A fé, nosso escudo e nossa vitória (1876)

“Quando me dediquei a esta parte do sagrado ministério, tive a intenção de consagrar todo o meu esforço para a maior glória de Deus e para o benefício das almas; tive a intenção de trabalhar para formar bons cidadãos nesta terra, para que um dia fossem dignos habitantes do céu. Que Deus me ajude a continuar assim até o último suspiro da minha vida.” (Dom Bosco)

            Os jovens, e não somente eles, esperavam avidamente a narração do sonho; Dom Bosco manteve a promessa, mas com um dia de atraso, na “boa noite” do dia 30 de junho, solenidade de “Corpus Domini”. Começou desta maneira: – “Alegro-me em revê-los. Oh! Quantos rostos angélicos eu tenho na minha frente e todos voltados para mim (risada geral). Pensei que narrando-lhes este sonho lhes causaria medo! Se também eu tivesse um rosto angélico, poderia dizer-lhes: Olhem para mim! E então se dissiparia todo o medo de vocês. Mas infelizmente não sou mais que barro, como são vocês. Porém, somos obra de Deus e posso dizer com São Paulo que vocês são gaudium meum et corona mea; vocês são o meu consolo e a minha coroa. Porém, não é para se maravilhar se na coroa houver algum Gloria Patri um tanto rude. Mas vamos ao sonho. Eu não queria contá-lo por temor de amedrontá-los; mas depois pensei: Um pai nada deve manter oculto a seus filhos, tanto mais se esses, naquilo que ele sabe, têm interesse e devem saber o que o pai conhece e faz. Por isso decidi contá-lo com todos os seus particulares; mas peço-lhes não dar-lhe senão a importância que se dá a um sonho, e cada um o tome na parte que mais lhe agrada e que é mais salutar. Saibam, pois, que o sonho se faz dormindo (risada geral). Porém, saibam também que este sonho não o tive agora; foi há uns quinze dias atrás, exatamente quando vocês terminavam os seus exercícios. Há muito tempo que eu rezava pedindo ao Senhor que me fizesse conhecer o estado da alma dos meus jovens e o que se pudesse fazer para o seu maior progresso na virtude e para erradicar de seus corações certos vícios. Especialmente nestes exercícios espirituais eu estava pensativo por esse motivo. Agradecendo ao Senhor, estes exercícios correram verdadeiramente bem, seja por parte dos estudantes como dos aprendizes. Mas o Senhor não se deteve aqui nas suas misericórdias. Ele quis ajudar-me de modo que eu pudesse ler nas consciências dos jovens, exatamente como se lesse num livro; e o que é mais admirável, vi não somente o estado presente de cada um, mas as coisas que a cada um aconteceriam no futuro. E isto de modo preciso, também para mim extraordinário; porque jamais me acontecia que eu visse de modo semelhante, tão bem, tão claro, tão evidente nas coisas futuras e nas consciências dos jovens. Foi esta a primeira vez. Eu havia pedido muito a Maria Santíssima que quisesse me conceder a graça, que nenhum de vocês tivesse o demônio no coração, e espero que também isto me tenha sido concedido; pois tenho motivos para crer que todos vocês me tenham revelado a própria consciência. Estando eu com esses pensamentos e pedindo ao Senhor que me fizesse conhecer o que pudesse favorecer e prejudicar a saúde da alma dos meus queridos jovens, fui para a cama, e eis que tive um sonho que lhes narrarei”.
            O preâmbulo inicia com um sentimento habitual de profunda humildade; mas desta vez termina em uma afirmação de tal natureza, que exclui toda dúvida a respeito do caráter sobrenatural do fenômeno. O sonho poderia intitular-se: A fé, nosso escudo e nossa vitória.
            Pareceu-me estar no Oratório com os meus jovens, que formam a minha glória e a minha coroa. Estava anoitecendo. Enxergava-se ainda, mas não mais tão claramente. Eu, saindo aqui dos pórticos, estava me dirigindo à portaria; mas um imenso número de jovens me rodeava, como vocês costumam, porque somos amigos. Uns tinham vindo para cumprimentar-me, outros para dizer-me alguma coisa. Eu dirigia uma palavra a este e uma para aquele. Assim, lentamente chegara ao meio do pátio; quando eu ouço ai! ai! lamentosos e prolongados e um ruído imenso, misturado com altos gritos de jovens e berros ferozes que vinham da portaria. Os estudantes ao ouvir aquele insólito tumulto voam para ver; mas depressa, junto com os aprendizes apavorados, os vi fugir precipitadamente, gritando e correndo em nossa direção. Muitos aprendizes passaram pela porta do fundo do pátio.
            Mas crescendo ainda mais os gritos com acentos de dor e desespero, eu ansiosamente perguntava a todos o que tinha acontecido. E procurava adiantar-me para auxiliar onde fosse necessário. Mas os jovens aglomerados ao meu redor me detinham. Então eu:
            – Mas deixem-me ir ver o que causa tanto susto.
            – Não, não, pelo amor de Deus! – me diziam; não vá adiante; venha, venha, venha para trás; há um monstro que o devorará; fuja, fuja conosco; não vá lá embaixo.
            Quis, todavia, ver o que havia ali e, libertando-me dos jovens, andei um pouco no pátio dos aprendizes enquanto todos os jovens gritavam:
            – Veja, veja!
            – O que é?
            – Veja lá no fundo!
            Virei-me daquela parte e vi um monstro que de início pareceu-me um gigantesco leão, que não existe igual na terra. Fixei-o com atenção. Era repugnante, tinha o aspecto como de urso, porém mais feroz e horroroso. A parte de trás, ao invés, em proporção aos outros membros, era pequena, mas as espáduas anteriores eram muito largas, assim como o estômago. A sua cabeça era enorme e a sua boca tão imensa e aberta, que parecia feita para devorar a gente em um bocado. Dela saíam fora dois enormes dentes, pontudos e bem compridos como de espadas afiadas.
            Eu logo me afastei e voltei ao meio dos jovens que me pediam conselho muito ansiosos; mas nem mesmo eu estava livre do susto e me encontrava não pouco perturbado. Entretanto respondi:
            – Gostaria de poder dizer-lhes o que devem fazer; mas não o sei. Contudo reunamo-nos debaixo dos pórticos.
            Enquanto falava, o urso entrava no segundo pátio e avançava em nossa direção com passo pesado e lento como quem está seguro da presa que quer fazer. Nós recuamos aterrorizados até que nos encontramos aqui sob os pórticos. Os jovens se apertavam ao meu redor. Todos os olhos estavam fixos em mim.
            – Dom Bosco, o que devemos fazer? – diziam-me. E eu também olhava os jovens, mas silencioso, não sabendo que decisão tomar. Finalmente exclamei:
            – Voltemo-nos para lá, para o fundo dos pórticos, para a imagem de Nossa Senhora; coloquemo-nos de joelhos, peçamos a ela com a maior devoção possível, fervorosamente, para que ela nos diga o que devemos fazer nestes momentos, faça-nos conhecer quem seja este monstro; venha em nosso auxílio e nos livre. Se for um animal feroz, de qualquer maneira entre todos juntos procuraremos matá-lo; se é um demônio, Maria nos socorrerá. Não tenham medo! A Mãe celeste cuidará de nossa salvação.
            No momento o urso continuava a aproximar-se lentamente e quase se arrastava pelo chão em ato de tomar fôlego para agredir.
            Ajoelhamo-nos e começamos a rezar. Transcorreram poucos minutos de grande aflição. A fera havia chegado tão perto a ponto de poder com um arremesso cair-nos em cima. Eis que não sei como, nem quando, vimo-nos todos no refeitório dos clérigos.
            No meio destes via-se Nossa Senhora que tinha semelhança, não sei bem se com a estátua que está aqui sob os pórticos, ou com aquela do refeitório, ou com aquela que está colocada na cúpula, ou com aquela que está na igreja. Mas seja como for, o fato é que estava toda resplandecente de uma luz muito viva e iluminava todo o refeitório, ampliado cem vezes mais, tanto em amplidão como em altura, com um sol em pleno meio dia. Estava rodeada de bem-aventurados e de anjos, de modo que aquela sala parecia um paraíso. Os seus lábios moviam-se como se quisesse falar, para dizer alguma coisa.
            Nós aqui no refeitório éramos em número extraordinário. Nos nossos corações, junto com o susto penetrou o estupor. Os olhos de todos estavam fixos em Nossa Senhora que, com voz muito doce, nos assegurou:
            – Não tenham medo, disse; tenham fé; esta é apenas uma prova que lhes quer fazer o meu divino Filho.
            Observei então atentamente aqueles que, fulgurantes de glória, faziam coroa à Santa Virgem, e reconheci o P. Alasonatti, P. Rufino, um certo Miguel, irmão das Escolas Cristãs, que algum de vocês terá conhecido, e meu irmão José; e outros que foram antigamente do nosso Oratório, pertencentes à Congregação e agora estão no paraíso. Com estes vi alguns outros que estão ainda vivos.

***

            Quando eis que um deles, que faziam corte a Nossa Senhora, diz em alta voz: Surgamus! Levantemo-nos!
            Nós estávamos em pé e não sabíamos o que nos indicasse aquele aviso, e dizíamos: – Mas como, – Levantar-nos? Se já estamos todos de pé? – Levantemo-nos! – repetiu mais forte a mesma voz. Os jovens firmes e atônitos haviam se voltado para mim, esperando um aceno meu; e não sabiam o que fazer. Eu me voltei para lá, de onde havia partido aquele som e disse:
            – Mas como fazer? O que quer dizer levantemo-nos, se já estamos todos de pé?
            E aquela voz me respondeu com mais força: Levantemo-nos! Eu não sabia encontrar a razão desta ordem que não entendia.
            Então um daqueles que estavam com a Bem-aventurada Virgem dirigiu-se a mim, que estava em cima de uma mesa para dominar toda aquela multidão, e assim começou a dizer com voz admiravelmente forte, enquanto os jovens estavam atentos:
            – E você que é padre deveria entender este levantemo-nos. Quando celebra a Santa Missa não diz todos os dias “corações ao alto”? Entende-se talvez com isso levantar-se materialmente ou então elevar ao céu os afetos do coração a Deus?
            Eu logo gritei aos jovens:
            – Vamos, vamos, filhinhos, revivemos, fortifiquemos nossa fé, elevemos os nossos corações a Deus, façamos um ato de amor e de arrependimento; façamos um esforço de vontade para rezar com vivo fervor, confiemos em Deus. E fiz um sinal e todos nos ajoelhamos.
            Um momento após, enquanto nós rezávamos em voz baixa, com ardor cheio de confiança, uma voz se fez ouvir de novo: Surgite (Levantem-se)! Ficamos todos de pé e nos sentimos levantar sensivelmente do chão por uma força sobrenatural e subimos, eu não sei dizer quanto, mas sei bem que estávamos todos no alto. Não saberia nem mesmo dizer em cima de que pousassem os nossos pés. Recordo-me de que eu me encontrava comprimido entre a armação ou parapeito de uma janela. Todos os jovens depois escalavam as janelas e as portas. Quem se agarrava daqui, quem se agarrava de lá; alguns em barras de ferro, outros em pregos robustos, alguns na moldura da abóbada. Estávamos todos elevados no ar e eu estava pasmo que não caíssemos no chão.
            E eis que aquele monstro, que havíamos visto no pátio, entrou na sala seguido por uma inumerável quantidade de animais de várias espécies, mas todos ferozes. Vagavam aqui e acolá pelo refeitório, soltavam urros horríveis, pareciam ávidos de combate, parecia que a todo o momento estivessem prontos para lançar-se com um pulo em cima de nós. Mas eles ainda não estavam tentando atacar-nos. Olhavam-nos, porém, levantando o focinho com olhar sanguíneo. Nós, do alto, estávamos observando-os e eu, tendo-me comprimido àquela janela: – Se caísse, dizia comigo mesmo, que suplício horrível fariam comigo!

***

            Enquanto estávamos naquela estranha posição, saiu uma voz da Nossa Senhora que cantava as palavras de São Paulo: Sumite ergo scutum fidei enexpugnabile (Empunhai o escudo inexpugnável da fé – Ef 6,16). Era um canto tão harmonioso, tão unido, de melodia tão sublime, que nós estávamos como em êxtase. Ouviam-se todas as notas da mais baixa à mais alta e parecia que cem vozes cantavam em uma só.
            Nós estávamos ouvindo este canto de paraíso, quando vimos sair do lado de Nossa Senhora muitos jovens encantadores, com asas e descidos do céu. Aproximaram-se de nós trazendo escudos na mão e colocavam um no coração de cada um de nossos jovens. Todos aqueles escudos eram grandes, belos, resplandecentes. Refletia-se neles a luz que vinha de Nossa Senhora e parecia mesmo algo celeste. Cada escudo no meio parecia de ferro, depois um grande círculo de diamante e por último, na extremidade, um círculo de ouro puríssimo. Este escudo representava a fé. Quando todos estávamos assim armados, aqueles que estavam ao redor da Beata Virgem entoaram um dueto e cantavam com tão bela harmonia que não saberia quais palavras possam de alguma maneira exprimir tanta doçura. Era tudo o que se pode imaginar de mais belo, de mais suave, de mais melodioso.
            Enquanto eu contemplava aquela apresentação e estava absorto com aquela música, assustei-me com uma voz potente que gritava: Ad pugnam (À luta)! Todas aquelas feras começaram a agitar-se furiosamente.
            Num átimo nós todos caímos, ficando em pé no chão, e eis que cada um lutava com as feras, protegidos pelo escudo divino. Não sei dizer se travamos a batalha no refeitório ou no pátio. O coro celeste continuava as suas harmonias. Aqueles monstros lançavam-se contra nós com vapores que saíam de suas goelas, balas de chumbo, lanças, setas e outros projéteis de toda espécie: mas essas armas não chegavam a nós ou batiam em nossos escudos e ricocheteavam para trás. Mas os inimigos queriam de todos os modos ferir e matar e se precipitavam ao ataque; mas não podiam causar-nos nenhum ferimento. Todos os seus golpes batiam com ímpeto naqueles escudos, e se quebravam os dentes e fugiam. Como vagalhões um após o outro se sucediam em assaltar-nos aquelas massas de feras assustadoras, mas todas encontram o mesmo destino.
            Longa foi a batalha. Finalmente se fez ouvir a voz de Nossa Senhora: Haec est Victoria vestra, quae vincit mundum, fides vestra (esta é a vossa vitória que venceu o mundo: a vossa fé, 1Jo 5,4).
            A esta voz, aquela multidão de feras assustada se precipitou em fuga e desapareceu. Nós ficamos livres, salvos, vencedores naquela sala imensa do refeitório, sempre iluminada pela luz que se difundia de Nossa Senhora.
            Então eu olhei fixando-me atentamente nos que levavam aquele escudo. Eram muitos milhares. Entre outros, vi P. Alasonatti, P. Rufino, meu irmão José e o Irmão das Escolas Cristãs que haviam combatido conosco.
            Mas os olhos de todos os jovens não podiam desprender-se da Senhora Santíssima. Ela entoava um hino de agradecimento, que em nós avivava novos prazeres e novos êxtases indescritíveis. Não sei se se possa ouvir cântico mais belo no paraíso.

***

            Mas nossa alegria foi improvisamente perturbada por gritos e gemidos angustiantes misturados a urros ferozes. Parecia que os nossos jovens fossem despedaçados por aquelas feras, que tinham fugido daquele lugar poucos momentos antes. Eu quis logo sair para ver o que acontecia, e prestar socorro aos meus filhos; mas não podia sair, porque na porta estavam os jovens que me impediam e não queriam a todo custo que eu saísse. Eu fazia todos os esforços e dizia-lhes:
            – Deixem-me ir para ajudar aqueles que gritam. Quero ver os meus jovens e se lhes toca dano ou morte, quero morrer com eles. Quero ir, mesmo que tivesse que deixar a vida lá. – E arrancando-me de suas mãos, fui embaixo dos pórticos. E, oh, miserável espetáculo! O pátio estava coberto de mortos, de moribundos e de feridos.
            Os jovens, apavorados pelo susto, tentavam fugir de um lado para o outro e todos aqueles monstros os perseguiam, lançavam-se sobre eles, fincavam os dentes em seus membros e os dilaceravam. A cada instante eram jovens que caíam e expiravam dando os gritos mais dolorosos.
            Mas quem mais de todos fazia o maior massacre, era aquele urso que por primeiro aparecera no pátio dos aprendizes. Com aqueles dois dentes semelhantes a espadas, transpassava o peito dos jovens da direita à esquerda, e da esquerda à direita e aqueles com dupla ferida no coração caíam miseravelmente mortos.
            Eu resolutamente me pus a gritar:
            – Coragem, meus queridos jovens!
            Muitos jovens se refugiavam perto de mim; mas o urso, quando apareci, correu ao meu encontro. Eu, enchendo-me de coragem, dei alguns passos em sua direção. No momento, alguns jovens daqueles que estavam no refeitório e que já haviam vencido os animais, vieram até a soleira e uniram-se a mim. Aquele príncipe dos demônios se lançou contra mim e contra eles, mas não nos pôde ferir porque os escudos nos defendiam. Antes, nem mesmo nos tocou, porque à vista deles, assustado e quase reverente, ia para trás. Foi então que fixando os olhos naqueles seus longos dentes em forma de espada, aí pude ler escritas duas palavras com letras maiúsculas. Sobre um estava escrito: Otium (Ócio); sobre o outro Gula (Gula).
            Fiquei pasmo e dizia comigo mesmo:
            – É possível que na nossa casa, onde todos se encontram tão ocupados, onde há tanto que fazer, que não se sabe por onde começar para desobrigar-se de novas ocupações, haja quem peque por ócio? E com respeito aos jovens, me parece que trabalhem e que estudem a tempo e lugar e que no receio não perdem tempo. – E não conseguia encontrar razão da coisa.
            Mas foi-me respondido:
            – Contudo bem meias horas se perdem!
            – E de gula depois? – eu continuava: entre nós parece que, mesmo querendo, não se pode ir atrás de muitas gulodices. Não temos nem mais ocasiões para ser intemperantes. Os alimentos não são finos assim como as bebidas. Dá-se apenas o necessário. Como, pois, podem ocorrer intemperanças que levem ao inferno?
            De novo foi-me respondido:
            – Ó sacerdote! Você acredita ser profundo na doutrina moral e ter já muita experiência, mas nisto não sabe nada; é completamente ingênuo. E não sabe que se pode cometer um ato de gula, uma intemperança, mesmo bebendo água?
            Não contente eu quis ter uma explicação mais clara e, estando ainda o refeitório iluminado pela Virgem, fui muito triste até o irmão Miguel porque queria esclarecer a minha dúvida. Miguel respondeu-me:
            – Eh, meu caro, neste assunto você é ainda inexperiente. Explicar-lhe-ei o que me pergunta.
            – Quanto à gula, precisa saber que se pode pecar por intemperança, quando mesmo à mesa se come ou se bebe mais que o necessário; comete-se intemperança no dormir ou quando se faz para o corpo algo que vá além da necessidade. Quanto ao ócio saiba que com esta palavra não se entende apenas o não trabalhar e o ocupar ou não o tempo de recreio em divertir-se, mas também quando neste tempo se deixa livre a imaginação para pensar em coisas que são perigosas. O ócio também acontece no estudo, quando alguém se diverte com outras distrações, quando certos retalhos de hora são desperdiçados em leituras frívolas, ou estando inertes a olhar os outros, deixando-se vencer por aquele momento de indolência e especialmente quando na igreja não se reza e se sente tédio no que se refere à piedade. O ócio é o pai, a fonte, a causa de tantas tentações nocivas e de todos os males. Você, portanto, que é diretor destes jovens, deve mantê-los longe desses dois pecados, procurando reavivar neles a fé. Se você puder conseguir de seus jovens que sejam moderados naquelas pequenas coisas que eu disse, eles vencerão sempre o demônio e com a temperança virão a eles a humildade, a castidade e outras virtudes. E se ocuparem o tempo no cumprimento de seus deveres, não cairão jamais nas tentações do inimigo infernal e viverão e morrerão como santos cristãos.

***

            Após ouvir essas coisas eu lhe agradeci por tão bela instrução e, depois, para certificar-me de que isso que eu via era realidade ou simples sonho, tentei tocar sua mão; mas nada apertei. Procurei tocá-la pela segunda vez e pela terceira e inutilmente, pois não apertei senão ar. No entanto, eu via todas aquelas pessoas, falavam, pareciam vivas. Aproximei-me do P. Alasonatti, do P. Rufino, de meu irmão; porém, não me foi possível apalpar a mão de nenhum deles.
            Eu estava fora de mim e exclamei:
            – Mas é verdade ou não tudo isso que eu vejo? Mas estas não parecem pessoas? Não as ouvi falar?
            O irmão Miguel respondeu-me:
            – Deveria saber e estudou isso, que enquanto a alma não estiver unida ao corpo, é inútil tentar tocar-me. Você não pode tocar os puros espíritos. Só para fazer-nos ver pelos mortais devemos tomar a nossa forma. Mas quando todos ressuscitarmos no Juízo, então retomaremos os nossos corpos espiritualizados.
            Então quis aproximar-me de Nossa Senhora que parecia tivesse alguma coisa a dizer-me. Estava quase perto dela, quando ouvi um novo rumor e novos e altos gritos vindo de fora. Imediatamente quis sair pela segunda vez do refeitório; mas ao sair, acordei.
            Assim que terminou de contar, acrescentou estas observações e recomendações: “O que quer que seja deste sonho, tão variadamente entrelaçado, o fato é que nele se repetem e se explicam os ditos de São Paulo. Mas tamanha era a prostração de forças e o abatimento causado por este sonho que pedi ao Senhor que não permitisse que outra vez se apresentasse à minha mente um sonho semelhante: porém, eis que na noite seguinte repetiu-se de novo o mesmo sonho e deste tive que ver também o fim, que não havia visto na noite anterior. E eu me pus a gritar tanto que P. Berto ouviu o rumor e de manhã veio perguntar-me por que eu havia gritado e se eu tinha passado a noite sem dormir. Esses sonhos me cansaram muito mais do que se houvesse passado a noite inteira sem dormir e escrevendo. Como veem, este é um sonho, e eu não quero dar-lhe nenhuma autoridade, mas apenas considerá-lo como um sonho sem ir adiante. Não gostaria depois que se falasse disso em casa, ou aqui, ou ali, para que os de fora, que nada conhecem das coisas do Oratório, tenham que dizer, como já disseram, que Dom Bosco faz os seus jovens viverem de sonhos. Porém, isso pouco importa; digam o que quiserem. Cada um tire do sonho o que importa para ele. No momento, não lhes dou explicações disso porque é tão fácil de ser compreendido por todos. O que muito lhes recomendo é que reavivem a própria fé, a qual se conserva especialmente com a temperança e com a fuga do ócio. Deste, sejam inimigos; daquela, amigos. Em outras noites, voltarei a tratar desse assunto. No momento lhes dou a boa noite”.
(MBp XII, 291-299)




Projeto Missionário Basilicata – Calábria

Dentro do “Projeto Europa”, a Itália Meridional lançou um novo projeto missionário nas regiões da Calábria e da Basilicata, acolhendo os primeiros missionários “ad gentes”, sinal de generosidade missionária e oportunidade de crescimento na abertura mundial do carisma de Dom Bosco.

Europa como terra de missão: numa nova perspectiva missiológica salesiana, as missões assumem cada vez menos uma conotação geográfica, como movimento em direção “às terras de missão”; hoje os missionários vêm dos cinco continentes e são enviados para os cinco continentes. Esse movimento missionário multidirecional já ocorre em muitas dioceses e congregações. Com o “Projeto Europa”, os salesianos se confrontaram com essa mudança de paradigma missionário, para o qual é necessário um caminho de conversão da mente e do coração. O “Projeto Europa”, na ideia do P. Pascual Chávez, é um ato de coragem apostólica e uma oportunidade de renascimento carismático no continente europeu, a ser inserido no mais amplo contexto da nova evangelização. O objetivo é envolver toda a congregação salesiana no fortalecimento do carisma salesiano na Europa, especialmente por meio de uma profunda renovação espiritual e pastoral dos coirmãos e das comunidades, a fim de continuar o projeto de Dom Bosco em favor dos jovens, especialmente os mais pobres.

As inspetorias salesianas envolvidas são chamadas a repensar suas presenças salesianas para uma evangelização mais eficaz e que responda ao contexto atual. Entre elas, a inspetoria da Itália Meridional elaborou um novo projeto missionário que envolve as regiões da Basilicata e da Campânia. A partir de uma análise do território, pode-se constatar como o Sul da Itália é caracterizado por uma presença bastante consistente de jovens, com uma natalidade menor em comparação a outras regiões italianas, e como a emigração é um fenômeno muito presente que faz com que muitos jovens saiam para estudar ou trabalhar em outros lugares. As tradições religiosas e familiares, que sempre constituíram um importante referencial identitário para a comunidade, são menos relevantes do que no passado e muitos jovens vivem a fé como distante de suas vidas, embora não se mostrem totalmente contrários a ela. Os Salesianos experimentam uma boa adesão às experiências espirituais juvenis, mas, ao mesmo tempo, uma baixa receptividade a caminhos sistemáticos e a propostas de vida definitivas. Outras problemáticas que afetam o mundo juvenil são o analfabetismo emocional e afetivo, as crises relacionais das famílias, a evasão escolar e o desemprego. Tudo isso alimenta fenômenos de pobreza disseminada e o crescimento de organizações criminosas que encontram um terreno fértil para envolver e desviar os jovens. Nesse contexto, muitos jovens expressam um forte desejo de compromisso social, especialmente em âmbitos políticos e ecológicos e no mundo do voluntariado.

Nos últimos anos, a inspetoria salesiana refletiu sobre como agir para ser relevante no território e tomou diversas decisões importantes, incluindo o desenvolvimento de obras e projetos para os jovens mais pobres, como as casas-família e os centros diurnos, que manifestam direta e claramente a escolha em favor dos jovens em situação de risco. O cuidado integral dos jovens deve visar a uma formação não apenas teórica, para que o jovem possa descobrir ou tomar consciência de suas capacidades. Além disso, é necessária uma prática missionária mais corajosa para realizar caminhos de educação na fé que ajudem os jovens a concretizar o cumprimento de sua vocação cristã. Tudo isso deve ser realizado com o envolvimento ativo de todos: consagrados, leigos, jovens, famílias, membros da família salesiana… num estilo plenamente sinodal que promova a corresponsabilidade e a participação.

A Basilicata e a Calábria foram escolhidas como áreas carismaticamente significativas e necessitadas de fortalecimento e novo impulso educativo-pastoral, territórios nos quais apostar, abrindo novas fronteiras pastorais e redimensionando algumas já existentes. As presenças salesianas são seis: Potenza, Bova Marina, Corigliano Rossano, Locri, Soverato e Vibo Valentia. Quais são os salesianos solicitados para este projeto missionário? Salesianos dispostos a trabalhar em contextos pobres, populares e populosos, com dificuldades econômicas e, às vezes, falta de estímulos culturais, e atentos, em particular, ao primeiro anúncio. Salesianos que estejam bem preparados, em nível espiritual, salesiano, cultural e carismático. É necessário ter bem presente a razão pela qual este projeto foi elaborado, ou seja, cuidar da Basilicata e da Calábria, duas regiões pobres e com poucas propostas pastorais sistemáticas em favor dos jovens mais necessitados, onde o primeiro anúncio se torna cada vez mais uma exigência, mesmo em contextos de tradição católica. O trabalho educativo-pastoral dos salesianos busca dar esperança a muitos jovens que frequentemente são forçados a deixar suas casas e se deslocar para o norte em busca de uma vida melhor. O contraste dessa realidade com ofertas pastorais e formativas visionárias, em particular a formação profissional, a atenção ao sofrimento juvenil, o trabalho com as instituições para encontrar respostas se torna cada vez mais urgente. Além dos salesianos consagrados, este território é enriquecido pela bela presença de leigos e membros da Família Salesiana, e a igreja local, assim como a realidade social, nutre um grande respeito e consideração pelos filhos de Dom Bosco.

A acolhida de novos missionários ad gentes é uma bênção e um desafio que se insere neste projeto pastoral. A inspetoria Itália Meridional (IME) este ano recebeu quatro missionários, enviados na 155ª expedição missionária salesiana. Entre eles, dois se tornaram membros da nova delegação inspetorial AKM (Albânia, Kosovo, Montenegro), os outros dois foram destinados ao Sul da Itália e participarão do novo projeto missionário da IME para a Basilicata e a Campânia: Henri Mufele Ngankwini e Guy Roger Mutombo, da República Democrática do Congo (Inspetoria ACC). Para acompanhar da melhor forma os missionários que chegam, a Inspetoria IME se compromete para que eles se sintam em casa e tenham uma inserção gradual na nova realidade comunitária e social. Os missionários são gradualmente inseridos na história e na cultura do lugar que se tornará casa para eles e, desde os primeiros dias, frequentam cursos de língua e cultura italiana, por um período de pelo menos dois anos, que os ajudará em uma plena inculturação. Paralelamente, são introduzidos nos processos formativos e dão os primeiros passos na ação educativo-pastoral inspetorial com os jovens e as crianças. Uma dimensão fundamental é a atenção ao caminho espiritual pessoal: a cada missionário são garantidos momentos adequados de oração pessoal e comunitária, o acompanhamento e a orientação espiritual, a confissão, preferencialmente em uma língua que eles compreendam, e tempos de atualização e formação. Em uma fase posterior, ao missionário é garantida a formação contínua para uma inserção ainda mais plena nas dinâmicas inspetoriais, mantendo algumas atenções específicas. A experiência missionária será avaliada periodicamente para identificar pontos fortes, fragilidades e eventuais correções, num espírito fraterno.

Como nos lembra o P. Alfred Maravilla, Conselheiro Geral para as Missões, “ser missionário em uma Europa secularizada apresenta desafios internos e externos consideráveis. A boa vontade não é suficiente.” “Olhando para trás com os olhos da fé, percebemos que através do lançamento do ‘Projeto Europa’ o Espírito estava preparando a Sociedade Salesiana para enfrentar a nova realidade da Europa, de modo a poder ser mais consciente de nossos recursos e também dos desafios, e com esperança para relançar o carisma salesiano no Continente.”
Oremos para que nas regiões da Basilicata e da Calábria a presença salesiana seja inspirada pelo Espírito para o bem dos jovens mais necessitados.

Marco Fulgaro




Santidade salesiana 2024

Todo ano, o postulador para as causas dos santos da Congregação Salesiana, dom Pierluigi Cameroni, publica o “Dossiê Postulação Geral Salesianos de Dom Bosco – 2024”, que apresenta a lista atualizada dos santos e beatos relativos ao ano que passou. Nesta edição, além da lista atualizada, encontramos também o novo cartaz dedicado a esses testemunhos da fé salesiana. Propomos uma visão geral dos nomes incluídos no dossiê e das principais atividades da Postulação previstas para 2024, para continuar a difundir o espírito de Dom Bosco e a devoção a seus santos e beatos.

Não esqueçamos que são precisamente os santos que levam avante e fazem crescer a Igreja” (Papa Francisco).“De agora em diante que seja o nosso lema: a santidade dos filhos é prova da santidade do pai” (Pe. Rua).
É necessário expressar profunda gratidão e louvor a Deus pela santidade já reconhecida na Família Salesiana de Dom Bosco e por aquela que está em processo de reconhecimento. O êxito de uma Causa de Beatificação e Canonização é um evento de extraordinária importância e valor eclesial. Com efeito, trata-se de discernir a fama de santidade de um batizado, que viveu as bem-aventuranças evangélicas em grau heroico ou que deu a vida por Cristo.

De Dom Bosco aos nossos dias é atestada uma tradição de santidade a qual merece atenção, porque é a encarnação do carisma que dele se originou e que se expressou em uma pluralidade de estados de vida e de formas. Trata-se de homens e mulheres, jovens e adultos, consagrados e leigos, bispos e missionários que, em contextos históricos, culturais, sociais diferentes no tempo e no espaço, fizeram resplandecer o carisma salesiano com uma luz singular, representando um patrimônio que desempenha um papel eficaz na vida e na comunidade dos crentes e para os homens de boa vontade.

1.ELENCO EM 31 DE DEZEMBRO DE 2024
A nossa Postulação abarca 179 entre Santos, Beatos, Veneráveis, Servos de Deus.
As Causas seguidas diretamente pela Postulação são 61 (+ 5 extras).

SANTOS (10)
São João Bosco, sacerdote (data de Canonização: 1º de abril de 1934) – (Itália)
São José Cafasso, sacerdote (22 de junho de 1947) – (Itália)
Santa Maria D. Mazzarello, virgem (24 de junho de 1951) – (Itália)
São Domingos Sávio, adolescente (12 de junho de 1954) – (Itália)
São Leonardo Murialdo, sacerdote (3 de maio de 1970) – (Itália)
São Luís Versiglia, bispo, mártir (1º de outubro de 2000) – (Itália – China)
São Calisto Caravario, sacerdote, mártir (1º de outubro de 2000) – (Itália – China)
São Luís Orione, sacerdote (16 de maio de 2004) – (Itália)
São Luís Guanella, sacerdote (23 de outubro de 2011) – (Itália)
Santo Artêmides Zatti, religioso (9 de outubro de 2022) – (Itália – Argentina)

BEATOS (117)
Beato Miguel Rua, sacerdote (data de Beatificação: 29 de outubro de 1972) – (Itália)
Beata Laura Vicunha, adolescente (3 de setembro de 1988) – (Chile – Argentina)
Beato Felipe Rinaldi, sacerdote (29 de abril de 1990) – (Itália)
Beata Madalena Morano, virgem (5 de novembro de 1994) – (Itália)
Beato José Kowalski, sacerdote, mártir (13 de junho de 1999) – (Polônia)
Beato Francisco Kesy, leigo, e 4 companheiros mártires (13 de junho de 1999) – (Polônia)
            Czesław Józ´wiak, leigo
            Eduardo Kazmierski, leigo
            Eduardo Klinik, leigo
            Jarogniew Wojciechowski, leigo
Beato Pio IX, Papa (3 de setembro de 2000) – (Itália)
Beato José Calasanz, sacerdote, e 31 companheiros mártires (11 de março de 2001) – (Espanha)
            Antonio Maria Martín Hernández, sacerdote
            Recaredo do Ríos Fabregat, sacerdote
            Juliano Rodríguez Sánchez, sacerdote
            José Giménez López, sacerdote
            Agostinho García Calvo, coadjutor
            João Martorell Soria, sacerdote
            Tiago Buch Canal, coadjutor
            Pedro Mesonero Rodríguez, clérigo
            José Otín Aquilué, sacerdote
            Alvaro Sanjuán Canet, sacerdote
            Francisco Bandrés Sánchez, sacerdote
            Sérgio Cid Pazo, sacerdote
            José Batalla Parramó, sacerdote
            José Rabasa Bentanachs, coadjutor
            Gil Rodicio Rodicio, coadjutor
            Ângelo Ramos Velázquez, coadjutor
            Felipe Hernández Martínez, clérigo
            Zacarias Abadía Buesa, clérigo
            Tiago Ortiz Alzueta, coadjutor
            Saverio Bordas Piferrer, clérigo
            Félix Vivet Trabal, clérigo
            Miguel Domingos Cendra, clérigo
            José Caselles Moncho, sacerdote
            José Castell Camps, sacerdote
            José Bonet Nadal, sacerdote
            Tiago Bonet Nadal, sacerdote
            Alexandre Planas Saurí, colaborador leigo
            Eliseu Garcia Garcia, coadjutor
            Júlio Junyer Padern, sacerdote
            Maria Carmen Moreno Benítez, virgem
            Maria Amparo Carbonell Munhoz, virgem
Beato Luís Variara, sacerdote (14 de abril de 2002) – (Itália – Colômbia)
Beata Maria Romero Meneses, virgem (14 de abril de 2002) – (Nicarágua – Costa Rica)
Beato Augusto Czartoryski, sacerdote (25 de abril de 2004) – (França – Polônia)
Beata Eusebia Palomino, virgem (25 de abril de 2004) – (Espanha)
Beata Alexandrina M. Da Costa, leiga (25 de abril de 2004) – (Portugal)
Beato Alberto Marvelli, leigo (5 de setembro de 2004) – (Itália)
Beato Bronislau Markiewicz, sacerdote (19 de junho de 2005) – (Polônia)
Beato Enrico Saiz Aparício, sacerdote, e 62 companheiros mártires (28 de outubro de 2007) – (Espanha)
            Félix González Tejedor, sacerdote
            João Codera Marquês, coadjutor
            Virgílio Edreira Mosquera, clérigo
            Paulo Gracia Sánchez, coadjutor
            Carmelo João Pérez Rodríguez, subdiácono
            Teódulo González Fernández, clérigo
            Tomás Gil de la Cal, aspirante
            Frederico Cobo Sanz, aspirante
            Higino de Mata Díez, aspirante
            Justo Juanes Santos, clérigo
            Vitoriano Fernández Reinoso, clérigo
            Emilio Arce Díez, coadjutor
            Raimundo Eirín Mayo, coadjutor
            Mateus Garolera Masferrer, coadjutor
            Anastácio Garzón González, coadjutor
            Francisco José Martín López de Arroyave, coadjutor
            João de Mata Díez, colaborador leigo
            Pio Conde Conde, sacerdote
            Sabino Hernández Laso, sacerdote
            Salvador Fernández Pérez, sacerdote
            Nicolau de la Torre Merino, coadjutor
            Germano Martín Martín, sacerdote
            José Villanova Tormo, sacerdote
            Estevão Cobo Sanz, clérigo
            Francisco Edreira Mosquera, clérigo
            Emanuel Martín Pérez, clérigo
            Valentino Gil Arribas, coadjutor
            Pedro Artolozaga Mellique, clérigo
            Emanuel Borrajo Míguez, clérigo
            Dionisio Ullívarri Barajuán, coadjutor
            Miguel Lasaga Carazo, sacerdote
            Luís Martínez Alvarellos, clérigo
            João Larragueta Garay, clérigo
            Florêncio Rodríguez Güemes, clérigo
            Pascual de Castro Herrera, clérigo
            Estêvão Vázquez Alonso, coadjutor
            Heliodoro Ramos Garcia coadjutor
            José Maria Celaya Badiola, coadjutor
            André Jiménez Galera, sacerdote
            André Gómez Sáez, sacerdote
            Antônio Cid Rodríguez, coadjutor
            Antônio Torrero Luque, sacerdote
            Antônio Henrique Canut Isús, sacerdote
            Miguel Molina de la Torre, sacerdote
            Paulo Caballero López, sacerdote
            Honório Hernández Martín, clérigo
            João Luís Hernández Medina, clérigo
            Antônio Mohedano Larriva, sacerdote
            Antônio Fernández Camacho, sacerdote
            José Limón Limón, sacerdote
            José Blanco Salgado, coadjutor
            Francisco Míguez Fernández, sacerdote
            Emanuel Fernández Ferro, sacerdote
            Félix Paco Escartín, sacerdote
            Tomás Alonso Sanjuán, coadjutor
            Emanuel Gómez Contioso, sacerdote
            Antônio Pancorbo López, sacerdote
            Estêvão García García, coadjutor
            Rafael Rodríguez Mesa, coadjutor
            Antônio Rodríguez Blanco, sacerdote diocesano
            Bartolomeu Blanco Márquez, leigo
            Teresa Cejudo Redondo, leiga
Beato Zeferino Namuncurá, leigo (11 de novembro de 2007) – (Argentina – Itália)
Beata Maria Troncatti, virgem (24 de novembro de 2012) – (Itália – Equador)
            Decreto sobre milagre: 25 de novembro de 2024
            Canonização 7de setembro de 2025?
Beato Estêvão Sándor, religioso, mártir (19 de outubro de 2013) – (Hungria)
Beato Tito Zeman, sacerdote, mártir (30 de setembro de 2017) – Eslováquia).

VENERÁVEIS (20)
Ven. André Beltrami, sacerdote, (data do Decreto super virtutibus: 15 de dezembro de 1966) – (Itália)
Ven. Teresa Valsè Pantellini, virgem (12 de julho de 1982) – (Itália)
Ven. Dorotéia Chopitea, leiga (9 de junho de 1983) – (Espanha)
Ven. Vicente Cimatti, sacerdote (21 de dezembro de 1991) – (Itália – Japão)
Ven. Simão Srugi, religioso (2 de abril de 1993) – (Palestina)
Ven. Rodolfo Komorek, sacerdote (6 de abril 1995) – (Polônia – Brasil)
Ven. Luís Olivares, bispo (20 de dezembro de 2004) – (Itália)
Ven. Margarida Occhiena, leiga (23 de outubro de 2006) – (Itália)
Ven. José Quadrio, sacerdote (19 de dezembro de 2009) – (Itália)
Ven. Laura Meozzi, virgem (27 de junho de 2011) – (Itália – Polônia)
Ven. Atílio Giordani, leigo (9 de outubro de 2013) – (Itália – Brasil)
Ven. José Augusto Arribat, sacerdote (8 de julho de 2014) – (França)
Ven. Estêvão Ferrando, bispo (3 de março de 2016) – (Itália – Índia)
Ven. Francisco Convertini, sacerdote (20 de janeiro de 2017) – (Itália – Índia)
Ven. José Vandor, sacerdote (20 de janeiro de 2017) – (Hungria – Cuba)
Ven. Otávio Ortiz Arrieta Coya, bispo (27 de fevereiro de 2017) – (Peru)
Ven. Augusto Hlond, cardeal (19 de maio de 2018) – (Polônia)
Ven. Inácio Stuchly, sacerdote (21 de dezembro de 2020) – (República Tcheca)
Ven. Carlos Crespi Croci, sacerdote (23 de março de 2023) – (Itália – Equador)
Ven. Antônio De Almeida Lustosa, bispo (22 de junho de 2023) – (Brasil)

SERVOS DE DEUS (27)
As Causas estão listadas segundo o estado de progresso

Positio examinada pelos cardeais e bispos
Elias Comini, sacerdote (Itália) mártir
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 5 de maio de 2022
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 11 de abril de 2024
Sessão Ordinária de Cardeais e Bispos: 10 de dezembro de 2024
Decreto sobre o martírio: 18 de dezembro de 2024
Positio examinada pelos teólogos
João Świerc, sacerdote e 8 companheiros, mártires (Polônia)
            Inácio Dobiasz, sacerdote
            Francisco Harazim, sacerdote
            Casimiro Wojciechowski, sacerdote
            Inácio Antonowicz, sacerdote
            Ludovico Mroczek, sacerdote
            Carlos Golda, sacerdote
            Vladimir Szembek, sacerdote
            Francisco Miśka, sacerdote
Positio entregue: 21 de julho de 2022
Congresso Peculiar Histórico. 28 de março de 2023
Sessão Ordinária de Cardeais e Bispos: junho de 2025
Entregue a Positio
Constantino Vendrame, sacerdote (Itália – Índia)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 1° de fevereiro de 2013
Positio entregue: 19 de setembro de 2023
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 23 de janeiro de 2025

Orestes Marengo, bispo (Itália – Índia)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 6 de dezembro de 2013
Positio entregue: 28 de maio de 2024
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: setembro-outubro de 2025

Rodolfo Lunkenbein, sacerdote (Alemanha – Brasil) e Simão Bororo, leigo (Brasil), mártires
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 16 de dezembro de 2020
Positio entregue: 28 de novembro de 2024
Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: setembro-outubro de 2025

Está em curso a redação da Positio
André Majcen, sacerdote (Eslovênia – China – Vietnam)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 23 de outubro de 2020

Vera Grita, leiga (Itália)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 14 de dezembro de 2022

José Cognata, bispo (Itália)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 11 de janeiro de 2023

Carlos Della Torre, sacerdote (Itália – Tailândia)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 1° de abril de 2016

Silvio Galli, sacerdote (Itália)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 19 de outubro de 2022

Akash Bashir, leigo, mártir (Paquistão)
Decreto de validade formal dos atos do Inquérito diocesano: 24 de outubro de 2024

À espera da validade dos atos do Inquérito diocesano
Antonieta Böhm, virgem (Alemanha – México)
Abertura do Inquérito diocesano: 7 de maio de 2017
Encerramento do Inquérito diocesano: 28 de abril de 2024
Validade dos atos do Inquérito diocesano
Antonino Baglieri, leigo (Itália)
Abertura do Inquérito diocesano: 2 de março de 2014        
Encerramento do Inquérito diocesano: 5 de maio de 2024
Validade dos atos do Inquérito diocesano

Causa temporariamente parada
Ana Maria Lozano, virgem (Colômbia)
Encerramento do Inquérito diocesano: 19 de junho de 2014

Está em curso o Inquérito diocesano
Luís Bolla, sacerdote (Itália – Equador – Peru)
Abertura do Inquérito diocesano: 27 de setembro de 2021
Encerramento do Inquérito diocesano

Rosetta Marchese, virgem (Itália)
Abertura do Inquérito diocesano: 30 de abril de 2021
Encerramento do Inquérito diocesano

Matilde Salem, leiga (Síria)
Abertura do Inquérito diocesano: 20 de outubro de 1995

Carlos Braga, sacerdote (Itália – China – Filipinas)
Abertura do Inquérito diocesano: 30 de janeiro de 2014     

Causas extras seguidas pela postulação (5)
Venerável COSTA DE BEAUREGARD CAMILO, sacerdote (França)
            O Decreto super virtutibus: 22 de janeiro de 1991
            Consulta médica super miro: 30 de março de 2023
            Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos: 19 de outubro de 2023
            Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos: 20 de fevereiro de 2024
            Beatificação: 17 de maio de 2025
Venerável BARELLO MORELLO CASIMIRO, terciário franciscano (Itália – Espanha)
O Decreto super virtutibus: 1º de julho de 2000
Venerável TYRANOWSKI JOÃO, leigo (Polônia)
            O Decreto super virtutibus: 20 de janeiro de 2017
Venerável BERTAZZONI AUGUSTO, bispo (Itália)
            O Decreto super virtutibus: 2 de outubro de 2019
Venerável CANELLI FÉLIX, sacerdote (Itália)
            O Decreto super virtutibus: 22 de maio de 2021

Devemos recordar também os Santos, Beatos, Veneráveis ​​e Servos de Deus que em diferentes tempos e formas se encontraram com o carisma salesiano como: a Beata Edviges Carboni; o Servo de Deus Cardeal José Guarino, fundador das Apóstolas da Sagrada Família; o Servo de Deus Salvo D’Acquisto, ex-aluno e muitos outros.


2. EVENTOS DE 2024

Na terça-feira, 16 de janeiro de 2024, na capela da Fundação Bocage, em Chambéry, teve lugar a sessão de abertura para o reconhecimento canônico e o tratamento conservador dos restos mortais do venerável Camilo Costa de Beauregard (1841-1910), sacerdote diocesano.

No dia 27 de fevereiro de 2024, na Sessão ordinária dos Cardeais e Bispos do Dicastério para as Causas dos Santos, foi dado voto positivo (7 em 7) ao pressuposto milagre atribuído pela intercessão do Venerável Camilo Costa de Beauregard, sacerdote diocesano (1841-1910), que aconteceu para o menino René Jacquemond, na recuperação de “ceratoconjuntivite intensa com abrasão da córnea, forte injeção pericerática, vermelhidão e injeção conjuntival, fotofobia e lacrimejamento do olho direito devido a trauma violento causado por um agente vegetal – bardana” (1910).

No dia 7 de março de 2024, a Consulta médica do Dicastério para as Causas dos Santos deu parecer positivo, com todos os votos a favor, ao suposto milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, Filha de Maria Auxiliadora (1883-1969). de “trauma cranioencefálico aberto com fratura cominutiva, exposição de tecido cerebral na região fronto-parieto-temporal direita e estado de coma (G6)” (2015).

Em 14 de março de 2024, o Sumo Pontífice autorizou o mesmo Dicastério a promulgar o Decreto referente ao milagre atribuído pela intercessão do Venerável Servo de Deus Camilo Costa de Beauregard, sacerdote diocesano; que nasceu em Chambéry (França) em 17 de fevereiro de 1841 e ali faleceu em 25 de março de 1910. O milagre, ocorrido em 1910, diz respeito ao menino René Jacquemond, curado de “ceratoconjuntivite intensa com abrasão da córnea, forte injeção pericerática, vermelhidão e injeção conjuntival, fotofobia e lacrimejamento do olho direito devido a trauma violento causado por um agente vegetal – bardana” (1910).

No dia 15 de março de 2024, em Lahore (Paquistão), foi encerrado o Inquérito diocesano sobre a Causa de Beatificação e Canonização de Akash Bashir (1994-2015), Leigo, Ex-aluno de Dom Bosco, morto por ódio à fé. É a primeira causa de beatificação do Paquistão.

No dia 11 de abril de 2024, durante o Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos no Dicastério para as Causas dos Santos, foi expresso um parecer favorável a respeito da Positio super martyrio do Servo Elia Comini, Sacerdote Professo da Sociedade Salesiana de São João Bosco (1910 – 1944), morto por ódio à fé no massacre nazista de Monte Sole em 1º de outubro de 1944.

No dia 28 de abril de 2024, em Cuautitlán (México), foi encerrado o Inquérito diocesano da Causa da Serva de Deus Antonieta Böhm (1907-2008), Filha de Maria Auxiliadora.

No dia 5 de maio de 2024, em Modica (Ragusa), foi encerrado o Inquérito diocesano do Servo de Deus Antonino Baglieri (1951-2007), Leigo, Voluntário com Dom Bosco.

No dia 28 de maio de 2024, o Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos do Dicastério para as Causas dos Santos deu voto favorável ao suposto milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, Filha de Maria Auxiliadora (1883-1969), de “trauma cranioencefálico aberto com fratura cominutiva, exposição de tecido cerebral na região fronto-parieto-temporal direita e estado de coma (G6)” (2015).

No dia 31 de maio de 2024, foi entregue ao Dicastério para as Causas dos Santos no Vaticano, o volume da Positio super Vita, Virtutibus et Fama Sanctitatis do Servo de Deus Orestes Marengo (1906-1998), Bispo salesiano missionário no Nordeste da Índia.

Terça-feira, 4 de junho de 2024, na comunidade “Zeferino Namuncurà”, em Roma, foram inauguradas e abençoadas as novas instalações da Postulação Geral Salesiana pelo Reitor-Mor, Cardeal Ángel Fernández Artime.

Em 24 de novembro de 2024, o Dicastério para as Causas dos Santos no Congresso ordinário deu validade jurídica ao Inquérito diocesano para a Causa de Beatificação e Canonização do Servo de Deus Akash Bashir (Risalpur 22 de junho de 1994 – Lahore 15 de março de 2015) Leigo, Ex-aluno de Dom Bosco.

No dia 19 de novembro de 2024, na Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos do Dicastério para as Causas dos Santos, foi dado voto positivo ao suposto milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, religiosa professa da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora (1883-1969), onde ocorreu a cura milagrosa de um senhor de “trauma cranioencefálico aberto com fratura cominutiva, perda e exposição de tecido cerebral na região fronto-parieto-temporal direita, dano axonal difuso (LAD), coma grave evoluindo para estado vegetativo tipo 2”, ocorrido em 2015 no Equador.

Em 25 de novembro de 2024, o Santo Padre autorizou o mesmo Dicastério a promulgar o Decreto relativo ao milagre atribuído pela intercessão da Beata Maria Troncatti, religiosa professa da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora, nascida em Córteno Golgi (Itália) em 16 de fevereiro de 1883 e falecida em Sucúa (Equador) em 25 de agosto de 1969.

Em 28 de novembro de 2024, foi entregue ao Dicastério das Causas dos Santos no Vaticano, o volume da Positio super martyrio dos Servos de Deus Rodolfo Lunkenbein, sacerdote professo da Sociedade de São Francisco de Sales e Simão Bororo,Leigo, mortos por ódio à fé em 15 de julho de 1976.

Na terça-feira, 3 de dezembro de 2024, os Consultores Teólogos do Dicastério para as Causas dos Santos, durante o Congresso Peculiar, responderam afirmativamente a respeito da Positio super martyrio dos Servos de Deus João Świerc e VIII Companheiros, Sacerdotes Professos da Sociedade de São Francisco de Sales, mortos in odium fidei nos campos de extermínio nazistas nos anos 1941-1942.

Na terça-feira, 10 de dezembro de 2024, durante a Sessão Ordinária dos Cardeais e Bispos do Dicastério para as Causas dos Santos, foi expresso um parecer positivo a respeito da Positio super martyrio do Servo Elia Comini, Sacerdote Professo da Sociedade Salesiana de São João Bosco (1910-1944), morto por ódio à fé no massacre nazista de Monte Sole em 1º de outubro de 1944.

Quarta-feira, 18 de dezembro de 2024, o Santo Padre Papa Francisco autorizou o Dicastério para as Causas dos Santos a promulgar o Decreto relativo: ao martírio do Servo de Deus Elia Comini, Sacerdote Professo da Sociedade de São Francisco de Sales; nascido em 7 de maio de 1910 em Calvenzano di Vergato (Itália, Bolonha) e morto, por ódio à Fé, em Pioppe di Salvaro (Itália, Bolonha) em 1 de outubro de 1944.




Descubra as últimas novidades do nosso site (2)

Arquivo do Boletim Salesiano
Há algum tempo, ampliamos o arquivo, inserindo os números do Boletim Salesiano italiano impresso de 1910 a 1950, incluindo o último fascículo desse intervalo.

De 1946 a 1995, à edição clássica do Boletim Salesiano (destinada aos Salesianos Cooperadores e Salesianas Cooperadoras) se juntava uma edição suplementar, com frequência quase mensal, voltada para os dirigentes. Esta versão tinha o mesmo título da principal, mas apresentava um subtítulo que mudou ao longo dos anos:
– em 1946 era direcionado aos “reverendíssimos diretores diocesanos e decuriões”
– em 1955 se dirigia aos “dirigentes da Pia União dos Cooperadores Salesianos”
– em 1958 aos “dirigentes dos Cooperadores Salesianos”
– a partir de 1968 simplesmente aos “dirigentes”
até se encerrar em 1995.
Também esta edição suplementar foi adicionada à lista do Boletim Salesiano. Poderá ser encontrada, junto com a clássica, na página dedicada ao Archivio BS.

Calendário Salesiano 2025
Na página dedicada ao Calendario Salesiano para 2025, decidimos separar o calendário latino, propondo-o em uma página à parte, acessível através do link disponível na parte superior da página principal do calendário.

Nesta seção, dedicada ao calendario latino, é possível consultar também o calendário oficial impresso em formato PDF, que inclui a Addenda et varianda in Officio et Missa e o Parvum calendarium ad usum SDB.

Lembramos que o calendário é acessível clicando na ocorrência do dia presente no “widget” do Calendário Salesiano, localizado na coluna da direita da página inicial da Home page [página inicial].

Pesquisa avançada
No final do menu principal, foi adicionada uma nova página, intitulada Ricerca avanzata (Pesquisa avançada).
Além dos dois motores de busca (interna e externa), agora estão disponíveis várias modalidades de pesquisa, concebidas para facilitar a obtenção das informações de seu interesse. Em particular, pode-se realizar pesquisas:
– por autores
– por categorias
– por palavras-chave (tags)
– em ordem alfabética
– em ordem cronológica
– em ordem cronológica por meses
– no interior das páginas (Site map)
– entre as páginas e os artigos mais populares

No futuro próximo
Estamos preparando uma nova ferramenta, muito útil para conhecer e aprofundar o carisma salesiano. Convidamos vocês a acompanhar o Bollettino Salesiano Online (Boletim Salesiano Online) para descobrir quando será lançado.

Agradecemos pela atenção e desejamos uma leitura proveitosa.




Beato Luís Variara: 150 anos do nascimento

Este ano comemora-se o 150° aniversário do nascimento do Beato Luís Variara, figura extraordinária de sacerdote e missionário salesiano. Nascido em 15 de janeiro de 1875 em Viarigi, na província de Asti, Luís cresceu em um ambiente rico em fé, cultura e amor fraterno, que moldou seu caráter e o preparou para a extraordinária missão que o levaria a servir os mais necessitados na Colômbia.
Desde sua infância passada no Monferrato, em uma família marcada pela influência espiritual de Dom Bosco, até sua vocação missionária amadurecida em Valdocco, a vida do Beato Variara representa um exemplo luminoso de dedicação ao próximo e fidelidade a Deus. Vamos relembrar os momentos marcantes de sua infância e formação, oferecendo um olhar sobre a extraordinária herança espiritual e humana que nos deixou.

De Viarigi a Agua de Dios
            Luís Variara nasceu em Viarigi, na província de Asti, em 15 de janeiro de 1875, há 150 anos, em uma família profundamente cristã. O pai, Pedro, havia escutado Dom Bosco em 1856, quando ele chegou à cidade para pregar uma missão. Quando Luís nasceu, o pai Pedro tinha quarenta e dois anos e era casado em segundas núpcias com Lívia Bussa. Pedro havia obtido o diploma de mestre, amava a música e o canto e animava as funções paroquiais como organista e como diretor do coro que ele mesmo fundou. Era uma presença muito estimada e apreciada na cidade de Viarigi. Quando Luís nasceu, estava no meio de um rigoroso inverno e, devido às circunstâncias do nascimento, a parteira julgou prudente batizar o recém-nascido. Dois dias depois, foram completados os ritos de batismo.
            A infância de Luís é marcada pelas tradições locais e pela vida familiar, um conjunto cultural e espiritual que contribuiu para moldar seu caráter e transmitir conteúdos valiosos para o crescimento do menino e marcar sua futura vocação missionária na Colômbia.
            Significativa é a relação de Luís com o pai Pedro, seu formador e mestre, que lhe transmitiu o sentido cristão da vida, os primeiros rudimentos da escola e o amor pela música e pelo canto: aspectos que, como sabemos, marcarão a vida e a missão de Luís Variara. O irmão mais novo, Celso, assim recorda: “Embora não revelasse nada de excepcional, Luís era todo bondade e amor nas manifestações de sua vida, tanto com os pais, e em particular com a mãe; quanto conosco… Não me lembro de meu irmão ter usado modos menos corteses e menos fraternos conosco, irmãos mais novos. Fiel e devoto frequentador da igreja e das funções, passava o resto do tempo não se divertindo na rua, mas em casa, lendo e estudando seus livros escolares e fazendo companhia à mãe”.
            É bonito lembrar também a relação do pequeno Luís com a irmã mais velha, Joana, filha do primeiro casamento e madrinha em seu batismo. Embora tenha se casado jovem, Joana sempre manteve um vínculo especial com o pequeno Luís, contribuindo para fortalecer os traços de sua personalidade, sua inclinação à piedade e ao estudo. Dos filhos de Joana, um, Ulisses, se tornará sacerdote, e Ernestina, Filha de Maria Auxiliadora. Além disso, Joana, que viverá até os noventa anos em 1947, manteve os laços epistolares entre Luís e a mãe Lívia durante a vida missionária do irmão.
            Outro aspecto que influenciará o crescimento do pequeno Luís é que a casa dos Variara estava quase sempre cheia de crianças. O pai Pedro, ao término das aulas, levava consigo os alunos mais necessitados e, após fazer um pouco de revisão, os entregava aos cuidados da mãe Lívia. E assim faziam as outras famílias. Conta uma testemunha: “A senhora Lívia era a mãe de todo o bairro; seu quintal estava sempre cheio de meninos e meninas; ela nos ensinava a costurar, brincava conosco, estava sempre de bom humor”. Luís cresceu nesse clima “oratoriano”, onde se sentia em casa, se sentia amado e a presença paterna do pai Pedro e a materna da mãe Livia eram recursos educativos e afetivos de primeira qualidade não apenas para seus filhos, mas para muitas outras crianças e jovens, especialmente os mais pobres e desfavorecidos.
            Nesses anos, Luís conhece e se dedica a um companheiro deficiente, André Ferrari, cuidando dele e fazendo-o sentir-se à vontade. Nisso pode-se vislumbrar uma semente daquela solicitude e proximidade que depois marcará a vida e a missão de Luís Variara a serviço dos doentes de lepra em Agua de Dios, na Colômbia.
            De fato, Luís Variara, quando criança e jovem, experimentou, com seus irmãos e com os meninos do bairro, o amor sincero de seus pais e, através de seu exemplo, conheceu o verdadeiro rosto de Deus Pai, fonte do amor autêntico.

Passando por Valdocco
            Dom Bosco era muito conhecido no Monferrato: ele havia percorrido todas as direções com as bem conhecidas caminhadas de outono junto com seus meninos que, com suas algazarras e a alegria barulhenta e contagiosa, levavam festa aonde quer que chegassem. Os meninos da região se juntavam felizes ao grupo alegre e barulhento e, posteriormente, não poucos partiam para se encontrar com aquele padre, fascinados para serem educados por ele no oratório de Turim.
            Em Viarigi, ficou uma lembrança muito sentida da visita de Dom Bosco, ocorrida em fevereiro de 1856. Dom Bosco havia aceitado o convite do pároco, o P. João Batista Melino, para pregar uma missão, uma vez que a cidade estava profundamente perturbada e dividida pelos escândalos de um ex-sacerdote, um certo Grignaschi, que reunia em torno de si uma verdadeira seita e gozava de grande popularidade. Dom Bosco conseguiu conquistar um público muito numeroso e convidou a população à conversão; foi assim que Viarigi recuperou seu equilíbrio religioso e a paz espiritual. O vínculo espiritual que se criou entre esta cidade de Asti e o Santo dos jovens se prolongou no tempo e, justamente o pequeno Luís, na primeira comunhão, foi preparado pelo pároco P. João Batista Melino, o mesmo que havia convidado Dom Bosco a pregar a missão popular.
            Na família Variara, segundo os desejos do pai Pedro, Luís deveria se orientar para o sacerdócio, mas ele, ao término do ensino fundamental, não tinha desejos ou inquietações vocacionais particulares. De qualquer forma, deveria continuar os estudos e, nesse ponto, entra em cena Dom Bosco: a lembrança que ele deixou em Viarigi, sua fama de homem de Deus, a amizade com o pároco, os sonhos do pai Pedro, a fama do oratório de Turim fizeram com que Luís, em 1° de outubro de 1887, entrasse em Valdocco matriculado na primeira classe do ginásio, com o desejo do pai que queria o filho encaminhado ao sacerdócio. No entanto, o jovem Luís, de forma simples, mas com firmeza, não hesitou em declarar que não sentia vocação, mas o pai retrucou: “Se você não a tem, Maria Auxiliadora lhe dará. Seja bom e estude!”. Dom Bosco morrerá quatro meses após a chegada do jovem Variara ao oratório de Valdocco, mas o encontro que Luís teve foi suficiente para marcá-lo por toda a vida. Ele mesmo recorda o evento: «Estávamos na estação invernal e uma tarde estávamos brincando no amplo pátio do oratório, quando de repente ouviu-se gritar de um lado para o outro: “Dom Bosco, Dom Bosco!”. Instintivamente, todos nós corremos em direção ao ponto onde aparecia nosso bom Pai, que estava saindo para um passeio em sua carruagem. Nós o seguimos até o lugar onde deveria subir no veículo; logo se viu Dom Bosco cercado pela amada turba infantil. Eu procurava com a finco um jeito de me colocar em um lugar de onde pudesse vê-lo à vontade, pois desejava ardentemente conhecê-lo. Aproximei-me o máximo que pude e, no momento em que o ajudavam a subir na carruagem, ele me lançou um doce olhar, e seus olhos se pousaram atentamente sobre mim. Não sei o que senti naquele momento… foi algo que não sei expressar! Aquele dia foi um dos mais felizes para mim; eu tinha certeza de que havia conhecido um Santo, e que aquele Santo havia lido na minha alma algo que apenas Deus e ele poderiam saber».




O Cardeal Angelo Amato S.D.B.: um grande teólogo entre o ocidente e o oriente

O Cardeal Tarcísio Bertone, SDB, teve a oportunidade de conhecer muito bem o saudoso cardeal Ângelo Amato, SDB. Ambos, de fato, compartilhavam a vocação salesiana e colaboraram como docentes na Pontifícia Universidade Salesiana. Posteriormente, o P. Ângelo Amato sucedeu o Dom Bertone como Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que ocupou de 2002 a 2008.
Sua Eminência o Cardeal Bertone deseja oferecer seu testemunho pessoal sobre o Cardeal Amato, que apresentamos a seguir.

            O Cardeal Ângelo Amato foi um dos Salesianos mais inteligentes e versados nas ciências humanas e eclesiásticas. Sua capacidade de absorver e conectar Filosofia e Teologia se manifestou especialmente nos anos de seu aprendizado na Universidade Salesiana, fazendo parte de um grupo de estudantes excepcionais que deram prestígio à Universidade Salesiana e se destacaram não apenas no ensino, mas também no serviço à Santa Sé nos Dicastérios da Cúria Romana.
            Eu me lembro em particular de sua excepcional habilidade no estudo da Cristologia e da Mariologia; seus escritos eram muito aprimorados e ele era procurado como pregador dos Exercícios espirituais, especialmente para pessoas consagradas, sem esquecer a agudeza de suas opiniões na promoção do Diálogo Ecumênico e Inter-religioso. De fato, foi particularmente apreciado pelo então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal José Ratzinger (que se tornou Papa Bento XVI) e pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Por essa razão, foi enviado à Grécia para estudar a Teologia dos Padres Orientais, aprendeu grego antigo e grego moderno e publicou até mesmo um estudo muito respeitado na Universidade grega de Salônica sobre a concepção e a prática do sacramento da Penitência entre os Padres Orientais. Naquele período, aprendeu a arte e a espiritualidade da “escrita” de ícones, que continuou a praticar até o final de sua vida. Em Roma, exerceu principalmente o ensino na Universidade Pontifícia Salesiana, tornando-se Decano da Faculdade de Teologia e, na qualidade de especialista em Cristologia e Mariologia, foi nomeado Consultor da Congregação para a Doutrina da Fé e, posteriormente, também Secretário da mesma Congregação.

            É interessante a contribuição que o P. Ângelo Amato deu em colaboração com o Cardeal José Ratzinger à Congregação para a Doutrina da Fé para a redação da famosa declaração dogmática “Dominus Jesus” de 1º de setembro de 2000, uma declaração desejada pelo Papa João Paulo II e redigida pelo Cardeal Ratzinger com a colaboração esmerada e inteligente do P. Ângelo Amato. O Cardeal Ratzinger o valorizou posteriormente pelos documentos e reflexões elaborados por aquele Dicastério doutrinal da Cúria Romana. Depois, quando o Secretário Dom Tarcísio Bertone foi nomeado Arcebispo de Gênova, procurou-se um sucessor. Eu me lembro muito bem das consultas do Cardeal Ratzinger e dos diálogos com Sua Santidade João Paulo II. Entre os candidatos à sucessão, destacava-se o nome do P. Ângelo Amato, mas em uma conversa do Cardeal Ratzinger e do subscrito com o Papa João Paulo II, eu mencionei uma peculiaridade que me parecia criar alguma dificuldade, ou seja, o fato de que um salesiano sucedesse neste importante cargo a outro salesiano. O Papa João Paulo II, dirigindo-se ao Cardeal Ratzinger, perguntou: “Mas isso é um problema para o Cardeal Ratzinger? O Cardeal Ratzinger gostaria de nomear outro Salesiano para o cargo de Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé?” O Cardeal Ratzinger respondeu: “Eu preferiria o P. Ângelo Amato porque me senti muito bem trabalhando com ele aqui no Dicastério e estamos em perfeita sintonia”. João Paulo II respondeu: “Então nomeamos o P. Ângelo Amato novo Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé”; e assim aconteceu em 19 de dezembro de 2002.

            Ele desempenhou muitas atividades na redação dos documentos que caracterizaram o magistério deste dicastério da cúria romana presidido pelo Cardeal Ratzinger e, posteriormente, o Papa João Paulo II decidiu criá-lo Cardeal e nomeá-lo Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Nesse cargo, desempenhou uma intensa atividade de promoção da santidade na Igreja, da santidade na Vida Consagrada, Laical, Sacerdotal, e publicou entre seus volumes uma série de biografias de Beatos e Santos que fizeram conhecer e multiplicaram a atração da santidade na variedade dos carismas, das culturas e das pessoas que enriqueceram a Igreja, com muitos exemplos benéficos e iniciativas proveitosas.

            Permaneceu por 10 anos, até 2018, como Prefeito da Congregação das Causas dos Santos e continuou sua atividade de magistério para a Igreja a serviço dos Papas. O Papa Francisco enviou um belo telegrama ao Vigário Geral da Congregação Salesiana, onde exalta precisamente a “salesianidade” do Cardeal Amato e sua obra como Prefeito das Causas dos Santos.

            Reproduzimos na íntegra:

REVERENDO P. STEFANO MARTOGLIO, SDB,
VIGÁRIO DO REITOR-MOR
SOCIEDADE SÃO FRANCISCO DE SALES (SALESIANOS)
ROMA

            Ao receber a notícia do falecimento do querido Cardeal Ângelo Amato, expresso minha proximidade ao senhor e aos Irmãos deste Instituto Religioso, assim como aos Familiares do saudoso Purpurado. Agradeço a Deus pelo edificante testemunho deste filho espiritual de São João Bosco que, por tantos anos, se dedicou com fineza humana e generosidade ao Evangelho e à Igreja. Penso em sua alma sacerdotal e na preparação teológica com a qual serviu a Santa Sé, especialmente no Dicastério para a Doutrina da Fé e naquele das Causas dos Santos. Asseguro minha oração pela alma deste bom e vigilante servo que, fiel ao seu lema ‘Sufficit gratia mea’ [basta-te a minha graça], mesmo nos últimos tempos marcados pelo sofrimento, se entregou à bondade do Pai celeste. Confio que, acompanhado por Maria Auxiliadora e pelos Santos e Beatos que conduziu à glória dos altares, ele seja acolhido no banquete eterno do Céu e envio minha Bênção a todos os que compartilham a dor por sua partida.

Francisco

            Entre os Cardeais Salesianos, especialmente dotados de grande carisma teológico, destaca-se o Cardeal Ângelo Amato, que deixa à disposição não apenas da Universidade Pontifícia Salesiana, mas também dos vários Centros institucionais de estudo e de espiritualidade, um grande patrimônio de doutrina e de sabedoria, com a esperança de que continue a influenciar a vida da Igreja e das Comunidades formativas.

✠ Tarcísio Card. Bertone




Vida de São Paulo Apóstolo, doutor das gentes

O momento culminante do Ano Jubilar para cada crente é a passagem pela Porta Santa, um gesto altamente simbólico que deve ser vivido com profunda meditação. Não se trata de uma simples visita para admirar a beleza arquitetônica, escultural ou pictórica de uma basílica: os primeiros cristãos não iam aos locais de culto por esse motivo, também porque na época não havia muito para admirar. Eles chegavam, na verdade, para rezar diante das relíquias dos santos apóstolos e mártires, e para obter a indulgência graças à sua poderosa intercessão.
Visitar os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo sem conhecer suas vidas não é um sinal de apreço. Por isso, neste Ano Jubilar, desejamos apresentar os caminhos de fé desses dois gloriosos apóstolos, assim como foram narrados por São João Bosco.

Vida de São Paulo Apóstolo, doutor das gentes contada ao povo pelo sacerdote João Bosco

PREFÁCIO

CAPÍTULO I. Pátria, educação de São Paulo, seu ódio contra os Cristãos

CAPÍTULO II. Conversão e Batismo de Saulo — Ano de Cristo 34

CAPÍTULO III. Primeira viagem de Saulo — Retorna a Damasco; armadilhas são preparadas para ele — Vai a Jerusalém; apresenta-se aos Apóstolos — Jesus Cristo lhe aparece — Ano de Jesus Cristo 35-36-37

CAPÍTULO IV. Profecias de Ágabo — Saulo e Barnabé ordenados bispos — Vão à ilha de Chipre — Conversão do procônsul Sérgio — Castigo do mago Elimas — João Marcos retorna a Jerusalém — Ano de Jesus Cristo 40-43

CAPÍTULO V. São Paulo prega em Antioquia da Pisídia — Ano de Jesus Cristo 44

CAPÍTULO VI. São Paulo prega em outras cidades — Realiza um milagre em Listra, onde depois é apedrejado e deixado por morto — Ano de Jesus Cristo 45

CAPÍTULO VII. Paulo milagrosamente curado — Outras de suas fadigas apostólicas — Conversão de Santa Tecla

CAPÍTULO VIII. São Paulo vai conferir com São Pedro — Assiste ao Concílio de Jerusalém — Ano de Cristo 50

CAPÍTULO IX. Paulo se separa de Barnabé — Percorre várias cidades da Ásia — Deus o envia à Macedônia — Em Filipos converte a família de Lídia — Ano de Cristo 51

CAPÍTULO X. São Paulo liberta uma jovem do demônio — É açoitado com varas — É colocado na prisão — Conversão do carcereiro e de sua família — Ano de Cristo 51

CAPÍTULO XI. São Paulo prega em Tessalônica — Caso de Jasão — Vai a Bereia, onde é novamente perturbado pelos judeus — Ano de Cristo 52

CAPÍTULO XII. Estado religioso dos atenienses — São Paulo no Areópago — Conversão de São Dionísio — Ano de Cristo 52

CAPÍTULO XIII. São Paulo em Corinto — Sua moradia na casa de Áquila — Batismo de Crispo e de Sóstenes — Escreve aos Tessalonicenses — Retorno a Antioquia — Ano de Jesus Cristo 53-54

CAPÍTULO XIV. Apolo em Éfeso — O sacramento da Crisma — São Paulo opera muitos milagres — Caso de dois exorcistas judeus — Ano de Cristo 55

CAPÍTULO XV. Sacramento da Confissão — Livros perversos queimados — Carta aos Coríntios — Revolta em honra da deusa Diana — Carta aos Gálatas — Ano de Cristo 56-57

CAPÍTULO XVI. São Paulo retorna a Filipos — Segunda Carta aos fiéis de Corinto — Vai a esta cidade — Carta aos Romanos — Sua pregação prolongada em Trôade — Ressuscita um morto — Ano de Cristo 58

CAPÍTULO XVII. Pregação de São Paulo em Mileto — Sua viagem até Cesareia — Profecia de Ágabo — Ano de Cristo 58

CAPÍTULO XVIII. São Paulo se apresenta a São Tiago — Os judeus lhe tendem armadilhas — Fala ao povo — Repreende o sumo sacerdote — Ano de Cristo 59

CAPÍTULO XIX. Quarenta Judeus se comprometem com um voto a matar São Paulo — Um de seus sobrinhos descobre a trama — É transferido para Cesareia — Ano de Cristo 59

CAPÍTULO XX. Paulo diante do governador — Seus acusadores e sua defesa — Ano de Cristo 59

CAPÍTULO XXI. Paulo diante de Festo — Suas palavras ao rei Agripa — Ano de Cristo 60

CAPÍTULO XXII. São Paulo é embarcado para Roma — Sofre uma terrível tempestade, da qual é salvo com seus companheiros — Ano de Jesus Cristo 60

CAPÍTULO XXIII. São Paulo na ilha de Malta — É libertado da mordida de uma víbora — É acolhido na casa de Públio, de quem cura o pai — Ano de Cristo 60

CAPÍTULO XXIV. Viagem de São Paulo de Malta a Siracusa — Pregação em Régio — Sua chegada a Roma — Ano de Cristo 60

CAPÍTULO XXV. Paulo fala aos Judeus e lhes prega Jesus Cristo — Progresso do Evangelho em Roma — Ano de Cristo 61

CAPÍTULO XXVI. São Lucas — Os Filipenses enviam ajuda a São Paulo — Doença e cura de Epafrodito — Carta aos Filipenses — Conversão de Onésimo — Ano de Jesus Cristo 61

CAPÍTULO XXVII. Carta de São Paulo a Filêmon — Ano de Jesus Cristo 62

CAPÍTULO XXVIII. São Paulo escreve aos Colossenses, aos Efésios e aos Hebreus — Ano de Cristo 62

CAPÍTULO XXIX. São Paulo é libertado — Martírio de São Tiago, o Menor — Ano de Cristo 63

CAPÍTULO XXX. Outras viagens de São Paulo — Escreve a Timóteo e a Tito — Seu retorno a Roma — Ano de Cristo 68

CAPÍTULO XXXI. São Paulo é novamente aprisionado — Escreve a segunda carta a Timóteo — Seu martírio — Ano de Cristo 69-70

CAPÍTULO XXXII. Sepultamento de São Paulo — Maravilhas realizadas junto ao seu túmulo — Basílica a ele dedicada

CAPÍTULO XXXIII. Retrato de São Paulo — Imagem de seu espírito — Conclusão

PREFÁCIO

            São Pedro é o príncipe dos Apóstolos, primeiro Papa, Vigário de Jesus Cristo sobre a terra. Ele foi estabelecido como chefe da Igreja; mas sua missão era particularmente direcionada à conversão dos Judeus. São Paulo, por sua vez, é aquele Apóstolo que foi chamado de maneira extraordinária por Deus para levar a Luz do Evangelho aos Gentios. Esses dois grandes Santos são chamados pela Igreja como as colunas e os fundamentos da Fé, príncipes dos Apóstolos, que com seus esforços, com seus escritos e com seu sangue nos ensinaram a lei do Senhor; Ipsi nos docuerunt legem tuam, Domine (Eles nos ensinaram tua lei, Senhor). Por esse motivo, à vida de São Pedro, fazemos suceder a de São Paulo.
            É verdade que este apóstolo não é contado na série dos Papas; mas os esforços extraordinários que ele fez para ajudar São Pedro a propagar o Evangelho, seu zelo, sua caridade, a doutrina que nos deixou nos livros sagrados, o fazem parecer digno de ser colocado ao lado da vida do primeiro Papa, como uma forte coluna sobre a qual se apoia a Igreja de Jesus Cristo.

CAPÍTULO I. Pátria, educação de São Paulo, seu ódio contra os Cristãos

            São Paulo era Judeu da tribo de Benjamim. Oito dias após seu nascimento, foi circuncidado, e lhe foi imposto o nome de Saulo, que depois foi mudado para Paulo. Seu pai residia em Tarso, cidade da Cilícia, província da Ásia Menor. O imperador César Augusto concedeu muitos favores a esta cidade e, entre outros, o direito de cidadania romana. Portanto, São Paulo, sendo nascido em Tarso, era cidadão romano, qualidade que trazia consigo muitos benefícios, pois se podia gozar da imunidade das leis particulares de todos os países sujeitos ou aliados ao império romano, e em qualquer lugar um cidadão romano podia apelar ao senado ou ao imperador para ser julgado.
            Seus parentes, sendo abastados, o mandaram a Jerusalém para lhe dar uma educação condizente com seu estado. Seu mestre foi um doutor chamado Gamaliel, homem de grande virtude, de quem já falamos na vida de São Pedro. Naquela cidade, teve a sorte de encontrar um bom companheiro de Chipre, chamado Barnabé, jovem de grande virtude, cuja bondade de coração contribuiu muito para temperar o ânimo ardente do condiscípulo. Esses dois jovens sempre se mantiveram leais amigos, e nós os veremos se tornarem colegas na pregação do Evangelho.
            O pai de Saulo era Fariseu, ou seja, professava a seita mais severa entre os Judeus, que consistia em uma grande aparência externa de rigor, máxima totalmente contrária ao espírito de humildade do Evangelho. Saulo seguiu os princípios de seu pai, e como seu mestre também era Fariseu, ele se tornou cheio de entusiasmo para aumentar seu número e remover qualquer obstáculo que se opusesse a tal propósito.
            Era costume entre os Judeus fazer com que seus filhos aprendessem um ofício enquanto se dedicavam ao estudo da Bíblia. Faziam isso a fim de preservá-los dos perigos que a ociosidade traz consigo; e também para ocupar o corpo e o espírito em algo que pudesse proporcionar o sustento nas difíceis circunstâncias da vida. Saulo aprendeu o ofício de curtidor de peles e especialmente a costurar tendas. Ele se destacou entre todos da sua idade por seu zelo pela lei de Moisés e pelas tradições dos Judeus. Esse zelo pouco iluminado o tornou blasfemo, perseguidor e feroz inimigo de Jesus Cristo.
            Ele incitou os Judeus a condenar Santo Estêvão, e esteve presente à sua morte. E como sua idade não lhe permitia participar da execução da sentença, ele, quando Estêvão estava prestes a ser apedrejado, guardava as roupas de seus companheiros e os incitava com fúria a atirar pedras contra ele. Mas Estêvão, verdadeiro seguidor do Salvador, fez a vingança dos santos, ou seja, começou a orar por aqueles que o apedrejavam. Esta oração foi o princípio da conversão de Saulo; e Santo Agostinho diz precisamente que a Igreja não teria em Paulo um apóstolo, se o diácono Estêvão não tivesse orado.
            Naqueles tempos, foi suscitada uma violenta perseguição contra a Igreja de Jerusalém, e Saulo era aquele que mostrava uma ânsia feroz para dispersar e mandar à morte os discípulos de Jesus Cristo. A fim de fomentar melhor a perseguição em público e em privado, fez-se a tal propósito autorizar pelo príncipe dos sacerdotes. Então ele se tornou como um lobo faminto que não se sacia de devorar. Entrava nas casas dos Cristãos, os insultava, os maltratava, os prendia ou os fazia carregar correntes para serem depois arrastados para a prisão, fazia-os ser espancados com varas; em suma, usava todos os meios para forçá-los a blasfemar o santo nome de Jesus Cristo. A notícia das violências de Saulo se espalhou até em países distantes, de modo que o simples nome dele incutia medo entre os fiéis.
            Os perseguidores não se contentavam em ser cruéis contra as pessoas dos Cristãos; mas, como sempre foi usado pelos perseguidores, também os despojavam de seus bens e de tudo o que possuíam em comum. O que fazia com que muitos fossem levados a viver da caridade que os fiéis das Igrejas distantes lhes enviavam. Mas há um Deus que assiste e governa sua Igreja, e quando menos pensamos, ele vem em socorro de quem nele confia.

CAPÍTULO II. Conversão e Batismo de Saulo — Ano de Cristo 34

            A fúria de Saulo não podia se saciar; ele não respirava senão ameaças e massacres contra os discípulos do Senhor. Tendo ouvido que em Damasco, cidade distante cerca de cinquenta milhas de Jerusalém, muitos Judeus haviam abraçado a fé, sentiu arder em si um furioso desejo de ir lá fazer um massacre. Para agir livremente conforme lhe sugeria seu ódio contra os Cristãos, foi ao príncipe dos sacerdotes e ao senado, que com cartas o autorizaram a ir a Damasco, acorrentar todos os Judeus que se declarassem Cristãos e, portanto, conduzi-los a Jerusalém e ali puni-los com uma severidade capaz de deter aqueles que fossem tentados a imitá-los.
            Mas são vãos os projetos dos homens quando são contrários aos do Céu! Deus, movido pelas orações de Santo Estêvão e dos outros fiéis perseguidos, quis manifestar em Saulo seu poder e sua misericórdia. Saulo, com suas cartas de recomendação, cheio de ardor, devorando a estrada, estava próximo da cidade de Damasco, e já lhe parecia ter os Cristãos em suas mãos. Mas aquele era o lugar da divina misericórdia.
            No ímpeto de sua fúria cega, por volta do meio-dia, uma grande luz, mais resplandecente que a do sol, o cercou com todos os que o acompanhavam. Estonteados por aquele esplendor celeste, todos caíram ao chão como mortos; ao mesmo tempo, ouviram o ruído de uma voz, compreendida somente por Saulo. “Saulo, Saulo”, disse a voz, “por que me persegues?” Então Saulo, ainda mais apavorado, respondeu: “Quem sois vós que falais?” “Eu sou”, continuou a voz, “aquele Jesus que tu persegues. Lembra-te que é coisa muito dura dar coices contra o aguilhão, o que tu fazes resistindo a alguém mais poderoso do que tu. Perseguindo minha Igreja, tu persegues a mim mesmo; mas esta se tornará mais florescente, e não farás mal senão a ti mesmo.”
            Esta doce repreensão do Salvador, acompanhada pela unção interna de sua graça, amoleceu a dureza do coração de Saulo e o transformou em um homem completamente novo. Portanto, todo humilhado, exclamou: “Senhor, que quereis que eu faça?” Como se dissesse: Qual é o meio de procurar a vossa glória? Eu me ofereço a vós para fazer a vossa santíssima vontade.
            Jesus Cristo ordenou a Saulo que se levantasse e fosse à cidade onde um discípulo o instruiria sobre o que deveria fazer. Deus, diz Santo Agostinho, ao confiar a seus ministros a instrução de um apóstolo chamado de maneira tão extraordinária, nos ensina que devemos buscar sua santa vontade no ensinamento dos Pastores, que ele revestiu de sua autoridade para serem nossos guias espirituais na terra.
            Saulo, levantando-se, não via mais nada, embora mantivesse os olhos abertos. Portanto, foi necessário dar-lhe a mão e conduzi-lo a Damasco, como se Jesus Cristo quisesse levá-lo em triunfo. Ele se hospedou na casa de um comerciante chamado Judas; ali permaneceu três dias sem ver, sem beber e sem comer, ignorando ainda o que Deus quisesse dele.
            Havia em Damasco um discípulo chamado Ananias, muito estimado pelos Judeus por sua virtude e santidade. Jesus Cristo lhe apareceu e disse: “Ananias!” E ele respondeu: “Eis-me aqui, Senhor.” O Senhor acrescentou: “Levanta-te e vai à rua chamada Direita, e procura um certo Saulo natural de Tarso; tu o encontrarás enquanto ora.” Ananias, ao ouvir o nome de Saulo, tremeu e disse: “Ó Senhor, para onde me mandais? Vós bem sabeis o grande mal que ele fez aos fiéis em Jerusalém; agora é sabido por todos que ele veio aqui com pleno poder de prender todos os que creem em vosso Nome.” O Senhor replicou: “Vai tranquilo, não temas, porque este homem é um instrumento escolhido por mim para levar meu nome aos gentios, diante dos reis e diante dos filhos de Israel; porque eu lhe mostrarei quanto ele deve sofrer por meu nome.” Enquanto Jesus Cristo falava a Ananias, enviou a Saulo outra visão, na qual lhe apareceu um homem chamado Ananias que, aproximando-se dele, impunha-lhe as mãos para lhe devolver a vista. Foi o que fez o Senhor para assegurar a Saulo que Ananias era aquele que enviava para manifestar-lhe sua vontade.
            Ananias obedeceu, foi encontrar Saulo, impôs-lhe as mãos e disse: “Saulo, irmão, o Senhor Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas a Damasco, me enviou a ti para que recuperes a vista e sejas cheio do Espírito Santo.” Falando assim, Ananias, mantendo as mãos sobre a cabeça de Saulo, acrescentou: “Abre os olhos.” Nesse momento, caíram dos olhos de Saulo certas escamas, e ele recuperou perfeitamente a vista.
            Então Ananias disse: “Agora levanta-te e recebe o Batismo, e lava teus pecados, invocando o nome do Senhor.” Saulo levantou-se imediatamente para receber o Batismo; então, todo cheio de alegria, restaurou seu cansaço com um pouco de comida. Passados apenas alguns dias com os discípulos de Damasco, começou a pregar o Evangelho nas sinagogas, demonstrando com as Sagradas Escrituras que Jesus era Filho de Deus. Todos os que o ouviam estavam cheios de espanto, e iam dizendo: “Não é ele quem em Jerusalém perseguia aqueles que invocavam o nome de Jesus e que veio de propósito a Damasco para conduzi-los prisioneiros?”
            Mas Saulo já havia superado todo respeito humano; ele nada mais desejava do que promover a glória de Deus e reparar o escândalo dado; portanto, deixando que cada um dissesse dele o que quisesse, confundia os Judeus e com intrepidez pregava Jesus Crucificado.

CAPÍTULO III. Primeira viagem de Saulo — Retorna a Damasco; armadilhas são preparadas para ele — Vai a Jerusalém; apresenta-se aos Apóstolos — Jesus Cristo lhe aparece — Ano de Jesus Cristo 35-36-37

            Saulo, ao ver as graves oposições que lhe eram feitas pelos judeus, achou conveniente afastar-se de Damasco para passar algum tempo com os homens simples do campo e também para ir à Arábia em busca de outros povos mais dispostos a receber a fé.
            Após três anos, acreditando que a tempestade havia cessado, retornou a Damasco, onde com zelo e força se dedicou a pregar Jesus Cristo; mas os judeus, não podendo resistir às palavras de Deus que por meio de seu ministro lhes eram pregadas, decidiram matá-lo. Para melhor conseguir seu intento, o denunciaram a Areta, rei de Damasco, apresentando Saulo como perturbador da tranquilidade pública. Esse rei, muito crédulo, ouviu a calúnia e ordenou que Saulo fosse preso, e para que não fugisse, colocou guardas em todas as portas da cidade. No entanto, essas armadilhas não puderam permanecer tão ocultas que não chegassem ao conhecimento dos discípulos e do próprio Saulo. Mas como poderiam libertá-lo? Aqueles bons discípulos o conduziram a uma casa que dava para as muralhas da cidade e, colocando-o em uma cesta, o desceram pela muralha. Assim, enquanto as guardas vigiavam todas as portas e se fazia rigorosa busca em cada canto de Damasco, Saulo, libertado de suas mãos, são e salvo, tomou o caminho para Jerusalém.
            Embora a Judeia não fosse o campo confiado ao seu zelo, o motivo de sua viagem era, no entanto, santo. Ele considerava como seu indispensável dever apresentar-se a Pedro, de quem ainda não era conhecido, e assim prestar contas de sua missão ao Vigário de Jesus Cristo. Saulo havia impresso tanto terror com seu nome nos fiéis de Jerusalém que não podiam acreditar em sua conversão. Tentava se aproximar ora de um, ora de outro; mas todos, temerosos, o evitavam sem lhe dar tempo de se explicar. Foi nesse momento que Barnabé se mostrou um verdadeiro amigo. Assim que ouviu contar a prodigiosa conversão de seu condiscípulo, foi imediatamente até ele para consolá-lo; depois, foi até os Apóstolos e contou-lhes a prodigiosa aparição de Jesus Cristo a Saulo e como ele, instruído diretamente pelo Senhor, não desejava outra coisa senão publicar o santo nome de Deus a todos os povos da terra. Diante de tão alegres notícias, os discípulos o acolheram com alegria e São Pedro o manteve vários dias em sua casa, onde não deixou de apresentá-lo aos fiéis mais zelosos; nem deixava escapar qualquer oportunidade para dar testemunho de Jesus Cristo nos mesmos lugares onde o havia blasfemado e feito blasfemar.
            E como ele pressionava os judeus com muita veemência e os confundia em público e em privado, estes se levantaram contra ele, resolvidos a tirar-lhe a vida. Por isso, os fiéis o aconselharam a partir daquela cidade. A mesma coisa Deus lhe fez conhecer por meio de uma visão. Um dia, enquanto Saulo orava no templo, Jesus Cristo lhe apareceu e lhe disse: “Parta imediatamente de Jerusalém, porque este povo não crerá no que você está prestes a dizer sobre mim.” Paulo respondeu: “Senhor, eles sabem como eu fui perseguidor do vosso santo nome; se souberem que me converti, certamente seguirão meu exemplo e também se converterão.” Jesus acrescentou: “Não é assim: eles não prestarão fé alguma às suas palavras. Vá, eu o escolhi para levar meu Evangelho a terras distantes entre os gentios” (Atos dos Apóstolos, cap. 22).
            Deliberada assim a partida de Paulo, os discípulos o acompanharam a Cesareia e de lá o enviaram a Tarso, sua pátria, com a esperança de que pudesse viver com menor perigo entre os parentes e amigos e também começar naquela cidade a fazer conhecer o nome do Senhor.

CAPÍTULO IV. Profecias de Ágabo — Saulo e Barnabé ordenados bispos — Vão à ilha de Chipre — Conversão do procônsul Sérgio — Castigo do mago Elimas — João Marcos retorna a Jerusalém — Ano de Jesus Cristo 40-43

            Enquanto Saulo pregava a palavra divina em Tarso, Barnabé começou a pregá-la com grande fruto em Antioquia. Ao ver o grande número de pessoas que a cada dia abraçavam a fé, Barnabé achou conveniente ir a Tarso para convidar Saulo a vir ajudá-lo. De fato, ambos vieram a Antioquia, e aqui, com a pregação e com os milagres, ganharam um grande número de fiéis.
            Naqueles dias, alguns profetas, ou seja, alguns fervorosos cristãos que, iluminados por Deus, previam o futuro, vieram de Jerusalém a Antioquia. Um deles, chamado Ágabo, inspirado pelo Espírito Santo, previu uma grande fome que deveria desolar toda a terra, como de fato aconteceu sob o império de Cláudio. Os fiéis, para prevenir os males que essa fome causaria, resolveram fazer uma coleta e assim cada um, segundo suas forças, enviar algum socorro aos irmãos da Judeia. O que fizeram com ótimos resultados. Para ter uma pessoa de crédito junto a todos, escolheram Saulo e Barnabé e os enviaram para levar tal esmola aos sacerdotes de Jerusalém, para que fizessem a distribuição conforme a necessidade. Cumprida sua missão, Saulo e Barnabé retornaram a Antioquia.
            Havia também nesta cidade outros profetas e doutores, entre os quais um certo Simão, apelidado de o Negro, Lúcio de Cirene e Manaém, irmão de leite de Herodes. Um dia, enquanto eles ofereciam os Santos Mistérios e jejuavam, o Espírito Santo apareceu de maneira extraordinária e disse-lhes: “Separem-me Saulo e Barnabé para a obra do sagrado ministério a que os elegi.” Então foi ordenado um jejum com orações públicas e, tendo-lhes imposto as mãos, os consagraram bispos. Esta ordenação foi modelo daquelas que a Igreja Católica costuma fazer a seus ministros: dela tiveram origem os jejuns das quatro têmporas, as orações e outras cerimônias que costumam ter lugar na sagrada ordenação.
            Saulo estava em Antioquia quando teve uma visão maravilhosa, na qual foi arrebatado ao terceiro céu, ou seja, foi elevado por Deus para contemplar as coisas do Céu mais sublimes que um homem mortal pode imaginar. Ele mesmo deixou escrito que viu coisas que não podem ser expressas com palavras, coisas nunca vistas, nunca ouvidas, e que o coração do homem não pode nem mesmo imaginar. Dessa visão celeste, Saulo, confortado, partiu com Barnabé e foi diretamente a Selêucia da Síria, assim chamada para distingui-la de outra cidade do mesmo nome situada nas proximidades do Tigre em direção à Pérsia. Também estava com eles um certo João Marcos, não o Marcos Evangelista. Ele era filho daquela piedosa viúva na casa da qual São Pedro se refugiou quando foi miraculosamente libertado da prisão por um anjo. Era primo de Barnabé e havia sido levado de Jerusalém a Antioquia na ocasião em que foram lá levar as esmolas.
            Selêucia tinha um porto no Mediterrâneo: de lá, nossos operários evangélicos embarcaram para ir à ilha de Chipre, pátria de São Barnabé. Chegando a Salamina, cidade e porto considerável daquela ilha, começaram a anunciar o Evangelho aos judeus e depois aos gentios, que eram mais simples e mais dispostos a receber a fé. Os dois Apóstolos, pregando por toda aquela ilha, chegaram a Pafos, capital do país, onde residia o procônsul, ou seja, o governador romano chamado Sérgio Paulo. Aqui o zelo de Saulo teve a oportunidade de se exercitar devido a um mago chamado Bar-Jesus ou Elimas. Este, seja para ganhar o favor do procônsul ou para tirar dinheiro de suas fraudes, seduzia o povo e afastava Sérgio de seguir os sentimentos piedosos de seu coração. O procônsul, tendo ouvido falar dos pregadores que haviam vindo ao país que ele governava, mandou chamá-los para que fossem lhe fazer conhecer sua doutrina. Foram imediatamente Saulo e Barnabé expor-lhe as verdades do Evangelho; mas Elimas, ao ver-se privado da matéria de seus ganhos, temendo talvez algo pior, começou a obstruir os desígnios de Deus, contradizendo a doutrina de Saulo e desacreditando-o perante o procônsul para mantê-lo afastado da verdade. Então Saulo, todo aceso de zelo e do Espírito Santo, fixou o olhar nele: “Sem-vergonha”, disse-lhe, “arca de impiedade e de fraude, filho do diabo, inimigo de toda justiça, você ainda não se detém de perverter os caminhos retos do Senhor? Agora, eis que a mão de Deus pesa sobre você: desde este momento você será cego e pelo tempo que Deus quiser não verá a luz do sol.” Imediatamente caiu sobre seus olhos uma névoa, da qual, privado da faculdade de ver, ele andava tateando, procurando quem lhe desse a mão.
            Diante desse fato terrível, Sérgio reconheceu a mão de Deus e, movido pelos sermões de Saulo e por aquele milagre, creu em Jesus Cristo e abraçou a fé com toda sua família. Também o mago Elimas, apavorado por essa repentina cegueira, reconheceu o poder divino nas palavras de Paulo e, renunciando à arte mágica, se converteu, fez penitência e abraçou a fé. Nessa ocasião, Saulo tomou o nome de Paulo, tanto em memória da conversão daquele governador, quanto para ser mais bem acolhido entre os gentios, pois Saulo era um nome hebraico, enquanto Paulo era um nome romano.
            Recolhendo em Pafos um considerável fruto de sua pregação, Paulo e Barnabé, com outros companheiros, embarcaram rumo a Perge, cidade da Panfília. Ali, despediram João Marcos, que até então havia se esforçado em ajudá-los. Barnabé gostaria de mantê-lo ainda; mas Paulo, percebendo nele uma certa pusilanimidade e inconstância, decidiu enviá-lo de volta à sua mãe em Jerusalém. Veremos em breve este discípulo reparar a fraqueza agora demonstrada e se tornar um fervoroso pregador.

CAPÍTULO V. São Paulo prega em Antioquia da Pisídia — Ano de Jesus Cristo 44

            De Perge, São Paulo foi com São Barnabé a Antioquia da Pisídia, assim chamada para distingui-la de Antioquia da Síria, que era a grande capital do Oriente. Ali os judeus, como em muitas outras cidades da Ásia, tinham sua sinagoga onde nos dias de sábado se reuniam para ouvir a explicação da Lei de Moisés e dos Profetas. Os dois apóstolos também compareceram e com eles muitos judeus e gentios que já adoravam o verdadeiro Deus. Segundo o costume dos judeus, os doutores da lei leram um trecho da Bíblia que depois entregaram a Paulo, pedindo-lhe que lhes dissesse algo edificante. Paulo, que não esperava outra coisa senão a oportunidade de falar, levantou-se, indicou com a mão que todos fizessem silêncio e começou a falar assim: «Filhos de Israel, e vocês todos que temem o Senhor, como me convidam a falar, peço que me ouçam com a atenção que merece a dignidade das coisas que estou prestes a lhes dizer.
            «Aquele Deus que escolheu nossos pais quando estavam no Egito e com uma longa série de prodígios fez deles uma nação privilegiada, honrou de maneira especial a linhagem de Davi prometendo que dela faria nascer o Salvador do mundo. Aquela grande promessa, confirmada por tantas profecias, finalmente se cumpriu na pessoa de Jesus de Nazaré. João, ao qual certamente vocês creem, aquele João cujas sublimes virtudes fizeram acreditar que era o Messias, deu-lhe o mais autorizado testemunho dizendo que não se considerava digno de desatar nem mesmo as correias de suas sandálias. Vocês hoje, irmãos, vocês dignos filhos de Abraão, e vocês todos adoradores do verdadeiro Deus, de qualquer nação ou linhagem que sejam, são aqueles a quem é particularmente dirigida a palavra de salvação. Os habitantes de Jerusalém, enganados por seus chefes, não quiseram reconhecer o Redentor que lhes pregamos. Ao contrário, deram-lhe a morte; mas Deus onipotente não permitiu, como havia predito, que o corpo de seu Cristo sofresse corrupção no sepulcro. Portanto, no terceiro dia após a morte, o fez ressurgir glorioso e triunfante.
            Até este ponto vocês não têm culpa alguma, porque a luz da verdade ainda não havia chegado até vocês. Mas tremam de agora em diante se algum dia fecharem os olhos; tremam por provocar sobre vocês a maldição fulminada pelos profetas contra quem não quer reconhecer a grande obra do Senhor, cujo cumprimento deve ocorrer nestes dias».
            Terminada a fala, todos os ouvintes se retiraram em silêncio, meditando sobre as coisas ouvidas de São Paulo.
            Entretanto, eram diversos os pensamentos que ocupavam suas mentes. Os bons estavam cheios de alegria pelas palavras de salvação que lhes foram anunciadas, mas grande parte dos judeus, sempre persuadidos de que o Messias deveria restabelecer o poder temporal de sua nação e envergonhando-se de reconhecer como Messias aquele que seus príncipes haviam condenado à morte ignominiosa, acolheram com desdém a pregação de Paulo. No entanto, mostraram-se satisfeitos e convidaram o Apóstolo a retornar no sábado seguinte, com ânimo, porém, bem diferente: os maliciosos para se prepararem para contradizê-lo, e aqueles que temiam o Senhor, israelitas e gentios, para melhor se instruírem e se confirmarem na fé. No dia combinado, reuniu-se uma imensa multidão para ouvir esta nova doutrina. Assim que São Paulo começou a pregar, imediatamente os doutores da sinagoga se levantaram contra ele. Opondo inicialmente algumas dificuldades; quando perceberam que não podiam resistir à força das razões com as quais São Paulo provava as verdades da fé, entregaram-se a gritos, injúrias e blasfêmias. Os dois apóstolos, vendo-se sufocar a palavra na boca, com forte ânimo exclamaram em alta voz: «A vocês se deveria em primeiro lugar anunciar a divina palavra; mas já que vocês tapam maldosamente os ouvidos e com fúria a rejeitam, tornam-se indignos da vida eterna. Nós, portanto, nos voltamos para os gentios para cumprir a promessa feita por Deus pela boca de seu profeta quando disse: “Eu te destinei para luz dos gentios e para a salvação deles até a extremidade da terra”».
            Os judeus então, ainda mais movidos por inveja e indignação, incitaram contra os Apóstolos uma feroz perseguição.
            Serviram-se de algumas mulheres que gozavam de crédito por serem piedosas e honestas, e com elas incitaram os magistrados da cidade, e todos juntos, gritando e fazendo alvoroço, forçaram os Apóstolos a sair de seus limites. Assim forçados, Paulo e Barnabé partiram daquela infeliz terra e, no ato de sua partida, segundo o mandamento de Jesus Cristo, sacudiram a poeira de seus pés em sinal de renunciar para sempre a qualquer relação com eles, como homens reprovados por Deus e atingidos pela maldição divina.

CAPÍTULO VI. São Paulo prega em outras cidades — Realiza um milagre em Listra, onde depois é apedrejado e deixado por morto — Ano de Jesus Cristo 45

            Paulo e Barnabé, expulsos da Pisídia, foram para a Licaônia, outra província da Ásia Menor, e se dirigiram a Icônio, que era a capital. Os santos Apóstolos, buscando apenas a glória de Deus, esquecendo os maus-tratos que haviam recebido em Antioquia pelos Judeus, se dedicaram imediatamente a pregar o Evangelho na sinagoga. Aqui Deus abençoou seus esforços, e uma multidão de Judeus e Gentios abraçou a fé. Mas aqueles entre os Judeus que permaneceram incrédulos e se obstinaram na impiedade, iniciaram outra perseguição contra os Apóstolos. Alguns os recebiam como homens enviados por Deus, outros os proclamavam impostores. Portanto, tendo sido avisados de que muitos deles, protegidos pelos chefes da sinagoga e pelos magistrados, queriam apedrejá-los, foram a Listra e depois a Derbe, cidades não muito distantes de Icônio. Essas cidades e os países vizinhos foram o campo onde nossos zelosos operários se dedicaram a semear a palavra do Senhor. Entre os muitos milagres que Deus realizou pela mão de São Paulo nesta missão, foi brilhante aquele que estamos prestes a relatar.
            Em Listra havia um homem coxo desde o nascimento, que nunca havia conseguido dar um passo com seus pés. Tendo ouvido que São Paulo realizava milagres extraordinários, sentiu nascer em seu coração uma viva confiança de que também poderia obter a saúde por meio dele, como tantos outros já haviam conseguido. Ele ouvia as pregações do Apóstolo, quando este, olhando fixamente para aquele infeliz e penetrando as boas disposições de sua alma, lhe disse em alta voz: “Levanta-te e fica em pé sobre os teus pés”. A um tal comando, o coxo se levantou e começou a andar rapidamente. A multidão que estava presente a tal milagre se sentiu tomada de entusiasmo e maravilha. “Esses não são homens”, exclamavam de todos os lados, “mas são deuses revestidos de aparência humana, descidos do céu entre nós”. E segundo tal suposição errônea, chamavam Barnabé de Júpiter, porque o viam de semblante mais majestoso, e Paulo, que falava com maravilhosa eloquência, chamavam de Mercúrio, que entre os Gentios era o intérprete e mensageiro de Júpiter e o deus da eloquência. Chegou a notícia do fato ao sacerdote do templo de Júpiter, que estava fora da cidade, e ele julgou ser seu dever oferecer aos grandes hóspedes um solene sacrifício e convidar todo o povo a participar. Preparadas as vítimas, as coroas e tudo o que fosse necessário para a função, trouxeram tudo diante da casa onde estavam hospedados Paulo e Barnabé, querendo de todas as maneiras fazer-lhes um sacrifício. Os dois Apóstolos, acesos de santo zelo, se lançaram na multidão e, em sinal de dor, rasgando suas vestes, gritavam: “Oh, o que fazeis, ó miseráveis? Nós somos homens mortais como vós; nós, com todo o espírito, vos exortamos a converter-vos do culto dos deuses ao culto daquele Senhor que criou o céu e a terra, e que, embora no passado tenha tolerado que os Gentios seguissem suas loucuras, no entanto forneceu claros argumentos de seu ser e de sua infinita bondade com obras que o fazem conhecer como supremo Senhor de todas as coisas”.
            A tão franca fala acalmaram-se os ânimos e abandonaram a ideia de fazer aquele sacrifício. Os sacerdotes ainda não haviam cedido totalmente e estavam perplexos se deveriam desistir quando chegaram de Antioquia e de Icônio alguns Judeus, enviados das sinagogas para perturbar as santas empreitadas dos Apóstolos. Aqueles malignos fizeram tanto e disseram tanto que conseguiram revoltar todo o povo contra os dois Apóstolos. Assim, aqueles que poucos dias antes os veneravam como deuses, agora os chamavam de malfeitores; e como apenas São Paulo havia falado, a ira se voltou toda contra ele.
            Lançaram sobre ele tal tempestade de pedras que, acreditando-o morto, o arrastaram para fora da cidade. Veja, leitor, como se deve avaliar a glória do mundo! Aqueles que hoje o querem elevar acima das estrelas, amanhã talvez o queiram no mais profundo dos abismos! Bem-aventurados aqueles que depositam em Deus sua confiança.

CAPÍTULO VII. Paulo milagrosamente curado — Outras de suas fadigas apostólicas — Conversão de Santa Tecla

            Os discípulos com outros fiéis, tendo sabido ou talvez visto o que havia sido feito a Paulo, se reuniram em torno do seu corpo chorando-o como morto. Mas logo foram consolados; pois, seja que Paulo estivesse realmente morto, seja que estivesse apenas todo machucado, Deus em um instante o fez retornar são e vigoroso como antes, a tal ponto que ele pôde se levantar por si mesmo e, cercado pelos discípulos, retornar à cidade de Listra entre aqueles mesmos que pouco antes o haviam apedrejado.
            Mas no dia seguinte, saindo daquela cidade, passou a Derbe, outra cidade da Licaônia. Aí pregou Jesus Cristo e fez muitas conversões. Paulo e Barnabé visitaram muitas cidades onde já haviam pregado e, observando os graves perigos a que estavam expostos aqueles que há pouco tempo haviam abraçado à fé, ordenaram Bispos e Sacerdotes que tivessem cuidado daquelas igrejas.
            Entre as conversões realizadas nesta terceira missão de Paulo é muito célebre a de Santa Tecla. Enquanto ele pregava em Icônio, essa jovem foi ouvi-lo. Anteriormente, ela havia se dedicado às belas letras e ao estudo da filosofia profana. Já seus parentes a haviam prometido a um jovem nobre, rico e muito poderoso. Encontrando-se um dia ouvindo São Paulo enquanto pregava sobre o valor da virgindade, apaixonou-se por essa preciosa virtude. Ao ouvir depois a grande estima que o Salvador tinha por ela e o grande prêmio que era reservado no céu àqueles que têm a bela sorte de conservá-la, sentiu ardente desejo de consagrar-se a Jesus Cristo e renunciar a todas as vantagens dos casamentos terrenos. Ao recusar aquele casamento, vantajoso aos olhos do mundo, seus parentes se indignaram fortemente e, de acordo com o noivo, tentaram todas as maneiras, todas as lisonjas para fazê-la mudar de propósito. Tudo em vão: quando uma alma é ferida pelo amor de Deus, todo esforço humano não consegue mais afastá-la do objeto que ama. De fato, os parentes, o noivo, os amigos, mudando o amor em fúria, incitaram os juízes e os magistrados de Icônio contra a santa virgem e das ameaças passaram aos fatos.
            Ela foi jogada em um cercado de feras famintas e ferozes; Tecla, unicamente armada da confiança em Deus, faz o sinal da Santa Cruz, e aqueles animais depõem sua ferocidade e respeitam a esposa de Jesus Cristo. Acende-se uma fogueira na qual ela é precipitada; mas, feito apenas o sinal da Cruz, as chamas se extinguem e ela se conserva ilesa. Em suma, foi exposta a todo tipo de tormentos e de todos foi prodigiosamente libertada. Por essas coisas, foi-lhe dado o nome de protomártir, ou seja, primeira mártir entre as mulheres, como Santo Estêvão foi o primeiro mártir entre os homens. Ela viveu ainda muitos anos no exercício das mais heroicas virtudes e morreu em paz em idade muito avançada.

CAPÍTULO VIII. São Paulo vai conferir com São Pedro — Assiste ao Concílio de Jerusalém — Ano de Cristo 50

            Após as fadigas e os sofrimentos suportados por Paulo e Barnabé em sua terceira missão, contentes com as almas que conseguiram conduzir ao aprisco de Jesus Cristo, retornaram a Antioquia da Síria. Lá contaram aos fiéis daquela cidade as maravilhas operadas por Deus na conversão dos Gentios. O Santo Apóstolo foi ali consolado com uma revelação, na qual Deus lhe ordenou que se dirigisse a Jerusalém para conferir com São Pedro sobre o Evangelho que ele pregava. Deus havia ordenado isso para que São Paulo reconhecesse em São Pedro o Chefe da Igreja, e assim todos os fiéis compreendessem como os dois príncipes dos Apóstolos pregavam uma mesma fé, um só Deus, um só batismo, um só Salvador Jesus Cristo.
            Paulo partiu em companhia de Barnabé, levando consigo um discípulo chamado Tito, ganho à fé no decorrer desta terceira missão. Este é aquele famoso Tito, que se tornou modelo de virtude, fiel seguidor e colaborador do nosso santo Apóstolo e de quem também teremos muitas vezes a falar. Chegando a Jerusalém, apresentaram-se aos Apóstolos Pedro, Tiago e João, que eram considerados como as principais colunas da Igreja. Entre outras coisas, foi ali acordado que Pedro com Tiago e João se aplicariam de maneira especial para conduzir os Judeus à fé; Paulo e Barnabé, por sua vez, se dedicariam principalmente à conversão dos Gentios.
            Paulo permaneceu quinze dias naquela cidade, após o que retornou com seus companheiros a Antioquia. Lá encontraram os fiéis muito agitados por uma questão derivada do fato de que os Judeus queriam obrigar os Gentios a se submeterem à circuncisão e às outras cerimônias da lei de Moisés, o que era o mesmo que dizer que era necessário se tornar um bom Judeu para depois se tornar um bom Cristão. As contendas foram tão longe que, não podendo se aquietar de outra forma, foi decidido enviar Paulo e Barnabé a Jerusalém para consultar o Chefe da Igreja para que por ele fosse decidida a questão.
            Nós já contamos na vida de São Pedro como Deus, com uma maravilhosa revelação, havia feito conhecer a este príncipe dos Apóstolos que os Gentios, ao virem à fé, não eram obrigados à circuncisão nem às outras cerimônias da lei de Moisés; no entanto, para que a vontade de Deus fosse conhecida por todos e fosse de modo solene resolvida toda a dificuldade, Pedro convocou um concílio universal, que foi o modelo de todos os concílios que foram celebrados nos tempos futuros. Ali Paulo e Barnabé expuseram o estado da questão, que foi definida por São Pedro e confirmada pelos outros Apóstolos da seguinte maneira:
            «Os Apóstolos e os anciãos aos irmãos convertidos do paganismo, que habitam em Antioquia e nas outras partes da Síria e da Cilícia. Tendo nós entendido que alguns que foram daqui têm perturbado e angustiado as vossas consciências com ideias arbitrárias, pareceu bem a nós aqui reunidos escolher e enviar a vós Paulo e Barnabé, homens a nós caríssimos, que sacrificaram suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Com eles enviamos Silas e Judas, os quais, entregando-vos nossas cartas, vos confirmarão de boca as mesmas verdades. De fato, foi julgado pelo Espírito Santo e por nós não vos impor outra lei, exceto aquelas que deveis observar, isto é, abster-vos das coisas sacrificadas aos ídolos, das carnes sufocadas, do sangue e da fornicação, das quais coisas abstendo-vos fareis bem. Fiquem em paz.»
            Esta última coisa, ou seja, a fornicação, não precisava ser proibida, sendo totalmente contrária aos ditames da razão e proibida pelo sexto preceito do Decálogo. No entanto, foi renovada tal proibição em relação aos Gentios, que no culto de seus falsos deuses pensavam que era lícito, ao contrário, coisa agradável àquelas imundas divindades.
            Chegando Paulo e Barnabé com Silas e Judas a Antioquia, publicaram a carta com o decreto do concílio, com o qual não só aquietaram o tumulto, mas encheram os irmãos de alegria, reconhecendo cada um a voz de Deus na de São Pedro e do concílio. Silas e Judas contribuíram muito para aquela alegria comum, pois sendo eles profetas, ou seja, cheios do Espírito Santo e dotados do dom da palavra divina e de uma graça particular para interpretar as Sagradas Escrituras, tiveram muita eficácia em confirmar os fiéis na fé, na concordância e nos bons propósitos.
            São Pedro, tendo sido informado dos progressos extraordinários que o Evangelho fazia em Antioquia, quis também ir visitar aqueles fiéis, a quem já havia pregado por mais anos e entre os quais havia mantido a Sé Pontifícia por sete anos. Enquanto os dois príncipes dos Apóstolos permaneciam em Antioquia, aconteceu que Pedro, para agradar aos Judeus, praticava algumas cerimônias da lei mosaica; o que causava uma certa aversão por parte dos Gentios, sem que São Pedro estivesse ciente disso. São Paulo, ao tomar conhecimento desse fato, avisou publicamente São Pedro, o qual com admirável humildade recebeu o aviso sem proferir palavras de desculpa; ao contrário, a partir de então tornou-se muito amigo de São Paulo, e em suas cartas não costumava chamá-lo por outro nome senão pelo de irmão caríssimo. Exemplo digno de ser imitado por aqueles que de alguma forma são avisados de seus defeitos.

CAPÍTULO IX. Paulo se separa de Barnabé — Percorre várias cidades da Ásia — Deus o envia à Macedônia — Em Filipos converte a família de Lídia — Ano de Cristo 51

            Paulo e Barnabé pregaram por algum tempo o Evangelho na cidade de Antioquia, esforçando-se até para divulgá-lo nos países vizinhos. Não muito depois, Paulo pensou em visitar as Igrejas onde havia pregado. Disse, portanto, a Barnabé: “Parece-me bem que voltemos a ver os fiéis daquelas cidades e terras onde pregamos, para ver como vão as coisas da religião entre eles.” Nada estava mais a peito de Barnabé, e por isso ele imediatamente concordou com o Santo Apóstolo; mas propôs levar consigo também aquele João Marcos que os havia seguido na missão anterior e depois os deixara em Perge. Talvez ele desejasse apagar a mancha que havia feito naquela ocasião, por isso queria estar novamente em sua companhia. São Paulo não pensava assim: “Você vê”, dizia a Barnabé, “que este não é um homem em quem se possa confiar: certamente você se lembra de como, ao chegarmos a Perge da Panfília, ele nos abandonou.” Barnabé insistia dizendo que poderia ser acolhido, e apresentava boas razões. Não conseguindo os dois Apóstolos entrar em acordo, decidiram se separar e seguir caminhos diferentes.
            Assim Deus fez servir essa diversidade de sentimentos para sua maior glória; porque, separados, levavam a luz do Evangelho a mais lugares, coisa que não teriam feito indo ambos juntos.
            Barnabé foi com João Marcos para a ilha de Chipre e visitou aquelas Igrejas onde havia pregado com São Paulo na missão anterior. Este Apóstolo trabalhou muito para difundir a fé em Jesus Cristo e finalmente foi coroado com o martírio em Chipre, sua pátria. João Marcos, desta vez, foi constante, e o veremos depois como fiel companheiro de São Paulo, que teve muito a louvar seu zelo e caridade.
            São Paulo levou consigo Silas, aquele que lhe fora designado como companheiro para levar os atos do concílio de Jerusalém a Antioquia, iniciou sua quarta viagem e foi visitar várias Igrejas que ele havia fundado. Primeiro foi a Derbe, depois a Listra, onde algum tempo atrás o Santo Apóstolo fora deixado como morto. Mas Deus quis desta vez compensá-lo pelo que havia sofrido antes.
            Ele encontrou lá um jovem que havia convertido na outra missão, chamado Timóteo. Paulo já conhecia o belo caráter deste discípulo e em seu coração havia decidido torná-lo um colaborador do Evangelho, ou seja, consagrá-lo sacerdote e tomá-lo como companheiro em seus trabalhos apostólicos. Antes, porém, de conferir-lhe a sagrada ordenação, Paulo pediu informações aos fiéis de Listra e descobriu que todos elogiavam este bom jovem, magnificando sua virtude, modéstia e seu espírito de oração; e isso diziam não apenas os de Listra, mas até mesmo os de Icônio e das outras cidades vizinhas, e todos pressagiavam em Timóteo um zeloso sacerdote e um santo bispo.
            Diante desses luminosos testemunhos, Paulo não teve mais dificuldade em consagrá-lo sacerdote. Paulo, portanto, levando consigo Timóteo e Silas, continuou a visita das Igrejas, recomendando a todos que observassem e se mantivessem firmes nas decisões do concílio de Jerusalém. Assim fizeram os de Antioquia, e assim fizeram em todo tempo os pregadores do Evangelho para assegurar os fiéis de não caírem em erro: manter-se aos decretos, às ordens dos concílios e do Papa Romano, sucessor de São Pedro.
            Paulo e seus companheiros atravessaram a Galácia e a Frígia para levar o Evangelho à Ásia, mas o Espírito Santo o proibiu.
            Para facilitar a compreensão das coisas que estamos prestes a contar, é bom notar de passagem que pela palavra Ásia em sentido amplo se entende uma das três partes do mundo. Costuma-se chamar de Ásia Maior toda a extensão da Ásia, exceto aquela parte que se chama Ásia Menor, hoje Anatólia, que é a península compreendida entre o Mar de Chipre, o Egeu e o Mar Negro. Também foi chamada de Ásia Proconsular uma parte da Ásia Menor mais ou menos extensa de acordo com o número das províncias confiadas ao governo do procônsul romano. Aqui, por Ásia, onde São Paulo planejava ir, entende-se uma porção da Ásia Proconsular, situada em torno de Éfeso e compreendida entre os montes Tauro, o Mar Negro e a Frígia.
            São Paulo então pensou em ir à Bitínia, que é outra província da Ásia Menor um pouco mais em direção ao Mar Negro; mas nem isso lhe foi permitido por Deus. Portanto, voltou e foi a Trôade, que é uma cidade e província onde antigamente havia uma famosa cidade chamada Troia. Deus havia reservado para outro tempo a pregação do Evangelho àqueles povos; por ora, queria enviá-lo a outros países.
            Enquanto São Paulo estava em Trôade, apareceu-lhe um anjo vestido de homem segundo o uso dos macedônios, que, estando em pé diante dele, começou a suplicá-lo assim: “Oh! tenha piedade de nós; passe à Macedônia e venha em nosso socorro.” Dessa visão, São Paulo conheceu a vontade do Senhor e sem demora se preparou para atravessar o mar e ir à Macedônia.
            Em Trôade, juntou-se a São Paulo um primo seu chamado Lucas, que lhe foi de grande ajuda em suas fadigas apostólicas. Ele era um médico de Antioquia, de grande inteligência, que escrevia com pureza e elegância em grego. Ele foi para Paulo o que São Marcos foi para São Pedro; e assim como ele, escreveu o Evangelho que lemos sob o nome de Evangelho segundo Lucas. Também o livro intitulado Atos dos Apóstolos, do qual extraímos quase todas as coisas que dizemos sobre São Paulo, é obra de São Lucas. Desde que se uniu como companheiro do nosso Apóstolo, não houve mais perigo, fadiga ou sofrimento que pudesse abalar sua constância.
            Paulo, portanto, segundo o aviso do anjo, juntamente com Silas, Timóteo e Lucas, embarcou de Trôade, navegou pelo Egeu (que separa a Europa da Ásia) e com próspera navegação chegou à ilha de Samotrácia, depois a Neápolis, não a capital do Reino de Nápoles, mas uma pequena cidade na fronteira da Trácia e da Macedônia. Sem parar, o Apóstolo foi diretamente a Filipos, cidade principal, assim chamada porque foi edificada por um rei daquele país chamado Filipe. Ali permaneceram por algum tempo.
            Naquela cidade, os judeus não tinham sinagoga, seja porque fossem proibidos, seja porque eram muito poucos em número. Tinham apenas uma “proseuca”, ou seja, lugar de oração, que chamamos de oratório. No dia de sábado, Paulo e seus companheiros saíram da cidade à beira de um rio onde encontraram uma “proseuca” com algumas mulheres. Começaram imediatamente a pregar o reino de Deus àquela audiência simples. Uma comerciante chamada Lídia foi a primeira a ser chamada por Deus; assim, ela e sua família receberam o Batismo.
            Esta mulher piedosa, grata pelos benefícios recebidos, assim pediu aos mestres e aos pais de sua alma: “Se vocês me consideram fiel a Deus, não me neguem uma graça após aquela do Batismo que reconheço ter recebido de vocês. Venham à minha casa, permaneçam quanto desejarem e considerem-na como sua.” Paulo não queria consentir; mas ela fez tais insistências que ele teve que aceitar. Eis o fruto que produz a palavra de Deus, quando é bem ouvida. Ela gera a fé; mas deve ser ouvida e explicada pelos ministros sagrados, como dizia o próprio São Paulo: “Fides ex auditu, auditus autem per verbum Christi” (A fé vem do ouvir, e o ouvir vem pela palavra de Cristo).

CAPÍTULO X. São Paulo liberta uma jovem do demônio — É açoitado com varas — É colocado na prisão — Conversão do carcereiro e de sua família — Ano de Cristo 51

            São Paulo e seus companheiros andavam por aí espalhando a semente da palavra de Deus pela cidade de Filipos. Um dia, indo à “proseuca”, encontraram uma pitonisa, que diríamos ser uma maga ou bruxa. Ela tinha um demônio que falava por sua boca e adivinhava muitas coisas extraordinárias; o que dava muito lucro aos seus senhores, pois as pessoas ignorantes iam consultá-la e para se fazer prever o futuro tinham que pagar bem pelas consultas. Assim, ela começou a seguir São Paulo e seus companheiros, gritando-lhes: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo; eles vos mostram o caminho da salvação.” São Paulo a deixou falar sem dizer nada, até que, aborrecido e indignado, se voltou para aquele espírito maligno que falava por sua boca e disse em tom ameaçador: “Em nome de Jesus Cristo, eu te ordeno que saias imediatamente desta jovem.” O dizer e o fazer foram uma só coisa, porque, forçado pela poderosa virtude do nome de Jesus Cristo, teve que sair daquele corpo, e pela sua partida a maga ficou sem magia.
            Vocês, leitores, compreenderão a razão pela qual o demônio louvava São Paulo, e este santo Apóstolo rejeitou os louvores. O espírito maligno queria que São Paulo o deixasse em paz, e assim o povo acreditasse que a doutrina de São Paulo era a mesma das adivinhações daquela endemoninhada. O santo Apóstolo quis demonstrar que não havia qualquer acordo entre Cristo e o demônio, e ao recusar suas adulações, mostrou quão grande era o poder do nome de Jesus Cristo sobre todos os espíritos do inferno.
            Os senhores daquela jovem, vendo que com o demônio se foi toda a esperança de lucro, se indignaram fortemente contra São Paulo e, sem esperar qualquer sentença, pegaram a ele e a seus companheiros e os levaram ao Palácio da Justiça. Chegando à presença dos juízes, disseram: “Estes homens de raça judaica estão perturbando nossa cidade para introduzir uma religião nova, que certamente é um sacrilégio.” O povo, ouvindo que se tratava de uma ofensa à religião, se enfureceu e se lançou contra eles de todos os lados.
            Os juízes se mostraram cheios de indignação e, rasgando suas vestes, sem fazer qualquer processo, sem examinar se havia crime ou não, mandaram que fossem severamente açoitados com varas e, quando estavam saciados ou cansados de bater, mandaram que Paulo e Silas fossem levados à prisão, ordenando ao carcereiro que os guardasse com a máxima diligência. Este não apenas os trancou na prisão, mas para maior segurança prendeu seus pés entre os grilhões. Aqueles santos homens, no horror da prisão, cobertos de feridas, longe de se queixar, exultavam de alegria e durante a noite iam cantando louvores a Deus. Os outros prisioneiros estavam maravilhados.
            Era meia-noite e ainda cantavam e bendiziam a Deus, quando de repente se ouviu um fortíssimo terremoto, que com horrível estrondo fez tremer até os fundamentos daquele edifício. A este tremor caem as correntes dos prisioneiros, quebram-se seus grilhões, as portas das prisões se abrem e todos os detidos se encontram em liberdade. O carcereiro acordou e, correndo para saber o que havia acontecido, encontrou as portas abertas. Então, ele, não duvidando que os prisioneiros haviam fugido, e por isso talvez ele mesmo tivesse que pagar com a vida, no excesso da desesperação corre, saca uma espada, a aponta para o peito e já está prestes a se matar. Paulo, ou pela claridade da lua ou à luz de alguma lamparina, vendo aquele homem em tal ato de desespero, “Para!”, começou a gritar, “Não te faças nenhum mal, estamos todos aqui.” Acalmado por estas palavras, ele se tranquiliza um pouco e, mandando trazer luz, entrou na prisão e encontrou os prisioneiros cada um em seu lugar. Tomado de espanto e movido por uma luz interior da graça de Deus, todo tremendo se lançou aos pés de Paulo e Silas, dizendo: “Senhores, que devo fazer para ser salvo?”
            Todos podem imaginar quanta alegria Paulo sentiu em seu coração ao ouvir tais palavras! Ele se voltou para ele e respondeu: “Crê no Filho de Deus, Jesus Cristo, e serás salvo tu e toda a tua família.”
            Aquele bom homem, sem demora, levou para casa os santos prisioneiros, lavou suas feridas com aquele amor e reverência que teria feito a seu pai. Reunida então sua família, foram instruídos na verdade da fé. Ouvindo com humildade de coração a palavra de Deus, aprenderam em breve o que era necessário para se tornarem cristãos. Assim, São Paulo, vendo-os cheios de fé e da graça do Espírito Santo, os batizou a todos. Então, começaram a agradecer a Deus pelos benefícios recebidos. Aqueles novos fiéis, vendo Paulo e Silas exaustos e enfraquecidos pelos açoites e pelo longo jejum, correram imediatamente para preparar-lhes o jantar com o qual foram restaurados. Os dois Apóstolos sentiram o maior conforto pelas almas que haviam ganho para Jesus Cristo; por isso, cheios de gratidão a Deus, retornaram à prisão esperando aquelas disposições que a divina Providência lhes faria conhecer a respeito.
            Enquanto isso, os magistrados se arrependeram de terem feito bater e trancar na prisão aqueles em quem não puderam encontrar culpa alguma, e mandaram alguns oficiais dizer ao carcereiro que deixasse em liberdade os dois prisioneiros. Muito feliz com tal notícia, o carcereiro correu imediatamente para comunicá-la aos Apóstolos. “Vocês”, disse, “podem certamente ir em paz.” Mas a Paulo pareceu que deveria ser diferente. Se eles assim fugissem às escondidas, se acreditaria que eram culpados de grave delito, e isso em detrimento do Evangelho. Ele, portanto, chamou a si os oficiais e disse-lhes: “Seus magistrados, sem ter conhecimento deste caso, sem qualquer forma de julgamento, publicamente nos fizeram bater, nós que somos cidadãos romanos; e agora querem nos mandar embora às escondidas. Certamente não será assim: que venham eles mesmos e nos conduzam para fora da prisão.” Aqueles mensageiros levaram esta resposta aos magistrados; os quais, tendo entendido que eram cidadãos romanos, ficaram tomados de grande temor, porque bater num cidadão romano era crime capital. Por isso, vieram imediatamente à prisão e com palavras amáveis se desculparam pelo que haviam feito e, tirando-os honrosamente da prisão, pediram que saíssem da cidade. Os Apóstolos foram imediatamente à casa de Lídia, onde encontraram os companheiros imersos em consternação por causa deles; e ficaram grandemente consolados ao vê-los postos em liberdade. Depois disso, partiram da cidade de Filipos. Assim, aqueles cidadãos rejeitaram as graças do Senhor em troca das graças dos homens.

CAPÍTULO XI. São Paulo prega em Tessalônica — Caso de Jasão — Vai a Bereia, onde é novamente perturbado pelos judeus — Ano de Cristo 52

            Paulo, com seus companheiros, partiu de Filipos, deixando ali as duas famílias de Lídia e do carcereiro convertidas a Jesus Cristo. Passando pelas cidades de Anfípolis e Apolônia, chegou a Tessalônica, a principal cidade da Macedônia, muito famosa pelo seu comércio e pelo seu porto no Egeu. Hoje em dia é chamada Salônica.
            Lá Deus havia preparado ao santo Apóstolo muitos sofrimentos e muitas almas para ganhar a Cristo. Ele começou a pregar e, por três sábados, continuou a demonstrar com as Sagradas Escrituras que Jesus Cristo era o Messias, o Filho de Deus, que as coisas que lhe aconteceram haviam sido anunciadas pelos Profetas; portanto, deviam ou renunciar às profecias ou crer na vinda do Messias. A tal pregação, alguns creram e abraçaram a fé; mas outros, especialmente os judeus, mostraram-se obstinados e, com grande ódio, levantaram-se contra São Paulo. Colocando-se à frente de alguns malvados da plebe, reuniram-se e, em grupos, tumultuaram toda a cidade. E, como Silas e Paulo haviam se hospedado na casa de um certo Jasão, correram tumultuando até a casa dele para tirá-los e conduzi-los diante do povo. Os fiéis perceberam a tempo e conseguiram fazê-los fugir. Não conseguindo mais encontrá-los, pegaram Jasão junto com alguns fiéis e os arrastaram diante dos magistrados da cidade, gritando em alta voz: “Esses perturbadores da humanidade vieram também aqui de Filipos; e Jasão os acolheu em sua casa; agora estes transgridem os decretos e violam a majestade de César, afirmando que há um outro Rei, isto é, Jesus Nazareno.” Essas palavras inflamaram os tessalonicenses e fizeram os mesmos magistrados se enfurecerem. Mas Jasão, assegurando-os de que não queriam fazer tumultos e que, caso pedissem aqueles estrangeiros, ele os apresentaria, mostraram-se satisfeitos e o tumulto se acalmou. Mas Silas e Paulo, vendo inútil todo esforço naquela cidade, seguiram os conselhos dos irmãos e foram a Bereia, outra cidade daquela província.
            Em Bereia, Paulo começou a pregar na sinagoga dos judeus, ou seja, colocou-se no mesmo perigo do qual havia sido quase milagrosamente libertado pouco antes. Mas desta vez sua coragem foi amplamente recompensada. Os bereanos ouviram a palavra de Deus com grande avidez. Paulo sempre citava aqueles trechos da Bíblia que diziam respeito a Jesus Cristo, e os ouvintes corriam imediatamente para conferi-los e verificar os textos que ele citava; e, encontrando-os correspondentes com exatidão, se inclinavam à verdade e acreditavam no Evangelho. Assim fazia o Salvador com os judeus da Palestina quando os convidava a ler atentamente as Sagradas Escrituras: Scrutamini Scripturas, et ipsae testimonium perhibent de me (Examinai as Escrituras e são elas que dão testemunho de mim – Jo 5,39).
            No entanto, as conversões ocorridas em Bereia não puderam permanecer ocultas a ponto de não chegarem notícias aos de Tessalônica. Os obstinados judeus desta cidade correram em grande número a Bereia para prejudicar a obra de Deus e impedir a conversão dos gentios. São Paulo era principalmente procurado como aquele que sustentava em particular a pregação. Os irmãos, vendo-o em perigo, fizeram-no acompanhar secretamente para fora da cidade por pessoas de confiança e, por caminhos seguros, o conduziram a Atenas. Permaneceram, porém, em Bereia Silas e Timóteo. Mas Paulo, ao despedir aqueles que o haviam acompanhado, recomendou-lhes com urgência que dissessem a Silas e a Timóteo que o alcançassem o mais rápido possível. Os santos Padres, na obstinação dos judeus de Tessalônica, reconhecem aqueles cristãos que, não contentes em não aproveitar eles mesmos os benefícios da religião, buscam afastar os outros, o que fazem ou caluniando os sagrados ministros ou desprezando as coisas da mesma religião. O Salvador diz a estes: “A vós será tirada a minha vinha”, isto é, a minha religião, “e será dada a outros povos que a cultivarão melhor do que vós e trarão frutos a seu tempo.” Ameaça terrível, mas que, infelizmente, já se concretizou e se está concretizando em muitos países, onde outrora florescia a religião cristã, os quais atualmente vemos imersos nas densas trevas do erro, do vício e da desordem. — Deus nos livre deste flagelo!

CAPÍTULO XII. Estado religioso dos atenienses — São Paulo no Areópago — Conversão de São Dionísio — Ano de Cristo 52

            Atenas era uma das cidades mais antigas, mais ricas e mais comerciais do mundo. Ali a ciência, o valor militar, os filósofos, os oradores, os poetas sempre foram os mestres da humanidade. Os próprios romanos haviam enviado a Atenas para coletar leis que levaram a Roma como oráculos de sabedoria. Havia também um senado de homens considerados espelho de virtude, justiça e prudência; eles eram chamados areopagitas, do Areópago, lugar onde tinham o tribunal. Mas com tanta ciência, estavam imersos na vergonhosa ignorância das coisas da religião. As seitas dominantes eram a dos epicureus e a dos estoicos. Os epicureus negavam a Deus a criação do mundo e a providência, nem admitiam prêmio ou pena na outra vida; por isso colocavam a beatitude nos prazeres da terra. Os estoicos consideravam o supremo bem apenas na virtude e faziam o homem em algumas coisas maior do que o próprio Deus, porque acreditavam ter a virtude e a sabedoria por si mesmos. Todos adoravam mais deuses, e não havia crime que não fosse favorecido por alguma insensata divindade.
            São Paulo, homem desconhecido, considerado vil por ser judeu, deveria pregar-lhes a Jesus Cristo, também judeu, morto na cruz, e levá-los a adorá-lo como verdadeiro Deus. Portanto, somente Deus poderia fazer com que as palavras de São Paulo pudessem mudar corações tão inveterados no vício e alheios à verdadeira virtude, e fazer com que abraçassem e professassem a santa religião cristã.
            Enquanto Paulo aguardava Silas e Timóteo, sentia em seu coração compaixão por aqueles miseráveis enganados e, como de costume, começava a discutir com os judeus e com todos aqueles que se encontravam com ele, ora nas sinagogas, ora nas praças. Os epicureus e os estoicos também vieram discutir com ele e, não podendo resistir às razões, iam dizendo: “O que quer dizer esse charlatão?” Outros diziam: “Parece que este quer nos mostrar algum novo Deus.” O que diziam porque ouviam mencionar Jesus Cristo e a ressurreição. Alguns outros, querendo agir com mais prudência, convidaram Paulo a ir ao Areópago. Quando chegou a esse magnífico senado, disseram-lhe: “Poderíamos saber algo sobre essa tua nova doutrina? Pois tu nos fazes soar aos ouvidos coisas nunca antes ouvidas por nós. Desejamos saber a realidade do que ensinas.”
            Ao saber que um estrangeiro deveria falar no Areópago, acorreu uma grande multidão de gente.
            Convém aqui notar que entre os atenienses era severamente proibido dizer a menor palavra contra suas inúmeras e estúpidas divindades, e consideravam crime capital receber ou adicionar entre eles algum deus estrangeiro, que não fosse cuidadosamente examinado e proposto pelo senado. Dois filósofos, um chamado Anaxágoras e o outro Sócrates, foram mortos apenas por terem deixado entender que não podiam admitir tantas ridículas divindades. Destas coisas se entende facilmente o perigo em que estava São Paulo pregando o verdadeiro Deus àquela terrível assembleia e tentando derrubar todos os seus deuses.
            O santo Apóstolo, portanto, vendo-se naquele augusto senado e devendo falar aos mais sábios dos homens, julgou bem adotar um estilo e uma maneira de raciocinar muito mais elegantes do que costumava. E, como aqueles senadores não admitissem o argumento das Escrituras, ele pensou em se fazer ouvir pela força da razão. Levantando-se, portanto, e fazendo silêncio entre todos, começou:
            «Homens atenienses, eu vos vejo em todas as coisas religiosos até o escrúpulo. Porque, passando por esta cidade e considerando os vossos simulacros, encontrei também um altar com esta inscrição: Ao Deus Desconhecido. Eu, portanto, venho anunciar-vos aquele Deus que vós adorais sem conhecer. Ele é aquele Deus que fez o mundo e todas as coisas que nele existem. Ele é o Senhor do céu e da terra, por isso não habita em templos feitos por mãos humanas. Nem ele é servido pelas mãos dos mortais como se tivesse necessidade deles; pois, ao contrário, ele é quem dá a todos a vida, o fôlego e todas as coisas. Ele fez com que de um só homem descendessem todos os outros, cuja descendência se espalhou por toda a terra. Ele fixou os tempos e os limites da sua habitação, para que buscassem a Deus, se porventura o pudessem encontrar, embora Ele não esteja longe de nós.
            «Porque nele vivemos, nos movemos e somos, como também disse algum dos vossos poetas (Arato, famoso poeta da Cilícia): “Porque somos também sua descendência”. Sendo, portanto, nós descendência de Deus, não devemos considerar que Ele seja semelhante ao ouro ou à prata ou à pedra esculpida pela arte ou pela invenção dos homens. Deus, porém, na sua misericórdia, fechou os olhos para o passado sobre tal ignorância; mas agora ordenou que façamos penitência. Pois Ele fixou um dia em que julgará com justiça todo o mundo por meio de um homem estabelecido por Ele, como deu prova a todos ressuscitando-o dos mortos».
            Até este ponto, aqueles ouvintes levianos, cujos vícios e erros haviam sido atacados com muita sutileza, mantiveram-se em bom comportamento. Mas ao primeiro anúncio do dogma extraordinário da ressurreição, os epicureus se levantaram e, em grande parte, saíram zombando daquela doutrina que certamente lhes incutia terror. Outros, mais discretos, disseram-lhe que por aquele dia bastava, e que o ouviriam outra vez sobre o mesmo assunto. Assim foi recebido o mais eloquente dos Apóstolos por aquela assembleia soberba. Adiaram o aproveitamento da graça de Deus; essa graça não lemos que tenha sido depois concedida a eles por Deus.
            Deus, porém, não deixou de consolar seu servo com a conquista de algumas almas privilegiadas. Entre outras, foi Dionísio, um dos juízes do Areópago, e uma mulher chamada Dâmaris, que se acredita ser sua esposa. Conta-se que este Dionísio, à morte do Salvador, contemplando aquele eclipse pelo qual as trevas se espalharam sobre toda a terra, exclamou: “Ou o mundo se desfaz, ou o autor da natureza sofre violência.” Assim que ele pôde conhecer a causa daquele acontecimento, rendeu-se imediatamente às palavras de São Paulo. Conta-se também que, tendo ido visitar a Mãe de Deus, ficou tão surpreso com tanta beleza e majestade, que se prostrou ao chão para venerá-la, afirmando que a adoraria como uma divindade se a fé não o tivesse assegurado que há um só Deus. Depois São Paulo o consagrou bispo de Atenas e morreu coroado pelo martírio.

CAPÍTULO XIII. São Paulo em Corinto — Sua moradia na casa de Áquila — Batismo de Crispo e de Sóstenes — Escreve aos Tessalonicenses — Retorno a Antioquia — Ano de Jesus Cristo 53-54

            Se Atenas era a cidade mais célebre pela ciência, Corinto era considerada a primeira pelo comércio. Para lá convergiam mercadores de todas as partes. Tinha dois portos no istmo do Peloponeso: um chamado Cencreia, que dava para o Egeu, e o outro chamado Léquio, que se debruçava sobre o Adriático. A desordem e a imoralidade eram levadas ao triunfo. Apesar de tais obstáculos, São Paulo, assim que chegou a esta cidade, começou a pregar em público e em privado.
            Ele se hospedou na casa de um judeu chamado Áquila. Este era um fervoroso cristão que, para evitar a perseguição publicada pelo imperador Cláudio contra os cristãos, havia fugido da Itália com sua esposa chamada Priscila e viera a Corinto. Exerciam a mesma arte que Paulo havia aprendido na juventude, ou seja, fabricavam tendas para uso dos soldados. Para não ser um peso para seus anfitriões, o santo Apóstolo também se dedicava ao trabalho e passava na oficina todo o tempo que lhe restava livre do sagrado ministério. Todo sábado, porém, ia à sinagoga e se esforçava para fazer conhecer aos judeus que as profecias referentes ao Messias haviam se cumprido na pessoa de Jesus Cristo.
            Chegaram, entretanto, Silas e Timóteo de Bereia. Eles haviam partido para Atenas, onde souberam que Paulo já havia partido, e o alcançaram em Corinto. À sua chegada, Paulo se dedicou com mais coragem a pregar aos judeus; mas, à medida que a obstinação deles crescia a cada dia, Paulo, não podendo mais suportar tantas blasfêmias e tal abuso de graças, assim movido por Deus, anunciou-lhes iminentes os flagelos divinos com estas palavras: «O vosso sangue recaia sobre vós; eu sou inocente. Eis que me volto para os gentios, e doravante serei tudo para eles».
            Entre os judeus que blasfemavam contra Jesus Cristo, talvez houvesse alguns que trabalhavam na oficina de Áquila; por isso, o Apóstolo, a fim de evitar a companhia dos malignos, abandonou a casa dele e se transferiu para a casa de um certo Tito Justo, que havia sido recentemente convertido do paganismo à fé. Perto de Tito morava um certo Crispo, chefe da sinagoga. Este, instruído pelo Apóstolo, abraçou a fé com toda a sua família.
            As grandes ocupações de Paulo em Corinto não o fizeram esquecer seus amados fiéis de Tessalônica. Quando Timóteo chegou de lá, ele lhe contou grandes coisas sobre o fervor daqueles cristãos, sua grande caridade, a boa memória que conservavam dele e o ardente desejo de revê-lo. Não podendo Paulo ir pessoalmente, como desejava, escreveu-lhes uma carta, que se acredita ser a primeira carta escrita por São Paulo.
            Nesta carta, ele se alegra muito com os tessalonicenses por sua fé e caridade, depois os exorta a se guardarem das desordens sensuais e de toda fraude. E como a ociosidade é a fonte de todos os vícios, assim ele os encoraja a se dedicarem seriamente ao trabalho, considerando indigno de comer quem não quer trabalhar: Si quis non vult operari nec manducet. (Se alguém não quer trabalhar, também não coma). Conclui então lembrando-lhes o grande prêmio que Deus tem preparado no céu para o menor esforço suportado na vida presente por amor a Ele.
            Pouco depois desta carta, teve outras notícias dos mesmos fiéis de Tessalônica. Eles estavam grandemente inquietos por alguns impostores que andavam pregando iminente o juízo universal. O Apóstolo escreveu-lhes uma segunda carta, avisando-os para não se deixarem enganar por seus discursos falaciosos. Nota ser certo o dia do juízo universal, mas antes devem aparecer muitos sinais, entre os quais a pregação do Evangelho em toda a terra. Exorta-os a se manterem firmes nas tradições que lhes foram comunicadas por carta e de viva voz. Finalmente, recomenda-se às suas orações e insiste muito em fugir dos curiosos e dos ociosos, que são considerados como a peste da religião e da sociedade.
            Enquanto São Paulo confortava os fiéis de Tessalônica, surgiram contra ele tais perseguições que ele se teria decidido a fugir daquela cidade se não tivesse sido confortado por Deus com uma visão. Apareceu-lhe Jesus Cristo e lhe disse: «Não temas, eu estou contigo, ninguém poderá te fazer mal; nesta cidade é grande o número daqueles que por meio de ti se converterão à fé». Encorajado por tais palavras, o Apóstolo permaneceu em Corinto dezoito meses.
            A conversão de Sóstenes foi uma das que trouxe grande consolação à alma de Paulo. Ele sucedeu a Crispo na função de chefe da sinagoga. A conversão desses dois principais representantes de sua seita irritou ferozmente os judeus, e em seu furor pegaram o Apóstolo e o conduziram ao procônsul, acusando-o de ensinar uma religião contrária à dos judeus. Galião, tal é o nome daquele governador, ouvindo que se tratava de coisas de religião, não quis envolver-se como juiz. Limitou-se a responder assim: «Se se tratasse de alguma injustiça ou de algum crime público, eu os ouviria de bom grado; mas tratando-se de questões pertencentes à religião, decidam vocês mesmos, eu não pretendo julgar essas matérias». Aquele procônsul considerava que as questões e as diferenças relacionadas à religião deveriam ser discutidas pelos sacerdotes e não pelas autoridades civis, e por isso foi sábia sua resposta.
            Indignados os judeus com tal repulsa, se voltaram contra Sóstenes, incitaram também os ministros do tribunal a se unirem a eles para espancá-lo diante do mesmo Galião, sem que ele os proibisse. Sóstenes suportou com invicta paciência aquela afronta e, assim que foi libertado, uniu-se a Paulo e se tornou seu fiel companheiro em suas viagens.
            Vendo-se Paulo como por milagre libertado de tão grave tempestade, fez a Deus um voto em agradecimento. Esse voto era semelhante ao dos nazireus, o qual consistia particularmente em se abster por um determinado tempo do vinho e de qualquer outra coisa que embriagasse, e em deixar crescer os cabelos, o que entre os antigos era sinal de luto e de penitência. Quando estava para terminar o tempo do voto, deveria fazer um sacrifício no templo com várias cerimônias prescritas pela lei de Moisés.
            Cumprida uma parte de seu voto, São Paulo, em companhia de Áquila e Priscila, embarcou rumo a Éfeso, cidade da Ásia Menor. Segundo seu costume, Paulo foi visitar a sinagoga e disputou várias vezes com os judeus. Pacíficas foram essas disputas, aliás, os judeus o convidaram a ficar mais tempo; mas Paulo queria prosseguir sua viagem para se encontrar em Jerusalém e cumprir seu voto. Porém, prometeu àqueles fiéis que retornaria, e quase como garantia de seu retorno deixou com eles Áquila e Priscila. De Éfeso, São Paulo embarcou para a Palestina e chegou a Cesareia, onde, desembarcando, se encaminhou a pé para Jerusalém. Foi visitar os fiéis desta Igreja e, cumpridas as coisas para as quais havia empreendido a viagem, veio a Antioquia, onde se demorou por algum tempo.
            Tudo é digno de admiração neste grande Apóstolo. Notemos aqui somente uma coisa que ele recomenda calorosamente aos fiéis de Corinto. Para dar-lhes um importante aviso sobre como se manter firmes na fé, escreve: Itaque, fratres, state, et tenete traditiones quas didicistis sive per sermonem sive per epistolam nostram (Portanto, irmãos, ficai firmes e guardai cuidadosamente os ensinamentos que vos transmitimos, de viva voz ou por carta). Com essas palavras, São Paulo ordenava que se tivesse a mesma reverência pela palavra de Deus escrita e pela palavra de Deus transmitida por tradição, como ensina a Igreja Católica.

CAPÍTULO XIV. Apolo em Éfeso — O sacramento da Crisma — São Paulo opera muitos milagres — Caso de dois exorcistas judeus — Ano de Cristo 55

            São Paulo permaneceu algum tempo em Antioquia, mas vendo aqueles fiéis suficientemente providos de pastores sagrados, decidiu partir para visitar novamente os países onde já havia pregado. Esta é a quinta viagem de nosso santo Apóstolo. Ele foi à Galácia, ao Ponto, à Frígia e à Bitínia; depois, conforme a promessa feita, retornou a Éfeso, onde Áquila e Priscila o esperavam. Em todo lugar foi acolhido, como ele mesmo escreve, como um anjo de paz.
            Entre a partida e o retorno de Paulo a Éfeso, foi a esta cidade um judeu chamado Apolo. Ele era um homem eloquente e profundamente instruído nas Sagradas Escrituras. Adorava o Salvador e o pregava também com zelo, mas não conhecia outro batismo senão aquele pregado por São João Batista. Áquila e Priscila perceberam que ele tinha uma ideia muito confusa dos Mistérios da Fé e, chamando-o a si, o instruíram melhor na doutrina, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
            Desejoso de levar a palavra de salvação a outros povos, decidiu passar à Acaia, ou seja, à Grécia. Os efésios, que há algum tempo admiravam suas virtudes e começavam a amá-lo como pai, quiseram acompanhá-lo com uma carta em que elogiavam muito seu zelo e o recomendavam aos coríntios. Ele de fato fez muito bem àqueles cristãos. Quando o Apóstolo chegou a Éfeso, encontrou vários fiéis instruídos por Apolo e, querendo conhecer o estado dessas almas, perguntou se haviam recebido o Espírito Santo; ou seja, se haviam recebido o sacramento da Crisma, que se costumava administrar naqueles tempos após o batismo, e no qual se conferia a plenitude dos dons do Espírito Santo. Mas aquela boa gente respondeu: «Nós não sabemos nem mesmo que haja um Espírito Santo». Maravilhado o Apóstolo com tal resposta e, tendo entendido que haviam recebido apenas o batismo de São João Batista, ordenou que fossem novamente batizados com o batismo de Jesus Cristo, ou seja, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Depois disso, Paulo, impondo as mãos, administrou-lhes o sacramento da Crisma, e aqueles novos fiéis receberam não apenas os efeitos invisíveis da graça, mas também sinais particulares e manifestos da onipotência divina, o que os tornava capazes de falar fluentemente línguas que antes não entendiam, profetizando coisas futuras e interpretando as Sagradas Escrituras.
            São Paulo pregou por três meses na sinagoga, exortando os judeus a crerem em Jesus Cristo. Muitos creram, mas alguns, mostrando-se obstinados, blasfemavam até o santo nome de Jesus Cristo. Paulo, pela honra do Evangelho ridicularizado por esses ímpios e para fugir da companhia dos malignos, cessou de pregar na sinagoga, rompeu toda comunicação com eles e se retirou para a casa de um gentil cristão chamado Tiranos, que era professor. São Paulo fez daquela escola uma Igreja de Jesus Cristo, onde, pregando e explicando as verdades da fé, atraía gentios e judeus de todas as partes da Ásia.
            Deus ajudava sua obra confirmando com prodígios inauditos a doutrina pregada por seu servo. Os panos, os lenços e as faixas que haviam tocado o corpo de Paulo eram levados de um lado para o outro e colocados sobre os enfermos e os endemoninhados, e isso bastava para que imediatamente fugissem as doenças e os espíritos imundos. Foi esta uma maravilha nunca ouvida, e Deus quis certamente que tal fato fosse registrado na Bíblia para confundir aqueles que tanto investiram e ainda investem contra a veneração que os católicos prestam às sagradas relíquias. Talvez queiram eles condenar como superstição aqueles primeiros cristãos, que aplicavam sobre os doentes os lenços que haviam tocado o corpo de Paulo? Coisas que São Paulo nunca proibiu e que Deus demonstrava aprovar com milagres?
            A propósito da invocação do nome de Jesus Cristo para fazer milagres, ocorreu um fato muito curioso. Entre os efésios havia muitos que pretendiam expulsar os demônios dos corpos com certas palavras mágicas ou usando raízes de ervas ou perfumes. Mas seus resultados sempre eram pouco favoráveis. Também alguns exorcistas judeus, vendo que até as vestes de Paulo expulsavam os demônios, ficaram tomados de inveja e tentaram, como fazia São Paulo, usar o nome de Jesus Cristo para expulsar o demônio de um homem. «Eu te conjuro», iam dizendo, «e te ordeno que saias deste corpo pelo Jesus que é pregado por Paulo». O demônio, que sabia as coisas melhor do que eles, por boca do endemoninhado respondeu: «Eu conheço Jesus e sei também quem é Paulo; mas vocês são impostores. Que direito têm vocês sobre mim?» Dito isso, lançou-se sobre eles, espancou-os e os feriu de tal modo que dois deles mal puderam fugir, todos feridos e com as roupas rasgadas. Este fato estrepitoso, tendo-se divulgado por toda a cidade, causou grande temor, e ninguém mais ousava nomear o santo nome de Jesus Cristo senão com respeito e veneração.

CAPÍTULO XV. Sacramento da Confissão — Livros perversos queimados — Carta aos Coríntios — Revolta em honra da deusa Diana — Carta aos Gálatas — Ano de Cristo 56-57

            Deus, sempre misericordioso, sabe extrair o bem até mesmo dos próprios pecados. O fato dos dois exorcistas tão maltratados por aquele endemoninhado causou grande medo em todos os efésios, e tanto os judeus quanto os gentios apressaram-se a renunciar ao demônio e a abraçar a fé. Foi então que muitos daqueles que haviam crido vinham em grande número a confessar e a declarar o mal cometido em suas vidas para obter o perdão: “Vinham confessando e declarando seus atos”. Este é um claro testemunho da confissão sacramental ordenada pelo Salvador e praticada desde os tempos apostólicos.
            O primeiro fruto da confissão e do arrependimento daqueles fiéis foi afastar de si as ocasiões do pecado. Por isso, todos aqueles que possuíam livros perversos, ou seja, contrários aos bons costumes ou à religião, os entregavam para que fossem queimados. Tantos trouxeram que, fazendo um monte na praça, fizeram uma fogueira na presença de todo o povo, considerando melhor queimar aqueles livros na vida presente para evitar o fogo eterno do inferno. O valor daqueles livros formava uma soma que correspondia quase a cem mil francos. Ninguém, porém, tentou vendê-los, pois isso seria oferecer a outros a ocasião de fazer o mal, o que nunca é permitido. Enquanto essas coisas aconteciam, chegou de Corinto a Éfeso Apolo com outros, anunciando que haviam surgido discórdias entre aqueles fiéis. O santo Apóstolo esforçou-se para remediar a situação com uma carta, na qual recomenda a eles a unidade de fé, a obediência aos seus pastores, a caridade mútua e especialmente para com os pobres; incita os ricos a não prepararem banquetes luxuosos e a não abandonarem os pobres na miséria. Insiste, então, que cada um purifique sua consciência antes de se aproximar do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, dizendo: “Aquele que come aquele Corpo e bebe aquele Sangue indignamente, come seu próprio juízo e sua própria condenação”. Também havia acontecido que um jovem havia cometido grave pecado com sua madrasta. O santo, para fazer compreender o devido horror, ordenou que ele fosse separado por algum tempo dos outros fiéis para que voltasse a si mesmo. Este é um verdadeiro exemplo de excomunhão, como a Igreja Católica ainda pratica, quando por graves delitos excomunga, ou seja, declara separados dos outros aqueles cristãos que são culpados. Paulo enviou seu discípulo Tito para levar esta carta a Corinto. O fruto parece ter sido muito copioso.
            Ele estava em Éfeso quando se desencadeou contra ele uma terrível perseguição por obra de um ourives chamado Demétrio. Este fabricava pequenos templos de prata nos quais se colocava uma estatueta da deusa Diana, divindade venerada em Éfeso e em toda a Ásia. Isso lhe proporcionava comércio e grande lucro, pois a maior parte dos estrangeiros que vinham às festas de Diana levava consigo esses sinais de devoção. Demétrio era o principal artífice e com isso fornecia trabalho e sustento para as famílias de muitos operários.
            À medida que crescia o número de cristãos, diminuía o número de compradores das estatuetas de Diana. Assim, um dia, Demétrio reuniu um grande número de cidadãos e demonstrou como, não tendo eles outros meios de viver, Paulo os faria morrer de fome. “Pelo menos”, acrescentava, “não se tratasse apenas do nosso interesse privado; mas o templo da nossa grande deusa, tão celebrado em todo o mundo, está prestes a ser abandonado”. A essas palavras foi interrompido por mil vozes diferentes que gritavam com a mais furiosa confusão: “A grande Diana dos Efésios! A grande Diana dos Efésios!” Toda a cidade se agitou; correram gritando em busca de Paulo e, não conseguindo encontrá-lo imediatamente, arrastaram consigo dois de seus companheiros chamados Gaio e Aristarco. Um judeu chamado Alexandre quis falar. Mas assim que conseguiu abrir a boca, de todos os lados começaram a gritar com voz ainda mais alta: “A grande Diana dos Efésios! Quão grande é a Diana dos Efésios!” Este grito foi repetido por duas horas inteiras.
            Paulo queria avançar em meio ao tumulto para falar, mas alguns irmãos, sabendo que ele se exporia a morte certa, o impediram. Deus, porém, que tem nas mãos o coração dos homens, restaurou plena calma entre aquele povo de uma maneira inesperada. Um homem sábio, um simples secretário e, pelo que parece, amigo de Paulo, conseguiu acalmar aquele furor. Assim que pôde falar, disse: “E quem não sabe que a cidade de Éfeso tem uma devoção e um culto particular à grande Diana, filha de Júpiter? Sendo tal coisa acreditada por todos, vocês não devem se perturbar nem se apegar a tão temerário remédio, como se pudesse cair em dúvida tal devoção estabelecida por todos os séculos. Quanto a Gaio e Aristarco, direi que eles não estão convencidos de nenhuma blasfêmia contra Diana. Se Demétrio e seus companheiros têm algo contra eles, que levem a causa diante do tribunal. Se continuarmos com essas demonstrações públicas, seremos acusados de sedição”. Aquelas palavras acalmaram o tumulto e cada um voltou às suas ocupações.
            Após esse tumulto, Paulo queria partir imediatamente para a Macedônia, mas teve que adiar sua partida devido a algumas desordens ocorridas entre os fiéis da Galácia. Alguns falsos pregadores começaram a desacreditar São Paulo e suas pregações, afirmando que a doutrina dele era diferente da dos outros Apóstolos e que a circuncisão e as cerimônias da lei de Moisés eram absolutamente necessárias.
            O santo Apóstolo escreveu uma carta na qual demonstra a conformidade de doutrina entre ele e os Apóstolos; prova que muitas coisas da lei de Moisés não eram mais necessárias para a salvação; recomenda que se cuidem bem dos falsos pregadores e que se gloriem somente em Jesus, em cujo nome deseja paz e bênçãos.
            Enviada a carta aos fiéis da Galácia, ele partiu para a Macedônia após ter permanecido três anos em Éfeso, ou seja, do ano cinquenta e quatro ao ano cinquenta e sete de Jesus Cristo. Durante a estada de São Paulo em Éfeso, Deus lhe fez conhecer em espírito que o chamava para a Macedônia, para a Grécia, para Jerusalém e para Roma.

CAPÍTULO XVI. São Paulo retorna a Filipos — Segunda Carta aos fiéis de Corinto — Vai a esta cidade — Carta aos Romanos — Sua pregação prolongada em Trôade — Ressuscita um morto — Ano de Cristo 58

            Antes de partir de Éfeso, Paulo convocou os discípulos e, fazendo-lhes uma paterna exortação, os abraçou ternamente; depois, pôs-se em viagem para a Macedônia. Desejava permanecer algum tempo em Trôade, onde esperava encontrar seu discípulo Tito; mas, não o tendo encontrado e desejando saber logo o estado da Igreja de Corinto, partiu de Trôade, atravessou o Helesponto, que hoje se chama estreito de Dardanelos, e passou para a Macedônia, onde teve que sofrer muito pela fé.
            Mas Deus lhe preparou uma grande consolação com a chegada de Tito, que o alcançou na cidade de Filipos. Esse discípulo expôs ao santo Apóstolo como sua carta havia produzido efeitos salutares entre os cristãos de Corinto, que o nome de Paulo era caríssimo a todos e que cada um ardia de desejo de revê-lo em breve.
            Para dar vazão aos sentimentos paternais de seu coração, o Apóstolo escreveu de Filipos uma segunda carta na qual demonstra toda a ternura para com aqueles que se conservavam fiéis e repreende alguns que buscavam perverter a doutrina de Jesus Cristo. Tendo então entendido que aquele jovem, excomungado em sua primeira carta, havia se convertido sinceramente, e ouvindo de Tito que a dor o havia quase levado à desesperação, o santo Apóstolo recomendou que se tivesse consideração por ele, o absolveu da excomunhão e o restituiu à comunhão dos fiéis. Com a carta, recomendou muitas coisas a serem comunicadas por meio de Tito, que era o portador. Acompanharam Tito nesta viagem outros discípulos, entre os quais São Lucas, que há alguns anos era bispo de Filipos. São Paulo consagrou Santo Epafrodito bispo para aquela cidade e assim São Lucas tornou-se novamente companheiro do santo mestre nas fadigas do apostolado.
            Da Macedônia, Paulo dirigiu-se a Corinto, onde ordenou tudo o que dizia respeito à celebração dos santos mistérios, como havia prometido em sua primeira carta, o que deve ser entendido como aqueles ritos que em todas as Igrejas comumente se observam, como seria o jejum antes da Santa Comunhão e outras coisas semelhantes que dizem respeito à administração dos Sacramentos.
            O Apóstolo passou o inverno nesta cidade, esforçando-se para consolar seus filhos em Jesus Cristo, que não se cansavam de ouvi-lo e de admirar nele um zeloso pastor e um terno pai.
            De Corinto, estendeu também suas solicitações a outros povos e especialmente aos romanos, já convertidos à fé por São Pedro com anos de fadigas e de sofrimentos. Áquila, com outros amigos, tendo entendido que a perseguição havia cessado, havia retornado a Roma. Paulo soube deles que naquela metrópole do império haviam surgido dissensões entre gentios e judeus. Os gentios invectivavam os judeus por não terem correspondido aos benefícios recebidos de Deus, tendo ingrata e cruelmente crucificado o Salvador; os judeus, por sua vez, faziam invectivas aos gentios por terem seguido a idolatria e venerado as divindades mais infames. O santo Apóstolo escreveu sua famosa Carta aos Romanos, toda cheia de argumentos sublimes, que trata com aquela agudeza de espírito própria de um homem douto e santo, que escreve inspirado por Deus. Não é possível resumir sem risco de alterar seu sentido. Ela é a mais longa, a mais elegante de todas as outras e a mais cheia de erudição. Exorto-te, leitor, a lê-la atentamente, mas com as devidas interpretações que se costumam unir à Vulgata. Ela é a sexta carta de São Paulo e foi escrita da cidade de Corinto no ano 58 de Jesus Cristo. Mas, pelo grande respeito que em todo tempo se teve pela dignidade da Igreja de Roma, é considerada a primeira entre as catorze cartas deste santo Apóstolo. Nesta carta, São Paulo não fala de São Pedro, porque ele estava ocupado na fundação de outras Igrejas. Ela foi levada por uma diaconisa, ou seja, monja, chamada Febe, que o Apóstolo recomenda muito junto aos irmãos de Roma.
            Desejando São Paulo partir de Corinto para se dirigir a Jerusalém, soube que os judeus estudavam armar-lhe emboscadas ao longo do caminho; por isso, em vez de embarcar no porto de Cencreia para Jerusalém, Paulo voltou e continuou a viagem pela Macedônia. Acompanharam-no Sosípato, filho de Pirro de Bereia, Aristarco e Segundo de Tessalônica, Gaio de Derbe e Timóteo de Listra, Tíquico e Trófimo da Ásia. Estes vieram com ele até Filipos; depois, com exceção de Lucas, passaram a Trôade com a ordem de esperá-lo lá, enquanto ele se deteria nesta cidade até depois das festas pascais. Passada tal solenidade, Paulo e Lucas, em cinco dias de navegação, chegaram a Trôade e lá se detiveram sete dias.
            Aconteceu que, na véspera da partida de Paulo, era o primeiro dia da semana, ou seja, dia de domingo, em que os fiéis costumavam se reunir para ouvir a palavra de Deus e assistir aos sacrifícios divinos. Entre outras coisas, faziam a fração do pão, ou seja, celebravam a Santa Missa, à qual participavam os fiéis, recebendo o Corpo do Senhor sob a espécie do pão. Desde então, a Missa era considerada o ato mais sagrado e solene para a santificação do dia festivo.
            Paulo, que estava prestes a partir no dia seguinte, prolongou o discurso até altas horas da noite e, para iluminar o cenáculo, foram acesas muitas lâmpadas. O dia de domingo, a hora noturna, o cenáculo no terceiro andar da casa, as muitas lâmpadas acesas, atraíram uma imensa multidão de gente. Enquanto todos estavam atentos ao raciocínio de Paulo, um jovem chamado Êutico, ou por desejo de ver o Apóstolo ou para poder ouvi-lo melhor, subiu sobre uma janela e se sentou no peitoril. Agora, seja pelo calor que fazia, seja pela hora tardia ou talvez pelo cansaço, o fato é que aquele jovem adormeceu; e no sono, abandonando-se ao peso de seu próprio corpo, caiu no chão da rua. Ouve-se um lamento ressoar pela assembleia; correm e encontram o jovem sem vida.
            Paulo desce imediatamente, e, colocando-se com o corpo sobre o cadáver, o abençoa, o abraça e, com seu sopro ou, melhor, com a viva fé em Deus, o restitui à nova vida. Realizado este milagre, sem se importar com os aplausos que de todos os lados se faziam, subiu novamente ao cenáculo e continuou a pregar até a manhã.
            A grande solicitude dos fiéis de Trôade para assistir às sagradas funções deve servir de estímulo a todos os cristãos a santificar os dias festivos com obras de piedade, especialmente ouvindo devotamente a Santa Missa e escutando a palavra de Deus, mesmo com algum incômodo.

CAPÍTULO XVII. Pregação de São Paulo em Mileto — Sua viagem até Cesareia — Profecia de Ágabo — Ano de Cristo 58

            Terminada aquela reunião, que durou cerca de vinte e quatro horas, o incansável Apóstolo partiu com seus companheiros para Mitilene, nobre cidade da ilha de Lesbos. Daqui, prosseguindo a viagem, em poucos dias chegou a Mileto, cidade da Cária, província da Ásia Menor. O Apóstolo não quis parar em Éfeso para não ser obrigado por aqueles cristãos, que ternamente o amavam, a atrasar demais seu caminho. Ele se apressava com o objetivo de chegar a Jerusalém para a festa de Pentecostes. De Mileto, Paulo enviou recado a Éfeso para comunicar sua chegada aos bispos e aos sacerdotes daquela cidade e das províncias vizinhas, convidando-os a vir visitá-lo e também a conferenciar com ele sobre as coisas da fé, se fosse necessário. Vieram em grande número.
            Quando São Paulo se viu cercado por aqueles veneráveis pregadores do Evangelho, começou a expor-lhes as tribulações sofridas dia e noite pelas armadilhas dos judeus. «Agora vou a Jerusalém», dizia, «guiado pelo Espírito Santo, que, em todos os lugares por onde passo, me faz conhecer as cadeias e as tribulações que me aguardam naquela cidade. Mas nada disso me assusta, nem considero minha vida mais preciosa do que meu dever. Para mim, pouco importa viver ou morrer, desde que eu termine minha corrida dando glorioso testemunho do Evangelho que Jesus Cristo me confiou. Vocês não verão mais meu rosto, mas cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo os constituiu bispos para governar a Igreja de Deus, adquirida por ele com seu precioso sangue». Então passou a avisá-los que, após sua partida, surgiriam lobos vorazes e homens perversos para corromper a doutrina de Jesus Cristo. Tendo dito essas palavras, todos se puseram de joelhos e rezaram juntos. Ninguém podia conter as lágrimas, e todos se lançavam ao pescoço de Paulo, imprimindo-lhe mil beijos. Estavam especialmente inconsoláveis por aquelas palavras de que não veriam mais seu rosto. Para desfrutar ainda alguns momentos de sua doce companhia, o acompanharam até o navio e não sem uma espécie de violência se separaram de seu querido mestre.
            Paulo, junto com seus companheiros, de Mileto passou para a ilha de Coo, muito renomada por um templo dos Gentios dedicado a Juno e a Esculápio. No dia seguinte chegaram a Rodes, ilha muito célebre especialmente por seu Colosso, que era uma estátua de extraordinária altura e grandeza. Daí vieram a Pátara, cidade capital da Lícia, muito renomada por um grande templo dedicado ao deus Apolo. Daqui navegaram até Tiro, onde o navio deveria descarregar sua carga.
            Tiro é a cidade principal da Fenícia, agora chamada Sur, às margens do Mediterrâneo. Assim que desembarcaram, encontraram alguns profetas que iam publicando os males que sobre o santo Apóstolo se abateriam em Jerusalém, e queriam dissuadi-lo daquela viagem. Mas ele, após sete dias, quis partir. Aqueles bons cristãos, com suas esposas e filhos, o acompanharam para fora da cidade, onde, dobrando os joelhos na praia, rezaram com ele. Então, trocando as mais cordiais saudações, embarcaram e foram acompanhados pelos olhares dos sidônios até que a distância do navio os tirou de vista. Chegando a Ptolemaida, pararam um dia para saudar e confortar aqueles cristãos na fé; continuando então seu caminho, chegaram a Cesareia.
            Ali, Paulo foi recebido com júbilo pelo diácono Filipe. Este santo discípulo, após ter pregado aos samaritanos, ao eunuco da rainha Candace e em muitas cidades da Palestina, havia fixado sua residência em Cesareia para cuidar daquelas almas que ele havia regenerado em Jesus Cristo.
            Veio naqueles tempos a Cesareia o profeta Ágabo e, indo visitar o santo Apóstolo, tirou-lhe do corpo o cinto e, amarrando-se com ele os pés e as mãos, disse: «Eis o que o Espírito Santo me diz abertamente: o homem a quem pertence este cinto será assim amarrado pelos judeus em Jerusalém».
            A profecia de Ágabo comoveu todos os presentes, pois os males que estavam preparados para o santo Apóstolo em Jerusalém se tornavam cada vez mais evidentes; por isso, os próprios companheiros de Paulo, chorando, lhe suplicavam para não ir. Mas Paulo corajosamente respondia: «Ah! Eu vos imploro, não choreis. Com essas vossas lágrimas não fazeis outra coisa senão aumentar a aflição do meu coração. Sabei que estou pronto não apenas a sofrer as cadeias, mas a enfrentar também a morte pelo nome de Jesus Cristo».
            Então todos, reconhecendo a vontade de Deus na firmeza do santo Apóstolo, disseram em uma só voz: «Seja feita a vontade do Senhor». Dito isso, partiram em direção a Jerusalém com um certo Menásson, que havia sido discípulo e seguidor de Jesus Cristo. Ele tinha residência fixa em Jerusalém e ia com eles para hospedá-los em sua casa.

CAPÍTULO XVIII. São Paulo se apresenta a São Tiago — Os judeus lhe tendem armadilhas — Fala ao povo — Repreende o sumo sacerdote — Ano de Cristo 59

            Estamos agora prontos para contar uma longa série de sofrimentos e perseguições que o santo Apóstolo suportou em quatro anos de prisão. Deus quis preparar seu servo para essas lutas fazendo-o conhecê-las muito antes; de fato, os males previstos causam menor espanto, e o homem está mais disposto a suportá-los. Chegando Paulo com seus companheiros a Jerusalém, foram recebidos pelos cristãos desta cidade com os sinais da maior benevolência. No dia seguinte, foram visitar o bispo da cidade, que era São Tiago, o Menor, junto ao qual também se haviam reunido os principais sacerdotes da diocese. Paulo contou as maravilhas que Deus havia operado por seu ministério entre os Gentios, pelo que todos agradeceram de coração ao Senhor.
            No entanto, apressaram-se em avisar Paulo do perigo que o ameaçava. «Muitos judeus», disseram-lhe, «se converteram à fé e vários deles são tenazes em relação à circuncisão e às cerimônias legais. Agora, sabendo-se que você dispensa os Gentios dessas observâncias, há um ódio terrível contra você. É necessário, portanto, que você demonstre não ser inimigo dos judeus. Faça assim: na ocasião em que quatro judeus devem cumprir um voto, você participará da função e pagará por eles as despesas que forem necessárias para esta solenidade».
            Paulo aderiu prontamente ao sábio conselho e participou daquela obra de piedade. Dirigiu-se ao templo e a função estava no final, quando alguns judeus vindos da Ásia incitaram o povo contra ele, gritando: «Socorro, israelitas, socorro! Este homem é aquele que vai por todo o mundo pregando contra o povo, contra a lei e contra este mesmo templo. Ele não hesitou em violar a santidade dele introduzindo Gentios dentro dele».
            Embora tais acusações fossem calúnias, toda a cidade se agitou e, fazendo-se um grande concurso de povo, prenderam São Paulo, arrastaram-no para fora do templo para matá-lo como blasfemo. Mas o ruído do tumulto chegou ao tribuno romano, que correu imediatamente com os guardas. Os sediciosos, vendo os guardas, cessaram de agredir Paulo e o entregaram ao tribuno, que, fazendo-o amarrar, ordenou que fosse conduzido à torre Antônia, que era uma fortaleza e um quartel de soldados próximo ao templo. Lísias, tal era o nome do tribuno, desejava saber o motivo daquele tumulto, mas nada pôde saber, porque os gritos e os clamores do povo abafavam toda voz. Enquanto Paulo subia os degraus da fortaleza, foi necessário que os soldados o carregassem nos braços para tirá-lo das mãos dos judeus, que, não podendo tê-lo em seu poder, gritavam: «Matem-no, tirem-no do mundo».
            Quando estava prestes a entrar na torre, falou assim em grego ao tribuno: «É-me permitido dizer uma palavra?» O tribuno se admirou de que ele falasse grego e lhe disse: «Você sabe grego? Não é você aquele egípcio que pouco antes incitou uma rebelião e conduziu consigo no deserto quatro mil assassinos?» «Não, certamente», respondeu Paulo, «eu sou judeu, cidadão de Tarso, cidade da Cilícia. Mas, por favor, me permite falar ao povo?» O que lhe foi concedido, Paulo, dos degraus da torre, levantou um pouco a mão sobrecarregada pelo peso das cadeias, fez sinal ao povo para que ficasse em silêncio e começou a expor o que dizia respeito à sua pátria, sua conversão e sua pregação, e como Deus o havia destinado a levar a fé entre os Gentios.
            O povo o ouviu em profundo silêncio até essas últimas palavras; mas quando ouviu falar dos Gentios, como agitado por mil fúrias, irrompeu em gritos desenfreados, e quem por indignação jogava ao chão suas vestes, quem espalhava no ar a poeira, e todos gritavam: «Este é indigno de viver, seja tirado do mundo!»
            O tribuno, que nada havia entendido do discurso de São Paulo, porque ele falara em língua hebraica, temendo que o povo chegasse a graves excessos, ordenou aos seus que levassem Paulo para a fortaleza, e depois o flagelassem e o submetessem à tortura para forçá-lo a revelar a causa da sedição. Mas Paulo, que sabia que ainda não havia chegado a hora em que deveria sofrer tais males por Jesus Cristo, voltou-se para o centurião encarregado de executar aquela ordem injusta e lhe disse: «Você acha que é lícito flagelar um cidadão romano, sem que seja condenado?» Ouvindo isso, o centurião correu até o tribuno dizendo: «O que você está prestes a fazer? Não sabe que este homem é cidadão romano?»
            O tribuno teve medo, porque havia feito Paulo ser amarrado, o que acarretava pena de morte. Ele mesmo foi até Paulo e lhe disse: «Você é realmente cidadão romano?» Ele respondeu: «Sou realmente». «Eu», acrescentou o tribuno, «adquiri a caro preço tal direito de cidadania romana». «E eu», replicou Paulo, «gozo dele por meu nascimento». Sabendo disso, fez suspender a ordem de submeter Paulo à tortura, e o próprio tribuno ficou apreensivo, e buscou outro meio para saber as acusações que os judeus faziam contra ele. Ordenou que no dia seguinte se reunissem o Sinédrio e todos os sacerdotes judeus; depois, mandando retirar as cadeias de Paulo, fez com que ele fosse trazido ao meio do conselho.
            O Apóstolo, fixando os olhos naquela assembleia, disse: «Eu, irmãos, até este dia tenho caminhado diante de Deus com boa consciência». Assim que ouviram essas palavras, o sumo sacerdote, de nome Ananias, ordenou a um dos presentes que desse a Paulo uma forte pancada. O Apóstolo não julgou que deveria tolerar tão grave injúria e, com a liberdade e o zelo que usavam os antigos profetas, disse: «Muralha caiada, Deus te ferirá, assim como você mandou me ferir, porque, fingindo julgar segundo a lei, me manda ferir contra a própria lei». Ouvindo essas palavras, todos se ressentiram: «Ei», disseram-lhe, «você tem a ousadia de insultar o sumo sacerdote?» «Perdoem-me, irmãos», respondeu Paulo, «eu não sabia que este era o príncipe dos sacerdotes, pois bem conheço a lei que proíbe maldizer o príncipe do povo».
            Paulo não havia reconhecido o sumo sacerdote ou porque ele não tinha as insígnias de seu grau, ou não falava e não agia com a dignidade que convinha a tal pessoa. Nem São Paulo amaldiçoava Ananias, mas previu os males que sobre ele cairiam, como de fato aconteceu. Para se livrar de alguma maneira das mãos de seus inimigos, Paulo uniu a simplicidade da pomba à prudência da serpente e, sabendo que a assembleia era composta de saduceus e fariseus, pensou em provocar divisão entre eles exclamando: «Eu, irmãos, sou fariseu, filho e aluno de fariseus. O motivo pelo qual sou chamado a julgamento é a minha esperança na ressurreição dos mortos». Essas palavras geraram graves dissensões entre os ouvintes; quem era contra Paulo, quem a favor dele.
            Entretanto, levantou-se um clamor que fazia temer graves desordens. O tribuno, temendo que os mais enfurecidos se lançassem contra Paulo e o despedaçassem, ordenou aos soldados que o tirassem de suas mãos e o reconduzissem à torre. Deus, porém, quis consolar seu servo pelo que havia sofrido naquele dia. À noite, lhe apareceu e lhe disse: «Anime-se: depois de me ter dado testemunho em Jerusalém, você fará o mesmo em Roma».

CAPÍTULO XIX. Quarenta Judeus se comprometem com um voto a matar São Paulo — Um de seus sobrinhos descobre a trama — É transferido para Cesareia — Ano de Cristo 59

            Os judeus, vendo que seu plano havia falhado, passaram a noite seguinte elaborando vários projetos. Quarenta deles tomaram a desesperada resolução de se comprometerem com um voto a não comer nem beber antes de terem matado Paulo. Após tramarem essa conspiração, foram até os príncipes dos sacerdotes e os anciãos, contando-lhes o propósito. «Para ter esse rebelde em nossas mãos», acrescentaram, «encontramos um caminho seguro; resta apenas que vocês nos ajudem. Façam saber ao tribuno, em nome do Sinédrio, que desejam examinar mais alguns pontos do caso de Paulo e que, portanto, o apresentem novamente amanhã. Ele certamente concordará com o pedido. Mas tenham certeza de que, antes que Paulo seja conduzido diante de vocês, nós o despedaçaremos com estas mãos». Os anciãos louvaram o plano e prometeram colaborar.
            Ou porque algum dos conspiradores não manteve o segredo, ou porque não se preocuparam em fechar a porta ao tramarem seu plano, é certo que foram descobertos. Um filho da irmã de Paulo soube de tudo e, correndo até a torre, conseguiu passar entre os guardas, apresentar-se ao tio e contar-lhe toda a trama. Paulo instruiu bem o sobrinho sobre como agir. Chamado então um oficial que estava de guarda, disse-lhe: «Peço que leve este jovem ao capitão; ele tem algo a comunicar».
            O centurião o levou ao capitão e disse: «Aquele Paulo que está na prisão me pediu para trazer este jovem a você, porque ele tem algo a lhe dizer». O capitão pegou o jovem pela mão e, levando-o para um lado, perguntou o que ele tinha a relatar. «Os judeus», respondeu, «se combinaram para pedir que você faça Paulo ser levado ao Sinédrio amanhã, sob o pretexto de querer examinar mais a fundo seu caso. Mas você não deve dar ouvidos a eles: saiba que estão armando uma emboscada e quarenta deles se comprometeram com um voto terrível a não comer nem beber até que o tenham matado. Agora estão prontos para agir, esperando apenas seu consentimento». «Muito bem», disse o capitão, «você fez bem em me contar essas coisas. Agora pode ir, mas não diga a ninguém que você me revelou isso».
            Dessa desesperada resolução, Lísias compreendeu que reter Paulo por mais tempo em Jerusalém equivalia a deixá-lo em perigo, do qual talvez não pudesse salvá-lo. Portanto, sem hesitar, chamou dois centuriões e disse-lhes: «Coloquem em ordem duzentos soldados de infantaria e outros tantos armados de lança, com setenta homens a cavalo, e acompanhem Paulo até Cesareia. Preparem também um cavalo para ele, para que seja levado lá são e salvo e se apresente ao governador Félix». O tribuno acompanhou Paulo com uma carta ao governador, que dizia:
            «Cláudio Lísias ao excelentíssimo governador Félix, saúde. Envio-lhe este homem que, preso pelos judeus, estava prestes a ser morto por eles. Ao chegar com meus soldados, o tirei das mãos deles, tendo sabido que é cidadão romano. Quis então me informar de qual crime era acusado, e o conduzi ao Sinédrio e descobri que era acusado por questões relacionadas à sua lei, mas sem nenhuma culpa que merecesse morte ou prisão. Mas, tendo-me sido informado que lhe armam uma trama de morte, decidi enviá-lo a você, convidando ao mesmo tempo seus acusadores a se apresentarem diante de seu tribunal para expor suas acusações contra ele. Passe bem».
            Em cumprimento das ordens recebidas, naquela mesma noite os soldados partiram com Paulo e o conduziram a Antipátride, cidade situada a meio caminho entre Jerusalém e Cesareia. Nesse ponto do percurso, não temendo mais ser atacados pelos judeus, mandaram de volta os quatrocentos soldados a Jerusalém, e Paulo, acompanhado apenas pelos setenta cavaleiros, chegou no dia seguinte a Cesareia.
            Assim Deus, da maneira mais simples, libertava seu Apóstolo de um grave perigo e fazia conhecer que os projetos dos homens sempre se tornam vãos quando são contrários à vontade divina.

CAPÍTULO XX. Paulo diante do governador — Seus acusadores e sua defesa — Ano de Cristo 59

            No dia seguinte, Paulo chegou a Cesareia e foi apresentado ao governador com a carta do capitão Lísias. Lida a carta, o governador chamou Paulo à parte e, sabendo que era de Tarso, disse-lhe: «Ouvirei você quando chegarem seus acusadores». Enquanto isso, mandou que fosse guardado na prisão de seu palácio.
            Os quarenta conspiradores, quando viram que o golpe havia falhado, ficaram atônitos. Pode-se acreditar que, sem se importar com o voto feito, se puseram a comer e beber para continuar sua trama. De acordo com o sumo sacerdote, com os anciãos e com um certo Tértulo, famoso orador, partiram em direção a Cesareia, aonde chegaram cinco dias após a chegada de Paulo. Todos se apresentaram diante do governador, e Tértulo começou a falar assim contra Paulo: «Encontramos este homem pestilento, que suscita revoltas entre todos os judeus do mundo. Ele é chefe da seita dos nazarenos. Tentou também profanar nosso templo, e nós o prendemos. Queríamos julgá-lo segundo nossa lei, mas interveio o capitão Lísias, que o tirou à força de nossas mãos. Ele ordenou que seus acusadores se apresentassem diante de você. Agora estamos aqui. Ao examiná-lo, você poderá verificar as culpas das quais o acusamos». O que Tértulo afirmara foi confirmado pelos judeus presentes.
            Paulo, tendo recebido do governador a oportunidade de responder, começou a se defender assim: «Pois, excelentíssimo Félix, há muitos anos você governa este país, certamente é capaz de conhecer as coisas que aqui aconteceram. De bom grado me defendo diante de você. Como pode verificar, não faz mais de doze dias que subi a Jerusalém para adorar. Neste breve tempo, ninguém pode dizer que me encontrou no templo ou nas sinagogas ou em outro lugar público ou privado discutindo com alguém, nem reunindo multidões ou fomentando desordens. Não podem provar nenhuma das acusações que me fazem. Mas confesso que sigo o Caminho que eles chamam de seita, servindo assim ao Deus de nossos pais, crendo em tudo que é conforme à Lei e está escrito nos Profetas. Tenho em Deus a mesma esperança que eles têm, de que haverá uma ressurreição dos justos e dos injustos. Por isso, também me esforço para ter sempre uma consciência irrepreensível diante de Deus e dos homens. Depois de muitos anos, vim trazer esmolas à minha nação e apresentar ofertas. Enquanto estava envolvido nesses rituais de purificação, sem multidão nem tumulto, alguns judeus da Ásia me encontraram no templo. Eles deveriam ter comparecido diante de você para me acusar, se tivessem algo contra mim. Ou que digam estes mesmos se encontraram alguma culpa em mim, quando compareci diante do Sinédrio, além desta única declaração que fiz em alta voz no meio deles: “É por causa da ressurreição dos mortos que sou julgado hoje diante de vocês”».
            Seus acusadores ficaram confusos e, olhando uns para os outros, não encontravam palavras a proferir. O próprio governador, já inclinado a favor dos cristãos, sabia que eles, longe de serem sediciosos, eram os mais dóceis e fiéis entre seus súditos. Mas não quis proferir sentença e reservou-se para ouvi-lo novamente quando o capitão Lísias viesse de Jerusalém a Cesareia. Enquanto isso, ordenou que Paulo fosse guardado, mas concedendo-lhe certa liberdade e permitindo que seus amigos o servissem.
            Algum tempo depois, o governador, talvez para agradar sua esposa, que era judia, fez vir Paulo à sua presença para ouvi-lo falar sobre religião. O Apóstolo expôs vividamente as verdades da fé, o rigor dos juízos que Deus reservará aos ímpios na outra vida, de tal forma que Félix, assustado e perturbado, disse: «Por agora basta; ouvirei você novamente quando tiver a oportunidade». Na verdade, ele o chamou mais vezes, mas não para se instruir na fé, mas esperando que Paulo lhe oferecesse dinheiro em troca da liberdade. Portanto, embora conhecesse a inocência de Paulo, manteve-o na prisão em Cesareia por dois anos. Assim fazem aqueles cristãos que, por ganho temporário ou para agradar aos homens, vendem a justiça e violam os mais sagrados deveres da consciência e da religião.

CAPÍTULO XXI. Paulo diante de Festo — Suas palavras ao rei Agripa — Ano de Cristo 60

            Já fazia dois anos que o santo Apóstolo estava preso, quando a Félix sucedeu outro governador chamado Festo. Três dias após assumir o cargo, o novo governador foi a Jerusalém e logo os chefes dos sacerdotes e os principais judeus se apresentaram a ele para renovar as acusações contra o santo Apóstolo. Pediram-lhe como um favor especial que levasse Paulo a Jerusalém para ser julgado no Sinédrio; mas na verdade tinham a intenção de assassiná-lo ao longo do caminho. Festo, talvez já avisado para não confiar neles, respondeu que em breve voltaria a Cesareia; «Aqueles entre vocês», disse, «que têm algo contra Paulo, venham comigo e ouvirei suas acusações».
            Após alguns dias, Festo voltou a Cesareia e com ele os judeus acusadores de Paulo. No dia seguinte, fez vir o santo Apóstolo diante de seu tribunal, e os judeus lhe fizeram muitas graves acusações, sem, no entanto, poderem prová-las. Paulo respondeu-lhes com poucas palavras, e seus acusadores silenciaram. No entanto, Festo, desejando conquistar a benevolência dos judeus, perguntou-lhe se queria ir a Jerusalém para ser julgado no Sinédrio, na sua presença. Percebendo Paulo que Festo se inclinava a entregá-lo nas mãos dos judeus, respondeu: «Estou diante do tribunal de César, onde devo ser julgado. Não cometi nenhum mal contra os judeus, como bem sabes. Se, portanto, sou culpado e cometi algo que merece a morte, não me recuso a morrer; mas se não há nada de verdadeiro nas acusações que estes fazem contra mim, ninguém tem o direito de me entregar a eles. Apelo a César». Este apelo do nosso Apóstolo era justo e conforme às leis romanas, pois o governador se mostrava disposto a entregar um cidadão romano, reconhecido inocente, ao poder dos judeus que queriam sua morte a todo custo. Os santos Padres refletem que não o desejo da vida, mas o bem da Igreja o levou a apelar a Roma, onde, por divina revelação, sabia quanto deveria trabalhar para a glória de Deus e a salvação das almas.
            Festo, após consultar seu conselho, respondeu: «Você apelou a César, a César irá».
            Não muitos dias depois, veio a Cesareia o rei Agripa, filho daquele Agripa que havia feito morrer São Tiago, o Maior, e aprisionado São Pedro. Ele veio com sua irmã Berenice para prestar as devidas homenagens ao novo governador da Judeia. Tendo-se detido vários dias, Festo falou-lhes do processo de Paulo. Agripa manifestou o desejo de ouvi-lo. Para agradá-lo, Festo fez preparar uma sala com grande pompa e, convidando à audiência os tribunos e outros magistrados, fez conduzir Paulo à presença de Agripa e Berenice. «Eis», disse Festo, «aquele homem contra quem recorreu a mim toda a multidão dos judeus, protestando com grandes clamores que não deveria mais viver. Eu, porém, não encontrei nele nada que mereça a morte. No entanto, tendo ele apelado ao tribunal do imperador, devo enviá-lo a Roma. Mas como não tenho nada certo para escrever ao nosso soberano, achei conveniente apresentá-lo diante de vocês e especialmente a ti, ó rei Agripa, para que, após interrogá-lo, me digam o que devo escrever, não me parecendo conveniente enviar um prisioneiro sem especificar as acusações contra ele».
            Agripa, dirigindo-se a Paulo, disse: «É-te permitido falar em tua defesa». Paulo começou a falar assim: «Considero-me feliz, ó rei Agripa, por poder hoje me defender diante de ti contra todas as acusações dos judeus, especialmente porque és experiente em todas as tradições e questões que os envolvem. Peço-te, portanto, que me ouças com paciência. Todos os judeus conhecem minha vida desde a juventude, passada entre meu povo e em Jerusalém. Sabem que vivi segundo a seita mais rigorosa da nossa religião, a dos fariseus. E agora sou chamado a julgamento por causa da esperança na promessa feita por Deus a nossos pais, aquela que nossas doze tribos esperam ver cumprida, servindo a Deus noite e dia. É por essa esperança, ó rei, que sou acusado pelos judeus. Por que é considerado inconcebível entre vocês que Deus ressuscite os mortos?
            Eu também considerava meu dever fazer muitas coisas contra o nome de Jesus Nazareno. Assim fiz em Jerusalém: obtive dos chefes dos sacerdotes a autorização para aprisionar muitos santos e, quando eram mortos, expressava meu voto. Frequentemente, indo de sinagoga em sinagoga, tentava forçá-los a blasfemar; e na minha fúria desenfreada os perseguia até nas cidades estrangeiras.
            Em tais circunstâncias, enquanto ia a Damasco com a autorização e o mandato dos chefes dos sacerdotes, ao meio-dia, ó rei, vi no caminho uma luz do céu, mais brilhante que o sol, que envolveu a mim e aqueles que estavam comigo. Todos caíram por terra e eu ouvi uma voz que me dizia em língua hebraica: “Saulo, Saulo, por que me persegues? É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão”. Eu disse: “Quem és, Senhor?” E o Senhor respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te e fica em pé; porque te apareci para constituir-te ministro e testemunha do que viste de mim e do que te mostrarei. Eu te livrarei do povo e dos gentios, aos quais te envio para abrir-lhes os olhos, a fim de que se convertam das trevas à luz e do poder de Satanás a Deus, e obtenham, mediante a fé em mim, a remissão dos pecados e a sorte entre os santificados”.
            Portanto, ó rei Agripa, não desobedeci à visão celestial; mas antes a aqueles de Damasco, depois a Jerusalém e em toda a Judeia, e finalmente aos gentios, anunciei que se arrependessem e se convertessem a Deus, fazendo obras dignas de arrependimento. Por isso os judeus, tendo-me capturado no templo, tentaram me matar. Mas, graças à ajuda de Deus, até este dia estou aqui a testemunhar diante dos pequenos e dos grandes, não dizendo outra coisa senão o que os profetas e Moisés declararam que deveria acontecer: que o Cristo haveria de sofrer e, como o primeiro entre os ressuscitados dos mortos, anunciaria a luz ao povo e aos gentios».
            Festo interrompeu o discurso do Apóstolo e em alta voz exclamou: «Tu estás louco, Paulo; a demasiada ciência te deixou louco». Ao que Paulo respondeu: «Não estou louco, excelentíssimo Festo, mas estou dizendo palavras de verdade e de bom senso. O rei, a quem falo com franqueza, conhece estas coisas; creio, de fato, que nada do que aconteceu lhe é desconhecido, pois não são fatos ocorridos em segredo. Crês tu nos profetas, ó rei Agripa? Sei que crês». Agripa disse a Paulo: «Ainda um pouco e me convences a me tornar cristão». E Paulo replicou: «Que Deus me conceda que, seja em pouco tempo, seja em muito, não só tu, mas também todos aqueles que hoje me ouvem se tornem tais como eu sou, exceto por estas cadeias».
            Então o rei, o governador, Berenice e os outros se levantaram e, retirando-se à parte, disseram uns aos outros: «Este homem não fez nada que mereça morte ou prisão». E Agripa disse a Festo: «Este homem poderia ter sido libertado, se não tivesse apelado a César».
            Assim, o discurso de Paulo, que deveria converter todos aqueles juízes, não serviu de nada, pois eles fecharam o coração às graças que Deus queria lhes conceder. Esta é uma imagem daqueles cristãos que ouvem a palavra de Deus, mas não se resolvem a colocar em prática as boas inspirações que às vezes sentem nascer no coração.

CAPÍTULO XXII. São Paulo é embarcado para Roma — Sofre uma terrível tempestade, da qual é salvo com seus companheiros — Ano de Jesus Cristo 60

            Quando Festo decidiu que Paulo seria conduzido a Roma por mar, ele, juntamente com muitos outros prisioneiros, foi confiado a um centurião chamado Júlio. Com ele estavam seus dois fiéis discípulos Aristarco e Lucas. Embarcaram em um navio proveniente de Adramítio, cidade marítima da Ásia. Costeando a Palestina, chegaram a Sidônia no dia seguinte. O centurião, que os acompanhava, logo percebeu que Paulo não era um homem comum e, admirando suas virtudes, começou a tratá-lo com respeito. Desembarcando em Sidônia, deu-lhe plena liberdade para visitar os amigos, permanecer com eles e receber algum sustento.
            De Sidônia navegaram ao longo das costas da ilha de Chipre e, como o vento estava um tanto contrário, atravessaram o mar da Cilícia e da Panfília, que é uma parte do Mediterrâneo, e chegaram a Mira, cidade da Lícia. Aqui o centurião, tendo encontrado um navio que de Alexandria ia para a Itália com carga de trigo, transferiu para ele seus passageiros. Mas navegando muito lentamente, tiveram grande dificuldade para chegar até a ilha de Creta, hoje chamada Cândia. Pararam em um lugar chamado Bons Portos, perto de Salmone, cidade daquela ilha.
            Sendo a estação muito avançada, Paulo, certamente inspirado por Deus, exortava os marinheiros a não se arriscarem a continuar a navegação em um tempo tão perigoso. Mas o piloto e o mestre do navio, não dando peso às palavras de Paulo, afirmavam que não havia nada a temer. Partiram, portanto, com a intenção de alcançar outro porto daquela ilha chamado Fenícia, esperando poder passar lá o inverno com mais segurança. Mas após um breve trecho, o navio foi sacudido por um forte vento, ao qual não podendo resistir, os navegantes se viram obrigados a abandonar a si mesmos e o navio à mercê das ondas. Chegando a Gavdos, uma ilhota pouco distante de Creta, perceberam que estavam próximos a um banco de areia e, temendo romper o navio contra ele, esforçaram-se para tomar outra direção. Mas a tempestade se intensificando cada vez mais e o navio se agitando cada vez mais, todos se encontraram em grande perigo. Jogaram ao mar as mercadorias, depois os móveis e os armamentos do navio para aliviá-lo. No entanto, após vários dias, não aparecendo mais nem sol nem estrelas e com a tempestade se intensificando, parecia perdida toda a esperança de salvação. A esses males se acrescentava que, ou pela náusea do mar em tempestade, ou pelo medo da morte, ninguém pensava em comer, o que era prejudicial, pois os marinheiros não tinham forças para governar o navio. Arrependeram-se então de não terem seguido o conselho de Paulo, mas era tarde.
            Paulo, vendo o desânimo entre os marinheiros e os passageiros, animado pela confiança em Deus, os confortou dizendo: «Irmãos, vocês deveriam ter acreditado em mim e não partir de Creta; assim teríamos evitado essas perdas e essas desgraças. No entanto, tenham coragem; acreditem em mim, em nome de Deus eu lhes asseguro que nenhum de nós se perderá; apenas o navio se despedaçará. Esta noite me apareceu o anjo do Senhor e me disse: “Não temas, Paulo, tu deves comparecer diante de César; e eis que Deus te concede a vida de todos aqueles que navegam contigo”. Portanto, tenham coragem, irmãos, tudo acontecerá como me foi dito».
            Entretanto, já se haviam passado quatorze dias desde que sofriam aquela tempestade, e cada um pensava estar sendo engolido pelas ondas a qualquer momento. Era meia-noite quando, na escuridão das trevas, pareceu aos marinheiros que se aproximavam da terra. Para se certificar, lançaram a sonda e encontraram vinte braças de profundidade, depois quinze. Temendo então acabar contra algum rochedo, lançaram quatro âncoras para parar o navio, aguardando a luz do dia que lhes mostrasse onde estavam.
            Nesse momento, os marinheiros tiveram a ideia de fugir do navio e tentar se salvar naquela terra que parecia próxima. Paulo, sempre guiado pela luz divina, dirigiu-se ao centurião e aos soldados dizendo: «Se estes não permanecerem a bordo, vocês não poderão ser salvos, porque Deus não quer ser tentado a fazer milagres». A essas palavras todos silenciaram e seguiram o conselho de Paulo. Ao amanhecer, o santo Apóstolo deu uma olhada àqueles que estavam no navio e, vendo-os todos exaustos pelas fadigas e esgotados pelo jejum, disse-lhes: «Irmãos, é o décimo quarto dia que, esperando uma melhora, não comeram nada. Agora eu lhes peço que não se deixem morrer por inanição. Já lhes assegurei, e ainda lhes asseguro, que nem um dos seus cabelos perecerá. Portanto, coragem». Dito isso, Paulo tomou pão, deu graças a Deus, partiu-o e, à vista de todos, começou a comer. Então todos se reanimaram e comeram juntos com ele; eram em número de 276 pessoas.
            Mas, continuando a fúria dos ventos e das ondas, foram forçados a jogar ao mar também o trigo que haviam guardado para seu uso. Feito dia, pareceram ver uma enseada e se esforçaram para levar o navio até lá e buscar salvação. Mas, empurrada pela força dos ventos, a nave encalhou em um banco de areia, começando a se romper e desintegrar. Vendo a água penetrar por várias fendas, os soldados queriam tomar o cruel partido de matar todos os prisioneiros, tanto para aliviar o navio quanto porque não fugissem após se salvarem a nado.
            Mas o centurião, que amava Paulo e queria salvá-lo, não aprovou tal conselho, mas ordenou que aqueles que sabiam nadar se jogassem ao mar para alcançar a terra; aos outros foi dito que se agarrassem a tábuas ou a destroços do navio; e assim chegaram todos sãos e salvos à costa.

CAPÍTULO XXIII. São Paulo na ilha de Malta — É libertado da mordida de uma víbora — É acolhido na casa de Públio, de quem cura o pai — Ano de Cristo 60

            Nem Paulo nem seus companheiros conheciam a terra em que haviam desembarcado após saírem das ondas. Informando-se com os primeiros habitantes que encontraram, souberam que aquele lugar se chamava Melita, hoje Malta, uma ilha do Mediterrâneo situada entre a África e a Sicília. Ao saber da grande quantidade de náufragos que haviam saído das ondas como tantos peixes, os ilhéus correram e, embora fossem bárbaros, se compadeceram ao vê-los tão cansados, exaustos e tremendo de frio. Para aquecê-los, acenderam uma grande fogueira.
            Paulo, sempre atento a exercer obras de caridade, foi buscar um feixe de ramos secos. Enquanto os colocava no fogo, uma víbora que estava entre eles, entorpecida pelo frio, despertada pelo calor, saltou e se agarrou à mão de Paulo. Aqueles bárbaros, vendo a serpente pendurada em sua mão, pensaram mal dele e diziam uns aos outros: “Este homem deve ser um assassino ou algum grande criminoso; escapou do mar, mas a vingança divina o atinge em terra”. Mas quão cautelosos devemos ser ao julgar temerariamente nosso próximo!
            Paulo, reavivando a fé em Jesus Cristo, que havia assegurado a seus Apóstolos que nem serpentes nem venenos lhes causariam dano, sacudiu a mão, lançou a víbora ao fogo e não sofreu nenhum mal. Aquela boa gente esperava que, entrando o veneno no sangue de Paulo, ele deveria inchar e cair morto após poucos instantes, como acontecia a quem tivesse a desgraça de ser mordido por aqueles animais. Esperaram por muito tempo e, vendo que nada lhe acontecia, mudaram de opinião e diziam que Paulo era um grande deus descido do céu. Talvez acreditassem que ele fosse Hércules, considerado deus e protetor de Malta. Segundo as lendas, Hércules, ainda criança, teria matado uma serpente, por isso chamado “ofiotoco”, ou seja, matador de serpentes.
            Deus confirmou este primeiro prodígio com outro ainda mais estrepitoso e permanente: de fato, foi retirada toda força venenosa das serpentes daquela ilha, de modo que, a partir daquela época, não se teve mais a temer a mordida das víboras. Que mais? Diz-se que a própria terra da ilha de Malta, levada para outros lugares, é um remédio seguro contra as mordidas das víboras e das serpentes.
            O governador da ilha, um príncipe chamado Públio, homem muito rico, ao saber do modo milagroso com que aqueles náufragos foram salvos das águas e informado, ou tendo sido testemunha, do milagre da víbora, mandou convidar Paulo e seus companheiros, que haviam chegado em número de 276. Recebeu-os em sua casa e os honrou por três dias, oferecendo-lhes alojamento e alimento às suas custas. Deus não deixou sem recompensa a liberalidade e cortesia de Públio. Ele tinha seu pai de cama, aflito por febre e grave diarreia que o haviam levado à beira da morte. Paulo foi ver o doente e, após lhe dirigir palavras de caridade e consolo, começou a orar. Levantando-se então, aproximou-se da cama, impôs as mãos sobre o enfermo que imediatamente se curou. Assim, o bom velho, livre de todo mal e plenamente restabelecido, correu para abraçar seu filho, bendizendo Paulo e o Deus que ele pregava. Públio, seu pai e sua família (assim assegura São João Crisóstomo), cheios de gratidão para com o grande Apóstolo, se fizeram instruir na fé e receberam o batismo das mãos de Paulo.
            Espalhada a notícia da cura milagrosa do pai de Públio, todos aqueles que estavam doentes ou tinham enfermos de qualquer doença iam ou se faziam levar aos pés de Paulo, e ele, abençoando-os em nome de Jesus Cristo, os mandava todos curados, bendizendo a Deus e crendo no Evangelho. Em pouco tempo, toda aquela ilha recebeu o batismo e, derrubados os templos dos ídolos, ergueram outros dedicados ao culto do verdadeiro Deus.

CAPÍTULO XXIV. Viagem de São Paulo de Malta a Siracusa — Pregação em Régio — Sua chegada a Roma — Ano de Cristo 60

            Os malteses estavam cheios de entusiasmo por Paulo e pela doutrina por ele pregada, tanto que, além de abraçar em massa a fé, competiam em fornecer a ele e a seus companheiros o que era necessário para o tempo que permaneceram em Malta e para a viagem até Roma. Paulo permaneceu em Malta três meses, devido ao inverno em que o mar não é navegável. Acredita-se comumente que nesse período ele tenha guiado Públio à perfeição cristã e que, antes de partir, o tenha ordenado bispo daquela ilha; o que certamente foi de grande consolação para aqueles fiéis.
            Chegando a primavera e decidida a partida para Roma, o centurião Júlio se acertou com um navio que de Alexandria ia em direção à Itália e que tinha como insígnia dois deuses chamados Castor e Pólux, que os idólatras acreditavam serem protetores da navegação. Com grande pesar dos malteses, embarcaram em direção à Sicília, uma ilha muito próxima à Itália, e favorecidos pelo vento chegaram rapidamente a Siracusa, cidade principal desta ilha. Aqui o Evangelho já havia sido pregado por São Pedro, que havia ordenado bispo São Marciano. Este digno pastor quis hospedar em sua casa o santo Apóstolo e fez-lhe celebrar os santos mistérios em uma gruta, com grande alegria sua e daqueles fiéis. Uma igreja muito antiga, que ainda existe hoje naquela cidade, é dedicada ao nosso santo Apóstolo, e acredita-se que tenha sido edificada sobre a própria gruta onde São Paulo havia pregado a palavra de Deus e celebrado os divinos mistérios.
            Partindo de Siracusa, contornaram a ilha da Sicília, passaram pelo porto de Messina e chegaram com seus companheiros a Régio, cidade e porto da Calábria, muito próximo à Sicília. Aqui pararam por um dia.
            Historiadores acreditados daquele país contam muitas coisas maravilhosas realizadas por São Paulo naquela breve estadia; entre estas escolhemos o seguinte fato. Os regianos, que eram idólatras, ao ouvirem que em seu porto havia aportado um navio com a insígnia de Castor e Pólux, muito honrados por eles, correram em massa para vê-lo. Paulo quis aproveitar aquela afluência para pregar Jesus Cristo, mas eles não queriam ouvi-lo. Então ele, movido pela fé naquele Jesus que por sua mão havia operado tantas maravilhas, tirou um pedaço de vela e disse: “Peço que me deixem falar pelo menos pelo tempo que este pedacinho de vela levar para se consumir”. Aceitaram a condição com risadas e se aquietaram.
            Paulo colocou aquele pavio sobre uma coluna de pedra situada à beira-mar. Imediatamente toda a coluna pegou fogo e apareceu uma grande chama, que lhe serviu de tocha ardente. Teve tempo abundante para ensiná-los, pois aqueles bárbaros, perplexos por tal milagre, ficaram ouvindo Paulo mansamente quanto ele quis falar; e ninguém se atreveu a perturbá-lo. A fé foi acolhida, e no local do milagre foi erguida uma magnífica igreja ao verdadeiro Deus. No altar-mor foi colocada aquela coluna e, para conservar a memória daquele prodígio, foi estabelecida uma solenidade com ofício próprio. Na missa se lê uma oração que se traduz assim: “Ó Deus, que à pregação do Apóstolo Paulo, fazendo brilhar milagrosamente uma coluna de pedra, vos dignastes instruir os povos de Régio com a luz da fé, concedei-nos, vos pedimos, merecer ter no céu como intercessor aquele que tivemos como pregador do Evangelho na terra” (Cesari. Atos dos Apóstolos, vol. 2).
            Após aquele dia, convidados por um tempo favorável, Paulo e seus companheiros embarcaram para Pozzuoli, cidade da Campânia distante nove milhas de Nápoles. Aqui foi grandemente consolado pelo encontro com vários que já haviam abraçado a fé, pregada a eles por São Pedro alguns anos antes.
            Aqueles bons cristãos também sentiram grande consolo e pediram a Paulo que permanecesse com eles sete dias. Paulo, obtendo licença do centurião, ficou aquele tempo e, em dia festivo, falou à numerosa assembleia daqueles fiéis.
            As notícias da chegada do grande Apóstolo na Itália já haviam chegado a Roma, e os fiéis daquela cidade, desejosos de conhecer pessoalmente o autor da famosa carta de Corinto, vieram encontrá-lo no Fórum de Ápio, hoje chamado Fossa Nova, que é uma cidade distante cerca de 50 milhas de Roma. Continuando o caminho, chegaram às Três Tabernas, lugar distante cerca de 30 milhas de Roma, onde encontrou muitos outros que haviam vindo até lá para lhe fazer uma acolhida festiva.
            Acompanhado por aquele grande número de fiéis, que não se cansavam de admirar aquele grande ministro de Jesus Cristo, ele chegou a Roma como se fosse conduzido em triunfo. Aqui a fé cristã, como foi dito, já havia sido pregada por São Pedro, que há dezoito anos mantinha aí a sede pontifícia.

CAPÍTULO XXV. Paulo fala aos Judeus e lhes prega Jesus Cristo — Progresso do Evangelho em Roma — Ano de Cristo 61

            Chegando a Roma, Paulo foi entregue ao prefeito do pretório, ou seja, ao general das guardas pretorianas, assim chamadas porque tinham a especial responsabilidade de guardar a pessoa do imperador. O nome daquele ilustre romano era Afrânio Burro, de quem a história faz menção muito honrosa.
            O centurião Júlio se preocupou em recomendar Paulo àquele prefeito, que o tratou com singularíssima benignidade. As cartas dos governadores Félix e Festo, que certamente deveriam ter feito conhecer a inocência de Paulo, e o bom testemunho prestado pelo centurião Júlio, o colocaram em boa luz e reverência perante Burro, que lhe deu plena liberdade de viver sozinho onde quisesse, com a condição de ser vigiado por um soldado quando saísse de casa. Paulo, porém, tinha sempre no braço uma corrente quando estava em casa; se saísse, a corrente que o prendia passava por trás para mantê-lo ligado ao soldado que o acompanhava, de modo que aquele soldado estava sempre atado a Paulo pela mesma corrente. O santo Apóstolo alugou uma casa, na qual se hospedou com seus companheiros, entre os quais são especialmente mencionados Lucas, Aristarco e Timóteo, aquele seu fiel discípulo de Listra.
            Três dias após sua chegada, ele mandou convidar os principais Judeus que moravam em Roma, pedindo-lhes que viessem até ele em sua hospedagem. Reunidos em bom número, ele lhes falou assim: “Não gostaria que o estado em que me vedes e as correntes com as quais estou preso vos causem uma má opinião sobre mim. Deus sabe que não fiz nada contra meu povo, nem contra os costumes e as leis da minha pátria. Fui acorrentado em Jerusalém e depois entregue aos romanos. Estes me examinaram e, não tendo encontrado em mim nada que merecesse castigo, queriam me mandar livre; mas, opondo-se fortemente os Judeus, fui forçado a apelar para César.”
            “Esta é a única razão pela qual fui conduzido a Roma. Não quero aqui acusar meus irmãos, mas desejo fazer-vos saber o motivo da minha vinda e, ao mesmo tempo, falar-vos do Messias e da ressurreição, que é justamente o motivo destas correntes. Sobre este assunto desejo muito poder abrir meu coração a vós”.
            A tais palavras, os Judeus responderam: “Na verdade, não nos chegaram cartas da Judeia, nem alguém veio nos relatar algo contra ti. Estamos também no vivo desejo de conhecer teus sentimentos, pois sabemos que a seita dos cristãos é contestada em todo o mundo”.
            Paulo aceitou de bom grado o convite e, marcando-lhes um dia, reuniu um grande número de Judeus em sua casa. Ele então começou a expor a doutrina de Jesus Cristo, a divindade de sua pessoa, a necessidade da fé nele, confirmando tudo com as palavras dos Profetas e de Moisés. Tal era o desejo de ouvir e tal a ansiedade de pregar, que o discurso de Paulo se prolongou da manhã até a noite. Entre os Judeus que o ouviam, muitos creram e abraçaram a fé, mas vários se opuseram fortemente a ele.
            O santo Apóstolo, vendo tanta obstinação por parte daqueles que deveriam ser os primeiros a crer, disse-lhes estas duras palavras: “Desta inflexível obstinação que vejo aqui entre vós em Roma, como também encontrei em todas as partes do mundo, a culpa é vossa. Esta vossa dureza já foi predita pelo profeta Isaías, quando disse: “Vai a este povo e dirás: Ouvireis com os ouvidos, mas não entendereis; vereis com os olhos, mas não compreendereis nada; porque o coração deste povo se endureceu, taparam os ouvidos e fecharam os olhos”.
            “Estejam certos”, prosseguia Paulo, “que a salvação que vós não quereis, Deus não a dará a vós; ao contrário, a levará aos Gentios, que a acolherão”.
            As palavras de Paulo foram quase inúteis para os Judeus. Eles partiram, continuando as disputas e as vãs discussões sobre o que ouviram, sem abrir o coração à graça que lhes era oferecida. Portanto, profundamente entristecido, Paulo se voltou para os Gentios, que com humildade de coração iam ouvi-lo e em grande número abraçavam a fé.
            O santo Apóstolo expressa ele mesmo a grande consolação pelo progresso que fazia o Evangelho durante sua prisão, escrevendo aos fiéis de Filipos: “Quando vós, irmãos, soubestes que eu estava preso em Roma, sentistes pena, não tanto por minha pessoa, quanto pela pregação do Evangelho. Sabei, portanto, que é bem ao contrário. Minhas correntes serviram à honra de Jesus Cristo e serviram para melhor fazê-lo conhecer não somente àqueles da cidade que vinham a mim para se instruírem na fé, mas também na corte e no palácio do próprio imperador. Sobre isso deveis alegrar-vos comigo e agradecer a Deus”.

CAPÍTULO XXVI. São Lucas — Os Filipenses enviam ajuda a São Paulo — Doença e cura de Epafrodito — Carta aos Filipenses — Conversão de Onésimo — Ano de Jesus Cristo 61

            Quanto temos dito até agora sobre as ações de São Paulo foi quase literalmente extraído do livro dos Atos dos Apóstolos, escrito por São Lucas. Este pregador do Evangelho continuou a ser fiel companheiro de São Paulo; ele pregou o Evangelho na Itália, na Dalmácia, na Macedônia e terminou a vida com o martírio em Patras, cidade da Acaia. Era médico, pintor e escultor. Existem muitas estátuas e pinturas da Bem-Aventurada Virgem veneradas em diferentes países que são atribuídas a São Lucas. Voltemos a São Paulo.
            Dois fatos são especialmente memoráveis na vida deste santo Apóstolo enquanto estava preso em Roma: um diz respeito aos fiéis de Filipos, o outro à conversão de Onésimo.
            Entre os muitos povos a quem o santo Apóstolo pregou o Evangelho, nenhum lhe deu maiores sinais de afeto do que os Filipenses. Eles já lhe haviam fornecido copiosas esmolas quando ele pregava em sua cidade, em Tessalônica e em Corinto.
            Quando souberam que Paulo estava preso em Roma, imaginaram que ele estivesse em necessidade; por isso, fizeram uma considerável coleta e, para que fosse mais cara e honrosa, a enviaram pelas mãos de Santo Epafrodito, seu bispo.
            Este santo prelado, ao chegar a Roma, encontrou Paulo que não só precisava de ajuda financeira, mas também de assistência pessoal, pois estava aflito por uma grave enfermidade causada pela prisão. Epafrodito se dedicou a servi-lo com tanta solicitude, caridade e fervor, que, tornando-se ele mesmo doente, estava à beira da morte. Mas Deus quis recompensar a caridade do santo e fazer com que não se acrescentasse aflição sobre aflição ao coração de Paulo, e lhe devolveu a saúde.
            Os Filipenses, ao saberem que Epafrodito estava mortalmente doente, ficaram imersos na mais profunda consternação. Por isso, Paulo achou por bem enviá-lo de volta a Filipos com uma carta, na qual explica o motivo que o levou a devolver-lhes Epafrodito, a quem chama de seu irmão, cooperador, colega e seu apóstolo. Ele os exorta, então, a recebê-lo com toda alegria e a honrar toda pessoa de semelhante mérito, que, à imitação dele, esteja pronta a dar a própria vida pelo serviço de Cristo. Ele também diz aos Filipenses que em breve enviaria Timóteo, para que lhe trouxesse notícias precisas daquela comunidade; afirma ainda que esperava ser libertado e poder vê-los mais uma vez.
            Epafrodito foi acolhido pelos Filipenses como um anjo enviado pelo Senhor, e a carta de Paulo encheu o coração daqueles fiéis da maior consolação.
            O outro fato que torna célebre a prisão de São Paulo foi a conversão de Onésimo, servo de Filêmon, rico cidadão de Colossos, cidade da Frígia. Este Filêmon havia sido conquistado para a fé por São Paulo e correspondeu tão bem à graça do Senhor que era considerado como modelo dos cristãos, e sua casa era chamada de igreja porque estava sempre aberta para as práticas de piedade e para o exercício da caridade em relação aos pobres. Ele tinha muitos escravos que o serviam, e entre eles um chamado Onésimo. Este, tendo-se dado infelizmente aos vícios, esperou a oportunidade de fugir, e roubando uma grande quantia de dinheiro do seu senhor, escapuliu-se para Roma. Lá, entregando-se à devassidão e a outros excessos, consumiu o dinheiro roubado e em breve se encontrou na mais profunda miséria. Por acaso, ouviu falar de São Paulo, que talvez tivesse visto e servido na casa de seu senhor. A caridade e benignidade do santo Apóstolo lhe inspiraram confiança, e decidiu se apresentar a ele. Foi e se lançou de joelhos aos seus pés, manifestou seu erro e o estado infeliz de sua alma, e se entregou completamente a ele. Paulo reconheceu naquele escravo um verdadeiro filho pródigo. Recebeu-o com bondade, como fazia com todos, e depois de fazê-lo conhecer a gravidade de sua falta e o infeliz estado de sua alma, dedicou-se a instruí-lo na fé. Quando viu nele as disposições necessárias para se tornar um bom cristão, batizou-o na mesma prisão. O bom Onésimo, após ter recebido a graça do batismo, permaneceu cheio de gratidão e afeto por seu pai e mestre, e começou a dar-lhe provas disso servindo-o lealmente nas necessidades de sua prisão. Paulo desejava mantê-lo ao seu lado, mas não queria fazê-lo sem a permissão de Filêmon. Pensou, portanto, em enviar o próprio Onésimo de volta ao seu senhor. E como ele não se atrevia a se apresentar a ele, Paulo quis acompanhá-lo com uma carta, dizendo-lhe: “Tome esta carta e vá ao seu senhor, e tenha certeza de que você obterá mais do que deseja”.

CAPÍTULO XXVII. Carta de São Paulo a Filêmon — Ano de Jesus Cristo 62

            A carta de São Paulo a Filêmon é a mais fácil e breve de suas cartas, e como pela beleza dos sentimentos pode servir de modelo a qualquer cristão, a oferecemos inteira ao benevolente leitor. É do seguinte teor:
                        “Paulo, prisioneiro do Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, a Filêmon, nosso amado colaborador, à nossa querida irmã Ápia e a Arquipo, nosso companheiro de luta, e à igreja que se reúne em tua casa: para vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
                        Dou continuamente graças a meu Deus, fazendo menção de ti em minhas orações, pois ouço falar do teu amor e da tua fé, fé no Senhor Jesus e amor para com todos os santos. Que a tua comunhão na fé seja eficaz, fazendo-te conhecer todo o bem que somos capazes de realizar para o Cristo. De fato, tive grande alegria e consolação por causa do teu amor fraterno, pois reconfortaste o coração dos santos, irmão.  Por isso, embora em Cristo eu me sinta muito à vontade para te ordenar o que deves fazer, prefiro apelar ao teu amor. Eu, Paulo, na condição de idoso e, agora, também, prisioneiro do Cristo Jesus,
                        faço-te um pedido em favor do meu filho Onésimo, a quem gerei na prisão. Outrora, ele te foi inútil mas, agora, ele é útil a ti e a mim. Eu o estou mandando de volta a ti: ele é como o meu próprio coração. Gostaria de retê-lo junto de mim, para que, em teu lugar, ele me servisse, enquanto carrego estas correntes por causa do evangelho. Mas não quis fazer nada sem o teu acordo, para que o teu benefício não pareça forçado, e sim, espontâneo. Talvez Onésimo tenha sido afastado de ti por algum tempo, precisamente para que o recebas de volta para sempre: agora, não mais como escravo, mas muito mais do que isto, como irmão querido; querido especialmente por mim, e muito mais por ti, não só segundo a carne, mas sobretudo no Senhor!
                        Se, pois, me tens como companheiro, recebe-o como se fosse a mim mesmo. E se ele te deu algum prejuízo ou te deve alguma coisa, põe isso na minha conta. Eu, Paulo, o escrevo de próprio punho: sou eu que pagarei. Isto, para não te dizer que tu também tens uma dívida para comigo: a tua própria pessoa! Sim, irmão, que eu tire algum proveito de ti no Senhor: reconforta-me em Cristo!  Escrevo-te, contando com a tua obediência e sabendo que farás ainda mais do que peço. Ao mesmo tempo, prepara-me também um alojamento, pois espero que, graças às vossas orações, vos serei restituído.
                        Epafras, meu companheiro de prisão, em Cristo Jesus, te saúda; igualmente, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores. A graça do Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito. Amém.”

            Epafras, de quem fala aqui São Paulo, havia sido convertido à fé por ele quando pregava na Frígia. Tornando-se depois apóstolo de sua pátria, foi feito bispo de Colossos. Foi a Roma para visitar São Paulo e foi preso com ele. Depois de ser libertado, voltou a governar sua Igreja de Colossos, onde concluiu a vida com a coroa do martírio.
            Marcos, de quem se fala aqui, é João Marcos, que depois de ter trabalhado muito com São Barnabé na pregação do Evangelho, uniu-se a São Paulo, reparando assim a fraqueza demonstrada quando abandonou São Paulo e São Barnabé para voltar para casa.
            Ao chegar Onésimo a Colossos, apresentou-se com a carta ao seu senhor, que o acolheu com a máxima amorosidade, contente por reaver não um escravo, mas um cristão. Ele lhe deu pleno perdão e, como da carta do santo Apóstolo havia entendido que Onésimo poderia prestar algum serviço, o enviou de volta a ele com mil saudações e bênçãos.
            Este servo se mostrou verdadeiramente fiel à vocação de cristão. São Paulo, vendo-o adornado das virtudes e da ciência necessária para ser um pregador do Evangelho, o ordenou sacerdote e mais tarde o consagrou bispo de Éfeso. Ele recebeu a coroa do martírio, e a Igreja católica faz memória dele no dia 16 de fevereiro.

CAPÍTULO XXVIII. São Paulo escreve aos Colossenses, aos Efésios e aos Hebreus — Ano de Cristo 62

            O zelo do nosso Apóstolo era incansável e, como suas correntes o mantinham em Roma, ele se esforçava para enviar seus discípulos ou escrever cartas onde quer que conhecesse a necessidade. Entre outras coisas, foi-lhe relatado que em Colossos, onde habitava Filêmon, surgiram questões devido a alguns falsos pregadores que queriam obrigar à circuncisão e às cerimônias legais todos os gentios que aderiam à fé. Além disso, haviam introduzido um culto supersticioso dos anjos. Paulo, como Apóstolo dos Gentios, informado dessas perigosas novidades, escreveu uma carta que deve ser lida integralmente para se apreciar a beleza e a sublimidade dos sentimentos. Merecem, porém, ser notadas as palavras que dizem respeito à tradição: “As coisas”, ele diz, “mais importantes para mim, serão ditas a vocês verbalmente por Tíquico e Onésimo, que para tal fim estão sendo enviados a vocês”. Essas palavras demonstram como o Apóstolo tinha coisas de grande importância não escritas, mas que enviava para comunicar verbalmente na forma de tradição.
            Uma coisa que causou não leve inquietação ao nosso Apóstolo foram as notícias de Éfeso. Quando se encontrava em Mileto e convocou os principais pastores, havia dito a eles que, devido aos males que deveria suportar, acreditava que não veriam mais seu rosto. Isso deixou aqueles afeiçoados fiéis na maior consternação. O santo Apóstolo, ciente da tristeza que afligia os efésios, escreveu uma carta para consolá-los.
            Entre outras coisas, recomenda considerar Jesus Cristo como cabeça da Igreja e manter-se unido a ele na pessoa de seus Apóstolos. Recomenda calorosamente que se mantenham longe de certos pecados que não devem ser nem mesmo nomeados entre os cristãos: “A fornicação”, ele diz, “a impureza e a avareza não sejam nem mesmo nomeadas entre vocês” (capítulo 5, versículo 5).
            Dirigindo-se então aos jovens, diz estas afetuosas palavras: “Filhos, eu vos recomendo no Senhor, sede obedientes a vossos pais, porque é coisa justa. Honra teu pai e tua mãe, diz o Senhor. Se observares este mandamento, serás feliz e viverás longamente sobre a terra”.
            Depois fala assim aos pais: “E vocês, pais, não irritem seus filhos, mas os criem na disciplina e na instrução do Senhor. Vocês, servos, obedeçam a seus senhores como a Cristo, não para serem vistos pelos homens, mas como servos de Cristo, fazendo a vontade de Deus de coração. Vocês, patrões, façam o mesmo para com eles, deixando de lado as ameaças, sabendo que o Senhor deles e o seu está nos céus, e que junto dele não há preferência de pessoas”.
            Esta carta foi levada a Éfeso por Tíquico, aquele fiel discípulo que, com Onésimo, havia levado a carta escrita aos Colossenses.
            De Roma, ele também escreveu sua carta aos Hebreus, ou seja, aos judeus da Palestina convertidos à fé. Seu objetivo era consolá-los e preveni-los contra as seduções de alguns outros judeus. Demonstra como os sacrifícios, as profecias e a antiga lei se realizaram em Jesus Cristo e que a ele somente se deve render honra e glória por todos os séculos. Insiste para que permaneçam constantemente unidos ao Salvador pela fé, sem a qual ninguém pode agradar a Deus; mas enfatiza que essa fé não justifica sem as obras.

CAPÍTULO XXIX. São Paulo é libertado — Martírio de São Tiago, o Menor — Ano de Cristo 63

            Já se haviam passado quatro anos desde que o santo Apóstolo estava preso: dois os passou em Cesareia e dois em Roma. Nero o havia feito comparecer diante de seu tribunal e reconhecido sua inocência; mas, fosse por ódio à religião cristã ou pela indiferença daquele cruel imperador, continuou a enviar Paulo de volta à prisão. Finalmente, resolveu conceder-lhe plena liberdade. Comumente se atribui essa decisão aos grandes remorsos que aquele tirano sentia pelas atrocidades cometidas. Ele chegou até a mandar assassinar sua mãe. Após tais crimes, sentia os mais agudos remorsos, pois os homens, por mais ímpios que sejam, não podem deixar de sentir em si os tormentos da consciência.
            Nero, portanto, para apaziguar de alguma forma sua alma, pensou em realizar algumas boas obras e, entre outras, conceder a liberdade a Paulo. Assim, feito senhor de si mesmo, o grande Apóstolo usou da liberdade para levar com maior ardor a luz do Evangelho a outras nações mais remotas.
            Talvez alguém se pergunte o que os judeus de Jerusalém fizeram quando viram Paulo retirado de suas mãos. Direi em breve. Eles dirigiram toda a sua fúria contra São Tiago, chamado o Menor, bispo daquela cidade. O governador Festo havia morrido; seu sucessor ainda não havia assumido o cargo. Os judeus aproveitaram aquela ocasião para se apresentar em massa ao sumo sacerdote, chamado Anano, filho daquele Anás e cunhado de Caifás, que haviam feito condenar o Salvador.
            Decididos a fazê-lo condenar, temiam grandemente o povo que o amava como um terno pai e se espelhava em suas virtudes; era chamado por todos de o Justo. A história nos diz que ele orava com tal assiduidade que a pele de seus joelhos havia se tornado como a de um camelo. Não bebia vinho nem outras bebidas embriagantes; era rigoroso no jejum, moderado na alimentação, na bebida e no vestir-se. Tudo que era supérfluo doava aos pobres.
            Apesar dessas belas qualidades, aqueles obstinados encontraram um modo de dar à sentença pelo menos uma aparência de justiça com uma astúcia digna deles. De acordo com o sumo sacerdote, os saduceus, os fariseus e os escribas organizaram um tumulto e correram até Tiago, dizendo entre mil gritos: “Você deve imediatamente tirar do erro este inumerável povo, que acredita que Jesus é o Messias prometido. Como você é chamado o Justo, todos acreditam em você; portanto, suba ao topo deste templo, para que todos possam vê-lo e ouvi-lo, e dê testemunho da verdade”.
            Assim, o conduziram a uma alta varanda do lado de fora do templo e, quando o viram lá em cima, exclamaram fingindo: “Ó homem justo, diga-nos o que se deve crer sobre Jesus crucificado”. O lugar não poderia ser mais solene. Ou renegar a fé, ou, pronunciando uma palavra a favor de Jesus Cristo, ser imediatamente condenado à morte. Mas o zelo do santo Apóstolo soube tirar todo o proveito daquela ocasião.
            “E por que”, exclamou em alta voz, “por que me interrogam sobre Jesus, Filho do homem e ao mesmo tempo Filho de Deus? Em vão fingem colocar em dúvida minha fé neste verdadeiro Redentor. Eu declaro diante de vocês que ele está no céu, assentado à direita de Deus Onipotente, de onde virá a julgar todo o mundo”. Muitos creram em Jesus Cristo e, na simplicidade de seus corações, começaram a exclamar: “Glória ao Filho de Davi”.
            Os judeus, frustrados em suas expectativas, começaram a gritar furiosamente: “Ele blasfemou! Que seja imediatamente lançado e morto”. Correram logo e o empurraram para baixo na laje da praça.
            Não morreu instantaneamente e, conseguindo se levantar, ajoelhou-se e, a exemplo do Salvador, invocava a divina misericórdia sobre seus inimigos, dizendo: “Perdoa-os, Senhor, porque não sabem o que fazem”.
            Então, os furiosos inimigos, instigados pelo pontífice, lhe lançaram uma chuva de pedras até que um, dando-lhe um golpe de maça na cabeça, o estendeu morto. Muitos fiéis foram trucidados junto a este Apóstolo, sempre pela mesma causa, ou seja, em ódio ao cristianismo (cf. Eusébio, História Eclesiástica).

CAPÍTULO XXX. Outras viagens de São Paulo — Escreve a Timóteo e a Tito — Seu retorno a Roma — Ano de Cristo 68

            Liberado das correntes da prisão, São Paulo dirigiu-se para aqueles lugares onde tinha intenção de ir. Foi, portanto, à Judeia visitar os judeus, mas ficou pouco, pois aqueles obstinados já estavam reacendendo a primitiva perseguição. Foi a Colossos, conforme a promessa feita a Filêmon. Dirigiu-se a Creta, onde pregou o Evangelho e onde ordenou Tito como bispo daquela ilha. Retornou à Ásia para visitar as Igrejas de Trôade, Icônio, Listra, Mileto, Corinto, Nicópolis e Filipos. Desta cidade, escreveu uma carta ao seu Timóteo, que havia ordenado bispo de Éfeso.
            Nesta carta, o Apóstolo lhe dá diversas regras para a consagração dos bispos e sacerdotes e para o exercício de muitas coisas relacionadas à disciplina eclesiástica. Quase ao mesmo tempo, escreveu uma carta a Tito, bispo de Creta, dando-lhe quase os mesmos conselhos dados a Timóteo e convidando-o a vir logo vê-lo.
            Acredita-se comumente que ele tenha ido pregar na Espanha e em muitos outros lugares. Empregou cinco anos em missões e fadigas apostólicas. Mas os fatos particulares dessas viagens, as conversões operadas por sua causa nos vários países, não nos são conhecidos. Dizemos apenas com Santo Anselmo que “o santo Apóstolo correu do Mar Vermelho até o Oceano, levando em toda parte a luz da verdade. Ele foi como o sol que ilumina todo o mundo do Oriente ao Ocidente, de modo que foram mais o mundo e os povos a faltar a Paulo, do que Paulo a faltar a algum dos homens. Esta é a medida de seu zelo e de sua caridade”.
            Enquanto Paulo estava ocupado nas fadigas do apostolado, soube que em Roma havia estourado uma feroz perseguição sob o império de Nero. Paulo imediatamente imaginou a grave necessidade de sustentar a fé em tais ocasiões e tomou imediatamente o caminho para Roma.
            Chegando à Itália, encontrou por toda parte publicados os editais de Nero contra os fiéis. Sentia os crimes e as calúnias que lhes eram imputadas; via por toda parte cruzes, fogueiras e outros tipos de suplícios preparados para os confessores da fé, e isso dobrava em Paulo o desejo de estar logo entre aqueles fiéis. Assim que chegou, como quem oferecia a Deus a si mesmo, começou a pregar nas praças públicas, nas sinagogas, tanto para os gentios quanto para os judeus. A estes últimos, que quase sempre se mostraram obstinados, pregava o iminente cumprimento das profecias do Salvador, que previam a destruição da cidade e do templo de Jerusalém com a dispersão de toda aquela nação. Sugeriu, porém, um meio para evitar os flagelos divinos: converter-se de coração e reconhecer seu Salvador naquele Jesus que haviam crucificado.
            Aos gentios pregava a bondade e a misericórdia de Deus, que os convidava à penitência; por isso, exortava a abandonar o pecado, a mortificar as paixões e a abraçar o Evangelho. A tal pregação, confirmada por contínuos milagres, os ouvintes vinham em massa pedir o batismo. Assim, a Igreja, perseguida com ferro, fogo e mil terrores, aparecia mais bela e florescente e aumentava a cada dia o número de seus eleitos.
            O que mais dizer? São Paulo levou seu zelo e sua caridade a tal ponto que conseguiu ganhar um certo Próculo, intendente do palácio imperial, e a própria esposa do imperador. Estes abraçaram com ardor a fé e morreram mártires.

CAPÍTULO XXXI. São Paulo é novamente aprisionado — Escreve a segunda carta a Timóteo — Seu martírio — Ano de Cristo 69-70

            Com São Paulo, também veio a Roma São Pedro, que há 25 anos aí mantinha a sede da cristandade. Ele também havia ido a outros lugares pregar a fé e, ao ser informado da perseguição levantada contra os cristãos, voltou imediatamente a Roma. Trabalharam em comum acordo os dois príncipes dos Apóstolos até que Nero, irritado pelas conversões que haviam sido feitas em sua corte e mais ainda pela morte ignominiosa que coube ao mago Simão (como narrado na vida de São Pedro), ordenou que fossem procurados com o máximo rigor São Pedro e São Paulo e conduzidos à prisão Mamertina, aos pés do monte Capitolino. Nero tinha em mente fazer conduzir os dois Apóstolos ao suplício imediatamente, mas foi desviado por assuntos políticos e por uma conspiração tramada contra ele. Além disso, havia deliberado tornar glorioso seu nome cortando o istmo de Corinto, uma língua de terra larga cerca de nove milhas. Esta empreitada não pôde ser realizada, mas deixou um ano de tempo a Paulo para ganhar ainda mais almas para Jesus Cristo.
            Ele conseguiu converter muitos prisioneiros, alguns guardas e outros personagens de destaque, que por desejo de se instruírem ou por curiosidade iam ouvi-lo, pois São Paulo durante sua prisão podia ser livremente visitado e escrevia cartas onde conhecia a necessidade. É da prisão de Roma que escreveu a segunda carta a Timóteo.
            Nesta carta, o Apóstolo anuncia próxima sua morte, demonstra vivo desejo de que o mesmo Timóteo vá até ele para assisti-lo, estando quase abandonado por todos. Esta carta pode ser chamada de testamento de São Paulo; e, entre muitas coisas, fornece também uma das maiores provas a favor da tradição. “O que você ouviu de mim”, lhe diz, “procure transmitir a homens fiéis e capazes de ensiná-lo a outros depois de você”. Dessas palavras aprendemos que, além da doutrina escrita, existem outras verdades não menos úteis e certas que devem ser transmitidas oralmente, em forma de tradição, com uma sucessão ininterrupta por todos os tempos futuros.
            Dá então muitos conselhos úteis a Timóteo para a disciplina da Igreja, para reconhecer várias heresias que estavam se espalhando entre os cristãos. E, para mitigar a ferida que a notícia de sua iminente morte lhe causaria, o encoraja assim: “Não te entristeças por mim, antes, se me queres bem, alegra-te no Senhor. Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé. Agora não me resta senão receber a coroa de justiça que o Senhor, justo juiz, me entregará naquele dia, quando, tendo oferecido em sacrifício a minha vida, me apresentarei a ele. Tal coroa não será dada apenas a mim, mas a todos aqueles que, com boas obras, se preparam para recebê-la em sua vinda”.
            Paulo teve em sua prisão um conforto de um certo Onésiforo. Este, tendo vindo a Roma e sabendo que Paulo, seu antigo mestre e pai em Jesus Cristo, estava na prisão, foi visitá-lo e se ofereceu para servi-lo. O Apóstolo sentiu grande consolação por uma tão terna caridade e, escrevendo a Timóteo, faz muitos elogios a ele e ora a Deus por ele.
            “Que Deus”, lhe escreve, “tenha misericórdia da família de Onésiforo, que muitas vezes me confortou e não se envergonhou de minhas correntes; ao contrário, vindo a Roma, me procurou com solicitude e me encontrou. O Senhor lhe conceda encontrar misericórdia diante dele naquele dia. E você sabe bem quantos serviços me prestou em Éfeso”.
            Entretanto, Nero voltou de Corinto todo irritado porque a empreitada do istmo não havia sido bem-sucedida. Ele se pôs com ainda mais raiva a perseguir os cristãos; e seu primeiro ato foi fazer executar a sentença de morte contra São Paulo. Antes de tudo, foi espancado com varas, e ainda se mostra em Roma a coluna à qual estava atado quando sofreu aquela flagelação. É verdade que com isso perdia o privilégio de cidadania romana, mas adquiria o direito de cidadão do céu; por isso sentia a maior alegria em se assemelhar ao seu divino Mestre. Esta flagelação era o prelúdio de ser depois decapitado.
            Paulo foi condenado à morte porque havia ultrajado os deuses; por este único título era permitido cortar a cabeça de um cidadão romano. Que bela culpa! Ser considerado ímpio porque, em vez de adorar pedras e demônios, se quer adorar o único Deus verdadeiro e seu Filho Jesus Cristo. Deus já lhe havia revelado o dia e a hora de sua morte; por isso sentia uma alegria já toda celestial. Exclamava: Cupio dissolvi et esse cum Christo (Desejo ser solto deste corpo para estar com Cristo). Finalmente, uma turba de capangas o tirou da prisão e o conduziu para fora de Roma pela porta que se chama Ostiense, fazendo-o caminhar em direção a um pântano ao longo do Tibre; chegaram a um lugar chamado Águas Sálvias, cerca de três milhas distante de Roma.
            Contam que uma matrona, chamada Plautila, esposa de um senador romano, vendo o santo Apóstolo maltratado no corpo e conduzido à morte, começou a chorar copiosamente. São Paulo a consolou dizendo: “Não chore, deixarei uma lembrança minha que será muito querida para você. Dê-me seu véu”. Ela lhe deu. Com este véu, vendaram os olhos ao santo antes de ser decapitado. E, por ordem do santo, uma pessoa piedosa o restituiu ensanguentado a Plautila, que o conservou como relíquia.
            Chegando Paulo ao lugar do suplício, dobrou os joelhos e, com o rosto voltado para o céu, recomendou a Deus sua alma e a Igreja; depois inclinou a cabeça e recebeu o golpe da espada que lhe cortou a cabeça do tronco. Sua alma voou para encontrar aquele Jesus que há tanto tempo desejava ver.
            Os anjos o acolheram e o introduziram entre imenso júbilo para participar da felicidade do céu. É certo que o primeiro a quem ele deve agradecer foi Santo Estêvão, a quem, depois de Jesus, era devedor de sua conversão e de sua salvação.

CAPÍTULO XXXII. Sepultamento de São Paulo — Maravilhas realizadas junto ao seu túmulo — Basílica a ele dedicada

            No dia em que São Paulo foi executado fora de Roma, nas Águas Sálvias, foi o mesmo em que São Pedro obteve a palma do martírio aos pés do monte Vaticano, no dia 29 de junho, tendo São Paulo 65 anos de idade. Barônio, que é chamado de pai da história eclesiástica, conta como da cabeça de São Paulo, assim que foi cortada do corpo, jorrou leite em vez de sangue. Dois soldados, ao ver tal milagre, se converteram a Jesus Cristo. Sua cabeça, então, ao cair ao chão, deu três saltos, e onde tocou o solo brotaram três fontes de água viva. Para conservar a memória desse glorioso acontecimento, foi erguida uma igreja cujas paredes cercam essas fontes, que ainda hoje são chamadas Fontes de São Paulo (cf. F. Barônio, ano 69-70).
            Muitos viajantes (cf. Cesário e Tillemont) foram ao local para serem testemunhas desse fato e nos asseguram que aquelas três fontes que viram e provaram têm um sabor como de leite. Naqueles primeiros tempos, havia uma grande solicitude dos cristãos para recolher e sepultar os corpos daqueles que davam a vida pela fé. Duas mulheres, chamadas uma Basilissa e a outra Anastácia, estudaram a maneira e o tempo para recuperar o cadáver do santo Apóstolo e, à noite, o sepultaram a duas milhas do local onde ele havia sofrido o martírio, a uma milha de Roma. Nero, através de seus espiões, soube da obra daquelas piedosas mulheres e isso foi suficiente para que as fizesse morrer, cortando-lhes as mãos, os pés e depois a cabeça.
            Embora os Gentios soubessem que o corpo de Paulo havia sido sepultado pelos fiéis, nunca puderam saber o local exato. Isso era conhecido apenas pelos cristãos, que o mantinham em segredo como o tesouro mais precioso e lhe prestavam a maior honra possível. Mas a estima que os fiéis tinham por aquelas relíquias chegou a tal ponto que alguns mercadores do Oriente, que vieram a Roma, tentaram roubá-las e levá-las para seu país. Secretamente, desenterraram-nas nas catacumbas, a duas milhas de Roma, esperando o momento propício para transportá-las. Mas no ato de realizar seu plano, levantou-se uma horrível tempestade com relâmpagos e trovões terríveis, de modo que foram forçados a abandonar a empreitada. Sabendo disso, os cristãos de Roma foram buscar o corpo de Paulo e o trouxeram de volta ao seu primeiro local ao longo da via Ostiense.
            Na época de Constantino, o Grande, foi edificada uma basílica magnífica em honra e sobre o sepulcro do nosso Apóstolo. Em todos os tempos, reis e imperadores, esquecendo-se de sua grandeza, cheios de temor e veneração, foram a esse sepulcro para beijar a caixa que guarda os ossos do santo Apóstolo.
            Os próprios Romanos Pontífices não se aproximavam, nem se aproximam, do local de seu sepultamento se não cheios de veneração, e nunca permitiram que alguém retirasse uma partícula daqueles ossos veneráveis. Vários príncipes e reis fizeram insistentes pedidos, mas nenhum Papa julgou poder atendê-los. Essa grande reverência era muito aumentada pelos contínuos milagres que se realizavam junto a esse sepulcro. São Gregório Magno relata muitos e assegura que ninguém entrava naquele templo para rezar sem tremer. Aqueles que ousassem profaná-lo ou tentassem levar até mesmo uma pequena partícula eram punidos por Deus com manifesta vingança.
            Gregório XI foi o primeiro que, em uma calamidade pública, quase forçado pelas orações e insistências do povo de Roma, tomou a cabeça do Santo, levantou-a bem alto, mostrou-a à multidão que chorava de ternura e devoção e, imediatamente, a recolocou de onde a havia retirado.
            Agora, a cabeça deste grande Apóstolo está na igreja de São João de Latrão; o resto do corpo sempre foi conservado na basílica de São Paulo fora dos muros, ao longo da via Ostiense, a uma milha de Roma.
            Até suas correntes foram objeto de devoção entre os fiéis cristãos. Pelo contato daqueles ferros gloriosos se realizaram muitos milagres, e as mais importantes personalidades do mundo sempre consideraram uma relíquia preciosa poder ter um pouco de limalha delas.

CAPÍTULO XXXIII. Retrato de São Paulo — Imagem de seu espírito — Conclusão

            Para que permaneça mais bem impressa a devoção a este príncipe dos Apóstolos, é útil dar uma ideia de sua aparência física e de seu espírito.
            Paulo não tinha uma aparência muito atraente, como ele mesmo afirma. Era de estatura pequena, de constituição forte e robusta, e deu prova disso com as longas e graves fadigas que suportou em sua carreira, sem nunca ter estado doente, exceto pelos males causados pelas correntes e pela prisão. Somente no final de seus dias caminhava um pouco curvado. Tinha o rosto claro, a cabeça pequena e quase totalmente calva, o que denotava um caráter sanguíneo e ardente. Tinha a testa ampla, sobrancelhas negras e baixas, nariz aquilino, barba longa e espessa. Mas seus olhos eram extremamente vivos e brilhantes, com um ar doce que temperava o ímpeto de seus olhares. Este é o retrato de sua aparência física.
            Mas o que dizer de seu espírito? Conhecemos isso por seus próprios escritos. Tinha um intelecto agudo e sublime, ânimo nobre, coração generoso. Tal era sua coragem e firmeza que extraía força e vigor das próprias dificuldades e perigos. Era muito experiente na ciência da religião judaica. Era profundamente erudito nas Sagradas Escrituras e tal ciência, ajudada pelos esclarecimentos do Espírito Santo e pela caridade de Jesus Cristo, o tornou aquele grande Apóstolo que foi apelidado de Doutor dos Gentios. São João Crisóstomo, devotíssimo de nosso santo, desejava grandemente poder ver São Paulo do púlpito, porque, dizia, os maiores oradores da antiguidade pareceriam lânguidos e frios em comparação a ele. Não é necessário dizer mais sobre suas virtudes, pois o que temos exposto até agora não é outra coisa senão uma tecelagem das virtudes heroicas que ele fez brilhar em todo lugar, em todo tempo e com todo tipo de pessoas.
            Para concluir o que foi dito sobre este grande santo, merece ser notada uma virtude que ele fez brilhar acima de todas as outras: a caridade para com o próximo e o amor a Deus. Ele desafiava todas as criaturas a separá-lo do amor de seu divino Mestre. “Quem me separará”, exclamava, “do amor de Jesus Cristo? Talvez as tribulações ou as angústias, ou a fome, ou a nudez, ou os perigos, ou as perseguições? Não, certamente. Estou persuadido de que nem a morte nem a vida, nem anjos nem principados, nem potências, nem coisas presentes nem futuras, nem qualquer criatura poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”. Este é o caráter do verdadeiro cristão: estar disposto a perder tudo, a sofrer tudo, em vez de dizer ou fazer a menor coisa contrária ao amor de Deus.
            São Paulo passou mais de trinta anos de sua vida como inimigo de Jesus Cristo; mas assim que foi iluminado por sua graça celeste, entregou-se totalmente a ele, e nunca mais se separou dele. Depois, empregou mais de trinta e seis anos nas mais austeras penitências, nas mais duras fadigas, e isso para glorificar aquele Jesus que havia perseguido.
            Cristão leitor, talvez você que lê e eu que escrevo tenhamos passado uma parte da vida ofendendo ao Senhor! Mas não percamos a coragem: ainda há tempo para nós; a misericórdia de Deus nos espera.
            Mas não adiemos a conversão, porque se esperarmos até amanhã para resolver as coisas da alma, corremos o grave risco de não ter mais tempo. São Paulo trabalhou trinta e seis anos a serviço do Senhor; agora, há 1800 anos, goza da imensa glória do céu e a gozará por todos os séculos. A mesma felicidade está preparada também para nós, desde que nos entreguemos a Deus enquanto temos tempo e perseveremos no santo serviço até o fim. É nada o que se sofre neste mundo, mas é eterno o que gozaremos no outro. Assim nos assegura o próprio São Paulo.

Terceira edição
Livraria Salesiana Editora
1899
Propriedade do editor
S. Pier d’Arena, Escola Tipográfica Salesiana
Colégio São Vicente de Paulo
(N. 1267 — M)




O Jubileu de 2025 e as basílicas jubilares

No dia 24 de dezembro de 2024, na véspera de Natal, o Papa abriu a Porta de Bronze na Basílica de São Pedro, marcando assim o início do Jubileu de 2025. Este gesto foi repetido posteriormente em outras basílicas: no dia 27 de dezembro, por ocasião da festa de São João Apóstolo e Evangelista, na Basílica Lateranense (da qual é co-padroeiro); no dia 1º de janeiro de 2025, solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, na Basílica de Santa Maria Maior; e finalmente no dia 5 de janeiro, véspera da Epifania, na Basílica de São Paulo fora dos Muros. A seguir, explicamos brevemente o que é o Jubileu e quais são as basílicas jubilares onde é possível obter a Indulgência plenária.

Origem
Às vezes, há confusão entre o primeiro Jubileu e a primeira Bula que estabeleceu sua periodicidade, mas o Jubileu tem suas raízes na legislação bíblica. Foi Deus mesmo quem ordenou a Moisés que celebrasse um ano “jubilar” a cada cinquenta anos (Levítico 25). Ao longo dos séculos, essa prática passou para a comunidade cristã, adaptando-se gradualmente às necessidades e tradições da Igreja.

Em 1300, diante da grande afluência de peregrinos a Roma, o papa Bonifácio VIII publicou a bula Antiquorum habet fida relatio [Existe uma antiga tradição digna de fé], que não instituiu o Jubileu ex novo, mas reconheceu a tradição secular já existente. Ele realizou diversas investigações, interrogando até pessoas muito idosas, como um saboiano de 107 anos que lembrava de ter sido levado a Roma por seu pai cem anos antes para lucrar “grandes Indulgências”. Essa crença disseminada levou Bonifácio VIII a estabelecer solenemente o que era transmitido oralmente, ou seja, a possibilidade de obter a Indulgência plenária visitando a Basílica de São Pedro durante o ano “secular”.

Originalmente, segundo a bula de Bonifácio VIII, o Jubileu deveria ser celebrado a cada cem anos. No entanto, os prazos mudaram ao longo do tempo:
– O Papa Clemente VI reduziu para cada cinquenta anos (retomando assim a periodicidade do Antigo Testamento);
– O Papa Gregório XI fixou a cada trinta e três anos, em memória dos anos de vida de Jesus;
– O Papa Paulo II finalmente estabeleceu a periodicidade de vinte e cinco anos, para que mais fiéis, incluindo os jovens, pudessem desfrutar dessa graça pelo menos uma vez na vida (considerando a baixa expectativa de vida da época).

Além dos Jubileus “ordinários” (a cada 25 anos), às vezes são convocados Jubileus “extraordinários” por circunstâncias particulares ou necessidades da Igreja. Os últimos três Jubileus extraordinários foram:
– 1933-1934: Jubileu extraordinário da Redenção (1900º aniversário da Redenção de Cristo, tradicionalmente datado do ano 33 d.C.);
– 1983-1984: Jubileu extraordinário da Redenção (1950º aniversário da Redenção de Cristo);
– 2015-2016: Jubileu extraordinário da Misericórdia (para colocar em destaque o tema da Misericórdia).
Como nem todos podiam ir a Roma, os Pontífices concederam a possibilidade de obter a Indulgência plenária também àqueles que, por motivos econômicos ou de outra natureza, não podiam viajar. Em lugar da peregrinação, podiam ser realizadas outras obras de piedade, penitência e caridade, como ainda acontece hoje.

Significado e espírito do Jubileu
O Jubileu é um tempo forte de penitência e conversão, que visa à remissão dos pecados e ao crescimento na graça de Deus. Em particular, a Igreja nos convida a:

1. Renovar a memória da nossa Redenção e suscitar uma viva gratidão ao Divino Salvador.
2. Reavivar em nós a fé, a esperança e a caridade.
3. Proteger-nos, graças às luzes particulares que o Senhor concede neste período de graça, contra erros, impiedade, corrupção e escândalos que nos cercam.
4. Despertar e aumentar o espírito de oração, arma fundamental do cristão.
5. Cultivar a penitência do coração, corrigir comportamentos e reparar com boas obras os pecados que atraem a ira de Deus.
6. Obter, mediante a conversão dos pecadores e o aperfeiçoamento dos justos, que Deus antecipe em sua misericórdia o triunfo da verdade ensinada pela Igreja.

Um dos momentos culminantes para o fiel durante o Jubileu é a passagem pela Porta Santa, gesto que deve ser precedido por um percurso de preparação remota (oração, penitência e caridade) e por uma preparação próxima (o cumprimento das condições para receber a Indulgência plenária). É importante lembrar que não se pode receber a Indulgência plenária se estiver em estado de pecado grave.

As condições para receber a Indulgência plenária são:
1. Confissão sacramental.
2. Comunhão eucarística.
3. Oração segundo as intenções do Santo Padre (um Pai Nosso e uma Ave Maria).
4. Disposição interior de total desapego do pecado, mesmo venial (ou seja, a firme vontade de não querer mais ofender a Deus). Se faltar a plena disposição ou não forem respeitadas todas as condições, a indulgência é apenas parcial.

Informações sobre o Jubileu de 2025
Como de costume, também este Jubileu foi convocado por uma Bula de Proclamação, intitulada Spes non confundit, consultável AQUI. Estão disponíveis, além disso, as Normas sobre a Concessão da Indulgência durante o Jubileu Ordinário de 2025, legíveis AQUI. O site oficial do Jubileu de 2025, com informações sobre organização, eventos, calendário e mais, encontra-se AQUI.

Na tradição jubilar da Igreja Católica, os peregrinos, ao chegarem a Roma, realizam uma “peregrinação devota” nas igrejas enriquecidas de indulgência. Essa prática remonta à época dos primeiros cristãos, que amavam rezar sobre os túmulos dos apóstolos e mártires, certos de receber graças especiais pela intercessão de São Pedro, de São Paulo e dos muitos mártires que impregnaram a terra de Roma com seu sangue.

Em 2025, foram propostos diferentes percursos de peregrinação, e em cada uma das igrejas indicadas é possível obter a Indulgência plenária. Todas as basílicas e igrejas mencionadas a seguir foram enriquecidas com tal dom jubilar.

1. Itinerário das quatro Basílicas Papais
As quatro Basílicas Papais de Roma são:
1.1 São Pedro no Vaticano
1.2 São João de Latrão
1.3 Santa Maria Maior
1.4 São Paulo fora dos Muros

2. Peregrinação das 7 igrejas
A peregrinação das Sete Igrejas, iniciada por São Filipe Néri no século XVI, é uma das tradições romanas mais antigas. O itinerário, com cerca de 25 km, se estende por toda a cidade, passando também pela campanha romana e pelas catacumbas. Além das quatro Basílicas Papais, inclui:
2.5 Basílica de São Lourenço fora dos Muros
2.6 Basílica de Santa Cruz em Jerusalém
2.7 Basílica de São Sebastião fora dos Muros

3. “Iter Europaeum”
O Iter Europaeum [Percurso das igrejas da União Europeia] é uma peregrinação por 28 igrejas e basílicas de Roma, cada uma associada a um dos Estados membros da União Europeia por seu valor artístico, cultural ou pela tradição de acolher peregrinos provenientes daquele país específico.

4. Mulheres Patronas da Europa e Doutoras da Igreja
Este percurso oferece a oportunidade de conhecer mais de perto as santas europeias, em particular aquelas reconhecidas como Patronas da Europa ou Doutoras da Igreja. O itinerário leva os peregrinos pelas ruazinhas do Rione Monti, Praça Minerva e outros locais icônicos de Roma, à descoberta de figuras femininas de grande relevância na história do catolicismo.

5. Catacumbas cristãs
Locais ao mesmo tempo históricos e sagrados, onde estão conservados os restos mortais de numerosos santos e mártires.

6. Outras Igrejas Jubilares
Nessas igrejas serão realizadas catequeses em diferentes idiomas para redescobrir o significado do Ano Santo. Também será possível se aproximar do sacramento da Reconciliação e enriquecer a própria experiência de fé com a oração.

Basílicas ou igrejas enriquecidas com Indulgência plenária
Para facilitar a visita e a devoção, apresentamos aqui a lista de todas as basílicas e igrejas enriquecidas com Indulgência plenária para o Jubileu de 2025, acompanhada de links para os sites do Jubileu, para o Google Maps, para as páginas web oficiais dos locais de culto e outras informações úteis. Três delas foram repetidas porque estão incluídas em dupla categoria (Basílica Santa Maria sobre Minerva, São Paulo em Régola e Santa Brígida em Campo de Fiori [Campo das Flores]).




Basílicas
Papais (4)

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1

Basílica
de São Pedro no Vaticano

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2

Arquibasílica
de São João de Latrão

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3

Basílica
de São Paulo fora dos Muros

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4

Basílica
de Santa Maria Maior

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A
Peregrinação das Sete Igrejas (4 papais + 3)

5

Basílica
de São Lourenço fora dos Muros

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6

Basílica
de Santa Cruz em Jerusalém

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7

Basílica
de São Sebastião fora dos Muros

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Visita
às catacumbas cristãs (7)

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8

Catacumba de São Pancrácio (Praça
Ottavilla; Via Vitellia)

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9

Catacumba de Domitila (Via Ardeatina)

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10

Catacumbas de Calisto (Via Ápia)

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11

Catacumbas de São Sebastião (Via
Ápia)

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12

Catacumba dos Santos Marcelino e Pedro (“aos
dois loureiros”; Via Labicana)

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13

Catacumba de Santa Inês (Via Nomentana)

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14

Catacumba de Priscila (Via Salaria nova)

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Iter
Europaeum (28)

15

Basílica
de Santa Maria em Aracoeli

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16

Santíssimo
Nome de Maria no Fórum de Trajano

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17

São
Juliano dos Flamengos

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18

São
Paulo em Régola

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19

Basílica
de Santa Maria na Via Lata

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20

São
Jerônimo dos Croatas

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21

Santa
Maria em Transpontina

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22

Basílica
de Santa Sabina no Aventino

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23

Basílica
de Santa Maria sobre Minerva

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24

São
Luís dos Franceses

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25

Nossa
Senhora da Alma (Pontifício Instituto Teutônico)

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26

São
Teodoro no Palatino

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27

Santo
Isidoro em Capo le Case

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28

Basílica
de Santa Maria dos Anjos e dos Mártires

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29

Basílica
dos Quatro Santos Coroados

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30

Santíssimo
Nome de Jesus em (Torre) Argentina (Igreja de Jesus)

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31

Basílica
do Sagrado Coração de Jesus no Castro Pretório

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32

São
Paulo nas Três Fontes, lugar do martírio do Apóstolo

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33

São
Miguel e São Magno (São Miguel em Sassia)

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34

Santo
Estanislau dos Poloneses

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35

Santo
Antônio dos Portugueses (Santo Antônio em Campo
Márcio)

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36

Basílica
de São Clemente em Latrão

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37

São
Salvador em Coppelle

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38

Basílica
de Santa Praxedes

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39

Basílica
de Santa Maria Maior

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40

São
Pedro em Montório

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41

Santa
Brígida em Campo das Flores

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42

Basílica
de Santo Estêvão Redondo
no
Monte Célio

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Mulheres
Padroeiras da Europa e Doutoras da Igreja (7)

43

Basílica
de Santa Maria sobre Minerva (Santa Catarina de Sena)

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44

Santa
Brígida (Santa Brígida da Suécia)

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45

Santa
Maria da Vitória (Santa Teresa de Jesus, de Ávila)

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46

Santíssima
Trindade dos Montes (Santa Teresa do Menino Jesus)

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47

Basílica
de Santa Cecília no Trastevere (Santa Hildegarda de Bingen)

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48

Basílica
de Santo Agostinho em Campo Márcio

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49

Santo
Ivo em La Sapienza (Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein)

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As
Igrejas do Jubileu (12)

50

São
Paulo em Régola

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51

São
Salvador em Lauro

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52

Santa
Maria em Vallicella

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53

Santa
Catarina de Sena

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54

Espírito
Santo dos Napolitanos

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55

Santa
Maria do Sufrágio

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56

Basílica
de São João Batista dos Florentinos

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57

Basílica
de Santa Maria de Monserrat dos Espanhóis

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58

Basílica
di São Silvestre e São Martinho dos Montes

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59

Santa
Prisca

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60

Basílica
di Santo André do Horto

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61

Santuário
de Nossa Senhora do Amor Divino

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Outras
igrejas indulgenciadas (1)

62

Espírito
Santo em Sassia

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São Francisco de Sales, fundador de uma nova escola de perfeição

            Para Francisco de Sales, a vida religiosa é «uma escola de perfeição», na qual alguém «se consagra de maneira mais simples e mais total a Nosso Senhor». «A vida religiosa – acrescenta o fundador da Visitação – é uma escola onde cada um deve aprender a lição: o mestre não exige que o aluno saiba a lição todos os dias sem errar, é suficiente que se empenhe em fazer o que pode para aprendê-la». Falando da congregação da Visitação que ele fundou, usava a mesma linguagem: «A congregação é uma escola»; entra-se nela «para se encaminhar para a perfeição do amor divino».
            Cabia ao fundador formar suas filhas espirituais, exercendo o papel de «iniciador» e mestre das noviças. Ele o fez de maneira excelente. Segundo T. Mandrini, «São Francisco de Sales ocupa na história da vida religiosa um lugar de primeiro plano, como Santo Inácio de Loyola; podemos até afirmar que na história da vida religiosa feminina, São Francisco de Sales ocupa o lugar que Santo Inácio ocupa na história da vida religiosa masculina».

Joana de Chantal nas origens da Visitação
            Em 1604, Francisco de Sales encontrou em Dijon, onde estava pregando a quaresma, a mulher que estava prestes a se tornar a «pedra fundamental» de um novo instituto. Nessa data, Joana Francisca Frémyot era uma jovem viúva de trinta e dois anos. Nascida em 1572 em Dijon, casou-se aos vinte anos com Christóvão Rabutin, barão de Chantal. Tiveram um filho e três filhas. Quinze dias após o nascimento da última filha, o marido foi mortalmente ferido durante uma caçada. Permanecendo viúva, Joana continuou corajosamente a cuidar da educação dos filhos e a ajudar os pobres.
            O encontro de Chantal com o bispo de Genebra marcou o início de uma verdadeira amizade espiritual que desembocaria em uma nova forma de vida religiosa. No início, Francisco de Sales inculcou em Joana o amor pela humildade exigida por seu estado de viúva, sem pensar em um novo casamento ou na vida religiosa; a vontade de Deus se manifestaria a seu tempo. Ele a encorajou nas provas e tentações contra a fé e contra a Igreja.
            Em 1605, a baronesa chegou a Sales para rever seu diretor e aprofundar com ele os assuntos que a preocupavam. Francisco respondeu evasivamente ao desejo de Joana de se tornar religiosa, mas acrescentou estas palavras fortes: «No dia em que a senhora abandonar tudo, virá a mim e farei com que se encontre em um total despojamento e nudez, para ser toda de Deus». Para prepará-la para esse objetivo final, ele sugeriu: “a doçura de coração, a pobreza de espírito e a simplicidade de vida, juntamente com esses três exercícios modestos: visitar os enfermos, servir os pobres, consolar os aflitos e outros semelhantes”.
            No início de 1606, como o pai da baronesa a pressionava a se casar novamente, o problema da vida religiosa tornou-se urgente. O que fazer, perguntava-se o bispo de Genebra? Uma coisa era clara, mas a outra estava em dúvida:

Eu aprendi até este momento, minha Filha, que, um dia, a senhora terá que deixar tudo; ou melhor, para que não entenda a coisa de maneira diferente do que eu a entendi, que, um dia, eu terei que aconselhá-la a deixar tudo. Digo deixar tudo. Mas que a senhora tenha que fazer isso para entrar na vida religiosa, é pouco provável, porque ainda não me ocorreu ser desse parecer: ainda estou em dúvida, e não vejo, diante de mim, nada que me leve a desejá-lo. Compreenda-me bem, por amor de Deus. Não digo que não, mas digo apenas que meu espírito ainda não encontrou uma razão para dizer que sim.

            A prudência e a lentidão de Francisco de Sales são facilmente explicáveis. A baronesa, de fato, sonhava talvez em se tornar carmelita, e ele, por sua vez, ainda não havia amadurecido o projeto da nova fundação. Mas o principal obstáculo eram os filhos da senhora Chantal, todos ainda pequenos.

A fundação
            No decorrer de um novo encontro ocorrido em Annecy em 1607, Francisco declarou-lhe desta vez: «Então! Minha filha, decidi sobre o que quero fazer da senhora»; e revelou-lhe o projeto de fundar com ela um novo instituto. Restavam dois obstáculos maiores à realização: os deveres familiares da senhora de Chantal e sua vinda estável a Annecy, porque, dizia, «é necessário lançar a semente da nossa congregação na pequena Annecy». E enquanto a senhora de Chantal sonhava provavelmente com uma vida inteiramente contemplativa, Francisco citava o exemplo de santa Marta, mas uma Marta «corrigida» pelo exemplo de Maria, que dividia as horas de seus dias em duas, «dedicando uma boa parte às obras exteriores de caridade, e a parte melhor ao seu íntimo com a contemplação».
            Durante os três anos seguintes, os principais obstáculos caíram um após o outro: o pai da Senhora Chantal permitiu que ela seguisse seu próprio caminho, aceitando também cuidar da educação do primogênito; a filha mais velha casou-se com Bernard de Sales, irmão de Francisco, e o acompanhou na Saboia; a segunda filha acompanhou a mãe a Annecy; quanto à última, ela faleceu no final de janeiro de 1610, aos nove anos.
            No dia 6 de junho de 1610, Joana de Chantal estabeleceu-se em uma casa particular com Charlotte, uma amiga da Borgonha, e Jacqueline, filha do presidente Antônio Favre. O objetivo delas era «consagrar todos os momentos de suas vidas a amar e servir a Deus», sem desatender «o serviço dos pobres e dos enfermos». A Visitação será uma «pequena congregação», que une a vida interior com uma forma de vida ativa. As três primeiras visitandinas fizeram sua profissão exatamente um ano depois, no dia 6 de junho de 1611. No dia 1º de janeiro de 1612, começarão as visitas aos pobres e enfermos, previstas no projeto primitivo de Constituições. No dia 30 de outubro do mesmo ano, a comunidade abandonou a casa, que se tornara pequena demais, e se transferiu para uma nova casa, aguardando a construção do primeiro mosteiro da Visitação.
            Durante os primeiros anos, não se sonhou com nenhuma outra fundação, até que em 1615 chegou um pedido insistente de algumas pessoas de Lião. O arcebispo daquela cidade não queria que as irmãs saíssem do mosteiro para as visitas aos enfermos; segundo ele, era necessário transformar a congregação em uma verdadeira ordem religiosa, com votos solenes e clausura, seguindo as prescrições do concílio de Trento. Francisco de Sales teve que aceitar a maior parte das condições: a visita aos enfermos foi suprimida e a Visitação tornou-se uma ordem quase monástica, sob a regra de santo Agostinho, embora conservando a possibilidade de acolher pessoas externas para um pouco de descanso ou para exercícios espirituais. Seu desenvolvimento foi rápido: contará com treze mosteiros à morte do fundador em 1622 e oitenta e sete à morte da madre de Chantal em 1641.

A formação sob a forma de entretenimentos
            Jorge Rolland descreveu bem o papel da formação das «filhas» da Visitação, que Francisco de Sales assumiu desde o início do novo instituto:

Ele as assistia em seus começos, esforçando-se bastante e dedicando muito tempo a educá-las e a orientá-las no caminho da perfeição, primeiro todas juntas e depois cada uma em particular. Por isso, ele ia até elas, muitas vezes duas ou três vezes ao dia, dando-lhes orientações sobre questões que a cada momento surgiam, tanto de ordem espiritual quanto de natureza material. […] Era seu confessor, capelão, pai espiritual e diretor.

            O tom de seus «entretenimentos» era bastante simples e familiar. Um entretenimento, de fato, é uma conversa amável, um diálogo ou conversa familiar, não uma «pregação», mas sim uma «simples conferência na qual cada um diz sua opinião». Normalmente, as perguntas eram feitas pelas irmãs, como aparece claramente no terceiro de seus Entretenimentos, onde fala Sobre a confiança e o abandono. A primeira pergunta era saber «se uma alma consciente de sua miséria pode se dirigir a Deus com plena confiança». Um pouco mais adiante, o fundador parece aproveitar uma nova pergunta: «Mas as senhoras dizem que não sentem essa confiança». Mais adiante ainda, afirma: «Agora passemos à outra pergunta que é o abandonar-se». E ainda mais adiante, encontra-se uma cadeia de perguntas como estas: «Agora as senhoras me perguntam sobre de que se ocupa essa alma que se abandona totalmente nas mãos de Deus»; «as senhoras me dizem nesse momento»; «agora as senhoras me perguntam»; «para responder ao que me perguntam»; «as senhoras querem ainda saber». É possível, aliás provável, que as secretárias tenham suprimido as perguntas das interlocutoras para colocá-las na boca do bispo. As perguntas podiam também ser formuladas por escrito, pois no início do décimo primeiro Entretenimento lê-se: «Começo nossa conversa respondendo a uma pergunta que me foi escrita neste bilhete».

Instruções e exortações
            O outro método usado na formação das visitandinas excluía as perguntas e respostas: eram sermões que o fundador fazia na capela do mosteiro. O tom familiar que os caracteriza não permite incluí-los entre os grandes sermões para o povo, segundo o estilo da época. R. Balboni prefere chamá-los de exortações. «O discurso que estou prestes a fazer», dizia o fundador ao começar a falar. Ele costumava mencionar seu «discursinho», qualificação que certamente não se aplicava à duração, que normalmente era de uma hora. Uma vez ele dirá: «Tendo tempo, tratarei de…». O bispo se dirigia a um público específico, as visitandinas, às quais podiam se juntar parentes e amigos. Quando falava na capela, o fundador precisava levar em conta esse público, que poderia ser diferente daquele dos Entretenimentos reservados às religiosas. A diversidade de suas intervenções é bem descrita pela comparação entre o barbeiro e o cirurgião:

Minhas queridas filhas, quando falo diante dos seculares, faço como o barbeiro, contento-me em aparar o supérfluo, ou seja, uso o sabão para suavizar um pouco a pele do coração, como faz o barbeiro para suavizar a do queixo antes de apará-lo; mas, em vez disso, quando estou no parlatório, comporto-me como o cirurgião experiente, ou seja, trato as feridas das minhas queridas filhas, embora elas gritem um pouco: Ai!. E não deixo de pressionar a mão sobre a ferida para que o curativo ajude a curá-la bem.

            Mas mesmo na capela o tom continuava a ser familiar, semelhante a uma conversa. «É preciso ir além – dizia –, porque me falta tempo para me deter mais sobre este assunto»; ou ainda: «Antes de terminar, digamos mais uma palavra». E outra vez: «Mas vou além deste primeiro ponto sem acrescentar nada mais, porque não é sobre este tema que pretendo me deter». Quando fala do mistério da Visitação, precisa de um tempo suplementar: «Concluirei com dois exemplos, embora o tempo já tenha passado; de qualquer forma, um breve quarto de hora será suficiente». Às vezes expressa seus sentimentos, dizendo que sentiu «prazer» em tratar do amor mútuo. Nem temia fazer alguma digressão: «A esse respeito – dirá outra vez – contarei duas historinhas que não narraria se tivesse que falar de outra cátedra; mas aqui não há perigo». Para manter a atenção do auditório, o interpela com um «digam-me as senhoras», ou com a expressão: «Notem, por favor». Ele frequentemente se reconectava com um assunto que havia desenvolvido anteriormente, dizendo: «Desejo acrescentar mais uma palavra ao discurso que lhes fiz outro dia». «Mas vejo que a hora passa rápido – exclama –, o que me fará terminar completando, no pouco tempo que me resta, a história deste evangelho». Chegando o momento de concluir, diz: «Terminei».
            É preciso ter em mente que o pregador era desejado, ouvido com atenção e também autorizado às vezes a contar novamente a mesma história: «Embora já a tenha narrado, não deixarei de repeti-la, dado que não estou diante de pessoas tão desgostosas que não estejam dispostas a ouvir duas vezes a mesma história; aqueles que têm um bom apetite comem com prazer duas vezes o mesmo alimento».
            Os Sermões se apresentam como uma instrução mais estruturada em relação aos Entretenimentos, onde os assuntos se sucedem às vezes rapidamente, pressionados pelas perguntas. Aqui a conexão é mais lógica, as diferentes articulações do discurso são mais bem indicadas. O pregador explica a Escritura, comenta com os Padres e teólogos, mas é uma explicação bastante meditativa e capaz de alimentar a oração mental das religiosas. Como toda meditação, compreende considerações, afetos e resoluções. Todo o seu discurso, de fato, girava em torno de uma pergunta essencial: «As senhoras querem se tornar uma boa filha da Visitação?».

O acompanhamento pessoal
            Por último, havia o contato pessoal com cada irmã. Francisco tinha uma longa experiência como confessor e diretor espiritual de pessoas orientadas individualmente. Era necessário levar em conta, é evidente, a «variedade dos espíritos», dos temperamentos, das situações particulares e dos progressos na perfeição.
            Nos relatos de Maria Adriana Fichet, lê-se um episódio que mostra o modo de agir do bispo de Genebra: «Senhor Bispo, Vossa Excelência teria a bondade de indicar a cada uma de nós uma virtude para nos comprometermos individualmente a praticá-la?». Talvez se tratasse de um estratagema piedoso inventado pela superiora. O fundador respondeu: «Com prazer, madre; é preciso começar pela senhora». As irmãs se retiraram e o bispo as chamou uma a uma e, passeando, lançava a cada uma um «desafio» em segredo. Durante a recreação seguinte, todas ficaram evidentemente cientes do desafio que ele havia confidenciado a cada uma em particular. À madre de Chantal, ele havia recomendado «a indiferença e o amor à vontade de Deus»; a Jacqueline Favre, «a presença de Deus»; a Charlotte de Bréchard, «a resignação à vontade de Deus». Os desafios destinados às outras religiosas diziam respeito, uma após a outra, à modéstia e à tranquilidade, ao amor à própria condição, à mortificação dos sentidos, à afabilidade, à humildade interior, à humildade exterior, ao desapego dos pais e do mundo, à mortificação das paixões.
            Ao falar às irmãs da Visitação, tentadas a considerar a perfeição como uma roupa a ser vestida, lembrava com uma ponta de humor sua responsabilidade pessoal:

Vocês gostariam que eu lhes ensinasse um caminho de perfeição já pronto e feito, para que não houvesse mais nada a fazer a não ser vesti-lo, como fariam com um vestido, e assim se encontrariam perfeitas sem esforço; ou seja, gostariam que eu lhes apresentasse uma perfeição já confeccionada […]. Certamente, se isso estivesse ao meu alcance, eu seria o homem mais perfeito do mundo; de fato, se pudesse dar a perfeição aos outros sem fazer nada, asseguro que primeiro a tomaria para mim.

            Como conciliar numa comunidade a necessária unidade, ou melhor, uniformidade, com a diversidade das pessoas e dos temperamentos que a compõem? O fundador escrevia a esse respeito à superiora da Visitação de Lião: «Se se encontrar alguma alma ou até mesmo alguma noviça que sinta muita repugnância em se submeter àqueles exercícios que são indicados, e se essa repugnância não nasce de um capricho, de presunção, de altivez ou tendências melancólicas, caberá à mestra das noviças conduzir por outro caminho, embora este seja útil para o ordinário, como demonstra a experiência». Como sempre, obediência e liberdade não devem ser opostas uma à outra.
            Força e doçura devem também caracterizar a maneira como as superioras da Visitação deveriam «modelar» as almas. De fato, diz a elas, é «com as suas mãos» que Deus «modela as almas, usando ou o martelo, ou o cinzel, ou o pincel, a fim de configurá-las todas a seu gosto». As superioras devem ter «corações de pais sólidos, firmes e constantes, sem descuidar das ternuras de mães que fazem desejar os doces às crianças, seguindo a ordem divina que governa tudo com uma força muito suave e uma suavidade muito forte».
            As mestras das noviças mereciam ter atenções particulares por parte do fundador, porque «da boa formação e direção das noviças depende a vida e a boa saúde da congregação». Como formar as futuras visitandinas, quando se está longe dos fundadores? perguntava a mestra das noviças de Lião. Francisco responde: «Diga o que você viu, ensine o que você ouviu em Annecy. Aqui está! Esta plantinha é pequena e tem raízes profundas; mas o raminho que se separar dela, sem dúvida perecerá, secará e não servirá para nada além de ser cortado e jogado no fogo».

Um manual da perfeição
            Em 1616, São Francisco de Sales publicou o Tratado do amor de Deus, um livro «feito para ajudar a alma já devota a progredir em seu projeto». Como é fácil perceber, o Teótimo propõe uma doutrina sublime sobre o amor de Deus, a qual conferiu ao seu autor o título de «doutor da caridade», mas o faz com um acentuado senso pedagógico. O autor quer acompanhar ao longo do caminho do amor mais alto uma pessoa chamada Teótimo, nome simbólico que designa «o espírito humano que deseja progredir na santa dileção», ou seja, no amor de Deus.
            O Teótimo se revela como o «manual» da «escola de perfeição» que Francisco de Sales pretendia criar. Nele se descobre de forma implícita a ideia da necessidade de uma formação permanente, por ele ilustrada através desta imagem tirada do mundo vegetal:
            Não vemos, por experiência, que as plantas e os frutos não têm um crescimento e maturação adequados se não carregam seus grãos e suas sementes que servem para a reprodução das plantas e das árvores da mesma espécie? As virtudes nunca têm a dimensão e suficiência adequadas, se não produzem em nós desejos de fazer progressos. Em suma, é preciso imitar este curioso animal que é o crocodilo: «Pequeníssimo ao nascer, não cessa nunca de crescer enquanto está vivo».
            Perante a decadência e às vezes a conduta escandalosa de numerosos mosteiros e abadias, Francisco de Sales traçava um caminho exigente, mas amável. Em referência às ordens reformadas, onde reinavam uma severidade e uma austeridade tais que afastavam um bom número de pessoas da vida religiosa, o fundador das visitandinas teve a profunda intuição de concentrar a essência da vida religiosa simplesmente na busca da perfeição da caridade. Com os necessários ajustes, tal «pedagogia que chegou ao seu ápice», nascida em contato com a Visitação, ultrapassará amplamente os muros de seu primeiro mosteiro e encantará outros «aprendizes» da perfeição.




A Devoção Mariana na Perspectiva de Dom Bosco

São João Bosco nutria uma profunda devoção a Maria Auxiliadora, uma devoção que tem suas raízes nas numerosas experiências de sua intervenção materna, iniciadas quando ele tinha apenas 9 anos. Esta verdadeira devoção não poderia permanecer apenas pessoal, e assim Dom Bosco sentiu a necessidade de compartilhá-la com os outros. Em 1869, fundou a Associação de Maria Auxiliadora (ADMA), que ainda hoje continua a ser uma realidade espiritual vibrante. A cada 5-6 anos, a associação organiza Congressos internacionais em honra a Maria Auxiliadora. O último, o IX Congresso, ocorreu em Fátima, Portugal, de 29 de agosto a 1º de setembro 2024. Apresentamos a intervenção conclusiva do Vigário do Reitor-Mor, o P. Stefano Martoglio.

Falo com prazer neste Congresso Mariano, após o que ouvimos e vivemos para reafirmar um ato de entrega pessoal e institucional, segundo o coração de Dom Bosco e a Fé da Igreja. Encerramos estes nossos dias com um dos aspectos espirituais que Dom Bosco percebe e vive como importante a nível pessoal e qualificante para sua obra: a devoção mariana. Nós nos confiamos às mãos maternas de Maria. Aqui agora, neste lugar Santo da presença de Maria; a ela pedimos que torne fecundos na vida o que vivemos, rezamos e ouvimos aqui.
Portanto, o que digo, após o que ouvimos e vivemos, é fazer memória, começando do início. Fazer memória é importante: significa reconhecer que isso não é nosso, nos foi confiado, e que devemos entregá-lo a outras gerações.
Com muita simplicidade, digo a mim e a cada um de nós alguns aspectos centrais da Presença de Maria em Dom Bosco, de sua e nossa devoção.

1. Maria nos escritos de Dom Bosco, comecemos do início.
A mulher “de aspecto majestoso, vestida com um manto, que brilhava de todos os lados”, descrita no sonho dos nove anos que tanto meditamos e pensamos neste Bicentenário deste Sonho, é Nossa Senhora, querida pela tradição popular e pela devoção comum. Sobre ela, Dom Bosco destaca principalmente a amabilidade materna. Esta representação é a mais condizente com sua alma, que o acompanhará até o último suspiro de vida.

Nas Memórias do Oratório, são mencionados muitos dos aspectos e das devoções típicas da religiosidade popular: rosário em família, Ângelus, novenas e tríduos, invocações e jaculatórias, consagrações, visitas a altares e santuários, festas marianas (Maternidade, Nome de Maria, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Dores, Consoladora, Imaculada, Nossa Senhora das Graças…). Atenção: quando dizemos aspectos típicos da religiosidade popular, não estamos dizendo algo fácil nem “automático”. A religiosidade popular é a quintessência, o destilado, da experiência de séculos que nos é dada como presente; da qual devemos nos apropriar.

No período dos estudos em Chieri, aparecem mais elementos que conectam a devoção mariana às opções espirituais do jovem Bosco, especialmente a maturação vocacional e o fortalecimento das virtudes que formam o bom seminarista. Nossa Senhora do seminário é a Imaculada (em todos os seminários piemonteses, e naqueles influenciados pela tradição lazarista, a capela é dedicada à Imaculada desde o século XVII).
Este, de fato, é o aspecto que caracteriza a piedade mariana do jovem Dom Bosco (formado na escola de Santo Afonso): a verdadeira devoção, que se expressa principalmente em uma vida virtuosa, garante o patrocínio mais poderoso que se pode ter em vida e na morte.

Ele também escreverá em “O Jovem Instruído” em 1847: “Se vocês forem seus devotos, além de se encherem de bênçãos neste mundo, terão o paraíso na outra vida”.

Mas é sobretudo no livreto “O mês de maio consagrado a Maria Santíssima Imaculada para uso do povo” (1858), que o santo enquadra explícita e insistentemente a devoção mariana popular e juvenil num contexto voltado para um compromisso sério e concreto de vida cristã vivida com fervor e amor.

“Três coisas a serem praticadas durante todo o mês: 1. Fazer o que pudermos para não cometer nenhum pecado durante este mês: que ele seja todo consagrado a Maria. 2. Ter grande solicitude para o cumprimento dos deveres espirituais e temporais do nosso estado… 3. Convidar nossos parentes e amigos e todos aqueles que dependem de nós a participar das práticas de piedade que são feitas em honra de Maria durante o mês”.

O outro tema, herdado de toda uma tradição devota, é a conexão entre a devoção mariana e a salvação eterna: “Pois o mais belo ornamento do cristianismo é a Mãe do Salvador, Maria Santíssima, assim a Vós me dirijo, ó clementíssima Virgem Maria, estou seguro de adquirir a graça de Deus, o direito ao Paraíso, de recuperar, enfim, a minha dignidade perdida, se Vós orardes por mim: Auxilium christianorum, ora pro nobis” [Auxílio dos cristãos, rogai por nós]. Dom Bosco está convencido de que Maria intervém como advogada eficaz e mediadora poderosa junto a Deus.
Dez anos depois (1868), para a inauguração da igreja de Maria Auxiliadora, o santo escreve e difunde um folheto intitulado “Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora”. Nesta obra, é ressaltada a dimensão eclesial, sobre a qual o olhar de Dom Bosco se abre cada vez mais e se orientam suas preocupações missionárias e educativas.

Os títulos de Imaculada e de Auxiliadora no contexto eclesial da época evocam lutas e triunfos, o “grande confronto” entre a Igreja e a sociedade liberal. Faz-se uma leitura religiosa dos eventos políticos e sociais, na linha da reação católica à incredulidade, ao liberalismo, à descristianização.
No entanto, Dom Bosco, para seus meninos e seus salesianos, continua a enfatizar predominantemente a dimensão ascético-espiritual e apostólica da piedade mariana. De fato, a prática do mês de Maria e das várias devoções visa a determinar nos jovens a decisão de um maior compromisso com seu dever, a exercer as virtudes, a um ardor ascético (mortificações em honra de Maria), a uma caridade operativa e a uma generosa ação de apostolado entre os companheiros.
Ou seja, Dom Bosco tende a atribuir à Imaculada e à Auxiliadora um papel determinante na obra educativa e formativa e a valorizar, no clima do fervor mariano da época, exercícios virtuosos e práticas devotas para levar uma vida de purificação do pecado e do apego a ele e de crescente totalidade de entrega de si a Deus.

Portanto: luta contra o pecado e orientação a Deus, santificação de si e do próximo, serviço de caridade, força para carregar a cruz e compromisso missionário. Estes são os traços salientes de uma devoção mariana que tem muito pouco de devocionista e sentimental (apesar do clima da época e dos gostos populares que, de qualquer forma, Dom Bosco valoriza).
Que caminho em Dom Bosco e Dom Bosco, o homem de fé! Entre o que vocês têm no coração, gostaria de colocar um acento: eu também, nós também devemos caminhar na devoção. Não se fica parado, se não se avança, retrocede-se… e ninguém pode fazer isso por mim!

2. Maria na vida de Dom Bosco, expressões cotidianas da devoção de Dom Bosco e nossa devoção

2.1. O sentido de uma presença
Maria é, na vida de Dom Bosco, uma presença percebida, amada, ativa e estimulante, voltada para o grande negócio da salvação eterna e da santidade. Ele a sente próxima e confia nela, deixando-se guiar e conduzir pelos caminhos de sua vocação (ele a sonha com ela, ele a “vê”).

Em Nizza Monferrato, em junho de 1885, Dom Bosco se entretinha no parlatório com as madres capitulares das Filhas de Maria Auxiliadora, com um fio de voz, muito cansado. Foi pedido que deixasse a elas uma última lembrança. “Oh, então, vós quereis que eu diga alguma coisa. Se eu pudesse falar, quantas coisas eu gostaria de dizer! Mas estou velho, muito velho, como vedes; mal consigo falar. Quero apenas dizer que Nossa Senhora vos ama muito, muito. E, sabeis, ela está aqui entre vós. Então, o P. Bonetti, vendo-o emocionado, o interrompeu e começou a dizer, apenas para distraí-lo:
– Sim, exatamente assim! Dom Bosco quer dizer que Nossa Senhora é vossa Mãe e que ela vos observa e protege.
– Não, não, retomou o Santo, quero dizer que Nossa Senhora está realmente aqui, nesta casa e que está contente convosco, e que se continuardes com o espírito de agora, que é o desejado por Nossa Senhora… O bom Pai se emocionava mais do que antes e o P. Bonetti tomou a palavra novamente:
– Sim, exatamente isto! Dom Bosco quer dizer que, se vós fordes sempre boas, Nossa Senhora ficará contente convosco.
– Mas não, mas não, esforçava-se para explicar Dom Bosco, tentando dominar sua própria emoção. Quero dizer que Nossa Senhora está realmente aqui, aqui entre vós! Nossa Senhora passeia nesta casa e a cobre com seu manto. – Ao dizer isso, estendia os braços, levantava os olhos lacrimejantes para cima e parecia querer persuadir as irmãs de que ele via Nossa Senhora ir e vir como em sua própria casa”.

É uma presença operativa: aquela que acompanha, sustenta, guia, encoraja; aquela que lhe foi dada: “Eu te darei a Mestra sob cuja disciplina você pode se tornar sábio, e sem a qual toda sabedoria se torna tolice”. Uma presença que estimula a viver conscientemente na presença de Deus em uma tensão de totalidade: “Ao pensar em Deus presente / faça com que os lábios, o coração, a mente / sigam o caminho da virtude / ó grande Virgem Maria. / Sac. João Bosco” (oração escrita pelo santo aos pés de uma de suas fotografias).

Esplêndido e essencial: o que não é presença viva na minha vida é ausência! O sentido da Presença, da Providência de Deus, da ação de Maria. Um caminho contínuo para cada um de nós e para todos nós juntos, Família Salesiana.

2.2. A energia da missão
Dom Bosco conecta estreitamente Maria com sua vocação e seu ministério. Aqui é bom retomar a apresentação que Dom Bosco faz do sonho dos nove anos: “Tomando-me com bondade pela mão – veja – ela me disse… Aqui está seu campo, aqui é onde você deve trabalhar. Torne-se humilde, forte, robusto; e o que neste momento você vê acontecer com esses animais, você deverá fazer pelos meus filhos”. É a missão de salvação/transformação/formação dos jovens, através da prevenção, da educação, da instrução, da evangelização, e um sólido conjunto de virtudes no educador.
O Filho de Maria ensina o método e o objetivo: “Não com as pancadas, mas com a mansidão e com a caridade você deverá conquistar esses seus amigos. Portanto, comece imediatamente a dar-lhes uma instrução sobre a feiura do pecado e sobre a preciosidade da virtude”.
A narração feita em 1873-74 do antigo sonho inspirador se conecta com muitos outros relatos de intervenções e inspirações interiores (os sonhos) nos quais nosso santo atribuiu a Maria um papel de animação, de guia e de apoio de seu anseio e de seu zelo pela missão de salvação juvenil.
Neste contexto, devem ser colocados e interpretados aqueles que Dom Bosco reconhece como intervenções prodigiosas de Maria: as “graças” (espirituais e corporais) concedidas às pessoas, a poderosa proteção dela sobre o Oratório e sobre a nascente Família Salesiana e seu prodigioso desenvolvimento em benefício das almas.
As graças pessoais, a percepção da presença particular de Deus, por intercessão de Maria, que guia providencialmente a existência pessoal e institucional. Se você não percebe a Presença, está à mercê do acaso.

2.3. Estímulo à santidade
Dom Bosco vive a devoção mariana como estímulo e apoio da tensão à perfeição cristã. Na mesma perspectiva, ele a inculca sabiamente nos jovens para promover neles a vida cristã e estimulá-los ao desejo de santidade.
Valorizando a sensibilidade de seus meninos e os gostos populares de sua piedade, Dom Bosco soube transformar uma tendência devocional, tingida de sentimento romântico, em um poderoso instrumento de formação espiritual (encorajando, corrigindo, orientando).
Maria nunca nos deixa onde nos encontra. Como no início dos Sinais do Evangelho de João, sabe que devemos ser guiados, acompanhados… para um itinerário preciso: façam o que ele lhes disser e chegarão aonde EU os espero, nos diz Dom Bosco. Ver o invisível.

3. Identidade salesiana e devoção mariana
Para concluir, compartilho com vocês, com simplicidade, aquilo que vivemos como coirmãos, e que está no centro da nossa vocação. Gosto de concluir com esta parte, pois é a espinha dorsal da minha e da nossa vida. Se faz tanto bem a mim, a nós, com certeza fará bem a todos.

Em primeiro lugar, as Constituições, que delineiam os traços característicos da nossa devoção mariana. O artigo 8º (colocado no primeiro capítulo, relativo aos elementos que asseguram a identidade da Congregação Salesiana) sintetiza o sentido da presença de Maria na nossa Sociedade: ela indicou a Dom Bosco seu campo de ação, o guiou e sustentou constantemente, e continua entre nós sua missão de Mãe e Auxiliadora: nós «nos confiamos a ela, humilde serva em quem o Senhor fez grandes coisas, para nos tornarmos testemunhas do amor inesgotável de seu Filho entre os jovens».

O artigo 92 apresenta o papel de Maria na vida e na piedade do salesiano: modelo de oração e de caridade pastoral; mestra de sabedoria e guia da nossa família; exemplo de fé, de solicitude pelos necessitados, de fidelidade na hora da cruz, de alegria espiritual; nossa educadora para a plenitude de doação ao Senhor e ao corajoso serviço dos irmãos. Daí resulta, portanto, uma devoção filial e forte, que se expressa na oração (rosário diário e celebração de suas festas) e na imitação convicta e pessoal.

A melhor síntese, no entanto, encontra-se, a meu ver, na Oração de entrega a Maria Santíssima Auxiliadora, que é recitada diariamente em cada uma de nossas comunidades após a meditação. Foi o P. Rua, em 1894, quem a compôs, como expressão de consagração diária no compromisso de fidelidade e generosidade. Hoje foi revisada, mas conserva a mesma estrutura daquela antiga e os mesmos conteúdos. Eis o texto primitivo:

«Santíssima e imaculada Virgem Auxiliadora, nós nos consagramos inteiramente a vós e prometemos sempre agir para a maior glória de Deus e para a salvação das almas.

Pedimos que dirijais os vossos olhares piedosos sobre a Igreja, seu augusto Chefe, os Sacerdotes e Missionários, sobre a Família Salesiana, nossos parentes e benfeitores e a juventude a nós confiada, sobre os pobres pecadores, os moribundos e as almas do purgatório.

Ensinai-nos, ó Mãe muito amada, a reproduzir em nós as virtudes do nosso Fundador, em particular a angélica modéstia, a profunda humildade e a ardente caridade.

Fazei, ó Maria Auxiliadora, que a vossa poderosa intercessão nos torne vitoriosos contra os inimigos da nossa alma em vida e na morte, para que possamos vir a fazer-vos coroa com Dom Bosco no Paraíso. Assim seja».

Como se pode ver, a versão atual não faz mais do que retomar, com alguns desenvolvimentos, o texto do P. Rua. Acredito que seja bom, de vez em quando, retomá-la e meditá-la. Está estruturada em quatro partes: promessa; intercessão; docilidade; entrega.

Na primeira parte (Santíssima) se recorda a finalidade última da nossa consagração, prometendo orientar cada uma de nossas ações unicamente ao serviço de Deus e à salvação do próximo, na fidelidade à essência da vocação salesiana.

Na segunda parte (Pedimos) se condensa o sentido eclesial, salesiano e missionário da nossa consagração, confiando à intercessão de Maria a Igreja, a Congregação e a Família Salesiana, os jovens, especialmente os mais pobres, todos os homens redimidos por Cristo. Aqui está bem delineada a paixão que deve alimentar e caracterizar a oração salesiana: universalidade, eclesialidade, missionariedade juvenil.

Na terceira parte (Ensinai-nos) estão concentradas as virtudes que caracterizam a fisionomia típica do salesiano discípulo de Dom Bosco: nos colocamos à escola de Maria para crescer na união com Deus, na castidade, na humildade e na pobreza, no amor ao trabalho e na temperança, na ardente caridade amorosa (bondade e doação ilimitada aos irmãos), na fidelidade à Igreja e ao seu magistério.

Na última parte (Fazei, ó Maria Auxiliadora) nos confiamos à intercessão da Virgem Auxiliadora para obter a fidelidade e a generosidade no serviço a Deus até a morte e a admissão na comunhão eterna dos santos.

Esta excelente síntese, que contém um completo programa de vida espiritual e delineia os traços fisionômicos da nossa identidade, pode nos servir hoje de referência e de traço concreto para a verificação e a programação espiritual. E assim seja para cada um de nós!