27 Dez 2025, Sáb

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A Sinodalidade Missionária: Uma Perspectiva Salesiana

Sinodalidade no Novo Testamento
O substantivo “sinodalidade”, tem se tornado usual nos últimos anos. Infelizmente, algumas pessoas têm a própria compreensão ideológica ou errônea do conceito. Não surpreende, então, que muitas pessoas, também religiosos e sacerdotes, perguntem abertamente: “O que é isso? O que isso significa”? Sinodalidade na verdade é uma nova palavra para uma realidade antiga. Jesus, o peregrino que proclamou a Boa-Nova do Reino de Deus (Lc 4,14-15), partilhou com todos a verdade e o amor da comunhão com Deus e com suas irmãs e seus irmãos. A imagem dos discípulos de Emaús em Lucas 24,18-35 é outro exemplo de sinodalidade: eles começaram recordando os acontecimentos que haviam vivido; depois reconheceram a presença de Deus nesses acontecimentos; enfim, agiram ao retornar a Jerusalém para anunciar a ressurreição de Cristo. Isso significa que nós, discípulos de Jesus, também devemos caminhar juntos na história como povo de Deus da nova Aliança. De fato, nos Atos dos Apóstolos, o Povo de Deus caminha junto, sob a orientação do Espírito Santo, durante o Concílio de Jerusalém (At 15; Gl 2,1-10).

Sinodalidade na Igreja primitiva
No Igreja primitiva, Santo Inácio de Antioquia (50-117) recordava à comunidade cristã de Éfeso que todos os seus membros são “companheiros de viagem” em virtude do seu batismo e da sua amizade com Cristo. São Cipriano de Cartago (200-258) insistia que nada deveria ser feito na Igreja local sem o bispo. Da mesma forma, para São João Crisóstomo (347-407) “Igreja” é um termo para “caminhar juntos” através da relação recíproca e ordenada dos membros que os leva a ter uma mente comum.
Na Igreja primitiva, a palavra grega composta de duas partes: syn (que significa “com”) e ódós (que significa “caminho”) era usada para descrever o caminho do povo de Deus pela mesma vereda a fim de responder a questões disciplinares, litúrgicas e doutrinárias. Assim, os sínodos foram realizados periodicamente nas igrejas e dioceses locais a partir de meados do século II, ou seja, a partir mais ou menos do ano 150. Da mesma forma, a partir de 325 em Niceia, a reunião de todos os bispos da Igreja, chamada “Concílio” em latim, começou a tomar decisões como expressão de comunhão com todas as Igrejas.

Sinodalidade no Vaticano II
O Concílio Vaticano II não abordou especificamente a questão da sinodalidade nem utilizou este termo ou conceito em seus documentos. Em vez disso, utilizou o termo “colegialidade” para o método de construção dos processos conciliares. No entanto, a sinodalidade está no centro do trabalho de renovação incentivado pelo Concílio. Enquanto a colegialidade diz respeito ao processo decisório dos bispos em nível de Igreja universal, a sinodalidade é fruto de esforços ativos para viver as perspectivas do Concílio Vaticano II em nível local. Esta compreensão foi incorporada à visão da natureza da Igreja como “comunhão” que recebeu a “missão” de proclamar e estabelecer entre todos os povos o Reino de Deus (Lumen gentium, 5). Ela prevê que a Igreja caminhe junto e compartilhe “as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias” de todos aqueles com quem caminhamos (Gaudium et spes, 1).

Papa Francisco e a Sinodalidade
Desde 2013, o Papa Francisco está a nos ensinar a sinodalidade em tudo o que faz e diz. A sinodalidade não é uma simples discussão, nem é como as deliberações dos parlamentos em busca de consensos que terminam com o voto da maioria. Não se trata de discutir, argumentar ou escutar para responder. Não é um processo de democratização ou de pôr uma doutrina em votação. Não é um plano ou um programa a ser realizado. Também não se trata do que querem os bispos ou outras partes interessadas, ou de comando e controle. A sinodalidade refere-se, porém, a quem somos e quem desejamos ser como comunidade cristã, como corpo de Cristo. É o estilo de vida que qualifica a vida e a missão de toda a Igreja. A sinodalidade é escuta atenta para compreender em nível pessoal e mais profundo. É uma Igreja de participação e corresponsabilidade, a começar do Papa, dos bispos e envolvendo todo o povo de Deus, para que todos possamos descobrir a vontade de Deus no enfrentamento de uma série particular de desafios.
A presença do Espírito Santo, mediante o sacramento do Batismo recebido, permite que todo o povo de Deus tenha o instinto da fé (sensus fidei) que o ajuda a discernir o que é verdadeiramente de Deus e a sentir, intuir e perceber em harmonia com a Igreja. A sinodalidade envolve o exercício do sensus fidei de todo o povo de Deus, o ministério de guia do colégio dos bispos com o clero e o ministério de unidade do bispo de Roma.

Sinodalidade e Discernimento
A sinodalidade é caracterizada principalmente pelo constante discernimento da presença do Espírito Santo. É uma dinâmica que se torna realidade, porque não podemos prever aonde o Espírito Santo pode nos levar. A sinodalidade não é um itinerário traçado com antecedência. É, contudo, um encontro que forma e transforma. É um processo que nos desafia a reconhecer a função profética do povo de Deus e exige que permaneçamos abertos à imprevisibilidade de Deus. Pela escuta recíproca e o diálogo, Deus vem nos tocar, nos sacudir, nos mudar interiormente. Em última análise, a sinodalidade é expressão do envolvimento coletivo e do senso de corresponsabilidade da totalidade do povo de Deus pela Igreja.
Isso implica uma atitude de escuta atenta, com humildade, respeito, abertura, paciência com nossas experiências e disposição para escutar até mesmo ideias discordantes, pessoas que abandonaram a prática da fé, pessoas de outras tradições de fé ou mesmo de nenhuma crença religiosa, a fim de discernir os sussurros do Espírito Santo, que é o principal protagonista, e consequentemente promover a ação de Deus nas pessoas e na sociedade, agindo com sabedoria e criatividade.

A Igreja é missionária
A Igreja existe para difundir a boa-nova de Jesus. Portanto, a sua atividade missionária consiste sobretudo em proclamar o nome, o ensinamento, a vida, as promessas, o reino e o mistério de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus (Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, 14, 22). Uma vez que todos os membros da Igreja, em virtude do batismo que receberam, são agentes de evangelização, consequentemente uma Igreja sinodal é um pré-requisito indispensável para uma nova energia missionária envolvendo todo o povo de Deus. A evangelização sem sinodalidade carece de atenção às estruturas da Igreja. Por outro lado, a sinodalidade sem evangelização significa que somos apenas mais um clube social, comercial ou filantrópico.

Sinodalidade Missionária
A sinodalidade missionária é uma abordagem sistêmica da realidade pastoral. Enviado a proclamar o Evangelho, todo batizado como discípulo-missionário deve aprender a ouvir atenta e respeitosamente, como companheiros de viagem, o povo local, os seguidores de outras religiões, os clamores dos pobres e marginalizados, aqueles que não têm voz no espaço público, a fim de estar mais próximo de Jesus e do seu Evangelho e ser uma Igreja em saída, não fechada em si mesma.
Se o nosso testemunho público nem sempre é evangelizador no sentido mais amplo, somos apenas uma ONG a mais num mundo de crescente desigualdade e isolamento. Hoje há uma percepção crescente de que tudo o que fazemos como católicos é um ponto de contato com a evangelização. Evangelizamos através do modo como acolhemos as pessoas, do modo como tratamos nossos amigos e familiares, do modo como gastamos o nosso dinheiro como indivíduos, comunidades e grupos, do modo como cuidamos dos pobres e alcançamos os marginalizados, do modo como usamos as mídias sociais, do modo como ouvimos atentamente os desejos dos jovens e do modo como discordamos e dialogamos uns com os outros.

O Processo Sinodal
A fim de escutar atentamente o sentido de fé do povo de Deus (sensus fidelium), que a Igreja ensina como autêntico garantidor da fé que expressa, o Papa Francisco instituiu o “processo sinodal”. Caminhando juntos, discutindo e refletindo como povo de Deus, a Igreja crescerá em sua autocompreensão, aprenderá a viver a comunhão, promoverá a participação e se abrirá à missão de evangelização.
O processo sinodal pretende inspirar esperança, estimular confiança, curar feridas para tecer novas e profundas relações, aprender uns com os outros e iluminar as mentes para sonhar entusiasticamente com a Igreja e a nossa missão comum. Trata-se de um kairós ou momento maduro na vida da Igreja para a conversão em preparação à evangelização e é um momento de evangelização.

Sinodalidade e carisma salesiano
Dos tesouros pedagógicos e espirituais do carisma salesiano, podemos tirar expressões de sinodalidade missionária.
O nosso patrono, São Francisco de Sales, fez da amizade verdadeira o contexto necessário em que caminhamos juntos através do acompanhamento espiritual. Ele acreditava que não pode haver acompanhamento espiritual verdadeiro sem verdadeira amizade. Esta amizade sempre implica comunicação e enriquecimento recíproco, o que permite que a relação se torne verdadeiramente espiritual.
No Oratório de Valdocco, Dom Bosco preparou os seus meninos para a vida tornando-os conscientes do amor de Deus por eles, ajudando-os a amar a sua fé católica e praticá-la na vida quotidiana. Preocupava-se em manter uma relação individual para oferecer-lhes acompanhamento pessoal e de grupo, de acordo com as necessidades de cada um. Ele escreveu em sua carta de Roma de 1884: «A familiaridade leva ao amor e o amor leva à confiança. Ela abre o coração e os jovens revelam tudo sem medo». Mantendo bom equilíbrio entre um ambiente saudável e maduro e a responsabilidade individual, o Oratório tornou-se uma casa, uma paróquia, uma escola e um pátio para brincar.
Dom Bosco formou ao seu redor uma comunidade em que os próprios jovens eram protagonistas. Favoreceu a participação e a divisão de responsabilidades entre eclesiásticos, salesianos e leigos. Eles ajudavam-no a ensinar o catecismo e dar outras aulas, ajudar na igreja, conduzir os jovens na oração, prepará-los para a Primeira Comunhão e a Crisma, ajudar no pátio onde brincavam com os meninos, ajudar os mais necessitados a encontrar emprego com algum empregador honesto. Em troca, Dom Bosco cuidava diligentemente da vida espiritual deles com encontros pessoais, conferências, direção espiritual e administração dos sacramentos. Desse ambiente nasceu uma nova cultura em que se respirava um profundo amor a Deus e a Nossa Senhora, criando, por sua vez, um novo estilo de relação entre jovens e educadores, entre leigos e sacerdotes, entre aprendizes e estudantes.
Hoje, a Comunidade Educativo-Pastoral (CEP), mediante o Projeto Educativo-Pastoral Salesiano (PEPS), é o centro de comunhão e partilha do espírito e da missão de Dom Bosco. Na CEP promovemos uma nova forma de pensar, julgar e agir, uma nova forma de abordar os problemas e um novo estilo de relações – com os jovens, os salesianos e os leigos, de várias maneiras, como líderes e colaboradores.
O espírito missionário é um elemento essencial do carisma de Dom Bosco, que ele transmitiu aos seus salesianos e a toda a família salesiana. Esse espírito está resumido no Da mihi animas e exprime-se através do “coração oratoriano”: o fervor, o impulso e a paixão pela evangelização, especialmente dos jovens. É a capacidade de diálogo intercultural e inter-religioso e a prontidão para ser enviado aonde houver necessidade, especialmente às periferias.

Um tempo de conversão
A conversão pessoal e comunitária será sempre necessária, pois reconhecemos humildemente que ainda existem muitos obstáculos em nossos esforços para viver a sinodalidade missionária: a pressa de ensinar em vez de escutar; o sentir-se no direito ao privilégio; a incapacidade de ser transparente e responsável; a lentidão no diálogo e a falta de presença animadora entre os jovens; a propensão para controlar e reivindicar o direito exclusivo de tomar decisões; a falta de confiança em dar responsabilidades aos leigos como parceiros na missão; e a falta de reconhecimento da presença do Espírito Santo nas culturas e nos povos, mesmo antes da nossa chegada.
Na verdade, a sinodalidade missionária salesiana é ao mesmo tempo um dom e uma tarefa!

P. Alfred MARAVILLA

Conselheiro para as Missões dos Salesianos de Dom Bosco.