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Fizemos uma entrevista exclusiva com o Reitor-Mor dos Salesianos, P. Fabio Attard, percorrendo as etapas fundamentais de sua vocação e de sua trajetória humana e espiritual. Sua vocação nasceu no oratório e se consolidou através de uma rica formação que o levou da Irlanda à Tunísia, de Malta a Roma. De 2008 a 2020, foi Conselheiro Geral para a Pastoral Juvenil, função que desempenhou com uma visão multicultural adquirida através de experiências em diferentes contextos. A sua mensagem central é a santidade como fundamento da ação educativa salesiana: “Gostaria de ver uma Congregação mais santa”, afirma, sublinhando que a eficiência profissional deve estar enraizada na identidade consagrada.
Qual é a história da sua vocação?
Nasci em Gozo, Malta, em 23 de março de 1959, quinto de sete filhos. Na época do meu nascimento, meu pai era farmacêutico em um hospital, enquanto minha mãe tinha uma pequena loja de tecidos e costura, que com o tempo cresceu e se tornou uma pequena rede de cinco lojas. Ela era uma mulher muito trabalhadora, mas o negócio sempre foi familiar.
Frequentei as escolas primárias e secundárias locais. Um elemento muito bonito e particular da minha infância é que meu pai era catequista leigo no oratório, que até 1965 era dirigido pelos salesianos. Quando jovem, ele frequentava aquele oratório e acabou ficando lá como único catequista leigo. Quando comecei a frequentá-lo, aos seis anos, os salesianos tinham acabado de deixar a obra. Assumiu um jovem padre (que ainda está vivo) que continuou as atividades do oratório com o mesmo espírito salesiano, tendo ele próprio vivido lá como seminarista.
Continuávamos com o catecismo, a bênção eucarística diária, o futebol, o teatro, o coro, as excursões, as festas… tudo o que se vive normalmente num oratório. Havia muitas crianças e jovens, e eu cresci nesse ambiente. Na prática, minha vida se passava entre a família e o oratório. Eu também era coroinha na minha paróquia. Assim, depois do ensino médio, me orientei para o sacerdócio, porque desde criança tinha esse desejo no coração.
Hoje percebo o quanto fui influenciado por aquele jovem sacerdote, que eu admirava: ele estava sempre presente conosco no pátio, nas atividades do oratório. No entanto, naquela época os salesianos já não estavam mais lá. Entrei então no seminário, onde na época se faziam dois anos de curso preparatório como internos. Durante o terceiro ano – que correspondia ao primeiro ano de filosofia – conheci um amigo da família de cerca de 35 anos, uma vocação adulta, que havia entrado como aspirante salesiano (hoje ainda está vivo e é coadjutor). Quando ele deu esse passo, acendeu-se uma chama dentro de mim. E com a ajuda do meu diretor espiritual, comecei um discernimento vocacional.
Foi um caminho importante, mas também exigente: eu tinha 19 anos, mas aquele guia espiritual me ajudou a buscar a vontade de Deus, e não simplesmente a minha. Assim, no último ano – o quarto de filosofia –, em vez de segui-lo no seminário, vivi como aspirante salesiano, completando os dois anos de filosofia exigidos.
Na família, o ambiente era fortemente marcado pela fé. Participávamos todos os dias da missa, rezávamos o rosário em casa, éramos muito unidos. Ainda hoje, embora nossos pais estejam no céu, mantemos essa mesma unidade entre irmãos e irmãs.
Outra experiência familiar me marcou profundamente, embora só tenha percebido isso com o tempo. Meu irmão, o segundo da família, morreu aos 25 anos de insuficiência renal. Hoje, com os avanços da medicina, ele ainda estaria vivo graças à diálise e aos transplantes, mas naquela época não havia tantas possibilidades. Estive ao seu lado nos últimos três anos de sua vida: dividíamos o mesmo quarto e muitas vezes eu o ajudava à noite. Ele era um jovem sereno, alegre, que vivia sua fragilidade com uma alegria extraordinária.
Eu tinha 16 anos quando ele morreu. Passaram-se cinquenta anos, mas quando penso naquela época, naquela experiência cotidiana de proximidade, feita de pequenos gestos, reconheço o quanto isso marcou minha vida.
Nasci em uma família onde havia fé, senso de trabalho, responsabilidade compartilhada. Meus pais são dois exemplos extraordinários para mim: viveram com grande fé e serenidade a cruz, sem nunca sobrecarregar ninguém, e ao mesmo tempo souberam transmitir a alegria da vida familiar. Posso dizer que tive uma infância muito bonita. Não éramos ricos, nem pobres, mas sempre sóbrios, discretos. Eles nos ensinaram a trabalhar, a administrar bem os recursos, a não desperdiçar, a viver com dignidade, com elegância e, acima de tudo, com atenção aos pobres e aos doentes.
Como sua família reagiu quando o senhor tomou a decisão de seguir a vocação consagrada?
Chegou o momento em que, junto com meu diretor espiritual, esclarecemos que meu caminho era o dos salesianos. Eu também precisava comunicar isso aos meus pais. Lembro que era uma noite tranquila, estávamos jantando juntos, só nós três. A certa altura, eu disse: “Quero lhes dizer uma coisa: fiz meu discernimento e decidi entrar para os salesianos”.
Meu pai ficou muito feliz. Ele respondeu imediatamente: “Que o Senhor te abençoe”. Minha mãe, por outro lado, começou a chorar, como todas as mães fazem. Ela me perguntou: “Então você vai se afastar?” Mas meu pai interveio com doçura e firmeza: “Quer ele se afaste ou não, este é o seu caminho”.
Eles me abençoaram e me encorajaram. São momentos que ficam gravados para sempre.
Lembro-me particularmente do que aconteceu no final da vida dos meus pais. Meu pai faleceu em 1997 e, seis meses depois, descobriram um tumor incurável em minha mãe.
Naquela época, os superiores me pediram para ir lecionar na Universidade Pontifícia Salesiana (UPS), mas eu não sabia que decisão tomar. Minha mãe não estava bem, estava perto da morte. Conversando com meus irmãos, eles me disseram: “Faça o que os superiores pedem”.
Eu estava em casa e conversei com ela: “Mãe, os superiores estão me pedindo para ir para Roma”.
Ela, com a lucidez de uma verdadeira mãe, respondeu: “Ouça, meu filho, se dependesse de mim, eu pediria que você ficasse aqui, porque não tenho mais ninguém e não gostaria de ser um fardo para seus irmãos. Mas…” – e aqui ela disse uma frase que guardo no coração – “Você não é meu, você pertence a Deus. Faça o que seus superiores lhe dizem.”
Essa frase, pronunciada um ano antes de sua morte, é para mim um tesouro, uma herança preciosa. Minha mãe era uma mulher inteligente, sábia, perspicaz: sabia que a doença a levaria ao fim, mas naquele momento soube ser livre interiormente. Livre para dizer palavras que confirmavam mais uma vez o dom que ela mesma havia feito a Deus: oferecer um filho à vida consagrada.
A reação da minha família, desde o início até o fim, foi sempre marcada por um profundo respeito e um grande apoio. E ainda hoje, meus irmãos e irmãs continuam a levar adiante esse espírito.
Qual foi o seu percurso formativo desde o noviciado até hoje?
Foi um percurso muito rico e variado. Comecei o pré-noviciado em Malta, depois fiz o noviciado em Dublin, na Irlanda. Uma experiência realmente bonita.
Depois do noviciado, meus companheiros se mudaram para Maynooth para estudar filosofia na universidade, mas eu já tinha concluído esse curso anteriormente. Por isso, os superiores me pediram para permanecer no noviciado por mais um ano, onde ensinei italiano e latim. Depois, voltei para Malta para fazer dois anos de estágio, que foram muito bonitos e enriquecedores.
Depois, fui enviado a Roma para estudar teologia na Pontifícia Universidade Salesiana, onde passei três anos extraordinários. Esses anos me deram uma grande abertura mental. Vivíamos no seminário com quarenta coirmãos provenientes de vinte nações diferentes: Ásia, Europa, América Latina… até o corpo docente era internacional. Era em meados dos anos 80, cerca de vinte anos após o Concílio Vaticano II, e ainda se respirava muito entusiasmo: havia debates teológicos animados, a teologia da libertação, o interesse pelo método e pela prática. Esses estudos me ensinaram a ler a fé não apenas como conteúdo intelectual, mas como uma escolha de vida.
Após esses três anos, continuei com mais dois de especialização em teologia moral na Academia Alfonsiana, com os padres redentoristas. Lá também encontrei figuras significativas, como o famoso Bernhard Häring, com quem fiz uma amizade pessoal e ia regularmente todos os meses para conversar com ele. Foram cinco anos no total – entre o bacharelado e a licenciatura – que me formaram profundamente do ponto de vista teológico.
Posteriormente, me ofereci para as missões, e os superiores me enviaram para a Tunísia, junto com outro salesiano, para restabelecer a presença salesiana no país. Assumimos uma escola administrada por uma congregação feminina que, não tendo mais vocações, estava prestes a fechar. Era uma escola com 700 alunos; por isso tivemos que aprender francês e também árabe. Para nos prepararmos, passamos alguns meses em Lyon, na França, e depois nos dedicamos ao estudo do árabe.
Fiquei lá três anos. Foi outra grande experiência, porque nos encontramos a viver a fé e o carisma salesiano num contexto em que não se podia falar explicitamente de Jesus. No entanto, era possível construir percursos educativos baseados em valores humanos: respeito, disponibilidade, verdade. O nosso testemunho era silencioso, mas eloquente. Naquele ambiente, aprendi a conhecer e a amar o mundo muçulmano. Todos – alunos, professores e famílias – eram muçulmanos e nos acolheram com grande calor. Fizeram-nos sentir parte da sua família. Voltei várias vezes à Tunísia e sempre encontrei o mesmo respeito e apreço, independentemente da nossa pertença religiosa.
Depois dessa experiência, voltei para Malta e trabalhei durante cinco anos na área social. Em particular, numa casa salesiana que acolhe jovens que precisam de um acompanhamento educativo mais atento, também em regime residencial.
Após estes oito anos de pastoral (entre a Tunísia e Malta), foi-me oferecida a possibilidade de concluir o doutorado. Optei por voltar à Irlanda, porque o tema estava relacionado com a consciência segundo o pensamento do cardeal John Henry Newman, hoje santo. Concluído o doutorado, o Reitor-Mor da época, P. Juan Edmundo Vecchi – de grata memória – pediu-me para ingressar como professor de teologia moral na Pontifícia Universidade Salesiana.
Olhando para todo o meu percurso, desde o aspirantado até ao doutorado, posso dizer que foi um conjunto de experiências não só de conteúdos, mas também de contextos culturais muito diferentes. Agradeço ao Senhor e à Congregação, porque me ofereceram a possibilidade de viver uma formação tão variada e rica.
Então o senhor conhece o maltês porque é sua língua materna, o inglês porque é a segunda língua em Malta, o latim porque o senhor o ensinou, o italiano porque estudou na Itália, o francês e o árabe porque esteve em Manouba, na Tunísia… Quantas línguas o senhor conhece?
Cinco, seis línguas, mais ou menos. Mas, quando me perguntam sobre línguas, eu sempre digo que são um pouco coincidências históricas.
Em Malta, já crescemos com duas línguas: o maltês e o inglês, e na escola se estuda uma terceira língua. Na minha época, também se ensinava italiano. Além disso, eu tinha um talento natural para línguas e também escolhi o latim. Mais tarde, quando fui para a Tunísia, foi necessário aprender francês e também árabe.
Em Roma, vivendo com muitos estudantes de espanhol, o ouvido se acostuma e, quando fui eleito Conselheiro para a Pastoral Juvenil, aprofundei um pouco o espanhol, que é uma língua muito bonita.
Todas as línguas são bonitas. Claro, aprendê-las requer empenho, estudo, prática. Há quem tenha mais facilidade, outros menos: faz parte da disposição pessoal. Mas não é um mérito, nem uma culpa. É simplesmente um dom, uma predisposição natural.
De 2008 a 2020, o senhor foi Conselheiro Geral da Pastoral Juvenil por dois mandatos. Como sua experiência nesta missão o ajudou?
Quando o Senhor nos confia uma missão, levamos conosco toda a bagagem de experiências que acumulamos ao longo do tempo.
Tendo vivido em contextos culturais diferentes, não corria o risco de ver tudo através do filtro de uma única cultura. Sou europeu, venho do Mediterrâneo, de um país que foi colônia inglesa, mas tive a graça de viver em comunidades internacionais e multiculturais.
Os anos de estudo na UPS também me ajudaram muito. Tínhamos professores que não se limitavam a transmitir conteúdos, mas nos educavam a fazer síntese, a construir um método. Por exemplo, se estudávamos história da Igreja, compreendíamos como era essencial para compreender a patrística. Se abordávamos a teologia bíblica, aprendíamos a relacioná-la com a teologia sacramental, com a moral, com a história da espiritualidade. Em suma, ensinavam-nos a pensar de forma orgânica.
Essa capacidade de síntese, essa arquitetura do pensamento, torna-se então parte da sua formação pessoal. Quando se estuda teologia, aprende-se a identificar pontos fixos e a conectá-los. O mesmo vale para uma proposta pastoral, pedagógica ou filosófica. Quando se encontra pessoas com grande profundidade, absorve-se não só o que dizem, mas também como o dizem, e isso forma o seu estilo.
Outro elemento importante é que, no momento da minha eleição, eu já tinha vivido experiências em ambientes missionários, onde a religião católica era praticamente ausente, e tinha trabalhado com pessoas marginalizadas e vulneráveis. Também tinha adquirido alguma experiência no mundo universitário e, paralelamente, tinha-me dedicado muito ao acompanhamento espiritual.
Além disso, entre 2005 e 2008 – logo após a experiência na UPS –, a Arquidiocese de Malta me pediu para fundar um Instituto de Formação Pastoral, na sequência de um Sínodo diocesano que reconheceu a necessidade do mesmo. O arcebispo me confiou a tarefa de começar do zero. A primeira coisa que fiz foi formar uma equipe com padres, religiosos, leigos – homens e mulheres. Criamos um novo método de formação, que ainda é usado hoje. O instituto continua funcionando muito bem e, de certa forma, essa experiência foi uma preparação valiosa para o trabalho que realizei posteriormente na pastoral juvenil.
Desde o início, sempre acreditei no trabalho em equipe e na colaboração com os leigos. Minha primeira experiência como diretor foi justamente nesse estilo: uma equipe educativa estável, hoje diríamos uma CEP (Comunidade Educativa-Pastoral), com encontros sistemáticos, não ocasionais. Nós nos reuníamos todas as semanas com os educadores e profissionais. E essa abordagem, que com o tempo se tornou um método, permaneceu para mim uma referência.
A isso se soma também a experiência acadêmica: seis anos como professor na Pontifícia Universidade Salesiana, na qual chegavam estudantes de mais de cem nações, e depois como examinador e diretor de teses de doutorado na Academia Alfonsiana.
Acredito que tudo isso me preparou para viver essa responsabilidade com lucidez e visão.
Assim, quando a Congregação, durante o Capítulo Geral de 2008, me pediu para assumir este cargo, eu já trazia comigo uma visão ampla e multicultural. E isso me ajudou, porque reunir diversidades não era algo difícil para mim: era parte da normalidade. Claro, não se tratava simplesmente de fazer uma “salada” de experiências: era preciso encontrar os fios condutores, dar coerência e unidade.
O que pude viver como Conselheiro Geral não foi um mérito pessoal. Acredito que qualquer salesiano, se tivesse tido as mesmas oportunidades e o apoio da Congregação, poderia ter vivido experiências semelhantes e dado a sua contribuição com generosidade.
Há uma oração, uma boa noite salesiana, um hábito que o senhor nunca deixa de fazer?
A devoção a Maria. Em casa, crescemos com o Rosário diário, rezado em família. Não era uma obrigação, era algo natural: fazíamos antes de comer, porque sempre comíamos juntos. Naquela época era possível. Hoje talvez seja menos, mas naquela época era assim que se vivia: a família reunida, a oração compartilhada, a mesa comum.
No início, talvez eu não percebesse o quanto era profunda essa devoção mariana. Mas com o passar dos anos, quando se começa a distinguir o que é essencial do que é secundário, compreendi o quanto essa presença materna acompanhou minha vida.
A devoção a Maria se expressa de diferentes formas: o Rosário diário, quando possível; um momento de pausa diante de uma imagem ou estátua da Virgem Maria; uma oração simples, mas feita com o coração. São gestos que acompanham o caminho da fé.
Naturalmente, há alguns pontos fixos: a Eucaristia diária e a meditação diária. São pilares que não se discutem, se vivem. Não só porque somos consagrados, mas porque somos crentes. E a fé só se vive alimentando-a.
Quando a alimentamos, ela cresce em nós. E só se crescer em nós, podemos ajudar a que cresça também nos outros. Para nós, que somos educadores, é evidente: se a nossa fé não se traduz em vida concreta, todo o resto se torna fachada.
Essas práticas – a oração, a meditação, a devoção – não são reservadas aos santos. São expressão de honestidade. Se fiz uma escolha de fé, também tenho a responsabilidade de cultivá-la. Caso contrário, tudo se reduz a algo exterior, aparente. E isso, com o tempo, não se sustenta.
Se pudesse voltar atrás, faria as mesmas escolhas?
Absolutamente sim. Na minha vida, houve momentos muito difíceis, como acontece com todos. Não quero passar por “vítima de plantão”. Acredito que toda pessoa, para crescer, precisa passar por fases de escuridão, momentos de desolação, de solidão, de se sentir traída ou acusada injustamente. E eu vivi esses momentos. Mas tive a graça de ter um diretor espiritual ao meu lado.
Quando se vive certas dificuldades acompanhado por alguém, consegue-se intuir que tudo o que Deus permite tem um sentido, tem um propósito. E quando se sai desse “túnel”, descobre-se que se é uma pessoa diferente, mais madura. É como se, através dessa provação, fôssemos transformados.
Se eu tivesse ficado sozinho, teria corrido o risco de tomar decisões erradas, sem visão, cego pelo cansaço do momento. Quando se está zangado, quando se sente sozinho, não é hora de decidir. É hora de caminhar, de pedir ajuda, de se deixar acompanhar.
Viver certas passagens com a ajuda de alguém é como ser uma massa colocada no forno: o fogo a cozinha, a torna madura.
Portanto, à pergunta se mudaria alguma coisa, a minha resposta é: não. Porque mesmo os momentos mais difíceis, mesmo aqueles que eu não compreendia, ajudaram-me a tornar-me na pessoa que sou hoje.
Sinto-me uma pessoa perfeita? Não. Mas sinto que estou a caminho, todos os dias, tentando viver diante da misericórdia e da bondade de Deus.
E hoje, ao dar esta entrevista, posso dizer com sinceridade que me sinto feliz. Talvez ainda não tenha compreendido plenamente o que significa ser Reitor-Mor – isso leva tempo –, mas sei que é uma missão, não um passeio. Traz consigo as suas dificuldades. No entanto, sinto-me amado, estimado pelos meus colaboradores e por toda a Congregação.
E tudo o que sou hoje, sou graças ao que vivi, mesmo nos momentos mais difíceis. Não mudaria nada. Eles fizeram de mim quem sou.
O senhor tem algum projeto que lhe seja particularmente caro?
Sim. Se fecho os olhos e imagino algo que realmente desejo, gostaria de ver uma Congregação mais santa. Mais santa. Mais santa.
Fiquei profundamente inspirado pela primeira carta do padre Pascual Chávez, de 2002, intitulada “Sede santos”. Essa carta me tocou profundamente, deixou uma marca em mim.
Os projetos são muitos, e todos válidos, bem estruturados, com visões amplas e profundas. Mas que valor têm, se são levados adiante por pessoas que não são santas? Podemos fazer um trabalho excelente, podemos até ser apreciados – e isso, em si, não é negativo –, mas não trabalhamos para obter sucesso. O nosso ponto de partida é uma identidade: somos pessoas consagradas.
O que propomos só faz sentido se nasce daí. É claro que desejamos que nossos projetos tenham sucesso, mas ainda mais desejamos que tragam graça, que toquem as pessoas profundamente. Não basta ser eficiente. Temos que ser eficazes, no sentido mais profundo: eficazes no testemunho, na identidade, na fé.
A eficiência pode existir mesmo sem qualquer referência religiosa. Podemos ser excelentes profissionais, mas isso não basta.
Nossa consagração não é um detalhe: é o fundamento. Se ela se torna marginal, se a colocamos de lado para dar espaço à eficiência, então perdemos nossa identidade.
E as pessoas nos observam. Nas escolas salesianas, reconhece-se que os resultados são bons – e isso é bom. Mas será que também nos reconhecem como homens de Deus? Essa é a questão.
Se nos veem apenas como bons profissionais, então somos apenas eficientes. Mas a nossa vida deve alimentar-se Dele – Caminho, Verdade e Vida – não do que “eu penso” ou “eu quero” ou “do que me parece”.
Portanto, mais do que falar de um projeto pessoal, prefiro falar de um desejo profundo: tornar-me santo. E falar disso de forma concreta, não idealizada.
Quando Dom Bosco falava aos seus jovens sobre estudo, saúde e santidade, não se referia a uma santidade feita apenas de oração na capela. Ele pensava em uma santidade vivida na relação com Deus e alimentada pela relação com Deus. A santidade cristã é o reflexo dessa relação viva e cotidiana.
Que conselho o senhor daria a um jovem que se questiona sobre a vocação?
Eu diria para descobrir, passo a passo, qual é o projeto de Deus para ele.
O caminho vocacional não é uma pergunta que se faz, esperando uma resposta pronta da Igreja. É uma peregrinação. Quando um jovem me diz: “Não sei se quero ser salesiano ou não”, tento afastá-lo dessa formulação. Porque não se trata simplesmente de decidir: “Vou ser salesiano”. A vocação não é uma opção em relação a uma “coisa”.
Também na minha própria experiência, quando disse ao meu diretor espiritual: “Quero ser salesiano, tenho que ser”, ele, com muita calma, me fez refletir: “É realmente a vontade de Deus? Ou é apenas um desejo seu?”
E é justo que um jovem procure o que deseja, é algo saudável. Mas quem o acompanha tem a tarefa de educar essa busca, de transformá-la de entusiasmo inicial em caminho de amadurecimento interior.
“Você quer fazer o bem? Ótimo. Então conheça a si mesmo, reconheça que é amado por Deus”.
É somente a partir dessa relação profunda com Deus que pode surgir a verdadeira pergunta: “Qual é o projeto de Deus para mim?”
Porque o que hoje desejo, amanhã pode não me bastar mais. Se a vocação se reduz ao que “gosto”, então será algo frágil. A vocação é, pelo contrário, uma voz interior que interpela, que pede para entrar em diálogo com Deus e para responder.
Quando um jovem chega a este ponto, quando é acompanhado a descobrir aquele espaço interior onde habita Deus, então começa realmente a caminhar.
E por isso, quem acompanha deve ser muito atento, profundo, paciente. Nunca superficial.
O Evangelho de Emaús é uma imagem perfeita: Jesus se aproxima dos dois discípulos, os escuta, mesmo sabendo que estão falando confusamente. Depois de ouvi-los, começa a falar. E eles, no final, o convidam: “Fica conosco, porque já está ficando tarde”.
E o reconhecem no gesto de partir o pão. Então dizem: “Não ardia em nós o nosso coração enquanto ele nos falava pelo caminho?”
Hoje, muitos jovens estão em busca. Nossa tarefa, como educadores, é não ser apressados. Mas ajudá-los, com calma e gradualidade, a descobrir a grandeza que já está em seus corações. Porque lá, naquela profundidade, eles encontram Cristo. Como diz Santo Agostinho: “Tu estavas dentro de mim, e eu estava fora. E lá eu te procurava”.
O senhor teria uma mensagem a transmitir hoje à Família Salesiana?
É a mesma mensagem que compartilhei também nestes dias, durante o encontro da Consulta da Família Salesiana: A fé. Enraizar-nos cada vez mais na pessoa de Cristo.
É desse enraizamento que nasce um conhecimento autêntico de Dom Bosco. Os primeiros salesianos, quando quiseram escrever um livro sobre o verdadeiro Dom Bosco, não o intitularam “Dom Bosco apóstolo dos jovens”, mas “Dom Bosco com Deus” – um texto escrito pelo P. Eugênio Ceria em 1929.
E isso nos faz refletir. Por que eles, que o viam em ação todos os dias, não escolheram destacar o Dom Bosco incansável, organizador, educador? Não, eles quiseram contar o Dom Bosco profundamente unido a Deus.
Quem o conheceu bem não se deteve nas aparências, mas foi à raiz: Dom Bosco era um homem imerso em Deus.
À Família Salesiana, eu digo: recebemos um tesouro. Um dom imenso. Mas todo dom implica uma responsabilidade.
No meu discurso final, eu disse: “Não basta amar Dom Bosco, é preciso conhecê-lo.”
E só podemos conhecê-lo verdadeiramente se formos pessoas de fé.
Devemos olhar para ele com os olhos da fé. Só assim podemos encontrar o crente que foi Dom Bosco, em quem o Espírito Santo agiu com força: com dýnamis, com cháris, com carisma, com graça.
Não podemos nos limitar a repetir certas máximas suas ou a contar seus milagres. Porque corremos o risco de nos determos nas histórias de Dom Bosco, em vez de nos determos na história de Dom Bosco, porque Dom Bosco é maior do que Dom Bosco.
Isso significa estudo, reflexão, profundidade. Significa evitar toda superficialidade.
E então poderemos dizer com verdade: “Esta é a minha fé, este é o meu carisma: enraizados em Cristo, seguindo os passos de Dom Bosco”.