Nosso presente anual

Tradicionalmente, como Família Salesiana, recebemos todos os anos a Estreia, um presente no início do ano, e nestas poucas linhas faço questão de examinar esse presente para recebê-lo como merece, sem perder a delicadeza do presente.

Um presente porque, antes de tudo, estreia significa: eu lhe dou um presente! Eu lhe dou algo importante para celebrar um novo tempo, um novo ano. Foi assim que Dom Bosco pensou e deu a todos os jovens e adultos que estavam com ele.
Quero lhe dar este presente, a estreia, para o início de um novo ano, de um novo tempo.
Isto é bonito e importante: um novo ano, um novo tempo é um recipiente no qual todos os outros conteúdos estarão colocados. O ano que está por vir não é igual aos que você viveu até agora; o novo ano requer um novo olhar para vivê-lo plenamente; porque o novo ano não voltará! Cada vez é único porque somos diferentes do ano passado, da maneira como éramos no ano passado.
A Estreia tem a ver com a preparação para esse novo momento, começando a examinar esse novo ano, destacando certas coisas que serão uma parte importante desse ano.

O fio vermelho
A dádiva do tempo, da vida; na vida, a dádiva de Deus e todas as outras dádivas: pessoas, situações, ocasiões, relacionamentos humanos. Dentro desse modo providencial de ver o dom do tempo e da vida, a Estreia, um presente que Dom Bosco… e depois dele seus sucessores fazem todos os anos a toda a Família Salesiana… é um olhar para o novo ano, para o novo tempo, para vê-lo com novos olhos.
A Estreia é uma ajuda para ver o tempo que virá, concentrando-se em um fio vermelho que guia esse novo tempo: o fio vermelho que a Estreia nos dá é a Esperança. Isso também é importante! O novo ano certamente terá muitas coisas reservadas, mas não se perca! Comece a pensar em como isso é importante… não se disperse, recolha!
A estreia que o nosso Padre Ángel preparou para nós, como uma roupa nova, destaca os eventos que todos nós viveremos e os une com um fio vermelho, a Esperança!
Os eventos que a Estreia de 2025 destaca são eventos globais ou particulares que nos envolvem, para que os vivamos bem:

• O Jubileu ordinário do ano de 2025: um Jubileu é um evento da Igreja que, na tradição católica, o Santo Padre nos dá. Viver o Jubileu é viver essa peregrinação que a Igreja nos oferece para colocar a presença de Cristo novamente no centro de nossas vidas e da vida do mundo. O Jubileu do Papa Francisco tem um tema gerador: Spes non confundit! A esperança não decepciona! Que tema gerador maravilhoso! Se há algo de que o mundo precisa neste momento difícil, é de esperança, mas não a esperança do que acreditamos que podemos fazer por nós mesmos, sob o risco de se tornar uma ilusão. A esperança da redescoberta da presença de Deus. O Papa Francisco escreve: “A esperança enche o coração!” Não apenas aquece o coração, mas o preenche. Enche-o em uma medida transbordante!
• A esperança nos torna peregrinos, o Jubileu é peregrinação! Ele nos coloca em movimento interiormente; caso contrário, não é Jubileu. Dentro deste evento eclesial que nos faz sentir Igreja, nós, como Congregação Salesiana e como Família Salesiana, temos um aniversário importante: 2025 marcará
• o 150º aniversário da primeira expedição missionária à Argentina
Dom Bosco, em Valdocco, lança seu coração além de todas as fronteiras: envia seus filhos para o outro lado do mundo! Ele os envia, além de toda segurança humana, ele os envia quando não tem nem mesmo o que precisa para continuar o que começou.
Ele simplesmente os envia! A esperança é obedecida, porque a esperança impulsiona a fé e coloca a caridade em ação. Ele os envia, e os primeiros irmãos partiram e foram para onde nem mesmo eles sabiam! Dali nascemos todos nós, da Esperança que nos põe a caminho e nos torna peregrinos.
Esse aniversário deve ser comemorado, como todos os aniversários, porque nos ajuda a reconhecer o Dom (não é sua propriedade, foi-lhe dado como um presente), a lembrar e a dar força para o tempo que virá da energia da Missão.
A Esperança funda a Missão, porque a Esperança é uma responsabilidade que não se pode esconder ou guardar para si mesmo! Não esconda o que lhe foi dado; reconheça o doador e entregue com sua vida o que foi dado às próximas gerações! Essa é a vida da Igreja, a vida de cada um de nós.
São Pedro, que via o futuro, escreve em sua primeira carta: “Estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir” (1Pd 3,15). Devemos pensar que a resposta não são palavras, é a vida que responde!
Com a esperança que há em você, viva e se prepare para este novo ano que está por vir, uma jornada com os jovens, com os irmãos para renovar o Sonho de Dom Bosco e o Sonho de Deus.

Nosso brasão de armas
“Em meu lábaro brilha uma estrela”, cantava-se antigamente. Em nosso brasão, além da estrela, há uma grande âncora e um coração ardente.
Aqui estão algumas imagens simples para começar a mover nossos corações em direção ao tempo que virá, “Ancorados na esperança, peregrinos com os jovens”. Ancorado é um termo muito forte: a âncora é a salvação do navio na tempestade, firme, forte, enraizada na esperança!
Dentro desse tema gerador estará toda a nossa vida cotidiana: pessoas, situações, decisões… o “micro” de cada um de nós que é soldado ao “macro” do que viveremos todos juntos… entregando a Deus o dom desse tempo que nos é dado. Porque à Estreia que todos nós receberemos, você deve acrescentar a sua parte; a sua vida cotidiana que você saberá iluminar com o que escrevemos e receberemos; caso contrário, não é uma Esperança, não é a base da sua vida e não o coloca em “movimento”, tornando-o um Peregrino.
Confiamos essa jornada à Mãe do Senhor, Mãe da Igreja e nossa Auxiliadora; Peregrina da Esperança conosco.




Missionários 2024

Domingo, dia 29 de setembro, às 12h30 (UTC+2), na Basílica de Maria Auxiliadora de Valdocco, 27 Salesianos de Dom Bosco e 8 Filhas de Maria Auxiliadora receberão o crucifixo missionário, renovando a sua generosidade apostólica em favor de tantos jovens do mundo inteiro.

Como todos os anos, no último domingo de setembro, o coração missionário de Dom Bosco se renova através da disponibilidade dos Salesianos de Dom Bosco e das Filhas de Maria Auxiliadora enviados como missionários ad gentes.
Muito tempo se passou desde aquele 11 de novembro de 1875, dia em que foi dado um passo fundamental: o primeiro grupo de missionários salesianos que se dirigiu à Argentina iniciou a transformação dos Salesianos em uma congregação mundial, hoje espalhada em 138 países. Dois anos depois, as FMA também cruzaram o oceano, iniciando o trabalho de expansão além das fronteiras italianas.

Ao nos aproximarmos do 150º aniversário da primeira expedição missionária, podemos olhar mais de perto a preparação dos neomissionários salesianos, que é desenvolvida no curso “Germoglio”, organizado pela equipe do Setor Missões e coordenado pelo padre Reginaldo Cordeiro. O curso tem duração de cinco semanas, imediatamente antes da expedição missionária. Na oração, na escuta de testemunhos, na partilha de experiências, na reflexão pessoal e na alegre convivência com os demais participantes do curso, os novos missionários são ajudados a verificar, aprofundar e, às vezes, descobrir os motivos profundos de sua ida à missão.

Obviamente, o discernimento de sua vocação missionária começa muito antes. Tradicionalmente, no dia 18 de dezembro, dia da fundação da Congregação Salesiana, o Reitor-Mor lança um apelo missionário indicando as prioridades missionárias a serem abordadas. Em resposta ao apelo, muitos salesianos escrevem a sua disponibilidade, depois de ouvir a vontade de Deus, ajudados pelo seu guia espiritual e pelo diretor da sua comunidade, seguindo as orientações do Setor das Missões. Uma profunda releitura da própria vida e um cuidadoso caminho de discernimento são necessários para amadurecer a vocação missionária ad gentes, ad exteros, ad vitam. O missionário, de fato, parte para um projeto de vida, com a perspectiva de inculturação em um país diferente e de incardinação em uma nova Inspetoria, em um contexto que se tornará “casa”, apesar dos muitos desafios e dificuldades.
Por outro lado, é importante que haja um projeto missionário bem estruturado nas Inspetorias, o que permite que o missionário que chega seja acompanhado, se adapte e sirva da melhor maneira possível.

O Curso “Germoglio” começa em Roma, com um núcleo introdutório, cujo objetivo é fornecer aos missionários que estão partindo as habilidades e atitudes básicas necessárias para a conclusão bem-sucedida do curso. As motivações para a escolha missionária são abordadas, em uma jornada gradual de conscientização e purificação. Cada missionário é convidado a elaborar um projeto pessoal de vida missionária, destacando os elementos essenciais e as medidas a serem tomadas para responder adequadamente ao chamado de Deus. Em seguida, uma introdução à cultura italiana e um encontro sobre “alfabetização emocional”, fundamental para viver plenamente a experiência em um contexto diferente do próprio, e uma sessão sobre animação missionária e voluntariado missionário salesiano. Tudo isso em um contexto comunitário, onde os momentos informais são preciosos e a participação em momentos comunitários de oração é vital, num estilo de Pentecostes, onde línguas e culturas se misturam para o enriquecimento de todos. Nesses dias, uma peregrinação aos locais de fé cristã ajuda a refazer as raízes da própria fé, juntamente com a proximidade com a Igreja universal, também manifestada na participação da audiência papal. Este ano, em 28 de agosto, o papa demonstrou proximidade com os missionários, lembrando-os em uma breve conversa durante uma foto de grupo da figura de Santo Artêmides Zatti, juntamente com a beleza e a importância da vocação dos coadjutores salesianos.

A segunda parte do curso é transferida para o Colle Don Bosco, local de nascimento de Dom Bosco, onde chegamos ao coração da experiência, aprofundando a preparação do ponto de vista antropológico, teológico/missiológico e carismático salesiano. Preparar-se para o inevitável choque cultural, estar consciente da importância e do esforço de conhecer uma nova cultura e uma nova língua, e estar aberto ao diálogo intercultural, sabendo que terá de enfrentar conflitos e mal-entendidos, são elementos fundamentais para viver uma experiência verdadeira, humana e plena. Alguns fundamentos missiológicos ajudam a entender o que é a missão para a Igreja, e as noções sobre o Primeiro Anúncio e a evangelização integral completam a visão do missionário. Por fim, as características tipicamente salesianas, começando com algumas notas históricas e depois enfocando a situação atual, o discernimento e a espiritualidade salesiana.
O grupo de missionários tem então a oportunidade de visitar os lugares de Dom Bosco, em uma semana de exercícios espirituais itinerantes, nos quais podem se confrontar com o santo da juventude e confiar a ele o seu sonho missionário.

A experiência continua com uma peregrinação a Mornese, onde é apresentado o carisma missionário na versão feminina de Santa Maria Domingas Mazzarello, juntamente com as Filhas de Maria Auxiliadora. Os últimos dias são passados em Valdocco, onde se completa o itinerário nos lugares de Dom Bosco e se conclui a preparação para o “sim” ao chamado missionário. O diálogo com o Reitor-Mor e a Madre Geral encerra o programa antes do domingo, quando os crucifixos missionários são entregues aos que partem, durante a missa das 12h30.

Se olharmos para quem são os salesianos da 155ª expedição missionária, perceberemos imediatamente como a mudança de paradigma é evidente: todas as Inspetorias e todos os países podem ser destinatários e remetentes ao mesmo tempo. Os missionários não são mais apenas italianos, como era o caso no início, ou europeus, mas vêm dos cinco continentes, em particular da Ásia (11 missionários, das duas regiões da Ásia Meridional e da Ásia Oriental-Oceania) e da África (8 missionários), enquanto a região do Mediterrâneo acolherá o maior número de missionários nessa expedição. Há alguns anos, o Setor de Missões vem preparando um mapa para ajudar a visualizar graficamente a distribuição dos novos missionários pelo mundo (você pode baixá-lo em anexo). Este ano são cinco sacerdotes, dois coadjutores, um diácono e 19 estudantes salesianos. A eles se juntam alguns missionários de expedições anteriores, que não puderam participar do curso de preparação.

Abaixo está uma lista detalhada dos novos missionários:
Donatien Martial Balezou, da República Centro-Africana (ATE) para o Brasil – Belo Horizonte (BBH);
Guy Roger Mutombo, da República Democrática do Congo (ACC) para a Itália (IME);
Henri Mufele Ngandwini, da República Democrática do Congo (ACC) para a Itália (IME);
Coadjutor Alain Josaphat Mutima Balekage, da República Democrática do Congo (AFC) para o Uruguai (URU);
Clovis Muhindo Tsongo, da República Democrática do Congo (AFC) para o Brasil (BPA);
Confiance Kakule Kataliko, da República Democrática do Congo (AFC) para o Uruguai (URU);
P. Ephrem Kisenga Mwangwa, da República Democrática do Congo (AFC) para Taiwan (CIN);
Ernest Kirunda Menya, de Uganda (AGL) para a Romênia (INE);
Éric Umurundi Ndayicariye, do Burundi (AGL) para a Mongólia (KOR);
Daniel Armando Nuñez, de El Salvador (CAM) para o norte da África (CNA);
Marko Dropuljić, da Croácia (CRO) para a Mongólia (KOR);
Krešo Maria Gabričević, da Croácia (CRO) para Papua Nova Guiné – Ilhas Salomão (PGS);
Rafael Gašpar, da Croácia (CRO) para o Brasil (BBH);
P. Marijan Zovak, da Croácia (CRO) para a República Dominicana (ANT);
P. Enrico Bituin Mercado, das Filipinas (FIN) para a África do Sul (AFM);
Alan Andrew Manuel, da Índia (INB) para o norte da África (CNA);
P. Joseph Reddy Vanga, da Índia (INH) para Papua Nova Guiné – Ilhas Salomão (PGS);
P. Hubard Thyrniang, da Índia (INS) para o noroeste da África (AON);
P. Albert Tron Mawa, da Índia (INS) para o Sri Lanka (LKC);
Eruthaya Valan Arockiaraj, da Índia (INT) para o Congo (ACC);
Herimamponona Dorisse Angelot Rakotonirina, de Madagascar (MDG) para a Albânia/Kosovo/Montenegro (AKM);
Coadjutor Mouzinho Domingos Joaquim Mouzinho, de Moçambique (MOZ) para a Albânia/Kosovo/Montenegro (AKM);
Nelson Alves Cabral, do Timor Leste (TLS) para a República Democrática do Congo (AFC);
Elisio Ilidio Guterres dos Santos, do Timor Leste (TLS) para a Romênia (INE);
Francisco Armindo Viana, do Timor Leste (TLS) para o Congo (ACC);
Tuấn Anh Joseph Vũ, do Vietnã (VIE) para o Chile (CIL);
Trong Hữu Francis Ɖỗ, do Vietnã (VIE) para o Chile (CIL).
Estes são os membros da 155ª expedição missionária salesiana, enquanto as FMA viverão a 147ª expedição.
As neomissionárias Filhas de Maria Auxiliadora são:
Ir. Cecilia Gayo, do Uruguai;
Ir. Maria Goretti Tran Thi Hong Loan, do Vietnã;
Ir. Sagma Beronica, da Índia, Inspetoria de Shillong;
Ir. Serah Njeri Ndung’u, da Inspetoria da África Oriental, enviada ao Sudão do Sul;
Ir. Lai Marie Pham Thi, do Vietnã;
Ir. Maria Bosco Tran Thi Huyen, do Vietnã;
Ir. Philina Kholar, da Índia, Inspetoria de Shillong, enviada à Itália (Sicília);
Ir. Catherine Ramírez Sánchez, do Chile.
A maioria delas ainda não conhece seu destino missionário, que será comunicado após o curso de formação.

Este ano, um grupo pertencente à Comunidade da Missão Dom Bosco (CMB), um grupo da Família Salesiana liderado pelo Diácono Guido Pedroni, também receberá a cruz missionária junto com os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora.

Rezemos para que essa variada disponibilidade vocacional dê frutos em todo o mundo!

Marco Fulgaro




O Bom Pastor dá sua vida: Don Elia Comini no 80º aniversário de seu sacrifício

            Monte Sole é uma montanha nos Apeninos bolonheses que, até a Segunda Guerra Mundial, tinha vários pequenos vilarejos habitados ao longo de seus cumes: entre 29 de setembro e 5 de outubro de 1944, seus habitantes, em sua maioria crianças, mulheres e idosos, foram vítimas de um terrível massacre pelas tropas da SS (Schutzstaffel, “esquadrões de proteção”; uma organização paramilitar do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães criada na Alemanha nazista). 780 pessoas morreram, muitas delas refugiadas em igrejas. Cinco padres perderam suas vidas, incluindo o P. João Fornasini, proclamado beato e mártir em 2021 pelo Papa Francisco.
Esse é um dos massacres mais hediondos realizados pelas SS nazistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, que ocorreu em torno de Monte Sole, nos territórios de Marzabotto, Grizzana Morandi e Monzuno (Bolonha) e comumente conhecido como o “massacre de Marzabotto”. Entre as vítimas estavam vários sacerdotes e religiosos, entre os quais o salesiano P. Elias Comini, que durante toda a sua vida e até o fim se esforçou para ser um bom pastor e se dedicar sem reservas, generosamente, em um êxodo de si mesmo sem retorno. Essa é a verdadeira essência de sua caridade pastoral, que o apresenta como um modelo de pastor que cuida do rebanho, pronto para dar a vida por ele, em defesa dos fracos e dos inocentes.

“Recebe-me como uma vítima expiatória”
Elias Comini nasceu em Calvenzano di Vergato (Bolonha) em 7 de maio de 1910. Seus pais Cláudio, carpinteiro, e Ema Limoni, costureira, o prepararam para a vida e o educaram na fé. Ele foi batizado em Calvenzano. Em Salvaro di Grizzana, fez a Primeira Comunhão e recebeu a Crisma. Desde cedo, demonstrou grande interesse pelo catecismo, pelos serviços religiosos e pelo canto, em uma amizade serena e alegre com seus companheiros. O arcipreste de Salvaro, Monsenhor Fidenzio Mellini, quando era jovem soldado em Turim, frequentou o oratório de Valdocco e conheceu Dom Bosco, que lhe profetizou o sacerdócio. Monsenhor Mellini estimava muito Elias por sua fé, bondade e habilidades intelectuais únicas e o incentivou a se tornar um dos filhos de Dom Bosco. Por esse motivo, ele o encaminhou para o pequeno seminário salesiano em Finale Emilia (Modena), onde Elias cursou o ensino médio e o ginásio. Em 1925, ingressou no noviciado salesiano em Castel De’ Britti (Bolonha) e fez sua profissão religiosa em 3 de outubro de 1926. Nos anos de 1926-1928, como estudante de filosofia, frequentou o liceu salesiano de Valsalice (Turim), onde se encontrava o túmulo de Dom Bosco. Foi nesse lugar que Elias iniciou uma exigente jornada espiritual, testemunhada por um diário que ele manteve até pouco mais de dois meses antes de sua trágica morte. São páginas que revelam uma vida interior tão profunda quanto não é percebida do lado de fora. Na véspera da renovação de seus votos, ele escreveu: “Estou mais feliz do que nunca neste dia, na véspera do holocausto que espero que vos seja agradável. Recebe-me como uma vítima expiatória, mesmo que eu não mereça. Se crês, dá-me alguma recompensa: perdoa os meus pecados da vida passada; ajuda-me a me tornar santo.”
            Completou seu tirocínio prático como educador assistente em Finale Emilia, Sondrio e Chiari. Formou-se em Literatura na Universidade Pública de Milão. Em 16 de março de 1935, foi ordenado sacerdote em Brescia. Ele escreveu: “Pedi a Jesus: a morte, em vez de falhar em minha vocação sacerdotal; e amor heroico pelas almas”. De 1936 a 1941, lecionou Literatura no aspirantado “São Bernardino”, em Chiari (Brescia), dando excelentes provas de seu talento pedagógico e de sua atenção aos jovens. Nos anos de 1941-1944, a obediência religiosa o transferiu para o instituto salesiano de Treviglio (Bérgamo). Ele encarnou de modo especial a caridade pastoral de Dom Bosco e os traços da bondade salesiana, que transmitiu aos jovens com seu caráter afável, sua bondade e seu sorriso.

Tríduo de paixão
            A doçura habitual de seu comportamento e a dedicação heroica ao ministério sacerdotal brilharam claramente durante as curtas estadias anuais de verão com a mãe, que ficava sozinha em Salvaro, e na paróquia que adotou, onde o Senhor mais tarde pediria ao padre Elias a doação total de sua existência. Algum tempo antes, ele havia escrito em seu diário: “O pensamento de que devo morrer sempre persiste em mim. Quem sabe! Façamos como o servo fiel, sempre preparado para o chamado, para prestar contas da sua gestão”. Estamos no período de junho a setembro de 1944, quando a terrível situação criada na área entre Monte Salvaro e Monte Sole, com o avanço da linha de frente dos Aliados, a brigada guerrilheira “Stella Rossa” (Estrela Vermelha) instalada nas alturas e os nazistas em risco de ficarem encurralados, levou a população à beira da destruição total.
            Em 23 de julho, os nazistas, após a morte de um de seus soldados, iniciaram uma série de represálias: dez homens foram mortos, casas foram incendiadas. O P. Comini faz o possível para acolher os parentes dos mortos e esconder os procurados. Ele também ajuda o idoso pároco de São Miguel di Salvaro, Monsenhor Fidenzio Mellini: dá catequese, conduz exercícios espirituais, celebra, prega, exorta, toca, canta e faz as pessoas cantarem para manter a calma em uma situação que está caminhando para o pior. Depois, junto com o P. Martinho Capelli, um dehoniano, o P. Elias corre continuamente para ajudar, consolar, administrar os sacramentos e enterrar os mortos. Em alguns casos, ele até conseguiu salvar grupos de pessoas, conduzindo-as à casa paroquial. Seu heroísmo se manifesta com clareza cada vez maior no final de setembro de 1944, quando a Wehrmacht (Forças Armadas Alemãs) cede espaço às terríveis SS.
            O tríduo da paixão do P. Elias Comini e do P. Martinho Capelli começa na sexta-feira, 29 de setembro. Os nazistas causam pânico na região de Monte Salvaro e a população se dirige à paróquia em busca de proteção. O P. Comini, arriscando sua vida, esconde cerca de setenta homens em uma sala adjacente à sacristia, cobrindo a porta com um guarda-roupa velho.
            O estratagema é bem-sucedido. De fato, os nazistas, revistando três vezes as várias salas, não percebem. Nesse meio tempo, chega a notícia de que a terrível SS havia massacrado várias dezenas de pessoas em “Creda”, entre as quais havia feridos e moribundos que precisavam de conforto. O P. Elias celebra sua última missa no início da manhã e, em seguida, junto com o P. Martinho, levando o óleo sagrado e a Eucaristia, saem correndo na esperança de ainda poderem ajudar alguns dos feridos. Ele faz isso livremente. De fato, todos o dissuadem: desde o pároco até as mulheres que estão lá. “Não vá, padre. É perigoso!” Elas tentam reter o P. Elias e o P. Martinho à força, mas eles tomam essa decisão com plena consciência do perigo de morte. O P. Elias diz: “Rezem, rezem por mim, porque tenho uma missão a cumprir”; “Rezem por mim, não me deixem sozinho!”.
            Perto de Creda di Salvaro, os dois padres são capturados; usados “como juggernauts”, são forçados a carregar munição e, à noite, são trancados no estábulo de Pioppe di Salvaro. No sábado, 30 de setembro, o P. Elias e o P. Martinho gastaram toda a sua energia consolando os muitos homens presos com eles. O prefeito comissário de Vergato, Emílio Veggetti, que não conhecia o P. Martinho, mas conhecia muito bem o P. Elias, tenta em vão obter a libertação dos prisioneiros. Os dois padres continuam a rezar e a consolar. À noite, eles se confessam reciprocamente.
            No dia seguinte, domingo, 1º de outubro de 1944, ao anoitecer, a metralhadora ceifa inexoravelmente as 46 vítimas do que entraria para a história como o “Massacre de Pioppe di Salvaro”: eram os homens considerados incapazes para o trabalho; entre eles, os dois padres, jovens e os forçados dois dias antes a fazer trabalhos pesados. Testemunhas que estavam a uma curta distância, em linha reta, do local do massacre puderam ouvir a voz do P. Comini entoando as Ladainhas e depois ouviram o som de tiros. O P. Comini, antes de cair morto, deu a absolvição a todos e gritou: “Misericórdia, misericórdia!”, enquanto o P. Capelli se levantou aos fundos e fez grandes sinais da cruz, até cair de costas com os braços abertos em cruz. Nenhum corpo pôde ser recuperado. Depois de vinte dias, as grades foram abertas e as águas do Reno varreram os restos mortais, perdendo completamente o rastro deles. Naquele lugar, as pessoas morriam em meio a bênçãos e invocações, em meio a orações, atos de arrependimento e perdão. Aqui, como em outros lugares, as pessoas morreram como cristãs, com fé, com seus corações voltados para Deus na esperança da vida eterna.

História do massacre de Montesole
            Entre 29 de setembro e 5 de outubro de 1944, 770 pessoas foram mortas, mas, no total, as vítimas dos nazistas e fascistas, desde a primavera de 1944 até a libertação, foram 955, distribuídas em 115 locais diferentes em um vasto território que incluía os municípios de Marzabotto, Grizzana e Monzuno (e algumas partes de territórios vizinhos). Desses, 216 eram crianças, 316 mulheres, 142 idosos, 138 vítimas reconhecidas como guerrilheiros e cinco sacerdotes, cuja culpa aos olhos dos nazistas consistia em ter estado próximos, com orações e ajuda material, de toda a população de Monte Sole durante os trágicos meses de guerra e ocupação militar. Junto com o P. Elias Comini, salesiano, e o P. Martinho Capelli, dehoniano, três sacerdotes da Arquidiocese de Bolonha também foram mortos naqueles dias trágicos: P. Ubaldo Marchioni, P. Ferdinando Casagrande e P. João Fornasini. A causa de beatificação e canonização de todos os cinco está em andamento. O P. João, o “Anjo de Marzabotto”, morreu em 13 de outubro de 1944. Ele tinha vinte e nove anos e seu corpo permaneceu insepulto até 1945, quando foi encontrado com muitas torturas. Ele foi beatificado em 26 de setembro de 2021. O padre Ubaldo morreu em 29 de setembro, assassinado por uma metralhadora no altar de sua igreja em Casaglia; ele tinha 26 anos de idade e havia sido ordenado sacerdote dois anos antes. Soldados nazistas encontraram a ele e à comunidade durante a reza do rosário. Ele foi morto ali, aos pés do altar. Os outros – mais de 70 – no cemitério próximo. O P. Ferdinando foi morto com um tiro na nuca em 9 de outubro, junto com sua irmã Júlia; ele tinha 26 anos de idade.




Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora (10/13)

(continuação do artigo anterior)

Capítulo XIX. Meios com os quais esta Igreja foi construída.

            Aqueles que já falaram ou ouviram falar deste edifício sagrado, desejarão saber onde foram obtidos os meios, que no total já ultrapassam meio milhão. Tenho muita dificuldade em responder a mim mesmo e, portanto, menos capacidade de satisfazer os outros. Direi, portanto, que os órgãos legais deram grandes esperanças no início, mas na prática decidiram não contribuir. Alguns cidadãos ricos, vendo a necessidade desse edifício, prometeram uma generosidade notável, mas a maioria mudou de ideia e julgou melhor usar sua caridade em outro lugar.
            É verdade que alguns devotos abastados prometeram oblações, mas em um momento oportuno, ou seja, eles fariam doações quando tivessem certeza do trabalho e vissem o trabalho em andamento.
            Com as ofertas do Santo Padre e de algumas outras pessoas piedosas, o terreno pôde ser comprado e nada mais, de modo que, quando chegou a hora de começar o trabalho, eu não tinha um centavo para gastar com ele. Por um lado, havia a certeza de que essa construção era para a maior glória de Deus e, por outro lado, havia a absoluta falta de recursos. Então, ficou claro que a Rainha do Céu queria que não as pessoas jurídicas, mas as pessoas físicas, isto é, os verdadeiros devotos de Maria, participassem do santo empreendimento, e a própria Maria queria colocar a mão na massa e fazer saber que era sua própria obra que ela queria construir: Aedificavit sibi domum Maria.
            Portanto, eu me comprometo a relatar as coisas como elas aconteceram, e eu conscientemente conto a verdade, e me recomendo ao leitor benevolente que me releve, se encontrar algo que não lhe agrade. Então, aqui está. A escavação havia começado, e estava se aproximando a quinzena em que os escavadores deveriam ser pagos, e não havia dinheiro algum; quando um acontecimento feliz abriu um caminho inesperado para a caridade. Por causa do ministério sagrado, fui chamado ao leito de uma pessoa gravemente enferma. Ela estava deitada imóvel havia três meses, com tosse e febre, e com grave fraqueza de estômago. Se algum dia, disse ela, eu pudesse recuperar um pouco da saúde, estaria disposta a fazer qualquer oração, qualquer sacrifício; seria um grande favor para mim se eu pudesse até mesmo sair da cama.
            – O que a senhora pretende fazer?
            – O que o senhor me disser.
            – Fazer uma novena para Maria Auxiliadora.
            – O que quer dizer?
            – Durante nove dias, a senhora deve recitar três Pai Nossos, Ave Marias e Glória ao Santíssimo Sacramento com três Ave Marias à Santíssima Virgem.
            – Isso eu farei; e que obra de caridade?
            – Se a senhora julgar bem e tiver uma melhora real na sua saúde, fará algumas ofertas para a Igreja de Maria Auxiliadora que está sendo iniciada em Valdocco.
            – Sim, sim: de bom grado. Se no decorrer desta novena eu conseguir sair da cama e dar alguns passos neste quarto, farei uma oferta para a igreja que o senhor mencionou em honra da Santíssima Virgem Maria.
            A novena começou e já estávamos no último dia; eu deveria dar nada menos que mil francos para os trabalhadores das escavações naquela noite. Fui, portanto, visitar nossa doente, em cuja recuperação todos os meus recursos estavam investidos, e, não sem ansiedade e agitação, toquei a campainha de sua casa. A empregada abriu a porta e me anunciou com alegria que sua patroa estava perfeitamente recuperada, que já havia feito duas caminhadas e que já tinha ido à igreja para agradecer a Nosso Senhor.
            Enquanto a empregada contava apressadamente essas coisas, a mesma senhora se aproximou, jubilosa, dizendo: Estou curada, já fui agradecer a Nossa Senhora; venha, aqui está o pacote que preparei para o senhor; esta é a primeira oferta, mas certamente não será a última. Peguei o pacote, fui para casa, verifiquei-o e encontrei nele cinquenta napoleões de ouro, que formavam exatamente os mil francos de que eu precisava.
            Esse fato, o primeiro desse tipo, eu mantive ciosamente escondido; no entanto, ele se espalhou como uma faísca elétrica. Outros e mais outros se recomendaram a Maria Auxiliadora, fazendo a novena e prometendo alguma doação se obtivessem a graça implorada. E aqui, se eu quisesse expor a multidão de fatos, teria de fazer não um pequeno livreto, mas grandes volumes.
            Dores de cabeça cessaram, febres foram debeladas, feridas e úlceras cancerosas foram curadas, reumatismo cessou, convulsões foram curadas, doenças nos olhos, ouvidos, dentes e rins foram curadas instantaneamente; esses são os meios que a misericórdia do Senhor usou para nos fornecer o que era necessário para concluir esta igreja.
            Turim, Gênova, Bolonha, Nápoles, mas mais do que qualquer outra cidade, Milão, Florença e Roma foram as cidades que, tendo experimentado especialmente a influência benéfica da Mãe das Graças invocada sob o nome de Auxílio dos Cristãos, também mostraram sua gratidão com doações. Até mesmo lugares mais remotos, como Palermo, Viena, Paris, Londres e Berlim, recorreram a Maria Auxiliadora com as habituais orações e promessas. Não tenho conhecimento de que alguém tenha recorrido a ela em vão. Um favor espiritual ou temporal, mais ou menos acentuado, era sempre o fruto da súplica e do recurso à Mãe misericordiosa, ao poderoso auxílio dos cristãos. Recorreram, obtiveram o favor celeste, fizeram sua oferta sem que nada lhes fosse pedido.
            Se você, leitor, entrar nesta igreja, verá um púlpito elegantemente construído para nós; foi uma pessoa gravemente enferma que fez uma promessa a Maria Auxiliadora; foi curada e cumpriu seu voto. O elegante altar na capela à direita é de uma matrona romana que o ofereceu a Maria pela graça recebida.
            Se motivos sérios, que todos podem facilmente supor, não me persuadissem a adiar sua publicação, eu poderia dizer a cidade e os nomes das pessoas que apelaram a Maria de todos os lados. De fato, pode-se dizer que cada canto e recanto, cada tijolo deste edifício sagrado lembra um benefício, uma graça obtida dessa augusta Rainha do Céu.
            Uma pessoa imparcial coletará esses fatos que, no devido tempo, servirão para tornar conhecidas para a posteridade as maravilhas de Maria Auxiliadora.
            Nestes últimos tempos, a miséria se fazia sentir de modo excepcional, e também estávamos diminuindo o ritmo da obra para esperar tempos melhores para a sua continuação; quando outros meios providenciais vieram em socorro. A cólera morbus que grassou entre nós e nas cidades vizinhas comoveu os corações mais insensíveis e sem escrúpulos.
            Entre outros, uma mãe, vendo seu único filho abalado pela violência da doença, instou-o a pedir ajuda a Maria Santíssima. No excesso de dor, ele pronunciou estas palavras: Maria Auxilium Christianorum, ora pro nobis. Com o mais caloroso afeto do coração, sua mãe repetiu a mesma jaculatória. Naquele momento, a violência da doença foi atenuada, o doente transpirou abundantemente, de modo que em poucas horas estava fora de perigo e quase completamente curado. A notícia desse fato se espalhou, e logo outros se recomendaram com fé em Deus Todo-Poderoso e ao poder de Maria Auxiliadora, com a promessa de fazer alguma oferta para continuar a construção de sua igreja. Não se sabe de ninguém que tenha recorrido a Maria dessa maneira sem ter sido ouvido. Assim, cumpre-se a afirmação de São Bernardo de que nunca se ouviu falar de alguém que tenha recorrido com confiança a Maria e não fosse atendido. Enquanto eu estava escrevendo (maio de 1868), recebi uma oferta com um relatório de uma pessoa de grande autoridade, que me anunciou como uma localidade inteira foi extraordinariamente libertada da infestação de cólera graças à medalha, à ajuda e à oração feita a Maria Auxiliadora. Dessa forma, houve oblações de todos os lados, doações, é verdade, de pequena monta, mas que juntas foram suficientes para as necessidades.
            Tampouco se deveria deixar passar em branco outro meio de caridade para essa igreja, como a oferta de uma parte do lucro do comércio ou do fruto do campo. Muitos, que há diversos anos não tiravam mais nenhum proveito dos bichos-da-seda e das vindimas, prometeram dar um décimo do produto que receberiam. Eles eram extraordinariamente favorecidos e, portanto, estavam satisfeitos em mostrar à sua benfeitora celestial sinais especiais de gratidão com suas ofertas.
            Assim, conduzimos esse majestoso edifício para nós com uma despesa surpreendente, sem que ninguém jamais tenha feito qualquer tipo de coleta. Quem poderia acreditar nisso? Um sexto das despesas foi coberto por doações de pessoas devotas; o restante foram oblações feitas por graças recebidas.
            Agora, ainda há algumas contas a serem acertadas, alguns trabalhos a serem concluídos, muitos ornamentos e móveis a serem providenciados, mas temos grande confiança nessa augusta Rainha do Céu, que não deixará de abençoar seus devotos e conceder-lhes graças especiais, de modo que, por devoção a ela e por gratidão pelas graças recebidas, continuarão a dar sua mão benéfica para levar o santo empreendimento a uma conclusão completa. E assim, como diz o supremo Hierarca da Igreja, que os devotos de Maria cresçam sobre a terra e que o número de seus filhos afortunados seja maior; um dia farão sua coroa gloriosa no reino dos céus para louvá-la, bendizê-la e agradecer-lhe para sempre.

Hino para as Vésperas da Festa de Maria Auxiladora
Te Redemptoris, Dominique nostri
            Dicimus Matrem, speciosa virgo,
            Christianorum decus et levamen
                                    Rebus in arctis.
Saeviant portae licet inferorum,
            Hostis antiquus fremat, et minaces,
            Ut Deo sacrum populetur agmen,
                                    Suscitet iras.
Nil truces possunt furiae nocere
            Mentibus castis, prece quas vocata
            Annuens Virgo fovet, et superno
                                    Robore firmat.
Tanta si nobis faveat Patrona
            Bellici cessat sceleris tumultus,
            Mille sternuntur, fugiuntque turmae,
                                    Mille cohortes.
Tollit ut sancta caput in Sione
            Turris, arx firmo fabricata muro,
            Civitas David, clypeis, et acri
                                    Milite tuta.
Virgo sic fortis Domini potenti
            Dextera, caeli cumulata donis,
            A piis longe famulis repellit
                                    Daemonis ictus.
Te per aeternos veneremur annos,
            Trinitas, summo celebrando plausu,
            Te fide mentes resonoque linguae
                                    Carmine laudent. Amen.

Hino para as Vésperas da Festa de Maria Auxiliadora – TRADUÇÃO

Virgem Mãe do Senhor,
            Nossa filha e nosso orgulho,
            Do vale de lágrimas
            Nós te imploramos com fé e amor.
Das portas do inferno
            Trema a hoste ameaçadora,
            Tu observa com piedade
            Com teu olhar superno.
Suas fúrias soltas
            Passarão sem vergonha e sem dano,
            Se, nas asas de corações castos,
            As preces forem elevadas a Ti.
Nossa Padroeira, em toda guerra
            Nós nos tornamos os heróis do campo;
            O relâmpago de teu poder
            Mil hostes afugenta e abate.
És o baluarte que cerca
            De Sião as casas santas;
            És a funda de Davi
            Que fere o gigante orgulhoso.
És o escudo que repele
            A espada ardente de Satanás,
            És o cajado que o leva de volta
            Para o abismo de onde saiu.
[…]

Hino para as laudes
Saepe dum Christi populus cruentis
            Hostis infensis premeretur armis,
            Venit adiutrix pia Virgo coelo
                                    Lapsa sereno.
Prisca sic Patrum monumenta narrant,
            Templa testantur spoliis opimis
            Clara, votivo repetita cultu
                                    Festa quotannis.
En novi grates, liceat Mariae
            Cantici laetis modulis referre
            Pro novis donis, resonante plausu,
                                    Urbis et orbis.
O dies felix memoranda fastis,
            Qua Petri Sedes fidei Magistrum
            Triste post lustrum reducem beata
                                    Sorte recepit!
Virgines castae, puerique puri,
            Gestiens Clerus, populusque grato
            Corde Reginae celebrare caeli
                                    Munera certent.
Virginum Virgo, benedicta Iesu
            Mater, haec auge bona: fac, precamur,
            Ut gregem Pastor Pius ad salutis
                                    Pascua ducat.
Te per aeternos veneremur annos,
            Trinitas, summo celebrando plausu,
            Te fide mentes, resonoque linguae
                                    Carmine laudent. Amen.

Hino para as laudes – TRADUÇÃO.
Quando o inimigo implacável
            Foi visto atacando
            Com as armas mais terríveis
            O povo de Cristo,
            Muitas vezes para as defesas
            Maria desceu do céu.
Colunas, altares e cúpulas
            Com troféus adornados,
            E ritos, festas e cânticos
            Foram dedicados a Ela.
            Oh, quantas são as lembranças
            De suas muitas vitórias!
Mas novas graças sejam dadas
            A seus novos favores;
            Que todas as nações se unam
            E os coros celestiais
            Em divina harmonia
            Com a Cidade Rainha.
A Igreja inconsolável
            Suas pálpebras se acalmaram;
            No dia que amanheceu
            Do longo e triste exílio
            De Pedro à santa Sé
            O herdeiro supremo retornou.
As jovens virgens
            Os adolescentes castos
            Com o clero e o povo
            Cantem eventos tão auspiciosos:
            Concorram em homenagem
            De afeto e de linguagem.
Ó Virgem das virgens
            Mãe do Deus da paz,
            Que o Pastor das almas
            Com lábios tão verdadeiros
            E sua alta virtude
            Nos guie à salvação.
[…]

Teól. PAGNONE

(continua)




São Francisco de Sales catequista das crianças

            Formado na doutrina cristã desde a infância, em seu ambiente familiar, depois nas escolas e, finalmente, em contato com os jesuítas, Francisco de Sales assimilou perfeitamente o conteúdo e o método da catequese da época.

Uma experiência de catequese em Thonon
            O missionário do Chablais se perguntava: Como catequizar os jovens de Thonon que haviam crescido imersos no calvinismo? Os meios autoritários não eram necessariamente os mais eficazes. Não seria melhor atrair os jovens e interessá-los? Esse era o método geralmente seguido pelo Decano de Sales durante seu tempo como missionário em Chablais.
            Ele também havia tentado uma experiência que merece ser lembrada. Em 16 de julho de 1596, aproveitando a visita de seus dois irmãos mais novos, João Francisco, de dezoito anos, e Bernardo, de treze, ele organizou uma espécie de recitação pública do catecismo para atrair os jovens de Thonon. Ele mesmo compôs um texto na forma de perguntas e respostas sobre as verdades fundamentais da fé e convidou seu irmão Bernardo a responder.
            O método do catequista é interessante. Ao ler esse pequeno catecismo dialogado, é preciso lembrar que não se trata simplesmente de um texto escrito, mas de um diálogo destinado a ser apresentado a um público de jovens na forma de um “pequeno teatro”. Na verdade, a “apresentação” ocorreu em um “palco”, ou pódio, como era o costume entre os jesuítas no colégio de Clermont. De fato, há instruções de palco no início:

Francisco, falando por primeiro, dirá: Meu irmão, você é cristão?
Bernardo, posicionado frente a frente em relação a Francisco, responderá: Sim, meu irmão, pela graça de Deus.

            Muito provavelmente o autor previu o uso de gestos para tornar a recitação mais animada. Para a pergunta: “Quantas coisas você deve saber para ser salvo?”, a resposta é: “Tantas quantos os dedos da mão!”, uma expressão que Bernardo teve de pronunciar com gestos, ou seja, apontando para os cinco dedos da mão: o polegar para a fé, o indicador para a esperança, o dedo médio para a caridade, o anelar para os sacramentos, o dedo mínimo para as boas obras. Da mesma forma, ao tratar das diferentes unções do batismo, Bernardo tinha de colocar a mão primeiro no peito, para indicar que a primeira unção consiste em “ser abraçado pelo amor de Deus”; depois, nos ombros, porque a segunda unção tem o objetivo de “tornar-nos fortes para carregar o peso dos mandamentos e preceitos divinos”; finalmente, na testa, para revelar que o objetivo da última unção é “fazer-nos confessar nossa fé em Nosso Senhor publicamente, sem medo e sem vergonha”.
            É dada grande importância ao “sinal da cruz”, normalmente acompanhado da fórmula Em nome do Pai, com a qual ele iniciava o catecismo, sinal que, com o gesto da mão, segue, nas partes do corpo, um caminho invertido em relação à unção batismal: a testa, o peito e os dois ombros. Bernardo devia dizer: O sinal da cruz é “o verdadeiro sinal do cristão”, acrescentando que “o cristão deve fazê-lo em todas as suas orações e em suas principais ações”.
            Também vale a pena observar que o uso sistemático de números servia como um meio mnemônico. Dessa forma, a pessoa catequizada aprende que há três promessas batismais (renunciar ao demônio, professar a fé e guardar os mandamentos), doze artigos do Creio, dez mandamentos de Deus, três tipos de cristãos (hereges, maus cristãos e verdadeiros cristãos), quatro partes do corpo a serem ungidas (o peito, os dois ombros e a testa), três unções, cinco coisas necessárias para ser salvo (fé, esperança, caridade, sacramentos e boas obras), sete sacramentos e três boas obras (oração, jejum e esmola).
            Se examinarmos cuidadosamente o conteúdo desse catecismo dialógico, é fácil detectar sua insistência em vários pontos contestados pelos protestantes. O tom forte de certas afirmações lembra a proximidade de Thonon com Genebra e o ardor polêmico da época.
            Desde o início, aparece uma invocação à “abençoada Virgem Maria”. Sobre a questão da observância dos Dez Mandamentos, é especificado que os preceitos de “nossa santa Mãe Igreja” devem ser acrescentados. Nos três tipos de cristãos, os hereges são aqueles que “não têm nada além do nome”, “estando fora da Igreja Católica, Apostólica e Romana”. Os sacramentos são em número de sete. Os ritos e as cerimônias da Igreja não são apenas ações simbólicas, eles produzem uma mudança real na alma do crente devido à eficácia da graça. Observa-se também a insistência em “boas obras” para ser salvo e a prática do “santo sinal da cruz”.
            Apesar da “encenação” bastante excepcional com a participação do irmão mais novo, esse tipo de catequese tinha de ser repetido com frequência e de forma bastante semelhante. Sabe-se, de fato, que o Apóstolo do Chablais “ensinava o catecismo, sempre que possível, em público ou em casas particulares”.

O bispo catequista
            Tendo se tornado bispo de Genebra, mas residente em Annecy, Francisco de Sales ensinava pessoalmente o catecismo às crianças. Ele teve que dar o exemplo aos cônegos e párocos que hesitavam em se rebaixar a esse tipo de ministério: é bem sabido, ele diria um dia, que “muitos querem pregar, mas poucos fazem o catecismo”. De acordo com uma testemunha, o bispo “se deu ao trabalho de ensinar o catecismo pessoalmente por dois anos na cidade, sem a ajuda de outras pessoas”.
            Uma testemunha o descreve sentado “em um pequeno teatro criado para esse fim e, enquanto estava lá, ele interrogava, ouvia e ensinava não apenas seu pequeno público, mas também todos aqueles que vinham de todos os lados, recebendo-os com incrível facilidade e afabilidade”. Sua atenção estava voltada para as relações pessoais a serem estabelecidas com as crianças: antes de interrogá-las, “ele as chamava pelo nome, como se tivesse a lista deles na mão”.
            Para se fazer entender, ele usava uma linguagem simples, às vezes fazendo as mais inesperadas comparações da vida cotidiana, como a do cachorrinho: “Quando viemos ao mundo, como nascemos? Nascemos como cachorrinhos que, lambidos pela mãe, abrem os olhos. Assim, quando nascemos, nossa santa mãe Igreja abre nossos olhos com o batismo e a doutrina cristã que ela nos ensina”.
            Com a ajuda de alguns colaboradores, o bispo preparou “bilhetes” nos quais estavam escritos os pontos principais que deveriam ser memorizados durante a semana para que pudessem ser recitados aos domingos. Mas como isso poderia ser feito se as crianças ainda não sabiam ler e suas famílias também eram analfabetas? Era necessário contar com a ajuda de pessoas benevolentes: párocos, vigários paroquiais, professores, que estivessem disponíveis durante a semana para fazer as repetições.
            Como um bom educador, ele repetia com muita frequência as mesmas perguntas com as mesmas explicações. Quando a criança cometia um erro na recitação de suas anotações ou na pronúncia de palavras difíceis, “ele sorria tão gentilmente e, corrigindo o erro, colocava o questionador de volta no caminho certo de uma maneira tão adorável que parecia que, se ele não tivesse cometido um erro, não poderia tê-lo pronunciado tão bem; o que dobrava a coragem dos pequenos e aumentava singularmente a satisfação dos mais crescidos”.
            A pedagogia tradicional de emulação e recompensa teve seu lugar nas intervenções desse ex-aluno jesuíta. Uma testemunha relata o seguinte: “Os pequenos corriam, exultantes de alegria, competindo entre si; ficavam orgulhosos quando podiam receber das mãos do beato algum pequeno presente, como quadros, medalhas, coroas e agnus Dei, que ele lhes dava quando respondiam bem, e também carícias especiais que ele lhes dava para encorajá-los a aprender bem o catecismo e a responder corretamente”.
            Ora, essa catequese para crianças atraía adultos, e não apenas pais, mas também grandes personalidades, “médicos, presidentes de câmaras, conselheiros e mestres de cerimônias, religiosos e superiores de mosteiros”. Todos os estratos sociais estavam representados, “nobres, clérigos e pessoas do povo”, e a multidão era tão grande que “não dava para se mover”. As pessoas vinham em massa da cidade e dos arredores.
            Portanto, criou-se um movimento, um tipo de fenômeno contagioso. De acordo com alguns, “não era mais o catecismo das crianças, mas a educação pública de todo o povo”. A comparação com o movimento criado em Roma meio século antes pelas assembleias animadas e alegres de São Felipe Neri vem espontaneamente à mente. Nas palavras do Padre Lajeunie, “o Oratório de São Filipe parecia ter renascido em Annecy”.
            O bispo não se contentava com fórmulas aprendidas de cor, embora estivesse longe de depreciar o papel da memória. Ele insistia para que as crianças soubessem em que deveriam acreditar e compreendessem o ensinamento.
            Acima de tudo, ele queria que a teoria aprendida durante o catecismo se tornasse prática na vida cotidiana. Como escreveu um de seus biógrafos, “ele ensinou não apenas o que se deve acreditar, mas também persuadiu a pessoa a viver de acordo com o que acredita”. Ele incentivava seus ouvintes de todas as idades “a se aproximarem dos sacramentos da confissão e da comunhão com frequência”, “ensinava-lhes pessoalmente a maneira de se prepararem adequadamente” e “explicava os mandamentos do Decálogo e da Igreja, os pecados capitais, usando exemplos apropriados, analogias e exortações tão amorosamente envolventes, que todos se sentiam docemente compelidos a cumprir seu dever e abraçar a virtude que lhes era ensinada”.
            De qualquer forma, o bispo catequista estava encantado com o que estava fazendo. Quando ele se encontrava entre as crianças, diz uma testemunha, ele parecia “estar entre suas delícias”. Ao sair de uma dessas escolas de catequese, na época do carnaval, ele pegou sua caneta para descrevê-la a Joana de Chantal:

Acabei de terminar a escola de catecismo, onde me entreguei um pouco à alegria, ridicularizando as máscaras e as danças para fazer o público rir; eu estava de bom humor, e um grande público me convidou com seus aplausos para continuar sendo uma criança com as crianças. Eles me dizem que eu consigo fazer isso, e eu acredito!

            Ele gostava de contar as belas expressões das crianças, às vezes surpreendentes em sua profundidade. Na carta que acabamos de citar, ele relatou à Baronesa a resposta que acabara de receber à pergunta: Jesus Cristo é nosso? Não se deve duvidar nem um pouco: Jesus Cristo é nosso”, respondeu-lhe uma menina, que acrescentou: “Sim, ele é mais meu do que eu sou dele e mais do que eu mesma sou minha”.

São Francisco de Sales e seu “pequeno mundo”
            O ambiente familiar, cordial e alegre que reinava na catequese foi um importante fator de sucesso, favorecido pela harmonia natural que existia entre a alma límpida e amorosa de Francisco e as crianças, a quem ele chamava de seu “pequeno mundo”, porque tinha conseguido “conquistar seus corações”.
            Quando ele caminhava pelas ruas, as crianças corriam à sua frente; às vezes ele era visto tão cercado por elas que não conseguia ir adiante. Longe de ficar irritado, ele as acariciava e se divertia com elas, perguntando: “De quem você é filho? Qual é o seu nome?”.
            De acordo com seu biógrafo, um dia ele diria “que gostaria de ter o prazer de ver e considerar como o espírito de uma criança gradualmente se abre e se expande”.




Primeiro sonho missionário: Patagônia (1872)

            Eis o sonho que decidiu Dom Bosco a iniciar o apostolado missionário na Patagônia.
            Narrou-o a primeira vez a Pio IX em março de 1876. Em seguida, contou-o também a alguns Salesianos em particular. O primeiro, admitido a essa narração confidencial foi o P. Francisco Bodratto, no dia 30 de julho do mesmo ano. E o P. Bodratto, naquela mesma noite, o contava ao P. Júlio Barberis, em Lanzo, onde foi passar alguns dias de descanso com um grupo de clérigos noviços.
            Três dias depois o P. Barberis voltava a Turim, e encontrando-se na biblioteca em colóquio com o Santo, passeando um pouco com ele, ouvia dele a narração. O P. Júlio evitou dizer-lhe que já a tinha ouvido, feliz de ouvi-lo repetir pelos seus lábios, também porque Dom Bosco, ao narrar, toda vez tinha sempre algum novo particular interessante.
            Também o P. Lemoyne a ouviu dos lábios de Dom Bosco; e tanto o P. Barberis quanto o P. Lemoyne a puseram por escrito. O P. Lemoyne declarava: – Dom Bosco disse-lhes que eram os primeiros aos quais revelava detalhadamente esta espécie de visão, que trazemos aqui quase com usas mesmas palavras.

            Pareceu encontrar-me numa região selvagem e totalmente desconhecida. Era uma planície imensa, absolutamente selvagem, onde não se viam colinas, nem montes. Nos seus limites, ao longe, levantavam-se montanhas escarpadas. Na planície vi turbas de homens que a percorriam. Estavam quase nus, eram de altura e estatura fora do comum, de aspecto feliz, com os cabelos hirsutos e longos, cor de bronze e enegrecido, vestidos com longas mantas de peles de animais que lhes pendiam dos ombros. Como armas tinham uma longa lança e uma funda (lazo).
            Essas turbas de homens, esparsos cá e lá, ofereciam ao espectador cenas diversas: alguns corriam caçando animais ferozes; outros caminhavam, trazendo espetados nas pontas das lanças pedaços de carne sangrenta; alguns combatiam entre si; outros mais lutavam contra os soldados vestidos à europeia, e o terreno estava repleto de cadáveres. Eu fremia diante daquele espetáculo. De repente, despontaram desde as margens daquela planície muitos personagens que, pelas roupas e pelo modo de agir, eram missionários de várias Ordens que se aproximavam para pregar àqueles bárbaros a Religião de Jesus Cristo. Eu olhei atentamente, mas não conheci nenhum deles. Foram ao encontro daqueles selvagens, mas os bárbaros, apenas os viam, movidos por furor diabólico e alegria infernal, caíam-lhes em cima e os matavam. Depois, com ferocidade, os esquartejavam e fincavam pedaços das carnes na ponta de suas lanças. Em seguida, de vez em quando, renovavam-se as cenas das escaramuças, como antes, entre eles e as povoações vizinhas.
            Depois de observar aquelas horríveis matanças, disse a mim mesmo: – Como fazer para converter essa gente tão brutal? – Nesse ínterim, vi ao longe um grupo de outros missionários: aproximavam-se dos selvagens com o rosto alegre, precedidos por uma multidão de jovens.
            Eu tremia, pensando: – Eles vêm aqui para se fazer matar. Aproximei-me deles: eram clérigos e padres. Fixei-os com atenção e os reconheci como sendo os nossos Salesianos. Os primeiros eram mais conhecidos. Embora não tenha podido conhecer pessoalmente muitos outros que vinham em seguida, percebi que também esses eram missionários Salesianos, precisamente dos nossos.
            Eu exclamava: – Como é possível tudo isso? – Não queria deixá-los avançar, e estava ali para barrá-los. Tinha medo que de repente acabassem tendo a mesma sorte dos antigos missionários. Eu queria que voltassem para trás, quando notei que a sua presença despertou a alegria de todas aquelas turbas de bárbaros, que abaixaram as armas, depuseram sua ferocidade e acolheram os nossos missionários com grandes demonstrações de amizade. Maravilhado, dizia a mim mesmo: – Vejamos como tudo isso vai acabar! – E vi que os nossos missionários avançavam em direção àqueles índios, os instruíam, e eles ouviam de boa mente suas palavras. Ensinavam, e eles aprendiam com interesse; admoestavam, e eles aceitavam e punham em prática suas orientações.
            Fique observando e me dei conta de que os missionários recitavam o Terço, enquanto os selvagens, correndo por todos os lados, abriam alas à sua passagem e de bom grande respondiam àquela oração.
            Depois de um pouco de tempo, os Salesianos puseram-se no centro daquela multidão, que os rodeou, e se ajoelharam. Os selvagens, depostas as armas aos pés dos missionários, também dobraram os joelhos. E eis um dos Salesianos a entoar: Lodate Maria, o lingue fedeli (Louvai Maria, línguas fiéis), e aquelas turbas, a uma voz, continuar o canto, tão uníssono e forte que eu, quase assustado, acordei.
            Tive esse sonho há quatro ou cinco anos e me impressionou profundamente, considerando-o um aviso celeste. Todavia, não compreendi bem seu significado específico. Compreendi, porém, que se tratava de Missões estrangeiras, que, já antes de agora, correspondiam ao meu maior desejo.

            O sonho ocorreu em torno de 1872. Primeiramente Dom Bosco achou que fossem os povos da Etiópia, depois pensou aos que estavam perto de Hong Kong, depois gente da Austrália e da Índias. Somente em 1874, quando recebeu insistentes convites para mandar os Salesianos para a Argentina, compreendeu que os silvícolas vistos no sonho eram os indígenas daquela imensa região, então quase desconhecida, que era a Patagônia.
(MB IT X, 53-55 / MB PT X, 60-62)




Um verdadeiro cego

Uma antiga fábula persa fala de um homem que tinha apenas um pensamento: possuir ouro, todo o ouro possível.
Era um pensamento voraz que devorava seu cérebro e seu coração. Assim, ele não podia ter nenhum outro pensamento, nenhum outro desejo, a não ser o ouro.
Quando passava pelas vitrines de sua cidade, via apenas as dos ourives. Ele não notava tantas outras coisas maravilhosas.
Não notava as pessoas, não prestava atenção no céu azul ou no perfume das flores.
Um dia, ele não resistiu: entrou correndo numa joalheria e começou a encher os bolsos com pulseiras, anéis e broches de ouro.
É claro que, ao sair da loja, ele foi preso. Os policiais lhe disseram: “Mas como você achou que poderia escapar impune? A loja estava cheia de gente”.
“É mesmo?”, disse o homem espantado. “Eu não notei. Eu só via o ouro”.

“Eles têm olhos e não veem”, diz a Bíblia sobre os falsos ídolos. Isso pode ser dito de muitas pessoas hoje em dia. Elas ficam deslumbradas com o brilho das coisas que mais brilham: aquelas que a propaganda diária desliza diante de nossos olhos, como se fossem o pêndulo de um hipnotizador.
Certa vez, um professor fez uma mancha preta no centro de uma bela folha branca de papel e a mostrou aos seus alunos.
“O que vocês veem?”, perguntou ele.
“Um ponto preto!”, responderam em coro.
“Todos vocês viram o ponto preto que é minúsculo”, retrucou o professor, “e ninguém viu a grande folha branca”.

No Talmude, que reúne a sabedoria dos mestres judeus dos primeiros cinco séculos, está escrito: “No mundo vindouro, cada um de nós será chamado a prestar contas de todas as coisas belas que Deus colocou na Terra e que nos recusamos a ver.
A vida é uma série de momentos: o verdadeiro sucesso está em viver todos eles.
Não se arrisque a perder o grande papel branco para perseguir uma manchinha preta.




Um interessante caso judicial em Valdocco

Uma carta ao magistrado da cidade de Turim, datada de 18 de abril de 1865, abre um interessante e inédito vislumbre da vida cotidiana em Valdocco naquele tempo.

Entre os jovens acolhidos em Valdocco no decênio de 1860, quando quase todos as oficinas para aprendizes, muitas vezes órfãos, foram abertas, havia alguns enviados pela segurança pública. Assim, o Oratório não só acolhia bons jovens e jovens vivazes e de bom coração, mas também jovens difíceis e problemáticos que tinhas às costas experiências decididamente negativas.

Talvez estejamos habituados a pensar que em Valdocco, com a presença de Dom Bosco, as coisas sempre correram bem, sobretudo no decênio de 1850 e princípios de 60, quando a Obra salesiana ainda não se espalhara e Dom Bosco vivia em contato direto e constante com os meninos. Mais tarde, contudo, com uma grande massa heterogênea de jovens, educadores, aprendizes, jovens estudantes, noviços, estudantes de filosofia e de teologia, alunos noturnos e trabalhadores “externos”, poderiam surgir dificuldades na gestão disciplinar da comunidade de Valdocco.

Um fato bastante sério
Uma carta ao magistrado da cidade de Turim, datada de 18 de abril de 1865, abre um interessante e inédito vislumbre da vida cotidiana de Valdocco naquela época. Nós a reproduzimos e depois a comentaremos.

Ao Magistrado Urbano da cidade de Turim

Em vista da citação a ser feita ao clérigo Mazzarello, assistente na oficina de encadernação da casa conhecida como Oratório de São Francisco de Sales; tendo visto também a citação a ser feita aos jovens Frederico Parodi, João Castelli e José Guglielmi, e tendo considerado cuidadosamente o seu conteúdo, o diretor deste estabelecimento, Padre João Bosco, em seu desejo de resolver o assunto com menos perturbação por parte das autoridades do tribunal da cidade, acredita poder intervir em nome de todos no caso do jovem Carlos Boglietti, disposto a dar a quem quer que seja as mais amplas satisfações.
Antes de mencionar o fato em questão, parece apropriado notar que o artigo 650 do código penal parece totalmente alheio ao assunto em questão, pois se fosse interpretado no sentido exigido pela corte urbana, seria introduzido no regime doméstico das famílias, e os pais e tutores não poderiam mais corrigir seus filhos ou evitar insolência e insubordinação, [o que] seria seriamente prejudicial à moralidade pública e privada.
Além disso, a fim de manter certos jovens sob controle, em sua maioria enviados pela autoridade governamental, obteve-se a faculdade de usar todos os meios considerados apropriados e, em casos extremos, enviar o braço da segurança pública, como já foi feito várias vezes.
Passando agora ao assunto de Carlos Boglietti, devemos lamentar, mas francamente afirmar que ele foi paternalmente advertido várias vezes em vão; que ele provou não apenas ser incorrigível, como insultou, ameaçou e afrontou o seu assistente, clérigo Mazzarello, diante de seus companheiros. Aquele assistente, que de disposição muito mansa e branda, ficou tão assustado com isso que a partir de então sempre esteve doente sem nunca ter podido retomar suas funções, e ainda está doente.
Após esse evento, Boglietti fugiu da casa sem dizer aos superiores a quem se dirigia, e só deu a conhecer \ sua fuga através de sua irmã quando soube que queria se entregar nas mãos da polícia. O que não foi feito para preservar a sua honra.
Entretanto, faz-se um pedido para reparar os danos que o assistente sofreu à sua honra e à sua pessoa, pelo menos até que ele possa retomar suas ocupações comuns.
Que os custos deste processo sejam suportados por ele. Que nem ele Carlos Boglietti, nem o Sr. Estevão Caneparo, seu parente ou conselheiro, venham ao referido estabelecimento para renovar os atos de insubordinação e escândalos já causados em outras ocasiões.
[Sac. Gio Bosco].

O que posso dizer? Em primeiro lugar, que a carta documenta como entre os jovens acolhidos em Valdocco nos anos sessenta, quando até então quase todas as oficinas de aprendizes, muitas vezes órfãos, tinham sido abertas, havia alguns enviados pela segurança pública. Assim, o Oratório não só acolheu rapazes como Domingos Sávio ou Francisco Besucco ou mesmo Miguel Magone, ou seja, jovens ótimos, bons, e de jovens vivazes, mas de bom coração, como também jovens difíceis, problemáticos, com experiências decididamente negativas às costas
Aos juveníssimos educadores salesianos de Valdocco foi confiada a árdua tarefa de reeducá-los, autorizados também a recorrer a “todos os meios considerados adequados”. Quais deles? Certamente o Sistema Preventivo de Dom Bosco, cuja validade foi demonstrada pela experiência de duas décadas em Valdocco. Mas quando os fatos foram postos à prova, “em casos extremos”, para os jovens mais incorrigíveis, foi preciso recorrer à mesma força pública que os havia levado até lá.

No caso em questão
Dom Bosco, diante de uma citação para comparecer à corte por um de seus jovens clérigos e alguns rapazes do Oratório, sentiu o dever de intervir diretamente junto à autoridade constituída para defender o seu jovem educador, salvaguardar a imagem positiva do seu Oratório e proteger a sua própria autoridade educativa. Com extrema clareza, ele indicou ao magistrado as possíveis consequências negativas, para si, para as famílias e para a sociedade em geral, da aplicação rígida, e em sua opinião injustificada, de um artigo do código penal.
Como excelente advogado, com uma arenga jurídico-educativa imprudente, Dom Bosco transformou a sua defesa em acusação e o acusador em acusado, a ponto de imediatamente pedir indenização pelos danos físicos e morais causados ao jovem assistente Mazzarello, que adoeceu e foi obrigado ao repouso forçado..

O resultado da contestação
Não nos é dado saber; provavelmente terminou em um impasse. Mas o caso revela-nos uma série de atitudes e de comportamentos que não só são pouco conhecidos sobre Dom Bosco, mas que, de certa maneira, são sempre relevantes. Assim, ficamos sabendo que, mesmo sob os olhos atentos de Dom Bosco, o Sistema Preventivo pode às vezes falhar. O primeiro interesse a ser salvaguardado devia ser sempre o de cada jovem, obviamente na condição de não entrar em conflito com o interesse superior de outros companheiros. Além disso, a imagem positiva da obra salesiana também deveria ser defendida nos foros judiciais apropriados. Nesse caso, porém, as possíveis consequências tiveram que ser sabiamente levadas em conta, a fim de não se enfrentarem surpresas desagradáveis.




Um homem Bem-aventurado em Chambéry. Camilo Costa de Beauregard, Fundador do “Bocage”

Camilo Costa de Beauregard (1841-1910), um padre da Saboia, nascido em Chambéry, poderia ter-se aproveitado de seu alto status social. Em vez disso, ele deu sua vida aos mais desfavorecidos, dedicando-se aos órfãos e aos mais pobres entre os pobres, aos jovens e à sua educação. Ele fundou um orfanato para meninos em Le Bocage (Chambéry). Ele será beatificado em 17 de maio de 2025.

Camilo Costa de Beauregard nasceu em 17 de fevereiro de 1841.
Uma placa de mármore na fachada principal de um edifício na Rua Jean-Pierre Veyrat (então Rua Royale) em Chambéry comemora o evento.
Era a residência de inverno de sua família, que vivia o resto do ano em seu castelo em La Motte-Servolex.

Seu pai, o Marquês Pantaleão Costa de Beauregard, era um membro de alto escalão do parlamento de Turim, um homem de letras, arte e ciência (ele foi três vezes nomeado presidente da Academia da Saboia); ele também era um cristão fervoroso que nunca comprometeu sua fé. Embora fosse muito próximo do rei Carlos Alberto, quando a Saboia foi anexada à França (1860), ele não hesitou em ficar do lado de Napoleão III, por seu regime, que era mais favorável à Igreja do que o de Cavour.
A renúncia à sua brilhante carreira em Turim foi compensada pela nomeação como Presidente do Conselho Geral da Saboia e pela concessão da Legião de Honra. Sua fé, que o levou a recusar qualquer compromisso, foi alimentada pela prática religiosa regular e assumiu a forma de inúmeras ações de caridade.

A mãe de Camilo, Marta de Saint Georges de Verac, foi marcada pela morte no cadafalso de três de suas avós. Ela manteve um forte sentido da brevidade da vida e da natureza efêmera das coisas terrenas. Isso se refletiu na maneira como ela criou seus filhos: seis meninos e três meninas (dois outros morreram na infância). Ela os criou de acordo com sua posição, mas com um rigor bastante restritivo e uma falta de interesse em qualquer bem-estar ou prazer que não considerasse essencial. Com o tempo e à medida que sua maternidade avançava, ela se tornou mais gentil e compreensiva.
Assim como seu marido, a Marquesa era muito atenta à miséria humana. Ela acostumou seus filhos a dar uma moeda a uma pessoa pobre que encontrassem ou a compartilhar um lanche com os doentes no pequeno hospital construído pelo marquês na propriedade.

Depois de três anos de estudos com os Irmãos das Escolas Cristãs no Colégio de la Motte-Servolex, o jovem Camilo, o quinto filho da família, continuou sua educação em escolas jesuítas na França e na Bélgica até o final do ensino médio. Aos dezesseis anos, foi acometido de febre tifoide, agravada por sérias complicações pulmonares. Seus pais o chamaram de volta ao castelo para continuar seus estudos com um tutor, o Abade Chenal, a partir de setembro de 1857.

Professor renomado do colégio de Rumilly, o Abade Chenal se adaptou ao ritmo de seu aluno, pois foi capaz de discernir a gravidade da crise pela qual seu aluno estava passando em nível físico, moral e espiritual. Ele esperou até que ele superasse sua extrema fraqueza (três meses de cama), depois o acompanhou a tratamentos de águas termais em Aix-les-Bains, Biarritz etc.
Camilo passava de dois a três anos dessa forma, alternando entre trabalho, leitura, viagens de trem, sessões de piano ou pintura, caminhadas nas colinas circundantes e, mais tarde, uma longa trilha ao redor do Monte Branco… e até mesmo participando de festas com os jovens nobres e burgueses de Chambéry, onde brilhava por sua cortesia, humor, charme de sua conversa e elegância de seus trajes… o que lhe rendeu o apelido de: “Beau Chevalier” [Belo Cavalheiro].

Naquela época, uma frouxidão religiosa o levou a perder sua fé a ponto de não entrar mais em uma igreja. No entanto, seguindo o conselho do Abade Chenal, ele permaneceu fiel à recitação diária de uma oração a Maria: “Lembrai-vos, ó piíssima Virgem Maria…”

E então chegou o dia em que tudo mudou, porque o Senhor do qual ele estava fugindo há tanto tempo nunca parou de esperar por ele. Ele estava esperando por ele, de fato, na catedral de Chambéry, onde se sentiu atraído a entrar, mesmo contra sua vontade. E foi a iluminação de sua alma. Atrás do pilar contra o qual havia se escondido, ele subitamente redescobriu a fé de sua infância e ouviu o chamado ao sacerdócio, ao qual decidiu responder.

“Ainda posso ver o pilar da catedral atrás do qual me ajoelhei (…) e onde chorei lágrimas doces, pois aquele foi o dia em que voltei para Deus (…) Naquele dia, minha alma tomou posse de meu Deus para sempre, e acredito que essa foi a origem de minha vocação para o sacerdócio”.

Em setembro de 1863, Camilo entrou no seminário francês em Roma, acompanhado pelo Abade Chenal. Seus anos no seminário continuariam sendo, como ele diria mais tarde, os melhores anos de sua vida.

Ele foi ordenado padre na Basílica de São João de Latrão em 26 de maio de 1866.

Rejeitando o alto cargo eclesiástico reservado a ele, retornou a Chambéry em junho de 1867.

Seu bispo, Dom Billiet, ofereceu-lhe um cargo honorário, que ele recusou.

A seu pedido, ele recebeu o cargo de quarto vigário na catedral de Chambéry, sem acomodação ou remuneração. Isso permitiu que ele cuidasse dos operários, que estavam trabalhando arduamente na construção da catedral, que ganhavam pouco e não tinham nenhuma cobertura de seguridade social.
Ele criou um fundo de ajuda mútua para eles com o nome de “São Francisco de Sales”. Dom Billiet acrescentou ao seu ministério as funções de confessor e pregador.

1867 A CÓLERA
Em agosto de 1867, a cólera atingiu a cidade, fazendo 135 vítimas até o outono. O Abade Costa teve pena de todos os órfãos que se encontravam sem pais, sem teto e sem dinheiro. Ele acolheu meia dúzia deles no apartamento de dois cômodos que alugou na Rua Saint-Réal. Mas o número de crianças logo aumentou e ele precisou de uma casa para abrigá-las. Para isso, o Conde de Boigne, um grande benfeitor da cidade de Chambéry, concedeu-lhe o antigo prédio da alfândega em um hectare de terra: esse era o Le Bocage.

O Abade Camilo estava procurando um assistente para ajudá-lo a iniciar seu trabalho. O Abade Chenal, seu antigo tutor, respondeu favoravelmente à sua solicitação.

Foi assim que o Orfanato de Bocage surgiu em março de 1868.

Graças a seus próprios fundos, a uma contribuição substancial do Conde de Boigne e a pagamentos regulares de sua família (especialmente de sua mãe), dos Padres Cartuxos e de outros doadores, Camilo conseguiu reformar as instalações, ampliá-las e construir uma capela… O número de alunos aumentou para 135.

Os Abades Costa e Chenal tiveram que se cercar de pessoas para cuidar deles: depois dos Irmãos das Escolas Cristãs nos primeiros anos, eles chamaram as Filhas da Caridade, que desempenharam as múltiplas funções de professoras, supervisoras, enfermeiras, cozinheiras e mães substitutas, especialmente para as crianças mais novas…

A partir dos treze anos de idade, os meninos aprenderam o ofício de jardinagem em estufas construídas em terras compradas de um ano para o outro. Para as crianças mais velhas, o Abbé Costa adquiriu a propriedade La Villette, em La Ravoire, em 1875 (graças aos fundos doados por sua mãe e pela irmã Felícia), onde praticavam o cultivo de legumes e árvores frutíferas e o trabalho na horta e até mesmo a
criação de peixes.
Camilo mudou-se com eles para La Villette e confiou a administração do Bocage ao Abade Chenal.

Esse experimento chegou ao fim dez anos depois, quando o Abade Chenal morreu. O Abade Costa retornou ao Bocage com seus aprendizes mais velhos, para os quais construiu uma nova ala paralela à primeira.

Ao longo dos anos, ele foi auxiliado por um grupo de padres formados no espírito do Bocage, incluindo seu sobrinho Ernesto Costa de Beauregard.

Mas o que é esse espírito do Bocage?
Foi uma educação baseada na de São Francisco de Sales, semelhante à de Dom Bosco, que o Abade Costa conheceu em Turim em 1879. Era uma educação preventiva, oposta à dos sistemas
educacionais da época, compostos de obrigações e proibições, com uma dose pesada de punição pela transgressão das normas.
Uma educação baseada na confiança e no afeto, em um profundo espírito de família, valorizando o esforço, apelando à razão e à escuta. Tudo isso em uma atmosfera de fé que é transmitida e vivida todos os dias.
Para tornar as horas de trabalho mais eficientes, Camilo Costa de Beauregard deu muito espaço às atividades de lazer: caminhadas, teatro, música (canto, banda de metais), natação, refeições festivas em festas litúrgicas, quando os idosos eram convidados a se reunir com suas famílias.

Assim que eles concluíram o aprendizado, o Abade Costa encontrou empregos para eles como jardineiros e manteve contato próximo com cada um deles. Dessa forma, Camilo alcançou seu objetivo de formar “bons cristãos, bons trabalhadores e bons pais”.

Apesar da saúde debilitada ao longo de sua vida, o Abade Costa continuou a liderar Le Bocage até sua morte, em 25 de março de 1910. Era Sexta-Feira Santa, que naquele ano coincidiu com a festa da Anunciação.

Ele foi sepultado no cemitério de Paraíso; um ano depois, em 1911, seu corpo foi levado de volta ao Bocage. Dizem que os anciãos e os jovens do orfanato desatrelaram os cavalos e puxaram o carro fúnebre até Le Bocage, onde seu corpo foi depositado em um túmulo especialmente preparado.

A próxima geração está garantida
De acordo com os desejos do fundador, seu sobrinho Ernesto Costa de Beauregard o sucedeu na direção da instituição de caridade. Ele é filho de seu irmão Josselin. Alguns anos depois de se tornar padre, ele se juntou ao tio em Bocage e se tornou um de seus colaboradores mais próximos.
Por 44 anos, auxiliado especialmente pelo Abade Francisco Blanchard, que era um dos órfãos acolhidos por Camilo, ele deu continuidade ao trabalho de seu tio, garantindo que o espírito do fundador continuasse vivo e perpetuando sua memória.

Antes de sua morte, em 1954, o Abade Ernesto entregou a obra aos Padres Salesianos de Dom Bosco, que permaneceram até 2016, mantendo-a com o mesmo espírito. Eles continuam a supervisionar os dois estabelecimentos que ainda estão muito vivos hoje:
– o Lar das Crianças
– o Liceu Profissional de Horticultura (profissões agrícolas, assistência pessoal).

2012-2024 – Rumo à beatificação
Assim que o fundador morreu, sua reputação de santidade se espalhou por Chambéry.
Em 1913, Ernesto Costa de Beauregard publicou a primeira biografia de seu tio, intitulada “Une âme de saint – Le Serviteur de Dieu, Camille Costa de Beauregard” [Uma alma de santo – o Servidor de Deus Camilo Costa de Beauregard], que foi reimpressa várias vezes.

Em 1925, uma petição dos padres da diocese foi enviada a Dom Castellan, Bispo de Chambéry, pedindo-lhe que tomasse as medidas para a beatificação. O primeiro processo diocesano foi realizado em 1926-1927; em 1956, foi publicada a “Positio Super Introductione Causae”; em janeiro de 1961, o Papa João XXIII emitiu o “Decreto de introdução da causa”; em 1965, seguiu-se um processo apostólico, durante o qual o corpo do fundador foi exumado; a “Positio Super Virtutibus” foi publicada em 1982.

Em 1991, Camilo Costa de Beauregard foi proclamado Venerável pelo Papa João Paulo II, que assim reconheceu a natureza heroica de suas virtudes (decreto de 22 de janeiro de 1991).

Em 1997, o padre Robert FRITSCH, um salesiano da comunidade de Bocage, publicou “Camille Costa De Beauregard. Fondateur de L’Œuvre des Jeunes du Bocage à Chambéry, 1841-1910, Chronique d’une Œuvre Sociale et éducative dans la Savoie du XIXeme Siecle” [Camilo Costa de Beauregard. Fundador da Obra dos jovens de Bocage, em Chambéry, 1841-1910, Crônica de uma Obra Social e educativa na Saboia do Século XIX], uma crônica histórica substancial de 371 páginas, (La Fontaine de Siloé).

Foi então que Dom Ulrich, Arcebispo de Chambéry, quis relançar o processo de beatificação do fundador de Le Bocage. Ele pediu a Françoise Bouchard que escrevesse uma biografia, que foi publicada em 2010 pela Salvator, com o título “Camille Costa de Beauregard – La Noblesse du Cœur” [Camilo Costa de Beauregard – a Nobreza do Coração].

Desde então, o Comitê Costa de Beauregard, criado em 2012 por Dom Ballot, e a Associação de Amigos de Camilo Costa de Beauregard, criada em 2017 para apoiar o Comitê, têm trabalhado ativamente para levar avante a Causa de Beatificação.
Em particular, o objetivo é documentar e promover o reconhecimento de um suposto milagre devido à intercessão de Camilo:
Em 1910, o jovem Renato Jacquemond se recuperou de um grave ferimento no olho. Um dossiê foi compilado e enviado ao Dicastério para as Causas dos Santos em Roma por meio do P. Pierluigi Cameroni, postulador da Causa.

Cinco relatórios – elaborados entre 2015 e 2018 na região da Saboia e na França por oftalmologistas reconhecidos – declararam que a afecção que o jovem sofria “só poderia progredir para a não cicatrização ou até mesmo para a perda do olho”, e que a rapidez da recuperação era inexplicável.

O ponto culminante de um longo processo

No final de outubro de 2021, o bispo Dom Ballot convocou um tribunal diocesano no santuário em Myans para concluir a investigação sobre o suposto milagre. Um caso detalhado é enviado a Roma.

Em 30 de março de 2023, os especialistas reunidos em Roma pelo Dicastério para as Causas dos Santos reconheceram por unanimidade a natureza cientificamente inexplicável de uma cura atribuída à intercessão de Camilo. Ainda havia várias etapas a serem cumpridas, mas esse reconhecimento abriu o caminho para a beatificação.

Em 19 de outubro de 2023, o colégio de teólogos deu um veredicto positivo sobre o caso da beatificação de Camilo Costa de Beauregard. A próxima etapa, em 2024, será o parecer dado ao Papa por um colégio de cardeais…

Em 27 de fevereiro de 2024, o Dicastério (cardeais e bispos) decidiu por unanimidade a favor da natureza inexplicável do milagre atribuído à intercessão de Camilo Costa de Beauregard.
Em 14 de março de 2024, o Papa Francisco autorizou a publicação do decreto que reconhece o milagre atribuído à intercessão de Camilo Costa de Beauregard, abrindo caminho para sua beatificação.

Os ritos de beatificação serão realizados em Chambéry, na diocese que promoveu a causa do novo beato, em 17 de maio de 2025.

O milagre atribuído à intercessão de Camilo Costa de Beauregard
Aqui estão algumas explicações sobre esse milagre, que ocorreu em 1910, apenas alguns meses após a morte do fundador:

“Em 5 de novembro de 1910, o oftalmologista Amadeu Dénarié, que havia examinado e tratado a criança, disse: “Não hesito em declarar que a cura ocorreu fora das leis da natureza e de maneira extraordinária”.

O jovem Renato, de 10 anos, interno do orfanato, foi gravemente ferido no olho por uma bola de bardana atirada contra ele durante uma caminhada. A princípio, as crianças disseram que foi uma pedra atirada por um carro que passava, mas um pouco mais tarde admitiram que estavam brincando de atirar bardanas umas nas outras (essas são plantas bem conhecidas encontradas nas margens das estradas e que muitas crianças usam como projéteis). Renato recebeu uma no olho, lançada com força. Sob a dor, ele tentou removê-la, rasgando a córnea… O ferimento piorava a cada dia, tanto que, depois de várias semanas, perdeu-se toda a esperança de recuperação. Mas o olho da criança se curou da noite para o dia, sem qualquer medicação, depois que a irmã enfermeira aplicou um pano que havia pertencido a Camilo Costa de Beauregard no último dia de uma novena com a criança.

O dossiê de testemunhos coletados na época foi cuidadosamente preservado nos arquivos, embora tenha ficado um pouco esquecido por muitos anos. Foi somente quando foi redescoberto em 2011 que se decidiu, com esses novos elementos, relançar a causa de beatificação do fundador do Le Bocage.

Camilo em resumo

Nascimento
Nascimento: 17 de fevereiro de 1841
Batizado no dia seguinte na igreja de Notre Dame

Jovem sacerdote
Ordenação: 26 de maio de 1866
Retorno a Chambéry: 1867, vigário na catedral

A obra do Bocage
Criação do Orfanato de Bocage: maio de 1868
Sua morte em 25 de março de 1910

Servo de Deus
Abertura do processo diocesano: 1926

Venerável
Processo apostólico: 1965 -1966
Decreto de Venerabilidade: 22 de janeiro de 1991

Bem-aventurado
Reconhecimento do milagre: 14 de março de 2024

A celebração da beatificação está marcada para sábado, 17 de maio de 2025.
Um exemplo de vida dedicada e luminosa que deve ser conhecido e imitado.

Françoise Bouchard




Difundindo o espírito missionário de Dom Bosco

Estamos nos aproximando da celebração do 150º aniversário da Primeira Expedição Missionária Salesiana (1875-2025). A dimensão missionária da Sociedade Salesiana faz parte de seu “DNA”. Foi assim desejada por Dom Bosco desde o início, e hoje a congregação está presente em 136 países. Esse ímpeto inicial continua até hoje e é apoiado pelo Dicastério para as Missões. Vamos apresentar brevemente suas atividades e organização.

            Embora Dom Bosco nunca tenha partido para terras distantes como missionário ad gentes, ele sempre teve um coração missionário e um desejo ardente de compartilhar o carisma salesiano a fim de alcançar todas as fronteiras do mundo e contribuir para a salvação dos jovens.
Isso foi possível graças à disponibilidade de tantos salesianos enviados em expedições missionárias (no final de setembro deste ano será celebrada a 155ª) que, trabalhando com os habitantes locais e os leigos, permitiram que o carisma salesiano fosse difundido e inculturado. Em comparação com os primeiros “pioneiros”, hoje a figura do missionário deve responder a desafios diferentes, e o paradigma missionário foi atualizado para ser um veículo eficaz de evangelização no mundo de hoje. Em primeiro lugar, como nos recorda o P. Alfred Maravilla, Conselheiro Geral para as Missões (em 2021 escreveu a carta “A vocação missionária salesiana”), as missões não respondem mais a critérios geográficos, como outrora, e os missionários de hoje provêm e são enviados aos cinco continentes, de modo que não há mais uma clara separação entre “terras de missão” e outras presenças salesianas. Além disso, é muito importante a distinção entre a vocação missionária salesiana, ou seja, o chamado que alguns salesianos recebem para serem enviados por toda a vida em outro lugar como missionários, e o espírito missionário, típico de todos os salesianos e de todos os membros de uma comunidade educativo-pastoral, que se manifesta no coração oratoriano e no impulso para a evangelização dos jovens.

            A tarefa de promover o espírito missionário e de mantê-lo vivo nos salesianos e nos leigos é confiada, sobretudo, aos “Delegados Inspetoriais para a Animação Missionária” (DIAM), ou seja, àqueles salesianos ou leigos que recebem do Inspetor, o superior salesiano da província (“inspetoria”) em questão, a tarefa de cuidar da animação missionária. O DIAM tem um papel muito importante; ele é a “sentinela missionária” que, com sua sensibilidade e experiência, se empenha em difundir a cultura missionária em vários níveis (ver Animação Missionária Salesiana. Manual do Delegado Inspetorial, Roma, 2019).

            O DIAM desperta a sensibilidade missionária em todas as comunidades da Inspetoria e trabalha em sinergia com os líderes das outras áreas para testemunhar a importância desse âmbito transversal, comum a todo cristão. Em nível prático, organiza várias iniciativas, promove a oração pelas missões no dia 11 do mês, em memória da primeira expedição missionária de 11 de novembro de 1875, promove anualmente o “Dia Missionário Salesiano” na Inspetoria, divulga os materiais preparados pela Congregação sobre temas missionários, como o boletim “Cagliero11” ou o vídeo “CaglieroLife”. O Dia Missionário Salesiano, que se celebra desde 1988, é uma bela ocasião para parar, refletir e relançar a animação missionária. Não precisa ser necessariamente um dia, pode ser um itinerário de vários dias, e não tem uma data fixa, de modo que cada um pode escolher a melhor época do ano que se adapte ao ritmo e ao calendário da Inspetoria. A cada ano, um tema comum é escolhido e alguns materiais de animação são preparados como alimento para reflexão e atividades, que podem ser adaptados e modificados. Neste ano, o tema é “construtores de diálogo”, enquanto em 2025 o foco será o 150º aniversário da primeira expedição missionária, de acordo com os três verbos “Agradecer, Repensar, Relançar”. O “Cagliero11”, por outro lado, é um simples boletim de animação missionária, criado em 2009 e publicado mensalmente, com duas páginas que contêm reflexões missionárias, entrevistas, notícias, curiosidades e a oração mensal proposta. O “CaglieroLife” é um vídeo de um minuto que, com base na oração missionária do mês (por sua vez, com base na intenção mensal proposta pelo Papa), ajuda a refletir sobre o tema. Todas essas são ferramentas que permitem que o DIAM realize sua tarefa de promover o espírito missionário de maneira adequada, em sintonia com os tempos atuais.
            O DIAM colabora ou coordena, segundo as Inspetorias, o Serviço Voluntário Missionário Salesiano (“SMV”), ou seja, aquelas experiências juvenis de solidariedade e de serviço gratuito em uma comunidade diferente da própria por um período contínuo (no verão, por vários meses, um ano…), motivadas pela fé, com um estilo missionário e segundo a pedagogia e a espiritualidade de Dom Bosco (O voluntariado na missão salesiana: identidade e orientações do voluntariado missionário salesiano. Roma, 2019).
            Este ano, em março, foi realizado em Roma um primeiro encontro dos coordenadores do VMS, com a presença de cerca de cinquenta participantes, entre leigos e salesianos, sob a orientação de uma equipe consultiva mista que cuidou da organização. Entre os pontos salientes do encontro, que foi muito rico sobretudo em termos de troca de experiências, foram explorados a identidade do voluntário missionário salesiano, a formação dos voluntários e dos coordenadores, a colaboração entre leigos e religiosos, o acompanhamento em todos os níveis e o trabalho em rede. Foi apresentada uma nova cruz simbólica do VMS, que pode ser usada por todos os voluntários nas várias experiências ao redor do mundo, e o esboço de um novo site, que servirá como plataforma de dados e de rede.
            Além disso, o DIAM visita as comunidades da Inspetoria e as acompanha do ponto de vista missionário, cuidando especialmente dos salesianos que estão caminhando para ver se são chamados a se tornar missionários ad gentes.

            Obviamente, todo esse trabalho não pode ser feito por uma única pessoa; o trabalho em equipe e a mentalidade de projeto são importantes. Cada Inspetoria tem uma comissão de animação missionária, formada por salesianos, leigos e jovens corresponsáveis, que formula propostas, sugestões criativas e coordena as atividades. Além disso, ela elabora o projeto inspetorial de animação missionária, a ser apresentado ao Inspetor, que é a bússola a ser seguida com objetivos, cronogramas, recursos e passos concretos. Desse modo, evita-se a improvisação e se age seguindo um plano estruturado e estratégico com base no Projeto Educativo Pastoral Inspetorial Salesiano (PEPSI) mais amplo, promovendo uma visão compartilhada da animação missionária. Na Inspetoria, são organizados momentos de formação permanente, reflexão e discussão, e a cultura missionária é promovida em vários níveis. Essas estruturas, criadas ao longo do tempo, permitem uma animação e uma coordenação mais eficazes, com o objetivo de dar sempre o melhor para o bem dos jovens.

            Outro aspecto importante é a partilha entre os DIAMs de diferentes países e inspetorias. Cada Região (são sete: Cone Sul da América, Interamérica, Centro-Norte da Europa, Mediterrânea, África – Madagascar, Leste Asiático – Oceania e Sul da Ásia) se reúne regularmente, presencialmente uma vez por ano e on-line a cada três meses, para reunir suas riquezas, compartilhar desafios e traçar um caminho regional. As reuniões on-line, que começaram há alguns anos, permitem maior conhecimento dos DIAMs e dos contextos em que operam, atualização contínua da qualidade e um intercâmbio frutífero que enriquece a todos. Em cada Região há um coordenador, que convoca os encontros, promove o caminho regional e modera os processos comuns, juntamente com o salesiano de contato da equipe central do Setor para as Missões, que representa o Conselheiro Geral para as Missões, trazendo ideias, intuições e sugestões ao grupo.

            Este grande empenho, cansativo, mas muito útil e cheio de verdadeira alegria, é uma das peças que une os muitos pedaços do mosaico salesiano e garante que o sonho de Dom Bosco possa continuar hoje.

Marco Fulgaro