novamente: Deus é capaz de multiplicar nosso pequeno gesto de amor e nos tornar participantes do seu dom” (Ângelus, 29 de julho de 2012). 
Diante dos desafios pastorais que temos, diante de tanta sede e fome de espiritualidade que os jovens expressam, tentemos não ter medo, não ficar presos às nossas coisas, aos nossos modos de pensar. Ofereçamos a Ele o pouco que temos, confiemos na luz da sua Palavra e que esta, e somente esta, seja o critério permanente das nossas escolhas e a luz que guia nossas ações.

Foto: Milagre evangélico da multiplicação dos pães e dos peixes, vitral da Abadia de Tewkesbury em Gloucestershire (Reino Unido), obra de 1888, realizada pela Hardman & Co




Mensagem do Padre Fábio Attard na festa do Reitor-Mor

Caríssimos irmãos, caríssimos colaboradores e colaboradoras das nossas Comunidades Educativo-Pastorais, caríssimos jovens,

            Permitam-me compartilhar com vocês esta mensagem que vem do fundo do meu coração. Eu a comunico com todo o carinho, apreço e respeito que tenho por cada um de vocês enquanto se empenham na missão de educadores, pastores e animadores dos jovens em todos os continentes.
            Todos nós sabemos que a educação dos jovens exige cada vez mais pessoas adultas significativas, pessoas com uma espinha dorsal moralmente sólida, capazes de transmitir esperança e visão para o futuro deles.
            Enquanto todos nós estamos comprometidos em caminhar com os jovens, acolhendo-os em nossas casas, oferecendo-lhes oportunidades educativas de todos os tipos e gêneros, na variedade de ambientes que promovemos, também estamos conscientes dos desafios culturais, sociais e econômicos que devemos enfrentar.
            Junto com esses desafios que fazem parte de todo processo educativo-pastoral, por se tratar sempre de um diálogo contínuo com as realidades terrenas, reconhecemos que, como consequência das situações de guerras e conflitos armados em várias partes do mundo, o chamado que vivemos está se tornando mais complexo e difícil. Tudo isso afeta o compromisso que estamos levando adiante. É encorajador ver que, apesar das dificuldades que enfrentamos, estamos determinados a continuar vivendo a nossa missão com convicção.
            Nestes últimos meses, a mensagem do Papa Francisco e agora a palavra do Papa Leão XIV têm convidado continuamente o mundo a encarar essa dolorosa situação que parece uma espiral que cresce de forma assustadora. Sabemos que as guerras nunca produzem paz. Estamos conscientes, e alguns de nós o estão vivendo na linha de frente, que todo conflito armado e toda guerra trazem sofrimento, dor e aumentam todo tipo de pobreza. Todos nós sabemos que aqueles que acabam pagando o preço dessas situações são os deslocados, os idosos, as crianças e os jovens que se encontram sem presente e sem futuro.
            Por esse motivo, queridos irmãos, queridos colaboradores e jovens do mundo todo, gostaria de pedir gentilmente que, para a festa do Reitor-Mor, que é uma tradição que remonta aos tempos de Dom Bosco, cada comunidade celebre a Santa Eucaristia pela paz ao redor do dia da festa do Reitor-Mor.
            É um convite à oração que tem a sua fonte no sacrifício de Cristo, crucificado e ressuscitado. Uma oração como testemunho para que ninguém permaneça indiferente diante de uma situação mundial abalada por um número crescente de conflitos.
            Este nosso é um gesto de solidariedade para com todos aqueles, especialmente salesianos, leigos e jovens, que neste momento particular, com grande coragem e determinação, continuam a viver a missão salesiana em meio a situações marcadas por guerras. São salesianos, leigos e jovens que pedem e valorizam a solidariedade de toda a Congregação, solidariedade humana, solidariedade espiritual, solidariedade carismática.
            Enquanto de minha parte e de todo o Conselho Geral estamos fazendo o que é possível para estar muito próximos de todos de forma concreta, acredito que neste momento particular deve ser dado esse sinal de proximidade e encorajamento por parte de toda a Congregação.
            A vocês, queridos irmãos e queridas irmãs em Myanmar, Ucrânia, Oriente Médio, Etiópia, Leste da República Democrática do Congo, Nigéria, Haiti e América Central, queremos dizer em voz alta que estamos com vocês. Agradecemos o seu testemunho. Asseguramos a nossa proximidade humana e espiritual.
            Continuemos a rezar pelo dom da paz. Continuemos a rezar por esses nossos irmãos, leigos e jovens que, vivendo em situações muito difíceis, continuam a esperar e a rezar para que surja a paz. O exemplo deles, a doação de si mesmos e a sua pertença ao carisma de Dom Bosco, é para nós um testemunho forte. Eles, junto com muitas pessoas consagradas, sacerdotes e leigos comprometidos, são os mártires modernos, ou seja, testemunhas da educação e da evangelização, que apesar de tudo, como verdadeiros pastores e ministros da caridade evangélica, continuam a amar, acreditar e esperar por um futuro melhor.
            Todos nós assumimos com todo o nosso coração este chamado à solidariedade. Obrigado.

Prot. 25/0243 Roma, 24 de junho de 2025
don Fabio ATTARD,
Reitor-Mor

Foto: shutterstock.com




Quando o Senhor bate à porta

Um confrade me disse: «Padre, só precisamos da sua proximidade, da sua escuta, da sua oração. Isso nos consola, nos encoraja e nos dá força e esperança para continuarmos a servir os jovens, pobres e feridos, assustados e aterrorizados!»

Em 25 de março de 2025 a Igreja celebra a solenidade da Anunciação do Anjo Gabriel a Maria. Uma das solenidades mais significativas para a fé cristã. Nesta solenidade fazemos memória da iniciativa de Deus que passa a fazer parte daquela história humana que Ele mesmo criou. Naquele dia, na Santa Eucaristia, nós recitamos o Credo e, quando professamos que o Filho de Deus se fez homem, nós, pela nossa fé nos ajoelhamos como sinal de admiração por esta maravilhosa iniciativa de Deus, diante da qual só nos resta colocar-se de joelhos.
Na experiência da Anunciação, Maria tem medo: “Não temas, Maria”, diz-lhe o Anjo. Depois de ter feito as suas perguntas, asseguradando-se de que se trata do projeto de Deus para ela, Maria responde com uma simples frase que permanece para nós, hoje, como um apelo e um convite. Maria, a Bendita entre as mulheres, diz simplesmente: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”.
No dia 25 de março passado, o Senhor bateu à porta do meu coração através do chamado que me fizeram os meus irmãos no Capítulo Geral 29º. Pediram-me para me colocar à disposição para assumir a missão de ser Reitor-Mor dos Salesianos de Dom Bosco, a Congregação de São Francisco de Sales. Confesso que naquele momento senti o peso do convite, daquelas coisas que nos que desorientam visto que aquilo que o Senhor estava me pedindo não era uma coisa simples. A questão é que, quando chega o chamado a quem crê, nós entramos naquele espaço sagrado onde fortemente nos damos conta de que é Ele quem toma a iniciativa. O caminho diante de nós é apenas o de simplesmente abandonar-se nas mãos de Deus, sem “se” e sem “mas”. E tudo isso, obviamente, não é fácil.

«Verás como o Senhor age»
Nestas primeiras semanas ainda me pergunto, como Maria, o que significa isso tudo? Depois, pouco a pouco, começo a sentir aquela mesma consolação que um nosso Inspetor Salesiano contava: “Quando o Senhor chama, é Ele quem toma a iniciativa e é d’Ele que depende o que se faz. Apenas estejas preparado e disponível. Verás como o Senhor age”.
À luz desta experiência pessoal, mas de alcance muito amplo, já que se trata da Congregação e da Família Salesiana, dirigi-me imediatamente aos meus caros irmãos Salesianos. Desde o primeiro momento, pedi-lhes que me acompanhassem com a sua oração, a sua proximidade, o seu apoio.
Devo confessar que já nestas primeiras semanas percebo que esta missão deve inspirar-se em Maria. Ela, após o anúncio do Anjo, pôs-se a caminho para ajudar a sua prima Isabel. E assim me coloquei ao serviço dos meus irmãos, a ouvi-los, compartilhando e assegurando-lhes o apoio de toda a Congregação, especialmente para aqueles que vivem em situações de guerras, conflitos e pobreza extrema.
Impressionou-me o comentário de um Inspetor que, com os seus irmãos salesianos, está vivendo uma situação extremamente difícil. Após um colóquio muito fraterno, disse-me: “Padre, só precisamos da sua proximidade, da sua escuta, da sua oração. Isso nos consola, nos encoraja e nos dá força e esperança para continuarmos a servir os jovens, pobres e feridos, assustados e aterrorizados”! Após este comentário, ficamos em silêncio, ele e eu, e dos seus olhos caíam algumas lágrimas, assim como também dos meus.
Terminado o encontro, fiquei sozinho no meu escritório. Perguntei-me se esta missão que o Senhor me pede para aceitar não é, porventura, a de tornar-me irmão ao lado dos meus irmãos que sofrem, mas não perdem a esperança? Que lutam para fazer o bem pelos pobres e não têm nenhuma intenção de parar? Sentia dentro de mim uma voz que me dizia que vale a pena dizer ‘sim’ quando o Senhor bate à porta, custe o que custar!




Discurso do Reitor-Mor no encerramento do Capítulo Geral 29

Caríssimos irmãos,

Chegamos ao fim da experiência do XXIX Capítulo Geral com o coração cheio de alegria e gratidão por tudo o que pudemos vivenciar, compartilhar e planejar. O dom da presença do Espírito de Deus, que suplicamos todos os dias na oração da manhã e durante o trabalho mediante o diálogo no Espírito, foi a força central da experiência do Capítulo Geral. Buscamos o protagonismo do Espírito e ele nos foi concedido em abundância.
A celebração de cada Capítulo Geral é como um marco na vida de toda congregação religiosa. Isso também é verdade para nós, para a nossa amada Congregação Salesiana. É um momento que dá continuidade ao caminho que, desde Valdocco, continua a ser vivido com empenho e levado adiante com zelo e determinação nas várias partes do mundo.
Chegamos ao final deste Capítulo Geral com a aprovação do Documento Final que servirá como nossa carta de navegação para os próximos seis anos – 2025-2031. Veremos e sentiremos o valor do Documento Final à medida que a mesma dedicação à escuta, a mesma preocupação de nos deixarmos acompanhar pelo Espírito Santo que marcou estas semanas, conseguirmos manter após a conclusão desta experiência salesiana de pentecostes.
Desde o início, desde que o Reitor-Mor P. Ángel Fernández Artime tornou pública a Carta de Convocação para o Capítulo Geral 29, em 24 de setembro de 2023, ACG 441, eram claras as motivações que deveriam guiar os trabalhos pré-capitulares e, mais tarde, os trabalhos do mesmo Capítulo Geral. O Reitor-Mor escreve que:

O tema escolhido é fruto de uma rica e profunda reflexão que fizemos no Conselho-Geral, com base nas respostas recebidas das Inspetorias e da visão que temos da Congregação neste momento. Ficamos agradavelmente surpresos com a grande convergência e harmonia encontradas em muitas contribuições das Inspetorias, que tinham muito a ver com a realidade que encontramos na Congregação, com o caminho de fidelidade que há em muitos setores e também com os desafios do momento presente. (ACG 441)

O processo de escuta das Inspetorias, que levou à identificação do tema para este Capítulo Geral, já é uma indicação clara da metodologia da escuta. À luz do que vivemos nestas semanas, confirma-se o valor do processo de escuta. O modo como primeiro identificamos e depois interpretamos os desafios que a Congregação está decidida a enfrentar evidenciou aquele nosso clima tipicamente salesiano, o espírito de família, que não quer evitar os desafios, que não procura padronizar o pensamento, mas que faz o possível para chegar ao espírito de comunhão em que cada um de nós pode reconhecer o modo de ser Dom Bosco hoje.
O ponto central dos desafios identificados tem a ver com a “referência à centralidade de Deus (como Trindade) e de Jesus Cristo como Senhor da nossa vida, sem jamais esquecer os jovens e o nosso compromisso em relação a eles” (ACG 441). A condução dos trabalhos do Capítulo Geral atesta não só que temos a capacidade de identificar desafios, mas também de encontrar maneiras de trazer à tona harmonia e unidade, reconhecendo e valorizando o fato de encontra-nos em diferentes continentes e contextos, diferentes culturas e línguas. Além disso, esse clima confirma que, quando olhamos para a realidade de hoje com os olhos e o coração de Dom Bosco, quando somos verdadeiramente apaixonados por Cristo e consagrados aos jovens, descobrimos que a diversidade se transforma em riqueza, que caminhar juntos é belo, embora cansativo, que juntos podemos enfrentar desafios.
Em um mundo fragmentado por guerras, conflitos e ideologias que despersonalizam, em um mundo marcado por pensamentos e modelos econômicos e políticos que privam os jovens do seu protagonismo, a nossa presença é um sinal, um «sacramento» de esperança. Os jovens, independentemente da cor da pele, da pertença religiosa ou étnica, pedem-nos para promover propostas e lugares de esperança. Eles são filhas e filhos de Deus à espera de sermos servos humildes.
Um segundo ponto, confirmado e reafirmado por este Capítulo Geral, é a convicção compartilhada de que “se faltassem em nossa Congregação a fidelidade e a profecia, seríamos como uma luz que não brilha e um sal sem sabor” (ACG 441). A questão aqui não é tanto se queremos ou não ser mais autênticos, mas que esse é o único caminho que temos e é o que foi enfatizado intensamente nestas semanas: crescer em autenticidade!
A coragem demonstrada em alguns momentos do Capítulo Geral é uma excelente premissa para a coragem que será exigida de nós no futuro em outros temas que surgiram deste Capítulo Geral. Tenho certeza de que essa coragem encontrou aqui um terreno fértil, um ecossistema saudável e promissor para o futuro. Ter coragem significa não deixar que o medo tenha a última palavra. A parábola dos talentos ensina-o claramente. O Senhor deu-nos apenas um talento: o carisma salesiano, concentrado no Sistema Preventivo. A cada um de nós será perguntado o que fizemos com esse talento. Juntos, somos chamados a fazê-lo frutificar em contextos desafiadores, novos e inéditos. Não temos motivos para enterrá-lo. Temos muitas motivações, muitos gritos de jovens que nos incitam a «sair» e semear esperança. Este passo corajoso, cheio de convicção, já foi dado por Dom Bosco no seu tempo e hoje ele nos pede que o vivamos como ele e com ele.

Gostaria de comentar alguns pontos que já constam no Documento Final e que, acredito, possam servir de setas para nos encorajar em nosso caminho nos próximos seis anos.

1. Conversão pessoal
O nosso caminho como Congregação Salesiana depende das escolhas pessoais, íntimas e profundas que cada um de nós decide fazer. Alargando o plano de fundo com que devemos refletir sobre o tema da conversão pessoal, é importante recordar como, nestes anos após o Concílio Vaticano II, a Congregação trilhou um caminho de reflexão espiritual, carismática e pastoral magistralmente comentado pelo P. Pascual em suas intervenções semanais. Essa leitura e essa contribuição enriquecem ainda mais a importante reflexão que o Reitor-Mor, P. Egídio Viganò, nos deixou em sua última carta à Congregação: Como reler hoje o carisma do Fundador (ACG 352, 1995). Se hoje falamos de uma “mudança de época”, o P. Viganò escrevia em 1995:

A releitura do carisma do nosso Fundador está nos empenhando já há bem trinta anos. Dois grandes fachos de luz nos ajudaram nesse trabalho: primeiro, o Concílio Ecumênico Vaticano II, segundo, a transformação epocal desta hora de aceleração histórica (ACG 352, 1995).

Refiro-me a esse caminho da Congregação, com suas riquezas e patrimônio, porque o tema da conversão pessoal é o espaço em que este caminho da Congregação encontra a sua confirmação e o seu impulso ulterior. A conversão pessoal não é um assunto intimista e autorreferencial. Não se trata de um chamado que toca somente a mim, de uma maneira desvinculada de tudo e de todos. A conversão pessoal é aquela experiência singular de onde sairá e emergirá depois uma pastoral renovada. Podemos constatá-lo porque encontra o seu ponto de partida no coração de cada um de nós. A partir disso, podemos notar a contínua e convicta renovação pastoral. O Papa Francisco condensa essa urgência em uma frase: “A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão «reveste essencialmente a forma de comunhão missionária»” (Christifideles laici 32, Evangelii Gaudium 23).
Isso nos leva a descobrir que, quando insistimos na conversão pessoal, devemos ter o cuidado de não cair, por um lado, numa interpretação intimista da experiência espiritual e, por outro, de não subestimar aquilo que é o fundamento de todo caminho pastoral.
Diante do apelo de renovada paixão por Jesus, convido cada salesiano e cada comunidade a levar a sério as opções e os compromissos concretos que, como Capítulo Geral, consideramos urgentes para um testemunho educativo-pastoral mais autêntico. Acreditamos que não podemos crescer pastoralmente sem essa atitude de escuta da Palavra de Deus. Reconhecemos que os vários empenhos pastorais que temos, as necessidades sempre crescentes que nos são apresentadas e que testemunham uma pobreza que nunca se detém, correm o risco de nos tirar o tempo necessário para «estar com Ele». Já encontramos esse desafio desde o início da nossa Congregação. É uma questão de ter prioridades claras que fortaleçam a nossa espinha dorsal espiritual e carismática que dá alma e credibilidade à nossa missão.
O P. Alberto Caviglia, ao comentar o tema da “Espiritualidade Salesiana” em suas Conferências sobre o Espírito Salesiano, escreve:

A maior admiração daqueles que estudaram Dom Bosco para o processo de canonização… foi a descoberta do incrível trabalho de construção do homem interior.
O Card. Salotti (…), referindo-se aos estudos que estava a fazer, disse ao Santo Padre que «ao estudar os volumosos processos de Turim, mais do que a grandeza exterior da sua obra colossal, ficou impressionado com a vida interior do espírito, de onde nasceu e alimentou-se todo o prodigioso apostolado do Ven. Dom Bosco».
Muitos conhecem apenas o trabalho externo que parece muito rumoroso, mas ignoram em grande parte aquele sábio e sublime edifício de perfeição cristã que ele havia erigido pacientemente em sua alma, exercitando-se todos os dias, a cada hora, na virtude própria do seu estado.

Caríssimos irmãos, aqui temos o nosso Dom Bosco. É este Dom Bosco que hoje somos chamados a descobrir:

Nós o estudamos e imitamos, admirando nele esplêndida harmonia de natureza e graça. Profundamente homem, rico das virtudes do seu povo, era aberto às realidades terrenas; profundamente homem de Deus, cheio dos dons do Espírito Santo, vivia “como se visse o invisível”.
Esses dois aspectos fundiram-se num projeto de vida fortemente unitário: o serviço dos jovens. Realizou-o com firmeza e constância, por entre obstáculos e canseiras, com sensibilidade de um coração generoso. “Não deu passo, não pronunciou palavra, nada empreendeu que não visasse à salvação da juventude… Realmente tinha a peito tão somente as almas” (Const. 21).

Agrada-me recordar aqui um convite feito pela Madre Teresa a suas irmãs poucos anos antes da sua morte. A sua dedicação e a das suas irmãs aos pobres é conhecida por todos. Mas nos faz bem ouvir essas palavras que ela escreveu para suas irmãs:

Enquanto não conseguires ouvir Jesus no silêncio do teu coração, não conseguirás ouvi-lo dizer «tenho sede» no coração dos pobres. Jamais desistas desse contato íntimo e cotidiano com Jesus como uma pessoa real e viva, não só como uma ideia. (“Until you can hear Jesus in the silence of your own heart, you will not be able to hear him saying, “I thirst” in the hearts of the poor. Never give up this daily intimate contact with Jesus as the real living person – not just the idea”, in https://catholiceducation.org/en/religion-and- philosophy/the-fulfillment-jesus-wants-for-us.html)

Só escutando no fundo do coração àquele que nos chama a segui-lo, Jesus Cristo, podemos realmente escutar com um coração autêntico aqueles que nos chamam a servi-los. Se a motivação radical de sermos servos não encontrar suas raízes na pessoa de Cristo, a alternativa é que a nossa motivação seja nutrida pelo terreno do nosso ego. E a consequência é que a nossa própria ação pastoral acaba por inflacionar o próprio ego. A urgência de recuperar nestas semanas o espaço místico, o terreno sagrado do encontro com Deus, um terreno onde devemos tirar as sandálias das nossas certezas e das nossas maneiras de interpretar a realidade com os seus desafios, foi reiterada várias vezes e de várias maneiras.
Caríssimos irmãos, temos aqui o primeiro passo. Aqui comprovamos se queremos realmente ser filhos autênticos de Dom Bosco. Aqui comprovamos se realmente amamos e imitamos Dom Bosco.

2. Conhecer Dom Bosco não só amar Dom Bosco
Estamos cientes de que um dos desafios centrais que temos como Salesianos é comunicar a Boa Nova com o nosso testemunho e com as nossas propostas educativas e pastorais numa cultura que está passando por uma mudança radical. Se no Ocidente falamos de indiferença à proposta religiosa como resultado do desafio da secularização, notamos que em outros continentes o desafio assume outras formas, antes de tudo a mudança para uma cultura globalizada que altera radicalmente a escala dos valores e dos estilos de vida. Em um mundo fluido e hiperconectado, o que conhecíamos ontem mudou radicalmente hoje: em suma, estamos lidando aqui com o tema frequentemente mencionado da mudança de época.
Tendo essa mudança os seus efeitos complexos, é positivo ver como a Congregação desde o CGE (1972) até hoje vive num contínuo caminho de repensamento e reflexão sobre a sua proposta educativo-pastoral. Trata-se de um processo que responde à questão sobre “o que faria Dom Bosco hoje, numa cultura secularizada e globalizada como a nossa?”
Em todo esse movimento, reconhecemos que, desde as suas origens, a beleza e a força do carisma salesiano residem precisamente na sua capacidade interna de dialogar com a história dos jovens que somos chamados a encontrar em cada época. O que contemplamos em Valdocco, nesta terra santa salesiana, é o sopro do Espírito que guiou Dom Bosco e que reconhecemos continuar a nos guiar-nos hoje. As Constituições começam exatamente com essa certeza fundante e fundamental:

O Espírito Santo, com a maternal intervenção de Maria, suscitou São João Bosco.
Formou nele um coração de pai e mestre, capaz de doação total: “Prometi a Deus que até meu último alento seria para meus pobres jovens”.
Para prolongar no tempo a sua missão, guiou-o na criação de várias forças apostólicas, sendo a primeira delas a nossa Sociedade.
A Igreja reconheceu nisso a ação de Deus, sobretudo ao aprovar as Constituições e proclamar santo o Fundador.
Desta presença ativa do Espírito haurimos a energia para a nossa fidelidade e o apoio da nossa esperança. (Const. 1)

O carisma salesiano contém um convite inato a colocar-nos diante dos jovens da mesma forma de Dom Bosco ao colocar-se diante de Bartolomeu Garelli… «seu amigo»!
Tudo isso parece muito fácil de dizer, parece uma exortação amigável. Na realidade, ela esconde em si o convite urgente a nós, filhos de Dom Bosco, para que, no atual momento histórico em que vivemos, reproponhamos o carisma salesiano de modo adequado e significativo. Há, porém, uma condição indispensável que nos permite fazer esse caminho: o conhecimento verdadeiro e sério do bom Dom Bosco. Não podemos dizer que «amamos» Dom Bosco de verdade se não estivermos seriamente empenhados em «conhecer» Dom Bosco.
Muitas vezes, o risco é satisfazer-nos com um conhecimento de Dom Bosco que não se conecta com os desafios de hoje. Com um conhecimento superficial de Dom Bosco, somos realmente pobres daquela bagagem carismática que nos torna seus filhos autênticos. Sem conhecer Dom Bosco, não podemos e não chegamos a encarnar Dom Bosco nas culturas onde estamos. Qualquer esforço nessa pobreza de conhecimento carismático resulta apenas em operações carismáticas cosméticas, que, no final, são uma traição à mesma herança de Dom Bosco.
Se quisermos que o carisma salesiano seja capaz de dialogar com a cultura de hoje, com as culturas de hoje, devemos aprofundá-lo continuamente por si mesmo e à luz das condições sempre mutáveis em que vivemos. A bagagem que recebemos no início da nossa fase formativa inicial, se não for seriamente aprofundada hoje, não é suficiente, é simplesmente inútil, se não for até mesmo prejudicial.
Nessa direção, a Congregação fez e está fazendo um enorme esforço para reler a vida de Dom Bosco, o carisma salesiano à luz das atuais condições sociais e culturais, em todas as partes do mundo. É um patrimônio que temos, mas corremos o risco de não o conhecer porque não o estudamos como ele merece. A perda da memória corre o risco não só de nos fazer perder o contato com o tesouro que temos, mas também de nos fazer acreditar que esse tesouro não existe. E isso será realmente trágico, não tanto e somente para nós salesianos, mas para aquelas multidões de jovens que nos esperam.
A urgência deste aprofundamento não é apenas de natureza intelectual, mas toca a sede que existe de uma formação carismática séria dos leigos em nossas CEPs. O Documento Final trata dessa questão de forma frequente e sistemática. Os leigos que hoje participam conosco da missão salesiana são pessoas ávidas de uma proposta salesiana de formação mais clara. Não podemos viver esses espaços de convergência educativo-pastoral se a nossa linguagem e o nosso modo de comunicar o carisma não tiverem a capacidade cognitiva e a preparação adequada para despertar a curiosidade e a atenção daqueles que vivem conosco a missão salesiana.
Não basta dizer que amamos Dom Bosco. O verdadeiro «amor» a Dom Bosco envolve o empenho de conhecê-lo e estudá-lo, e não apenas à luz do seu tempo, mas também à luz do grande potencial da sua atualidade, à luz do nosso tempo. O Reitor-Mor, P. Pascual Chávez, convidou a Congregação e a Família Salesiana para isso nos três anos que precederam o «Bicentenário do nascimento de Dom Bosco 1815-2013».  É um convite mais atual do que nunca. Este Capítulo Geral é um apelo e uma oportunidade para reforçar o conhecimento histórico, pedagógico e espiritual do nosso Pai e Mestre (P. Pascual Chávez, Estreia 2012, “Conhecendo e imitando Dom Bosco, façamos dos jovens a missão da nossa vida” [ACG 412])
Reconheçamos, caríssimos irmãos que, neste ponto, este tema se liga ao anterior: a conversão pessoal. Se não conhecermos Dom Bosco e não o estudarmos, não poderemos compreender a dinâmica e as lutas do seu itinerário espiritual e, consequentemente, as raízes das suas opções pastorais. Nós o amaremos apenas de modo superficial, sem a verdadeira capacidade de imitá-lo como um homem profundamente santo. Acima de tudo, será impossível inculturar o seu carisma hoje nos diversos contextos e situações. Somente ao fortalecer a nossa identidade carismática poderemos oferecer à Igreja e à sociedade um testemunho credível e uma proposta educativo-pastoral significativa e relevante para os jovens.

3. O caminho continua
Nesta terceira parte, gostaria de encorajar a Congregação inteira a manter viva a atenção em determinadas áreas que, por meio de várias Deliberações e empenhos concretos, quisemos dar um sinal de continuidade.
O campo da animação e coordenação da marginalização e da insatisfação juvenil é uma área em que a Congregação tem se empenhado muito nas últimas décadas. Creio que a resposta das Inspetorias à pobreza crescente é um sinal profético que nos distingue e nos vê a todos determinados a continuar a reforçar a resposta salesiana em favor dos mais pobres.
O empenho das Inspetorias no campo da promoção de ambientes seguros continua a encontrar uma resposta crescente e profissional nas Inspetorias. O esforço nesse campo testemunha que esse caminho é o correto para afirmar o compromisso com a dignidade de todos, especialmente dos mais vulneráveis.
O campo da ecologia integral surge como apelo para um maior trabalho educativo- pastoral. A atenção crescente das comunidades educativo-pastorais às questões ambientais exige uma ação sistemática para promover mudanças de mentalidade. As várias propostas de formação nessa área, já presentes na Congregação, devem ser reconhecidas e acompanhadas.
Depois, há duas áreas que eu gostaria de convidar a Congregação a considerar cuidadosamente nos próximos anos. Elas fazem parte de uma visão mais ampla do trabalho da Congregação. Acredito que essas duas áreas terão consequências substanciais para os nossos processos educativo-pastorais.

3.1 Inteligência artificial – uma missão real num mundo artificial
Como Salesianos de Dom Bosco, somos chamados a caminhar com os jovens em todos os ambientes onde vivem e crescem, inclusive no vasto e complexo mundo digital. Hoje, a Inteligência Artificial (IA) apresenta-se como uma inovação revolucionária, capaz de moldar a maneira como as pessoas aprendem, comunicam-se e constroem relacionamentos. Entretanto, por mais revolucionária que seja, a IA continua a ser exatamente isso: artificial. O nosso ministério, enraizado na conexão humana autêntica e orientado pelo Sistema Preventivo, é profundamente real. A IA pode assessorar, mas não pode amar como nós. Pode organizar, analisar e ensinar de maneiras novas, mas jamais poderá substituir o toque relacional e pastoral que define a nossa missão salesiana.
Dom Bosco era um visionário sem medo de inovar, tanto em nível eclesial quanto em nível educativo, cultural e social. Quando essa inovação servia ao bem dos jovens, Dom Bosco avançava com uma velocidade surpreendente. Ele explorou a imprensa, os novos métodos educativos e as oficinas para elevar os jovens e prepará-los para a vida. Se estivesse entre nós hoje, sem dúvida olharia para a IA com um olhar crítico e criativo. Vê-la-ia não como um fim, mas como um meio, um instrumento para ampliar a eficácia pastoral sem perder de vista a pessoa humana no centro.
A Inteligência Artificial não é apenas um instrumento: ela faz parte da nossa missão como Salesianos que vivem na era digital. O mundo virtual não é mais um espaço separado, mas uma parte integrante da vida cotidiana dos jovens. A inteligência artificial pode ajudar-nos a responder às suas necessidades de forma mais eficiente e criativa, oferecendo caminhos personalizados de aprendizagem, orientação virtual e plataformas que promovem conexões significativas.
Nesse sentido, a inteligência artificial torna-se tanto um instrumento quanto uma missão, pois ajuda-nos a alcançar os jovens onde eles estão, geralmente imersos no mundo digital. Ao mesmo tempo em que adotamos a IA, devemos reconhecer que ela é apenas um aspecto de uma realidade muito ampla que inclui a mídia social, as comunidades virtuais, a narração digital e muito mais. Juntos, esses elementos formam uma nova fronteira pastoral que nos desafia a estar presentes e a ser proativos. A nossa missão não é simplesmente usar a tecnologia, mas evangelizar o mundo digital, levando o Evangelho a espaços onde, de outra forma, ele poderia estar ausente.
A nossa resposta à IA e aos desafios digitais deve estar enraizada no espírito salesiano de otimismo e empenho proativo. Continuemos a caminhar com os jovens, mesmo no vasto mundo digital, com os corações cheios de amor, porque eles são apaixonados por Cristo e enraizados no carisma de Dom Bosco. O futuro é brilhante quando a tecnologia está a serviço da humanidade e quando a presença digital está cheia do autêntico ardor salesiano e da ação pastoral. Abracemos este novo desafio, confiantes de que o espírito de Dom Bosco haverá de guiar-nos em cada nova oportunidade.

3.2 A Universidade Pontifícia Salesiana
A Universidade Pontifícia Salesiana (UPS) é a Universidade da Congregação Salesiana, de todos nós. Ela constitui uma estrutura de grande e estratégica importância para a Congregação. A sua missão consiste em fazer o carisma dialogar com a cultura, a energia da experiência educativo-pastoral de Dom Bosco com a pesquisa acadêmica, de modo a desenvolver uma proposta educativa de alto nível a serviço da Congregação, da Igreja e da sociedade.
Desde o início, a nossa Universidade desempenhou um papel insubstituível na formação de muitos irmãos para funções de animação e governo, e ainda desempenha essa valiosa tarefa. Em uma época marcada pela desorientação generalizada em relação à gramática do ser humano e ao significado da existência, pela desintegração do vínculo social e pela fragmentação da experiência religiosa, pelas crises internacionais e pelos fenômenos migratórios, uma Congregação como a nossa é chamada com urgência a enfrentar a missão educativo-pastoral, servindo-se dos sólidos recursos intelectuais que se desenvolvem em uma universidade.
Como Reitor-Mor e como Grão-Chanceler da UPS, desejo reiterar que as duas prioridades fundamentais da Universidade da Congregação são a formação de educadores e pastores, salesianos e leigos, a serviço dos jovens, e o aprofundamento cultural – histórico, pedagógico e teológico – do carisma. Ao redor desses dois pilares, que requerem diálogo interdisciplinar e atenção intercultural, a UPS é chamada a cumprir com o seu compromisso com a pesquisa, o ensino e a transmissão do conhecimento. Por isso, estou muito contente que, em vista do 150º aniversário do texto de Dom Bosco sobre o Sistema Preventivo, tenha sido lançado um projeto sério de pesquisa, em colaboração com a Faculdade “Auxilium” das FMA, para focalizar a inspiração original da práxis educativa de Dom Bosco e examinar o modo como ela inspira as práticas pedagógicas e pastorais de hoje na diversidade dos contextos e das culturas.
O governo e a animação da Congregação e da Família Salesiana serão certamente beneficiados com o trabalho cultural da Universidade, como também, com o estudo acadêmico, receberão uma linfa preciosa ao manter contato estreito com a vida da Congregação e o seu serviço cotidiano aos jovens mais pobres em todas as partes do mundo.

3.3 150 anos – a viagem continua
Somos chamados a dar graças e louvar a Deus neste Ano Jubilar da Esperança, porque neste ano recordamos o empenho missionário de Dom Bosco, que encontrou um momento muito significativo de desenvolvimento no ano de 1875. A reflexão que nos é oferecida na Estreia 2025 pelo Vigário do Reitor-Mor, P. Stefano Martoglio, recorda-nos o tema central do 150º aniversário da primeira expedição missionária de Dom Bosco: reconhecer, repensar e relançar.
À luz do 29º Capítulo Geral que estamos a concluir, isso nos ajuda a situar esse convite no sexênio que temos pela frente. Somos chamados a ser reconhecidos porque “a gratidão torna evidente a paternidade de toda bela realização. Sem gratidão não há capacidade de acolher”.
Ao reconhecimento, acrescentamos o dever de repensar a nossa fidelidade, porque “a fidelidade envolve a capacidade de mudar, na obediência, para uma visão que vem de Deus e da leitura dos «sinais dos tempos»… Repensar torna-se, então, um ato gerador, em que se unem fé e vida; um momento em que nos perguntamos: o que queres dizer-nos, Senhor?”
Enfim, a coragem de relançar, de recomeçar todos os dias. Como estamos a fazer nestes dias, olhamos adiante para “acolher os novos desafios, relançando a missão com esperança”. (Porque a) Missão é levar a esperança de Cristo com uma consciência clara e lúcida, unida à fé”.

4. Conclusão
Ao final deste discurso de encerramento, gostaria de apresentar uma reflexão de Tomáš HALÍK, tirada do seu livro Il pomeriggio del cristianesimo[A tarde do cristianismo] (HALÍK, Tomáš, Pomeriggio del cristianesimo. Il coraggio di cambiare. Edizioni Vita e Pensiero, Milano 2022). No último capítulo do livro, que traz o título de “A Sociedade do caminho”, o autor apresenta quatro conceitos eclesiológicos.
Acredito que esses quatro conceitos eclesiológicos podem ajudar-nos a interpretar positivamente as grandes oportunidades pastorais que nos aguardam. Proponho esta reflexão com a consciência de que aquilo que o autor propõe está intimamente ligado ao coração do carisma salesiano. É impressionante e surpreendente que, quanto mais nos empenhamos em fazer uma leitura pastoral carismática, pedagógica e cultural da realidade de hoje, a convicção de que o nosso carisma nos dá uma base sólida para que os vários processos que estamos a acompanhar possam encontrar o seu devido lugar em um mundo onde os jovens esperam que lhes seja oferecida esperança, alegria e otimismo. É bom reconhecer com grande humildade, mas ao mesmo tempo com grande senso de responsabilidade, que o carisma de Dom Bosco continua a oferecer hoje diretrizes, não só para nós, como também para toda a Igreja.

4.1 A Igreja como povo de Deus em peregrinação pela história. Essa imagem descreve uma Igreja em movimento e em luta contra as incessantes mudanças. Deus plasma a forma da Igreja na história, revela-se a ela por meio da história e transmite-lhe os seus ensinamentos por meio de eventos históricos. Deus está na história. (HALÍK, Tomáš, Pomeriggio del cristianesimo, p. 229)

O nosso chamado a ser educadores e pastores consiste precisamente em caminhar com o rebanho nessa história, nessa sociedade em constante mudança. A nossa presença nos vários “pátios da vida das pessoas” é a presença sacramental de um Deus que quer encontrar aqueles que o buscam, sem o saber. Nesse contexto, “o sacramento da presença” adquire para nós um valor inestimável, porque se entrelaça com as eventualidades históricas dos nossos jovens e de todos aqueles que vêm até nós nas várias expressões da missão salesiana – o PÁTIO.

4.2 A ‘escola’ é a segunda visão da Igreja – escola de vida e escola de sabedoria. Vivemos em uma época em que nem a religião tradicional nem o ateísmo dominam o espaço público de muitos países europeus, mas sim o agnosticismo, o apateísmo e o analfabetismo religioso… Há, nesta época, uma necessidade urgente de que a sociedade cristã se transforme em uma “escola”, seguindo o ideal original das universidades medievais, que foram estabelecidas como comunidades de professores e alunos, comunidades de vida, oração e ensino. (Ibid., pp. 231-232)

Ao fazer uma retrospectiva do projeto educativo-pastoral de Dom Bosco desde as suas origens, descobrimos como essa segunda proposta toca diretamente a experiência que oferecemos hoje aos nossos jovens: a escola e a formação profissional. São itinerários educativos como instrumento indispensável para dar vida a um processo integral onde se encontrem cultura e fé. Para nós, hoje, esse espaço é uma excelente oportunidade para dar testemunho da boa nova em encontros humanos e fraternos, educativos e pastorais com muitas pessoas e, sobretudo, com muitas crianças e muitos jovens que se sentem acompanhados para um futuro digno. Para nós, pastores, a experiência educativa é um modo de vida que comunica sabedoria e valores em um contexto que encontra e vai além da resistência e derrete a indiferença com empatia e proximidade. Caminhar juntos promove um espaço de crescimento integral inspirado na sabedoria e nos valores do Evangelho – a ESCOLA.

4.3 A Igreja como hospital de campanha… Por muito tempo, face a face com as doenças da sociedade, a Igreja limitou-se à moralidade; agora ela se depara com a tarefa de redescobrir e aplicar o potencial terapêutico da fé. A missão diagnóstica deveria ser realizada por aquela disciplina para a qual propus o nome de cairologia – a arte de ler e interpretar os sinais dos tempos, a hermenêutica teológica dos fatos da sociedade e da cultura. A cairologia deve dedicar a sua atenção aos tempos de crise e às mudanças de paradigmas culturais. Deveria senti-las como parte de uma ‘pedagogia de Deus’, como um momento oportuno para aprofundar a reflexão sobre a fé e renovar a sua prática. De certa forma, a cairologia desenvolve o método de discernimento espiritual, que é um componente importante da espiritualidade de Santo Inácio e seus discípulos; ela aplica-o ao aprofundar e avaliar o estado atual do mundo e as nossas tarefas nele. (Ibid., pp. 233-234)

Este terceiro critério eclesiológico vai ao coração da abordagem salesiana. Não estamos presentes na vida das crianças e dos jovens para condená-los. Nos tornamos disponíveis para oferecer-lhes um espaço saudável de comunhão (eclesial), iluminado pela presença de um Deus misericordioso que não impõe condições a ninguém.Elaboramos e comunicamos as várias propostas pastorais justamente com esta visão de facilitar o encontro dos jovens com uma proposta espiritual capaz de iluminar os tempos em que vivem, de oferecer-lhes uma esperança para o futuro. A proposta da pessoa de Jesus Cristo não é fruto de um estéril confessionalismo ou cego proselitismo, mas a descoberta de uma relação com uma pessoa que oferece amor incondicional a todos. Nosso testemunho e o de todos aqueles que vivem a experiência educativo-pastoral, como comunidade, é o sinal mais eloquente e a mensagem mais crível dos valores que queremos comunicar para poder compartilhá-los – a IGREJA.

4.4 O quarto modelo de Igreja… é necessário que a Igreja institua centros espirituais, lugares de adoração e contemplação, mas também de encontro e diálogo, onde a experiência da fé possa ser compartilhada. Muitos cristãos estão preocupados com o fato de que, em um grande número de países, está se desgastando a rede de paróquias, estabelecida há alguns séculos em uma situação sociocultural e pastoral completamente diferente e dentro de uma autocompreensão diferente de Igreja. (Ibid., pp. 236-237)

O quarto conceito é o de uma “casa” capaz de comunicar acolhimento, escuta e acompanhamento. Uma “casa” onde é reconhecida a dimensão humana da história de cada pessoa e, ao mesmo tempo, é oferecida a possibilidade de permitir a esta humanidade chegar à maturidade. Dom Bosco chama justamente de “casa” o lugar onde a comunidade vive o seu chamado porque, acolhendo as nossas crianças e os nossos jovens, sabe garantir as condições e as propostas pastorais necessárias para que essa humanidade cresça de modo integral. A nossa comunidade, “casa”, é chamada a dar testemunho da originalidade da experiência de Valdocco: uma “casa” que se encontra com a história dos nossos jovens, oferecendo-lhes um futuro digno – a CASA.

Temos em nossas Constituições, Art. 40,a síntese destes “quatro conceitos eclesiológicos”. É uma síntese que serve de convite e também de encorajamento para o presente e o futuro das nossas comunidades educativo-pastorais, das nossas inspetorias, da nossa amada Congregação Salesiana:

O Oratório de Dom Bosco, critério permanente
Dom Bosco viveu uma típica experiência pastoral no seu primeiro Oratório, que foi para os jovens casa que acolhe, paróquia que evangeliza, escola que encaminha para a vida, e pátio para se encontrarem como amigos e viverem com alegria.
Ao realizarmos hoje nossa missão, a experiência de Valdocco continua critério permanente de discernimento e renovação de cada atividade e obra.

Obrigado.
Roma, 12 de abril de 2025




Com Dom Bosco. Sempre

Não é indiferente celebrar um Capítulo Geral em um lugar ou em outro. Certamente, em Valdocco, no “berço do carisma”, temos a oportunidade de redescobrir a gênese da nossa história e reencontrar a originalidade que constitui o coração da nossa identidade de consagrados e apóstolos dos jovens.

Na moldura antiga de Valdocco, em que tudo fala das nossas origens, sou quase obrigado a fazer memória daquele dezembro de 1859, em que Dom Bosco havia tomado uma decisão incrível, única na história: fundar uma congregação religiosa com alguns jovens.
Ele os havia preparado, mas eram ainda muito jovens. «Há muito tempo pensava em fundar uma Congregação. Eis que chegou disso se tornar realidade.» explicou Dom Bosco com simplicidade. «Na verdade, esta Congregação não está nascendo só agora: ela já existia naquele conjunto de Regras que, por costume, vocês sempre observaram… Trata-se agora de andar avante, de constituir normalmente a Congregação e de aceitar as suas Regras. Saibam, porém, que nela serão inscritos somente aqueles que, depois de terem refletido seriamente, quiserem fazer, a seu tempo, os votos de pobreza, castidade e obediência… Deixo-lhes uma semana de tempo para pensarem nisso».
À saída da reunião houve um silêncio insólito. Bem depressa, quando começaram a falar, pode-se constatar que Dom Bosco tinha razão em proceder com lentidão e prudência. Alguns murmuravam consigo mesmos que Dom Bosco queria fazer deles frades. Cagliero caminhava pelo pátio, envolvido em sentimentos contraditórios.
Mas o desejo de «permanecer com Dom Bosco» prevaleceu na maioria. Cagliero disse então a frase que se tornaria histórica: «Frade ou não frade, eu fico com Dom Bosco».
Na «conferência de adesão», que se realizou na noite de 18 de dezembro, eram em 17. Dom Bosco convocou o primeiro Capítulo Geral em 5 de setembro de 1877, em Lanzo Torinese. Os participantes eram vinte e três e o Capítulo durou três dias inteiros. Hoje, para o Capítulo de número 29, os capitulares são 227. Chegaram de todas as partes do mundo, representando todos os salesianos.
Na abertura do primeiro Capítulo Geral, Dom Bosco disse aos nossos irmãos: «O Divino Salvador diz no santo Evangelho que onde estão dois ou três reunidos em seu nome, Ele mesmo está entre deles. Nós não temos outro fim nestes encontros senão a maior glória de Deus e a salvação das almas redimidas pelo precioso Sangue de Jesus Cristo». Podemos estar certos, portanto, de que o Senhor estará em nosso meio e que conduzirá Ele mesmo as coisas de tal modo que todos se sintam à vontade.

Uma mudança de época
A expressão evangélica: «Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar» (Mc 3,14-15), diz que Jesus escolhe e chama aqueles que quer. Entre estes estamos também nós. O Reino de Deus se torna realidade e aqueles primeiros Doze são um exemplo e um modelo para nós e para as nossas comunidades. Os Doze são pessoas comuns, com qualidades e defeitos, não formam uma comunidade de puros e nem sequer um simples grupo de amigos.
Sabem, como disse o Papa Francisco, que “Vivemos uma mudança de época mais que uma época de mudanças”. Em Valdocco, nestes dias, se percebe grandemente esta consciência. Todos os irmãos sentem que este é um momento de grande responsabilidade.
Na vida da maioria dos irmãos, das inspetorias e da Congregação há muitas coisas positivas, mas isto não basta e não pode servir de “consolo”, porque o grito do mundo, as grandes e novas pobrezas, a luta quotidiana de tantas pessoas – não somente pobres, mas também simples e trabalhadoras – se levanta forte como pedido de ajuda. São todas perguntas que nos devem provocar e sacudir e não nos deixar tranquilos.
Com a ajuda das inspetorias através da consulta, acreditamos ter individuado, por um lado, os principais motivos de preocupação e, por outro, os sinais de vitalidade da nossa Congregação, adaptados sempre com aos traços culturais específicos de cada contexto.
Durante o Capítulo propomos concentrar-nos sobre o que significa para nós sermos verdadeiramente salesianos apaixonados por Jesus Cristo, porque sem isto ofereceremos bons serviços, faremos o bem às pessoas, ajudaremos, mas não deixaremos uma marca profunda.
A missão de Jesus continua e se torna visível hoje no mundo também através de nós, seus enviados. Somos consagrados para construir amplos espaços de luz para o mundo de hoje, para sermos profetas. Fomos consagrados por Deus e chamados ao seguimento do seu amado Filho Jesus para vivermos verdadeiramente como conquistados por Deus. É por isso que o essencial continua a ser a fidelidade da Congregação ao Espírito Santo, vivendo, com o espírito de Dom Bosco, uma vida consagrada salesiana centrada em Jesus Cristo.
A vitalidade apostólica, como vitalidade espiritual, é compromisso a favor dos adolescentes e jovens nas mais variadas pobrezas e, por isso, não se pode somente oferecer serviços educativos. O Senhor nos chama a educar evangelizando, levando a Sua presença e acompanhando a vida com oportunidades de futuro.
Somos chamados a procurar, em nome de Deus, novos modelos de presença, novas expressões do carisma salesiano. E que isto seja feito, em comunhão com os jovens e com o mundo, através de “uma ecologia integral” e da formação de uma cultura digital nos mundos habitados pelos jovens e pelos adultos.
E é forte o desejo e a expectativa de que este seja um Capítulo Geral corajoso, em que se digam as coisas, sem se preocupar com frases corretas e bem ditas, mas que não tocam a vida.
Nesta missão não estamos sozinhos. Sabemos e sentimos que a Virgem Maria é um modelo de fidelidade.
É belo voltar com a mente e com o coração ao dia da solenidade da Imaculada Conceição de 1887, quando, dois meses antes da sua morte, Dom Bosco disse a alguns Salesianos que o acompanhavam e escutavam com comoção: «Até agora caminhamos no certo. Não podemos errar; é Maria quem nos guia».
Maria Auxiliadora, a Nossa Senhora de Dom Bosco, nos guia. Ela é a Mãe de todos nós e é Ela que diz ao CG29, como o fez em Caná da Galileia: «Fazei o que ele vos disser».
A nossa Mãe Auxiliadora nos ilumine e nos guie, como fez com Dom Bosco, a sermos fiéis ao Senhor e a jamais desiludir os jovens, sobretudo aqueles mais necessitados.




Novo Reitor-Mor: Fabius Attard

Temos a alegria de anunciar que o padre Fabius Attard é o novo Reitor-Mor, o décimo primeiro sucessor de Dom Bosco.

Brevíssimas informações do novo Reitor-Mor:
Nascido: 23/03/1959 em Gozo (Malta), diocese de Gozo.
Noviciado: 1979-1980 em Dublin.
Profissão perpétua: 11/08/1985 em Malta.
Ordenação presbiteral: 04/07/1987 em Malta.
Desempenhou diversos encargos pastorais e formativos dentro de sua inspetoria de origem.
Foi por 12 anos o Conselheiro geral para a Pastoral Juvenil, 2008-2020.
Desde 2020, foi o Delegado do Reitor-Mor para a Formação Permanente dos salesianos e dos leigos na Europa.
Última comunidade de pertencimento: Roma CNOS.
Línguas conhecidas: Maltês, Inglês, Italiano, Francês, Espanhol.

Auguramos um frutuoso apostolado ao padre Fabio e asseguramos-lhe as nossas orações.




Nós somos Dom Bosco, hoje

«Tu levarás a cabo o trabalho que estou começando; eu farei os esboços, tu desenharás as cores» (Dom Bosco)

Queridos amigos e leitores, membros da Família Salesiana, na saudação deste mês no Boletim Salesiano, vou me concentrar num evento muito importante que a Congregação Salesiana está vivendo: o 29º Capítulo Geral. No caminho da Congregação Salesiana, a cada seis anos ocorre esta assembleia, a mais importante na vida da Congregação.
Muitas coisas fazem parte da nossa vida, e este ano jubilar nos está proporcionando muitos eventos importantes; no entanto, desejo me concentrar neste porque, mesmo que aparentemente esteja longe de nós, diz respeito a todos nós.
Dom Bosco, nosso Fundador, estava ciente de que nem tudo terminaria com ele, mas que o seu seria, sem dúvida, apenas o início de um longo caminho a percorrer. Aos sessenta anos, num dia de 1875, disse ao P. Júlio Barberis, um de seus colaboradores mais próximos: “Tu levarás a cabo o trabalho que estou começando; eu farei os esboços, tu desenharás as cores […] Farei uma cópia aproximada da Congregação e deixarei para aqueles que vierem depois de mim a tarefa de torná-la bela”.
Com esta feliz e profética expressão, Dom Bosco desenhava o caminho que todos somos chamados a percorrer; e de forma máxima está se realizando o Capítulo Geral dos Salesianos de Dom Bosco nestes tempos em Valdocco.

A profecia dos doces
O mundo de hoje não é o de Dom Bosco, mas há uma característica comum: é um tempo de profundas mutações. A humanização completa, equilibrada e responsável em seus componentes materiais e espirituais era o verdadeiro objetivo de Dom Bosco. Ele se preocupava em preencher o “espaço interior” dos jovens, formar “cabeças bem feitas”, “cidadãos honestos”. Neste aspecto, é totalmente atual. O mundo hoje precisa de Dom Bosco.
No início, para todos há uma pergunta muito simples: «Você quer uma vida qualquer ou quer mudar o mundo?» Mas ainda se pode falar de metas e ideais, hoje? Quando o rio para de correr, ele se torna um pântano. O mesmo acontece com o ser humano.
Dom Bosco não parou de caminhar. Hoje ele o faz com nossos pés.
Ele tinha uma convicção sobre os jovens: «Esta porção, a mais delicada e a mais preciosa da sociedade humana, sobre a qual se fundamentam as esperanças de um futuro feliz, não é por si mesma de índole perversa… porque se acontece às vezes que já estejam corrompidos nessa idade, isso se deve mais à imprudência do que à malícia consumada. Esses jovens realmente precisam de uma mão benéfica, que cuide deles, os cultive, os guie…»
Em 1882, numa conferência, disse aos Cooperadores em Gênova: «Ao retirar, instruir, educar os jovens em perigo, faz-se um bem a toda a sociedade civil. Se a juventude for bem educada, teremos com o tempo uma geração melhor». É como dizer: apenas a educação pode mudar o mundo.
Dom Bosco tinha uma capacidade de visão quase assustadora. Ele nunca diz “até agora”. Mas sempre “de agora em diante.
Guy Avanzini, eminente professor universitário, continua a repetir: «A pedagogia do século XXI será salesiana, ou não será pedagogia».
Numa noite de 1851, de uma janela do primeiro andar, Dom Bosco jogou entre os jovens um punhado de doces. Uma grande alegria se acendeu, e um garoto, vendo-o sorrir na janela, gritou: «Ó Dom Bosco, se pudesse ver todas as partes do mundo, e em cada uma delas tantos oratórios!».
Dom Bosco fixou seu olhar sereno no ar e respondeu: «Quem sabe se não deve vir o dia em que os filhos do oratório estejam realmente espalhados por todo o mundo».

Olhar distante
Mas o que é um Capítulo Geral? Por que ocupar estas linhas sobre um tema que é especificamente da Congregação Salesiana? 
As constituições de vida dos Salesianos de Dom Bosco, no artigo 146, definem assim o Capítulo Geral: 
“O Capítulo Geral é o sinal principal da unidade na diversidade da Congregação. É o encontro fraterno no qual os salesianos realizam uma reflexão comunitária, para se manterem fiéis ao Evangelho e ao carisma do Fundador, e sensíveis às necessidades dos tempos e lugares. 
Mediante o Capítulo Geral, toda a Sociedade, deixando-se guiar pelo Espírito do Senhor, procura conhecer, em determinado momento da história, a vontade de Deus para melhor servir à Igreja”
.
O Capítulo Geral não é, portanto, um fato privado dos salesianos consagrados, mas uma assembleia importantíssima que diz respeito a todos nós, que toca toda a Família Salesiana e aqueles que têm Dom Bosco dentro de si, porque no centro estão as pessoas, a missão, o Carisma de Dom Bosco, a Igreja e cada um de nós, de vocês. 
No centro está a fidelidade a Deus e a Dom Bosco, na capacidade de ver os sinais dos tempos e dos diferentes lugares. Fidelidade que é um movimento contínuo, renovação, capacidade de olhar longe e, ao mesmo tempo, manter os pés bem plantados no chão.

Por isso, cerca de 250 coirmãos salesianos se reuniram de todas as partes do mundo para rezar, refletir, dialogar e olhar para o futuro… em fidelidade a Dom Bosco.
E, a partir da construção dessa visão, eleger o novo Reitor-Mor, o sucessor de Dom Bosco e seu Conselho Geral.
Não é algo fora da sua vida, caro amigo(a) que lê, mas dentro da sua existência e no seu “afeto” a Dom Bosco. Por que lhe digo isso? Porque você acompanha tudo isso com sua oração. A oração ao Espírito Santo que ajude todos os capitulares a conhecer a vontade de Deus para um melhor serviço à Igreja.
Acredito que o CG29, tenho certeza, será tudo isso. Uma experiência de Deus para purificar outras partes do esboço que Dom Bosco nos deixou, como sempre foi feito em todos os Capítulos Gerais da história da Congregação, sempre fiéis ao seu projeto.
Certos de que hoje também podemos continuar a ser iluminados para sermos fiéis ao Senhor Jesus na fidelidade ao carisma original, com os rostos, a música e as cores de hoje.
Não estamos sozinhos nesta missão e sabemos e sentimos que Maria, a Mãe Auxiliadora dos cristãos, a Auxiliadora da Igreja, modelo de fidelidade, sustentará os passos de todos nós.




Servos bons, fiéis e corajosos

Neste ano Jubilar, neste mundo difícil, somos convidados a nos levantar, recomeçar e percorrer em novidade de vida nosso caminho de homens e de crentes.

            O profeta Isaías se dirige a Jerusalém com estas palavras: «Levanta-te, reveste-te de luz, porque vem a tua luz, a glória do Senhor brilha sobre ti» (Is 60,1). O convite do profeta – a se levantar porque vem a luz – parece surpreendente, pois é gritado após o duro exílio e as numerosas perseguições que o povo experimentou.
            Este convite, hoje, ressoa também para nós que celebramos este ano Jubilar. Neste mundo difícil, também somos convidados a nos levantar, recomeçar e percorrer em novidade de vida nosso caminho de homens e de crentes.
            Tanto mais agora que tivemos a graça, sim, porque se trata de graça, de celebrar na lembrança litúrgica a Santidade de João Bosco. Não nos acostumemos: Dom Bosco é um grande homem de Deus, genial e corajoso, um incansável apóstolo porque discípulo apaixonado de Cristo. Para nós, um pai!
            Na vida, ter um pai é importantíssimo; na fé, ao seguir Cristo, é igual: ter um grande pai é um dom inestimável. Você sente dentro de si e sua experiência de fé move sua vida. Se assim é para Dom Bosco, por que não pode ser assim também para mim?
            Uma pergunta existencial que nos coloca em movimento e nos transforma, no espírito do Jubileu, tornando-nos pessoas “renovadas”, “mudadas”. Este é o sentido profundo da festa de Dom Bosco que acabamos de celebrar, para todos nós: imitar, não apenas admirar! Neste ano Jubilar que estamos vivendo, com o tema da Esperança, presença de Deus, que nos acompanha, Dom Bosco é uma referência clara e forte!
            Falando da Esperança, Dom Bosco escreve, como retomei no texto da Estreia para este ano:
            «O salesiano» – dizia Dom Bosco, e ao falar do salesiano fala a cada um de nós que lemos – «está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, as fadigas e o desprezo sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas»; o apoio interior dessa exigente capacidade ascética é o pensamento do paraíso como reflexo da boa consciência com a qual trabalha e vive. «Em cada um de nossos ofícios, em cada um de nossos trabalhos, penas ou desgostos, nunca nos esqueçamos de que Ele leva em conta cada pequena coisa feita pelo seu santo nome; e é de fé que, a seu tempo, nos compensará com abundante medida. No fim da vida, quando nos apresentarmos ao seu divino tribunal, olhando-nos com rosto amoroso, Ele nos dirá: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu Senhor” (Mt 25,21)».
            «Nas fadigas e nos sofrimentos, nunca se esqueça de que temos uma grande recompensa preparada no céu». E quando nosso Pai diz que o salesiano esgotado pelo excesso de trabalho representa uma vitória para toda a Congregação, parece sugerir até uma dimensão de comunhão fraterna na recompensa, quase um sentido comunitário do paraíso!
            De pé, Salesianos! Assim nos pede Dom Bosco.

«Salve, salvando salva-te»
            Dom Bosco foi um dos grandes da esperança. Há muitos elementos para demonstrá-lo. Seu espírito salesiano é todo permeado pelas certezas e pela operosidade características desse dinamismo audacioso do Espírito Santo.
            Dom Bosco soube traduzir em sua vida a energia da esperança em dois aspectos: o compromisso pela santificação pessoal e a missão de salvação para os outros; ou melhor – e aqui reside uma característica central de seu espírito – a santificação pessoal através da salvação dos outros. Lembremos a famosa fórmula dos três “S”: «Salve, salvando salva-te». Parece um jogo mnemônico dito assim simplesmente, a modo de slogan pedagógico, mas é profundo e indica como os dois aspectos da santificação pessoal e da salvação do próximo estão intimamente ligados entre si.
            Dom Erik Varden afirma: «Aqui e agora, a esperança se manifesta como um lampejo. Isso não quer dizer que seja irrelevante. A esperança tem um contágio abençoado que lhe permite se espalhar de coração a coração. Os poderes totalitários sempre trabalham para apagar a esperança e induzir ao desespero. Educar-se para a esperança significa exercitar-se para a liberdade. Em um poema, Péguy descreve a esperança como a chama da lâmpada do santuário. Esta chama, diz, “atravessou a profundidade das noites”. Nos permite ver o que é agora, mas também prever o que poderia ser. Esperar significa apostar a própria existência na possibilidade do vir a ser. É uma arte a ser praticada assiduamente na atmosfera fatalista e determinista em que vivemos».
            Que Deus nos conceda viver assim este ano Jubilar!
            Que possamos todos caminhar neste mês com esta visão que “brilha nas trevas”, com a Esperança no coração que é a presença de Deus.
            Recomendo-lhes, neste mês, a oração pela nossa Congregação Salesiana, que se reúne em Capítulo Geral, acompanhem-nos todos com sua oração e seu pensamento, para que possamos ser fiéis, como Salesianos, ao que desejava Dom Bosco.




Estreia 2025. Ancorados na esperança, peregrinos com os jovens

INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES
1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO
1.1 O Jubileu
1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana
2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA
2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã
2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna
2.3 Características da esperança
2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética
2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro
2.3.3 A esperança não é um fato privado
3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO
3.1 A esperança é um convite à responsabilidade
3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização
3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão
3.3.1 As atitudes do enviado
3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar
4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA
4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho
4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera
5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO
5.1……………………………………………………………………………………………………… Deus é a origem da nossa esperança
5.1.1 Um breve aceno ao sonho
5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança
5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco
5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco
5.2 A fidelidade de Deus: até o fim
6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA

INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES

Queridas irmãs e queridos irmãos pertencentes aos diversos grupos da Família Salesiana de Dom Bosco, uma saudação muito cordial a todos no início deste novo ano de 2025!

Não é sem emoção que me dirijo a todos e a cada um de vocês neste tempo de graça marcado por dois eventos importantes para a vida da Igreja e da nossa Família: o Jubileu de 2025, iniciado solenemente no último dia 24 de dezembro com a abertura da porta santa da Basílica de São Pedro no Vaticano, e o 150º aniversário da primeira expedição missionária desejada pelo nosso pai Dom Bosco, que partiu em 11 de novembro de 1875 para a Argentina e outros países do Continente americano.

Os dois importantes eventos têm o seu ponto de encontro na esperança. De fato, ao proclamar o Jubileu, o Papa Francisco indicou precisamente essa virtude como perspectiva; igualmente, a experiência missionária é prenúncio de esperança para todos: para aqueles que partiram (e continuam a partir) e para aqueles que foram alcançados pelos missionários.

O ano que nos é dado apresenta-se, pois, rico em ideias para o nosso crescimento concreto e cotidiano, a fim de que a nossa humanidade seja fecunda na atenção aos outros… Isso só acontecerá nos corações que colocam Deus no centro, a ponto de poderem dizer: «Coloquei-Te antes de mim».

Tentarei ressaltar esses elementos neste meu comentário, para aprofundar em chave carismática o que a Igreja é convidada a viver neste ano e evidenciar o que para nós, Família de Dom Bosco, deve guiar-nos para novos horizontes.

1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO

O título da Estreia envolve o enlace de dois eventos: o jubileu ordinário do ano 2025 e o 150º aniversário da primeira expedição missionária enviada por Dom Bosco à Argentina.

A coincidência, que ouso definir “providencial”, dos dois eventos faz de 2025 um ano decididamente extraordinário para todos nós, e ainda mais para os Salesianos de Dom Bosco. De fato, em fevereiro, março e abril será celebrado o 29º Capítulo Geral, que levará, entre outras coisas, à eleição do novo Reitor-Mor e do novo Conselho Geral.

Eventos globais e especiais, portanto, que nos envolvem de diferentes maneiras e que queremos vivenciar com profundidade e intensidade. Porque é justamente através desses eventos que podemos experimentar a alegria de ir ao encontro de Cristo e a importância de permanecer ancorados na esperança.

1.1 O Jubileu

«Spes non confundit! A esperança não engana!».[1]

É assim que o Papa Francisco apresenta o Jubileu. Que maravilha! Que indicação “profética”!

O Jubileu é uma peregrinação para colocar Jesus Cristo novamente no centro das nossas vidas e da vida do mundo. Pois Ele é a nossa esperança. Ele é a esperança da Igreja e do mundo inteiro!

Todos nós estamos cientes de que o mundo atual tem necessidade dessa esperança que nos coloca em relação com Jesus Cristo e com os demais nossos irmãos e irmãs. Faz-se necessária a esperança que nos torna peregrinos, nos põe em movimento e nos faz caminhar.

Falamos da esperança como de uma redescoberta da presença de Deus. O Papa Francisco escreve: «A esperança encha o coração!»[2] A esperança não só aqueça o coração, mas encha-o, encha-o até transbordar!

1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana

Foi dessa esperança transbordante que há 150 anos encheram-se os corações dos participantes da primeira expedição missionária salesiana à Argentina.

Dom Bosco, desde Valdocco, lança o seu coração para além de todas as fronteiras, enviando os seus filhos ao outro lado do mundo! Envia-os para além de qualquer segurança humana, envia-os para dar continuidade ao que ele começara. Põe-se em caminho com os outros, esperando e incutindo esperança. Ele simplesmente os envia, e os primeiros (jovens) irmãos partem e vão. Para onde? Nem mesmo eles sabem! Mas confiam na esperança e obedecem. Porque é a presença de Deus a nos guiar.

Nessa obediência, cheia de entusiasmo, a nossa esperança atual encontra nova energia e impele-nos a caminhar como peregrinos.

Por isso, este aniversário deve ser comemorado; ele ajuda-nos a reconhecer um dom (não uma conquista pessoal, mas um dom gratuito do Senhor), permite-nos recordar e, a partir da memória, ganhar forças para enfrentar e construir o futuro.

Vivamos hoje, pois, fazendo com que esse futuro seja possível, e façamo-lo da única maneira que consideramos grande: compartilhando com os jovens e com todas as pessoas em nossos ambientes (a começar pelos mais pobres e esquecidos) a viagem para encontrar Cristo, nossa única Esperança.

2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA

Jubileu é caminhar juntos, ancorados em Cristo, nossa esperança. Mas o que isso realmente significa?

Retomo alguns elementos da Bula de Proclamação do Jubileu 2025 que destacam algumas características da esperança.

2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã

Estamos convencidos de que nada nem ninguém nos pode separar de Cristo, pois é n’Ele que queremos e devemos agarrar-nos, ancorar-nos. Não podemos caminhar sem a nossa âncora.

A âncora da esperança é o próprio Cristo, que na cruz, na presença do Pai carrega os sofrimentos e as feridas da humanidade.[3]

A âncora tem a forma da cruz, razão pela qual também foi retratada nas catacumbas para simbolizar a pertença dos fiéis defuntos a Cristo Salvador.

Esta âncora já está firmemente conectada ao porto da salvação. A nossa tarefa é amarrar nela a nossa vida, a corda que prende o nosso barco à âncora de Cristo.

Navegamos nas ondas agitadas do mar e precisamos ancorar-nos em algo sólido. Mas a tarefa já não é lançar a âncora e prendê-la ao fundo do mar. A tarefa é prender o nosso barco à corda que, por assim dizer, pende do Céu, onde a âncora de Cristo está firmemente fixada. Agarrando-nos a essa corda, prendemo-nos à âncora da salvação e tornamos certa a nossa esperança.

A esperança é certa quando o barco da nossa vida se prende à corda que nos liga à âncora fixada em Cristo crucificado, que está à direita do Pai, ou seja, na comunhão eterna do Pai, no amor do Espírito Santo.[4]

Tudo isso é bem expresso na oração litúrgica da Solenidade da Ascensão do Senhor:

«Deus todo-poderoso, fazei-nos exultar de santa alegria e fervorosa ação de graças, pois na ascensão de Cristo nossa humanidade foi elevada junto a vós e, tendo Ele nos precedido como nossa cabeça, nos chama para a glória como membros do seu corpo».[5]

O escritor e político tcheco Václav Havel define a esperança como um estado de espírito, uma dimensão da alma. Ela não depende de uma observação prévia do mundo, não se trata de uma previsão.

Byung-Chul Han acrescenta: «A esperança é uma orientação do coração que transcende o mundo imediato da experiência, é uma ancoragem em algum lugar além do horizonte. As raízes da esperança estão no transcendente: é por isso que não é a mesma coisa ter Esperança e ficar satisfeito porque as coisas caminham bem. Podemos pensar que ter esperança é simplesmente querer sorrir para a vida a fim de que ela, por sua vez, sorria de volta, mas não se trata disso; devemos ir mais fundo, precisamos mover-nos com a corda que nos leva à âncora.

A esperança é a capacidade de cada um de nós trabalhar por alguma coisa que se deve fazer, não porque essa alguma coisa será um sucesso garantido. Pode fracassar, pode dar errado: não esperamos que tudo corra bem, não somos otimistas. Trabalhamos para que isso aconteça. Eis porque a esperança não é igual a otimismo. A esperança não é o convencimento de que alguma coisa dará certo, mas a certeza de que ela faz sentido independentemente do seu resultado.

Fazer alguma coisa porque faz sentido: é nisso que consiste a esperança, que implica valores e pressupõe a fé. É isso que lhe dá a força para viver e nos dá a força para ainda experimentar alguma coisa de novo, e de novo, mesmo na desesperança».[6]

Mas como se pode caminhar permanecendo ancorados? A âncora pesa sobre você, restringe-o, fixa-o. Para onde leva esse caminho? Leva à eternidade.

2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna

A promessa de vida eterna, justamente pela forma como é feita, não contorna o caminho da vida, não é um salto para o alto, não propõe entrar num foguete que se desprende da terra e voa para o espaço deixando no chão a estrada, a poeira do caminho, nem deixa o barco, sem nós, à deriva no mar.

Essa promessa é precisamente uma âncora fixada no eterno, mas a ela permanecemos presos por uma corda que mantém firme o barco que atravessa o mar. E é justamente o fato de estar fixada no céu a permitir que o barco não permaneça parado no meio do mar, mas avance em meio às ondas.

Se a âncora de Cristo ancorasse o homem no fundo do mar, ficaríamos parados onde estamos, talvez acomodados, sem problemas, mas ainda assim, sem navegar, sem avançar. Todavia, a própria ancoragem da vida no Céu esteja a significar que a promessa que desperta a nossa esperança não interrompe o caminho, não nos dá a segurança de um refúgio onde fechar-nos e deter-nos, mas dá-nos a certeza de caminhar e continuar o caminho. A promessa de uma meta precisa, que Cristo já alcançou para nós, torna firme e decisivo cada passo no caminho da vida.

É importante entender o Jubileu como uma peregrinação, como um convite para pôr-se em movimento, para sair de si e ir a Cristo.

Jubileu sempre foi sinônimo de caminhada. Se você realmente deseja Deus, deve mover-se, deve caminhar. Porque o desejo de Deus, o anseio por Deus leva-o a encontrá-Lo e, ao mesmo tempo, leva a encontrar a si mesmo e aos outros.

«Nós nascemos e jamais morreremos».[7]

É belo e significativo o título da biografia da Serva de Deus Chiara Corbella Petrillo. Belo, porque a nossa vinda ao mundo é orientada para a vida eterna. A vida eterna é uma promessa que rompe a porta da morte, abrindo-nos ao “face a face com Deus”, para sempre. A morte é uma porta que se fecha e, ao mesmo tempo, uma porta que se abre de par em par para o encontro definitivo com Deus!

Sabemos como era vivo em Dom Bosco o desejo do céu, proposto e compartilhado com alegria com os jovens do Oratório.

2.3 Características da esperança

2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética

Gabriel Marcel,[8] chamado de o filósofo da esperança, ensina que a esperança é encontrada na trama de uma experiência contínua; ter esperança é dar crédito a uma realidade como portadora de futuro.

Eric Fromm[9] escreve que a esperança não é espera passiva, mas tensão contínua e constante. É como um tigre agachado que salta no momento exato.

Ter esperança é estar atento a cada momento em tudo o que ainda não aconteceu. As virgens que aguardavam o noivo com lâmpadas acesas tinham esperança, Dom Bosco tinha esperança diante das dificuldades e ajoelhava-se para rezar.

A esperança está pronta quando tudo está prestes a nascer. Ela está vigilante, atenta, à escuta, capaz de guiar na criação de algo novo, dando vida ao futuro na Terra. Por isso, ela é “visionária e profética”, concentra a nossa atenção no ainda inexistente; é ela quem ajuda a dar à luz algo de novo.

2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro

Sem esperança não há revolução, não há futuro, há apenas um presente feito de otimismo estéril.

Costuma-se pensar que quem tem esperança é um otimista, enquanto o pessimista é essencialmente o seu oposto. Não é assim que acontece. É importante não confundir esperança com otimismo. A esperança é muito mais profunda, pois não depende de humores, sentimentos ou sentimentalismo. A essência do otimismo é a positividade inata. O otimista vive convencido de que, de alguma forma, as coisas vão melhorar. Para o otimista, o tempo está fechado, não contempla o futuro: tudo dará certo e basta.

Paradoxalmente, também para o pessimista, o tempo está fechado: ele se vê preso no presente como numa prisão, negando tudo sem se aventurar em outros mundos possíveis. O pessimista é tão teimoso quanto o otimista, ambos são cegos para as possibilidades, porque para eles o possível é estranho, falta-lhes paixão pelo possível.

Ao contrário de ambos, a esperança aposta no que pode ir além do que poderia ser.

E mais, o otimista (assim como o pessimista) não age, porque qualquer ação implica um risco e, como ele não quer correr riscos, fica parado, não quer fazer a experiência do fracasso.

A esperança, por outro lado, busca, tenta encontrar uma direção, dirige-se para o que não conhece, estabelece um rumo para coisas novas. Essa é a peregrinação do cristão.

2.3.3 A esperança não é um fato privado

Todos nós carregamos esperanças em nossos corações. Não é possível não ter esperança, mas também é verdade que podemos iludir-nos, considerando perspectivas e ideais que nunca serão realizados, que são apenas ilusões e imagens enganadoras.

Grande parte da nossa cultura, especialmente ocidental, está repleta de falsas esperanças que iludem e destroem ou podem arruinar irreparavelmente a existência de indivíduos e sociedades inteiras.

De acordo com o pensamento positivo, basta substituir os pensamentos negativos por pensamentos positivos para viver mais feliz. Com esse mecanismo simples, os aspectos negativos da vida são completamente omitidos e o mundo aparece como um mercado de Amazon, que nos fornecerá o que quisermos graças à nossa atitude positiva.

Em conclusão, se a nossa disposição de pensar positivamente fosse suficiente para sermos felizes, então cada um seria o único responsável da própria felicidade.

Paradoxalmente, o culto à positividade isola as pessoas, torna-as egoístas e destrói a empatia, porque as pessoas só se preocupam consigo mesmas e não se importam com o sofrimento alheio.

A esperança, ao contrário do pensamento positivo, não evita a negatividade da vida, não isola, mas une e reconcilia, porque o protagonista da esperança não sou eu, concentrado no meu ego, entrincheirado exclusivamente em mim mesmo, o segredo da Esperança somos nós.

Por isso, irmãos da Esperança são o Amor, a Fé e a Transcendência.

3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO

3.1 A esperança é um convite à responsabilidade

A esperança é um dom e, como tal, deve ser transmitido àqueles que encontramos pelo caminho.

São Pedro afirma claramente: «Estai sempre prontos para responder a quem vos pedir a razão da vossa esperança».[10] Ele convida-nos a não ter medo, a agir na vida de todos os dias, a dar razão – quanto espírito salesiano nesta palavra “razão”! – da esperança. Trata-se de uma responsabilidade do cristão. Se somos mulheres e homens de esperança, isso se vê logo!

«Dar razão da esperança que está em nós», torna-se anúncio da ‘boa nova’ de Jesus e do seu Evangelho.

Mas por que é preciso responder a quem nos pergunta sobre a esperança que está em nós? E por que sentimos necessidade de recuperar a esperança?

Na Bula de Proclamação do Jubileu Spes non confundit, o Papa Francisco lembra que «todos, na realidade, sentem a necessidade de recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem cse conformar com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas materiais. Isto fecha-nos no individualismo e corrói a esperança, gerando uma tristeza que se aninha no coração, tornando-nos amargos e impacientes».[11]

É uma observação impressionante porque descreve toda a tristeza que respiramos em nossas sociedades e comunidades. É uma tristeza disfarçada de falsa alegria, aquela que é constantemente anunciada, prometida e garantida pela mídia, pela publicidade, pela propaganda dos políticos, por tantos falsos profetas do bem-estar. Contentar-se com o bem-estar impede-nos de abrir-nos para um bem muito maior, muito mais verdadeiro, muito mais eterno: aquele que Jesus e os apóstolos chamam de “a salvação da alma, a salvação da vida”; um bem pelo qual Jesus nos convida a não ter medo de perder a vida, os bens materiais, as falsas seguranças que, muitas vezes, desmoronam num instante.

Sobre estas “perguntas”, mais ou menos expressas (também pelos jovens), temos a tarefa de “dar razão”. O que eu desejo para os jovens e para todas as pessoas que encontro em meu caminho? O que eu gostaria de pedir a Deus por eles? Como gostaria que Ele mudasse as suas vidas?

Há apenas uma resposta: a vida eterna. Não só a vida eterna como o estado sublime que podemos alcançar após a morte, mas a vida eterna possível aqui e agora, a vida eterna como Jesus a define: «a vida eterna é esta: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste».[12] Ou seja, uma vida definida, iluminada pela comunhão com Cristo e, por meio d’Ele, com o Pai.

A nós, cabe acompanhar as gerações mais jovens no caminho rumo à vida eterna, na ação educativa que nos distingue. Ação que para nós, Família Salesiana, é missão. E o que move a nossa missão? Sempre Cristo, nossa esperança.

De fato, a missão educativa tem a esperança no seu centro.

Em última análise, a esperança de Deus nunca é esperança só para si. É sempre esperança para os outros: não nos isola, mas nos une e encoraja a educar-nos reciprocamente na verdade e no amor.

3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização

Coragem e esperança formam uma combinação interessante. Com efeito, embora seja verdade que é impossível não esperar, é igualmente verdade que para esperar é preciso coragem. A coragem vem de ter o mesmo olhar de Cristo, capaz de esperar contra toda esperança,[13] de ver solução mesmo quando parece não haver saída. E como essa atitude é “salesiana”!

Tudo isso requer a coragem de ser a gente mesmo, de reconhecer a própria identidade no dom de Deus e de investir as energias numa responsabilidade precisa. Conscientes de que o que nos foi confiado não é nosso, mas temos a missão de transmiti-lo às próximas gerações. Esse é o coração de Deus, essa é a vida da Igreja.

Uma atitude que encontramos na primeira expedição missionária.

Considero a referência ao artigo 34 das Constituições dos Salesianos de Dom Bosco muito útil: ele evidencia o que está no cerne do nosso movimento carismático e apostólico. Sugiro que cada um dos grupos da nossa articulada e bela Família se aproprie dos mesmos elementos que ofereço aqui, relendo as respectivas Constituições e Estatutos.

O artigo tem como título: Evangelização e catequese, e diz assim:

«”Esta Sociedade, em seu início, era um simples catecismo”. Também para nós, a evangelização e a catequese são a dimensão fundamental da nossa missão.

Como Dom Bosco, somos chamados todos e em qualquer ocasião, a ser educadores da fé. Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo; e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério.

Caminhamos com os jovens para conduzi-los à pessoa do Senhor ressuscitado, a fim de que, descobrindo n’Ele e em seu Evangelho o sentido supremo da própria existência, cresçam como homens novos.

A Virgem Maria é uma presença materna nesta caminhada. Procuramos torná-la conhecida e amada como Aquela que acreditou, ajuda e infunde esperança».

Este artigo representa o coração pulsante que bem delineia, também para esta Estreia, quais são as energias e as oportunidades que se apresentam como cumprimento e realização do “sonho global” inspirado por Deus a Dom Bosco.

Se viver o Jubileu é, antes de tudo, garantir que Jesus esteja e volte a estar em primeiro lugar, o espírito missionário é a consequência desse reconhecido primado, que fortalece a nossa esperança e se traduz naquela caridade educativa e pastoral que faz com que a pessoa de Jesus Cristo seja anunciada a todos. Esse é o coração da evangelização e distingue a autêntica missão.

É importante lembrar o início da primeira encíclica de Bento XVI, Deus caritas est:

«Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».[14]

Portanto, prioritário e fundamental é o encontro com Cristo, não a “simples” difusão de uma doutrina, mas uma profunda experiência pessoal de Deus que nos leva a comunicá-Lo, fazê-Lo conhecer e experimentar, tornando-nos verdadeiros “mistagogos” da vida dos jovens.

3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão

Dom Bosco mantinha sempre diante dos olhos uma frase que os jovens podiam ler quando passavam pela sua sala, uma expressão que impressionou particularmente Domingos Sávio: “Da mihi animas cetera tolle”.

Há, neste lema, um equilíbrio fundamental que une as duas prioridades que guiaram a vida de Dom Bosco – e que chamamos significativamente de “graça de unidade” – que nos permitem salvaguardar sempre a interioridade e a ação apostólica.

Se faltar o amor de Deus no coração, como poderá haver verdadeira caridade pastoral? E, ao mesmo tempo, se o apóstolo não descobriu o rosto de Deus no seu próximo, como dizer que ama a Deus?

O segredo de Dom Bosco está em que ele viveu pessoalmente o singular «movimento de caridade para com Deus e para com os irmãos»[15]que caracteriza o espírito salesiano.

3.3.1 As atitudes do enviado

São dois os sonhos-chave da vida de Dom Bosco, que evidenciam as atitudes do apóstolo, daquele que é enviado:

  • o “sonho dos nove anos”, em que Jesus e Maria pedem a Joãozinho que se torne humilde, forte e robusto com a obediência e a ciência, recomendando sempre a bondade para conquistar o coração dos jovens e mantendo sempre Maria como sua mestra e guia;
  • o “sonho do caramanchão de rosas” que aponta para a “paixão” na vida salesiana que exige ter os “bons calçados” da mortificação e da caridade.

3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar

Celebrar os 150 anos da primeira expedição missionária de Dom Bosco é um grande dom para

  • Reconhecer e agradecer a Deus.

O reconhecimento torna evidente a autoria de toda bela realização. Sem a gratidão, não há disposição para a aceitação. Sempre que deixamos de reconhecer um dom em nossa vida pessoal e institucional, corremos o sério risco de anulá-lo e “apropriar-nos” dele”.

  • Repensar, porque “nada é para sempre”.

A fidelidade sempre envolve a capacidade de mudar, na obediência, para uma visão que vem de Deus e da leitura dos “sinais dos tempos”. Nada é para sempre; do ponto de vista pessoal e institucional, a verdadeira fidelidade é a capacidade de mudar, de conhecer a quê coisa o Senhor chama cada um de nós.

Repensar, então, torna-se um ato generativo, em que fé e vida se unem; é o momento em que se pergunta: Senhor, o que queres dizer para nós com esta pessoa, com esta situação à luz dos sinais dos tempos que, para serem lidos, requerem o próprio coração de Deus?

  • Relançar, recomeçar a cada dia.

A gratidão leva a olhar para o futuro e aceitar os novos desafios, relançando a missão com esperança. A missão é levar a esperança de Cristo com a consciência lúcida e clara, ligada à fé, que faz reconhecer que aquilo que vejo e vivo “não é coisa minha”.

4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA

4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho

Santo Tomás de Aquino diz que «Spes introducit ad caritatem»,[16] a esperança prepara e predispõe a nossa vida, a nossa humanidade, à caridade. Uma caridade que também é justiça, ação social.

A esperança precisa dar testemunho. Estamos no centro da missão, porque missão não é, antes de tudo, fazer coisas, mas é o testemunho de alguém que viveu uma experiência e a relata. A testemunha é portadora de uma memória, ela suscita perguntas naqueles que a encontram, causa admiração.

O testemunho de esperança requer uma comunidade, é trabalho de um sujeito coletivo e é contagioso, assim como é contagiosa a nossa humanidade, porque o testemunho é um vínculo com o Senhor.

A esperança no testemunho da missão deve ser construída de geração em geração, entre adultos e jovens: esse é o caminho do futuro. Em nossa cultura, o consumismo devora o futuro, a ideologia do consumo extingue tudo no “aqui e agora”, no “tudo e já”. Entretanto, você não pode consumir o futuro, não pode apropriar-se do que é diferente de você, não pode apropriar-se do outro.[17]

Na construção do futuro, a esperança é a capacidade de prometer e cumprir promessas… algo esplêndido e raro no nosso mundo. Prometer é esperar, colocar em movimento, e é por isso que – como se disse – a esperança é o caminho, é a energia mesma do caminho.

4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera

Toda vida, todo dom, tudo, precisa de tempo para crescer. O mesmo acontece com os dons de Deus que precisam de tempo para amadurecer. Aí está porque em nosso tempo, quando se quer tudo e já no nosso “consumo” do tempo e da vida, somos convidados a dar fôlego e força à virtude da paciência, porque a esperança se realiza na paciência.[18] A esperança e a paciência estão, de fato, intimamente unidas.

A esperança envolve a capacidade de saber esperar, de esperar o crescimento, como se dissesse que “uma virtude atrai a outra”!

Para que a esperança seja realidade e se manifeste em sentido pleno, é necessário ter paciência. Nada se manifesta de forma milagrosa, porque tudo está sujeito à lei do tempo. A paciência é a arte do agricultor que semeia e sabe esperar que a semente semeada cresça e dê frutos.

A esperança começa em nós como espera e é exercida como espera conscientemente vivida em nossa humanidade. A espera é uma dimensão muito importante da experiência humana. O homem sabe como esperar, o homem está sempre em uma dimensão de espera, porque ele é a criatura que vive no tempo de modo consciente.

A espera humana é a verdadeira medida do tempo, uma medida que não é numérica, nem cronológica. Nós nos acostumamos a calcular a espera, a dizer que ‘esperamos uma hora’, que ‘o trem está cinco minutos atrasado’, que ‘a Internet nos fez esperar quatorze intermináveis’ segundos antes de responder ao nosso clique, mas quando a medimos dessa forma, distorcemos a espera, fazemos dela uma coisa, um fenômeno separado de nós mesmos e daquilo que estamos esperando. É como se a espera fosse algo a sé, em si, sem relação. Todavia, a espera – estamos no ponto crucial – é relação, é dimensão do mistério da relação.

Só quem tem esperança tem paciência. Só quem tem esperança é capaz de “amparar” e “dar apoio” a todas as circunstâncias que a vida nos traz. Quem suporta espera, espera e é capaz de suportar tudo, porque o seu esforço tem o sentido da espera, tem a tensão da espera, a energia amorosa da espera.

Sabemos que o apelo à paciência e à espera envolve, às vezes, a experiência do cansaço, do trabalho, da dor e da morte.[19] Pois bem, o cansaço, a dor e a morte desmascaram a ilusão de possuir o tempo, o sentido e o valor do tempo, o sentido e o valor da nossa vida. São experiências negativas, mas também positivas, porque o cansaço, a dor e a morte podem ser oportunidades para redescobrir o verdadeiro significado do tempo na vida.

E, mais uma vez, «para dar razão da esperança que há em nós», tornando-se anúncio da “boa nova” de Jesus e do seu Evangelho.

5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO

O P. Egídio Viganò ofereceu à Congregação e à Família Salesiana uma interessante reflexão sobre o tema da esperança, inspirando-se na nossa rica tradição e evidenciando algumas características específicas do espírito salesiano, lidas à luz dessa virtude teologal. Ele o fez de modo especial ao comentar o sonho dos dez diamantes de Dom Bosco para as participantes do Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora.[20]

Dada a profundidade do conteúdo proposto, creio ser útil recordar a contribuição do 7º Sucessor de Dom Bosco para lembrar que todos nós somos chamados a sempre viver na perspectiva da esperança.

5.1          Deus é a origem da nossa esperança

5.1.1 Um breve aceno ao sonho

Todos conhecem a narração desse sonho extraordinário que Dom Bosco teve em San Benigno Canavese na noite de 10 para 11 de setembro de 1881. Recordo brevemente a sua estrutura.[21]

O Sonho desenvolve-se em três cenas. Na primeira, o personagem encarna o perfil do Salesiano: na parte anterior de seu manto, há cinco diamantes, três no peito, que são “Fé”, “Esperança” e “Caridade”, e dois nos ombros, que são “Trabalho” e “Temperança”; na parte posterior há outros cinco diamantes, que indicam “Obediência”, “Voto de Pobreza”, “Recompensa”, “Voto de Castidade”, “Jejum”.

O P. Rinaldi chama o personagem dos dez diamantes de «o modelo do verdadeiro Salesiano».

Na segunda cena, o personagem apresenta o modelo adulterado: o seu manto “ficou descolorido, comido pelas traças e desgastado”. No lugar onde os diamantes estavam fixados, havia “um profundo estrago causada por carunchos e outros pequenos insetos”.

Esta cena muito triste e deprimente mostra “o reverso do verdadeiro salesiano”, o anti-Salesiano.

Na terceira cena, aparece «um belo jovem vestido com uma túnica branca trabalhada com fios de ouro e prata […], com aparência majestosa, mas doce e afável». Ele é portador de uma mensagem. Exorta os Salesianos a “escutar”, “compreender”, manter-se “fortes e ardorosos”, “testemunhar” com as palavras e com a vida, “ser prudentes” na aceitação e na formação das novas gerações, fazer crescer saudavelmente a sua Congregação.

As três cenas do sonho são vivas e provocadoras; apresentam uma síntese ágil, personalizada e dramatizada da espiritualidade salesiana. O conteúdo do sonho certamente envolve, na mente de Dom Bosco, um importante quadro de referência para a nossa identidade vocacional.

Pois bem, o personagem do sonho – como se sabe – traz na frente o diamante da esperança, que representa a certeza da ajuda do alto numa vida totalmente criativa, ou seja, comprometida com o planejamento cotidiano das atividades práticas para a salvação, especialmente da juventude. Com os demais símbolos relacionados com as virtudes teologais, surge a fisionomia de um personagem sábio e otimista pela fé que o anima, dinâmica e criativa pela esperança que o move, sempre orante e humanamente bom pela caridade que o reveste.

Correspondendo ao diamante da esperança, encontramos no verso da figura o diamante do “prêmio”. A esperança evidencia visivelmente o dinamismo e a atividade do Salesiano na construção do Reino, a constância dos seus esforços e o entusiasmo do seu empenho baseiam-se na certeza da ajuda de Deus, que se faz presente pela mediação e intercessão de Cristo e de Maria; por sua vez, o diamante do “prêmio” evidencia mais uma atitude constante da consciência que reveste e anima o esforço ascético, segundo a conhecida máxima de Dom Bosco: «Um pedaço de paraíso conserta tudo!».[22]

5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança

O Salesiano – dizia Dom Bosco – «está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, o trabalho e o desprezo, sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas»;[23] o apoio interior dessa exigente capacidade ascética é o pensamento do paraíso como reflexo da boa consciência com que trabalha e vive. «Em todo o nosso ofício, em todo o nosso trabalho, dor ou tristeza, nunca nos esqueçamos de que […] Ele leva em conta a menor coisa feita pelo seu santo nome, e é de fé que, a seu tempo, Ele nos recompensará com abundância. No final da nossa vida, quando nos apresentarmos diante do seu divino tribunal, olhando para nós com um semblante amável, ele nos dirá: “Servo bom e fiel; porque foste fiel no pouco, eu te farei dono de muito; entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25,2l)».[24] «Nas dificuldades e nos sofrimentos não esqueças nunca de que teremos no céu um grande prêmio».[25]

O pensamento e a consciência contínua do paraíso são uma das ideias soberanas e um dos valores que impulsionam a espiritualidade típica e também a pedagogia de Dom Bosco. É como iluminar e aprofundar o instinto fundamental da alma que tende vitalmente para o seu fim último.

Em um mundo sujeito à secularização e à perda progressiva do sentido de Deus – especialmente devido à riqueza e a algum progresso – é importante resistir à tentação – para nós e para os jovens com quem caminhamos – que nos impede de elevar o olhar ao céu e não nos faz sentir a necessidade de sustentar e alimentar o esforço da ascese vivido no trabalho cotidiano. Cresce em seu lugar uma visão temporal segundo um horizontalismo mais ou menos elegante, que acredita saber descobrir o ideal de tudo no próprio devir humano e na vida presente. Tudo exatamente o contrário da esperança!

Dom Bosco foi um dos grandes da esperança. Há muitos elementos que o comprovam. O seu espírito salesiano é todo revestido de certezas e da operosidade características desse audacioso dinamismo do Espírito Santo.

Faço uma breve pausa para recordar como Dom Bosco soube traduzir a energia da esperança em sua vida em duas frentes: o compromisso com a santificação pessoal e a missão de salvação para os outros; ou melhor – e aqui está uma característica central do seu espírito – a santificação pessoal por meio da salvação dos outros. Recordemos a famosa fórmula dos três “S”: «Salve, salvando, salva-te».[26] Parece um jogo mnemônico dito de forma muito simples, como um slogan pedagógico, mas é profundo e mostra como os dois lados da santificação pessoal e da salvação dos outros estão estritamente relacionados entre si.

Percebe-se no binômio “trabalho” e “temperança” que a esperança foi vivida por Dom Bosco como planejamento prático e cotidiano de um trabalho incansável de santificação e salvação. Sua fé levou-o a favorecer, na contemplação do mistério de Deus, o seu inefável plano de salvação. Ele vê em Cristo o Salvador da humanidade e o Senhor da história; em sua Mãe, Maria, a Auxiliadora dos cristãos; na Igreja, o grande Sacramento da salvação; em sua própria maturidade cristã e na juventude carente, o vasto campo do “ainda não”. É por isso que o seu coração irrompe no grito: “Da mihi animas”, “Senhor, concede-me salvar a juventude e fica com o resto!” Em seu espírito, o seguimento de Cristo e a missão da juventude fundem-se num único dinamismo teológico que forma a espinha dorsal do todo.

Bem sabemos que a dimensão da esperança cristã une a perspectiva do “já” e do “ainda não”: algo presente e algo em construção, que, no entanto, a partir do hoje começa a manifestar-se, embora “ainda não” em plenitude.

5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco

A certeza do “já”

Quando perguntamos à teologia qual é o objeto formal da esperança, ela responde que é a convicção íntima da presença de Deus que ajuda, socorre e assiste; a certeza interior sobre o poder do Espírito Santo; a amizade com o Cristo vitorioso que nos faz dizer com São Paulo: «Tudo posso naquele que me fortalece» (Fl 4,13).

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, então, a certeza do “já”. A esperança estimula a fé a exercitar-se na consideração da presença salvadora de Deus nas eventualidades humanas, do poder do Espírito na Igreja e no mundo, da realeza de Cristo sobre a história, dos valores batismais que iniciaram em nós a vida da ressurreição.

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, portanto, o exercício da fé sobre a essência de Deus como Pai misericordioso e salvador, sobre o que Jesus Cristo já fez por nós, sobre Pentecostes como o início da era do Espírito Santo, sobre o que já está dentro de nós pelo batismo, pelos sacramentos, pela vida na Igreja e pelo chamado pessoal da nossa vocação.

É preciso refletir que a fé e a esperança se intercambiam em nosso interior, os seus dinamismos se estimulam e complementam reciprocamente e fazem-nos viver no clima criativo e transcendente do poder do Espírito Santo.

A consciência clara do “ainda não”

O segundo elemento constitutivo da esperança é a consciência do “ainda não”. Não parece muito difícil tê-la; Entretanto, a esperança requer uma consciência clara não tanto do que é mau e injusto, mas do que, no tempo, está faltando na estatura de Cristo e, portanto, do que é injusto e pecaminoso, e também do que é imaturo, parcial ou atrofiado na edificação do Reino.

Isto pressupõe, como quadro de referência, um conhecimento claro do plano divino de salvação, em que é inserida a capacidade crítica e de discernimento daquele que espera. Assim, a crítica do homem da esperança não é simplesmente psicológica ou sociológica, mas transcendente, de acordo com a órbita teológica da “nova criatura”; ela também faz uso das contribuições das ciências humanas e as excede em muito.

Com a consciência do “ainda não”, quem tem esperança percebe o que é mau, o que ainda não está maduro, o que é semente do Reino de Deus e esforça-se para fazer o bem crescer e combate o pecado com a perspectiva histórica de Cristo. A capacidade de discernir o “ainda não” é sempre medida pela certeza do “já”. Portanto, e eu diria que especialmente em tempos difíceis, quem espera impele e estimula a sua fé para descobrir os sinais da presença de Deus e as mediações que nos guiam na órbita traçada por Ele. Essa é uma qualidade muito importante hoje: saber identificar as sementes para ajudá-las a desabrochar e crescer.

Como podemos ter esperança se não temos essa capacidade de discernimento? Não basta ser capaz de perceber todo o peso do mal, é preciso também ser sensível à primavera que “brilha ao redor”. Portanto, nestes tempos, que chamamos de difíceis (e o são realmente, comparando-os com os que vivemos anteriormente com certa tranquilidade), A esperança ajuda-nos a perceber que também há muita coisa boa no mundo e que algo está crescendo.

A operosidade salvífica

O terceiro elemento constitutivo da esperança é a sua exigência operativa acompanhada pelo empenho concreto de santificação, criatividade e sacrifício apostólicos. Precisamos colaborar com o “já” em crescimento, urge mover-se para lutar contra o mal em nós e nos outros, especialmente na juventude carente.

O discernimento do “já” e do “ainda não” precisa ser traduzido na prática da vida, abrindo-se a resoluções, projetos, revisões, criatividade, paciência e perseverança. Nem tudo sairá “como esperávamos”: haverá retrocessos, contratempos, quedas, incompreensões. A esperança cristã também participa inerentemente das penumbras da fé.

5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco

Dos três elementos constitutivos da esperança, que acabei de indicar, derivam alguns frutos particularmente significativos para o espírito salesiano de Dom Bosco.

A alegria

Do primeiro elemento constitutivo – a certeza do “já” – deriva a alegria como o fruto mais característico. Toda esperança verdadeira explode em alegria.

O espírito salesiano assume a alegria da esperança por uma afinidade que lhe é própria. Até mesmo a biologia sugere-nos alguns exemplos disso. A juventude, que é esperança humana (e, portanto, sugere certa analogia com o mistério da esperança cristã), é ávida de alegria. E vemos Dom Bosco que traduz a esperança em atmosfera de alegria para os jovens a salvar. Domingos Sávio, que cresceu à sua escola, costumava dizer: «Nós fazemos a santidade consistir em estar sempre alegres». Não se trata da hilaridade superficial, típica do mundo, mas de um gáudio interior, um substrato de vitória cristã, uma sintonia vital com a esperança, que explode em alegria. Uma alegria que, em última análise, procede das profundezas da fé e da esperança.

Há pouco a fazer. Se estamos tristes, é porque somos superficiais. Entendo que existe uma tristeza cristã: Jesus Cristo experimentou-a. No Getsêmani, a sua alma entristeceu-se até a morte, suou sangue. Trata-se, certamente de outro tipo de tristeza.

Entretanto, a aflição ou a melancolia de uma religiosa que tem a impressão de não ser compreendida por ninguém, que as outras não a levam em consideração, que têm inveja das suas qualidades ou não a compreendem etc., é uma tristeza que não se deve alimentar. Isso deve ser contrastado com a profundidade da esperança: Deus está comigo e me ama; que importa se os outros não me considerem muito?

A alegria no espírito salesiano é um clima cotidiano; vem da fé que espera e da esperança que crê, ou seja, daquele dinamismo do Espírito Santo que proclama em nós a vitória que vence o mundo!… A alegria é indispensável se quisermos dar testemunho autêntico daquilo em que acreditamos e esperamos.

O espírito salesiano é, antes de tudo e sobretudo isso e não uma redução a meras observâncias e mortificações. A esperança também nos levará a fazer muitas mortificações, mas como treinamento de voo e não como tormentos de prisão! Então: da esperança nasce muita alegria!

O mundo procura superar a sua limitação e desorientação com uma vida repleta de sensações excitantes. Cultiva a promoção e a satisfação dos sentidos, o filme pungente, o erotismo, as drogas etc. É a forma de escapar de uma situação transitória que parece não ter sentido, de buscar algo que beira à “caricatura da transcendência”.

A paciência

Outro “fruto” da esperança – que procede da consciência do “ainda não” – é a paciência. Toda esperança comporta um suprimento indispensável de paciência. A paciência é uma atitude cristã, intrinsecamente relacionada com a esperança no seu não breve “ainda não”, com os seus problemas, dificuldades e penumbras. Crer na ressurreição e trabalhar pela vitória da fé, sendo mortal e imerso no transitório, exige uma estrutura interior de esperança que leva à paciência.

A mais sublime expressão da paciência cristã foi vivida por Jesus, sobretudo na sua paixão e morte. É uma paciência fecunda, precisamente por causa da esperança que a anima. Aqui, na paciência, em vez de iniciativa e ação, trata-se da aceitação consciente e da passividade virtuosa que perdura em vista da realização do plano de Deus.

O espírito salesiano de Dom Bosco recorda-nos frequentemente a paciência. Na introdução às Constituições, Dom Bosco lembra-nos, fazendo alusão a São Paulo, que as penas que devemos suportar nesta vida não se comparam à recompensa que nos espera: «Costumava dizer: “Coragem! que a esperança nos sustente, quando a paciência nos poderia faltar»[27] «O que sustenta a paciência deve ser a esperança da recompensa».[28]

Madre Mazzarello também insistia nesse ponto. Fernando Maccono, um de seus primeiros biógrafos, afirma que a esperança sempre a confortava, sustentando-a em seus sofrimentos, enfermidades, dúvidas, e consolou-a na hora da morte: «Sua esperança era muito viva e ativa. Parece-me, testemunhou uma irmã, que a esperança a animasse em tudo e que ela tentasse infundi-la nos outros. Ela exortava-nos a carregar bem as pequenas cruzes diárias e a fazer tudo com grande pureza de intenção».[29]

A esperança é a mãe da paciência e a paciência é a defesa e o escudo da esperança.

A sensibilidade educativa

Do terceiro elemento constitutivo da esperança – a “operosidade salvífica” – surge outro fruto: a sensibilidade pedagógica. É uma iniciativa de empenho adequado, tanto na esfera da própria santificação (seguir a Cristo) quanto na esfera da salvação dos outros (missão). Trata-se de um empenho prático, comedido e constante, traduzido por Dom Bosco em uma metodologia concreta que envolve estas atenções:

  • perspicácia (ou santa “esperteza”): quando se trata de tomar iniciativas, resolver problemas, Dom Bosco faz o máximo sem pretender ser perfeccionista, mas com praticidade humilde; ele repetiu muitas vezes a frase: «O ótimo é inimigo do bom»;[30]
  • coragem. O mal é organizado, os filhos das trevas agem com inteligência. O Evangelho diz que os filhos da luz devem ser mais astutos e corajosos. Portanto, para trabalhar no mundo, devemos armar-nos de uma prudência genuína, aquela “auriga virtutum” que nos torna ágeis, oportunos e penetrantes na aplicação da verdadeira coragem no bem;
  • magnanimidade. Não devemos limitar o nosso olhar às paredes da casa. Fomos chamados pelo Senhor para salvar o mundo, temos uma missão histórica mais importante do que os astronautas ou os homens de ciência… Comprometemo-nos com a libertação integral do homem. Nossas almas devem abrir-se a horizontes mais amplos. Dom Bosco queria que estivéssemos “na vanguarda do progresso” (e ele se referia, quando disse essa frase, aos meios de comunicação social).

Conhecemos a magnanimidade de Dom Bosco em lançar os jovens nas responsabilidades apostólicas; pensemos, por exemplo, nos primeiros missionários que partiram para a América. Tanto os Salesianos como as Filhas de Maria Auxiliadora eram pouco mais que adolescentes!

Dom Bosco movia-se em horizontes vastos. Nem Valdocco nem Mornese lhe bastavam; ele não podia permanecer somente nos limites de Turim, do Piemonte, da Itália ou da Europa. O seu coração palpitava com o da Igreja universal, porque se sentia quase investido da responsabilidade de salvar todos os jovens carentes do mundo. Ele queria os Salesianos sentindo que todos os maiores e mais urgentes problemas juvenis da Igreja eram seus, a fim de estarem disponíveis em toda parte. E, embora cultivasse a magnanimidade dos projetos e iniciativas, era concreto e prático em sua realização, com o senso de gradualidade e a modéstia dos inícios.

A magnanimidade deve sempre brilhar no rosto do Salesiano, como uma nota de simpatia: ele não deve ser alguém teimoso e sem visão, mas ter grandeza de espírito por ter um coração habitado pela esperança.

Péguy, com a sua perspicácia um tanto violenta, escreveu: «Uma capitulação é, em essência, uma operação em que se começa a explicar em vez de realizar. Os covardes sempre foram pessoas de muitas explicações». Deve brilhar sempre no rosto Salesiano, como nota de simpatia, a mística da decisão e o ardor humilde da praticidade. Dom Bosco era resoluto em seu empenho de fazer o bem, mesmo que não pudesse começar com o ótimo; costumava dizer que as suas obras talvez começassem desordenadas para depois tenderem à ordem!

A esperança coloca na fisionomia do Salesiano, juntamente com a profundidade da contemplação, a alegria da filiação divina, o entusiasmo da gratidão e do otimismo (que vêm da “fé”), a coragem da iniciativa, o espírito de sacrifício, a paciência, a sabedoria da gradualidade pedagógica, a utopia da magnanimidade, a modéstia da praticidade, a prudência da astúcia e o sorriso da alegria.

5.2 A fidelidade de Deus: até o fim

Examinamos até agora, o que Dom Bosco e os nossos santos e beatos expressaram claramente em suas vidas. São elementos que nos impelem, pessoalmente e como Família Salesiana, a fazer emergir ou – para usar as palavras do P. Egídio Viganò – a fazer brilhar aquela esperança de que somos chamados a “prestar contas”, especialmente aos jovens e, entre eles, os mais pobres.

Chegou a hora de “dar uma olhada” um pouco além do que é “imediatamente visível” e tentar saber o que aguarda nossa vida e nos dá a coragem de esperar diligentemente enquanto cooperamos com a chegada do “dia do Senhor”.

Retomando, então, a análise sincera e intensa do VII Sucessor de Dom Bosco, concentremos a nossa atenção na perspectiva do “prêmio”.

O diamante do “prêmio” é colocado com outros quatro na parte posterior do manto do personagem do sonho. É quase um segredo, uma força que opera de dentro para fora, dando-nos o impulso e ajudando-nos a apoiar e defender os grandes valores vistos na parte da frente. É interessante notar que o diamante do “prêmio” está colocado abaixo do diamante da “pobreza”, porque certamente tem relação com as “privações” associadas a ela.

Em seus raios estão as seguintes palavras: «Se a grandeza dos prêmios vos atrai, não vos assusteis com a quantidade dos sofrimentos». «Quem sofre comigo, comigo haverá de alegrar-se». «Momentâneo é o que sofremos na Terra, eterno é o que alegrará os meus amigos no Céu».

O verdadeiro Salesiano tem na imaginação, no coração, nos desejos, nos horizontes de vida a visão do prêmio, como plenitude dos valores proclamados pelo Evangelho. Por essa razão «está sempre alegre. Difunde essa alegria e sabe educar à felicidade da vida cristã e ao sentido de festa».[31]

 Na casa de Dom Bosco e em nossas casas salesianas falava-se muito do Paraíso. Era uma ideia permanente e onipresente, resumida em alguns ditados famosos: «Pão, trabalho e Paraíso»;[32] «Um pedaço do Paraíso conserta tudo».[33] São frases recorrentes em Valdocco e em Mornese.

Certamente muitas Filhas de Maria Auxiliadora se lembrarão da descrição que a Madre Enrichetta Sorbone fez do espírito de Mornese: «Aqui estamos no paraíso, na casa existe um ambiente de paraíso!».[34] Não era certamente devido às privações ou à falta de problemas. Era como a tradução espontânea, que saltava do coração, da placa que Dom Bosco mandara afixar: «Servite Domino in Laetitia».[35]

Domingos Sávio também havia percebido a mesma atmosfera calorosa e transcendente da vida: «aqui nós fazemos consistir a santidade em estar sempre muito alegres».[36]

As biografias de Domingos Sávio, Francisco Besucco e Miguel Magone mostram que Dom Bosco, mesmo quando descreve a agonia desses meninos, faz questão de evidenciar essa inefável alegria, unida ao genuíno anseio pelo Paraíso. Muito mais do que o horror da morte, os seus meninos sentiam a atração da Páscoa.

O pensamento do prêmio é um dos frutos da presença do Espírito Santo, ou seja, da intensidade da fé, da esperança e da caridade, todas juntas, embora esteja mais estritamente relacionado à esperança… Isso instila no coração uma alegria e um contentamento que vêm do Alto e encontram uma bela sintonia com as tendências inatas do coração humano. Vemo-lo na convivência entre os jovens e as jovens: a juventude sente com mais frescor que o homem nasceu para a felicidade.

Todavia, não temos necessidade nem mesmo de buscá-lo entre os jovens. Peguemos um espelho e olhemos para nós mesmos: basta ouvirmos as batidas do nosso coração. Nascemos para alcançar a felicidade, esperamos por ela ainda que não o confessemos.

A ideia do Paraíso, sempre presente na casa de Dom Bosco, não é uma utopia para ingênuos enganados, não é a cenoura que faz o cavalo andar mais rápido, é a inquietação substancial do nosso ser; e é, sobretudo, a realidade do amor de Deus, da ressurreição de Jesus Cristo em ação na história; é a presença viva do Espírito Santo que nos impele, de fato, para o prêmio.

Dom Bosco não despreza nenhuma alegria dos jovens. Ao contrário, ele a desperta, aumenta, desenvolve. A famosa “alegria”, em que ele faz consistir a santidade, não é apenas uma alegria íntima, escondida no coração como fruto da graça. Ela é a sua raiz, mas também se expressa exteriormente na vida, no pátio e no sentido da festa. Como preparava as solenidades religiosas, os onomásticos, os dias festivos do Oratório! Teve até mesmo o cuidado de organizar a celebração do próprio onomástico, não para si mesmo, mas para criar no ambiente uma atmosfera de alegre gratidão.

Pensemos nas corajosas caminhadas de outono: dois ou três meses para prepará-las, 15 ou 20 dias para vivê-las; depois, as lembranças e os comentários prolongados: uma alegria que se estende ao longo do tempo. Que imaginação e que coragem! De Turim aos Becchi, a Gênova, a Mornese, a muitas cidades do Piemonte, com dezenas e dezenas de jovens… O passeio, o esporte, a música, o canto, o teatro: são elementos substanciais do Sistema Preventivo, que, também como método pedagógico, pressupõe uma espiritualidade adequada e explosiva, fruto de uma fé, esperança e caridade convictas, valores do céu aqui na terra.

O Paraíso sempre aparecia no firmamento de Valdocco, dia e noite, com nuvens ou sem nuvens. Hoje, testemunhar os valores do prêmio é uma profecia urgente para o mundo, especialmente para os jovens. Qual foi a contribuição da civilização técnico-industrial para a sociedade de consumo? Uma enorme possibilidade de conforto e prazer, com uma consequente densa tristeza.

Entre outras coisas, lemos nas Constituições dos Salesianos de Dom Bosco – mas vale para todo cristão – que «o Salesiano [é] um sinal da força da ressurreição» e que «na simplicidade e laboriosidade da vida cotidiana» é «educador que anuncia aos jovens ‘novos céus e nova terra’, estimulando neles os compromissos e a alegria da esperança».[37]

Em Mornese e em Valdocco não havia nem comodidades, nem tirania, e tudo respirava espontaneidade e alegria. Hoje, o progresso técnico facilitou muitas coisas, mas não aumentou a verdadeira alegria humana. Antes, aumentaram a angústia, a náusea, a falta de sentido da existência, o que infelizmente continuamos a detectar – especialmente nas sociedades ricas – com as trágicas estatísticas de suicídios de adolescentes e de jovens.

Hoje, além da pobreza material que ainda aflige uma parcela muito grande da humanidade, torna-se urgente encontrar a forma de fazer com que os jovens percebam o sentido da vida, os ideais mais elevados, a originalidade de Jesus Cristo.

Busca-se a felicidade, tendência humana fundamental, mas não se conhece mais o caminho certo, e aumenta, então, uma imensa desilusão.

Os jovens, devido também à falta de adultos significativos, sentem-se incapazes de lidar com o sofrimento, o dever e o esforço constante. O problema da fidelidade aos ideais e à própria vocação tornou-se crucial. Os jovens sentem-se incapazes de enfrentar o sofrimento e o sacrifício. Vivem em uma atmosfera onde triunfa a dicotomia entre amor e sacrifício, de modo que a busca e a conquista do bem-estar acabam asfixiando a capacidade de amar e, portanto, de sonhar o futuro.

Como dizíamos, o diamante do prêmio está corretamente colocado abaixo do diamante da pobreza, como se quisesse indicar que os dois se complementam e apoiam reciprocamente. De fato, a pobreza evangélica envolve uma visão concreta e transcendente de toda a realidade, com uma visão realista até mesmo das renúncias, dos sofrimentos, dos contratempos, das privações e das penas.

Qual é a energia interior que nos faz enfrentar tudo com confiança e alegria, sem desanimar? Em última análise é a sensação da presença do céu na Terra. Essa sensação procede da fé, da esperança e da caridade, que nos fazem reler a nossa existência sob a ótica do Espírito Santo.

No espírito de Dom Bosco há, então, uma preocupação constante de cuidar da familiaridade com o Paraíso, quase como se fosse o firmamento da mente, o horizonte do coração salesiano: trabalhamos e lutamos na certeza de um prêmio, olhando para a Pátria, a casa de Deus, a Terra Prometida.

É bom ressaltar que a perspectiva do prêmio não consiste, de forma redutiva, na obtenção de uma “recompensa”, de uma espécie de consolo por uma vida vivida em meio a tantos sacrifícios, resistências… Nada disso! Se fosse apenas uma “recompensa”, seria como uma chantagem. Deus, porém, não trabalha dessa forma. Em Seu amor, Ele só pode oferecer ao homem Ele mesmo. Essa – como afirma Jesus – é a vida eterna: o conhecimento do Pai. Onde “conhecer” significa “amar”, tornar-se participante pleno de Deus, em continuidade com a existência terrena vivida “na graça”, ou seja, no amor a Deus e aos irmãos e irmãs.

Nesse caminho, somos convidados a voltar o nosso olhar a Maria, que se faz presente como auxílio cotidiano, como Mãe precursora e auxiliadora. Dom Bosco tinha certeza da sua presença entre nós e queria sinais para nos lembrar disso. Para Ela construiu uma Basílica, centro de animação e difusão da vocação salesiana; queria a sua imagem em nossos ambientes de vida; vinculava todas as iniciativas apostólicas à sua intercessão e comentava com emoção a sua eficácia real e materna. Recordemos, por exemplo, o que disse às Filhas de Maria Auxiliadora na casa de Nizza: «Nossa Senhora está realmente aqui, aqui no meio de vocês! Nossa Senhora caminha por esta casa e a cobre com o seu manto».[38]

Além d’Ela, também buscamos outros amigos na casa de Deus. Os nossos Santos e Beatos, a começar pelos rostos que nos são mais familiares e que fazem parte do chamado “jardim salesiano”.

Não fazemos essas escolhas para dividir a grande casa de Deus em pequenos apartamentos privados, mas para nos sentirmos mais à vontade nela e podermos falar sobre Deus, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, Cristo e Maria, a criação e a história, não com a trepidação de quem ouviu uma palestra elevada de um pensador denso, difícil e até hermético, mas com aquele sentimento de familiaridade e simplicidade alegre com que conversamos com aqueles que foram nossos familiares, nossos irmãos e irmãs, nossos colegas e companheiros de trabalho. Alguns deles não conhecemos em vida, mas os sentimos próximos e eles inspiram-nos uma confiança especial. Conversar com São José, com Dom Bosco, com Madre Mazzarello, com o Padre Rua, com Domingos Sávio, com Laura Vicuña, com o Padre Rinaldi, com Dom Versiglia e o Padre Caravario, com a Irmã Teresa Valsè, com a Irmã Eusébia Palomino, com a Irmã Maria Troncatti etc., é realmente um diálogo “de casa”, de família.

É o que o nos sugere o diamante do prêmio: sentir-se em casa com Deus, com Cristo, com Maria, com os santos; sentir a presença deles em casa, numa atmosfera familiar que dá um sentido de Paraíso ao ambiente cotidiano de vida.

6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA

Concluindo este comentário, não podemos deixar de dirigir o nosso coração e o nosso olhar à Virgem Maria, como nos ensinou Dom Bosco. A esperança exige confiança, capacidade de entregar-se e confiar em si mesmo. Em tudo isso, temos uma guia e uma mestra em Maria Santíssima. Ela testemunha que ter esperança é ter confiança e entregar-se, e isso é tão verdadeiro para a existência quanto para a vida eterna. Nesse caminho, Nossa Senhora toma-nos pela mão, ensina-nos a confiar em Deus, a entregar-nos livremente ao amor transmitido pelo seu Filho Jesus.

A orientação e a “carta de navegação” que ela nos oferece é sempre a mesma: «Fazei tudo o que Ele vos disser».[39] Um convite que aceitamos todos os dias em nossas vidas.

Em Maria, vemos a realização do prêmio. Maria incorpora em si mesma a atrativa e a concretude do prêmio: Ela,

«terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte».[40]

Podemos ler nos Seus lábios algumas belas expressões de São Paulo. Como são inspiradas pelo Espírito Santo, o Esposo de Maria, certamente são compartilhadas por Ela.

Ei-las:

«Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor».[41]

Queridas irmãs e queridos irmãos, queridos jovens,

Maria Auxiliadora, Dom Bosco e todos os nossos santos e beatos estão próximos de nós neste ano extraordinário. Sejam eles a acompanhar-nos na vivência profunda das exigências do Jubileu, ajudando-nos a colocar no centro da nossa vida a pessoa de Jesus Cristo, «o Salvador anunciado no Evangelho, que hoje vive na Igreja e no mundo».[42]

Que eles nos encorajem, seguindo o exemplo dos primeiros missionários enviados por Dom Bosco, a sempre e em todos os lugares fazer da nossa vida um dom gratuito para os outros, especialmente os jovens e, entre eles, os mais pobres.

Enfim, um desejo: que este ano faça crescer em nós a oração pela paz, por uma humanidade pacificada. Invoquemos o dom da paz – o shalom bíblico – que contém todos os outros e só se realiza na esperança.

Um abraço fraterno,

P. Stefano Martoglio S.D.B.

Vigário do Reitor-Mor Roma, 31 de dezembro de 2024


[1] Francisco, Spes non confundit. Bula de proclamação do Jubileu Ordinário do ano 2025, Cidade do Vaticano, 9 de maio de 2024.

[2] Ibi.

[3] Cf. Rm 8,39

[4] Rm 5,3-5

[5] Conforme a 3ª edição Típica do Missal Romano, ed. CNBB.

[6] Byung-Chul Han, El espíìritu de la esperanza, p. 18, Herder, Barcellona 2024.

[7] C. Paccini – S. Troisi, Siamo nati e non moriremo mai più. Storia di Chiara Corbella Petrillo, Porziuncola, Assisi (PG) 2001.

[8] Gabriel Marcel, Philosophie der Hoffnung, Munich, List 1964.

[9] Erich Fromm, La revolución de la esperanza, Ciudad de México 1970.

[10] 1Pt 3,15.

[11] Francisco, Spes non confundit, 9.

[12] Jo 17,3.

[13] Cf. Rm 4,18.

[14] Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, Cidade do Vaticano 25 de dezembro de 2005, 1.

[15] Const. SDB, 3.

[16] Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIª-IIae q. 17 a. 8 co.

[17] Cf. E. Lévinas, Totalità e infinito. Saggio sull’esteriorità, Jaca Book, Milano 2023.

[18] Tomei por base para estas reflexões a rica reflexão do Abade Geral da Ordem dos Cistercienses M. G. Lepori, Capitoli dell’Abate Generale OCist al CFM 2024. Sperare in Cristo; o texto pode ser encontrado em várias línguas in www.ocist.org

[19] Cf. Rm, 5,3-5

[20] E. Viganò, Un progetto evangelico di vita attiva, Elle Di Ci, Leumann (TO) 1982, 68-84.

[21] Cf. E. Viganò, Profilo del Salesiano nel sogno del personaggio dei dieci diamanti, in ACS 300 (1981), 3-41. O texto completo do sonho pode ser encontrado em ACS 300 (1981), 42-47 ou MBp XV, 166-168.

[22] MBp VIII, 485.

[23] Const. SDB, 18.

[24] P. Braido (a cura di), Don Bosco Fondatore “Ai Soci Salesiani”(1875-1885). Introduzione e testi critici, LAS, Roma 1995, 159.

[25] MBp VI, 415.

[26] MBp VI, 388.

[27] MBp XII, 385.

[28] Ibi.

[29] F. Maccono, Santa Maria Domenica Mazzarello. Confondatrice e prima Superiora Generale delle FMA. Vol. I, FMA, Torino 1960, 398.

[30] MBp X, 609.

[31] Const. SDB, 17.

[32] MBp XII, 512.

[33] MBp VIII, 485.

[34] Citato in E. VIGANÒ, Redescobrir o Espírito de Mornese, in ACS 301 (1981), 64

[35] Sl 99.

[36] MBp V, 306.

[37] Const. SDB, 63. Veja-se também E. Viganò, «Dar razão da alegria e dos empenhos da esperança, testemunhando as insondáveis riquezas de Cristo». Estreia de 1994. Comentário do Reitor-Mor, Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, Roma 1993.

[38] G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo. Vol. I, FMA, Roma 1972-1976, 122.

[39] Gv 2,5.

[40] LG, 59.

[41] Rm 8,34-39.

[42] Const. SDB, 196.