4 Dez 2025, Qui

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No discurso que se segue, proferido por Dom Bosco entre 30 de abril e 1º de maio de 1868, o santo decide compartilhar com seus jovens um sonho tão perturbador quanto revelador. Através da aparição de um sapo monstruoso e da visão de uma videira que representa a comunidade do Oratório, ele revela a luta espiritual que se trava em cada consciência, denuncia os vícios que ameaçam a vida cristã – soberba e imodéstia sobretudo – e indica os remédios: obediência, oração, sacramentos, trabalho e estudo. A intenção não é assustar, mas sacudir: Dom Bosco fala como pai zeloso, desejoso de guiar seus “filhinhos” à conversão e à alegria de uma existência fecunda e duradoura na liberdade dos filhos de Deus.

No dia 29 de abril Dom Bosco comunicara aos jovens: – Amanhã à noite, sexta-feira e domingo, tenho algo a lhes dizer, pois se eu não falasse, penso que iria para o túmulo antes do tempo. Desejo que estejam presentes também os aprendizes.
            No dia 30 à noite, após as orações, os aprendizes vieram de seu pórtico, onde era comum o P. Rua ou o P. Francesia falar, unindo-se aos estudantes. Dom Bosco falou:

            – Meus caros jovens, ontem à noite lhes disse que tinha algo de horrível a lhes contar. Tive um sonho e decidi nada falar, seja porque duvidava que fosse um sonho como os demais que vêm à fantasia, seja porque todas as vezes que lhes conto algum, sempre há alguma observação e reclamação. Entretanto, um outro sonho me obriga a falar-lhes do primeiro, tanto mais que há alguns dias novamente comecei a ser incomodado por fantasmas, especialmente de três noites para cá. Vocês sabem que estive em Lanzo para ter um pouco de tranquilidade. Pois bem, na última noite que passei nesse colégio, tendo me deitado, enquanto pegava no sono, veio-me à fantasia o que tenho a lhes dizer:

Pareceu-me ver um grande monstro entrando no meu quarto. Veio para frente e se colocou bem aos pés da cama. Tinha a forma muito nojenta de sapo; seu tamanho era o de um boi.
            Eu o olhava firme sem respirar. O monstro aos poucos se tornou maior… Cresceu nas pernas, cresceu no corpo, cresceu na cabeça. Quanto mais aumentava seu volume, mais horrível ficava. Sua cor era verde com uma linha vermelha ao redor da boca e da garganta. Isso o tornava ainda mais terrivelmente pavoroso. Seus olhos eram de fogo, as orelhas ósseas, muito pequenas. Observando-o, dizia a mim mesmo: – Mas sapo não tem orelhas! – Em cima do nariz havia dois chifres, nos lados despontavam duas grande asas verde-escuro. Suas patas eram parecidas com as do leão. Atrás havia uma cauda comprida que terminava em duas pontas.
            Naquele momento pareceu-me não ter medo nenhum, mas esse monstro começou a se aproximar cada vez mais de mim. Escancarava a bocarra com enormes dentes. Fiquei, então aterrorizado. Pensei que fosse um demônio do inferno, pois tinha todos os sinais do demônio. Fiz o sinal da Cruz, mas de nada valeu; toquei a sineta, mas naquela hora ninguém veio, ninguém ouviu. Gritei, mas inutilmente; o monstro não fugia.
– Então eu disse: – Que quer de mim, ó bruto demônio? – E ele se aproximou mais, erguendo e aumentando as orelhas. Então, colocou suas patas dianteiras na beira do fundo da cama. Aí ficou imóvel por um instante. Depois estirando-se para frente pôs seu rosto face a face comigo. Fiquei tomado de tão grande nojo que pulei sentado na cama. Estava para jogar-me ao chão, mas o monstro abriu a boca. Eu queria me defender, afastá-lo. Era tão nojento que naquele momento não ousei tocar nele. Pus-me a berrar; joguei as mãos para trás a fim de pegar o aspersório, batendo com as mãos na parede sem o encontrar. O sapo abocanhou por um instante minha cabeça de tal forma que metade de minha pessoa ficou dentro daquelas terríveis fauces.
– Então gritei: – Em nome de Deus, por que age assim comigo? – À minha voz, o sapo se retirou um pouco, liberando minha cabeça. Novamente tracei sobre mim o sinal da cruz e, conseguindo colocar os dedos na água benta, joguei um pouco no monstro. Então esse demônio, dando um berro horrível, lançou-se para trás e desapareceu. Ao desaparecer ouvi uma voz que do alto dizia claramente isto:
            – Por que não fala?
            O Diretor de Lanzo, P. Lemoyne, acordou naquela noite por causa de meus gritos prolongados. Ouvia que eu batia com as mãos na parede, e de manhã me perguntou: – Dom Bosco, o senhor sonhou nesta noite?
            – Por que me pergunta?
            – Porque ouvi seus gritos.
            Soubera, então, que Deus queria que lhes narrasse o que tenho visto: por isso, decidi contar-lhes o sonho por inteiro, e porque sou obrigado em consciência a fazer isto e, além disso, para me livrar destes espectros. Agradeçamos ao Senhor por sua misericórdia e, enquanto isso, queira Deus dar-nos a conhecer sua vontade, e procuremos pôr em prática os conselhos que nos são dados e os meios que nos são oferecidos para a salvação de nossas almas. Com isso eu pude conhecer o estado de consciência de cada um de vocês.
            Desejo, porém, que o que lhes vou dizer fique entre vocês. Peço-lhes para não escreverem nem comentarem fora de casa, pois não são coisas a se ridicularizar, o que poderia ser feito por um ou outro, e para que não surjam inconvenientes que causem desgosto a Dom Bosco. Conto essas coisas a vocês em confiança, como a meus amados filhos. Escutem como se fossem do próprio pai. Eis, pois, os sonhos, que eu queria que não fossem conhecidos, e que sou obrigado a contar.

            Já nos primeiros dias da Semana Santa (05 de abril) comecei a ter sonhos, que me ocuparam e me incomodaram durante várias noites. Esses sonhos me cansavam de tal modo que na manhã seguinte me sentia mais cansado do que se tivesse passado toda a noite trabalhando; minha mente ficava muito abalada e agitada. Na primeira noite, sonhei que estava morto. Na segunda, que estava no julgamento de Deus, onde devia acertar as contas com o Senhor; vi que estava vivo na cama e que ainda tinha tempo de me preparar para uma santa morte. Na terceira noite, sonhei que estava no Paraíso; parecia-me estar muito bem e muito feliz. Passada a noite e acordando de manhã, a feliz ilusão desapareceu. Porém, estava resolvido a conquistar, a todo custo, esse reino eterno que entrevira. Até aqui eram coisas que nada significavam para vocês. Vai-se dormir com esse pensamento na fantasia, e durante o sonho é reproduzido o que se pensou.
            E sonhei pela quarta vez. E este é o sonho que preciso contar a vocês. Na noite de quinta-feira santa (09 de abril) mal iniciado um leve torpor, pareceu-me na imaginação que estava aqui sob estes pórticos rodeado pelos nossos padres, clérigos, assistentes e jovens. Tendo sumido vocês todos, pareceu-me ter ido ao pátio. Comigo estavam P. Rua, P. Cagliero, P. Francesia, P. Sávio e o jovem Preti; um pouco mais afastado José Buzzetti e o nosso grande amigo P. Estêvão Rumi, adido ao Seminário de Gênova. Repentinamente, o atual Oratório mudou de aspecto, retornando ao que era nos inícios, quando aqui estavam quase só os citados acima. Note-se que o pátio se limitava com campos sem cultivo, desabitados, que se estendiam até aos campos da cidadela, onde os primeiros jovens frequentemente iam para jogar. Eu estava próximo do lugar onde agora, debaixo das janelas do meu quarto, está a oficina de carpintaria, espaço por um tempo ocupado pela horta.
            Enquanto estávamos sentados conversando sobre a situação da casa e a respeito do comportamento dos jovens, eis que na frente deste pilar (onde se apoiava a cátedra de onde eu falava), que dá sustentação à bomba de água, perto da porta da casa Pinardi, vimos despontar da terra uma belíssima videira, aquela que tempos atrás estava no mesmo lugar. Ficamos maravilhados que a videira aparecesse depois de tantos anos. Todos perguntavam entre si o que seria isso. A videira crescia a olhos vistos, alcançando a altura de uma pessoa. Eis que começa a estender seus ramos enormes para todos os lados e lançar os brotos. De tal maneira e em pouco tempo se estendeu tanto que ocupou todo o nosso pátio, indo mais além. Mais interessante era que seus amos não cresciam para cima; estendiam-se paralelo ao solo como um enorme caramanchão. Este não estava apoiado em nada. Suas folhas eram bonitas e verdes, despontando então: os longos ramos eram exuberantes e fortes. Logo surgiram lindos cachos, os grãos ficaram grossos e a uva tomou sua cor.
            Dom Bosco e os que estavam com ele contemplavam estupefatos e diziam:
–De que modo esta videira cresceu tão depressa? Que será?
            Dom Bosco disse aos demais:
– Vejamos o que acontece.
            Eu observava de olhos arregalados, sem mexer as pálpebras, quando de golpe todos os grãos caíram no chão, transformando-se em outros tantos jovens vivazes e alegres, dos quais num instante ficou repleto todo o pátio do Oratório e o espaço ao redor coberto pela sombra da videira: Pulavam, jogavam, gritavam, corriam debaixo daquele curioso caramanchão. Vê-los provocava grande prazer. Aqui estavam todos os jovens que estiveram, estão e estarão no Oratório e nos outros colégios, uma vez que eu não os conhecia.
            Então, um personagem, que não reconheci à primeira vista quem seria (vocês sabem que em seus sonhos Dom Bosco sempre tem um guia), apareceu a meu lado observando também os jovens. Mas, num abrir e fechar de olhos, um véu se estendeu na nossa frente, escondendo aquele alegre espetáculo.
            O véu não ficava mais alto do que a videira, parecendo preso aos ramos em todo o seu comprimento à guisa de cortina. Só se via a parte mais alta da videira, que parecia um grande tapete de verdura. Num instante acabou-se por completo a alegria dos jovens, sucedendo-lhe um silêncio melancólico.
            – Repare – disse o guia, apontando para a videira.
            Acheguei-me e vi que aquela bela videira, que parecia carregada de uva, tinha somente folhas nas quais estavam escritas as palavras do Evangelho: Nihil invenit in ea! [nada encontrou nela]. Não sabia o que isso podia significar. Então perguntei ao personagem:
            – Quem é você?… O que significa esta videira?
            Ele tirou o véu da frente da videira. Debaixo dela só apareceu um certo número dos muitíssimos nossos jovens, vistos antes; a maioria eu não conhecia.
            – Esses – acrescentou – são os que, tendo grande facilidade para fazer o bem, não visam como objetivo dar glória ao Senhor. São aqueles que fazem o bem somente para se mostrar diante dos bons colegas. Eles observam com exatidão as regras da casa, mas com intenção de evitar repreensões e não perder a estima dos Superiores: mostram-se deferentes para com eles, mas não tiram proveito algum de seus ensinamentos, estímulos e cuidados, que recebem ou receberão nesta casa. Seu ideal é ter na sociedade uma posição honrosa e que dê lucro. Não se interessam em estudar sua vocação, recusam o convite do Senhor se Ele os chama e, ao mesmo tempo, simulam suas intenções por medo de algum prejuízo. Enfim, são os que fazem as coisas obrigados, e isso em nada os ajuda para a eternidade.
            Assim falou. Oh! Quanta tristeza tive ao ver entre esses também alguns que eu considerava muito bons, afeiçoados e sinceros.
            O amigo acrescentou:
– O mal não está todo aqui – e deixou cair o véu, aparecendo estendida a parte superior de toda a videira.
            – Agora, olhe novamente – disse-me.
            Olhei aqueles ramos; viam-se muito cachos de uva por entre as folhas que, à primeira vista, pareciam prometer ótima vindima. Estava para me alegrar; mas ao chegar perto vi que esses cachos estavam defeituosos, estragados; outros tinham bolor; outros estavam carregados de vermes e insetos que os roíam; outros bicados pelos passarinhos e pelas vespas. Havia os podres e ressequidos. Olhando melhor vi que nada se podia tirar de bom desses cachos, que nada mais faziam senão empestear com seu fedor o ar circunstante.
            Aquele personagem levantou novamente o véu, e: – Olhe! – exclamou. E apareceu não o infindo número de nossos jovens como no início do sonho, mas muitíssimos deles. Suas fisionomias de lindas como eram antes, tornaram-se feias, escuras e cheias de feridas repugnantes. Passeavam encurvados, encolhidos em si mesmos e melancólicos. Ninguém falava. Entre eles havia alguns que já moravam nesta casa e nos colégios, alguns que estão no presente, e muitíssimos que ainda eu não conhecia. Todos estavam abatidos e não ousavam levantar o olhar.
            Eu, os padres e alguns que me rodeavam, estávamos assustados e sem palavra. Finalmente perguntei ao meu guia:
            – Como explicar isso. Por que os jovens que antes eram tão alegres e belos, agora estão tristes e feios?
            O guia respondeu:
– São as consequências do pecado!
            Os jovens passavam diante de nós. O guia disse:
            – Observe-os bem!
            Eu fixava bem os olhos neles e vi que todos traziam escrito na testa e na mão seu pecado. Entre estes reconheci alguns que me deixaram perplexo. Sempre acreditara que fossem flores de virtudes e, em vez disso, descobri que eles têm segredos na alma.
            Enquanto os jovens iam desfilando, eu lia em sua testa: – imodéstia – escândalo – malícia – soberba – ócio – gula – inveja – ira – desejo de vingança – blasfêmia – irreligião – desobediência – sacrilégio – roubo.
            Meu guia observou:
– Nem todos são agora como os vê; mas um dia serão isso se não mudarem de comportamento. Muitos desses pecados não são graves; são, contudo, causa e começo de terríveis quedas e de perdição eterna. Qui spernit modica, paulatim decidet (Quem despreza as coisas pequenas, aos poucos cairá – Eclo 19,1). A gula produz a impureza; o desprezo aos Superiores conduz ao desprezo dos Sacerdotes e da Igreja; e assim por diante.
            Desolado ao ver este espetáculo, pequei a pasta, tirei a caneta para escrever os nomes dos jovens que conhecia e anotar os seus pecados ou, ao menos, o vício dominante de cada um, pois desejava adverti-los e corrigi-los. Mas o guia pegou-me pelo braço e perguntou:
            – O que faz?
            – Anoto o que vejo estampado na fronte, para que os avise e se corrijam.
            – Não lhe é permitido – respondeu o amigo.
            – Por quê?
            – Não faltam meios para ficar livres destas doenças. Têm as regras, que as cumpram; eles têm Superiores, obedeçam-lhes; têm os Sacramentos, que os frequentem. Têm a Confissão, que não a profanem calando os pecados. Têm a Santa Comunhão, que não a recebam com a alma manchada por culpa grave. Mantenham vigiados os olhos, fujam dos maus companheiros, abstenham-se das más leituras e das más conversas etc. etc. Estão nesta casa e as regras os salvarão. Ao soar da campainha, sejam prontos à obediência. Não procurem subterfúgios para enganar os professores e, desta maneira, ficar ociosos. Não sacudam o jugo dos Superiores, considerando-os como vigilantes importunos, conselheiros interesseiros, como inimigos, e cantando vitória quando conseguem encobrir suas tramoias, ou vendo impunes suas faltas. Sejam respeitosos e rezem com gosto na igreja e em outros momentos destinados à oração, sem incomodar ou cochichar. Estudem no estudo, trabalhem nas oficinas e mantenhas atitudes decentes. Estudo, trabalho e oração: é isso que os conservará bons.
            Apesar desta negativa, eu continuei a insistir com minha pergunta, a fim de que me permitisse tomar nota desses nomes. Arrancou-me decididamente de minhas mãos e a atirou no chão, dizendo:
– Digo-lhe que não há necessidade de que tome nota desses nomes. Com a graça de Deus e a voz da consciência, seus jovens sabem o que precisam fazer e do que fugir.
            – Então não poderei manifestar coisa alguma a meus caros jovens? Diga-me ao menos o que poderei falar e que conselho dar!
            – Poderá falar o que se lembrar, como quiser.
            Deixou cair o véu, e novamente as videiras ficaram descobertas; seus ramos, quase sem folhas, estavam com uva bonita, vermelha e madura. Aproximei-me, observei com atenção os cachos, vi que eram como os enxerguei de longe. Era um prazer vê-los, dava gosto só em contemplá-los.
            Em seguida o amigo ergueu o véu. Debaixo do extenso caramanchão havia muitos jovens que estão, estiveram e estarão conosco. Irradiavam beleza e alegria.
            – Estes – disse ele – são os que, sob a orientação do senhor, produzem e produzirão bom frutos, praticam a virtudes e lhe proporcionarão muitas consolações.
            Alegrei-me, mas ao mesmo tempo fiquei aflito, pois esses não eram o grande número que eu esperava. Enquanto os contemplava tocou o sino para o almoço e os jovens saíram. Também os clérigos foram para seus afazeres. Olhei ao redor; não havia mais ninguém. Igualmente desapareceu a videira com os ramos e os cachos. Procurei aquele senhor, mas não mais o encontrei. Aí, acordei e pude descansar um pouco.

No dia 1º de maio, sexta-feira, Dom Bosco continuou a contar:

            – Como lhes falei ontem à noite, acordara parecendo-me que tivesse ouvido o som do sino, mas continuei a adormecer. Descansava com um sono tranquilo, quando fui sacudido pela segunda vez. Pareceu-me estar em meu escritório, despachando minha correspondência. Saí para a sacada, contemplei por um momento a cúpula da nova igreja que se erguia imponente e desci para os pórticos. Nossos padres e clérigos vinham chegando aos poucos de suas ocupações e se colocavam em coroa a meu redor. Entre eles estavam P. Rua, P. Cagliero, P. Francesia e P. Sávio. Conversava com meus amigos sobre coisas variadas. Improvisamente a cena mudou. Sumiu a igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, desapareceram todos os edifícios atuais do Oratório e nos encontramos na frente da velha casa Pinardi. Eis que brota da terra outra videira no mesmo lugar da primeira, como se surgisse das mesmas raízes, alcançando a mesma altura. Então começaram a despontar muitos ramos horizontais que se estendiam em vastíssimo espaço; ficaram cobertos de folhas, depois, de cachos. Por último vi a maturação das uvas. As turbas de jovens não apareciam mais. Os cachos eram mesmo enormes como aqueles da Terra Prometida. Seria necessária a força de um homem para carregar um só. Os grãos eram extraordinariamente grandes e com a forma oval; a cor de um belo amarelo-ouro mostrava que estariam muito maduros. Um só encheria a boca. Em suma, tinham o aspecto tão bonito que davam água na boca e parecia que cada um dissesse: – Coma-me!
            Com Dom Bosco e outros padres, também P. Cagliero observava maravilhado aquele espetáculo. Dom Bosco exclamou: – Que uva maravilhosa!
            P. Cagliero, sem muita cerimônia, se aproximou da videira, colheu alguns grãos, botou um na boca, mastigou-o; enojado, ficou de boca aberta, jogando fora a uva, parecendo recusá-la. A uva tinha um gosto tão horrível como o de ovo podre. – Caramba! – exclamou P. Cagliero, depois de ter cuspido várias vezes; é veneno, é coisa de fazer um cristão morrer!
            Todos olhávamos, mas ninguém falava. Eis que da sacristia da capela sai um homem sério e decidido; aproximou-se de nós, parando ao lado de Dom Bosco. Este o interrogou:
            – Como pode que uma uva tão bonita tenha um gosto tão horrível?
            Esse homem não deu resposta; sempre sério, pegou um feixe de varas, escolheu uma cheia de nós; achegou-se ao P. Sávio, ofereceu-a dizendo:
– Pegue e bata nestes ramos! – P. Sávio recusou-se dando um passo para trás.
            Então, o homem dirigiu-se ao P. Francesia; ofereceu-lhe a vara, dizendo:
– Pegue e bata! – e como fez com P. Sávio mostrava o lugar em que devia bater. P. Francesia, erguendo os ombros e levando para frente o queixo, mexendo um pouco a cabeça, acenou que não.
            O homem foi se colocar na frente do P. Cagliero. Pegou-o pelo braço, apresentando-lhe a vara, dizendo:
– Pegue e bata, golpeie e aterre! [derrube] – mostrando onde bater. P. Cagliero, assustado, deu pulo para trás batendo o dorso de uma mão contra, exclamou:
– Falta-nos ainda essa! – O guia lhe entregou a vara pela segunda vez, repetindo:
– Pegue e bata! – P. Cagliero, estalando os lábios, e dizendo:
Mi no, mi no! Eu não, eu não! – correu assustando para se esconder atrás de mim.
            Vendo isso, o personagem, sem de descompor, foi com os mesmos modos ao P. Rua:
– Pegue e bata. – P. Rua também veio se esconder atrás de mim.
            Então, encontrei-me face a face com esse homem singular, que parando na minha frente, me disse:
– Tome e bata o senhor nesses ramos. Fiz enorme esforço para ver se estava sonhando ou estivesse plenamente consciente. Tive a sensação de que tudo isso era de verdade e falei a esse homem:
            – Quem é o senhor que me fala desta maneira? Diga-me: por que devo bater nesses ramos? Por que devo aterrá-los? Isto é sonhou ou ilusão? O que é? O senhor fala em nome de quem? Talvez em nome do Senhor?
            Respondeu-me: – Aproxime-se da videira e leia os nomes nas folhas!
Acheguei-me, examinei atentamente as folhas e li: Ut quid terram occupat? (Para que ela ocupa inutilmente o tereno? – Lc 13,7).
            – Está no Evangelho – falou-me o guia.
            Já havia entendido bastante, mas quis observar:
– Antes de bater, lembre-se que no Evangelho também se lê que o Senhor, diante dos pedidos do agricultor, esperou que se adubasse em sua raiz a planta inútil, fosse cuidada, deixando para arrancá-la somente depois de terem sido experimentados todos os meios para que produzisse bom fruto.
            – Bem: poder-se-á conceder adiamento do castigo, mas por ora olhe e depois verá. – Apontou para a videira. Eu olhava, mas não compreendia.
            – Venha e observe. – Replicou: – leia. O que está escrito nos bagos de uva?
            Dom Bosco aproximou-se e viu que todos os bagos tinham uma inscrição, o nome de um aluno e o título de seu pecado. Li e com tantas acusações fiquei aterrorizado com as seguintes: Soberbo – Infiel a suas promessas – Imoderado – Hipócrita – Descuidado em todos os seus deveres – Caluniador – Vingativo – Sem coração – Sacrílego – Desprezador da autoridade dos Superiores – Pedra de tropeço – Seguidor de doutrinas falsas. – Vi o nome daqueles quórum Deus venter est (o Deus deles é o ventre – Fl 3,19); daqueles que scientia inflat (a ciência enche de arrogância – 1Cor 8,1); daqueles que quaerunt quae sua sunt, non quae Jesu Christi (buscam os seus próprios interesses e não os de Jesus Cristo – Fl 2,21; dos que se reúnem para criticar os Superiores e as regras. Eram os nomes de alguns coitados que estão conosco no presente. Grande era a quantidade de nomes novos para mim, ou seja, dos que futuramente estarão conosco.
            – Eis os frutos produzidos por esta videira, falou aquele homem sempre sério; frutos amargos, maus, perigosos para a salvação eterna.
            Sem mais peguei a pasta, e com a caneta ia tomar nota do nome de alguns, mas o guia me pegou pelo braço como na primeira vez e me disse:
– O que faz?
            – Deixe que eu pegue o nome dos que conheço, para avisá-los e corrigi-los.
            Foi pedido inútil. O guia não permitiu. Acrescentei:
            – Porém se eu lhes falar como estão as coisas, em que péssimo estado estão, haverão de se arrepender.
            E ele para mim:
            – Se não acreditam no Evangelho, não acreditarão nem mesmo em você.
            Insisti, pois queria tomar nota e obter orientações também no tocante ao futuro. Mas esse homem não respondeu mais nada e, colocando-se diante do P. Rua com o feixe de varas, convidou-o a pegar uma:
– Pegue e bata! – P. Rua cruzando os braços e baixando a cabeça, murmurou:
– Paciência! – Depois olhou para Dom Bosco que fez gesto de aprovação. P. Rua pegou a vara em suas mãos, aproximou-se da videira e começou a bater no lugar indicado. Mal dera os primeiros golpes e o guia lhe fez sinal de parar e gritou a todos:
– Retirem-se!
            Todos ficamos à distância, observávamos e víamos os grãos inchar, ficar mais grossos, tornar-se nojentos; tinham o aspecto de lesmas sem o caracol, de cor, porém, sempre amarela, não perdendo a forma de uva. O guia gritou de novo:
– Observem! Deixem que o Senhor descarregue suas vinganças!
            Eis que o céu ficou nublado, e densa neblina que impedia a visão à curta distância cobre a videira por inteiro. Coriscam os relâmpagos, retumbam os trovões, os raios riscam o ar em todo o pátio de tal modo que provocam medo. Os ramos se dobravam agitados pelos ventos furiosos; as folhas voavam. Finalmente começou a cair uma forte tempestade em cima da videira. Eu queria fugir, mas o guia me segurou dizendo:
– Repare o granizo!
            Olhei e vi que as pedras eram do tamanho de um ovo, parte pretas e parte vermelhas. As pedras, de um lado pontiagudas e do outro planas, em forma de marreta. O granizo negro tocava o chão perto de mim. Mais atrás se via cair o granizo vermelho.
            – O que significa isso? – dizia – nunca tinha visto granizo como este.
            – Aproxime-se – disse o amigo desconhecido – e verá.
            Fui na direção do granizo negro, que exalava tal fedor que me fazia ficar longe. O outro insistia mais e mais para que me aproximasse. Então peguei um grão preto para examiná-lo, mas rapidamente tive que jogá-lo no chão, tão repugnante era aquele fedor pestilento. Disse:
– Não consigo enxergar nada!
            O outro: – Olhe bem e verá!
            Eu, fazendo o maior esforço, vi que sobre cada um daqueles pedaços negros de granizo estava escrito: Imodéstia. Fui ainda em direção do granizo vermelho que estava frio, entretanto queimava em todos os lugares em que caía. Peguei um grãozinho que também fedia; pude, com um pouco mais de facilidade, ler que em cima dele estava escrito: Soberba. Então, eu envergonhado, exclamei:
– Portanto, são estes os dois principais vícios que ameaçam esta casa?
            – Estes são os dois vícios capitais que estragam o maior número de almas não só em sua casa, mas também no mundo. A seu tempo verá quantos haverão de ser atirados ao inferno por causa destes vícios.
            – Que deverei falar aos meus filhos, a fim de que os detestem?
            – O que deverá lhes dizer, haverá de saber daqui a pouco. – Falando assim, afastou-se de mim. Entretanto, entre o clarão dos relâmpagos e dos raios, o granizo continuava caindo com força sobre a videira. Os cachos eram pisoteados e esmagados como se estivessem na tina sob os pés dos adegueiros, esguichando seu suco. Um fedor horrível tomou conta do ar, que parecia sufocar a respiração. Um cheiro diferente saía de cada grão; porém cada um mais do que outro revoltava mais o estômago, de acordo com as várias espécies e números dos pecados. Não podendo mais resistir, coloquei o lenço no nariz. Rapidamente dei uma volta para trás para ir a meu quarto, e não vi mais nenhum dos companheiros, nem P. Francesia, nem P. Rua, nem P. Cagliero. Deixaram-me só; tinham fugido. Só havia deserto e silêncio. E eu fiquei tomado por tamanho medo que fugi, e, fugindo, acordei.
            Como estão vendo, este sonho é bastante feio. Mas o que aconteceu na noite depois da aparição do sapo, vamos contar depois de amanhã, domingo, dia 3 de maio; e será ainda muito mais feio. Agora vocês não podem avaliar-lhe as consequências; mas como não há mais tempo, para não lhes tirar o tempo de repouso, eu os deixo ir dormir, reservando-me sua manifestação em outra ocasião.

            Convém pensar que das graves faltas reveladas a Dom Bosco nem todas se referiam ao tempo de agora, mas referiam-se ao decorrer de uma série de anos futuros. De fato, ele vira não unicamente os alunos que tinham frequentado e frequentavam então o Oratório, mas muitíssimos outros de rosto desconhecido para ele, que haveriam de pertencer às suas Instituições espalhadas em todo o planeta. A parábola da videira estéril do livro de Isaías atinge muitos séculos de história.
            Além disso não é conveniente e de modo algum esquecer o que o guia falou ao Venerável: Nem todos esses jovens são agora como os viu, mas um dia serão assim, se não mudarem de comportamento. Ao precipício se chega pelo caminho do mal.
            Note-se também que, na visão da videira, apareceu um personagem, que Dom Bosco dizia não ter conhecido na hora, e que, depois foi seu guia e intérprete. Ao narrar este e outros sonhos, Dom Bosco costumava dar-lhe às vezes o nome de desconhecido para ocultar a parte mais grandiosa do que havia contemplado e, ainda diríamos, isto manifestava com muita clareza a intervenção sobrenatural.
            Valendo-se da confiante intimidade com que nos honrava, diversas vezes nós o interrogamos quanto a esse desconhecido. Apesar de suas respostas não serem explícitas, contudo, também, por outros indicativos, nos persuadimos que o guia não era sempre o mesmo. Às vezes podia ser um anjo do Senhor, ora algum aluno falecido, ora São Francisco de Sales, São José ou outros santos. Em outras ocasiões falou expressamente ter sido acompanhado por Luís Comollo, Domingos Sávio ou Luís Colle. Por vezes a cena com esses personagens era ampliada com aparições simultâneas, fazendo-lhe cortejo ou companhia.
(MB IT IX, 154-165 / MB PT IX, 202-213)