Com Dom Bosco. Sempre

Não é indiferente celebrar um Capítulo Geral em um lugar ou em outro. Certamente, em Valdocco, no “berço do carisma”, temos a oportunidade de redescobrir a gênese da nossa história e reencontrar a originalidade que constitui o coração da nossa identidade de consagrados e apóstolos dos jovens.

Na moldura antiga de Valdocco, em que tudo fala das nossas origens, sou quase obrigado a fazer memória daquele dezembro de 1859, em que Dom Bosco havia tomado uma decisão incrível, única na história: fundar uma congregação religiosa com alguns jovens.
Ele os havia preparado, mas eram ainda muito jovens. «Há muito tempo pensava em fundar uma Congregação. Eis que chegou disso se tornar realidade.» explicou Dom Bosco com simplicidade. «Na verdade, esta Congregação não está nascendo só agora: ela já existia naquele conjunto de Regras que, por costume, vocês sempre observaram… Trata-se agora de andar avante, de constituir normalmente a Congregação e de aceitar as suas Regras. Saibam, porém, que nela serão inscritos somente aqueles que, depois de terem refletido seriamente, quiserem fazer, a seu tempo, os votos de pobreza, castidade e obediência… Deixo-lhes uma semana de tempo para pensarem nisso».
À saída da reunião houve um silêncio insólito. Bem depressa, quando começaram a falar, pode-se constatar que Dom Bosco tinha razão em proceder com lentidão e prudência. Alguns murmuravam consigo mesmos que Dom Bosco queria fazer deles frades. Cagliero caminhava pelo pátio, envolvido em sentimentos contraditórios.
Mas o desejo de «permanecer com Dom Bosco» prevaleceu na maioria. Cagliero disse então a frase que se tornaria histórica: «Frade ou não frade, eu fico com Dom Bosco».
Na «conferência de adesão», que se realizou na noite de 18 de dezembro, eram em 17. Dom Bosco convocou o primeiro Capítulo Geral em 5 de setembro de 1877, em Lanzo Torinese. Os participantes eram vinte e três e o Capítulo durou três dias inteiros. Hoje, para o Capítulo de número 29, os capitulares são 227. Chegaram de todas as partes do mundo, representando todos os salesianos.
Na abertura do primeiro Capítulo Geral, Dom Bosco disse aos nossos irmãos: «O Divino Salvador diz no santo Evangelho que onde estão dois ou três reunidos em seu nome, Ele mesmo está entre deles. Nós não temos outro fim nestes encontros senão a maior glória de Deus e a salvação das almas redimidas pelo precioso Sangue de Jesus Cristo». Podemos estar certos, portanto, de que o Senhor estará em nosso meio e que conduzirá Ele mesmo as coisas de tal modo que todos se sintam à vontade.

Uma mudança de época
A expressão evangélica: «Designou doze dentre eles para ficar em sua companhia. Ele os enviaria a pregar» (Mc 3,14-15), diz que Jesus escolhe e chama aqueles que quer. Entre estes estamos também nós. O Reino de Deus se torna realidade e aqueles primeiros Doze são um exemplo e um modelo para nós e para as nossas comunidades. Os Doze são pessoas comuns, com qualidades e defeitos, não formam uma comunidade de puros e nem sequer um simples grupo de amigos.
Sabem, como disse o Papa Francisco, que “Vivemos uma mudança de época mais que uma época de mudanças”. Em Valdocco, nestes dias, se percebe grandemente esta consciência. Todos os irmãos sentem que este é um momento de grande responsabilidade.
Na vida da maioria dos irmãos, das inspetorias e da Congregação há muitas coisas positivas, mas isto não basta e não pode servir de “consolo”, porque o grito do mundo, as grandes e novas pobrezas, a luta quotidiana de tantas pessoas – não somente pobres, mas também simples e trabalhadoras – se levanta forte como pedido de ajuda. São todas perguntas que nos devem provocar e sacudir e não nos deixar tranquilos.
Com a ajuda das inspetorias através da consulta, acreditamos ter individuado, por um lado, os principais motivos de preocupação e, por outro, os sinais de vitalidade da nossa Congregação, adaptados sempre com aos traços culturais específicos de cada contexto.
Durante o Capítulo propomos concentrar-nos sobre o que significa para nós sermos verdadeiramente salesianos apaixonados por Jesus Cristo, porque sem isto ofereceremos bons serviços, faremos o bem às pessoas, ajudaremos, mas não deixaremos uma marca profunda.
A missão de Jesus continua e se torna visível hoje no mundo também através de nós, seus enviados. Somos consagrados para construir amplos espaços de luz para o mundo de hoje, para sermos profetas. Fomos consagrados por Deus e chamados ao seguimento do seu amado Filho Jesus para vivermos verdadeiramente como conquistados por Deus. É por isso que o essencial continua a ser a fidelidade da Congregação ao Espírito Santo, vivendo, com o espírito de Dom Bosco, uma vida consagrada salesiana centrada em Jesus Cristo.
A vitalidade apostólica, como vitalidade espiritual, é compromisso a favor dos adolescentes e jovens nas mais variadas pobrezas e, por isso, não se pode somente oferecer serviços educativos. O Senhor nos chama a educar evangelizando, levando a Sua presença e acompanhando a vida com oportunidades de futuro.
Somos chamados a procurar, em nome de Deus, novos modelos de presença, novas expressões do carisma salesiano. E que isto seja feito, em comunhão com os jovens e com o mundo, através de “uma ecologia integral” e da formação de uma cultura digital nos mundos habitados pelos jovens e pelos adultos.
E é forte o desejo e a expectativa de que este seja um Capítulo Geral corajoso, em que se digam as coisas, sem se preocupar com frases corretas e bem ditas, mas que não tocam a vida.
Nesta missão não estamos sozinhos. Sabemos e sentimos que a Virgem Maria é um modelo de fidelidade.
É belo voltar com a mente e com o coração ao dia da solenidade da Imaculada Conceição de 1887, quando, dois meses antes da sua morte, Dom Bosco disse a alguns Salesianos que o acompanhavam e escutavam com comoção: «Até agora caminhamos no certo. Não podemos errar; é Maria quem nos guia».
Maria Auxiliadora, a Nossa Senhora de Dom Bosco, nos guia. Ela é a Mãe de todos nós e é Ela que diz ao CG29, como o fez em Caná da Galileia: «Fazei o que ele vos disser».
A nossa Mãe Auxiliadora nos ilumine e nos guie, como fez com Dom Bosco, a sermos fiéis ao Senhor e a jamais desiludir os jovens, sobretudo aqueles mais necessitados.




Nós somos Dom Bosco, hoje

«Tu levarás a cabo o trabalho que estou começando; eu farei os esboços, tu desenharás as cores» (Dom Bosco)

Queridos amigos e leitores, membros da Família Salesiana, na saudação deste mês no Boletim Salesiano, vou me concentrar num evento muito importante que a Congregação Salesiana está vivendo: o 29º Capítulo Geral. No caminho da Congregação Salesiana, a cada seis anos ocorre esta assembleia, a mais importante na vida da Congregação.
Muitas coisas fazem parte da nossa vida, e este ano jubilar nos está proporcionando muitos eventos importantes; no entanto, desejo me concentrar neste porque, mesmo que aparentemente esteja longe de nós, diz respeito a todos nós.
Dom Bosco, nosso Fundador, estava ciente de que nem tudo terminaria com ele, mas que o seu seria, sem dúvida, apenas o início de um longo caminho a percorrer. Aos sessenta anos, num dia de 1875, disse ao P. Júlio Barberis, um de seus colaboradores mais próximos: “Tu levarás a cabo o trabalho que estou começando; eu farei os esboços, tu desenharás as cores […] Farei uma cópia aproximada da Congregação e deixarei para aqueles que vierem depois de mim a tarefa de torná-la bela”.
Com esta feliz e profética expressão, Dom Bosco desenhava o caminho que todos somos chamados a percorrer; e de forma máxima está se realizando o Capítulo Geral dos Salesianos de Dom Bosco nestes tempos em Valdocco.

A profecia dos doces
O mundo de hoje não é o de Dom Bosco, mas há uma característica comum: é um tempo de profundas mutações. A humanização completa, equilibrada e responsável em seus componentes materiais e espirituais era o verdadeiro objetivo de Dom Bosco. Ele se preocupava em preencher o “espaço interior” dos jovens, formar “cabeças bem feitas”, “cidadãos honestos”. Neste aspecto, é totalmente atual. O mundo hoje precisa de Dom Bosco.
No início, para todos há uma pergunta muito simples: «Você quer uma vida qualquer ou quer mudar o mundo?» Mas ainda se pode falar de metas e ideais, hoje? Quando o rio para de correr, ele se torna um pântano. O mesmo acontece com o ser humano.
Dom Bosco não parou de caminhar. Hoje ele o faz com nossos pés.
Ele tinha uma convicção sobre os jovens: «Esta porção, a mais delicada e a mais preciosa da sociedade humana, sobre a qual se fundamentam as esperanças de um futuro feliz, não é por si mesma de índole perversa… porque se acontece às vezes que já estejam corrompidos nessa idade, isso se deve mais à imprudência do que à malícia consumada. Esses jovens realmente precisam de uma mão benéfica, que cuide deles, os cultive, os guie…»
Em 1882, numa conferência, disse aos Cooperadores em Gênova: «Ao retirar, instruir, educar os jovens em perigo, faz-se um bem a toda a sociedade civil. Se a juventude for bem educada, teremos com o tempo uma geração melhor». É como dizer: apenas a educação pode mudar o mundo.
Dom Bosco tinha uma capacidade de visão quase assustadora. Ele nunca diz “até agora”. Mas sempre “de agora em diante.
Guy Avanzini, eminente professor universitário, continua a repetir: «A pedagogia do século XXI será salesiana, ou não será pedagogia».
Numa noite de 1851, de uma janela do primeiro andar, Dom Bosco jogou entre os jovens um punhado de doces. Uma grande alegria se acendeu, e um garoto, vendo-o sorrir na janela, gritou: «Ó Dom Bosco, se pudesse ver todas as partes do mundo, e em cada uma delas tantos oratórios!».
Dom Bosco fixou seu olhar sereno no ar e respondeu: «Quem sabe se não deve vir o dia em que os filhos do oratório estejam realmente espalhados por todo o mundo».

Olhar distante
Mas o que é um Capítulo Geral? Por que ocupar estas linhas sobre um tema que é especificamente da Congregação Salesiana? 
As constituições de vida dos Salesianos de Dom Bosco, no artigo 146, definem assim o Capítulo Geral: 
“O Capítulo Geral é o sinal principal da unidade na diversidade da Congregação. É o encontro fraterno no qual os salesianos realizam uma reflexão comunitária, para se manterem fiéis ao Evangelho e ao carisma do Fundador, e sensíveis às necessidades dos tempos e lugares. 
Mediante o Capítulo Geral, toda a Sociedade, deixando-se guiar pelo Espírito do Senhor, procura conhecer, em determinado momento da história, a vontade de Deus para melhor servir à Igreja”
.
O Capítulo Geral não é, portanto, um fato privado dos salesianos consagrados, mas uma assembleia importantíssima que diz respeito a todos nós, que toca toda a Família Salesiana e aqueles que têm Dom Bosco dentro de si, porque no centro estão as pessoas, a missão, o Carisma de Dom Bosco, a Igreja e cada um de nós, de vocês. 
No centro está a fidelidade a Deus e a Dom Bosco, na capacidade de ver os sinais dos tempos e dos diferentes lugares. Fidelidade que é um movimento contínuo, renovação, capacidade de olhar longe e, ao mesmo tempo, manter os pés bem plantados no chão.

Por isso, cerca de 250 coirmãos salesianos se reuniram de todas as partes do mundo para rezar, refletir, dialogar e olhar para o futuro… em fidelidade a Dom Bosco.
E, a partir da construção dessa visão, eleger o novo Reitor-Mor, o sucessor de Dom Bosco e seu Conselho Geral.
Não é algo fora da sua vida, caro amigo(a) que lê, mas dentro da sua existência e no seu “afeto” a Dom Bosco. Por que lhe digo isso? Porque você acompanha tudo isso com sua oração. A oração ao Espírito Santo que ajude todos os capitulares a conhecer a vontade de Deus para um melhor serviço à Igreja.
Acredito que o CG29, tenho certeza, será tudo isso. Uma experiência de Deus para purificar outras partes do esboço que Dom Bosco nos deixou, como sempre foi feito em todos os Capítulos Gerais da história da Congregação, sempre fiéis ao seu projeto.
Certos de que hoje também podemos continuar a ser iluminados para sermos fiéis ao Senhor Jesus na fidelidade ao carisma original, com os rostos, a música e as cores de hoje.
Não estamos sozinhos nesta missão e sabemos e sentimos que Maria, a Mãe Auxiliadora dos cristãos, a Auxiliadora da Igreja, modelo de fidelidade, sustentará os passos de todos nós.




Servos bons, fiéis e corajosos

Neste ano Jubilar, neste mundo difícil, somos convidados a nos levantar, recomeçar e percorrer em novidade de vida nosso caminho de homens e de crentes.

            O profeta Isaías se dirige a Jerusalém com estas palavras: «Levanta-te, reveste-te de luz, porque vem a tua luz, a glória do Senhor brilha sobre ti» (Is 60,1). O convite do profeta – a se levantar porque vem a luz – parece surpreendente, pois é gritado após o duro exílio e as numerosas perseguições que o povo experimentou.
            Este convite, hoje, ressoa também para nós que celebramos este ano Jubilar. Neste mundo difícil, também somos convidados a nos levantar, recomeçar e percorrer em novidade de vida nosso caminho de homens e de crentes.
            Tanto mais agora que tivemos a graça, sim, porque se trata de graça, de celebrar na lembrança litúrgica a Santidade de João Bosco. Não nos acostumemos: Dom Bosco é um grande homem de Deus, genial e corajoso, um incansável apóstolo porque discípulo apaixonado de Cristo. Para nós, um pai!
            Na vida, ter um pai é importantíssimo; na fé, ao seguir Cristo, é igual: ter um grande pai é um dom inestimável. Você sente dentro de si e sua experiência de fé move sua vida. Se assim é para Dom Bosco, por que não pode ser assim também para mim?
            Uma pergunta existencial que nos coloca em movimento e nos transforma, no espírito do Jubileu, tornando-nos pessoas “renovadas”, “mudadas”. Este é o sentido profundo da festa de Dom Bosco que acabamos de celebrar, para todos nós: imitar, não apenas admirar! Neste ano Jubilar que estamos vivendo, com o tema da Esperança, presença de Deus, que nos acompanha, Dom Bosco é uma referência clara e forte!
            Falando da Esperança, Dom Bosco escreve, como retomei no texto da Estreia para este ano:
            «O salesiano» – dizia Dom Bosco, e ao falar do salesiano fala a cada um de nós que lemos – «está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, as fadigas e o desprezo sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas»; o apoio interior dessa exigente capacidade ascética é o pensamento do paraíso como reflexo da boa consciência com a qual trabalha e vive. «Em cada um de nossos ofícios, em cada um de nossos trabalhos, penas ou desgostos, nunca nos esqueçamos de que Ele leva em conta cada pequena coisa feita pelo seu santo nome; e é de fé que, a seu tempo, nos compensará com abundante medida. No fim da vida, quando nos apresentarmos ao seu divino tribunal, olhando-nos com rosto amoroso, Ele nos dirá: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu Senhor” (Mt 25,21)».
            «Nas fadigas e nos sofrimentos, nunca se esqueça de que temos uma grande recompensa preparada no céu». E quando nosso Pai diz que o salesiano esgotado pelo excesso de trabalho representa uma vitória para toda a Congregação, parece sugerir até uma dimensão de comunhão fraterna na recompensa, quase um sentido comunitário do paraíso!
            De pé, Salesianos! Assim nos pede Dom Bosco.

«Salve, salvando salva-te»
            Dom Bosco foi um dos grandes da esperança. Há muitos elementos para demonstrá-lo. Seu espírito salesiano é todo permeado pelas certezas e pela operosidade características desse dinamismo audacioso do Espírito Santo.
            Dom Bosco soube traduzir em sua vida a energia da esperança em dois aspectos: o compromisso pela santificação pessoal e a missão de salvação para os outros; ou melhor – e aqui reside uma característica central de seu espírito – a santificação pessoal através da salvação dos outros. Lembremos a famosa fórmula dos três “S”: «Salve, salvando salva-te». Parece um jogo mnemônico dito assim simplesmente, a modo de slogan pedagógico, mas é profundo e indica como os dois aspectos da santificação pessoal e da salvação do próximo estão intimamente ligados entre si.
            Dom Erik Varden afirma: «Aqui e agora, a esperança se manifesta como um lampejo. Isso não quer dizer que seja irrelevante. A esperança tem um contágio abençoado que lhe permite se espalhar de coração a coração. Os poderes totalitários sempre trabalham para apagar a esperança e induzir ao desespero. Educar-se para a esperança significa exercitar-se para a liberdade. Em um poema, Péguy descreve a esperança como a chama da lâmpada do santuário. Esta chama, diz, “atravessou a profundidade das noites”. Nos permite ver o que é agora, mas também prever o que poderia ser. Esperar significa apostar a própria existência na possibilidade do vir a ser. É uma arte a ser praticada assiduamente na atmosfera fatalista e determinista em que vivemos».
            Que Deus nos conceda viver assim este ano Jubilar!
            Que possamos todos caminhar neste mês com esta visão que “brilha nas trevas”, com a Esperança no coração que é a presença de Deus.
            Recomendo-lhes, neste mês, a oração pela nossa Congregação Salesiana, que se reúne em Capítulo Geral, acompanhem-nos todos com sua oração e seu pensamento, para que possamos ser fiéis, como Salesianos, ao que desejava Dom Bosco.




A Devoção Mariana na Perspectiva de Dom Bosco

São João Bosco nutria uma profunda devoção a Maria Auxiliadora, uma devoção que tem suas raízes nas numerosas experiências de sua intervenção materna, iniciadas quando ele tinha apenas 9 anos. Esta verdadeira devoção não poderia permanecer apenas pessoal, e assim Dom Bosco sentiu a necessidade de compartilhá-la com os outros. Em 1869, fundou a Associação de Maria Auxiliadora (ADMA), que ainda hoje continua a ser uma realidade espiritual vibrante. A cada 5-6 anos, a associação organiza Congressos internacionais em honra a Maria Auxiliadora. O último, o IX Congresso, ocorreu em Fátima, Portugal, de 29 de agosto a 1º de setembro 2024. Apresentamos a intervenção conclusiva do Vigário do Reitor-Mor, o P. Stefano Martoglio.

Falo com prazer neste Congresso Mariano, após o que ouvimos e vivemos para reafirmar um ato de entrega pessoal e institucional, segundo o coração de Dom Bosco e a Fé da Igreja. Encerramos estes nossos dias com um dos aspectos espirituais que Dom Bosco percebe e vive como importante a nível pessoal e qualificante para sua obra: a devoção mariana. Nós nos confiamos às mãos maternas de Maria. Aqui agora, neste lugar Santo da presença de Maria; a ela pedimos que torne fecundos na vida o que vivemos, rezamos e ouvimos aqui.
Portanto, o que digo, após o que ouvimos e vivemos, é fazer memória, começando do início. Fazer memória é importante: significa reconhecer que isso não é nosso, nos foi confiado, e que devemos entregá-lo a outras gerações.
Com muita simplicidade, digo a mim e a cada um de nós alguns aspectos centrais da Presença de Maria em Dom Bosco, de sua e nossa devoção.

1. Maria nos escritos de Dom Bosco, comecemos do início.
A mulher “de aspecto majestoso, vestida com um manto, que brilhava de todos os lados”, descrita no sonho dos nove anos que tanto meditamos e pensamos neste Bicentenário deste Sonho, é Nossa Senhora, querida pela tradição popular e pela devoção comum. Sobre ela, Dom Bosco destaca principalmente a amabilidade materna. Esta representação é a mais condizente com sua alma, que o acompanhará até o último suspiro de vida.

Nas Memórias do Oratório, são mencionados muitos dos aspectos e das devoções típicas da religiosidade popular: rosário em família, Ângelus, novenas e tríduos, invocações e jaculatórias, consagrações, visitas a altares e santuários, festas marianas (Maternidade, Nome de Maria, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Dores, Consoladora, Imaculada, Nossa Senhora das Graças…). Atenção: quando dizemos aspectos típicos da religiosidade popular, não estamos dizendo algo fácil nem “automático”. A religiosidade popular é a quintessência, o destilado, da experiência de séculos que nos é dada como presente; da qual devemos nos apropriar.

No período dos estudos em Chieri, aparecem mais elementos que conectam a devoção mariana às opções espirituais do jovem Bosco, especialmente a maturação vocacional e o fortalecimento das virtudes que formam o bom seminarista. Nossa Senhora do seminário é a Imaculada (em todos os seminários piemonteses, e naqueles influenciados pela tradição lazarista, a capela é dedicada à Imaculada desde o século XVII).
Este, de fato, é o aspecto que caracteriza a piedade mariana do jovem Dom Bosco (formado na escola de Santo Afonso): a verdadeira devoção, que se expressa principalmente em uma vida virtuosa, garante o patrocínio mais poderoso que se pode ter em vida e na morte.

Ele também escreverá em “O Jovem Instruído” em 1847: “Se vocês forem seus devotos, além de se encherem de bênçãos neste mundo, terão o paraíso na outra vida”.

Mas é sobretudo no livreto “O mês de maio consagrado a Maria Santíssima Imaculada para uso do povo” (1858), que o santo enquadra explícita e insistentemente a devoção mariana popular e juvenil num contexto voltado para um compromisso sério e concreto de vida cristã vivida com fervor e amor.

“Três coisas a serem praticadas durante todo o mês: 1. Fazer o que pudermos para não cometer nenhum pecado durante este mês: que ele seja todo consagrado a Maria. 2. Ter grande solicitude para o cumprimento dos deveres espirituais e temporais do nosso estado… 3. Convidar nossos parentes e amigos e todos aqueles que dependem de nós a participar das práticas de piedade que são feitas em honra de Maria durante o mês”.

O outro tema, herdado de toda uma tradição devota, é a conexão entre a devoção mariana e a salvação eterna: “Pois o mais belo ornamento do cristianismo é a Mãe do Salvador, Maria Santíssima, assim a Vós me dirijo, ó clementíssima Virgem Maria, estou seguro de adquirir a graça de Deus, o direito ao Paraíso, de recuperar, enfim, a minha dignidade perdida, se Vós orardes por mim: Auxilium christianorum, ora pro nobis” [Auxílio dos cristãos, rogai por nós]. Dom Bosco está convencido de que Maria intervém como advogada eficaz e mediadora poderosa junto a Deus.
Dez anos depois (1868), para a inauguração da igreja de Maria Auxiliadora, o santo escreve e difunde um folheto intitulado “Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora”. Nesta obra, é ressaltada a dimensão eclesial, sobre a qual o olhar de Dom Bosco se abre cada vez mais e se orientam suas preocupações missionárias e educativas.

Os títulos de Imaculada e de Auxiliadora no contexto eclesial da época evocam lutas e triunfos, o “grande confronto” entre a Igreja e a sociedade liberal. Faz-se uma leitura religiosa dos eventos políticos e sociais, na linha da reação católica à incredulidade, ao liberalismo, à descristianização.
No entanto, Dom Bosco, para seus meninos e seus salesianos, continua a enfatizar predominantemente a dimensão ascético-espiritual e apostólica da piedade mariana. De fato, a prática do mês de Maria e das várias devoções visa a determinar nos jovens a decisão de um maior compromisso com seu dever, a exercer as virtudes, a um ardor ascético (mortificações em honra de Maria), a uma caridade operativa e a uma generosa ação de apostolado entre os companheiros.
Ou seja, Dom Bosco tende a atribuir à Imaculada e à Auxiliadora um papel determinante na obra educativa e formativa e a valorizar, no clima do fervor mariano da época, exercícios virtuosos e práticas devotas para levar uma vida de purificação do pecado e do apego a ele e de crescente totalidade de entrega de si a Deus.

Portanto: luta contra o pecado e orientação a Deus, santificação de si e do próximo, serviço de caridade, força para carregar a cruz e compromisso missionário. Estes são os traços salientes de uma devoção mariana que tem muito pouco de devocionista e sentimental (apesar do clima da época e dos gostos populares que, de qualquer forma, Dom Bosco valoriza).
Que caminho em Dom Bosco e Dom Bosco, o homem de fé! Entre o que vocês têm no coração, gostaria de colocar um acento: eu também, nós também devemos caminhar na devoção. Não se fica parado, se não se avança, retrocede-se… e ninguém pode fazer isso por mim!

2. Maria na vida de Dom Bosco, expressões cotidianas da devoção de Dom Bosco e nossa devoção

2.1. O sentido de uma presença
Maria é, na vida de Dom Bosco, uma presença percebida, amada, ativa e estimulante, voltada para o grande negócio da salvação eterna e da santidade. Ele a sente próxima e confia nela, deixando-se guiar e conduzir pelos caminhos de sua vocação (ele a sonha com ela, ele a “vê”).

Em Nizza Monferrato, em junho de 1885, Dom Bosco se entretinha no parlatório com as madres capitulares das Filhas de Maria Auxiliadora, com um fio de voz, muito cansado. Foi pedido que deixasse a elas uma última lembrança. “Oh, então, vós quereis que eu diga alguma coisa. Se eu pudesse falar, quantas coisas eu gostaria de dizer! Mas estou velho, muito velho, como vedes; mal consigo falar. Quero apenas dizer que Nossa Senhora vos ama muito, muito. E, sabeis, ela está aqui entre vós. Então, o P. Bonetti, vendo-o emocionado, o interrompeu e começou a dizer, apenas para distraí-lo:
– Sim, exatamente assim! Dom Bosco quer dizer que Nossa Senhora é vossa Mãe e que ela vos observa e protege.
– Não, não, retomou o Santo, quero dizer que Nossa Senhora está realmente aqui, nesta casa e que está contente convosco, e que se continuardes com o espírito de agora, que é o desejado por Nossa Senhora… O bom Pai se emocionava mais do que antes e o P. Bonetti tomou a palavra novamente:
– Sim, exatamente isto! Dom Bosco quer dizer que, se vós fordes sempre boas, Nossa Senhora ficará contente convosco.
– Mas não, mas não, esforçava-se para explicar Dom Bosco, tentando dominar sua própria emoção. Quero dizer que Nossa Senhora está realmente aqui, aqui entre vós! Nossa Senhora passeia nesta casa e a cobre com seu manto. – Ao dizer isso, estendia os braços, levantava os olhos lacrimejantes para cima e parecia querer persuadir as irmãs de que ele via Nossa Senhora ir e vir como em sua própria casa”.

É uma presença operativa: aquela que acompanha, sustenta, guia, encoraja; aquela que lhe foi dada: “Eu te darei a Mestra sob cuja disciplina você pode se tornar sábio, e sem a qual toda sabedoria se torna tolice”. Uma presença que estimula a viver conscientemente na presença de Deus em uma tensão de totalidade: “Ao pensar em Deus presente / faça com que os lábios, o coração, a mente / sigam o caminho da virtude / ó grande Virgem Maria. / Sac. João Bosco” (oração escrita pelo santo aos pés de uma de suas fotografias).

Esplêndido e essencial: o que não é presença viva na minha vida é ausência! O sentido da Presença, da Providência de Deus, da ação de Maria. Um caminho contínuo para cada um de nós e para todos nós juntos, Família Salesiana.

2.2. A energia da missão
Dom Bosco conecta estreitamente Maria com sua vocação e seu ministério. Aqui é bom retomar a apresentação que Dom Bosco faz do sonho dos nove anos: “Tomando-me com bondade pela mão – veja – ela me disse… Aqui está seu campo, aqui é onde você deve trabalhar. Torne-se humilde, forte, robusto; e o que neste momento você vê acontecer com esses animais, você deverá fazer pelos meus filhos”. É a missão de salvação/transformação/formação dos jovens, através da prevenção, da educação, da instrução, da evangelização, e um sólido conjunto de virtudes no educador.
O Filho de Maria ensina o método e o objetivo: “Não com as pancadas, mas com a mansidão e com a caridade você deverá conquistar esses seus amigos. Portanto, comece imediatamente a dar-lhes uma instrução sobre a feiura do pecado e sobre a preciosidade da virtude”.
A narração feita em 1873-74 do antigo sonho inspirador se conecta com muitos outros relatos de intervenções e inspirações interiores (os sonhos) nos quais nosso santo atribuiu a Maria um papel de animação, de guia e de apoio de seu anseio e de seu zelo pela missão de salvação juvenil.
Neste contexto, devem ser colocados e interpretados aqueles que Dom Bosco reconhece como intervenções prodigiosas de Maria: as “graças” (espirituais e corporais) concedidas às pessoas, a poderosa proteção dela sobre o Oratório e sobre a nascente Família Salesiana e seu prodigioso desenvolvimento em benefício das almas.
As graças pessoais, a percepção da presença particular de Deus, por intercessão de Maria, que guia providencialmente a existência pessoal e institucional. Se você não percebe a Presença, está à mercê do acaso.

2.3. Estímulo à santidade
Dom Bosco vive a devoção mariana como estímulo e apoio da tensão à perfeição cristã. Na mesma perspectiva, ele a inculca sabiamente nos jovens para promover neles a vida cristã e estimulá-los ao desejo de santidade.
Valorizando a sensibilidade de seus meninos e os gostos populares de sua piedade, Dom Bosco soube transformar uma tendência devocional, tingida de sentimento romântico, em um poderoso instrumento de formação espiritual (encorajando, corrigindo, orientando).
Maria nunca nos deixa onde nos encontra. Como no início dos Sinais do Evangelho de João, sabe que devemos ser guiados, acompanhados… para um itinerário preciso: façam o que ele lhes disser e chegarão aonde EU os espero, nos diz Dom Bosco. Ver o invisível.

3. Identidade salesiana e devoção mariana
Para concluir, compartilho com vocês, com simplicidade, aquilo que vivemos como coirmãos, e que está no centro da nossa vocação. Gosto de concluir com esta parte, pois é a espinha dorsal da minha e da nossa vida. Se faz tanto bem a mim, a nós, com certeza fará bem a todos.

Em primeiro lugar, as Constituições, que delineiam os traços característicos da nossa devoção mariana. O artigo 8º (colocado no primeiro capítulo, relativo aos elementos que asseguram a identidade da Congregação Salesiana) sintetiza o sentido da presença de Maria na nossa Sociedade: ela indicou a Dom Bosco seu campo de ação, o guiou e sustentou constantemente, e continua entre nós sua missão de Mãe e Auxiliadora: nós «nos confiamos a ela, humilde serva em quem o Senhor fez grandes coisas, para nos tornarmos testemunhas do amor inesgotável de seu Filho entre os jovens».

O artigo 92 apresenta o papel de Maria na vida e na piedade do salesiano: modelo de oração e de caridade pastoral; mestra de sabedoria e guia da nossa família; exemplo de fé, de solicitude pelos necessitados, de fidelidade na hora da cruz, de alegria espiritual; nossa educadora para a plenitude de doação ao Senhor e ao corajoso serviço dos irmãos. Daí resulta, portanto, uma devoção filial e forte, que se expressa na oração (rosário diário e celebração de suas festas) e na imitação convicta e pessoal.

A melhor síntese, no entanto, encontra-se, a meu ver, na Oração de entrega a Maria Santíssima Auxiliadora, que é recitada diariamente em cada uma de nossas comunidades após a meditação. Foi o P. Rua, em 1894, quem a compôs, como expressão de consagração diária no compromisso de fidelidade e generosidade. Hoje foi revisada, mas conserva a mesma estrutura daquela antiga e os mesmos conteúdos. Eis o texto primitivo:

«Santíssima e imaculada Virgem Auxiliadora, nós nos consagramos inteiramente a vós e prometemos sempre agir para a maior glória de Deus e para a salvação das almas.

Pedimos que dirijais os vossos olhares piedosos sobre a Igreja, seu augusto Chefe, os Sacerdotes e Missionários, sobre a Família Salesiana, nossos parentes e benfeitores e a juventude a nós confiada, sobre os pobres pecadores, os moribundos e as almas do purgatório.

Ensinai-nos, ó Mãe muito amada, a reproduzir em nós as virtudes do nosso Fundador, em particular a angélica modéstia, a profunda humildade e a ardente caridade.

Fazei, ó Maria Auxiliadora, que a vossa poderosa intercessão nos torne vitoriosos contra os inimigos da nossa alma em vida e na morte, para que possamos vir a fazer-vos coroa com Dom Bosco no Paraíso. Assim seja».

Como se pode ver, a versão atual não faz mais do que retomar, com alguns desenvolvimentos, o texto do P. Rua. Acredito que seja bom, de vez em quando, retomá-la e meditá-la. Está estruturada em quatro partes: promessa; intercessão; docilidade; entrega.

Na primeira parte (Santíssima) se recorda a finalidade última da nossa consagração, prometendo orientar cada uma de nossas ações unicamente ao serviço de Deus e à salvação do próximo, na fidelidade à essência da vocação salesiana.

Na segunda parte (Pedimos) se condensa o sentido eclesial, salesiano e missionário da nossa consagração, confiando à intercessão de Maria a Igreja, a Congregação e a Família Salesiana, os jovens, especialmente os mais pobres, todos os homens redimidos por Cristo. Aqui está bem delineada a paixão que deve alimentar e caracterizar a oração salesiana: universalidade, eclesialidade, missionariedade juvenil.

Na terceira parte (Ensinai-nos) estão concentradas as virtudes que caracterizam a fisionomia típica do salesiano discípulo de Dom Bosco: nos colocamos à escola de Maria para crescer na união com Deus, na castidade, na humildade e na pobreza, no amor ao trabalho e na temperança, na ardente caridade amorosa (bondade e doação ilimitada aos irmãos), na fidelidade à Igreja e ao seu magistério.

Na última parte (Fazei, ó Maria Auxiliadora) nos confiamos à intercessão da Virgem Auxiliadora para obter a fidelidade e a generosidade no serviço a Deus até a morte e a admissão na comunhão eterna dos santos.

Esta excelente síntese, que contém um completo programa de vida espiritual e delineia os traços fisionômicos da nossa identidade, pode nos servir hoje de referência e de traço concreto para a verificação e a programação espiritual. E assim seja para cada um de nós!




Estreia 2025. Ancorados na esperança, peregrinos com os jovens

INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES
1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO
1.1 O Jubileu
1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana
2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA
2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã
2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna
2.3 Características da esperança
2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética
2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro
2.3.3 A esperança não é um fato privado
3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO
3.1 A esperança é um convite à responsabilidade
3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização
3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão
3.3.1 As atitudes do enviado
3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar
4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA
4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho
4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera
5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO
5.1……………………………………………………………………………………………………… Deus é a origem da nossa esperança
5.1.1 Um breve aceno ao sonho
5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança
5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco
5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco
5.2 A fidelidade de Deus: até o fim
6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA

INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES

Queridas irmãs e queridos irmãos pertencentes aos diversos grupos da Família Salesiana de Dom Bosco, uma saudação muito cordial a todos no início deste novo ano de 2025!

Não é sem emoção que me dirijo a todos e a cada um de vocês neste tempo de graça marcado por dois eventos importantes para a vida da Igreja e da nossa Família: o Jubileu de 2025, iniciado solenemente no último dia 24 de dezembro com a abertura da porta santa da Basílica de São Pedro no Vaticano, e o 150º aniversário da primeira expedição missionária desejada pelo nosso pai Dom Bosco, que partiu em 11 de novembro de 1875 para a Argentina e outros países do Continente americano.

Os dois importantes eventos têm o seu ponto de encontro na esperança. De fato, ao proclamar o Jubileu, o Papa Francisco indicou precisamente essa virtude como perspectiva; igualmente, a experiência missionária é prenúncio de esperança para todos: para aqueles que partiram (e continuam a partir) e para aqueles que foram alcançados pelos missionários.

O ano que nos é dado apresenta-se, pois, rico em ideias para o nosso crescimento concreto e cotidiano, a fim de que a nossa humanidade seja fecunda na atenção aos outros… Isso só acontecerá nos corações que colocam Deus no centro, a ponto de poderem dizer: «Coloquei-Te antes de mim».

Tentarei ressaltar esses elementos neste meu comentário, para aprofundar em chave carismática o que a Igreja é convidada a viver neste ano e evidenciar o que para nós, Família de Dom Bosco, deve guiar-nos para novos horizontes.

1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO

O título da Estreia envolve o enlace de dois eventos: o jubileu ordinário do ano 2025 e o 150º aniversário da primeira expedição missionária enviada por Dom Bosco à Argentina.

A coincidência, que ouso definir “providencial”, dos dois eventos faz de 2025 um ano decididamente extraordinário para todos nós, e ainda mais para os Salesianos de Dom Bosco. De fato, em fevereiro, março e abril será celebrado o 29º Capítulo Geral, que levará, entre outras coisas, à eleição do novo Reitor-Mor e do novo Conselho Geral.

Eventos globais e especiais, portanto, que nos envolvem de diferentes maneiras e que queremos vivenciar com profundidade e intensidade. Porque é justamente através desses eventos que podemos experimentar a alegria de ir ao encontro de Cristo e a importância de permanecer ancorados na esperança.

1.1 O Jubileu

«Spes non confundit! A esperança não engana!».[1]

É assim que o Papa Francisco apresenta o Jubileu. Que maravilha! Que indicação “profética”!

O Jubileu é uma peregrinação para colocar Jesus Cristo novamente no centro das nossas vidas e da vida do mundo. Pois Ele é a nossa esperança. Ele é a esperança da Igreja e do mundo inteiro!

Todos nós estamos cientes de que o mundo atual tem necessidade dessa esperança que nos coloca em relação com Jesus Cristo e com os demais nossos irmãos e irmãs. Faz-se necessária a esperança que nos torna peregrinos, nos põe em movimento e nos faz caminhar.

Falamos da esperança como de uma redescoberta da presença de Deus. O Papa Francisco escreve: «A esperança encha o coração!»[2] A esperança não só aqueça o coração, mas encha-o, encha-o até transbordar!

1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana

Foi dessa esperança transbordante que há 150 anos encheram-se os corações dos participantes da primeira expedição missionária salesiana à Argentina.

Dom Bosco, desde Valdocco, lança o seu coração para além de todas as fronteiras, enviando os seus filhos ao outro lado do mundo! Envia-os para além de qualquer segurança humana, envia-os para dar continuidade ao que ele começara. Põe-se em caminho com os outros, esperando e incutindo esperança. Ele simplesmente os envia, e os primeiros (jovens) irmãos partem e vão. Para onde? Nem mesmo eles sabem! Mas confiam na esperança e obedecem. Porque é a presença de Deus a nos guiar.

Nessa obediência, cheia de entusiasmo, a nossa esperança atual encontra nova energia e impele-nos a caminhar como peregrinos.

Por isso, este aniversário deve ser comemorado; ele ajuda-nos a reconhecer um dom (não uma conquista pessoal, mas um dom gratuito do Senhor), permite-nos recordar e, a partir da memória, ganhar forças para enfrentar e construir o futuro.

Vivamos hoje, pois, fazendo com que esse futuro seja possível, e façamo-lo da única maneira que consideramos grande: compartilhando com os jovens e com todas as pessoas em nossos ambientes (a começar pelos mais pobres e esquecidos) a viagem para encontrar Cristo, nossa única Esperança.

2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA

Jubileu é caminhar juntos, ancorados em Cristo, nossa esperança. Mas o que isso realmente significa?

Retomo alguns elementos da Bula de Proclamação do Jubileu 2025 que destacam algumas características da esperança.

2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã

Estamos convencidos de que nada nem ninguém nos pode separar de Cristo, pois é n’Ele que queremos e devemos agarrar-nos, ancorar-nos. Não podemos caminhar sem a nossa âncora.

A âncora da esperança é o próprio Cristo, que na cruz, na presença do Pai carrega os sofrimentos e as feridas da humanidade.[3]

A âncora tem a forma da cruz, razão pela qual também foi retratada nas catacumbas para simbolizar a pertença dos fiéis defuntos a Cristo Salvador.

Esta âncora já está firmemente conectada ao porto da salvação. A nossa tarefa é amarrar nela a nossa vida, a corda que prende o nosso barco à âncora de Cristo.

Navegamos nas ondas agitadas do mar e precisamos ancorar-nos em algo sólido. Mas a tarefa já não é lançar a âncora e prendê-la ao fundo do mar. A tarefa é prender o nosso barco à corda que, por assim dizer, pende do Céu, onde a âncora de Cristo está firmemente fixada. Agarrando-nos a essa corda, prendemo-nos à âncora da salvação e tornamos certa a nossa esperança.

A esperança é certa quando o barco da nossa vida se prende à corda que nos liga à âncora fixada em Cristo crucificado, que está à direita do Pai, ou seja, na comunhão eterna do Pai, no amor do Espírito Santo.[4]

Tudo isso é bem expresso na oração litúrgica da Solenidade da Ascensão do Senhor:

«Deus todo-poderoso, fazei-nos exultar de santa alegria e fervorosa ação de graças, pois na ascensão de Cristo nossa humanidade foi elevada junto a vós e, tendo Ele nos precedido como nossa cabeça, nos chama para a glória como membros do seu corpo».[5]

O escritor e político tcheco Václav Havel define a esperança como um estado de espírito, uma dimensão da alma. Ela não depende de uma observação prévia do mundo, não se trata de uma previsão.

Byung-Chul Han acrescenta: «A esperança é uma orientação do coração que transcende o mundo imediato da experiência, é uma ancoragem em algum lugar além do horizonte. As raízes da esperança estão no transcendente: é por isso que não é a mesma coisa ter Esperança e ficar satisfeito porque as coisas caminham bem. Podemos pensar que ter esperança é simplesmente querer sorrir para a vida a fim de que ela, por sua vez, sorria de volta, mas não se trata disso; devemos ir mais fundo, precisamos mover-nos com a corda que nos leva à âncora.

A esperança é a capacidade de cada um de nós trabalhar por alguma coisa que se deve fazer, não porque essa alguma coisa será um sucesso garantido. Pode fracassar, pode dar errado: não esperamos que tudo corra bem, não somos otimistas. Trabalhamos para que isso aconteça. Eis porque a esperança não é igual a otimismo. A esperança não é o convencimento de que alguma coisa dará certo, mas a certeza de que ela faz sentido independentemente do seu resultado.

Fazer alguma coisa porque faz sentido: é nisso que consiste a esperança, que implica valores e pressupõe a fé. É isso que lhe dá a força para viver e nos dá a força para ainda experimentar alguma coisa de novo, e de novo, mesmo na desesperança».[6]

Mas como se pode caminhar permanecendo ancorados? A âncora pesa sobre você, restringe-o, fixa-o. Para onde leva esse caminho? Leva à eternidade.

2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna

A promessa de vida eterna, justamente pela forma como é feita, não contorna o caminho da vida, não é um salto para o alto, não propõe entrar num foguete que se desprende da terra e voa para o espaço deixando no chão a estrada, a poeira do caminho, nem deixa o barco, sem nós, à deriva no mar.

Essa promessa é precisamente uma âncora fixada no eterno, mas a ela permanecemos presos por uma corda que mantém firme o barco que atravessa o mar. E é justamente o fato de estar fixada no céu a permitir que o barco não permaneça parado no meio do mar, mas avance em meio às ondas.

Se a âncora de Cristo ancorasse o homem no fundo do mar, ficaríamos parados onde estamos, talvez acomodados, sem problemas, mas ainda assim, sem navegar, sem avançar. Todavia, a própria ancoragem da vida no Céu esteja a significar que a promessa que desperta a nossa esperança não interrompe o caminho, não nos dá a segurança de um refúgio onde fechar-nos e deter-nos, mas dá-nos a certeza de caminhar e continuar o caminho. A promessa de uma meta precisa, que Cristo já alcançou para nós, torna firme e decisivo cada passo no caminho da vida.

É importante entender o Jubileu como uma peregrinação, como um convite para pôr-se em movimento, para sair de si e ir a Cristo.

Jubileu sempre foi sinônimo de caminhada. Se você realmente deseja Deus, deve mover-se, deve caminhar. Porque o desejo de Deus, o anseio por Deus leva-o a encontrá-Lo e, ao mesmo tempo, leva a encontrar a si mesmo e aos outros.

«Nós nascemos e jamais morreremos».[7]

É belo e significativo o título da biografia da Serva de Deus Chiara Corbella Petrillo. Belo, porque a nossa vinda ao mundo é orientada para a vida eterna. A vida eterna é uma promessa que rompe a porta da morte, abrindo-nos ao “face a face com Deus”, para sempre. A morte é uma porta que se fecha e, ao mesmo tempo, uma porta que se abre de par em par para o encontro definitivo com Deus!

Sabemos como era vivo em Dom Bosco o desejo do céu, proposto e compartilhado com alegria com os jovens do Oratório.

2.3 Características da esperança

2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética

Gabriel Marcel,[8] chamado de o filósofo da esperança, ensina que a esperança é encontrada na trama de uma experiência contínua; ter esperança é dar crédito a uma realidade como portadora de futuro.

Eric Fromm[9] escreve que a esperança não é espera passiva, mas tensão contínua e constante. É como um tigre agachado que salta no momento exato.

Ter esperança é estar atento a cada momento em tudo o que ainda não aconteceu. As virgens que aguardavam o noivo com lâmpadas acesas tinham esperança, Dom Bosco tinha esperança diante das dificuldades e ajoelhava-se para rezar.

A esperança está pronta quando tudo está prestes a nascer. Ela está vigilante, atenta, à escuta, capaz de guiar na criação de algo novo, dando vida ao futuro na Terra. Por isso, ela é “visionária e profética”, concentra a nossa atenção no ainda inexistente; é ela quem ajuda a dar à luz algo de novo.

2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro

Sem esperança não há revolução, não há futuro, há apenas um presente feito de otimismo estéril.

Costuma-se pensar que quem tem esperança é um otimista, enquanto o pessimista é essencialmente o seu oposto. Não é assim que acontece. É importante não confundir esperança com otimismo. A esperança é muito mais profunda, pois não depende de humores, sentimentos ou sentimentalismo. A essência do otimismo é a positividade inata. O otimista vive convencido de que, de alguma forma, as coisas vão melhorar. Para o otimista, o tempo está fechado, não contempla o futuro: tudo dará certo e basta.

Paradoxalmente, também para o pessimista, o tempo está fechado: ele se vê preso no presente como numa prisão, negando tudo sem se aventurar em outros mundos possíveis. O pessimista é tão teimoso quanto o otimista, ambos são cegos para as possibilidades, porque para eles o possível é estranho, falta-lhes paixão pelo possível.

Ao contrário de ambos, a esperança aposta no que pode ir além do que poderia ser.

E mais, o otimista (assim como o pessimista) não age, porque qualquer ação implica um risco e, como ele não quer correr riscos, fica parado, não quer fazer a experiência do fracasso.

A esperança, por outro lado, busca, tenta encontrar uma direção, dirige-se para o que não conhece, estabelece um rumo para coisas novas. Essa é a peregrinação do cristão.

2.3.3 A esperança não é um fato privado

Todos nós carregamos esperanças em nossos corações. Não é possível não ter esperança, mas também é verdade que podemos iludir-nos, considerando perspectivas e ideais que nunca serão realizados, que são apenas ilusões e imagens enganadoras.

Grande parte da nossa cultura, especialmente ocidental, está repleta de falsas esperanças que iludem e destroem ou podem arruinar irreparavelmente a existência de indivíduos e sociedades inteiras.

De acordo com o pensamento positivo, basta substituir os pensamentos negativos por pensamentos positivos para viver mais feliz. Com esse mecanismo simples, os aspectos negativos da vida são completamente omitidos e o mundo aparece como um mercado de Amazon, que nos fornecerá o que quisermos graças à nossa atitude positiva.

Em conclusão, se a nossa disposição de pensar positivamente fosse suficiente para sermos felizes, então cada um seria o único responsável da própria felicidade.

Paradoxalmente, o culto à positividade isola as pessoas, torna-as egoístas e destrói a empatia, porque as pessoas só se preocupam consigo mesmas e não se importam com o sofrimento alheio.

A esperança, ao contrário do pensamento positivo, não evita a negatividade da vida, não isola, mas une e reconcilia, porque o protagonista da esperança não sou eu, concentrado no meu ego, entrincheirado exclusivamente em mim mesmo, o segredo da Esperança somos nós.

Por isso, irmãos da Esperança são o Amor, a Fé e a Transcendência.

3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO

3.1 A esperança é um convite à responsabilidade

A esperança é um dom e, como tal, deve ser transmitido àqueles que encontramos pelo caminho.

São Pedro afirma claramente: «Estai sempre prontos para responder a quem vos pedir a razão da vossa esperança».[10] Ele convida-nos a não ter medo, a agir na vida de todos os dias, a dar razão – quanto espírito salesiano nesta palavra “razão”! – da esperança. Trata-se de uma responsabilidade do cristão. Se somos mulheres e homens de esperança, isso se vê logo!

«Dar razão da esperança que está em nós», torna-se anúncio da ‘boa nova’ de Jesus e do seu Evangelho.

Mas por que é preciso responder a quem nos pergunta sobre a esperança que está em nós? E por que sentimos necessidade de recuperar a esperança?

Na Bula de Proclamação do Jubileu Spes non confundit, o Papa Francisco lembra que «todos, na realidade, sentem a necessidade de recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem cse conformar com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas materiais. Isto fecha-nos no individualismo e corrói a esperança, gerando uma tristeza que se aninha no coração, tornando-nos amargos e impacientes».[11]

É uma observação impressionante porque descreve toda a tristeza que respiramos em nossas sociedades e comunidades. É uma tristeza disfarçada de falsa alegria, aquela que é constantemente anunciada, prometida e garantida pela mídia, pela publicidade, pela propaganda dos políticos, por tantos falsos profetas do bem-estar. Contentar-se com o bem-estar impede-nos de abrir-nos para um bem muito maior, muito mais verdadeiro, muito mais eterno: aquele que Jesus e os apóstolos chamam de “a salvação da alma, a salvação da vida”; um bem pelo qual Jesus nos convida a não ter medo de perder a vida, os bens materiais, as falsas seguranças que, muitas vezes, desmoronam num instante.

Sobre estas “perguntas”, mais ou menos expressas (também pelos jovens), temos a tarefa de “dar razão”. O que eu desejo para os jovens e para todas as pessoas que encontro em meu caminho? O que eu gostaria de pedir a Deus por eles? Como gostaria que Ele mudasse as suas vidas?

Há apenas uma resposta: a vida eterna. Não só a vida eterna como o estado sublime que podemos alcançar após a morte, mas a vida eterna possível aqui e agora, a vida eterna como Jesus a define: «a vida eterna é esta: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste».[12] Ou seja, uma vida definida, iluminada pela comunhão com Cristo e, por meio d’Ele, com o Pai.

A nós, cabe acompanhar as gerações mais jovens no caminho rumo à vida eterna, na ação educativa que nos distingue. Ação que para nós, Família Salesiana, é missão. E o que move a nossa missão? Sempre Cristo, nossa esperança.

De fato, a missão educativa tem a esperança no seu centro.

Em última análise, a esperança de Deus nunca é esperança só para si. É sempre esperança para os outros: não nos isola, mas nos une e encoraja a educar-nos reciprocamente na verdade e no amor.

3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização

Coragem e esperança formam uma combinação interessante. Com efeito, embora seja verdade que é impossível não esperar, é igualmente verdade que para esperar é preciso coragem. A coragem vem de ter o mesmo olhar de Cristo, capaz de esperar contra toda esperança,[13] de ver solução mesmo quando parece não haver saída. E como essa atitude é “salesiana”!

Tudo isso requer a coragem de ser a gente mesmo, de reconhecer a própria identidade no dom de Deus e de investir as energias numa responsabilidade precisa. Conscientes de que o que nos foi confiado não é nosso, mas temos a missão de transmiti-lo às próximas gerações. Esse é o coração de Deus, essa é a vida da Igreja.

Uma atitude que encontramos na primeira expedição missionária.

Considero a referência ao artigo 34 das Constituições dos Salesianos de Dom Bosco muito útil: ele evidencia o que está no cerne do nosso movimento carismático e apostólico. Sugiro que cada um dos grupos da nossa articulada e bela Família se aproprie dos mesmos elementos que ofereço aqui, relendo as respectivas Constituições e Estatutos.

O artigo tem como título: Evangelização e catequese, e diz assim:

«”Esta Sociedade, em seu início, era um simples catecismo”. Também para nós, a evangelização e a catequese são a dimensão fundamental da nossa missão.

Como Dom Bosco, somos chamados todos e em qualquer ocasião, a ser educadores da fé. Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo; e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério.

Caminhamos com os jovens para conduzi-los à pessoa do Senhor ressuscitado, a fim de que, descobrindo n’Ele e em seu Evangelho o sentido supremo da própria existência, cresçam como homens novos.

A Virgem Maria é uma presença materna nesta caminhada. Procuramos torná-la conhecida e amada como Aquela que acreditou, ajuda e infunde esperança».

Este artigo representa o coração pulsante que bem delineia, também para esta Estreia, quais são as energias e as oportunidades que se apresentam como cumprimento e realização do “sonho global” inspirado por Deus a Dom Bosco.

Se viver o Jubileu é, antes de tudo, garantir que Jesus esteja e volte a estar em primeiro lugar, o espírito missionário é a consequência desse reconhecido primado, que fortalece a nossa esperança e se traduz naquela caridade educativa e pastoral que faz com que a pessoa de Jesus Cristo seja anunciada a todos. Esse é o coração da evangelização e distingue a autêntica missão.

É importante lembrar o início da primeira encíclica de Bento XVI, Deus caritas est:

«Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».[14]

Portanto, prioritário e fundamental é o encontro com Cristo, não a “simples” difusão de uma doutrina, mas uma profunda experiência pessoal de Deus que nos leva a comunicá-Lo, fazê-Lo conhecer e experimentar, tornando-nos verdadeiros “mistagogos” da vida dos jovens.

3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão

Dom Bosco mantinha sempre diante dos olhos uma frase que os jovens podiam ler quando passavam pela sua sala, uma expressão que impressionou particularmente Domingos Sávio: “Da mihi animas cetera tolle”.

Há, neste lema, um equilíbrio fundamental que une as duas prioridades que guiaram a vida de Dom Bosco – e que chamamos significativamente de “graça de unidade” – que nos permitem salvaguardar sempre a interioridade e a ação apostólica.

Se faltar o amor de Deus no coração, como poderá haver verdadeira caridade pastoral? E, ao mesmo tempo, se o apóstolo não descobriu o rosto de Deus no seu próximo, como dizer que ama a Deus?

O segredo de Dom Bosco está em que ele viveu pessoalmente o singular «movimento de caridade para com Deus e para com os irmãos»[15]que caracteriza o espírito salesiano.

3.3.1 As atitudes do enviado

São dois os sonhos-chave da vida de Dom Bosco, que evidenciam as atitudes do apóstolo, daquele que é enviado:

  • o “sonho dos nove anos”, em que Jesus e Maria pedem a Joãozinho que se torne humilde, forte e robusto com a obediência e a ciência, recomendando sempre a bondade para conquistar o coração dos jovens e mantendo sempre Maria como sua mestra e guia;
  • o “sonho do caramanchão de rosas” que aponta para a “paixão” na vida salesiana que exige ter os “bons calçados” da mortificação e da caridade.

3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar

Celebrar os 150 anos da primeira expedição missionária de Dom Bosco é um grande dom para

  • Reconhecer e agradecer a Deus.

O reconhecimento torna evidente a autoria de toda bela realização. Sem a gratidão, não há disposição para a aceitação. Sempre que deixamos de reconhecer um dom em nossa vida pessoal e institucional, corremos o sério risco de anulá-lo e “apropriar-nos” dele”.

  • Repensar, porque “nada é para sempre”.

A fidelidade sempre envolve a capacidade de mudar, na obediência, para uma visão que vem de Deus e da leitura dos “sinais dos tempos”. Nada é para sempre; do ponto de vista pessoal e institucional, a verdadeira fidelidade é a capacidade de mudar, de conhecer a quê coisa o Senhor chama cada um de nós.

Repensar, então, torna-se um ato generativo, em que fé e vida se unem; é o momento em que se pergunta: Senhor, o que queres dizer para nós com esta pessoa, com esta situação à luz dos sinais dos tempos que, para serem lidos, requerem o próprio coração de Deus?

  • Relançar, recomeçar a cada dia.

A gratidão leva a olhar para o futuro e aceitar os novos desafios, relançando a missão com esperança. A missão é levar a esperança de Cristo com a consciência lúcida e clara, ligada à fé, que faz reconhecer que aquilo que vejo e vivo “não é coisa minha”.

4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA

4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho

Santo Tomás de Aquino diz que «Spes introducit ad caritatem»,[16] a esperança prepara e predispõe a nossa vida, a nossa humanidade, à caridade. Uma caridade que também é justiça, ação social.

A esperança precisa dar testemunho. Estamos no centro da missão, porque missão não é, antes de tudo, fazer coisas, mas é o testemunho de alguém que viveu uma experiência e a relata. A testemunha é portadora de uma memória, ela suscita perguntas naqueles que a encontram, causa admiração.

O testemunho de esperança requer uma comunidade, é trabalho de um sujeito coletivo e é contagioso, assim como é contagiosa a nossa humanidade, porque o testemunho é um vínculo com o Senhor.

A esperança no testemunho da missão deve ser construída de geração em geração, entre adultos e jovens: esse é o caminho do futuro. Em nossa cultura, o consumismo devora o futuro, a ideologia do consumo extingue tudo no “aqui e agora”, no “tudo e já”. Entretanto, você não pode consumir o futuro, não pode apropriar-se do que é diferente de você, não pode apropriar-se do outro.[17]

Na construção do futuro, a esperança é a capacidade de prometer e cumprir promessas… algo esplêndido e raro no nosso mundo. Prometer é esperar, colocar em movimento, e é por isso que – como se disse – a esperança é o caminho, é a energia mesma do caminho.

4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera

Toda vida, todo dom, tudo, precisa de tempo para crescer. O mesmo acontece com os dons de Deus que precisam de tempo para amadurecer. Aí está porque em nosso tempo, quando se quer tudo e já no nosso “consumo” do tempo e da vida, somos convidados a dar fôlego e força à virtude da paciência, porque a esperança se realiza na paciência.[18] A esperança e a paciência estão, de fato, intimamente unidas.

A esperança envolve a capacidade de saber esperar, de esperar o crescimento, como se dissesse que “uma virtude atrai a outra”!

Para que a esperança seja realidade e se manifeste em sentido pleno, é necessário ter paciência. Nada se manifesta de forma milagrosa, porque tudo está sujeito à lei do tempo. A paciência é a arte do agricultor que semeia e sabe esperar que a semente semeada cresça e dê frutos.

A esperança começa em nós como espera e é exercida como espera conscientemente vivida em nossa humanidade. A espera é uma dimensão muito importante da experiência humana. O homem sabe como esperar, o homem está sempre em uma dimensão de espera, porque ele é a criatura que vive no tempo de modo consciente.

A espera humana é a verdadeira medida do tempo, uma medida que não é numérica, nem cronológica. Nós nos acostumamos a calcular a espera, a dizer que ‘esperamos uma hora’, que ‘o trem está cinco minutos atrasado’, que ‘a Internet nos fez esperar quatorze intermináveis’ segundos antes de responder ao nosso clique, mas quando a medimos dessa forma, distorcemos a espera, fazemos dela uma coisa, um fenômeno separado de nós mesmos e daquilo que estamos esperando. É como se a espera fosse algo a sé, em si, sem relação. Todavia, a espera – estamos no ponto crucial – é relação, é dimensão do mistério da relação.

Só quem tem esperança tem paciência. Só quem tem esperança é capaz de “amparar” e “dar apoio” a todas as circunstâncias que a vida nos traz. Quem suporta espera, espera e é capaz de suportar tudo, porque o seu esforço tem o sentido da espera, tem a tensão da espera, a energia amorosa da espera.

Sabemos que o apelo à paciência e à espera envolve, às vezes, a experiência do cansaço, do trabalho, da dor e da morte.[19] Pois bem, o cansaço, a dor e a morte desmascaram a ilusão de possuir o tempo, o sentido e o valor do tempo, o sentido e o valor da nossa vida. São experiências negativas, mas também positivas, porque o cansaço, a dor e a morte podem ser oportunidades para redescobrir o verdadeiro significado do tempo na vida.

E, mais uma vez, «para dar razão da esperança que há em nós», tornando-se anúncio da “boa nova” de Jesus e do seu Evangelho.

5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO

O P. Egídio Viganò ofereceu à Congregação e à Família Salesiana uma interessante reflexão sobre o tema da esperança, inspirando-se na nossa rica tradição e evidenciando algumas características específicas do espírito salesiano, lidas à luz dessa virtude teologal. Ele o fez de modo especial ao comentar o sonho dos dez diamantes de Dom Bosco para as participantes do Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora.[20]

Dada a profundidade do conteúdo proposto, creio ser útil recordar a contribuição do 7º Sucessor de Dom Bosco para lembrar que todos nós somos chamados a sempre viver na perspectiva da esperança.

5.1          Deus é a origem da nossa esperança

5.1.1 Um breve aceno ao sonho

Todos conhecem a narração desse sonho extraordinário que Dom Bosco teve em San Benigno Canavese na noite de 10 para 11 de setembro de 1881. Recordo brevemente a sua estrutura.[21]

O Sonho desenvolve-se em três cenas. Na primeira, o personagem encarna o perfil do Salesiano: na parte anterior de seu manto, há cinco diamantes, três no peito, que são “Fé”, “Esperança” e “Caridade”, e dois nos ombros, que são “Trabalho” e “Temperança”; na parte posterior há outros cinco diamantes, que indicam “Obediência”, “Voto de Pobreza”, “Recompensa”, “Voto de Castidade”, “Jejum”.

O P. Rinaldi chama o personagem dos dez diamantes de «o modelo do verdadeiro Salesiano».

Na segunda cena, o personagem apresenta o modelo adulterado: o seu manto “ficou descolorido, comido pelas traças e desgastado”. No lugar onde os diamantes estavam fixados, havia “um profundo estrago causada por carunchos e outros pequenos insetos”.

Esta cena muito triste e deprimente mostra “o reverso do verdadeiro salesiano”, o anti-Salesiano.

Na terceira cena, aparece «um belo jovem vestido com uma túnica branca trabalhada com fios de ouro e prata […], com aparência majestosa, mas doce e afável». Ele é portador de uma mensagem. Exorta os Salesianos a “escutar”, “compreender”, manter-se “fortes e ardorosos”, “testemunhar” com as palavras e com a vida, “ser prudentes” na aceitação e na formação das novas gerações, fazer crescer saudavelmente a sua Congregação.

As três cenas do sonho são vivas e provocadoras; apresentam uma síntese ágil, personalizada e dramatizada da espiritualidade salesiana. O conteúdo do sonho certamente envolve, na mente de Dom Bosco, um importante quadro de referência para a nossa identidade vocacional.

Pois bem, o personagem do sonho – como se sabe – traz na frente o diamante da esperança, que representa a certeza da ajuda do alto numa vida totalmente criativa, ou seja, comprometida com o planejamento cotidiano das atividades práticas para a salvação, especialmente da juventude. Com os demais símbolos relacionados com as virtudes teologais, surge a fisionomia de um personagem sábio e otimista pela fé que o anima, dinâmica e criativa pela esperança que o move, sempre orante e humanamente bom pela caridade que o reveste.

Correspondendo ao diamante da esperança, encontramos no verso da figura o diamante do “prêmio”. A esperança evidencia visivelmente o dinamismo e a atividade do Salesiano na construção do Reino, a constância dos seus esforços e o entusiasmo do seu empenho baseiam-se na certeza da ajuda de Deus, que se faz presente pela mediação e intercessão de Cristo e de Maria; por sua vez, o diamante do “prêmio” evidencia mais uma atitude constante da consciência que reveste e anima o esforço ascético, segundo a conhecida máxima de Dom Bosco: «Um pedaço de paraíso conserta tudo!».[22]

5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança

O Salesiano – dizia Dom Bosco – «está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, o trabalho e o desprezo, sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas»;[23] o apoio interior dessa exigente capacidade ascética é o pensamento do paraíso como reflexo da boa consciência com que trabalha e vive. «Em todo o nosso ofício, em todo o nosso trabalho, dor ou tristeza, nunca nos esqueçamos de que […] Ele leva em conta a menor coisa feita pelo seu santo nome, e é de fé que, a seu tempo, Ele nos recompensará com abundância. No final da nossa vida, quando nos apresentarmos diante do seu divino tribunal, olhando para nós com um semblante amável, ele nos dirá: “Servo bom e fiel; porque foste fiel no pouco, eu te farei dono de muito; entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25,2l)».[24] «Nas dificuldades e nos sofrimentos não esqueças nunca de que teremos no céu um grande prêmio».[25]

O pensamento e a consciência contínua do paraíso são uma das ideias soberanas e um dos valores que impulsionam a espiritualidade típica e também a pedagogia de Dom Bosco. É como iluminar e aprofundar o instinto fundamental da alma que tende vitalmente para o seu fim último.

Em um mundo sujeito à secularização e à perda progressiva do sentido de Deus – especialmente devido à riqueza e a algum progresso – é importante resistir à tentação – para nós e para os jovens com quem caminhamos – que nos impede de elevar o olhar ao céu e não nos faz sentir a necessidade de sustentar e alimentar o esforço da ascese vivido no trabalho cotidiano. Cresce em seu lugar uma visão temporal segundo um horizontalismo mais ou menos elegante, que acredita saber descobrir o ideal de tudo no próprio devir humano e na vida presente. Tudo exatamente o contrário da esperança!

Dom Bosco foi um dos grandes da esperança. Há muitos elementos que o comprovam. O seu espírito salesiano é todo revestido de certezas e da operosidade características desse audacioso dinamismo do Espírito Santo.

Faço uma breve pausa para recordar como Dom Bosco soube traduzir a energia da esperança em sua vida em duas frentes: o compromisso com a santificação pessoal e a missão de salvação para os outros; ou melhor – e aqui está uma característica central do seu espírito – a santificação pessoal por meio da salvação dos outros. Recordemos a famosa fórmula dos três “S”: «Salve, salvando, salva-te».[26] Parece um jogo mnemônico dito de forma muito simples, como um slogan pedagógico, mas é profundo e mostra como os dois lados da santificação pessoal e da salvação dos outros estão estritamente relacionados entre si.

Percebe-se no binômio “trabalho” e “temperança” que a esperança foi vivida por Dom Bosco como planejamento prático e cotidiano de um trabalho incansável de santificação e salvação. Sua fé levou-o a favorecer, na contemplação do mistério de Deus, o seu inefável plano de salvação. Ele vê em Cristo o Salvador da humanidade e o Senhor da história; em sua Mãe, Maria, a Auxiliadora dos cristãos; na Igreja, o grande Sacramento da salvação; em sua própria maturidade cristã e na juventude carente, o vasto campo do “ainda não”. É por isso que o seu coração irrompe no grito: “Da mihi animas”, “Senhor, concede-me salvar a juventude e fica com o resto!” Em seu espírito, o seguimento de Cristo e a missão da juventude fundem-se num único dinamismo teológico que forma a espinha dorsal do todo.

Bem sabemos que a dimensão da esperança cristã une a perspectiva do “já” e do “ainda não”: algo presente e algo em construção, que, no entanto, a partir do hoje começa a manifestar-se, embora “ainda não” em plenitude.

5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco

A certeza do “já”

Quando perguntamos à teologia qual é o objeto formal da esperança, ela responde que é a convicção íntima da presença de Deus que ajuda, socorre e assiste; a certeza interior sobre o poder do Espírito Santo; a amizade com o Cristo vitorioso que nos faz dizer com São Paulo: «Tudo posso naquele que me fortalece» (Fl 4,13).

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, então, a certeza do “já”. A esperança estimula a fé a exercitar-se na consideração da presença salvadora de Deus nas eventualidades humanas, do poder do Espírito na Igreja e no mundo, da realeza de Cristo sobre a história, dos valores batismais que iniciaram em nós a vida da ressurreição.

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, portanto, o exercício da fé sobre a essência de Deus como Pai misericordioso e salvador, sobre o que Jesus Cristo já fez por nós, sobre Pentecostes como o início da era do Espírito Santo, sobre o que já está dentro de nós pelo batismo, pelos sacramentos, pela vida na Igreja e pelo chamado pessoal da nossa vocação.

É preciso refletir que a fé e a esperança se intercambiam em nosso interior, os seus dinamismos se estimulam e complementam reciprocamente e fazem-nos viver no clima criativo e transcendente do poder do Espírito Santo.

A consciência clara do “ainda não”

O segundo elemento constitutivo da esperança é a consciência do “ainda não”. Não parece muito difícil tê-la; Entretanto, a esperança requer uma consciência clara não tanto do que é mau e injusto, mas do que, no tempo, está faltando na estatura de Cristo e, portanto, do que é injusto e pecaminoso, e também do que é imaturo, parcial ou atrofiado na edificação do Reino.

Isto pressupõe, como quadro de referência, um conhecimento claro do plano divino de salvação, em que é inserida a capacidade crítica e de discernimento daquele que espera. Assim, a crítica do homem da esperança não é simplesmente psicológica ou sociológica, mas transcendente, de acordo com a órbita teológica da “nova criatura”; ela também faz uso das contribuições das ciências humanas e as excede em muito.

Com a consciência do “ainda não”, quem tem esperança percebe o que é mau, o que ainda não está maduro, o que é semente do Reino de Deus e esforça-se para fazer o bem crescer e combate o pecado com a perspectiva histórica de Cristo. A capacidade de discernir o “ainda não” é sempre medida pela certeza do “já”. Portanto, e eu diria que especialmente em tempos difíceis, quem espera impele e estimula a sua fé para descobrir os sinais da presença de Deus e as mediações que nos guiam na órbita traçada por Ele. Essa é uma qualidade muito importante hoje: saber identificar as sementes para ajudá-las a desabrochar e crescer.

Como podemos ter esperança se não temos essa capacidade de discernimento? Não basta ser capaz de perceber todo o peso do mal, é preciso também ser sensível à primavera que “brilha ao redor”. Portanto, nestes tempos, que chamamos de difíceis (e o são realmente, comparando-os com os que vivemos anteriormente com certa tranquilidade), A esperança ajuda-nos a perceber que também há muita coisa boa no mundo e que algo está crescendo.

A operosidade salvífica

O terceiro elemento constitutivo da esperança é a sua exigência operativa acompanhada pelo empenho concreto de santificação, criatividade e sacrifício apostólicos. Precisamos colaborar com o “já” em crescimento, urge mover-se para lutar contra o mal em nós e nos outros, especialmente na juventude carente.

O discernimento do “já” e do “ainda não” precisa ser traduzido na prática da vida, abrindo-se a resoluções, projetos, revisões, criatividade, paciência e perseverança. Nem tudo sairá “como esperávamos”: haverá retrocessos, contratempos, quedas, incompreensões. A esperança cristã também participa inerentemente das penumbras da fé.

5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco

Dos três elementos constitutivos da esperança, que acabei de indicar, derivam alguns frutos particularmente significativos para o espírito salesiano de Dom Bosco.

A alegria

Do primeiro elemento constitutivo – a certeza do “já” – deriva a alegria como o fruto mais característico. Toda esperança verdadeira explode em alegria.

O espírito salesiano assume a alegria da esperança por uma afinidade que lhe é própria. Até mesmo a biologia sugere-nos alguns exemplos disso. A juventude, que é esperança humana (e, portanto, sugere certa analogia com o mistério da esperança cristã), é ávida de alegria. E vemos Dom Bosco que traduz a esperança em atmosfera de alegria para os jovens a salvar. Domingos Sávio, que cresceu à sua escola, costumava dizer: «Nós fazemos a santidade consistir em estar sempre alegres». Não se trata da hilaridade superficial, típica do mundo, mas de um gáudio interior, um substrato de vitória cristã, uma sintonia vital com a esperança, que explode em alegria. Uma alegria que, em última análise, procede das profundezas da fé e da esperança.

Há pouco a fazer. Se estamos tristes, é porque somos superficiais. Entendo que existe uma tristeza cristã: Jesus Cristo experimentou-a. No Getsêmani, a sua alma entristeceu-se até a morte, suou sangue. Trata-se, certamente de outro tipo de tristeza.

Entretanto, a aflição ou a melancolia de uma religiosa que tem a impressão de não ser compreendida por ninguém, que as outras não a levam em consideração, que têm inveja das suas qualidades ou não a compreendem etc., é uma tristeza que não se deve alimentar. Isso deve ser contrastado com a profundidade da esperança: Deus está comigo e me ama; que importa se os outros não me considerem muito?

A alegria no espírito salesiano é um clima cotidiano; vem da fé que espera e da esperança que crê, ou seja, daquele dinamismo do Espírito Santo que proclama em nós a vitória que vence o mundo!… A alegria é indispensável se quisermos dar testemunho autêntico daquilo em que acreditamos e esperamos.

O espírito salesiano é, antes de tudo e sobretudo isso e não uma redução a meras observâncias e mortificações. A esperança também nos levará a fazer muitas mortificações, mas como treinamento de voo e não como tormentos de prisão! Então: da esperança nasce muita alegria!

O mundo procura superar a sua limitação e desorientação com uma vida repleta de sensações excitantes. Cultiva a promoção e a satisfação dos sentidos, o filme pungente, o erotismo, as drogas etc. É a forma de escapar de uma situação transitória que parece não ter sentido, de buscar algo que beira à “caricatura da transcendência”.

A paciência

Outro “fruto” da esperança – que procede da consciência do “ainda não” – é a paciência. Toda esperança comporta um suprimento indispensável de paciência. A paciência é uma atitude cristã, intrinsecamente relacionada com a esperança no seu não breve “ainda não”, com os seus problemas, dificuldades e penumbras. Crer na ressurreição e trabalhar pela vitória da fé, sendo mortal e imerso no transitório, exige uma estrutura interior de esperança que leva à paciência.

A mais sublime expressão da paciência cristã foi vivida por Jesus, sobretudo na sua paixão e morte. É uma paciência fecunda, precisamente por causa da esperança que a anima. Aqui, na paciência, em vez de iniciativa e ação, trata-se da aceitação consciente e da passividade virtuosa que perdura em vista da realização do plano de Deus.

O espírito salesiano de Dom Bosco recorda-nos frequentemente a paciência. Na introdução às Constituições, Dom Bosco lembra-nos, fazendo alusão a São Paulo, que as penas que devemos suportar nesta vida não se comparam à recompensa que nos espera: «Costumava dizer: “Coragem! que a esperança nos sustente, quando a paciência nos poderia faltar»[27] «O que sustenta a paciência deve ser a esperança da recompensa».[28]

Madre Mazzarello também insistia nesse ponto. Fernando Maccono, um de seus primeiros biógrafos, afirma que a esperança sempre a confortava, sustentando-a em seus sofrimentos, enfermidades, dúvidas, e consolou-a na hora da morte: «Sua esperança era muito viva e ativa. Parece-me, testemunhou uma irmã, que a esperança a animasse em tudo e que ela tentasse infundi-la nos outros. Ela exortava-nos a carregar bem as pequenas cruzes diárias e a fazer tudo com grande pureza de intenção».[29]

A esperança é a mãe da paciência e a paciência é a defesa e o escudo da esperança.

A sensibilidade educativa

Do terceiro elemento constitutivo da esperança – a “operosidade salvífica” – surge outro fruto: a sensibilidade pedagógica. É uma iniciativa de empenho adequado, tanto na esfera da própria santificação (seguir a Cristo) quanto na esfera da salvação dos outros (missão). Trata-se de um empenho prático, comedido e constante, traduzido por Dom Bosco em uma metodologia concreta que envolve estas atenções:

  • perspicácia (ou santa “esperteza”): quando se trata de tomar iniciativas, resolver problemas, Dom Bosco faz o máximo sem pretender ser perfeccionista, mas com praticidade humilde; ele repetiu muitas vezes a frase: «O ótimo é inimigo do bom»;[30]
  • coragem. O mal é organizado, os filhos das trevas agem com inteligência. O Evangelho diz que os filhos da luz devem ser mais astutos e corajosos. Portanto, para trabalhar no mundo, devemos armar-nos de uma prudência genuína, aquela “auriga virtutum” que nos torna ágeis, oportunos e penetrantes na aplicação da verdadeira coragem no bem;
  • magnanimidade. Não devemos limitar o nosso olhar às paredes da casa. Fomos chamados pelo Senhor para salvar o mundo, temos uma missão histórica mais importante do que os astronautas ou os homens de ciência… Comprometemo-nos com a libertação integral do homem. Nossas almas devem abrir-se a horizontes mais amplos. Dom Bosco queria que estivéssemos “na vanguarda do progresso” (e ele se referia, quando disse essa frase, aos meios de comunicação social).

Conhecemos a magnanimidade de Dom Bosco em lançar os jovens nas responsabilidades apostólicas; pensemos, por exemplo, nos primeiros missionários que partiram para a América. Tanto os Salesianos como as Filhas de Maria Auxiliadora eram pouco mais que adolescentes!

Dom Bosco movia-se em horizontes vastos. Nem Valdocco nem Mornese lhe bastavam; ele não podia permanecer somente nos limites de Turim, do Piemonte, da Itália ou da Europa. O seu coração palpitava com o da Igreja universal, porque se sentia quase investido da responsabilidade de salvar todos os jovens carentes do mundo. Ele queria os Salesianos sentindo que todos os maiores e mais urgentes problemas juvenis da Igreja eram seus, a fim de estarem disponíveis em toda parte. E, embora cultivasse a magnanimidade dos projetos e iniciativas, era concreto e prático em sua realização, com o senso de gradualidade e a modéstia dos inícios.

A magnanimidade deve sempre brilhar no rosto do Salesiano, como uma nota de simpatia: ele não deve ser alguém teimoso e sem visão, mas ter grandeza de espírito por ter um coração habitado pela esperança.

Péguy, com a sua perspicácia um tanto violenta, escreveu: «Uma capitulação é, em essência, uma operação em que se começa a explicar em vez de realizar. Os covardes sempre foram pessoas de muitas explicações». Deve brilhar sempre no rosto Salesiano, como nota de simpatia, a mística da decisão e o ardor humilde da praticidade. Dom Bosco era resoluto em seu empenho de fazer o bem, mesmo que não pudesse começar com o ótimo; costumava dizer que as suas obras talvez começassem desordenadas para depois tenderem à ordem!

A esperança coloca na fisionomia do Salesiano, juntamente com a profundidade da contemplação, a alegria da filiação divina, o entusiasmo da gratidão e do otimismo (que vêm da “fé”), a coragem da iniciativa, o espírito de sacrifício, a paciência, a sabedoria da gradualidade pedagógica, a utopia da magnanimidade, a modéstia da praticidade, a prudência da astúcia e o sorriso da alegria.

5.2 A fidelidade de Deus: até o fim

Examinamos até agora, o que Dom Bosco e os nossos santos e beatos expressaram claramente em suas vidas. São elementos que nos impelem, pessoalmente e como Família Salesiana, a fazer emergir ou – para usar as palavras do P. Egídio Viganò – a fazer brilhar aquela esperança de que somos chamados a “prestar contas”, especialmente aos jovens e, entre eles, os mais pobres.

Chegou a hora de “dar uma olhada” um pouco além do que é “imediatamente visível” e tentar saber o que aguarda nossa vida e nos dá a coragem de esperar diligentemente enquanto cooperamos com a chegada do “dia do Senhor”.

Retomando, então, a análise sincera e intensa do VII Sucessor de Dom Bosco, concentremos a nossa atenção na perspectiva do “prêmio”.

O diamante do “prêmio” é colocado com outros quatro na parte posterior do manto do personagem do sonho. É quase um segredo, uma força que opera de dentro para fora, dando-nos o impulso e ajudando-nos a apoiar e defender os grandes valores vistos na parte da frente. É interessante notar que o diamante do “prêmio” está colocado abaixo do diamante da “pobreza”, porque certamente tem relação com as “privações” associadas a ela.

Em seus raios estão as seguintes palavras: «Se a grandeza dos prêmios vos atrai, não vos assusteis com a quantidade dos sofrimentos». «Quem sofre comigo, comigo haverá de alegrar-se». «Momentâneo é o que sofremos na Terra, eterno é o que alegrará os meus amigos no Céu».

O verdadeiro Salesiano tem na imaginação, no coração, nos desejos, nos horizontes de vida a visão do prêmio, como plenitude dos valores proclamados pelo Evangelho. Por essa razão «está sempre alegre. Difunde essa alegria e sabe educar à felicidade da vida cristã e ao sentido de festa».[31]

 Na casa de Dom Bosco e em nossas casas salesianas falava-se muito do Paraíso. Era uma ideia permanente e onipresente, resumida em alguns ditados famosos: «Pão, trabalho e Paraíso»;[32] «Um pedaço do Paraíso conserta tudo».[33] São frases recorrentes em Valdocco e em Mornese.

Certamente muitas Filhas de Maria Auxiliadora se lembrarão da descrição que a Madre Enrichetta Sorbone fez do espírito de Mornese: «Aqui estamos no paraíso, na casa existe um ambiente de paraíso!».[34] Não era certamente devido às privações ou à falta de problemas. Era como a tradução espontânea, que saltava do coração, da placa que Dom Bosco mandara afixar: «Servite Domino in Laetitia».[35]

Domingos Sávio também havia percebido a mesma atmosfera calorosa e transcendente da vida: «aqui nós fazemos consistir a santidade em estar sempre muito alegres».[36]

As biografias de Domingos Sávio, Francisco Besucco e Miguel Magone mostram que Dom Bosco, mesmo quando descreve a agonia desses meninos, faz questão de evidenciar essa inefável alegria, unida ao genuíno anseio pelo Paraíso. Muito mais do que o horror da morte, os seus meninos sentiam a atração da Páscoa.

O pensamento do prêmio é um dos frutos da presença do Espírito Santo, ou seja, da intensidade da fé, da esperança e da caridade, todas juntas, embora esteja mais estritamente relacionado à esperança… Isso instila no coração uma alegria e um contentamento que vêm do Alto e encontram uma bela sintonia com as tendências inatas do coração humano. Vemo-lo na convivência entre os jovens e as jovens: a juventude sente com mais frescor que o homem nasceu para a felicidade.

Todavia, não temos necessidade nem mesmo de buscá-lo entre os jovens. Peguemos um espelho e olhemos para nós mesmos: basta ouvirmos as batidas do nosso coração. Nascemos para alcançar a felicidade, esperamos por ela ainda que não o confessemos.

A ideia do Paraíso, sempre presente na casa de Dom Bosco, não é uma utopia para ingênuos enganados, não é a cenoura que faz o cavalo andar mais rápido, é a inquietação substancial do nosso ser; e é, sobretudo, a realidade do amor de Deus, da ressurreição de Jesus Cristo em ação na história; é a presença viva do Espírito Santo que nos impele, de fato, para o prêmio.

Dom Bosco não despreza nenhuma alegria dos jovens. Ao contrário, ele a desperta, aumenta, desenvolve. A famosa “alegria”, em que ele faz consistir a santidade, não é apenas uma alegria íntima, escondida no coração como fruto da graça. Ela é a sua raiz, mas também se expressa exteriormente na vida, no pátio e no sentido da festa. Como preparava as solenidades religiosas, os onomásticos, os dias festivos do Oratório! Teve até mesmo o cuidado de organizar a celebração do próprio onomástico, não para si mesmo, mas para criar no ambiente uma atmosfera de alegre gratidão.

Pensemos nas corajosas caminhadas de outono: dois ou três meses para prepará-las, 15 ou 20 dias para vivê-las; depois, as lembranças e os comentários prolongados: uma alegria que se estende ao longo do tempo. Que imaginação e que coragem! De Turim aos Becchi, a Gênova, a Mornese, a muitas cidades do Piemonte, com dezenas e dezenas de jovens… O passeio, o esporte, a música, o canto, o teatro: são elementos substanciais do Sistema Preventivo, que, também como método pedagógico, pressupõe uma espiritualidade adequada e explosiva, fruto de uma fé, esperança e caridade convictas, valores do céu aqui na terra.

O Paraíso sempre aparecia no firmamento de Valdocco, dia e noite, com nuvens ou sem nuvens. Hoje, testemunhar os valores do prêmio é uma profecia urgente para o mundo, especialmente para os jovens. Qual foi a contribuição da civilização técnico-industrial para a sociedade de consumo? Uma enorme possibilidade de conforto e prazer, com uma consequente densa tristeza.

Entre outras coisas, lemos nas Constituições dos Salesianos de Dom Bosco – mas vale para todo cristão – que «o Salesiano [é] um sinal da força da ressurreição» e que «na simplicidade e laboriosidade da vida cotidiana» é «educador que anuncia aos jovens ‘novos céus e nova terra’, estimulando neles os compromissos e a alegria da esperança».[37]

Em Mornese e em Valdocco não havia nem comodidades, nem tirania, e tudo respirava espontaneidade e alegria. Hoje, o progresso técnico facilitou muitas coisas, mas não aumentou a verdadeira alegria humana. Antes, aumentaram a angústia, a náusea, a falta de sentido da existência, o que infelizmente continuamos a detectar – especialmente nas sociedades ricas – com as trágicas estatísticas de suicídios de adolescentes e de jovens.

Hoje, além da pobreza material que ainda aflige uma parcela muito grande da humanidade, torna-se urgente encontrar a forma de fazer com que os jovens percebam o sentido da vida, os ideais mais elevados, a originalidade de Jesus Cristo.

Busca-se a felicidade, tendência humana fundamental, mas não se conhece mais o caminho certo, e aumenta, então, uma imensa desilusão.

Os jovens, devido também à falta de adultos significativos, sentem-se incapazes de lidar com o sofrimento, o dever e o esforço constante. O problema da fidelidade aos ideais e à própria vocação tornou-se crucial. Os jovens sentem-se incapazes de enfrentar o sofrimento e o sacrifício. Vivem em uma atmosfera onde triunfa a dicotomia entre amor e sacrifício, de modo que a busca e a conquista do bem-estar acabam asfixiando a capacidade de amar e, portanto, de sonhar o futuro.

Como dizíamos, o diamante do prêmio está corretamente colocado abaixo do diamante da pobreza, como se quisesse indicar que os dois se complementam e apoiam reciprocamente. De fato, a pobreza evangélica envolve uma visão concreta e transcendente de toda a realidade, com uma visão realista até mesmo das renúncias, dos sofrimentos, dos contratempos, das privações e das penas.

Qual é a energia interior que nos faz enfrentar tudo com confiança e alegria, sem desanimar? Em última análise é a sensação da presença do céu na Terra. Essa sensação procede da fé, da esperança e da caridade, que nos fazem reler a nossa existência sob a ótica do Espírito Santo.

No espírito de Dom Bosco há, então, uma preocupação constante de cuidar da familiaridade com o Paraíso, quase como se fosse o firmamento da mente, o horizonte do coração salesiano: trabalhamos e lutamos na certeza de um prêmio, olhando para a Pátria, a casa de Deus, a Terra Prometida.

É bom ressaltar que a perspectiva do prêmio não consiste, de forma redutiva, na obtenção de uma “recompensa”, de uma espécie de consolo por uma vida vivida em meio a tantos sacrifícios, resistências… Nada disso! Se fosse apenas uma “recompensa”, seria como uma chantagem. Deus, porém, não trabalha dessa forma. Em Seu amor, Ele só pode oferecer ao homem Ele mesmo. Essa – como afirma Jesus – é a vida eterna: o conhecimento do Pai. Onde “conhecer” significa “amar”, tornar-se participante pleno de Deus, em continuidade com a existência terrena vivida “na graça”, ou seja, no amor a Deus e aos irmãos e irmãs.

Nesse caminho, somos convidados a voltar o nosso olhar a Maria, que se faz presente como auxílio cotidiano, como Mãe precursora e auxiliadora. Dom Bosco tinha certeza da sua presença entre nós e queria sinais para nos lembrar disso. Para Ela construiu uma Basílica, centro de animação e difusão da vocação salesiana; queria a sua imagem em nossos ambientes de vida; vinculava todas as iniciativas apostólicas à sua intercessão e comentava com emoção a sua eficácia real e materna. Recordemos, por exemplo, o que disse às Filhas de Maria Auxiliadora na casa de Nizza: «Nossa Senhora está realmente aqui, aqui no meio de vocês! Nossa Senhora caminha por esta casa e a cobre com o seu manto».[38]

Além d’Ela, também buscamos outros amigos na casa de Deus. Os nossos Santos e Beatos, a começar pelos rostos que nos são mais familiares e que fazem parte do chamado “jardim salesiano”.

Não fazemos essas escolhas para dividir a grande casa de Deus em pequenos apartamentos privados, mas para nos sentirmos mais à vontade nela e podermos falar sobre Deus, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, Cristo e Maria, a criação e a história, não com a trepidação de quem ouviu uma palestra elevada de um pensador denso, difícil e até hermético, mas com aquele sentimento de familiaridade e simplicidade alegre com que conversamos com aqueles que foram nossos familiares, nossos irmãos e irmãs, nossos colegas e companheiros de trabalho. Alguns deles não conhecemos em vida, mas os sentimos próximos e eles inspiram-nos uma confiança especial. Conversar com São José, com Dom Bosco, com Madre Mazzarello, com o Padre Rua, com Domingos Sávio, com Laura Vicuña, com o Padre Rinaldi, com Dom Versiglia e o Padre Caravario, com a Irmã Teresa Valsè, com a Irmã Eusébia Palomino, com a Irmã Maria Troncatti etc., é realmente um diálogo “de casa”, de família.

É o que o nos sugere o diamante do prêmio: sentir-se em casa com Deus, com Cristo, com Maria, com os santos; sentir a presença deles em casa, numa atmosfera familiar que dá um sentido de Paraíso ao ambiente cotidiano de vida.

6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA

Concluindo este comentário, não podemos deixar de dirigir o nosso coração e o nosso olhar à Virgem Maria, como nos ensinou Dom Bosco. A esperança exige confiança, capacidade de entregar-se e confiar em si mesmo. Em tudo isso, temos uma guia e uma mestra em Maria Santíssima. Ela testemunha que ter esperança é ter confiança e entregar-se, e isso é tão verdadeiro para a existência quanto para a vida eterna. Nesse caminho, Nossa Senhora toma-nos pela mão, ensina-nos a confiar em Deus, a entregar-nos livremente ao amor transmitido pelo seu Filho Jesus.

A orientação e a “carta de navegação” que ela nos oferece é sempre a mesma: «Fazei tudo o que Ele vos disser».[39] Um convite que aceitamos todos os dias em nossas vidas.

Em Maria, vemos a realização do prêmio. Maria incorpora em si mesma a atrativa e a concretude do prêmio: Ela,

«terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte».[40]

Podemos ler nos Seus lábios algumas belas expressões de São Paulo. Como são inspiradas pelo Espírito Santo, o Esposo de Maria, certamente são compartilhadas por Ela.

Ei-las:

«Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor».[41]

Queridas irmãs e queridos irmãos, queridos jovens,

Maria Auxiliadora, Dom Bosco e todos os nossos santos e beatos estão próximos de nós neste ano extraordinário. Sejam eles a acompanhar-nos na vivência profunda das exigências do Jubileu, ajudando-nos a colocar no centro da nossa vida a pessoa de Jesus Cristo, «o Salvador anunciado no Evangelho, que hoje vive na Igreja e no mundo».[42]

Que eles nos encorajem, seguindo o exemplo dos primeiros missionários enviados por Dom Bosco, a sempre e em todos os lugares fazer da nossa vida um dom gratuito para os outros, especialmente os jovens e, entre eles, os mais pobres.

Enfim, um desejo: que este ano faça crescer em nós a oração pela paz, por uma humanidade pacificada. Invoquemos o dom da paz – o shalom bíblico – que contém todos os outros e só se realiza na esperança.

Um abraço fraterno,

P. Stefano Martoglio S.D.B.

Vigário do Reitor-Mor Roma, 31 de dezembro de 2024


[1] Francisco, Spes non confundit. Bula de proclamação do Jubileu Ordinário do ano 2025, Cidade do Vaticano, 9 de maio de 2024.

[2] Ibi.

[3] Cf. Rm 8,39

[4] Rm 5,3-5

[5] Conforme a 3ª edição Típica do Missal Romano, ed. CNBB.

[6] Byung-Chul Han, El espíìritu de la esperanza, p. 18, Herder, Barcellona 2024.

[7] C. Paccini – S. Troisi, Siamo nati e non moriremo mai più. Storia di Chiara Corbella Petrillo, Porziuncola, Assisi (PG) 2001.

[8] Gabriel Marcel, Philosophie der Hoffnung, Munich, List 1964.

[9] Erich Fromm, La revolución de la esperanza, Ciudad de México 1970.

[10] 1Pt 3,15.

[11] Francisco, Spes non confundit, 9.

[12] Jo 17,3.

[13] Cf. Rm 4,18.

[14] Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, Cidade do Vaticano 25 de dezembro de 2005, 1.

[15] Const. SDB, 3.

[16] Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIª-IIae q. 17 a. 8 co.

[17] Cf. E. Lévinas, Totalità e infinito. Saggio sull’esteriorità, Jaca Book, Milano 2023.

[18] Tomei por base para estas reflexões a rica reflexão do Abade Geral da Ordem dos Cistercienses M. G. Lepori, Capitoli dell’Abate Generale OCist al CFM 2024. Sperare in Cristo; o texto pode ser encontrado em várias línguas in www.ocist.org

[19] Cf. Rm, 5,3-5

[20] E. Viganò, Un progetto evangelico di vita attiva, Elle Di Ci, Leumann (TO) 1982, 68-84.

[21] Cf. E. Viganò, Profilo del Salesiano nel sogno del personaggio dei dieci diamanti, in ACS 300 (1981), 3-41. O texto completo do sonho pode ser encontrado em ACS 300 (1981), 42-47 ou MBp XV, 166-168.

[22] MBp VIII, 485.

[23] Const. SDB, 18.

[24] P. Braido (a cura di), Don Bosco Fondatore “Ai Soci Salesiani”(1875-1885). Introduzione e testi critici, LAS, Roma 1995, 159.

[25] MBp VI, 415.

[26] MBp VI, 388.

[27] MBp XII, 385.

[28] Ibi.

[29] F. Maccono, Santa Maria Domenica Mazzarello. Confondatrice e prima Superiora Generale delle FMA. Vol. I, FMA, Torino 1960, 398.

[30] MBp X, 609.

[31] Const. SDB, 17.

[32] MBp XII, 512.

[33] MBp VIII, 485.

[34] Citato in E. VIGANÒ, Redescobrir o Espírito de Mornese, in ACS 301 (1981), 64

[35] Sl 99.

[36] MBp V, 306.

[37] Const. SDB, 63. Veja-se também E. Viganò, «Dar razão da alegria e dos empenhos da esperança, testemunhando as insondáveis riquezas de Cristo». Estreia de 1994. Comentário do Reitor-Mor, Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, Roma 1993.

[38] G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo. Vol. I, FMA, Roma 1972-1976, 122.

[39] Gv 2,5.

[40] LG, 59.

[41] Rm 8,34-39.

[42] Const. SDB, 196.




Que presente, o tempo!

O início do novo ano, em nossa liturgia, é iluminado pela antiga bênção com a qual os sacerdotes israelitas abençoavam o povo: «O Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz.» (Nm 6,24-26).

Queridos amigos e leitores do Boletim Salesiano, estamos no início de um novo ano, portanto, vamos expressar uns aos outros os melhores votos para o tempo que virá, para o tempo que se aproxima, presente que contém todo outro presente no qual se desenvolve a nossa vida.
Vamos, portanto, encher este desejo de conteúdos que o iluminem. Demos a palavra a Dom Bosco que, ao chegar ao seminário de Chieri, parou diante do relógio de sol que, ainda hoje, se destaca na parede do pátio, e contava: «Erguendo os olhos para um relógio de sol, li este verso: Afflictis lentae, celeres gaudentibus horae» [Para os tristes as horas são lentas, para os joviais são rápidas.]  Eis, disse ao amigo, eis aí o nosso programa: vamos estar sempre alegres e o tempo passará depressa (Memórias Biográficas I, 300).
O primeiro augúrio que trocamos, para vivê-lo, é aquele que Dom Bosco nos lembra: viva bem, viva sereno e transmita serenidade a quem o cerca, o tempo terá outro valor! Cada momento do tempo é um tesouro; mas é um tesouro que passa rapidamente. Sempre Dom Bosco gostava de comentar: «Os três inimigos do homem são: a morte (que o surpreende); o tempo (que lhe foge), o demônio (que lhe estende seus laços)» (MBp V, 784).
«Lembre-se de que ser feliz não é ter um céu sem tempestades, uma estrada sem acidentes, trabalho sem esforço, relacionamentos sem decepções», recomenda um antigo augúrio. «Ser feliz não é apenas celebrar os sucessos, mas aprender lições com os fracassos. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. É agradecer a Deus todas as manhãs pelo milagre da vida».
Um sábio tinha em seu escritório um enorme relógio de pêndulo que a cada hora soava com solene lentidão, mas também com grande estrondo.
«Mas isso não o incomoda?» perguntou um estudante.
«Não» respondeu o sábio. «Porque assim, a cada hora, sou obrigado a me perguntar: o que fiz da hora que passou?».
O tempo é o único recurso não renovável. Consome-se a uma velocidade incrível. Sabemos que não teremos outra oportunidade. Portanto, todo o bem que podemos fazer, o amor, a bondade e a gentileza de que somos capazes devemos doar agora. Porque não voltaremos a esta terra outra vez. Com um permanente véu de remorso em nosso íntimo, sentimos que Alguém nos perguntará: «O que você fez com todo aquele tempo que eu lhe dei?»

Nossa esperança se chama Jesus
No novo tempo que acabamos de começar, as datas e os números de um calendário são sinais convencionais, são sinais e números inventados para medir o tempo. Na transição do ano velho para o novo ano, mudou muito pouco, e ainda assim a percepção de um ano que termina nos obriga a sempre fazer um balanço. Quanto amamos? Quanto perdemos? Quanto nos tornamos melhores, ou quanto nos tornamos piores? O tempo que passa nunca nos deixa iguais.
A liturgia, ao surgir do novo ano, tem um jeito todo seu de nos levar a fazer um balanço. Ela o faz através das palavras iniciais do evangelho de João; palavras que podem parecer difíceis, mas que na verdade refletem a profundidade da vida: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus. Ela existia no princípio, junto de Deus. Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la” (Jo 1,1-5). No fundo de cada uma de nossas vidas ressoa uma Palavra maior do que nós. Ela é a razão pela qual existimos, pela qual o mundo existe, pela qual tudo existe. Esta Palavra, este Verbo, é Deus mesmo, é o Filho, é Jesus. O nome da razão pela qual fomos feitos se chama Jesus.
É Ele a verdadeira razão pela qual tudo existe, e é nele que podemos entender o que existe. Nossa vida não deve ser julgada comparando-a com a história, com seus eventos e sua mentalidade. Nossa vida não pode ser julgada, olhando para nós mesmos e para nossa única experiência. Nossa vida é compreensível apenas se for aproximada de Jesus. Nele tudo assume um sentido e um significado, mesmo do que de contraditório e injusto nos aconteceu. É olhando para Jesus que entendemos algo sobre nós mesmos. Um salmo diz bem quando afirma: “Na tua luz vemos a luz”.
Esta é a maneira de ver o Tempo segundo o Coração de Deus, e nós esperamos viver este novo tempo assim.
O novo ano trará a todos nós, à Família Salesiana, à Congregação, importantes eventos e novidades. Todos dentro do dom do Jubileu que na Igreja estamos vivendo.
Dentro do espírito do Jubileu, deixemo-nos levar pela Esperança que é a presença de Deus em nossa vida.
O primeiro mês deste novo ano, janeiro, é repleto de festas Salesianas que nos levam à Festa de Dom Bosco; agradeçamos a Deus por esta delicadeza com a qual nos concede começar o novo ano.
Deixemos, portanto, a última palavra a Dom Bosco e fixemos esta sua máxima, para que molde nosso ano de 2025: Filhinhos meus, conservem o tempo e o tempo os conservará por toda a eternidade (MB XVIII 482,864).




Apelo Missionário 2025

Queridos irmãos,

uma saudação fraterna e cordial desde o “Sacro Cuore” de Roma.

Neste dia, 18 de dezembro, como em todos os anos, na memória da fundação da nossa Congregação em 1859, venho até vocês com este escrito que renova o espírito das origens, o espírito missionário que fez da Congregação o que ela é desde o início.

Neste ano, com emoção, dou voz ao coração da Congregação no 150° aniversário da primeira expedição missionária. A celebração desse aniversário marca o nosso coração e a nossa alma. Ela pede-nos para renovar o espírito missionário que sempre esteve no coração do carisma, para que, agradecendo a fidelidade de Deus, possa dar energia futura à evangelização e à Congregação.

A comemoração do 150° aniversário da primeira expedição missionária de Dom Bosco é um excelente dom para:

Agradecer, para reconhecer a graça de Deus.
O reconhecimento torna evidente a autoria de toda bela conquista. Sem gratidão, não há capacidade de aceitação. Sempre que deixamos de reconhecer um dom em nossa vida pessoal e institucional, corremos o sério risco de esvaziá-lo e “sequestrá-lo”.
Ao falar do espírito da missão, estamos no centro da vida do discípulo: algo infinitamente maior do que nós mesmos, que é a dinâmica fundante e original da Igreja, para cada geração.

Repensar, porque “nada é para sempre”.
A fidelidade também envolve a capacidade de mudar na obediência para uma visão que vem de Deus e da leitura dos “sinais dos tempos”. Nada é para sempre: de uma perspectiva pessoal e institucional, a verdadeira fidelidade é a capacidade de mudar, reconhecendo aquilo a que o Senhor nos chama todos os dias.
Repensar, então, torna-se um ato gerador, em que se unem fé e vida; um momento em que se pergunta: o que queres dizer-nos, Senhor, com esta pessoa, com esta situação à luz dos sinais dos tempos que, para serem lidos, exigem o próprio coração de Deus?

Relançar, recomeçar todos os dias.
A gratidão leva a olhar para o futuro e aceitar novos desafios, relançando as missões com esperança. A atividade missionária é levar a esperança de Cristo com a consciência lúcida e clara, ligada à fé, que faz com que se reconheça que o que eu vejo e experimento “não é coisa minha”, e me dá forças para seguir em frente, pessoal e institucionalmente.

Tudo isso requer a coragem de ser a gente mesmo, de reconhecer a própria identidade no dom de Deus e de investir as próprias energias numa responsabilidade específica. Conscientes do fato de que o que nos foi confiado não é nosso e temos a tarefa de transmiti-lo às próximas gerações.
Este é o coração de Deus, esta é a vida da Igreja.

O Santo Padre presenteou-nos recentemente com a Carta Encíclica “Dilexit nos” sobre o amor humano e divino do coração de Jesus Cristo. Esse presente do Papa Francisco ilumina o nosso coração missionário.
O Papa indica-nos a ação social e o mundo inteiro como o destino natural da autêntica devoção ao Sagrado Coração. No número 205 da Encíclica, ele diz o seguinte: «Que culto seria o de Cristo se nos contentássemos com uma relação individual desinteressada em ajudar os outros a sofrer menos e a viver melhor? Poderá agradar ao Coração que tanto amou se nos mantivermos numa experiência religiosa íntima, sem consequências fraternas e sociais?».

O Papa Francisco diz-nos claramente que aquele que tem intimidade com o coração do Senhor não pode deixar de ser dotado de espírito missionário que abrace o mundo inteiro, porque o seu coração se expandiu, se ampliou! Há uma relação direta: quanto mais habitarmos a intimidade do Coração de Cristo, mais seremos capazes de chegar às fronteiras da terra.

O coração de Cristo leva-me a estar atento às feridas no coração da humanidade.
Em uma palavra: o coração da missão é o coração de Deus.

Que força e que energia nos é transmitida pelo Santo Padre, neste ano que nos apresenta o 150° aniversário da primeira expedição missionária.

A história continua conosco. Hoje, Dom Bosco precisa de Salesianos que se coloquem à disposição como “simples instrumentos” para realizar o sonho missionário. Este é o meu apelo aos irmãos que sentem no fundo de seus corações o chamado de Deus, dentro da nossa vocação salesiana comum, para que se tornem disponíveis como missionários com um compromisso vitalício (ad vitam), onde quer que o Reitor-Mor os enviar.

No último apelo do P. Ángel, 48 salesianos inscreveram-se em dezembro de 2023, e 24 foram escolhidos como membros da 155a expedição missionária. Neste ano, que prepara o 150° aniversário da primeira expedição missionária, a minha oração e a minha esperança é que haja ainda mais.

O diálogo com o Conselheiro Geral para as Missões e a reflexão compartilhada no Conselho Geral, com base no projeto missionário apresentado ao Conselho (ACG 437, p. 68), permitem-me especificar as urgências identificadas para 2025, para onde eu gostaria que fosse enviado um número significativo de irmãos:
– Norte da África, África do Sul (AFM), África Ocidental Norte (AON), Moçambique;
– A nova presença que iniciaremos em Vanuatu;
– Albânia, Romênia, para o ‘Projeto Calábria-Basilicata’ (IME);
– Chile, Mongólia, Uruguai, e outras fronteiras e eventuais urgências.

Convido os Inspetores e, com eles, os Delegados Inspetoriais para a Animação Missionária, a serem os primeiros a ajudar os irmãos no seu discernimento, convidando-os, depois de um diálogo pessoal, a colocar- se à disposição do Reitor-Mor para responder às necessidades missionárias da Congregação. Em seguida, o Conselheiro Geral para as Missões continuará o discernimento que levará à escolha dos missionários e o envio da próxima 156a expedição missionária, a ser realizada em Valdocco no dia 11 de novembro de 2025.

O Senhor nos abençoe e Nossa Senhora nos acompanhe; um Santo Natal a todos e um Feliz Ano Novo em nome da Esperança, que é a presença de Deus.

Roma, 18 de dezembro de 2024

Sac. Stefano Martoglio
Vigário (ex. art. 143 cost. S.D.B.)
Prot. n. 24/0575




Um coração tão grande como as praias do mar

Um novo tempo nos é dado: do Coração de Deus ao coração da humanidade, no espelho do grande coração de Dom Bosco.

Caros amigos e leitores, nesta edição de dezembro, dirijo-me a vocês com os melhores votos de um novo ano! De um novo tempo que nos é dado viver com intensidade e com “novidade de vida”, e faço meu, como augúrio propício e oportuno, o dom que o Santo Padre nos deu nos últimos dias: a Carta Encíclica Dilexit Nos sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo.
Nós, salesianos, estamos acostumados a cantar: “Deus lhe deu um coração tão grande / como a areia do mar; / Deus lhe deu o seu espírito: / liberou o seu amor”.
O Papa Pio XI, que o conheceu bem, disse que Dom Bosco tinha uma “bela particularidade”: ele era “um grande amante das almas” e as via “nos pensamentos, no coração, no sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Afinal, no brasão de armas de nossa Congregação há um coração ardente.
O Papa Francisco se apresenta assim no n. 2 da Dilexit Nos: “Para exprimir o amor de Jesus Cristo, recorre-se frequentemente ao símbolo do coração. Há quem se interrogue se isto atualmente tenha um significado válido. Porém, é necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência”.
Quão forte é essa indicação do nosso Papa para nos mostrar um novo modo de viver, em um novo tempo que nos é dado, o ano que está por vir.
No n. 21, o Papa Francisco escreve: “Este núcleo de cada ser humano, o seu centro mais íntimo, não é o núcleo da alma, mas da pessoa inteira na sua identidade única, que é alma e corpo. Tudo está unificado no coração, que pode ser a sede do amor com todas as suas componentes espirituais, psíquicas e também físicas. Em última análise, se aí reina o amor, a pessoa realiza a sua identidade de forma plena e luminosa, porque cada ser humano é criado, sobretudo, para o amor; é feito nas suas fibras mais profundas para amar e ser amado.”
E acrescenta no número 27 da mesma Carta Encíclica: “Perante o Coração de Jesus vivo e atual, o nosso intelecto, iluminado pelo Espírito, compreende as palavras de Jesus. Assim, a nossa vontade põe-se em ação para as praticar. Mas isso poderia permanecer como uma forma de moralismo autossuficiente. Ouvir, saborear e honrar o Senhor pertence ao coração. Só o coração é capaz de colocar as outras faculdades e paixões e toda a nossa pessoa numa atitude de reverência e obediência amorosa ao Senhor”.
Não vou me alongar mais, esperando tê-los estimulado para ler essa esplêndida Carta Encíclica, que não é apenas um grande dom para viver de modo novo o tempo que nos é dado, o que já seria suficiente; é também uma indicação profundamente “salesiana”.
Quanto Dom Bosco escreveu e trabalhou para difundir justamente a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, como amor divino que acompanha a nossa realidade humana.

Um impulso magnífico
Nas Memórias Biográficas (em língua portuguesa), no volume VIII, p. 274, encontramos o seguinte escrito, referindo-se a Dom Bosco: “A devoção ao Sagrado Coração, que ardia fortemente em seu coração, animava todas as suas obras, conferia eficácia às suas conversas familiares, às suas homilias e ao exercício do sagrado ministério, de maneira que todos ficavam encantados e persuadidos (diz o testemunho do P. Bonetti); além disso, parecia que o Sagrado Coração de Jesus cooperava também com dons sobrenaturais para o cumprimento de sua árdua missão”.
Esse testemunho da devoção de Dom Bosco ao Sagrado Coração é “plasticamente” identificado com a Basílica homônima construída por Dom Bosco em Roma a pedido do Papa da época.
O edifício material recorda e admoesta a todos nós a devoção “monumental” de Dom Bosco ao Sagrado Coração. Como para Nossa Senhora, assim também para o Sagrado Coração, a devoção de Dom Bosco se manifesta nas igrejas que ele construiu. Porque a devoção ao Sagrado Coração é a Eucaristia, a adoração eucarística.
O coração de Dom Bosco em constante amor para com a Eucaristia é um magnífico impulso pessoal para tornar isso vivo e verdadeiro no novo ano. Um desejo verdadeiro e profundo de que o Ano Novo seja vivido em sua plenitude. Como diz o canto: “Formaste homens / de coração sadio e forte: / os enviaste ao mundo para proclamar / o Evangelho da alegria”.

Gostaria de concluir esta breve mensagem, desejando a todos um Feliz Ano Novo, com a imagem que o Papa Francisco traz nas primeiras páginas da encíclica, referindo-se aos ensinamentos de sua avó sobre o significado do nome dos doces de carnaval, as “mentiras”… porque quando são assados, a massa incha e fica vazia… portanto, têm uma exterioridade que corresponde a um vazio interior; eles parecem ser por fora, mas não são, são “mentiras”.
Que o Ano Novo seja para todos nós pleno e rico de substância, concretizando-se na acolhida de Deus que vem para o meio de nós.
Que Sua vinda traga paz e verdade, que o que é visto por fora corresponda ao que há no interior!
Augúrios de coração a todos vocês!




O caminho das rosas

“Oh! Dom Bosco sempre caminha sobre rosas. Ele segue tranquilíssimo: tudo vai bem para ele. Mas eles não viam os espinhos que rasgavam meus pobres membros. Mesmo assim eu continuei”. Todas as vidas estão entrelaçadas de espinhos e de rosas, como no famoso sonho de Dom Bosco sobre o caramanchão de rosas. A Esperança é a força que, apesar dos espinhos, nos faz continuar.

Caros leitores, amigos da Família Salesiana e benfeitores que ajudam a obra de Dom Bosco em todas as situações e contextos, ao enviar-lhes um pensamento através do Boletim Salesiano, optei por permanecer um pouco mais no tema da Esperança, como fizemos no mês passado.
Não apenas por uma questão de continuidade, mas sobretudo porque é um tema sobre o qual se deve falar, porque todos nós precisamos muito dele. É uma condescendência da delicadeza de Deus em nossa vida.
Mas quando falamos de esperança, antes de tudo, lembramos que ela é um elemento de profunda humanidade e um critério claro para interpretar a vida em todas as religiões.
A esperança tem muito a ver com a transcendência e a fé, o amor e a vida eterna, como aponta o filósofo coreano Byung-Chul Han. Nós trabalhamos, produzimos e consumimos, aponta esse filósofo em seus escritos, mas nesse modo de viver não há abertura para o transcendente, não há Esperança.
Vivemos em um tempo desprovido da dimensão da celebração, mesmo que estejamos cheios de coisas que nos atordoam; um tempo sem celebração é um tempo sem esperança. A sociedade de consumo e desempenho em que vivemos corre o risco de nos tornar incapazes de sermos felizes, de nos alegrarmos com a situação em que nos encontramos. Mesmo a situação mais difícil sempre tem migalhas de luz!
A esperança nos faz acreditar no futuro, porque o lugar onde a esperança é mais intensamente experimentada é a transcendência.
O escritor e político tcheco Vaclay Havel, presidente da Tchecoslováquia na época da “revolução de veludo”, da qual muitos de nós nos lembramos, definiu a esperança como um estado de espírito, uma dimensão da alma.
A esperança é uma orientação do coração que transcende o mundo imediato da experiência; é uma ancoragem em algum lugar além do horizonte.
As raízes da esperança estão em algum lugar dentro do transcendente, e é por isso que não é a mesma coisa ter Esperança ou estar satisfeito porque as coisas estão indo bem.
Quando falamos do futuro, estamos nos referindo ao que acontecerá amanhã, no próximo mês, daqui a dois anos. O futuro é o que podemos planejar, prever, gerenciar e otimizar.
A Esperança é a construção de um futuro que nos une ao futuro que não termina, ao transcendente, à dimensão divina. Cultivar a esperança é bom para o nosso coração porque coloca energia na construção do nosso caminho para o Paraíso.

A palavra mais pronunciada por Dom Bosco
O P. Alberto Caviglia escreveu: “Se folhearmos as páginas que registram as palavras e os discursos de Dom Bosco, descobriremos que a palavra Paraíso era a que ele repetia em todas as circunstâncias como o argumento supremo que animava toda atividade no bem e toda resistência à adversidade”.
“Um pedaço do Paraíso conserta tudo!”, repetia Dom Bosco em meio às dificuldades. Mesmo nas modernas escolas de administração, ensina-se que uma visão positiva do futuro se transforma em força vital.
Quando, já velho e abatido, atravessava o pátio com passos lentos, aqueles que passavam por ele faziam-lhe a saudação distraída de sempre: “Aonde vamos, Dom Bosco?” Sorrindo, o santo respondia: “Para o Paraíso”.
Como Dom Bosco insistia nisso: o Paraíso! Ele fez com que seus jovens crescessem com a visão do Paraíso em seus corações e olhos. Todos nós sabemos que podemos ser cristãos, mesmo convictos, mas não acreditar no Paraíso.
Dom Bosco nos ensina a unir o nosso aqui com o além. E ele faz isso com a virtude da Esperança.
Levemos isso em nossos corações e abramos nossos corações à caridade, à nossa humanidade que encarna aquilo em que acreditamos profundamente.
Se vocês receberem este breve escrito no mês de novembro, vivam essa esperança com nossos santos e com nossos mortos, todos unidos num cordada que parte de nossa vida diária e leva ao infinito.
Como Dom Bosco, vivam como se vissem o invisível, alimentados pela Esperança que é a presença providente de Deus. Somente quem é profundamente concreto, como Dom Bosco, é capaz de viver de olhos fixos no invisível.




Nosso presente anual

Tradicionalmente, como Família Salesiana, recebemos todos os anos a Estreia, um presente no início do ano, e nestas poucas linhas faço questão de examinar esse presente para recebê-lo como merece, sem perder a delicadeza do presente.

Um presente porque, antes de tudo, estreia significa: eu lhe dou um presente! Eu lhe dou algo importante para celebrar um novo tempo, um novo ano. Foi assim que Dom Bosco pensou e deu a todos os jovens e adultos que estavam com ele.
Quero lhe dar este presente, a estreia, para o início de um novo ano, de um novo tempo.
Isto é bonito e importante: um novo ano, um novo tempo é um recipiente no qual todos os outros conteúdos estarão colocados. O ano que está por vir não é igual aos que você viveu até agora; o novo ano requer um novo olhar para vivê-lo plenamente; porque o novo ano não voltará! Cada vez é único porque somos diferentes do ano passado, da maneira como éramos no ano passado.
A Estreia tem a ver com a preparação para esse novo momento, começando a examinar esse novo ano, destacando certas coisas que serão uma parte importante desse ano.

O fio vermelho
A dádiva do tempo, da vida; na vida, a dádiva de Deus e todas as outras dádivas: pessoas, situações, ocasiões, relacionamentos humanos. Dentro desse modo providencial de ver o dom do tempo e da vida, a Estreia, um presente que Dom Bosco… e depois dele seus sucessores fazem todos os anos a toda a Família Salesiana… é um olhar para o novo ano, para o novo tempo, para vê-lo com novos olhos.
A Estreia é uma ajuda para ver o tempo que virá, concentrando-se em um fio vermelho que guia esse novo tempo: o fio vermelho que a Estreia nos dá é a Esperança. Isso também é importante! O novo ano certamente terá muitas coisas reservadas, mas não se perca! Comece a pensar em como isso é importante… não se disperse, recolha!
A estreia que o nosso Padre Ángel preparou para nós, como uma roupa nova, destaca os eventos que todos nós viveremos e os une com um fio vermelho, a Esperança!
Os eventos que a Estreia de 2025 destaca são eventos globais ou particulares que nos envolvem, para que os vivamos bem:

• O Jubileu ordinário do ano de 2025: um Jubileu é um evento da Igreja que, na tradição católica, o Santo Padre nos dá. Viver o Jubileu é viver essa peregrinação que a Igreja nos oferece para colocar a presença de Cristo novamente no centro de nossas vidas e da vida do mundo. O Jubileu do Papa Francisco tem um tema gerador: Spes non confundit! A esperança não decepciona! Que tema gerador maravilhoso! Se há algo de que o mundo precisa neste momento difícil, é de esperança, mas não a esperança do que acreditamos que podemos fazer por nós mesmos, sob o risco de se tornar uma ilusão. A esperança da redescoberta da presença de Deus. O Papa Francisco escreve: “A esperança enche o coração!” Não apenas aquece o coração, mas o preenche. Enche-o em uma medida transbordante!
• A esperança nos torna peregrinos, o Jubileu é peregrinação! Ele nos coloca em movimento interiormente; caso contrário, não é Jubileu. Dentro deste evento eclesial que nos faz sentir Igreja, nós, como Congregação Salesiana e como Família Salesiana, temos um aniversário importante: 2025 marcará
• o 150º aniversário da primeira expedição missionária à Argentina
Dom Bosco, em Valdocco, lança seu coração além de todas as fronteiras: envia seus filhos para o outro lado do mundo! Ele os envia, além de toda segurança humana, ele os envia quando não tem nem mesmo o que precisa para continuar o que começou.
Ele simplesmente os envia! A esperança é obedecida, porque a esperança impulsiona a fé e coloca a caridade em ação. Ele os envia, e os primeiros irmãos partiram e foram para onde nem mesmo eles sabiam! Dali nascemos todos nós, da Esperança que nos põe a caminho e nos torna peregrinos.
Esse aniversário deve ser comemorado, como todos os aniversários, porque nos ajuda a reconhecer o Dom (não é sua propriedade, foi-lhe dado como um presente), a lembrar e a dar força para o tempo que virá da energia da Missão.
A Esperança funda a Missão, porque a Esperança é uma responsabilidade que não se pode esconder ou guardar para si mesmo! Não esconda o que lhe foi dado; reconheça o doador e entregue com sua vida o que foi dado às próximas gerações! Essa é a vida da Igreja, a vida de cada um de nós.
São Pedro, que via o futuro, escreve em sua primeira carta: “Estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir” (1Pd 3,15). Devemos pensar que a resposta não são palavras, é a vida que responde!
Com a esperança que há em você, viva e se prepare para este novo ano que está por vir, uma jornada com os jovens, com os irmãos para renovar o Sonho de Dom Bosco e o Sonho de Deus.

Nosso brasão de armas
“Em meu lábaro brilha uma estrela”, cantava-se antigamente. Em nosso brasão, além da estrela, há uma grande âncora e um coração ardente.
Aqui estão algumas imagens simples para começar a mover nossos corações em direção ao tempo que virá, “Ancorados na esperança, peregrinos com os jovens”. Ancorado é um termo muito forte: a âncora é a salvação do navio na tempestade, firme, forte, enraizada na esperança!
Dentro desse tema gerador estará toda a nossa vida cotidiana: pessoas, situações, decisões… o “micro” de cada um de nós que é soldado ao “macro” do que viveremos todos juntos… entregando a Deus o dom desse tempo que nos é dado. Porque à Estreia que todos nós receberemos, você deve acrescentar a sua parte; a sua vida cotidiana que você saberá iluminar com o que escrevemos e receberemos; caso contrário, não é uma Esperança, não é a base da sua vida e não o coloca em “movimento”, tornando-o um Peregrino.
Confiamos essa jornada à Mãe do Senhor, Mãe da Igreja e nossa Auxiliadora; Peregrina da Esperança conosco.