Halloween: uma festa para comemorar?

Os sábios nos dizem que, para entender um evento, é preciso saber qual é a sua origem e qual é o seu propósito.Esse também é o caso do fenômeno agora difundido do Halloween, que, mais do que uma festa a ser comemorada, é um evento sobre o qual se deve refletir.Tudo isso para evitar a celebração de uma cultura de morte que não tem nada a ver com o cristianismo.


O Halloween, como se apresenta hoje, é uma festa que tem suas origens comerciais nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo todo nas últimas três décadas. Ele é comemorado na noite entre 31 de outubro e 1º de novembro e tem alguns símbolos próprios:
As fantasias: vestir-se com roupas assustadoras para representar personagens fantásticas ou criaturas monstruosas.
As abóboras esculpidas: a tradição de esculpir abóboras e inserir uma luz em seu interior para criar lanternas de abóbora (Jack-o’-lantern).
Trick-or-treating (Travessuras ou gostosuras): costume de bater nas portas das casas e pedir doces em troca da promessa de não fazer travessuras (“Trick or treat?”).

Parece ser um dos festivais comerciais cultivados propositalmente por algumas partes interessadas para aumentar sua receita. De fato, em 2023, somente nos EUA, foram gastos US$ 12,2 bilhões (de acordo com a National Retail Federation – Federação Nacional de Varejo) e, no Reino Unido, cerca de 700 milhões de libras (de acordo com analistas de mercado). Esses números também explicam a ampla cobertura da mídia, com estratégias reais e próprias para cultivar o evento, transformando-o em um fenômeno de massa e apresentando-o como apenas uma diversão casual, um jogo coletivo.

Origem
Se procurarmos os primórdios do Halloween – porque toda coisa contingente tem seu início e seu fim – descobriremos que ele remonta às crenças pagãs politeístas do mundo celta.
O antigo povo celta, um povo nômade que se espalhou por toda a Europa, conseguiu preservar melhor sua cultura, idioma e crenças nas Ilhas Britânicas, mais precisamente na Irlanda, na área onde o Império Romano nunca havia chegado. Um de seus festivais pagãos, chamado Samhain, era celebrado entre os últimos dias de outubro e o início de novembro e era o “ano novo” que abria o ciclo anual. Como a duração do dia diminuía e a duração da noite aumentava nessa época, acreditava-se que a fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos se tornava mais tênue, permitindo que as almas dos mortos voltassem à Terra (também na forma de animais), permitindo também a entrada dos espíritos malignos. É por isso que eles usavam máscaras assustadoras para confundir ou afastar os espíritos, de modo a não serem tocados por sua influência maligna. A celebração era obrigatória para todos, começava à noite e consistia em ritos mágicos, fogueiras rituais, sacrifícios de animais e, provavelmente, também sacrifícios humanos. Nessas noites, seus sacerdotes druidas iam a todas as casas para receber algo do povo para seus sacrifícios, sob pena de maldições.

O costume de esculpir um nabo no formato de um rosto monstruoso, colocar uma luz dentro e colocá-lo na porta das casas, com o tempo, deu origem a uma lenda que explica melhor o significado. É a lenda do ferreiro irlandês Stingy Jack, um homem que engana o demônio várias vezes e, após sua morte, não é recebido nem no céu nem no inferno. Estando na escuridão e forçado a procurar um lugar para seu descanso eterno, ele pediu e recebeu do diabo um tição ardente, que enfiou dentro de um nabo que trazia consigo, criando uma lanterna, a Jack-o’-lantern. Mas ele não encontrou descanso e continua vagando até hoje. A lenda quer simbolizar as almas condenadas que vagam pela terra e não encontram descanso. Isso explica o costume de colocar um nabo feio na frente da casa, para incutir medo e afastar qualquer alma errante que possa se aproximar naquela noite.

O mundo romano também tinha um festival semelhante, chamado Lemuria ou Lemuralia, dedicado a manter os espíritos dos mortos longe das casas; era comemorado nos dias 9, 11 e 13 de maio. Os espíritos eram chamados de “lêmures” (a palavra “lêmure” vem do latim larva, que significa “fantasma” ou “máscara”). Acreditava-se que essas celebrações estavam associadas à figura de Rômulo, fundador de Roma, que teria instituído os ritos para apaziguar o espírito de seu irmão Remo, que ele matou; no entanto, parece que a festividade foi instituído no século I d.C.

Esse tipo de celebração pagã, também encontrada em outras culturas, reflete a consciência de que a vida continua após a morte, mesmo que essa consciência esteja misturada com muitos erros e superstições. A Igreja não quis negar essa semente da verdade que, de uma forma ou de outra, estava na alma dos pagãos, mas procurou corrigi-la.

Na Igreja, o culto aos mártires está presente desde o início. Por volta do século IV d.C., a comemoração dos mártires era celebrada no primeiro domingo após Pentecostes. Em 609 d.C., o Papa Bonifácio IV transferiu essa comemoração para a festa de Todos os Santos, em 13 de maio. Em 732 d.C., o Papa Gregório III transferiu novamente a festa de Todos os Santos (em inglês antigo, “All Hallows”) para 1º de novembro, e o dia anterior ficou conhecido como All Hallows’ Eve (Véspera de Todos os Santos), de onde deriva a forma abreviada Halloween.
A proximidade imediata das datas sugere que a mudança na comemoração pela Igreja se deveu ao desejo de corrigir o culto aos ancestrais. A última mudança indica que o festival pagão celta Samhain também permaneceu no mundo cristão.

Difusão
Essa celebração pagã – uma festa essencialmente religiosa – preservada nos cofres da cultura irlandesa mesmo após a cristianização da sociedade, reapareceu com a migração maciça dos irlandeses para os Estados Unidos após a grande fome que atingiu o país em 1845-1846.
Os imigrantes, a fim de preservar sua identidade cultural, começaram a celebrar vários festivais próprios como momentos de reunião e recreação, incluindo o All Hallows. Talvez mais do que uma festa religiosa, era uma festa sem referências religiosas, ligada à celebração da abundância das colheitas.
Isso incentivou o renascimento do antigo uso celta da lanterna, e as pessoas começaram a usar não o nabo, mas a abóbora, devido ao seu tamanho maior e à maciez que favorecia o entalhe.

Na primeira metade do século XX, o espírito pragmático dos americanos – aproveitando a oportunidade de ganhar dinheiro – estendeu essa festa para todo o país, e as fantasias e roupas de Halloween começaram a aparecer nos mercados em escala industrial: fantasmas, esqueletos, bruxas, vampiros, zumbis etc.

Depois de 1950, a festa também começou a se espalhar pelas escolas e lares. Surgiu o costume de as crianças saírem batendo nas casas pedindo doces com a expressão: “Trick or treat?

Impulsionado por interesses comerciais, esse fato levou a uma verdadeira festa nacional com conotações seculares, desprovida de elementos religiosos, que seria exportado para todo o mundo, especialmente nas últimas décadas.

Reflexão
Se observarmos atentamente, os elementos encontrados nos ritos celtas do festival pagão Samhain permaneceram. São roupas, lanternas e ameaças de maldições.
As roupas são monstruosas e assustadoras: fantasmas, palhaços assustadores, bruxas, zumbis, lobisomens, vampiros, cabeças perfuradas por punhais, cadáveres desfigurados, demônios.
As abóboras horrendas, esculpidas como cabeças decepadas, com uma luz macabra em seu interior.
Crianças andando pelas casas perguntando “Trick or treat?”. Traduzido literalmente, significa “travessura ou gostosura”, lembrando a “maldição ou sacrifício” dos sacerdotes druidas.

Primeiro nos perguntamos se esses elementos podem ser considerados dignos de serem cultivados. Desde quando o assustador, o macabro, a obscuridade, o horrível, a morte sem esperança definem a dignidade humana? Eles são, de fato, imensamente ultrajantes.

E nos perguntamos se tudo isso não contribui para o cultivo de uma dimensão ocultista e esotérica, já que esses são os mesmos elementos usados pelo mundo sombrio da bruxaria e do satanismo. E se a moda escura e gótica, como todas as outras decorações de abóboras macabramente esculpidas, teias de aranha, morcegos e esqueletos, não fomenta uma aproximação com o ocultismo.

Será que é por acaso que eventos trágicos ocorrem regularmente em conjunto com esta festa?
É por acaso que profanações, ofensas graves contra a religião cristã e até mesmo sacrilégios ocorrem regularmente nesses dias?
É por acaso que, para os satanistas, a festa principal, que marca o início do ano satânico, é o Halloween?
Será que ele não produz, especialmente nos jovens, uma familiarização com uma mentalidade mágica e ocultista, distante e contrária à fé e à cultura cristãs, especialmente nesta época em que a prática cristã está enfraquecida pela secularização e pelo relativismo?

Vejamos alguns testemunhos.

Uma senhora britânica, Doreen Irvine, ex-sacerdotisa satanista convertida ao cristianismo, adverte em seu livro From Witchcraft to Christ [Da feitiçaria a Cristo] que a tática usada para se aproximar do ocultismo consiste justamente em propor o ocultismo em formas atraentes, com mistérios que incitam, passando tudo como uma experiência natural e até simpática.

O fundador da Igreja de Satanás, Anton LaVey, declarou abertamente sua alegria pelo fato de os batizados participarem do festival de Halloween: “Fico feliz que os pais cristãos permitam que seus filhos adorem o diabo pelo menos uma noite por ano.Bem-vindos ao Halloween”.

O P. Aldo Buonaiuto, do Serviço Antisseitas da Associação Comunitária Papa João XXIII, em seu artigo, Halloween. Lo scherzetto del diavolo [O truque do diabo], nos adverte que “os adoradores de Satanás consideram como dirigidas a ele as ‘energias’ de todos aqueles que, mesmo apenas por diversão, estão evocando o mundo das trevas nos ritos perversos praticados em sua honra, durante todo o mês de outubro e, em particular, na noite entre 31 de outubro e 1º de novembro”.

O P. Francisco Bamonte, exorcista e vice-presidente da Associação Internacional de Exorcistas (ex-presidente da mesma por dois mandatos consecutivos), adverte:

“A minha experiência, juntamente com a de outros sacerdotes exorcistas, mostra como a ocasião do Halloween, incluindo o período de tempo que a prepara, representa de fato, para muitos jovens, um momento privilegiado de contato com realidades sectárias ou, em todo caso, ligadas ao mundo do ocultismo, com consequências graves não só em nível espiritual, mas também em nível de integridade psicofísica. Antes de tudo, é preciso dizer que essa festa imprime, no mínimo, feiura. E ao imprimir a feiura nas crianças, o gosto pelo horrendo, pelo deformado, pelo monstruoso colocado no mesmo nível do belo, de certa forma as orienta para o mal e o desespero. No céu, onde só reina a bondade, tudo é belo. No inferno, onde só reina o ódio, tudo é feio.” […]
“Com base em meu ministério como exorcista, posso afirmar que o Halloween é, no calendário dos mágicos, praticantes do ocultismo e adoradores de Satanás, uma das “festividades” mais importantes. Consequentemente, para eles, é motivo de grande satisfação que as mentes e os corações de tantas crianças, adolescentes, jovens e não poucos adultos sejam direcionados para o macabro, o demoníaco, a bruxaria, por meio da representação de caixões, caveiras, esqueletos, vampiros, fantasmas, aderindo assim à visão zombeteira e sinistra do momento mais importante e decisivo da existência de um ser humano: o fim de sua vida terrena.” […]
“Nós, padres exorcistas, não nos cansamos de alertar contra essa recorrência, que não só por meio de condutas imorais ou perigosas, mas também pela leviandade de diversões consideradas inofensivas (e infelizmente hospedadas cada vez com mais frequência até mesmo em espaços paroquiais) pode tanto preparar o terreno para uma futura ação perturbadora, até mesmo pesada, por parte do demônio, quanto permitir que o Maligno afete e desfigure as almas dos jovens.”

São os jovens, em particular, que sofrem o impacto generalizado do fenômeno do Halloween. Sem critérios sérios de discernimento, eles correm o risco de serem atraídos pela feiura e não pela beleza, pelas trevas e não pela luz, pela maldade e não pela bondade.

Precisamos refletir se devemos continuar celebrando a festa das trevas, o Halloween, ou a festa da luz, Todos os Santos




A tradição segura do Beato Miguel Rua (2/2)

(continuação do artigo anterior)

2. Alguns traços das virtudes teologais no Padre Rua

2.1. P. Rua, homem de fé
            O seu amor a Deus estava enraizado na opção fundamental por Ele: “… vivia em contínua união com Deus… A estreitíssima união com Deus era acompanhada por um completo desapego das coisas do mundo e desprezo por tudo o que não servisse para glorificar a Deus e salvar as almas… Parece-me que a união com Deus era tão consumada nele que ele não tinha nada além deste pensamento generoso, ardente e contínuo: amar e fazer Deus ser amado, Deus sempre, Deus em tudo, sem descanso nisso, nunca diversão, sempre essa sublime uniformidade. Deus. Nada além de Deus”. Esse amor por Deus foi a motivação profunda de todas as suas ações e assumiu a forma de fazer a vontade de Deus com exatidão, presteza, alegria e perseverança. O amor a Deus foi a motivação de suas muitas ações e atos e sustentou seu grande compromisso com a promoção e o cultivo das vocações sacerdotais e religiosas.
            A fonte que alimentava essa união era a oração: “O P. Rua encontrava seu repouso na oração” (P. Francesia). “O P. Rua, na oração, no contato com Deus, no repouso, encontrava forças renovadas para implementar, dia após dia, o que era o programa do pai, feito cem por cento seu pelo seu filho mais fiel: busco almas e somente almas”. Essa fonte era alimentada na Eucaristia e no amor filial à Virgem Auxiliadora. A vida de fé se expressava na íntima união entre oração e ação, alimentada pela prática e pelo espírito da oração mental, que para ele era “o elemento essencial da vida do bom religioso”, a tal ponto que, mesmo durante um tremor de terra, enquanto todos fugiam, “só ele não se moveu e permaneceu no lugar de sempre, na atitude de sempre”. Com a meditação da Palavra, era a Eucaristia que era o fogo animador. A Eucaristia, celebrada, adorada, visitada e guardada no coração: “Formemos um tabernáculo em nosso coração”, repetia, “e estejamos sempre unidos ao Santíssimo Sacramento”. Em relação à Eucaristia, expressava uma fé e uma piedade intensas, alimentadas por uma série de recomendações e instruções: visitas, adoração, genuflexões, recolhimento.
            O P. Rua, como homem de Deus e de fé, distinguia-se por um testemunho que se tornava crível não tanto pela eloquência, mas pela convicção íntima que transparecia de suas palavras e, sobretudo, de sua vida. Foi nutrido por um conhecimento das Escrituras e uma grande familiaridade com os Padres da Igreja: fontes às quais ele recorreu nos textos originais em grego e latim. Essa formação se manifestou na adolescência em seu compromisso com o ensino do catecismo e da instrução cristã não apenas em suas formas ordinárias, mas também em missões e exercícios espirituais, considerando-os elementos constitutivos da missão salesiana à qual todos os seus membros estavam vinculados, como testemunhou o P. Amadei: “Encontrei em suas cartas declarações explícitas de que todos os salesianos sacerdotes, clérigos e coadjutores deveriam emprestar de bom grado seu trabalho na catequese porque, repetia ele, se negligenciassem os catecismos, estariam falhando em sua vocação”. O trabalho de catequese era a verdadeira finalidade da instituição salesiana e da propagação dos oratórios, evitando o risco de reduzi-los a meros centros de recreação ou de esportes. Esse compromisso com a propagação da fé animou a grande frente de ação missionária, outro elemento constitutivo do carisma salesiano, que foi sustentado com intenso ardor apostólico e com considerável emprego de pessoas e recursos. Um grande instrumento para difundir o espírito salesiano e apoiar as obras salesianas, especialmente em terras de missão, foi a circulação do Boletim Salesiano.

2.2. Homem de esperança
            A virtude da esperança mantinha vivo o objetivo final, o paraíso, e ao mesmo tempo sustentava o compromisso diário de fazer o bem e combater o mal, como ele repetia com frequência aos jovens: “Sejam bons, confiem em Deus e o paraíso será seu”. “Ele queria que as pessoas merecessem essa recompensa, especialmente fugindo da culpa e fazendo a santa vontade de Deus a cada momento”. Essa esperança se traduzia diariamente em uma confiança incondicional na Providência divina, como o terceiro sucessor de Dom Bosco, o Beato Filipe Rinaldi, atestou: “Filho, seguidor do venerável Dom Bosco, o servo de Deus vivia o dia, não capitalizava, sendo o princípio do fundador confiar sempre na Providência, mesmo nas coisas materiais”. E o P. Barberis disse: “Nas conversas, nas admoestações, nas cartas que escrevia, a exortação mais insistente era a confiança na Providência divina. Lembro-me de uma vez em que ele nos disse: «Não custa nada ao Senhor nos dar os meios necessários; Ele é tão bom que, quando vê a necessidade, Ele o faz»”. Mesmo em grandes dificuldades, ele sempre manteve uma imperturbabilidade e tranquilidade que também contagiava os outros.

2.3. Homem de caridade
            Seu amor a Deus se manifestava em seu amor ao próximo: “Ele falava com os humildes como com os grandes, com os pobres como com os ricos, sempre procurando fazer o bem. De fato, parecia que quanto mais humilde era a pessoa, mais afável ele a tratava e buscava o seu bem”. Esse aspecto cresceu de maneira especial após a morte de Dom Bosco, considerando-o uma herança que ele havia recebido de Dom Bosco e que queria transmitir às gerações futuras:
            “A grande caridade que informava o coração de nosso amado Dom Bosco, de santa memória, pôs em movimento, pelo exemplo e pela palavra, a centelha de amor que Deus bendito havia colocado no meu; e eu cresci eletrizado por seu amor, de modo que, ao sucedê-lo, não pude herdar as grandes virtudes de nosso santo fundador, seu amor por seus filhos espirituais; por isso, sinto que o Senhor me concedeu. Todos os dias, todos os momentos do dia eu os consagro a vocês… portanto, rezo por vocês, penso em vocês, ajo por vocês como uma mãe por seu filho único”. Trata-se de um texto de grande valor que revela como a herança espiritual recebida é fruto de uma profunda comunhão de almas, que desencadeia aquela faísca vital que faz explodir o fogo da verdadeira caridade. O P. Rua está ciente da diferença de dons entre ele e Dom Bosco, mas afirma com sinceridade que o núcleo do espírito foi transmitido: uma caridade comunicada vitalmente e com a palavra, que leva a uma vida oferecida e consagrada às pessoas com traços de amor materno.
            O amor ao próximo se concretizou em um amor ordenado, liberal e generoso, com especial predileção pelos jovens mais pobres e em situação de risco espiritual, moral e material, e com preferência pelas áreas geográficas mais pobres e indigentes, como o sul da Itália. A caridade foi exercida com grande dedicação no ministério da reconciliação, até a exaustão, especialmente durante os exercícios espirituais, porque ele dizia: “Estas são as minhas colheitas”. Da mesma forma, ele se dedicou ao ministério do conselho e da consolação. Todos eram destinatários de seu amor, até mesmo os inimigos e detratores. Sua preocupação com o próximo era inspirada por uma grande bondade e gentileza, típicas da tradição salesiana, e visava proteger a boa reputação das pessoas e neutralizar as expressões perturbadoras da calúnia e do julgamento: “Com sua boa maneira, sem ofender, ele tentava abafar desde o início o discurso, assim que percebia que era mal direcionado. Quando percebia alguma crítica dirigida a uma pessoa conhecida, ele nunca deixava, quase como se quisesse destruir o efeito da própria crítica, de apontar as boas qualidades, as obras e os méritos da pessoa que estava sendo criticada”.
            Tinha um amor solícito e personalizado por cada irmão da Congregação, com o coração de um pai atencioso e o olhar de um verdadeiro pastor de seu rebanho: “Conhecia um a um os irmãos de cada casa, mesmo os mais distantes, e se interessava pelas necessidades e pelos maiores benefícios de cada um, como se estivesse sob seu olhar no Oratório”. Um exemplo concreto foi o envio de roupa de cama sobressalente para os irmãos que estavam no serviço militar. Essa amável paternidade se destacava no exercício da caridade espiritual: “Eu o encontrava sempre pronto a me escutar; com um sorriso, ele se interessava pelo que me era caro, e sabia me aconselhar e me orientar de tal maneira que minha alma ficava completamente em paz”. O exemplo de uma vida vivida na caridade o levou a escrever aos coirmãos em conflito entre si: “Amem-se todos como irmãos e rezem ao Sagrado Coração de Jesus para que acenda em todos vocês o fogo sagrado que ele veio trazer à terra, o fogo da caridade”.
            Esse amor tinha uma forma de predileção pelos jovens: “Ele se interessava pela saúde e pelas necessidades de cada um… O P. Rua era para cada um de nós o bom pai, que vivia para nós, de modo que até os mais humildes e insignificantes podiam recorrer livremente a ele”. Um amor sem fronteiras: missionários, emigrantes, necessitados, operários, membros da Família Salesiana, jovens operários, distinguindo-se por seu interesse ativo nas disputas trabalhistas: “vinham até ele os operários desempregados, e ele os recomendava, segundo as necessidades, aos vários industriais”. Todos os dias, depois de ouvir tantas pessoas no confessionário, ele passava muitas horas recebendo inúmeras pessoas: “Todos os dias eu observava muitas pessoas que eu mesmo levava à audiência do servo de Deus, que vinham pedir ajuda material e moral, recomendações etc. O servo de Deus tratava a todos com afabilidade, interessava-se por seus casos e ajudava a todos na medida do possível”. Realmente, como jurou o P. Saluzzo: “Seu coração estava aberto a todo o bem”.




Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora (11/13)

(continuação do artigo anterior)

Apêndice de diversas coisas

I. Antigo costume da consagração das igrejas

            Depois que uma igreja é construída, não é possível cantar os ofícios divinos, celebrar o santo sacrifício e outras funções eclesiásticas nela, a menos que ela seja antes abençoada ou consagrada. O bispo, com a multiplicidade de cruzes e a aspersão de água benta, pretende purificar e santificar o local com exorcismos contra espíritos malignos. Essa bênção pode ser realizada pelo bispo ou por um simples sacerdote, mas com ritos diferentes. Quando se trata da unção do santo crisma e dos óleos sagrados, a bênção é de responsabilidade do bispo, e é chamada de solene, real e consecutiva porque tem a conclusão de todas as outras; e ainda mais porque a matéria abençoada e consagrada não pode ser convertida em uso profano; por isso é estritamente chamada de consagração. Se, então, em tais cerimônias, apenas certas orações são realizadas com ritos e cerimônias semelhantes, a função pode ser realizada por um sacerdote, e é chamada de bênção.
            A bênção pode ser realizada por qualquer sacerdote, com a permissão do Ordinário, mas a consagração pertence ao Papa e somente ao bispo. O rito de consagração das igrejas é muito antigo e cheio de graves mistérios, e Jesus Cristo, ainda criança, santificou sua observância, enquanto sua cabana e o presépio foram transformados em um templo na oferta feita pelos Reis Magos. A caverna, portanto, tornou-se um templo, e o presépio, um altar. São Cirilo nos diz que os apóstolos consagraram o cenáculo onde tinham recebido o Espírito Santo em uma igreja, um salão que também representava a Igreja universal. De fato, de acordo com Nicéforo Calisto, hist. lib. 2, cap. 33, tal era a solicitude dos apóstolos que, em todo lugar onde pregavam o evangelho, consagravam alguma igreja ou oratório. O Pontífice São Clemente I, eleito no ano 93, sucessor e discípulo de São Pedro, entre suas outras ordenações, decretou que todos os lugares de oração deveriam ser consagrados a Deus. Certamente, no tempo de São Paulo, as igrejas eram consagradas, como alguns dos estudiosos, escrevendo aos Coríntios no c. III, aut Ecclesiam Dei contemnitis [ou desprezais a Igreja de Deus]? Santo Urbano I, eleito no ano 226, consagrou a casa de Santa Cecília em uma igreja, como escreveu Burius in vita eius [em sua vida]. São Marcelo I, eleito no ano 304, consagrou a igreja de Santa Lucina, como relata o Papa São Dâmaso. Também é verdade que a solenidade da pompa, com a qual a consagração é realizada hoje, aumentou com o tempo, depois que Constantino, ao restaurar a paz na Igreja, construiu basílicas suntuosas. Até mesmo os templos dos gentios, antes morada de falsos deuses e ninho de mentiras, foram convertidos em igrejas com a aprovação do piedoso imperador e foram consagrados com a santidade das veneráveis relíquias dos mártires. Em seguida, de acordo com as prescrições de seus predecessores, o Papa São Silvestre I estabeleceu o rito solene, que foi ampliado e confirmado por outros papas, especialmente por São Félix III. Santo Inocêncio I estabeleceu que as igrejas não deveriam ser consagradas mais de uma vez. O pontífice São João I, em sua viagem a Constantinopla para tratar dos assuntos dos arianos, consagrou as igrejas dos hereges como católicas, como lemos em Bernini[1].

II. Explicação das principais cerimônias usadas na consagração das igrejas.

            Seria longo descrever as explicações místicas que os santos Padres e Doutores dão sobre os ritos e as cerimônias da consagração das igrejas. Cecconi fala deles nos capítulos X e XI, e o padre Galluzzi no capítulo IV, dos quais podemos resumir o seguinte.
            Os santos doutores, portanto, não hesitaram em afirmar que a consagração da igreja é uma das maiores funções sagradas eclesiásticas, como se pode deduzir dos sermões dos santos Padres e dos tratados litúrgicos dos mais famosos autores, demonstrando a excelência e a nobreza que envolve tão bela função, tudo voltado para tornar respeitada e venerada a casa de Deus. São precedidas pelas vigílias, os jejuns e as orações, que têm o objetivo de preparar os exorcismos contra o demônio. As relíquias representam nossos santos. E para que sempre as tenhamos em mente e em nossos corações, elas são colocadas na caixa com três grãos de incenso. A escada pela qual o bispo sobe até a unção das doze cruzes nos lembra que nossa meta final e principal é o Paraíso. As referidas cruzes e o mesmo número de velas significam os doze Apóstolos, os doze Patriarcas e os doze Profetas, que são os guias e os pilares da Igreja.
            Além disso, a unção das doze cruzes em outros tantos lugares distribuídos na parede consiste formalmente na consagração, e diz-se que a igreja e suas paredes estão consagradas, como observa Santo Agostinho, lib. Agostinho, lib. 4, Contra Crescent. A igreja é fechada para representar a Sião celestial, onde não se entra a menos que se esteja purificado de toda imperfeição, e com várias orações invoca-se a ajuda dos santos e a luz do Espírito Santo. A caminhada que o bispo faz três vezes, junto com o clero ao redor da igreja, tem o objetivo de aludir à caminhada que os sacerdotes fizeram com a arca ao redor das muralhas de Jericó, não para que as muralhas da igreja caiam, mas para que o orgulho do demônio e seu poder possam ser extintos por meio da invocação de Deus e da repetição das orações sagradas, muito mais eficazes do que as trombetas dos antigos sacerdotes ou levitas. Os três golpes que o bispo dá com a ponta de seu báculo na soleira da porta nos mostram o poder do Redentor sobre sua Igreja, bem como a dignidade sacerdotal que o bispo exerce. O alfabeto grego e latino representa a antiga união dos dois povos produzida pela cruz do mesmo Redentor; e a escrita que o bispo faz com a ponta do báculo significa a doutrina e o ministério apostólico. A forma dessa escrita, portanto, significa a cruz, que deve ser o objeto comum e principal de todo aprendizado dos fiéis cristãos. Significa também a crença e a fé em Cristo transmitidas dos judeus para os gentios, e deles para nós. Todas as bênçãos estão repletas de profundos significados, assim como todas as coisas que são empregadas na sagrada função. As unções sagradas com as quais o altar e as paredes da igreja são marcados significa a graça do Espírito Santo, que não pode enriquecer o templo místico de nossa alma se ele não for primeiro purificado de suas manchas. A função termina com a bênção no estilo da santa Igreja, que sempre começa suas ações com a bênção de Deus e as termina com ela, porque tudo começa com Deus e termina em Deus. A função é concluída com o sacrifício da missa, não só para cumprir o decreto pontifício de Santo Higino, mas porque não há consagração que se realize onde, com a missa, a vítima não seja também inteiramente consumida.
            Pela grandeza do rito sagrado, pela eloquência de seu significado místico, podemos facilmente ver quanta importância a santa Igreja, nossa mãe, atribui a ele e, portanto, quanta importância devemos dar a ele. Mas o que deve aumentar nossa veneração pela casa do Senhor é ver o quanto esse rito é fundamentado e informado pelo verdadeiro espírito do Senhor revelado no Antigo Testamento. O espírito que guia a Igreja hoje para circundar os templos do culto católico com tanta veneração é o mesmo espírito que inspirou Jacó a santificar com óleo o lugar onde teve a visão da escada; é o mesmo espírito que inspirou Moisés e Davi, Salomão e Judas Macabeu a honrar com ritos especiais os lugares destinados aos mistérios divinos. Oh, o quanto essa união de espírito de um e outro Testamento, de uma e outra Igreja nos ensina e nos conforta! Mostra-nos o quanto Deus gosta de ser adorado e invocado em suas igrejas, e o quanto ele responde de bom grado às orações que nelas nós dirigimos a ele. Quanto respeito por um lugar cuja profanação armou a mão de um Deus com o açoite e o transformou de um cordeiro manso em um justiceiro severo!
            Vamos, portanto, ao templo sagrado, mas com frequência, pois a necessidade que temos de Deus é diária; vamos intervir lá, mas com confiança e com temor religioso. Com confiança, pois lá encontramos um Pai pronto a nos ouvir, a nos multiplicar o pão de suas graças como na montanha, a nos abraçar como o filho pródigo, a nos consolar como a mulher cananeia, nas necessidades temporais como nas bodas de Caná, nas necessidades espirituais como no Calvário; com temor, pois esse Pai não deixa de ser nosso juiz, e se ele tem ouvidos para ouvir nossas orações, também tem olhos para ver nossas ofensas, e se ele está em silêncio agora como um cordeiro paciente em seu tabernáculo, ele falará com uma voz terrível no grande dia do julgamento. Se o ofendermos fora da igreja, ainda teremos a igreja como lugar para o perdão; mas se o ofendermos dentro da igreja, aonde iremos para sermos perdoados?
            No templo, a justiça divina é aplacada, a misericórdia divina é recebida, suscepimus divinam misericordiam tuam in medio templi tui [recebemos a tua divina misericórdia no meio do teu templo]. No templo, Maria e José encontraram Jesus quando o haviam perdido; no templo, nós o encontraremos se o buscarmos com aquele espírito de santa confiança e santo temor com que Maria e José o buscaram.

Cópia da inscrição selada na pedra fundamental da igreja dedicada a Maria Auxiliadora em Valdocco.

D. O. M.

UT VOLUNTATIS ET PIETATIS NOSTRAE
SOLEMNE TESTIMONIUM POSTERIS EXTARET
IN MARIAM AGUSTAM GENITRICEM
CHRISTIANI NOMINIS POTENTEM
TEMPLUM HOC AB INCHOATO EXTRUERE
DIVINA PROVIDENTIA UNICE FRETIS
IN ANIMO FUIT
QUINTA TANDEM CAL. MAI. AN. MDCCCLXV
DUM NOMEN CHRISTIANUM REGERET
SAPIENTIA AC FORTITUDINE
PIUS PAPA IX PONTIFEX MAXIMUS
ANGULAREM AEDIS LAPIDEM
IOAN. ANT. ODO EPISCOPUS SEGUSINORUM
DEUM PRECATUS AQUA LUSTRALI
RITE EXPIAVIT
ET AMADEUS ALLOBROGICUS V. EMM. II FILIUS
EAM PRIMUM IN LOCO SUO CONDIDIT
MAGNO APPARATU AC FREQUENTI CIVIUM CONCURSU
SALVE O VIRGO PARENS
VOLENS PROPITIA TUOS CLIENTES
MAIESTATI TUAE DEVOTOS
E SUPERIS PRAESENTI SOSPITES AUXILIO.

I. B. Francesia scripsit.

Tradução.

Como um testemunho solene para a posteridade de nossa benevolência e religião para com a augusta Mãe de Deus, Maria Auxiliadora, resolvemos construir este templo a partir dos alicerces, no dia 27 de abril do ano de 1865, governando a Igreja Católica com sabedoria e fortaleza, o Pontífice Máximo Pio IX, Dom João Odone, bispo de Susa, abençoou a pedra fundamental da igreja de acordo com os ritos religiosos; e Amadeu de Saboia, filho de Vitório Emanuel II, a colocou no lugar pela primeira vez em meio a grande pompa e a uma grande multidão de pessoas. Salve, ó Virgem Mãe, socorrei benévola os vossos devotos à vossa majestade e defendei-os do céu com ajuda eficaz.
Escreveu João Batista Francesia.

Hino lido na bênção solene da pedra fundamental.

Quando o adorador de ídolos
            Moveu guerra a Jesus,
            De quantos mil intrépidos
            A terra foi ensanguentada!
            Das lutas ferozes, incólumes
            A Igreja que surgiu de Deus
            Ainda propaga sua vida,
            De um a outro mar.

E ainda se orgulha de seus mártires
            Este humilde vale,
            Onde Otávio morreu,
            Onde Solutor caiu.
            Bela vitória imortal!
            Sobre os gramados sangrentos
            Dos mártires se ergue
            Talvez o altar divino.

E aqui o jovem aflito
            Soltando seus suspiros,
            Um refrigério para sua alma
            Encontra em seus mártires;
            Aqui a viúva desprezada
            De coração devoto e santo
            Ela deposita seu humilde pranto
            No seio do Rei dos Reis,

E a Ti, que costumas vencer
            Mais do que mil espadas,
            A Ti que ostentas glórias
            Em todos os quadrantes,
            A Ti, poderosa e humilde,
            De quem todo o nome fala,
            MARIA, AUXÍLIO DOS CRISTÃOS,
            Um templo erguemos a Ti.

Então, ó Virgem misericordiosa,
            Sê grande para Teus devotos,
            Sobre eles em abundância
            Derrama Teus favores.
            Já com terna pupila
            O jovem PRÍNCIPE olha,
            Que aspira aos Teus louros,
            Ó Mãe do Redentor!

Ele de mente e caráter
            De nobre sentimento,
            A Ti se entrega, ó Virgem,
            Já no florescer dos anos;
            Ele com olhar assíduo
            Canta canções sagradas para Ti,
            E agora anseia por armas
            O fragor habitual.

Ele de Amadeu a glória,
            As grandes virtudes de Humberto
            Guarda em seu coração, e lembra
            Sua coroa celestial;
            E das nuvens brancas,
            Das equipes celestiais
            Da abençoada Mãe
            Ouça o piedoso discurso.

Querido e amado Príncipe,
            Estirpe de heróis santos,
            Que pensamento benéfico
            Te traz aqui entre nós?
            Habituado a casas de ouro,
            Do elevado esplendor do mundo
            A miséria do pobre
            Te dignaste a visitar?

Bela esperança para o povo,
            Em cujo meio tu chegas,
            Possas viver teus dias
            Calmos, doces e serenos:
            Nunca em tua jovem cabeça
            Em tua alma segura
            O infortúnio grite,
            Não amanheça dia amargo.

Sábio e zeloso prelado,
            E nobres senhores,
            Quanto agradam ao Eterno
            Vossos santos ardores!
            Vida abençoada e plácida
            Vive aquele que, para o decoro
            Do Templo o seu tesouro
            Ou o trabalho prodigalizou.

Ó doce e piedoso espetáculo!
            Ó dia memorável!
            Dia mais belo e nobre,
            Que jamais foi visto e quando?
            Bem, fala à minha alma:
            Deste ainda mais belo
            Dia será certamente aquele
            Em que o Templo se abra ao céu.

No trabalho difícil
            Benefícios dourados,
            E logo chegados ao fim,
            Com alegria em Deus descansai;
            E então dedilhando fervorosamente
            Em minha cítara uma canção:
            Louvaremos o Santo
            O Forte de Israel.

(continua)


[1] Compendio delle eresie p. 170. Sobre os templos dos pagãos convertidos em igrejas, veja: Butler. Vite, novembro, p. 10.




São Francisco de Sales a serviço da educação

            Francisco de Sales estava convencido de que “da boa ou má educação da juventude depende radicalmente o bem-estar ou o mal-estar da sociedade e do Estado”; ele também acreditava “que os colégios são como berçários e seminários, dos quais saem aqueles que mais tarde ocuparão cargos e posições, destinados a serem bem ou mal administrados na medida em que os enxertos tenham sido bem ou mal cultivados anteriormente”. Portanto, ele queria que “os jovens fossem educados igualmente em piedade e moral, assim como em letras e ciências”.

Escola, colégio e formação profissional em Thonon
            A formação dos jovens nos estudos e na fé católica era particularmente urgente em Thonon, uma cidade próxima a Genebra. Vários projetos ocuparam o espírito de Francisco de Sales por muitos anos, na época em que ele era decano e, mais tarde, bispo.
            Antes do retorno da cidade ao catolicismo, havia uma escola em Thonon fundada graças a um legado que garantia recursos suficientes para a educação de doze alunos. Em 1579, a educação era oferecida por duas ou três governantas. Com a restauração do catolicismo em Thonon, em 1598, o Decano de Sales pediu que o legado fosse usado para doze alunos “que fossem católicos”.
            Mas o projeto que era mais ambicionado pelo coração do decano era trazer os padres da Companhia de Jesus para Thonon: “Quem acrescentasse a isso um colégio jesuíta nesta cidade, faria com que toda a área ao redor, que, no que diz respeito à religião, é quase completamente indiferente, participasse desse bem”. O Decano preparou um Pró-memória no qual afirmava com veemência a convicção geral: “Não há nada mais útil para esta província do Chablais do que construir um colégio da Companhia de Jesus na cidade de Thonon”.
            No final de outubro de 1599, chegou um primeiro jesuíta, no final de novembro um segundo e os outros estavam a caminho, vindos de Avinhão. No final do ano, os jesuítas que chegaram a Thonon começaram com uma “pequena escola”, que teria cento e vinte alunos no ano seguinte. Como resultado das turbulências em 1600, eles foram dispersos por vários meses, depois do que começaram a escola novamente com cerca de trezentos alunos.
            Mas qual seria a utilidade das escolas de gramática se, para as humanidades, os alunos fossem obrigados a frequentar colégios protestantes? Havia uma necessidade urgente de criar classes secundárias e superiores em filosofia, teologia, Sagrada Escritura e direito. No início de dezembro de 1602, tudo parecia pronto para a abertura do colégio e da futura universidade de Thonon. Alguns dias depois, a tentativa fracassada do duque de Saboia de retomar Genebra fez com que os jesuítas se afastassem novamente. E logo foram forçados a se retirar definitivamente.
            Após a partida dos jesuítas, a escola foi dirigida com a ajuda de pessoal local. O colégio de Thonon não teve nenhum desenvolvimento real até o final de 1615, quando o bispo convocou a congregação dos Barnabitas, já estabelecida no colégio de Annecy.
            Enquanto os estudos literários estavam sendo providenciados, outro projeto mobilizava as energias do Decano e de seus colaboradores. Em 1599, Francisco de Sales defendeu a fundação de uma “hospedaria de todas as ciências e artes”, ou seja, um tipo de escola profissional com uma tipografia, uma fábrica de papel, uma oficina mecânica, uma passamanaria e um arsenal.
            A ideia de uma instituição para formação nas “artes e ofícios” deve ser enfatizada, porque o aprendizado normalmente ocorria em casa, com o pai ensinando seu ofício ao filho destinado a sucedê-lo, ou junto a um artesão. Por outro lado, pode-se observar que Francisco de Sales e seus colaboradores estavam interessados em ofícios manuais considerados de pouco valor, que a maioria dos humanistas parecia ignorar. Promover as “artes mecânicas” também significava valorizar os artesãos que as elites tendiam a desprezar.

As pequenas escolas da diocese
            Em 1606, havia quinze escolas para meninos na diocese, onde se ensinava gramática, literatura e catecismo. Aparentemente, isso era pouco. Na realidade, a alfabetização era bastante difundida nas paróquias; cursos curtos eram organizados em determinadas épocas do ano, especialmente no inverno, graças a acordos temporários com professores e, principalmente, graças à boa vontade dos párocos e vice-párocos.
            O ensino era elementar e consistia, em primeiro lugar, em aprender a ler por meio de uma cartilha. O professor geralmente não tinha seu local próprio, mas usava qualquer cômodo, um estábulo ou uma estrebaria. Às vezes, “suas aulas, ministradas ao ar livre, mesmo a uma altitude de até 1500 ou 2000 metros, com os alunos sentados numa pedra, numa carroça, num tronco de abeto ou nos braços de um arado; não ficavam privados de fascínio e originalidade”.
            Como se pode imaginar, os professores eram geralmente recrutados entre o clero diocesano e os religiosos. No testamento de um tal Nicolau Clerc, está estipulado que o serviço paroquial “deve ser realizado por um diretor capaz de instruir os jovens até a gramática, inclusive”; se ele “se desviar e negligenciar o ofício divino ou a instrução dos jovens, depois de ser admoestado três vezes” e “encaminhado ao bispo”, ele será privado de sua renda e substituído por outro clérigo.
            Em 1616, o bispo aceitou o pedido dos dirigentes da cidade de Bonne, que lhe imploravam que lhes fornecesse um religioso de um convento vizinho, encarregando-o de “instruir os jovens nas letras e na piedade”, “em vista do grande fruto e da utilidade que pode derivar disso, tendo em vista a boa instrução que ele começou a dar aos jovens da referida cidade e de sua vizinhança, que pretendem enviar seus próprios filhos para lá”.

Os colégios
            A educação secundária oferecida nos colégios da Saboia originou-se principalmente do desenvolvimento das escolas primárias, que, graças a doações, puderam acrescentar aulas de latim, gramática e artes plásticas.
            O Bispo interveio para salvar o colégio de La Roche, onde ele havia feito seus primeiros estudos de gramática. O colégio nem sempre teve dias tranquilos. Em 1605, Francisco de Sales escreveu aos cônegos da igreja colegiada para silenciar “a opinião pessoal” de alguns, implorando que “garantissem novamente o consenso geral”: “vocês podem e devem contribuir”, escreveu ele, “não apenas com suas vozes, mas também com suas advertências e com o trabalho de convencimento, pois a construção e a preservação deste colégio servirão à glória de Deus e da Igreja”, e também proporcionarão “o bem desta cidade”. O propósito espiritual estava, sim, em primeiro lugar, mas o bem temporal não era esquecido.
            Em Annecy, o bispo acompanhou de perto a vida do colégio fundado por Eustáquio Chappuis, no qual ele mesmo havia estudado de 1575 a 1578. As dificuldades que estava enfrentando provavelmente o levaram a visitar esse instituto com frequência. Além disso, a presença do bispo era uma honra muito procurada, especialmente por ocasião de disputas filosóficas, para as quais era convidado o “monsenhor, o reverendíssimo bispo de Genebra”.
            Os registros das decisões do colégio indicam sua presença por ocasião de discussões, bem como intervenções para apoiar solicitações ou para redigir contratos com professores. De acordo com uma testemunha, o bispo ia até lá de manhã cedo para participar de “eventos públicos, disputas, apresentações de eventos históricos e outros exercícios, para incentivar os jovens e, em particular, disputas públicas em filosofia no final dos cursos”. A mesma testemunha acrescenta: “Muitas vezes eu o vi participar pessoalmente de disputas filosóficas”.
            Na realidade, de acordo com um dos professores da época, “a literatura refinada e a moral saudável haviam perdido muito de seu brilho” e a renda havia diminuído. A administração estava sofrendo choques. O bispo sonhava com uma direção nova e estável para o colégio, que lhe parecia “quase como um terreno baldio”.
            Em 1613, ao passar por Turim, sugeriram-lhe o nome de uma nova congregação que estava navegando de vento em popa: os Barnabitas. Em Milão, ele se encontrou com o superior geral deles e o acordo foi concluído. Em dezembro de 1614, ele assinou o contrato para que os Barnabitas entrassem no Colégio Chappuis.
            Francisco de Sales ficou tão satisfeito com os Barnabitas que, como já dissemos, chamou-os sem demora para Thonon. Em abril de 1615, ele pôde escrever a um amigo: “Certamente, nossos bons Barnabitas são realmente pessoas muito boas: mais doces do que se pode dizer, complacentes, humildes e gentis, muito mais do que é moda em seu país”. Consequentemente, ele sugeriu que eles também deveriam vir para a França:

Para mim, acho que, um dia, eles serão de grande utilidade para a França, porque fazem o bem não apenas pela instrução da juventude (o que não é tão necessário em um país onde os padres jesuítas fazem isso de forma tão excelente), mas cantam em coro, ouvem confissões, dão catecismo até mesmo nas aldeias para as quais são enviados, pregam; em uma palavra, fazem tudo o que pode ser desejado, fazem-no com muita cordialidade e não pedem muito para seu sustento.

            Em 1619, ele se envolveu em negociações para que os Barnabitas assumissem o controle do colégio em Beaune, na Borgonha. Como esse acordo fracassou, eles puderam se estabelecer em Montargis no ano seguinte.

Estudos superiores
            Por não poder contar com grandes cidades e ver sua estabilidade frequentemente ameaçada, o Ducado de Saboia não tinha sua própria universidade. Os alunos que tinham condições de fazê-lo iam estudar no exterior. Luís, o irmão de Francisco de Sales foi enviado a Roma para estudar direito. Na França, havia estudantes da Saboia em Montpellier, onde estudavam medicina, e em Toulouse, onde estudavam direito.
            Em Avinhão, o cardeal de Brogny, da Saboia, fundou uma faculdade em seu palácio para receber gratuitamente 24 estudantes de direito, dos quais 16 eram da Saboia. Infelizmente, os saboianos perderam as vagas reservadas para eles. Em outubro de 1616, Francisco de Sales fez várias tentativas com o Duque de Saboia e também em Roma para encontrar “algum remédio eficaz contra as desordens que ocorreram na mesma faculdade” e para que as vagas na faculdade fossem devolvidas aos “súditos de Vossa Alteza”. Por ocasião de sua última viagem, que o levou a Avinhão em novembro de 1621 e antes de finalmente terminá-la em Lião, ele conversou longamente com o vice-legado do papa para defender mais uma vez os interesses da Saboia no colégio.
            Os estudantes da Saboia podiam ser encontrados até mesmo em Lovaina, onde Eustáquio Chappuis havia fundado um colégio para os saboianos que frequentavam a universidade. O bispo de Genebra mantinha contato constante e amigável com Jacques de Bay, presidente do colégio; em várias ocasiões, Francisco de Sales escreveu a ele para recomendar aos que iam para lá que se colocassem, como ele dizia, “sob suas asas”. Nos casos em que os pais encontravam dificuldades para arcar com os custos, ele dizia que estava pronto para reembolsá-los. Ele acompanhava seus alunos: “Estude mais e mais”, escreveu a um deles, “com espírito de diligência e humildade”. Também possuímos uma carta de 1616 para o novo presidente da faculdade, João Massen, em favor de um estudante de teologia, seu próprio parente, cujo “progresso nas letras e na virtude” ele esperava.

Escolas para meninas?
            Tudo o que foi dito até agora diz respeito apenas à educação de meninos. Era somente para eles que as escolas existiam. E para as meninas? Na época de Francisco de Sales, as únicas instituições que podiam oferecer ajuda às famílias nesse sentido eram os mosteiros femininos, que, no entanto, estavam preocupados principalmente com o recrutamento. Joana de Sales, a última filha da Madame de Boisy, foi enviada para o mosteiro em 1605, “para mudar de ares e adquirir o gosto pela devoção”. Ela entrou aos 12 anos, mas como não sentia nenhuma atração pela vida religiosa, não é razoável, afirmou Francisco de Sales, “deixar por tanto tempo em um mosteiro uma jovem que não pretende ficar lá para sempre”. Ela foi retirada já em seu segundo ano.
            Mas o que fazer se o mosteiro estava fechado para elas? Havia a solução das Ursulinas, que estavam começando a ser conhecidas como uma congregação para a educação da juventude feminina. Elas estavam presentes na capital francesa desde 1608. O bispo incentivou sua vinda para Chambéry, escrevendo em 1612 que “seria muito bom se houvesse Ursulinas em Chambéry, e eu gostaria de contribuir fazendo algo para isso”; “três filhas ou mulheres corajosas seriam suficientes para começar”, acrescentou. A fundação não seria realizada na antiga capital da Saboia até 1625.
            Em 1614, ele pôde se alegrar com a recente chegada das Ursulinas em Lião, “uma das congregações”, disse ele, “que meu espírito mais ama”. Ele também as queria em sua diocese, especialmente em Thonon. Em janeiro de 1621, ele escreveu à superiora das Ursulinas de Besançon para tentar incentivar esse projeto, porque, escreveu ele, “sempre amei, estimei e honrei as obras de grande caridade que sua congregação costuma praticar e, portanto, sempre desejei profundamente sua difusão também nesta província de Saboia”. O projeto, no entanto, só pôde ser implementado em 1634.

A educação de moças nos mosteiros da Visitação
            Quando, a partir de 1610, Francisco de Sales fundou com Joana de Chantal o que viria a se tornar a Ordem da Visitação, logo surgiu a questão da admissão e da educação de moças destinadas ou não à vida religiosa. Conhecemos o caso da filha da Senhora de Chantal, a alegre e coquete Franceschetta [Francisquinha], que tinha apenas onze anos de idade quando sua mãe, querendo que ela se tornasse religiosa, levou-a consigo para a casa que se tornaria o lar da primeira visitandina. Mas a menina devia seguir outro caminho. As meninas enviadas aos mosteiros contra sua vontade não tinham escolha a não ser se tornarem insuportáveis.
            Em 1614, uma menina de nove anos, filha do guardião do castelo de Annecy, foi aceita no primeiro mosteiro da Visitação. Aos catorze anos, por meio de insistência, foi autorizada a vestir o hábito religioso, mas sem ter os requisitos para ser noviça. Doente com uma doença pulmonar, ela despertou a admiração do fundador, que sentiu “uma incrível consolação ao encontrá-la indiferente à morte e à vida, em uma atitude suave de paciência e com um rosto sorridente, apesar da febre muito alta e das muitas dores que sofria”. Como seu único consolo, ela pediu que lhe fosse permitido fazer sua profissão antes de morrer”. Muito diferente, no entanto, foi outra companheira, uma jovem de Lião, filha do principal comerciante e grande benfeitor, que se tornou insuportável na comunidade, a ponto de a Madre de Chantal ter que corrigi-la.
            Na Visitação, em Grenoble, uma menina de 12 anos pediu para morar com as religiosas. À superiora, que hesitava em aceitar essa “rosa” que poderia ter alguns espinhos, o fundador aconselhou com um sorriso e um toque de astúcia:

É verdade que essas jovens dão algumas dores de cabeças, mas o que fazer?Neste mundo, nunca encontrei um bem que não custasse algo.Devemos organizar nossas vontades de modo que não busquem confortos ou, se os buscarem e os desejarem, saibam se adaptar serenamente às dificuldades que são sempre inseparáveis dos confortos.Neste mundo, não temos vinho sem borra.Portanto, devemos calcular bem.É melhor termos espinhos em nosso jardim para podermos ter rosas ou não termos rosas para não termos espinhos?Se isso trouxer mais bem do que mal, será bom admiti-la; se trouxer mais mal do que bem, não deve ser admitida.

            No final, o Fundador foi muito circunspecto quanto à admissão de moças nos mosteiros da Visitação, devido à incompatibilidade com o modo de vida das religiosas.
            De fato, a Visitação não havia sido concebida nem desejada para tal obra: O Fundador escreveu à superiora de Nevers, “Deus não escolheu seu instituto para a educação de meninas, mas para o aperfeiçoamento das mulheres e moças que são chamadas a ele na idade em que já são capazes de responder pelo que fazem”. Ele estava bem ciente de que a vida no mosteiro dificilmente poderia proporcionar um ambiente adequado para o desenvolvimento das meninas: “Não só a experiência, mas também a razão nos ensina que meninas tão jovens, colocadas sob a disciplina de um mosteiro, geralmente desproporcional para sua idade, começam a detestá-lo e odiá-lo”.
            Apesar de algum arrependimento, Francisco de Sales não se tornou o fundador de um instituto dedicado à educação. No entanto, é fato que seus esforços em favor da educação e da instrução de meninos e meninas, em todas as suas formas, foram numerosos e árduos. O principal motivo que o guiou foi espiritual, especialmente quando se tratava de manter a juventude longe do “veneno da heresia”, e nesse aspecto ele teve bastante sucesso, à medida que a Reforma Católica ganhava terreno; entretanto, ele não negligenciou o bem temporal de educar a juventude para o benefício da sociedade.




O segundo sonho missionário: através da América (1883)

            Dom Bosco contou esse sonho no dia 4 de setembro, na sessão matutina do Capítulo Geral. O P. Lemoyne imediatamente o colocou no papel e o Servo de Deus revisou o escrito de ponta a ponta, acrescentando e modificando. Imprimiremos em itálico as partes que, no original, revelam a mão do Santo; em vez disso, colocaremos entre colchetes algumas passagens que o P. Lemoyne introduziu mais tarde, sob a forma de notas, por meio de explicações adicionais dadas por Dom Bosco.

            Era a noite anterior à festa de Santa Rosa de Lima [30 de agosto] e eu tive um sonho. Percebi que estava dormindo e, ao mesmo tempo, parecia estar correndo muito, a ponto de me sentir cansado de correr, falar, escrever e de minhas outras ocupações habituais. Enquanto pensava se era um sonho ou a realidade, pareceu-me entrar em um salão de entretenimento onde muitas pessoas estavam conversando sobre coisas diversas.
            Um longo discurso de desenvolveu em torno da multidão de selvagens que, na Austrália, nas Índias, na China, na África e, mais particularmente, na América, em número incalculável, ainda estão sepultados na sombra da morte.
           
A Europa, disse um dos debatedores com seriedade, a Europa cristã, a grande mestra da civilização e do catolicismo, parece ter se aproximado apaticamente das missões estrangeiras. Poucos são aqueles que têm coragem suficiente para enfrentar longas viagens e países desconhecidos para salvar as almas de milhões de homens que foram redimidos pelo Filho de Deus, por Cristo Jesus.
            Disse outro:
            – Que quantidade de idólatras vive infeliz fora da Igreja e longe do conhecimento do Evangelho somente na América! Os homens pensam (e os geógrafos se enganam) que as Cordilheiras da América são como um muro que divide essa grande parte do mundo. Não é bem assim. Essas longas cadeias de altas montanhas formam muitas entrâncias de mil ou mais quilômetros de comprimento. Nelas há florestas que nunca foram visitadas, há plantas, animais e pedras que são escassas por lá. Carvão mineral, petróleo, chumbo, cobre, ferro, prata e ouro estão escondidos nessas montanhas, nos locais onde foram colocados pela mão onipotente do Criador para o benefício da humanidade. Ó Cordilheiras, Cordilheiras, quão rico é o vosso oriente!
            Naquele momento, senti-me tomado por um desejo ardente de pedir explicações sobre mais coisas e questionar quem eram aquelas pessoas que haviam se reunido ali e onde eu estava. Mas eu disse a mim mesmo:
Antes de falar, preciso observar que pessoas são essas! E olhei em volta com curiosidade. Só que todas essas pessoas eram desconhecidas para mim. Entretanto, como se tivessem me visto apenas naquele momento, convidaram-me a vir à frente e me acolheram com bondade.
            Eu então perguntei:
            – Digam-me, por favor! Estamos em Turim, Londres, Madri, Paris? Onde estamos? E quem são vocês? Com quem tenho o prazer de falar? Mas todos esses personagens respondiam vagamente, sempre falando sobre as missões.
            Naquele momento, aproximou-se de mim um jovem de cerca de dezesseis anos, adorável pela beleza sobre-humana e todo radiante com uma luz viva mais brilhante que a do sol. Sua roupa era tecida com riqueza celestial e sua cabeça estava cingida com um chapéu em forma de coroa, cravejado com as mais brilhantes pedras preciosas. Olhando para mim com um olhar benevolente, demonstrava um interesse especial por mim. Seu sorriso expressava um afeto de atração irresistível. Chamou-me pelo nome, pegou-me pela mão e começou a me falar sobre a Congregação Salesiana.
            Fiquei encantado com o som daquela voz. Em um determinado momento, eu o interrompi:
            – Com quem tenho a honra de falar? Poderia me dizer seu nome? E o jovem:
            – Não duvide! Fale sempre com total confiança, pois o senhor está com um amigo.
            – Mas qual o seu nome?
            – Eu lhe diria meu nome, se fosse necessário; mas não é necessário, pois o senhor deve me conhecer.
            Dizendo isso, sorria.
            Dei uma olhada mais de perto naquela fisionomia envolta em luz. Oh, como era bela! E reconheci nele o filho do conde Fiorito Colle de Toulon, ilustre benfeitor de nossa Casa e especialmente de nossas missões americanas. Esse jovem havia morrido pouco tempo antes.
            – Oh! você? eu disse, chamando-o pelo nome: Luís! E quem são todas essas pessoas?
            – São amigos de seus salesianos e, como amigo seu e dos salesianos, em nome de Deus, gostaria de lhe dar algum trabalho.
            – Vamos ver o que é. Que trabalho é esse?
            – Fique aqui nesta mesa e depois puxe esta corda para baixo.
            No meio daquele grande salão havia uma mesa, na qual estava enrolada uma corda, e vi que essa corda estava marcada como o metro, com linhas e números. Mais tarde, percebi que aquela sala estava localizada na América do Sul, bem na linha do Equador, e que os números impressos na corda correspondiam aos graus geográficos de latitude. Então, peguei a ponta da corda, olhei para ela e vi que no início estava marcado o número zero.
            Eu ria. E aquele jovem angelical:
            – Não é hora de rir, ele me disse. Observe! O que está escrito na corda?
            – O número zero.
            – Puxe um pouco!
            Puxei um pouco a corda, e apareceu o número 1.
            – Puxe novamente e faça um grande rolo com essa corda.
            Puxei e saiu o número 2, 3, 4, até 20.
            – É suficiente? disse eu.
            – Não; mais para cima; mais para cima! Vá até encontrar um nó! respondeu o jovem.
            Puxei até o número 47, onde encontrei um grande nó. A partir desse ponto, a corda continuava, mas dividida em muitos fios que se estendiam para leste, oeste e sul.
            – Já chega? perguntei.
            – Que número é esse? perguntou o jovem. É o número 47. E 47 mais 3 dá o quê? 50! E mais 5? São 55! Observe; cinquenta e cinco.
            E então ele disse:
            – Puxe novamente.
            – Estou no fim! respondi.
            – Agora, então, volte-se para trás e puxe a corda do outro lado. Puxei a corda do outro lado, até o número dez.
            O jovem replicou:
            – Puxe ainda!
            – Não há mais nada!
            – O quê? Não há mais nada? Olhe de novo! O que há?
            – Há água, respondi.
            Naquele instante, um fenômeno extraordinário ocorreu dentro de mim, algo que não é possível ser descrito. Eu estava naquela sala, puxando aquela corda, e, ao mesmo tempo, um panorama de um imenso país se desdobrou diante de meus olhos, que eu dominava como numa visão aérea e que se estendia à medida que a corda se estendia.
            Do primeiro zero até o número 55 havia uma terra imensa que, depois de um estreito de mar, no final se repartia em cem ilhas, uma das quais era muito maior do que as outras. A essas ilhas parecia aludirem as cordinhas espalhadas que partiam do grande nó. Cada cordinha levava a uma ilha. Algumas delas eram habitadas por nativos bastante numerosos; outras eram estéreis, nuas, rochosas, desabitadas; outras eram todas cobertas de neve e gelo. A oeste, havia vários grupos de ilhas, habitadas por muitos selvagens. [Parece que o nó colocado no número ou grau 47 representava o local de partida, o centro salesiano, a missão principal de onde nossos missionários se ramificavam para as Ilhas Malvinas, para a Terra do Fogo e para as outras ilhas desses países da América].
            No lado oposto, ou seja, de zero a 10, continuava a mesma terra e terminava naquela água que vi por último. Pareceu-me que essa água era o mar das Antilhas, que eu vi de maneira tão surpreendente que não me é possível explicar com palavras esse modo de ver.
            Ora, então, tendo eu respondido:
            – Há água! – aquele jovem respondeu:
            – Agora junte 55 mais 10. Qual o resultado?
            E eu:
            – Soma 65.
            – Agora junte tudo e faça uma única corda.
            – E então?
            – O que há deste lado? – E ele apontou para um ponto no panorama.
            – A oeste, vejo altas montanhas e, a leste, está o mar!
            [Observo aqui que, naquele momento, vi abreviadamente, como em miniatura, tudo aquilo que vi depois, como diria, em seu tamanho e extensão reais, e os graus marcados pela corda, que correspondiam exatamente aos graus geográficos de latitude, foram os que me permitiram guardar na memória por vários anos os sucessivos pontos que visitei enquanto viajava na segunda parte desse mesmo sonho].
            Meu jovem amigo continuava:
            – Pois bem: essas montanhas são como um limite, uma fronteira. Até aqui e até ali está a messe oferecida aos salesianos. Milhares e milhões estão esperando por sua ajuda, esperam a fé.
            Essas montanhas eram as Cordilheiras da América do Sul e esse mar, o Oceano Atlântico.
            – E como faremos isso? retomei; como levaremos tantos povos ao redil de Jesus Cristo?
            – Como fazer isso? Veja!
            E eis que chega o P. Lago [P. Ângelo Lago, secretário particular do P. Rua, que morreu em conceito de santidade em 1914], carregando uma cesta de figos pequenos e verdes; e ele me disse:
            – Pegue, Dom Bosco!
            – O que está me trazendo? respondi, olhando para o conteúdo da cesta.
            – Disseram-me que os trouxesse para o senhor.
            – Mas esses figos não são bons para comer, não estão maduros.
            Então meu jovem amigo pegou aquela cesta, que era muito larga, mas tinha pouco fundo, e a apresentou a mim, dizendo:
            – Aqui está o presente que lhe dou!
            – E o que devo fazer com esses figos?
            – Estes figos não estão maduros, mas pertencem à grande figueira da vida. E o senhor procure a maneira de fazê-los amadurecer.
            – E como? Se fossem maiores!… poderiam ser amadurecidos com palha, como é o costume com outras frutas; mas tão pequenos… tão verdes… É impossível.
            – Na verdade, o senhor deve saber que, para amadurecê-los, é preciso garantir que todos esses figos estejam ligados à planta novamente.
            – Que coisa incrível! E como fazer isso?
            – Veja!
            E ele pegou um daqueles figos e o mergulhou em uma jarra de sangue; depois, mergulhou-o em outra jarra cheia de água e disse:
            – Com o suor e o sangue, os selvagens voltarão a se apegar à planta e serão agradáveis ao dono da vida.
            Eu pensava: Mas para conseguir isso é preciso tempo. E então exclamei em voz alta:
            – Não sei mais o que responder.
            Mas aquele querido jovem, lendo meus pensamentos, continuou:
            – Esse acontecimento será realizado antes que a segunda geração se complete.
            – E qual será a segunda geração?
            – Está atual não está sendo contada. Será outra e depois outra.
            Eu falava confuso, perplexo e quase gaguejando ao ouvir os magníficos destinos que estão sendo preparados para nossa Congregação; e perguntei:
            – Mas cada uma dessas gerações compreende quantos anos?
            – Sessenta anos!
            – E depois disso?
            – O senhor quer ver o que acontecerá? Venha!
            E sem saber como, encontrei-me em uma estação ferroviária. Muitas pessoas estavam reunidas lá. Embarcamos no trem. Perguntei onde estávamos. O jovem respondeu:
            – Repare bem! Veja! Estamos viajando ao longo das Cordilheiras. O senhor tem a estrada aberta para o leste até o mar. É outra dádiva do Senhor.
            – E a Boston, onde somos esperados, quando iremos?
            – Tudo a seu tempo.
            Dito isso, ele pegou um mapa onde a diocese de Cartagena era mostrada em letras grandes. [Esse era o ponto de partida].
            Enquanto eu olhava o mapa, a locomotiva apitou e o trem partiu. Viajando, meu amigo falava muito, mas por causa do barulho do trem, eu não conseguia entendê-lo completamente. No entanto, aprendi coisas lindas e novas sobre astronomia, navegação, meteorologia, mineralogia, fauna, flora e a topografia daquelas regiões, que ele me explicou com uma precisão maravilhosa. Enquanto isso, ele compartilhava suas palavras com uma familiaridade recatada e ao mesmo tempo carinhosa, o que demonstrava o quanto ele me queria bem. Desde o início, ele me pegou pela mão e sempre me segurou com muito carinho até o final do sonho. Às vezes, eu levava minha outra mão sobre a dele, mas ela parecia desaparecer debaixo da minha como se estivesse se evaporando, e minha mão esquerda só segurava a minha direita. O jovem sorria com minha tentativa inútil.
            Nesse meio tempo, olhei pelas janelas do vagão e via passarem à minha frente variadas, mas estupendas regiões. Florestas, montanhas, planícies, rios muito longos e majestosos que eu não acreditava que fossem tão grandes em regiões tão distantes de seus estuários. Por mais de mil quilômetros, contornamos a borda de uma floresta virgem, ainda hoje inexplorada. Meu olhar adquiriu um poder visual maravilhoso. Não havia nenhum obstáculo para alcançar aquelas regiões. Não sei explicar como esse fenômeno surpreendente aconteceu com meus olhos. Eu era como alguém que, no alto de uma colina, vê uma grande região estendida a seus pés e, se coloca uma tira de papel, mesmo que estreita, diante de seus olhos a uma pequena distância, não vê nada ou vê muito pouco; se for afastada essa tira ou apenas levantada ou abaixada um pouco, sua visão pode se estender até o horizonte extremo. Foi o que aconteceu comigo devido à extraordinária intuição que adquiri; mas com esta diferença: quando eu olhava para um ponto e esse ponto passava diante de mim, era como se eu levantasse sucessivamente as cortinas individuais, e eu via a distâncias incalculáveis. Não apenas via as Cordilheiras mesmo quando estava longe delas, mas também as cadeias de montanhas, isoladas naqueles planos imensuráveis, eu as via com seus mínimos acidentes. [As de Nova Granada, da Venezuela, das três Guianas; as do Brasil e da Bolívia, até as últimas fronteiras].
            Pude então verificar a exatidão das frases que ouvi no início do sonho no grande salão no grau zero. Eu podia ver as entranhas das montanhas e a escuridão profunda das planícies. Tinha diante dos olhos as riquezas incomparáveis desses países que um dia serão descobertas. Via inúmeras minas de metais preciosos, pedreiras inesgotáveis de carvão mineral, depósitos de petróleo tão abundantes que nunca foram encontrados em nenhum outro lugar. Mas isso não foi tudo. Entre os graus 15 e 20, havia uma reentrância muito larga e muito longa que começava em um ponto onde se formava um lago. Então uma voz disse repetidamente:
            – Quando forem escavadas as minas escondidas no meio destas montanhas, aqui aparecerá a terra prometida que mana leite e mel. Será uma riqueza inconcebível.
            Mas isso não foi tudo. O que mais me surpreendeu foi ver as Cordilheiras em vários lugares, recuando para dentro de si mesmas para formar vales, que os atuais geógrafos nem sequer suspeitam que existam, imaginando que as encostas das montanhas são como uma espécie de parede reta. Nessas bacias e vales, que às vezes se estendiam por até mil quilômetros, viviam densas populações que ainda não haviam entrado em contato com os europeus, nações ainda completamente desconhecidas.
            Enquanto isso, o trem continuava correndo continuamente e, seguindo por aqui e por ali, finalmente parou. Aí desceu um grande número de viajantes, passando por baixo das Cordilheiras, em direção ao oeste.
            [Dom Bosco mencionou a Bolívia. A estação talvez fosse La Paz, onde um túnel que se abre para o litoral do Pacífico pode ligar o Brasil a Lima por meio de outra linha de trem].
            O trem partiu novamente, sempre em frente. Como na primeira parte da viagem, passamos por florestas, túneis, viadutos gigantescos, desfiladeiros nas montanhas, lagos e pântanos em pontes, rios largos, pradarias e planícies. Passamos pelas margens do Uruguai. Pensei que fosse um rio curto, mas, em vez disso, é muito longo. Em um determinado momento, vi o rio Paraná se aproximando do Uruguai, como se fosse levar o tributo de suas águas até ele; mas, em vez disso, depois de correr por um trecho quase paralelo, afastou-se dele fazendo uma curva ampla. Ambos os rios eram muito longos. [Argumentando a partir desses poucos dados, parece que essa futura linha férrea, partindo de La Paz, tocará Santa Cruz, passará pela única abertura que há em Santa Cruz della Sierra, atravessada pelo rio Guapay; cruzará o rio Parapiti, na província de Chiquitos, na Bolívia; cortará o extremo norte da República do Paraguai; entrará na província de São Paulo, no Brasil, e de lá seguirá para o Rio Janeiro. De uma estação intermediária na província de São Paulo talvez parta a linha férrea que, passando entre o Rio Paraná e o Rio Uruguai, ligará a capital do Brasil à República do Uruguai e à República Argentina].
            E o trem estava sempre descendo, virava para um lado e virava para outro; depois de muito tempo, parou pela segunda vez. Lá, muitas outras pessoas desceram e também passaram por baixo das Cordilheiras, indo para o oeste. [Dom Bosco indicou a província de Mendoza, na República Argentina. Portanto, a estação talvez fosse Mendoza e o túnel levava a Santiago, capital da República do Chile].
            O trem retomou sua viagem pelos Pampas e pela Patagônia. Os campos cultivados e as casas espalhadas aqui e ali indicavam que a civilização estava tomando posse daqueles desertos.
            No início da Patagônia, passamos por um braço do Rio Colorado ou Rio Chubut [ou talvez Rio Negro?]. Não conseguia ver o rumo que seguia, se em direção às Cordilheiras ou ao Atlântico. Tentava desvendar esse meu problema, mas não conseguiu me orientar.
            Finalmente chegamos ao Estreito de Magalhães. Eu observava. Descemos. Punta Arenas estava à nossa frente. Por vários quilômetros, o solo estava repleto de depósitos de carvão mineral, tábuas, vigas, madeira, pilhas imensas de metal, alguns brutos, outros processados. Longas filas de vagões de carga estavam sobre os trilhos.
            Meu amigo mencionou todas essas coisas para mim. Então perguntei:
            – O que você quer dizer com isso?
            Ele me respondeu:
            – O que está sendo planejado agora será realidade um dia. No futuro, esses selvagens serão tão dóceis que eles mesmos virão para receber educação, religião, civilização e comércio. O que em outros lugares causa admiração, aqui será tão surpreendente que ultrapassará o que hoje causa espanto em todos os outros povos.
            – Já vi o suficiente, concluí; agora me leve para ver meus salesianos na Patagônia.
            Voltamos à estação e embarcamos no trem para retornar. Depois de percorrer um longo caminho, o trem parou em frente a um vilarejo considerável. [Talvez no grau 47, onde ele tinha visto aquele grande nó de corda no início do sonho]. Na estação, não havia ninguém esperando por mim. Desci e imediatamente encontrei os salesianos. Havia muitas casas lá com um grande número de habitantes; mais igrejas, escolas, vários internatos para jovens e adultos, artesãos e agricultores, e um centro de educação para meninas que faziam uma variedade de trabalhos domésticos. Nossos missionários conduziam jovens e adultos juntos.
            Eu estava entre eles. Havia muitos deles, mas eu não os conhecia, e entre eles não havia nenhum de meus antigos filhos. Todos me olhavam com espanto, como se eu fosse uma pessoa nova, e eu disse a eles:
            – Vocês não me conhecem? Vocês não conhecem Dom Bosco?
            – Oh, Dom Bosco! Nós o conhecemos pela fama, mas só o vimos em retratos! Em pessoa, não, é claro!
            – E o P. Fagnano, P. Costamagna, P. Lasagna, P. Milanesio, onde estão eles?
            – Nós não os conhecemos. São aqueles que vieram aqui antigamente: os primeiros salesianos que vieram da Europa para estes lugares. Mas já se passaram muitos anos desde que eles morreram!
            Diante dessa resposta, pensei com espanto: – Mas isso é um sonho ou uma realidade? E batia as mãos uma na outra, tocava os meus braços e me sacudia, enquanto realmente ouvia o som das minhas mãos e me percebia a mim mesmo e me convencia de que eu não estava dormindo.
            Essa visita foi algo instantâneo. Ao ver o maravilhoso progresso da Igreja Católica, de nossa Congregação e da civilização naquelas regiões, agradeci à Divina Providência por ter se dignado me usar como instrumento de sua glória e da salvação de tantas almas.
            Nesse meio tempo, o jovem Colle me fez sinal de que era hora de voltar: assim, depois de nos despedirmos de meus salesianos, voltamos à estação, onde o trem estava pronto para partir. Subimos novamente; a locomotiva apitou e partimos para o norte.
            Fiquei surpreso com a novidade que surgiu diante de meus olhos. O território da Patagônia, na parte mais próxima ao Estreito de Magalhães, entre as Cordilheiras e o Oceano Atlântico, era mais estreito do que os geógrafos geralmente acreditam.
            O trem avançava em um ritmo muito rápido e me pareceu que estava passando pelas províncias, que agora já são civilizadas na República Argentina.
            À medida que avançávamos, entramos em uma floresta virgem, muito ampla, muito longa, interminável. Em um determinado ponto, o trem parou e um espetáculo doloroso apareceu diante de nossos olhos. Uma enorme multidão de selvagens estava reunida em um espaço aberto no meio da floresta. Seus rostos eram deformados e repugnantes; suas pessoas estavam vestidas, ao que parecia, com peles costuradas de animais. Eles cercavam um homem amarrado que estava sentado em uma pedra. Ele era muito gordo, pois os selvagens o haviam engordado. O pobre homem havia sido feito prisioneiro e parecia pertencer a uma nação estrangeira, devido à maior regularidade de suas feições. Os selvagens o questionavam e ele respondia narrando as várias aventuras que lhe haviam acontecido em suas viagens. De repente, um selvagem se levantou e, brandindo um grande ferro, que não era uma espada, mas era muito afiado, atacou o prisioneiro e, com um golpe, cortou sua cabeça. Todos os viajantes do trem ficaram nas portas e janelas dos vagões, atentos e mudos de horror. O próprio Colle olhava e ficava em silêncio. A vítima emitiu um grito agonizante ao ser golpeada. Os canibais saltaram sobre o cadáver que jazia em um lago de sangue, rasgaram-no em pedaços, colocaram a carne ainda quente e latejante sobre fogueiras especialmente acesas e, depois de assá-la por algum tempo, devoraram-na quase crua. Ao grito daquele infeliz, a máquina foi posta em movimento e gradualmente retomou sua velocidade vertiginosa.
            Durante longas horas, o trem passou pelas margens de um rio muito largo. Ora o trem corria na margem direita, ora na margem esquerda. Da janela, não percebi em quais pontes fazíamos essas mudanças frequentes de rotas. Enquanto isso, naquelas margens, numerosas tribos de selvagens apareciam de tempos em tempos. Toda vez que víamos essas multidões, o jovem Colle repetia:
            – Eis a messe dos salesianos! Eis a messe dos salesianos!
            Entramos então em uma região cheia de animais ferozes e répteis venenosos de formas estranhas e horríveis. Estavam espalhados nas faldas das montanhas, nas entrâncias das colinas; as bases das montanhas e colinas onde se apoiam, nas margens dos lagos, nas margens dos rios, nas planícies, nos declives, nas encostas. Alguns se pareciam com cães que tinham asas e eram extraordinariamente barrigudos [gula, luxúria, orgulho]. Os outros eram sapos muito grandes que comiam rãs. Podiam-se ver alguns esconderijos cheios de animais, com formas diferentes dos nossos. Essas três espécies de animais estavam cruzadas entre si e grunhiam sordidamente como se quisessem morder umas às outras. Também se viam tigres, hienas, leões, mas de uma forma diferente das espécies da Ásia e da África. Meu companheiro até falou comigo aqui e, mencionando essas feras, exclamou:
            – Os salesianos vão amansá-las.
            Enquanto isso, o trem se aproximava do local da primeira partida e não estávamos muito longe dele. O jovem Colle, então, pegou um mapa topográfico de estupenda beleza e me disse:
            – O senhor gostaria de ver a viagem que fez? As regiões que percorremos?
            – Com prazer, respondi.
            Ele então desdobrou o mapa, no qual toda a América do Sul estava desenhada com uma precisão maravilhosa. Além disso, retratava tudo o que era, tudo o que é, tudo o que será nessas regiões, mas sem confusão; pelo contrário, com tanta clareza que era possível ver tudo em um piscar de olhos. Compreendi tudo imediatamente, mas devido à multiplicidade daquelas circunstâncias, essa clareza durou apenas uma hora e agora uma confusão completa se formou em minha mente.
            Enquanto eu olhava para aquele papel esperando que o jovem acrescentasse alguma explicação, todo agitado pela surpresa do que tinha diante dos olhos, pareceu-me que Quirino (santo coadjutor, matemático, poliglota e sineiro) estava tocando a Ave Maria do alvorecer; mas, ao acordar, percebi que era o toque dos sinos da paróquia de São Benigno. O sonho havia durado a noite toda.

            Dom Bosco terminou sua história com estas palavras:
            – Com a doçura de São Francisco de Sales, os salesianos atrairão o povo da América para Jesus Cristo. Será muito difícil converter os selvagens; mas seus filhos obedecerão facilmente às palavras dos missionários e com eles serão fundadas colônias, a civilização tomará o lugar da barbárie e muitos selvagens passarão a fazer parte do rebanho de Jesus Cristo.
(MB XVI, 385-394)




Lembrar-se da pregação

Certo domingo, por volta do meio-dia, uma jovem senhora estava lavando salada na cozinha, quando foi abordada pelo marido que, provocando-a, perguntou:
“Poderia me dizer o que o pastor disse no sermão desta manhã?”.
“Não me lembro mais”, confessou a senhora.
“Então por que vai à igreja para ouvir sermões, se não se lembra deles?”
“Olha, querido: a água lava minha salada e, no entanto, ela não fica na cesta; contudo, minha salada está completamente lavada”.

Não é importante fazer anotações. O importante é que se deixe “lavar” pela Palavra de Deus.




A tradição segura do Beato Miguel Rua (1/2)

“Sejam bons, confiem em Deus e o paraíso será seu” (Beato Miguel RUA)

            O Beato Miguel Rua (1837-1910), primeiro sucessor de Dom Bosco, como demonstraram os estudos, as pesquisas e as conferências realizadas por ocasião do centenário de sua morte, vai além do tradicional clichê de ser uma “cópia de Dom Bosco”, às vezes com traços menos atraentes ou até mesmo em oposição ao fundador, para liberar uma figura mais completa, harmoniosa e simpática.
            O Padre Rua é a consagração e a exaltação das origens salesianas. Foi testemunhado nos processos: “O padre Rua não deve ser colocado nas fileiras dos seguidores comuns de Dom Bosco, mesmo os mais fervorosos, porque ele precede a todos eles como um exemplo perfeito, e por isso todos aqueles que querem conhecer bem Dom Bosco devem também estudá-lo, porque o servo de Deus fez um estudo sobre Dom Bosco que ninguém mais poderá fazer”. A vocação e o ideal do P. Rua foram a vida, as intenções, as obras, as virtudes, a santidade do pai e o guia de sua existência juvenil, sacerdotal e religiosa. O P. Rua permanece sempre de vital relevância para o mundo salesiano.

            Quando se tratou de encontrar o diretor da primeira casa fora de Turim, em Mirabello Monferrato, em 1863, Dom Bosco escolheu o P. Rua “admirando nele, além da conduta exemplar, o trabalho incansável, a grande experiência e o espírito de sacrifício, que se diria indizível, e também as boas maneiras, tanto que era amado por todos”. Mais diretamente, o P. Cerruti, depois de afirmar que havia encontrado no jovem diretor o retrato e a imagem do Pai (Dom Bosco), testemunha: “Lembro-me sempre daquela sua incansável laboriosidade, daquela prudência tão fina e delicada de governo, daquele zelo pelo bem não só religioso e moral, mas intelectual e físico dos irmãos e jovens a ele confiados”. Esses aspectos resumem e encarnam o lema salesiano “trabalho e temperança”. Um verdadeiro discípulo de Dom Bosco verbo et opere [pela palavra e pelas obras] numa admirável síntese de oração e trabalho. Um discípulo que seguiu o seu mestre desde a mais tenra infância, fazendo tudo meio a meio, assimilando de forma vital o espírito de suas origens carismáticas; um filho que se sentiu gerado por um amor único, como tantos dos primeiros meninos do Oratório de Valdocco, que decidiram “ficar com Dom Bosco” e entre os quais se destacaram de forma paradigmática os três primeiros sucessores do pai e mestre dos jovens: P. Miguel Rua, P. Paulo Álbera, P. Filipe Rinaldi.

1. Alguns dos traços da vida virtuosa do padre Rua, expressão de continuidade e fidelidade
            Trata-se da tradição de quem recebe um dom e, por sua vez, o transmite, procurando não dispersar o dinamismo e a vitalidade apostólica, espiritual e afetiva que deve permear as instituições e as obras. Dom Bosco já havia intuído isso: “Se Deus me dissesse: Prepare-se para morrer e escolha um sucessor, porque não quero que a Obra que você começou fracasse, e peça para esse sucessor todas as graças, virtudes, dons e carismas que julgar necessários, para que ele possa desempenhar bem o seu ofício, que eu lhe darei tudo, asseguro-lhe que não saberia o que pedir ao Senhor para esse fim, porque vejo que o P. Rua já possui tudo”. Esse foi o fruto de uma assídua frequência, de uma valorização de cada conselho, de um estudo contínuo, observando e anotando cada ato, cada palavra, cada ideal de Dom Bosco.

1.1. Conduta exemplar
            O testemunho do salesiano coadjutor José Balestra, assistente pessoal do padre Rua, é significativo. Balestra era muito atento aos aspectos da vida cotidiana e neles pôde captar os traços de uma santidade plena que marcaria também o seu caminho religioso. Ainda hoje, nos aposentos de Dom Bosco, pode-se ver o sofá que foi a cama do Beato Miguel Rua durante 20 anos. Tendo sucedido a Dom Bosco e ocupado seu lugar nesse quarto, o P. Rua nunca quis ter sua própria cama. À noite, o Coadjutor Balestra estendia dois lençóis no sofá, no qual o Padre Rua costumava dormir. De manhã, os lençóis eram dobrados e o sofá retomava sua forma habitual. “Tenho a convicção de que o servo de Deus era um santo, porque nos 11 anos em que tive a sorte de viver bem perto dele e de observá-lo continuamente, encontrei sempre e em todas as coisas a maior perfeição; daí a minha convicção de que ele era fidelíssimo no cumprimento de todos os seus deveres e, portanto, na mais exata observância de todos os Mandamentos de Deus, da Igreja e das obrigações do seu próprio estado”.

1.2. Trabalho infatigável, operosidade incansável e atividade extraordinária
            Parece incrível que um homem com um corpo tão frágil, com uma saúde bastante débil, pudesse ter sido capaz de empreender uma atividade tão intensa e incansável, tão vasta, interessando-se pelos mais diversos setores do apostolado salesiano, promovendo e realizando iniciativas que, se pareciam extraordinárias e ousadas na época, são também hoje uma indicação e um estímulo muito válidos. Essa incansável laboriosidade, traço típico da espiritualidade salesiana, foi reconhecida no P. Rua por Dom Bosco desde a sua juventude, como atesta o P. Lemoyne: “É verdade que no oratório se trabalha muito, mas não é o trabalho a causa da morte. Só há um aqui no Oratório que, sem a ajuda de Deus, deveria morrer de cansaço, e esse é o padre Rua, que sempre continua a trabalhar mais do que os outros”.
            Essa dedicação ao trabalho era uma expressão do espírito e da prática da pobreza que distinguia singularmente a vida e as ações do Padre Rua: “Ele amava imensamente a pobreza, que era uma companheira muito bem-vinda para ele desde a infância e ele possuía o espírito dela perfeitamente… Ele a praticava com alegria”. A prática da pobreza, expressa de várias formas, enfatizava o valor do exemplo de vida e de levar em conta a Providência divina. Ele admoestava: “Persuadam-se de que minhas exortações tendem a um fim muito mais elevado: trata-se de assegurar que o verdadeiro espírito de pobreza, ao qual somos obrigados por voto, reine entre nós. Se não cuidarmos da economia e dermos muito ao nosso corpo no tratamento, no vestuário, nas viagens, no conforto, como poderemos ter fervor nas práticas de piedade? Como podemos nos dispor aos sacrifícios inerentes à vida salesiana? Seria impossível fazer qualquer progresso real na perfeição, impossível ser verdadeiros filhos de Dom Bosco”.

1.3. Grande experiência e prudência de governo
            A prudência define melhor do que qualquer outra qualidade o perfil virtuoso do Bem-aventurado Miguel Rua: desde a mais tenra infância, ele se propôs a seguir São João Bosco, apressando-se, sob a sua orientação, a abraçar o estado religioso; formou-se por meio de uma meditação assídua e de um diligente exame de consciência; evitou a ociosidade, trabalhou incansavelmente pelo bem e levou uma vida irrepreensível. E, desde adolescente, assim permaneceu como sacerdote, educador, superior vigário e sucessor de Dom Bosco.
            No âmbito de uma Congregação dedicada à educação dos jovens, ele introduziu no processo de formação a prática do aprendizado, um período de três anos durante o qual os jovens salesianos eram enviados às casas para realizar diferentes tarefas, mas principalmente como assistentes ou professores, com o objetivo principal de conviver com os jovens, estudar sua mentalidade, crescer com eles, e isso sob a orientação e a supervisão do catequista e do diretor. Ofereceu também indicações precisas e diretrizes claras nos mais variados campos da missão salesiana, com espírito de vigilância evangélica.
            Esse exercício de prudência foi caracterizado por uma docilidade ao Espírito e por uma acentuada capacidade de discernimento em relação às pessoas chamadas a ocupar cargos de responsabilidade, especialmente no campo da formação e do governo das casas e das inspetorias, em relação às obras e às diversas situações; como quando, por exemplo, escolheu o P. Paulo Álbera como Visitador das casas da América ou o P. Filipe Rinaldi como Prefeito Geral. “Ele inculcou em todos os irmãos, especialmente nos diretores e inspetores, a exata observância das Regras, o cumprimento exemplar das práticas piedosas e sempre o exercício da caridade; e ele mesmo precedeu a todos com o exemplo, dizendo: «Um meio de ganhar a confiança dos funcionários é nunca negligenciar os próprios deveres»”.
            A prática da prudência, especialmente no exercício do governo, produziu como fruto a confiança filial dos irmãos nele, que o consideravam um exímio conselheiro e diretor do espírito, não apenas para as coisas da alma, mas também para as coisas materiais: “A prudência do servo de Deus brilhou de maneira extraordinária ao preservar zelosamente o segredo confidencial, que ele sepultava em sua alma. Ele observava com a maior cautela o sigilo da correspondência pessoal: essa era uma confissão geral, e por isso os irmãos se aproximavam dele com grande confiança, porque ele respondia a todos da maneira mais delicada”.

1.4. “Sacerdote do Papa”
            Essa expressão do Papa João XXIII diante da urna de Dom Bosco, em 1959, exprime muito bem como o P. Rua, no rastro de Dom Bosco, em sua caminhada cotidiana, via e encontrava no papa a luz e o guia para a sua ação. “A Providência reservou ao P. Rua provas ainda mais duras e, eu diria, heroicas dessa fidelidade e docilidade do que a Dom Bosco. Durante o seu reitorado, chegaram vários decretos da Santa Sé que pareciam romper tradições consideradas importantes e características do nosso espírito na Congregação. O P. Rua, embora sentindo profundamente o golpe das medidas repentinas e afligido por elas, imediatamente se fez paladino da obediência às disposições da Santa Sé, convidando os salesianos, como verdadeiros filhos da Igreja e de Dom Bosco, a aceitá-las com serenidade e confiança”.
            Esse é um dos elementos de amadurecimento do carisma salesiano na obediência à Igreja e na fidelidade ao fundador. Certamente foi uma prova muito exigente, mas que forjou tanto a santidade do Padre Rua quanto o sentire cum ecclesia e aquela fidelidade ao Papa de toda a Congregação e da Família Salesiana, que em Dom Bosco eram notas características e indispensáveis. Obediência feita de fé, de amor, traduzida em um serviço humilde, mas cordial, em um espírito de docilidade filial e de fidelidade aos ensinamentos e às diretrizes do Santo Padre.
            É interessante notar como, também no processo de beatificação, o P. Rua foi ao encontro de Dom Bosco, mas não de acordo com um estereótipo repetitivo, e sim com originalidade, destacando precisamente aqueles aspectos que, no processo de Dom Bosco, suscitaram as mais controversas animadversiones [advertências]: “Alguma surpresa e perplexidade podem surgir da conclusão mais óbvia a que se chega comparando as duas Positiones, ou seja, o fato de que as mesmas virtudes mais frequentemente invocadas para delinear a santidade do P. Rua são aquelas constantemente desafiadas para contestar a santidade de Dom Bosco. É verdade, de fato, que são precisamente a prudência, a temperança e a pobreza os “cavalos de batalha” das animadversiones reunidas na Positio do Fundador”.

(continua)




João Lee Tae Seok (1962-2010), um salesiano de quem ainda se falará

João Lee Tae Seok, também conhecido como “P. Jolly”, foi um salesiano coreano que dedicou sua vida a cuidar dos mais pobres e sofredores, especialmente no Sudão do Sul.Embora sua vida infelizmente tenha sido curta, ele deixou uma marca indelével no coração das pessoas que conheceu por meio de seu compromisso como médico, educador e homem de fé.Seu legado continua a inspirar milhares de pessoas em todo o mundo.

Infância e raízes da vocação
João Lee Tae Seok (João Lee) nasceu em 19 de setembro de 1962 em Busan, uma cidade do sul da Coreia do Sul. Ele era o nono de dez filhos, quatro meninos e seis meninas, em uma família profundamente católica (um irmão, Tae-Young Lee, tornou-se frade franciscano e uma irmã, Cristina, consagrou-se no Movimento dos Focolares).
Mesmo quando jovem, ele mostrou sinais de liderança extraordinária e uma inclinação para o serviço aos outros. Assistia à missa diariamente e tinha talento para a música. Aos dez anos de idade, perdeu o pai, e a mãe tornou-se seu ponto de referência, apoiando-o em sua jornada de fé e nos estudos.
Apesar de seu desejo de se tornar padre aos quinze anos, sua mãe o convenceu a continuar estudando medicina.
Em 1987, depois de se formar com louvor na Faculdade de Medicina da Universidade de Inje, João começou a trabalhar como médico militar durante seu serviço militar obrigatório. Foi durante esse período que ele conheceu os salesianos por meio de um capelão militar, um encontro que mudaria sua vida para sempre. Determinado a seguir a vocação salesiana, João tentou durante meses comunicar sua decisão à mãe, sem sucesso.
Ele mesmo conta:

Foi diretamente Maria Auxiliadora quem tomou as rédeas da situação.Eu havia decidido embarcar na vida salesiana com grande alegria, mas estava ansioso para comunicar minha decisão à minha mãe.Como meu pai havia falecido quando eu tinha dez anos de idade, minha mãe teve de se esforçar muito para que eu estudasse medicina.E graças a seus muitos sacrifícios, consegui me tornar médico.Eu deveria ter começado a ajudar minha mãe para recompensá-la pelos sacrifícios que ela havia feito, sem nuncaexigir nada de mim.Foi por isso que me foi tão difícil contar a ela minha decisão.Era-me quase impossível contar a ela.
Eu havia tentado tantas vezes, mas nunca tinha conseguido porque, olhando para ela, não tinha coragem.Até tentei contar para uma de minhas irmãs, com quem eu conversava sobre tudo sem problemas e a quem eu confiava tudo.Mas eu simplesmente não conseguia.Assim, meses se passaram sem que eu pudesse dizer nada.
Mas chegou um belo dia.Fui até minha irmã para tentar novamente, mas fiquei sem palavras: minha irmã já sabia tudo sobre minha decisão.Um sonho na noite anterior lhe havia explicado tudo.Gostaria de lhe contar o conteúdo do sonho, mas não posso fazê-lo sem a permissão do bispo.De qualquer forma, minha irmã contou à minha mãe sobre seu sonho e todas as minhas dificuldades desapareceram num instante.
Eu não havia pensado na ajuda direta de Maria Auxiliadora até que ouvi, pela primeira vez, do mestre de noviços que todas as vocações salesianas estão ligadas a Maria Auxiliadora.
Eu não havia pedido ajuda a Maria.Maria havia percebido minha dificuldade e me ajudou de maneira silenciosa e discreta.Essa foi a primeira experiência com Maria que pude ter.Para mim, essa experiência foi inestimável porque me permitiu entender a realidade de “Maria Auxiliadora” e aprender a atitude que devemos ter ao ajudar os outros: ou seja, estar atento às necessidades dos outros e estar pronto para dar-lhes a ajuda de que precisam.A partir de então, pude falar com os meninos com certeza sobre a presença de Maria Auxiliadora”.

A vocação salesiana e o serviço aos pobres
Começou seu noviciado em 24 de janeiro de 1993 e fez sua primeira profissão em 30 de janeiro de 1994.
Depois de concluir seu curso de filosofia de dois anos na Universidade Católica de Gwangju, fez seu estágio na Casa Salesiana em Dae Rim Dong, Seul. Lá ele cuidou de cerca de 80 meninos em situação de risco, com muita criatividade na sala de aula e no pátio. Ele lecionava a essa classe de meninos difíceis, que aprenderam – aos 18 anos de idade – a escrever o alfabeto coreano. Com seus talentos musicais, ele fazia com que esses meninos cantassem todos os domingos à noite um Tantum Ergo em latim, ao som de um ritmo pop composto por ele.

Continua seus estudos teológicos
Enviado a Roma para estudar na Pontifícia Universidade Salesiana em 1997, ele conheceu um missionário, o irmão Comino, que havia servido por 20 anos na Coreia do Sul e depois foi enviado ao Sudão em 1991, época em que ele estava de férias. Ao contar sua experiência missionária, ele fortaleceu o desejo de João Lee de se tornar um missionário.
Assistir ao filme “Molokai”, um filme biográfico sobre o Padre Damião, um missionário belga que trabalhava no leprosário de Kalaupapa, na ilha havaiana de Molokai, motivou-o ainda mais a se comprometer a viver como o Padre Damião.
Durante as férias de 1999, ele fez uma experiência missionária no Quênia e conheceu o padre Jaime Pulickal, salesiano de origem indiana que trabalhava em Tonj, no Sudão do Sul. Ele visitou Tonj quando a guerra ainda estava ocorrendo, ficou profundamente impressionado e decidiu dedicar sua vida às crianças pobres de Tonj. Esse pequeno vilarejo no Sudão do Sul, destruído pela guerra civil, onde ele encontrou leprosos e pobres, mudou sua vida para sempre.
Depois de ser ordenado sacerdote em 2001, João Lee retornou a Tonj, determinado a servir a população local como médico, sacerdote e salesiano, e a tratar os doentes como se fossem Jesus. Ele se uniu à comunidade salesiana de Tonj, formada por irmãos de diferentes nacionalidades, com o objetivo de reconstruir – depois da guerra – a comunidade cristã, o oratório, as escolas e as estações missionárias nos vilarejos vizinhos.

A missão no Sudão do Sul: Tonj, um pequeno milagre
As condições após a guerra eram muito ruins. Isso levou o P. João Lee Tae Seok a trabalhar para melhorar a vida dos moradores. Em primeiro lugar, ele abriu uma pequena clínica, que rapidamente se tornou o único centro médico disponível em uma grande área. Ele tratava todos os tipos de doenças, muitas vezes com recursos limitados, mas com imensa dedicação. Além de fornecer atendimento médico imediato, ele assumiu um compromisso de longo prazo de educar a população local sobre prevenção de doenças e higiene, tópicos que os habitantes locais desconheciam em grande parte devido à falta de instrução.
Além de seu trabalho como médico, Lee Tae Seok foi um educador incansável. Ele fundou uma escola para as crianças do vilarejo, onde ensinou não apenas matérias escolares, mas também valores de coexistência pacífica e respeito mútuo, que são essenciais em um contexto pós-conflito como o do Sudão do Sul. Graças à sua paixão pela música, ele também ensinou as crianças a tocar instrumentos musicais, criando uma banda que se tornou famosa na região. A banda não apenas ofereceu aos jovens uma maneira de se expressar, mas também ajudou a criar um senso de comunidade e esperança para o futuro.

Um médico com coração de padre
O trabalho de João Lee Tae Seok não se limitou à medicina e à educação. Como padre, seu principal objetivo era levar esperança espiritual a uma população que havia passado por anos de sofrimento. Ele celebrava missas regularmente, administrava os sacramentos e oferecia conforto espiritual àqueles que haviam perdido tudo devido à guerra. Sua profunda fé era evidente em todos os aspectos de seu trabalho, e sua presença trazia uma sensação de paz e esperança mesmo nos momentos mais difíceis.
Um dos aspectos mais admiráveis de sua missão era sua capacidade de ver a dignidade em cada pessoa, independentemente de sua condição social ou estado de saúde. Ele tratava os doentes com imenso respeito e dedicava seu tempo a qualquer pessoa que precisasse de ajuda, mesmo quando estava exausto pelas longas horas na clínica ou pela falta de recursos. Essa profunda compaixão não passou despercebida: as pessoas do vilarejo o consideravam não apenas um médico e um padre, mas um verdadeiro amigo e irmão.

A luta contra a doença e seu legado
Apesar de seu trabalho incansável e do amor que dedicava aos outros, o próprio João Lee Tae Seok foi acometido por uma doença grave. Durante sua estada no Sudão do Sul, ele começou a apresentar sinais de uma doença avançada, que mais tarde se revelou ser câncer de cólon. Quando a doença foi diagnosticada, já estava em um estágio avançado, mas Lee Tae Seok continuou seu trabalho o máximo possível, recusando-se a abandonar as pessoas que dependiam dele.
Em 14 de janeiro de 2010, com apenas 47 anos, João Lee Tae Seok morreu em Seul, Coreia do Sul, após uma batalha de treze meses contra o câncer. A notícia de sua morte deixou um profundo vazio na comunidade Tonj e entre todos aqueles que o conheceram. Seu funeral foi um evento comovente, com milhares de pessoas presentes para homenagear um homem que dedicou sua vida a serviço dos outros.
Apesar de sua morte prematura, o legado de João Lee Tae Seok continua vivo. Suas últimas palavras foram um convite para perseguir seus sonhos para Tonj: “Não poderei realizar meus sonhos para Tonj, mas, por favor, continuem”. A clínica que ele fundou em Tonj continua suas atividades, e muitas das pessoas que ele formou, tanto na área médica quanto na educacional, continuam seu trabalho. A banda que ele criou continua tocando e trazendo alegria para a vida das pessoas.

Depoimentos
O P. Václav KLEMENT, salesiano, que foi seu superior (missionário na Coreia do Sul de 1986 a 2002), nos conta:
«Durante os últimos 22 anos, desde que a obediência me levou a tantos países do Leste Asiático e Oceania e de todo o mundo salesiano, vi tantos pequenos “milagres” que o P. João Lee realizou por meio do filme (“Não chore por mim, Sudão” e outros), de seus escritos (“Os raios de sol na África ainda são tristes” e “Você será meu amigo?”) ou das várias publicações que contam a história de sua vida.
Um jovem estudante do ensino médio no Japão deu o passo em direção ao catecumenato depois de ver o filme “Don’t Cry for Me, Sudan”, um catecúmeno tailandês – a caminho do batismo – foi “confirmado” em sua fé graças ao testemunho da vida alegremente sacrificada do P. João Lee. Um jovem salesiano vietnamita, que desfrutava de toda a felicidade em sua “zona de conforto”, foi despertado e motivado para a vida missionária pelo próprio filme “Não chore por mim, Sudão”. Sim, há muitos cristãos e não cristãos que foram despertados, confirmados na fé ou inspirados para uma jornada vocacional graças ao P. João Lee.
Os salesianos da Inspetoria da Coreia iniciaram uma nova presença salesiana em Busan, a cidade natal do P. João Lee. Em 2020, abriram uma nova comunidade com sede no “Fr. John Lee Memorial Hall” [Memorial P. João Lee) em Busan, bem no bairro onde João nasceu em 1962. O prédio de quatro andares construído pelo governo local de Busan – Seogu foi confiado aos Salesianos de Dom Bosco. Assim, a história do P. João Lee é contada por seus irmãos salesianos imersos na vida do bairro, que acolhem muitos jovens e fiéis para aproximá-los do testemunho radiante da vida missionária».

Impacto internacional e legado espiritual
A espiritualidade do P. João Lee estava profundamente ligada a Maria Auxiliadora. Ele interpretou muitos eventos em sua vida como sinais da presença maternal de Maria. Essa devoção também influenciou sua abordagem ao serviço: ajudar os outros de forma discreta e silenciosa, estar atento às necessidades dos outros e pronto para oferecer apoio.
O P. João Lee Tae Seok encarnou plenamente o espírito salesiano, dedicando sua vida aos jovens e aos pobres, seguindo o exemplo de Dom Bosco. Sua capacidade de combinar medicina, educação e espiritualidade fez dele uma figura única, capaz de deixar uma marca duradoura em uma terra marcada pelo sofrimento.
Seu trabalho continua na “Fundação João Lee”, que prossegue no apoio às obras salesianas no Sudão.
Sua memória foi imortalizada em inúmeros prêmios e documentários internacionais.

Em 2011, após sua morte, o Ministério de Administração Pública e Segurança da Coreia do Sul – por recomendação do público – concedeu-lhe um prêmio, juntamente com outras pessoas que contribuíram para a sociedade por meio de trabalho voluntário, doações e boas ações contra todas as probabilidades. O prêmio é o mais alto, o da Ordem Mugunghwa.
Em 9 de setembro de 2010, a emissora de televisão coreana KBS fez um filme sobre seu trabalho em Tonj, intitulado “Don’t Cry For Me, Sudan”. O documentário tocou o coração de centenas de milhares de pessoas e ajudou a aumentar a conscientização sobre o P. João Lee e sua missão em todo o mundo.
Em 2018, o Ministro da Educação do Sudão do Sul, Deng Deng Hoc Yai, introduziu o estudo da vida do P. João Lee em livros didáticos de estudos sociais para escolas primárias e em duas páginas do livro didático de cidadania para escolas de ensino médio. Essa é a primeira vez que os livros didáticos no Sudão do Sul incluem a história de um estrangeiro por seu serviço voluntário no país.
O sucesso do documentário “Don’t Cry for Me, Sudan” levou os produtores a continuar. Em 9 de setembro de 2020, o diretor Soo-Hwan Goo lançou um novo documentário intitulado “Resurrection” (Ressurreição), que acompanha a história dos alunos de Lee uma década após sua morte e apresenta cerca de setenta deles, tanto na República do Sudão do Sul quanto na Etiópia.

João Lee Tae Seok foi um exemplo vivo de amor e solidariedade cristãos. Sua vida nos ensina que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, com fé e dedicação, podemos fazer a diferença no mundo. Os sonhos de João para Tonj continuam a viver graças àqueles que, inspirados por sua figura, trabalham para construir um futuro melhor para os mais pobres e necessitados.

Um salesiano de quem ainda se falará.




Qual é a ação comum do diabo e como combatê-la

A tentação do diabo não produz suas consequências devastadoras se nossa vontade humana, com a ajuda de Deus, se esforçar para resistir a ela.Nós, de fato, somos livres para aceitar ou rejeitar as sugestões do diabo.E Deus, por sua vez, entre as várias ajudas, nos dá a possibilidade de saber distinguir entre o que Ele nos sugere e o que o demônio nos sugere.

A catequese do Papa Francisco nos oferece a oportunidade de refletir sobre a ação comum do demônio. Ela corresponde à tentação e envolve todos, sem excluir ninguém. A ação extraordinária, como o asédio ou a possessão, certamente impressiona com suas manifestações, mas é a ordinária que é a ação diabólica mais perigosa, porque quer nos levar à perspectiva definitiva e absoluta do sofrimento eterno. O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, no n. 74, é claro: “Toda a obra dos demônios entre os homens é tentar associá-los à sua rebelião contra Deus”.

Para esse fim, Satanás e os demônios estudam em profundidade as fraquezas de cada um de nós, agindo por meio da tentação em nossa esfera psíquica com a intenção de alterar o julgamento de nosso intelecto e obter o consentimento de nossa vontade.Para nos tentar, eles usam dois aliados poderosos: a “carne” e o “mundo”.

A carne é nossa natureza humana que foi ferida pelo pecado original e permanece vulnerável mesmo após o batismo, porque é inclinada ao mal pelo que a linguagem tradicional chama de concupiscência. O mundo não é simplesmente o ambiente em que vivemos ou a raça humana em geral, mas, como escreve o evangelista João, aqueles que, com graus variados de consciência, vivem separados de Deus, formando o grupo daqueles que, de fato, servem ao “príncipe deste mundo”, ou seja, Satanás, espalhando o pecado na sociedade.
Como o Papa nos lembrou, o mundo, incluindo os meios tecnológicos criados e gerenciados pelo homem, continuamente nos apresenta oportunidades para o pecado, instigando-nos a fazer o oposto do que Jesus nos ensinou.

É assim que o demônio, por meio do mundo, nos propõe como adoráveis e imitáveis escândalos e maus exemplos, espetáculos corruptos, prazeres e diversões refinados e imorais.

E, ao mesmo tempo, semeia a discórdia, provoca guerras, cria divisões, confunde as mentes até mesmo por meio de ideologias revestidas de falso humanitarismo. Hoje, ele usa os poderosos meios de comunicação social, a mídia e as redes sociais, para orientar e condicionar o pensamento da humanidade contra Deus, separando-a de Seu Amor.
Uma tentação com a qual Satanás sempre minou os seres humanos, e que o Papa Francisco apontou em sua catequese, é a do esoterismo, do ocultismo, da bruxaria e do satanismo. Satanás se esforça para fazer as pessoas acreditarem que, por meio dessas práticas, é possível obter elevação espiritual, poderes extraordinários, autorrealização e a satisfação de seus desejos e felicidade. Na realidade, é exatamente o oposto.
Ao aderir à mentalidade mágica e às práticas ocultas, o homem trilha o caminho indicado por Satanás, à medida que cresce cada vez mais em seu desejo de querer se tornar como Deus, aceitando o antigo desafio dos anjos rebeldes e enganosamente se colocando no lugar de Deus. Sua queda nesse ponto é inevitável.
Para concluir, nunca devemos nos esquecer de que a tentação diabólica não produz suas consequências devastadoras se nossa vontade humana, com a ajuda de Deus, se esforçar para resistir a ela.

Nós, de fato, somos livres para aceitar ou rejeitar as sugestões do diabo.

E Deus, por sua vez, entre as várias ajudas, nos dá a capacidade de saber distinguir entre o que Ele nos sugere e o que o demônio nos sugere.
São Paulo, em sua carta aos Efésios, nos ensina como repelir o demônio: “Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio” (Ef 6,11) e depois acrescenta: “buscai a força no Senhor” (Ef 6,10).
Devemos ser vigilantes na oração, assíduos nos Sacramentos da Penitência e da Eucaristia, frequentemente passando tempo com Jesus na adoração eucarística. Em particular, devemos cultivar uma verdadeira devoção mariana, rezando com amor o Rosário e, unidos a Nossa Senhora, cumprir bem nossos deveres diários num espírito de fé e amor para com todos.
Se, então, por falta de vigilância ou de outra forma, a tentação às vezes prevalecer e cairmos em pecado, não devemos perder a esperança. O Senhor está sempre pronto a perdoar seus filhos que, sinceramente arrependidos, batem à porta de sua misericórdia. Para esse fim, ele instituiu o sacramento da confissão, que, lembremos, não serve apenas para perdoar pecados, mas também é um meio de provocar a conversão contínua de que precisamos.

Padre Francisco Bamonte, Servo do Imaculado Coração de Maria (I.C.S.M.), exorcista e vice-presidente da Associação Internacional de Exorcistas (ex-presidente por dois mandatos consecutivos de 2012 a 2023), autor de vários livros.
Fonte: agensir.it, com permissão do autor




As novas salas da Postulação Geral Salesiana

No dia 4 de junho de 2024, foram inauguradas e abençoadas pelo então Reitor-Mor, Cardeal Ángel Fernández Artime, as novas salas da Postulação Geral Salesiana, localizadas na comunidade “Zeferino Namuncurá”, na Via della Bufalotta, em Roma.No plano de reestruturação da sede, o Reitor-Mor, com o seu Conselho, decidiu colocar as salas relativas à Postulação Geral Salesiana nessa nova presença salesiana em Roma.

            Desde Dom Bosco até hoje, reconhecemos uma tradição de santidade que merece atenção, porque é a encarnação do carisma que teve origem com ele e que se expressou em uma pluralidade de estados de vida e de formas. Trata-se de homens e mulheres, jovens e adultos, consagrados e leigos, bispos e missionários que, em diferentes contextos históricos, culturais e sociais, no tempo e no espaço, fizeram brilhar o carisma salesiano com uma luz singular, representando um patrimônio que desempenha um papel eficaz na vida e na comunidade dos crentes e das pessoas de boa vontade. A Postulação acompanha 64 Causas de Beatificação e Canonização referentes a 179 Santos, Beatos, Veneráveis, Servos de Deus. Vale a pena notar que cerca da metade dos grupos da Família Salesiana (15 de 32) tem pelo menos uma Causa de Beatificação e Canonização em andamento.

            O projeto da obra foi elaborado e supervisionado pelo arquiteto Toti Cameroni. Identificado o espaço para a localização das salas de Postulação, originalmente composto por um longo e amplo corredor e um grande salão, foi estudada a distribuição das salas, com base nas exigências requeridas. Assim, a solução final foi projetada e realizada:

A biblioteca com estantes de altura total divididas em quadrados de 40×40 cm que cobrem completamente as paredes. O objetivo é coletar e armazenar as várias publicações sobre figuras santas, sabendo que as vidas e os escritos dos santos, desde a antiguidade, constituem leitura frequente entre os fiéis, despertando a conversão e o desejo de uma vida melhor: eles refletem o esplendor da bondade, da verdade e da caridade de Cristo. Além disso, esse espaço também é adequado para pesquisas pessoais, hospedagem de grupos e reuniões.

            A partir daqui, passamos para a área de recepção, que pretende ser um espaço de espiritualidade e meditação, como nas visitas aos mosteiros do Monte Atos, onde o hóspede era apresentado primeiramente à capela das relíquias dos santos: era lá que se localizava o coração do mosteiro e de lá vinha o incitamento à santidade para os monges. Nesse espaço, há uma série de pequenas vitrines que iluminam relicários ou objetos de valor relacionados à santidade salesiana. A parede do lado direito é revestida de peças de madeira com painéis substituíveis que representam alguns dos santos, beatos, veneráveis e servos de Deus da Família Salesiana.
            Uma porta leva ao maior cômodo da postulação: o arquivo. Um compactador de 640 metros lineares permite o arquivamento de um grande número de documentos relacionados aos vários processos de beatificação e canonização. Uma longa cômoda está localizada sob as janelas: há imagens litúrgicas e paramentos.

            Um pequeno corredor da área de recepção, onde telas e pinturas podem ser admiradas nas paredes, leva primeiro a dois escritórios bem iluminados com móveis e depois à sala de relíquias. Também nesse espaço, os móveis preenchem as paredes, os armários e as gavetas acomodam as relíquias e as vestimentas litúrgicas.

Uma sala de armazenamento e uma pequena sala usada como área de descanso completam as salas de postulação.
            A inauguração e a bênção dessas salas nos lembram que somos guardiões de um patrimônio precioso que merece ser conhecido e valorizado. Além do aspecto litúrgico-celebrativo, o potencial espiritual, pastoral, eclesial, educativo, cultural, histórico, social, missionário… das Causas deve ser plenamente valorizado. A santidade reconhecida ou em vias de reconhecimento, por um lado, já é uma realização da radicalidade evangélica e da fidelidade ao projeto apostólico de Dom Bosco, a ser considerada como um recurso espiritual e pastoral; por outro lado, é uma provocação a viver fielmente a própria vocação para estar disponível a testemunhar o amor até o extremo. Os nossos Santos, Beatos, Veneráveis e Servos de Deus são a encarnação autêntica do carisma salesiano e das Constituições ou Regulamentos dos nossos Institutos e Grupos nos mais diversos tempos e situações, superando o mundanismo e a superficialidade espiritual que minam a nossa credibilidade e fecundidade pela raiz.
            A experiência confirma sempre mais que a promoção e o cuidado das Causas de Beatificação e Canonização da nossa Família, a celebração coral dos eventos relacionados à santidade, são dinâmicas de graça que suscitam alegria evangélica e sentido de pertença carismática, renovando intenções e compromissos de fidelidade ao chamado recebido e gerando fecundidade apostólica e vocacional. Os santos são verdadeiros místicos do primado de Deus no dom generoso de si, profetas da fraternidade evangélica, servidores de seus irmãos e irmãs com criatividade.

            Para promover as Causas de Beatificação e Canonização da Família Salesiana e para conhecer de perto o patrimônio de santidade que floresceu a partir de Dom Bosco, a Postulação está à disposição para acolher pessoas e grupos que desejem conhecer e visitar esses ambientes, oferecendo também a possibilidade de mini-retiros com itinerários sobre temas específicos e a apresentação de documentos, relíquias, objetos significativos. Para obter informações, escreva para postulatore@sdb.org.

Galeria de fotos – As novas salas da Postulação Geral Salesiana

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As novas salas da Postulação Geral Salesiana
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