Um milhão de crianças rezam o Rosário

“Se um milhão de crianças rezarem o Rosário, o mundo mudará” (São Pio de Pietrelcina – Padre Pio)

            Todos os anos, em outubro, uma onda de oração se espalha pelo mundo, unindo crianças de diferentes nacionalidades, culturas e origens num poderoso gesto de fé. Essa iniciativa extraordinária, intitulada “Um milhão de crianças rezam o Rosário”, tornou-se um evento anual aguardado por muitos, encarnando a esperança de um futuro melhor por meio da oração e da devoção dos mais jovens.

Origens e significado da iniciativa
            A ideia dessa iniciativa surgiu em 2005 em Caracas, capital da Venezuela, quando um grupo de crianças se reuniu para rezar o Rosário em frente a uma imagem da Virgem Maria. Muitas das mulheres presentes sentiram fortemente a presença da Virgem Maria e se lembraram da profecia de São Pio de Pietrelcina(Padre Pio): “Quando um milhão de crianças rezarem o Rosário, o mundo mudará”. Essa frase, aparentemente simples, expressava a profunda convicção de que a oração dos pequenos tem uma capacidade especial de tocar o coração de Deus e influenciar positivamente o mundo.

Inspiradas por essa experiência e pelas palavras do Padre Pio, essas mulheres decidiram transformar essa imagem em realidade. Elas começaram organizando eventos locais de oração, convidando as crianças a rezar o terço. A iniciativa cresceu rapidamente, atravessando as fronteiras da Venezuela e se espalhando por outros países da América Latina.

            Em 2008, a iniciativa atraiu a atenção da Fundação Pontifícia “Ajuda à Igreja que Sofre” (ACN) [ACN é a sigla internacional, em inglês: “Aid to the Church in Need”], uma organização católica internacional que apoia a Igreja necessitada em todo o mundo. Reconhecendo o potencial dessa campanha de oração, a ACN decidiu adotá-la e promovê-la globalmente, com o objetivo de envolver um milhão de crianças na recitação do Rosário, uma das orações mais antigas e mais amadas da tradição cristã católica.

            Sob a liderança da ACN, “Um milhão de crianças rezam o Rosário” se transformou em um evento mundial. Todos os anos, em 18 de outubro, crianças de todos os continentes se unem em oração, rezando o Rosário pela paz e unidade no mundo. A data de 18 de outubro não é coincidência: é o dia em que a Igreja Católica celebra a festa de São Lucas Evangelista, conhecido por sua atenção especial à Virgem Maria em seus escritos.

O Rosário: oração mariana e símbolo da paz
            O Rosário é uma oração muito antiga, centrada na reflexão sobre os mistérios da vida de Jesus e Maria, sua mãe. Consiste na repetição de orações como a Ave Maria, o Pai Nosso e o Glória, e permite que os fiéis meditem sobre os momentos centrais da jornada de Cristo na Terra. Essa prática não é apenas uma forma de devoção individual, mas tem uma forte dimensão comunitária e de intercessão, tanto que, em muitas aparições marianas, como as de Fátima e Lurdes, Nossa Senhora pediu expressamente às crianças que recitassem o Rosário como um meio de obter a paz no mundo e a conversão dos pecadores.

            O Rosário, por ser repetitivo, permite que até mesmo crianças pequenas, muitas vezes incapazes de acompanhar orações complexas ou leituras longas, participem ativamente e entendam o significado da oração. Por meio do simples ato de repetir as palavras da Ave-Maria, as crianças se unem espiritualmente à comunidade global de fiéis, intercedendo pela paz e pela justiça no mundo.

A dimensão espiritual e educacional
            A iniciativa ocorre todos os anos em 18 de outubro, embora muitos grupos, paróquias e escolas optem por estendê-la por todo o mês, tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora do Rosário.

            No dia do evento, as crianças se reúnem em vários locais: escolas, igrejas, casas particulares ou espaços públicos. Muitas vezes, as crianças são instruídas sobre como rezar o Rosário e os significados espirituais dos vários mistérios, para que possam participar com consciência e fé. Sob a orientação de adultos – pais, professores ou líderes religiosos – as crianças rezam o Rosário juntas. Muitas comunidades organizam eventos especiais em torno dessa oração, como canções, leituras bíblicas ou reflexões curtas adequadas para os jovens.

            Algumas paróquias organizam celebrações completas, durante as quais as crianças trazem contas de rosário feitas à mão ou com materiais criativos, para expressar sua participação de forma ativa e envolvente. A iniciativa termina com a celebração de uma Santa Missa especial dedicada a Nossa Senhora do Rosário e à paz mundial.

             “Um milhão de crianças rezam o Rosário” não é apenas um momento de oração, mas também uma oportunidade educativa. Muitas escolas e grupos pastorais usam esse evento para ensinar às crianças os valores da paz, da solidariedade e da justiça social. Por meio do Rosário, as crianças aprendem a importância de confiar suas preocupações e o sofrimento do mundo a Deus, e entendem que a paz começa em seus corações e famílias.

            Além disso, a iniciativa busca fazer com que as crianças entendam a universalidade da Igreja e da fé cristã. Saber que, ao mesmo tempo, milhares de outras crianças em todas as partes do mundo estão fazendo a mesma oração cria um senso de comunidade global e fraternidade que transcende barreiras linguísticas, culturais e geográficas.

O valor da oração das crianças
            A oração das crianças costuma ser vista como particularmente poderosa na tradição cristã por causa de sua inocência e pureza de coração. Na Bíblia, o próprio Jesus convida seus discípulos a olharem para as crianças como um exemplo de fé: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos Céus” (Mt 18,3).

            As crianças, com seus corações abertos e sinceros, são capazes de orar com total confiança em Deus, sem dúvidas ou reservas. Essa confiança e simplicidade tornam sua oração particularmente eficaz aos olhos de Deus. Além disso, a oração das crianças também pode ter um forte impacto sobre os adultos, chamando-os a uma fé mais pura e profunda.

O impacto global
            Ao longo dos anos, o “Um milhão de crianças rezam o Rosário” tem registrado uma participação crescente, envolvendo milhões de crianças em mais de 140 países. Em 2023, mais de um milhão de crianças se uniram em oração, rezando especialmente pela paz na Terra Santa e por outras intenções urgentes.

            O evento também atraiu a atenção da mídia em vários países, ajudando a divulgar uma mensagem de esperança e união em um mundo frequentemente dominado por notícias negativas. A mídia social tornou-se uma ferramenta importante para promover a iniciativa e compartilhar experiências. Hashtags como #MillionChildrenPraying e #ChildrenPrayingTheRosary se tornaram virais em muitos países, criando um senso de comunidade global entre os participantes.

            A iniciativa “Um milhão de crianças rezando o Rosário” recebeu apoio de muitos líderes da Igreja Católica, inclusive de papas. O Papa Francisco, em particular, expressou várias vezes seu apreço por essa campanha, enfatizando a importância da oração das crianças para a paz mundial.

            Além da esfera religiosa, a iniciativa atraiu a atenção de educadores e psicólogos, que enfatizaram os benefícios de envolver as crianças em atividades que promovem a reflexão, a compaixão e um senso de conexão global.

Metas da campanha
A campanha “Um milhão de crianças rezam o Rosário” tem vários objetivos principais:

1. Educação espiritual: ensinar às crianças a importância da oração e do Rosário como parte integrante de sua vida espiritual, para que cresçam na fé.
2. Honrar a Virgem Maria: A iniciativa fortalece a devoção mariana, um elemento central da fé católica.
3. Aprender a rezar juntos: o evento cria um senso de unidade e solidariedade entre os participantes, superando barreiras geográficas e culturais.
4. Promoção da paz mundial: a oração das crianças é vista como uma ferramenta poderosa para invocar a paz num mundo frequentemente atormentado por conflitos e divisões.
5. Aumentar a conscientização sobre os desafios globais: por meio da oração, as crianças são incentivadas a refletir sobre questões globais e seu papel na criação de um futuro melhor.

Como participar
Participar da iniciativa é muito simples. Basta:
1. Informar-se: Visite o site oficial da ACS para fazer download de materiais gratuitos, como pôsteres, histórias ilustradas e guias de oração.
2. Organizar um momento de oração: Escolha um momento para rezar o Rosário, no dia 18 de outubro (ou em outro dia mais próximo, se no dia 18 não for possível). Isso pode ser feito em um grupo ou individualmente.
3. Envolver as crianças: de sua família, escola ou paróquia em um momento de oração em comum. Explique às crianças a importância da oração e o significado do Rosário. Incentive-as a participar ativamente.
4. Registrar-se on-line: Registre sua participação no site da ACN para fazer com que sua voz seja ouvida e ajudar a atingir a meta de um milhão de crianças.
5. Compartilhar a experiência: Compartilhe fotos, vídeos e depoimentos nas mídias sociais usando a hashtag #MillionChildrenPraying. Isso ajuda a criar uma comunidade global de oração

“Um milhão de crianças rezam o Rosário” é uma iniciativa extraordinária que demonstra o poder da oração e a importância da fé. Por meio da oração do Rosário, as crianças de todo o mundo podem se unir em uma comunidade global de fé, trazendo esperança e paz. Vamos nos unir a elas nessa grande corrente de oração e ajudar a construir um mundo mais bonito.




A Serpente e o Rosário (1862)

Parte I

            No dia 20 de agosto de 1862, após as orações da noite, Dom Bosco deu alguns avisos de índole disciplinar e em seguida disse:

            – Quero lhes contar um sonho que tive algumas noites atrás (talvez seja a noite que precedeu a festa da Assunção de Maria Santíssima).
            Sonhei que estava com todos os jovens em Castelnuovo d’Asti, na casa de meu irmão. Enquanto todos se recreavam, aproximou-se de mim um desconhecido e convidou-me a ir com ele. Segui-o, e levou-me a um prado, perto do pátio, e lá chegando indicou-me no meio da relva uma grande cobra, de sete ou oito metros de comprimento, e de grossura extraordinária. Fiquei horrorizado e queria fugir:
            – Não, não, disse-me ele; não fuja; venha cá e veja.
            – E como, respondi; quer que me atreva a me aproximar daquela fera? Não sabe que é capaz de jogar-se sobre mim e devorar-me num instante?
            – Não tenha medo, não lhe fará dano algum; venha comigo.
            – Ah! Não sou tão louco de lançar-me num perigo desses.
            – Então, continuou aquele desconhecido, fique aqui parado! E foi buscar uma corda e voltou com ela, dizendo:
            – Agarre bem esta corda por uma ponta e segure-a bem forte com as mãos; eu agarrarei a outra ponta e irei do outro lado, e a levantaremos por cima da cobra.
            – E depois?
            – Depois a faremos cair nas costas dela.
            – Ah, não! Por caridade! Se fizermos tal coisa, a cobra pulará em cima de nós e nos despedaçará.
            – Não, não; deixe isso comigo.
            – Ai, ai! Não quero ter esta satisfação, que pode custar-me a vida. – E já queria fugir, mas aquele fulano insistiu de novo, garantiu que não era preciso ter medo, e de tanto insistir, acabei ficando e aceitando fazer sua vontade. Entretanto ele passou do outro lado do monstro, levantou a corda e com ela deu uma chicotada nas costas da cobra. A cobra dá um pulo, virando a cabeça para trás, para morder a corda, mas fica presa nela com um nó. Então aquele homem gritou:
            – Segure! Segure e não deixe a corda escapar. – Foi até uma pereira e amarrou nela a extremidade da corda que tinha nas mãos; correu depois para junto de mim, pegou a extremidade que eu segurava e foi amarrá-la à grade de uma janela da casa. Entretanto, a cobra dava pulos, agitava-se furiosamente, e de tanto bater no chão com a cabeça e o com o corpo, suas carnes caíam aos pedaços, alguns dele atingindo grande distância. Assim continuou enquanto teve vida. E como morreu, dela não sobrou mais que o esqueleto descarnado.
            A cobra, tendo morrido, aquele mesmo fulano desamarrou da árvore e da janela a corda, formou com ela um novelo e em seguida me disse: – Preste bem atenção! – Colocou a corda numa caixa; fechou-a e depois de alguns instantes voltou a abri-la. Os jovens reuniram-se ao meu redor. Olhamos dentro da caixa e ficamos todos estupefactos. Aquela corda formava as letras Ave-Maria!
            Disse eu: – Como pode ser! Você colocou na caixa a corda de qualquer jeito, e agora aparece arrumada.
            – Pois é, disse ele; a cobra é figura do demônio, e a corda é a Ave-Maria, ou melhor, o Rosário, que é uma continuação de Ave-Maria, com que se pode enfrentar, vencer e destruir todos os demônios do inferno.
            Até aqui, concluiu Dom Bosco, é a primeira parte do sonho. Há uma segunda parte, que será mais variada e interessante para todos. Mas a hora já é avançada e, portanto, adiamos sua narração para amanhã à noite. Entretanto fixemos na memória o que disse aquele meu amigo acerca da Ave-Maria e do Rosário. Rezemo-lo devotamente em cada assalto de tentação, certos de sair sempre vitoriosos. Boa noite!

            E aqui pedimos que nos sejam permitidos alguns comentários, pois Dom Bosco não deu nenhuma interpretação a essa parte do sonho.
            A pereira de que se trata no sonho é a mesma na qual João criança amarrava muitas vezes uma corda, fixando a outra extremidade a outra árvore pouco distante, para entreter com jogos de ginástica a vizinhança, e desse modo fazê-los aceitar sua catequese. Essa pereira, parece-nos estar relacionada com a árvore da qual lemos no Cântico dos Cânticos, capítulo 2, versículo 3. Sicut malus inter ligna silvarum, sic dilectus meus inter filios. (“Como a macieira entre as árvores dos bosques, assim é o meu amado entre os jovens”).
            Tirino [Jesuíta belga] e muitos outros célebres comentaristas da Sagrada Escritura notam que a macieira está aqui no lugar de qualquer árvore frutífera. Tal árvore, que expande uma sombra agradável e salubre, é um símbolo de Jesus Cristo, da sua cruz, que com sua força dá eficácia à oração e garante a vitória. Será este o motivo pelo qual uma extremidade da corda foi primeiramente amarrada na pereira? E a outra extremidade amarrada na grade da janela, não será indício de que o morador dessa casa, junto com seus filhos, receberia a missão de divulgar a prática do Rosário?
            E Dom Bosco há tempo a tinha entendido.
            Nos Becchi ele tinha instituído a festa anual do Rosário; quis que em todos os seus colégios diariamente se rezasse o Terço; e com a pregação e os impressos procurou recuperar o antigo costume do Terço em família. Estava convencido de ser o Rosário uma arma que devia trazer a vitória não apenas aos indivíduos, mas também à Igreja no seu todo. Por isso seus seguidores publicaram mais tarde todas as Encíclicas de Leão XIII sobre essa devoção tão querida por Nossa Senhora; e através do Boletim Salesiano recomendaram a prática dos desejos do Vigário de Jesus Cristo.

Reverendíssimo Padre (Rua),

            Voltando a Roma após o Congresso Eucarístico de Nápoles, fico sabendo com muito prazer que a exortação dirigida aos Párocos no Boletim Salesiana começa a dar frutos. Agradeço, portanto, Vossa Senhoria Reverendíssima; tenha certeza de que sua iniciativa agradou muito ao Santo Padre, que muito deseja que sejam valorizadas suas Encíclicas sobre o Rosário, por meio da implantação da Confraria homônima. Aos sentimentos de gratidão acrescento ainda um pedido; de vez em quando renove com poucas linhas a memória aos Párocos e Reitores de Igrejas, para que o esquecimento não faça perder de vista a fundação da Confraria do Santo Rosário.
            E Deus faça prosperar sempre Vossa Senhoria Reverendíssima, do qual continuo sendo
            Devotíssimo e Obrigadíssimomo Servo em Jesus e Maia
            Roma, Palácio Santo Ofício, 27 de novembro de 1891.
            + Frei Vicente Leão Sallua, Comissário da Gleba,
            Arcebispo de Calcedônia.

Parte II

            No dia seguinte, 22 de agosto, pedimos muitas vezes que nos contasse, se não em público, ao menos em particular aquela parte do sonho que Dom Bosco tinha calado. Não quis aquiescer. Depois de muitos pedidos, acabou aceitando e disse que à noite falaria ainda sobre o sonho. Assim o fez. Depois das orações, começou:

            Atendendo aos muitos pedidos, vou contar a segunda parte do sonho. Se não toda, ao menos o que for possível. Mas, antes de tudo, devo pôr uma condição, isto é, que ninguém escreva ou fale disso fora da casa. Falem entre si, riam, façam o que quiserem, mas só entre vocês.
            Portanto, enquanto eu e aquele indivíduo falávamos da corda, da cobra e dos seus significados, viro-me e vejo jovens recolhendo pedaços de carne da cobra e comendo-os. Imediatamente gritei:
            – Mas o que estão fazendo? Estão loucos! Não sabem que essa carne está envenenada, e lhes fará muito mal?
            Respondiam: – Não, não, é tão gostosa!
            Entretanto os que tinham comido caíam no chão, inchavam e ficavam duros como pedra. Eu estava inconformado, pois, apesar de verem essas coisas, outros e mais outros continuavam a comer. Eu gritava a um, gritava a outro, esbofeteava um, dava socos em outro, tentando impedir que comessem. Mas inutilmente. Aqui um caía, lá outro se punha a comer. Então chamei os clérigos para me ajudarem e disse-lhes que se pusessem no meio dos jovens e procurassem de todo jeito que ninguém mais comesse daquela carne. Minha ordem não teve o efeito desejado; pelo contrário, até mesmo alguns clérigos começaram a comer a carne da cobra e caíam como os outros. Eu estava fora de mim, quando vi ao meu redor grande número de jovens, nessa situação lastimável.
            Dirigi-me então àquele desconhecido e disse-lhe:
            – O que significa isso? Esses jovens sabem que essa carne traz a morte, mesmo assim querem comer. Por quê?
            Ele respondeu: – O senhor sabe bem: que animalis homo non percipit ea quae Dei sunt (“O homem animal não compreende as coisas de Deus” – 1Cor 2,14).
            – Mas agora não tem mais jeito para recuperar esses jovens?
            – Tem certamente!
            – Qual é?
            – Não há outra coisa senão o martelo e a bigorna.
            – Bigorna? Martelo? Para fazer o que com eles?
            – Precisa submeter os jovens à ação desses instrumentos.
            – Como? Tenho que pô-los sobre uma bigorna e bater neles com martelo?
            Então o outro, explicando seu pensamento, disse:
            – Eis. O martelo significa a confissão; a bigorna a santa Comunhão: precisa lançar mão desses dois meios. – Pus-me à obra e achei muito bom este remédio, mas não para todos. Muitos voltavam à vida e saravam, mas para alguns o remédio foi inútil. São aqueles que não fazem boas confissões.

            Apenas os jovens se retiraram a seus dormitórios, perguntei em particular a Dom Bosco por que sua ordem aos clérigos, que impedissem aos jovens de comer aquelas carnes, não tivera o efeito desejado. Respondeu:
            – Nem todos me obedeceram; antes, vi alguns deles, como já disse, comendo daquelas carnes.
            Praticamente esses sonhos representam a realidade da vida e com as palavras e os fatos de Dom Bosco manifestam o estado íntimo de uma, de cem comunidades, nas quais, no meio de preciosíssimas virtudes, encontram-se não poucas misérias. E não é para estranhar. Infelizmente o vício por sua natureza espalha-se muito mais que a virtude; daí a necessidade de uma vigilância constante.
            Alguém poderá observar que teria sido conveniente atenuar e até omitir algumas descrições demais chocantes, mas nós temos outra opinião. Se a história deve efetivamente cumprir sua nobre missão de mestra da vida, ela deve descrever a vida passada, como realmente aconteceu, para que as futuras gerações possam ser incentivadas a partir das virtudes praticadas por aqueles que as precederam, mas também, a partir dos erros e faltas, aprender a agir com prudência. Uma narração que represente um lado só da realidade histórica leva a um falso conceito. Erros e defeitos do passado, quando não sejam conhecidos, ou sejam apresentados em forma distorcida, voltarão a repetir-se, sem serem corrigidos. Uma apologia mal entendida não serve para nada aos benévolos e não converte os malévolos; pois só uma sinceridade ilimitada gera crédito e confiança.
            Portanto, nós, querendo expor inteiramente nosso pensamento, diremos que Dom Bosco deu ao sonho as explicações mais óbvias, mas manteve ocultas outras igualmente importantes. Não as revelou aos jovens porque talvez naquele momento não tinham relação com eles. De fato nos sonhos ele mostra não só o presente, mas também o futuro longínquo, como no sonho da Roda e outros que iremos apresentar. No entanto, as carnes estragadas daquele monstro não poderiam indicar o escândalo que faz perder a fé, a leitura de livros imorais, irreligiosos? O que representam a desobediência ao superior, a queda, o inchaço, a dureza como de pedra, senão a culpa, a soberba, a obstinação, a maldade?
            É o veneno que neles injetou aquele alimento maldito, aquele dragão descrito por Jó no capítulo 41, que os Santos Padres identificaram com Lúcifer. O versículo 15 diz assim: “O coração deles é duro como pedra.” Deste jeito torna-se o coração dos míseros envenenados, rebeldes e obstinados no mal. E qual será o remédio para essa dureza? Dom Bosco expressa-se com um símbolo um tanto obscuro, mas que substancialmente indica uma ajuda sobrenatural. Parece-nos que se possa dar a seguinte explicação: é necessário que a graça preveniente, obtida com as orações e sacrifícios dos bons, faça os corações amolecerem; que os dois sacramentos, isto é, o martelo da humildade e a bigorna da Eucaristia, em que o ferro recebe sua forma artística, possam exercer sua eficácia divina; que o martelo que bate e a bigorna que suporta concorram juntamente a completar a obra, que no caso nosso é a reforma de um coração ferido, mas que se tornou dócil. É então que, rodeado por todo lado de faíscas, volta a ser o de antes.
            Tendo expressado assim nossa ideia, retomemos as Crônicas. Com a proteção de Maria Santíssima, Dom Bosco enfrentava com segurança as investidas do inimigo infernal e, portanto, preparava seus alunos para a festa da Natividade da Mãe de Deus. No dia 29 de agosto, entregou a primeira florzinha, e depois outras cinco nas noites sucessivas. O P. Bonetti as transcreveu:

            1ª Todos façam um esforço para passar esta novena sem pecados mortais nem veniais.
            2ª Dar um bom conselho a um amigo.
            Na noite seguinte, ele mesmo deu um conselho a todos em geral, dizendo que com grande determinação cada um procurasse corrigir os maus hábitos enquanto somos jovens; que tivéssemos nos superiores uma grande confiança, seja no que se refere à alma, seja no que se refere ao corpo.
            3ª Ver se é conveniente fazer uma confissão geral; isso para quem nunca fez; quem já fez procure rezar um ato de contrição pelos pecados da vida passada.
            4ª Contou-nos aquilo que o P. Cafasso disse a um fabricante de dornas [grande vasilha de aduelas, sem tampa, destinada a pisar uva], que lhe tinha perguntado o que poderia agradar mais a Maria. Perguntou por sua vez ao fabricante: – O que é que muito agrada às mães?
            O outro respondeu:
            – Às mães, agrada muito que acariciem seus filhos.
            – Certo – retomou o P. Cafasso; respondeu correto. Se, portanto, quiser agradar a Maria, faça muitas carícias a seu Divino Filho Jesus, antes de tudo por meio de uma santa Comunhão; em seguida, afaste do coração todo pecado, mesmo venial.
            Assim disse o P. Cafasso àquele homem, e assim digo eu a vocês todos.
(MBp VII, 253-256; 257-261)




Beato Alberto Marvelli: um farol de fé e compromisso social no século XX

No panorama das grandes testemunhas de fé do século XX, o nome de Alberto Marvelli brilha como um exemplo luminoso de dedicação cristã e compromisso social.Nascido em Ferrara em 1918 e vivendo em Rímini no pós-guerra, Alberto encarnou os valores do Evangelho por meio de uma vida dedicada ao serviço dos mais fracos e necessitados.Beatificado pelo Papa João Paulo II em 2004, sua figura continua a inspirar jovens e adultos no caminho da fé e da ação social.

Uma infância de valores e espiritualidade
Alberto Marvelli nasceu em 21 de março de 1918, o segundo dos sete filhos de Alfredo Marvelli e Maria Mayr. Sua família, profundamente cristã, incutiu nele, desde cedo, valores de fé, caridade e serviço. Sua mãe, em particular, teve grande influência em sua formação espiritual, transmitindo-lhe o amor pela oração e a preocupação com os necessitados. A família Marvelli era conhecida por sua generosidade e hospitalidade, muitas vezes abrindo sua casa para qualquer pessoa necessitada.
Durante os anos de ensino médio em Rímini, Alberto se destacou não apenas pela excelência nos estudos, mas também por seu compromisso com os esportes e as atividades sociais. Apaixonado por ciclismo e atletismo, ele via o esporte como um meio de fortalecer o caráter e promover valores como lealdade e disciplina.

Seus anos de universidade e vocação social
Matriculado na Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Bolonha, Alberto enfrentou seus estudos com seriedade e paixão. Mas, além de seu compromisso acadêmico, ele dedicou tempo e energia à Ação Católica, um movimento que desempenhou um papel fundamental em seu crescimento espiritual e compromisso social. Ele organizava grupos de estudo, reuniões espirituais e projetos de voluntariado, envolvendo seus colegas de universidade em iniciativas em favor dos menos afortunados.
Seu quarto se tornou um ponto de encontro para discussões sobre questões sociais e religiosas. Ali, Alberto incentivava seus companheiros a refletir sobre o papel dos leigos na Igreja e na sociedade, promovendo a ideia de que todo cristão é chamado a ser uma testemunha ativa do Evangelho no mundo.

Guerra: um teste de fé e coragem
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Alberto foi chamado às armas. Mesmo no ambiente militar, ele não deixou de dar testemunho de sua fé, compartilhando momentos de oração com seus colegas soldados e oferecendo apoio moral em um momento de grande incerteza e medo.
Depois de 8 de setembro de 1943, com o armistício italiano, ele retornou a Rímini, encontrando uma cidade devastada pelos bombardeios e pela ocupação nazista. Nesse contexto dramático, Alberto se envolveu ativamente na Resistência, ajudando prisioneiros aliados e judeus a escapar das mãos dos nazistas. Ele arriscou sua própria vida em várias ocasiões, demonstrando uma coragem extraordinária e uma fé inabalável.

Caridade sem fronteiras
Uma das imagens mais emblemáticas de Alberto é a dele andando de bicicleta pelas ruas destruídas de Rímini, carregado de alimentos, roupas e remédios para serem distribuídos aos necessitados. Sua bicicleta se tornou um símbolo de esperança para muitos cidadãos. Ele não fazia distinção entre as pessoas: ajudava italianos, estrangeiros, amigos e inimigos, vendo em todos o rosto do Cristo sofredor.
Ele abriu as portas de sua casa para os desabrigados, organizou sopões para os pobres e trabalhou para encontrar moradia para os sem-teto. Sua dedicação era total e incondicional. Como ele escreveu em seu diário: “Cada pessoa pobre é Jesus. Todo ato de caridade é um ato de amor para com Ele”.

Vida interior e profunda espiritualidade
Apesar de seus compromissos sociais e políticos, Alberto nunca negligenciou sua vida espiritual. Ele participava da Eucaristia diariamente, dedicava tempo à oração e à meditação e confiava constantemente na Providência divina. Seu diário pessoal revela uma profunda união com Deus e um desejo ardente de se conformar com a vontade de Deus em todos os aspectos de sua vida.
Ele escreveu: “Deus é minha felicidade infinita. Preciso ser santo, caso contrário, nada”. Essa busca pela santidade permeava todos os seus gestos, grandes ou pequenos. A confissão regular, a adoração eucarística e a leitura das Sagradas Escrituras eram momentos essenciais de crescimento espiritual para ele.

Compromisso político como uma forma de caridade
No período pós-guerra, Alberto se envolveu ativamente na reconstrução moral e material da sociedade. Ele se juntou aos democratas cristãos, vendo a política como um meio de promover o bem comum e a justiça social. Para ele, a política era uma forma elevada de caridade, um serviço altruísta à comunidade.
Como conselheiro de Obras Públicas em Rímini, trabalhou incansavelmente para melhorar as condições de moradia dos pobres, promoveu a reconstrução de escolas e hospitais e apoiou iniciativas para o renascimento econômico da cidade. Ele recusou qualquer forma de corrupção ou compromisso moral, sempre colocando as necessidades dos mais vulneráveis no centro.

Testemunhos de uma vida extraordinária
Há muitos testemunhos daqueles que conheceram Alberto pessoalmente. Amigos e colegas se lembram de seu sorriso, sua disponibilidade e sua capacidade de ouvir. Ele costumava dizer: “Não podemos amar a Deus se não amarmos nossos irmãos”. Essa convicção se traduzia em gestos concretos, como hospedar famílias desabrigadas em sua casa ou abrir mão de sua própria refeição para dá-la aos famintos.
Seu estilo de vida simples e austero, combinado com uma profunda alegria interior, atraiu a admiração de muitos. Ele nunca buscou reconhecimento ou glória pessoal, mas sempre agiu com humildade e discrição.

Tragédia e beatificação
Em 5 de outubro de 1946, com apenas 28 anos de idade, Alberto morreu tragicamente em um acidente de carro quando ia de bicicleta para um comício eleitoral. Sua morte repentina foi um golpe para a comunidade. No entanto, seu funeral se tornou uma manifestação de afeto e gratidão: milhares de pessoas se reuniram para prestar homenagem a um jovem que havia dado tudo de si pelos outros.
A reputação de santidade que cercava sua figura levou ao início do processo de beatificação na década de 1990. Em 5 de setembro de 2004, durante uma cerimônia em Loreto, o Papa João Paulo II o proclamou beato. A beatificação não foi apenas um reconhecimento pessoal, mas também uma mensagem para os jovens de todo o mundo: a santidade é possível em todos os estados da vida, mesmo nos leigos e no compromisso social e político.

Legado e atualidade
A figura de Alberto Marvelli continua a ser um ponto de referência para qualquer pessoa que deseje combinar fé e ação social. Sua vida testemunha que é possível viver o Evangelho na vida cotidiana, comprometendo-se com a justiça, a solidariedade e o bem comum. Em uma época caracterizada pelo individualismo e pela indiferença, o exemplo de Alberto nos convida a redescobrir o valor do amor ao próximo e da responsabilidade social.
Hoje, várias associações e iniciativas levam seu nome, promovendo projetos de solidariedade, formação espiritual e engajamento cívico. Sua vida é frequentemente citada como exemplo em cursos educativos e catequéticos, inspirando novas gerações a seguir seu caminho.

Reflexões finais
A mensagem de Alberto Marvelli é extraordinariamente atual. Sua capacidade de unir fé profunda e ação concreta é uma resposta aos desafios de nosso tempo. Ele mostra que a santidade não está reservada a poucos escolhidos, mas é um caminho acessível a qualquer pessoa que esteja aberta ao amor de Deus e ao serviço de seus irmãos e irmãs.
Em uma passagem de seu diário, Alberto escreveu: “Cada dia é um presente precioso para amar mais”. Essa frase resume a essência de sua espiritualidade e pode ser um farol para todos aqueles que desejam viver uma vida significativa e voltada para o bem.

O Beato Alberto Marvelli representa um modelo de santidade leiga, um jovem que foi capaz de transformar sua fé em ações concretas para o benefício dos outros. Sua vida, embora curta, foi um hino ao amor, à justiça e à esperança. Hoje, mais do que nunca, seu testemunho convida cada um de nós a refletir sobre nosso papel na sociedade e a possibilidade de sermos instrumentos de paz e bem no mundo.

Alberto Marvelli continua a inspirar com sua vida simples e extraordinária.Um convite a todos nós para percorrermos, como ele, as estradas da solidariedade e do amor fraterno.