O sonho do elefante (1863)

Dom Bosco, não tendo dado a estreia aos seus alunos, no último dia do ano, retornando de Borgo Cornalense, no dia 4, domingo, tinha prometida dar a estreia na noite da festa da Epifania. Era o dia 6 de janeiro de 1863, e todos os jovens, aprendizes e estudantes, reunidos no mesmo parlatório, esperavam ansiosos a estreia.
Rezadas as orações, o bom pai subiu no estrado e começou a dizer:

            Eis que chegamos na noite da estreia. Todo ano, desde as festas natalinas, eu costumo elevar a Deus orações, para que me inspire uma estreia que vos possa ajudar. Mas, neste ano, dobrei minhas orações devido ao aumento do número dos jovens. Passou, porém, o último dia do ano, veio a quinta-feira, a sexta-feira e nada de novo. Na noite de sexta vou dormir, cansado das fadigas do dia, nem consegui pegar no sono a noite toda, de maneira que levantei de manhã mais cansado ainda, quase semimorto. Não me perturbei por causa disso; aliás, fiquei contente, porque sabia que geralmente quando o Senhor está para me manifestar algo, passo muito mal a noite anterior. Continuei minhas costumeiras ocupações no povoado de Borgo Cornalense e na noite de sábado cheguei entre vocês. Depois de ter confessado, fui deitar e, pelo cansaço devido à pregação e pelas confissões em Borgo, e pelo pouco descanso da noite anterior, facilmente peguei no sono. Eis, aqui começa o sonho do qual vocês receberão a estreia.
            Queridos jovens, sonhei que era dia de festa, depois do almoço, nas horas de recreio, e vocês estavam todos se divertindo de mil maneiras. Pareceu-me estar em meu escritório com o Cav. Vallauri, professor de Belas Letras. Tínhamos conversado de várias coisas literárias e de outras a respeito da religião, quando, de repente, ouço alguém bater na porta.
            Vou ver. Era minha mãe, falecida há seis anos, que, aflita, estava me chamando:
             – Vem ver, vem ver!
            – O que é? – respondi.
            – Vem, vem! – Replicou.
            Por causa da insistência, fui até a varanda e eis que vejo no pátio, no meio dos jovens um elefante de grandeza desmedida.
            – Mas como? – Exclamei! – Vamos correndo lá embaixo. – E, amedrontado, olhava o Cav. Vallauri, e ele olhava para mim, como a nos perguntar um ao outro de que maneira tivesse entrado aquela fera monstruosa. Descemos logo correndo no pórtico com o professor.
            Muitos de vocês naturalmente correram para ver aquele animal. Aquele elefante parecia manso e dócil: divertia-se junto com os jovens; acariciava-os com a tromba; era tão inteligente que obedecia às ordens, como se tivesse sido amansado e criado aqui no Oratório desde a primeira idade, de maneira que era sempre acompanhado e acariciado por um grande número de jovens. Mas nem todos vocês estavam ao seu redor. Eu vi que a maior parte de vocês, apavorados, fugiam para cá e para lá, procurando um lugar para se abrigar e, por fim, acabaram se abrigando na igreja. Eu também tentei entrar pela porta que dá no pátio; mas passando perto da imagem da Virgem Maria, posicionada perto do bebedouro, tendo eu tocado a extremidade do seu manto, como em sinal de pedir o seu patrocínio, ela levantou o braço direito. Vallauri quis repetir o meu gesto do outro lado, e a Virgem moveu o braço esquerdo. Eu fiquei surpreendido, não sabendo como explicar um fato tão extraordinário.
            Chegou então a hora das sagradas funções, e vocês, meus jovens, foram todos para a igreja. Eu também entrei e vi o elefante, em pé no fundo perto da porta. Foram rezadas as Vésperas, e, depois da pregação, fui para o altar acompanhado pelo P. Alasonatti e pelo P. Sávio para dar a bênção com o Santíssimo Sacramento. Mas no momento solene em que todos estavam profundamente recolhidos em adoração do Santo dos Santos, vi, sempre no fundo da igreja, no meio entre os bancos, o elefante ajoelhado e fazendo reverência em sentido contrário, isto é, com a cara e as horríveis patas viradas para a porta principal.
            Terminadas as funções eu queria logo sair no pátio para observar o que aconteceria, mas puxado por alguém na sacristia que queria me dar alguns avisos, tive que aguardar.
            Saio depois de pouco tempo embaixo dos pórticos, e vocês no pátio para reiniciar as diversões como antes. O elefante, saindo da igreja, foi até o segundo pátio ao redor do qual estão sendo construídos edifícios. Notem bem esta circunstância, pois naquele pátio aconteceu a cena horrível que agora vou descrever.
            Naquele momento lá no fundo, apareceu um estandarte, em que estava escrito em caracteres cubitais: Sancta Maria sucurre miseris (Santa Maria, socorra os míseros – Da antífona das Primeiras Vésperas no Comum das Festas da Bem-aventurada Virgem Maria), e o seguiam jovens em procissão. Quando, de repente, sem ninguém esperar, vi aquele animal horroroso, que antes parecia tão gentil, lançar-se com furioso bramido no meio dos alunos ao redor e, pegando os mais próximos pela tromba, lançá-los para cima, esmagá-los, jogando-os no chão, e pisoteá-los com as patas. Todavia, os que eram assim maltratados não morriam, mas ficavam em condições de poder sarar, embora as feridas fossem horrendas. Era um corre-corre geral; quem gritava, quem chorava, e quem ferido pedia ajuda dos colegas: enquanto, coisa horrível, alguns jovens, poupados pelo elefante, em lugar de ajudar a socorrer os feridos, fizeram aliança com o monstro para lhe oferecer outras vítimas.
            Enquanto aconteciam essas coisas (e eu estava no segundo arco do pórtico perto do bebedouro), aquela estatueta que vocês veem lá (indicava a estátua da Virgem Santíssima) se animou e engrandeceu, tornou-se pessoa de alta estatura, levantou os braços e estendeu o manto, no qual estavam escritas com arte maravilhosa muitas inscrições. O manto abriu-se desmesuradamente, tanto que cobriu todos os que se abrigavam nele: aí eles estavam seguros. Primeiramente um número escolhido dos melhores correu para aquele abrigo. Mas, vendo Maria Santíssima que muitos não se apressavam para irem sob o seu manto, gritava em voz alta: Venite ad me omnes (“Vinde a mim todos” – Mt 11,28), e eis que aumentava o número dos meninos debaixo do manto que continuava a se alargar. Alguns, porém, em vez de se abrigar debaixo do manto, corriam para cá e para lá e eram feridos antes de se abrigar em lugar seguro. A Virgem Santíssima, angustiada, vermelha no rosto, continuava a gritar, mas eram poucos os que corriam para Ela. O elefante continuava o massacre e vários jovens, quem manejando uma espada, quem duas, espalhados aqui e acolá, impediam os companheiros, que ainda estavam no pátio, com ameaças e ferindo-os, de chegar até Maria. A estes o elefante não fazia nada.
            Alguns dos jovens abrigados perto de Maria e por Ela encorajados, faziam rápidas corridas. Tiravam do elefante algum colega e o levavam sob o manto da estátua misteriosa, e este logo ficava curados. E logo saíam para novas conquistas. Vários meninos armados de bastão afastavam o elefante de suas vítimas e se opunham aos seus cúmplices. E não pararam de trabalhar, colocando em risco a própria vida, até levarem todos a lugar protegido.
            O pátio já estava deserto. Alguns estavam esticados no chão quase mortos. De um lado, perto dos pórticos, uma multidão de meninos embaixo do manto da Virgem. Do outro lado, afastados, o elefante e uns dez ou doze jovens que ficaram com ele, e que o haviam ajudado a fazer tanto mal e insolentemente impertérritos empunhavam as espadas.
            De repente, o elefante, levantando-se sobre as pernas posteriores, transforma-se num fantasma horrível com longos chifres e, tomando um pano preto ou rede, envolve aqueles pobres meninos que haviam trabalhado para ele e lança um rugido. Então uma densa fumaça envolveu a todos, e afundaram desaparecendo, junto com o monstro, num abismo que se abriu improvisamente sob os seus pés.
            Terminada essa horrenda cena, olhei ao redor para expor qualquer minha reflexão à minha mãe e ao Cav. Vallauri, mas já não estavam mais.
            Dirigi-me a Maria, desejoso de ler as inscrições que apareciam impressas em seu manto, e vi que algumas eram tiradas literalmente da Sagrada Escritura e outras também, mas um pouco modificadas. Li algumas delas: Qui elucidant me vitam aeternam habebunt (“Os que me tornam conhecida terão a vida eterna” – Eclo 24,31; qui me invenerit inveniet vitam (“Quem me encontrar encontrará a vida – Pr 8,35); si quis est parvulus veniat ad me (“Se há um inexperiente, venha a mim” – Pr 9,4); refugium peccatorum (Refúgio dos pecadores – Ladainhas lauretanas). Salus credentium (Salvação dos crentes – do sonho de Dom Bosco das duas colunas, maio de 1862); plena omnis pietatis, mansuetudinis et misericordiae (Cheia de toda piedade, mansidão e misericórdia). Beati qui custodiunt vias meas (“Felizes os que guardam meus caminhos” – Pr 8,32)!
            Depois do desaparecimento do elefante, tudo ficou tranquilo. A Virgem parecia cansada pelo tanto gritar. Depois de breve silêncio, dirigi aos jovens belas palavras de conforto, de esperança; e, repetindo aquelas palavras que vocês podem ver embaixo do nicho, que mandei escrever: Qui elucidant me, vitam aeternam habebunt (“Os que me tornam conhecida, terão a vida eterna” – Eclo 24,31), disse – Vocês que ouviram a minha voz e escaparam do massacre do demônio, puderam ver e puderam observar os seus colegas massacrados. Querem saber a causa de sua perdição? Sunt colloquia prava: são as más conversas contra a pureza, aquelas obras desonestas que seguiram imediatamente as más conversas. Vocês viram também aqueles seus colegas armados de espada: são aqueles que procuram a vossa perdição, afastando-vos de mim, e que causaram a perdição de tantos colegas seus. Mas quos diutius expectat durius damnat: aqueles aos quais Deus aguarda por mais tempo, mais severamente Ele vai punir (São Gregório Magno); e aquele demônio infernal, envolvendo-os a todos, os levou consigo à eterna perdição. Agora vocês podem ir tranquilos, mas lembrem-se de minhas palavras: Fujam daqueles companheiros amigos de Satanás, fujam das más conversas, especialmente contra a pureza, tenham em mim uma ilimitada confiança, e o meu manto será sempre um refúgio seguro.
            Ditas estas e outras semelhantes palavras, tudo sumiu e nada mais ficou no seu lugar, a não ser a nossa querida estatueta. Então reapareceu a minha finada mãe, novamente foi levantado o estandarte com a escrita: Sancta Maria sucurre miseris (“Santa Maria, socorre a nós míseros” – Da antífona das Primeiras Vésperas, comum das Festas da B. V. M.); todos os jovens organizaram-se atrás dele e entoaram o canto: Lodate Maria, o lingue fedeli (“Louvai Maria, ó línguas fiéis”).
            Mas não durou muito para o canto ir se apagando, depois esvaiu-se todo aquele espetáculo, e eu acordei todo molhado de suor. Pronto! Esse foi o meu sonho. Meus filhos, tirem vocês mesmos a estreia: quem estava debaixo do manto, quem estava sendo jogado para o alto pelo elefante, e quem tinha a espada, perceberá ao examinar a própria consciência. Eu só lhes repito as palavras da Virgem Santíssima: Venite ad me omnes (“Vinde a mim todos” – Mt 11,28); recorram todos a Ela, em cada perigo invoquem Maria e asseguro-lhes que serão atendidos. De resto, pensem os que foram maltratados pelo monstro a fugir das más conversas, dos maus colegas; e os que procuravam afastar os outros de Maria, ou mudem de vida ou saiam logo desta Casa. Quem quiser saber onde ele estava no sonho pode vir comigo também em meu escritório, e eu lhe revelarei. Mas, repito, os ministros de Satanás, ou mudar ou partir. Boa noite!

            Essas palavras foram pronunciadas com tanta unção e comoção que os jovens, meditando aquele sonho por mais de uma semana, não deixaram Dom Bosco em paz. De manhã muitas confissões, depois do almoço quase todos com ele para saber onde estavam naquele sonho misterioso.
            E que não era um sonho, mas uma visão, também Dom Bosco o havia afirmado dizendo: – Quando o Senhor quer me manifestar algo, passo etc…; Costumo rezar muito para que se digne inspirar-me… e depois com o proibir de brincar sobre essa narração.
            E tem mais.
            Desta vez ele mesmo escrevia numa folha o nome dos alunos que no sonho havia visto feridos, dos que manejavam a espada, e dos outros que manejavam duas espadas; e o entregou ao P. Celestino Durando, encarregando-o de cuidar deles. O P. Durando transmitiu-nos essa lista e a temos sob nossos olhos. Os feridos são 13, aqueles que provavelmente não foram se refugiar debaixo do manto de Nossa Senhora. Os que tinham uma espada eram 17; os que tinham duas espadas eram só três. Alguma nota ao lado de um nome indica mudança de conduta. Observe-se que o sonho, como haveremos de ver, não representava somente o tempo presente, mas dizia respeito também ao futuro.
            Mas, de modo especial, que esse sonho tenha acertado o alvo, o comprovam os mesmos jovens. “Não acreditava que Dom Bosco me conhecesse assim; manifestou-me o estado de minha alma; as tentações que eu tenho com tal precisão, que nada poderia acrescentar”. Outros dois jovens aos quais Dom Bosco tinha dito que manejavam a espada – Ah! Sim, é verdade – diziam –, faz muito tempo que percebi; eu sabia disso.  E mudaram de conduta.
            “Um dia, depois do almoço, Dom Bosco falava de seu sonho, e depois de ter referenciado como alguns já tivessem saído e outros tinham que sair para afastar sua espada da casa, veio a discorrer de sua astúcia, como ele dizia, e para demonstrar isso contou este fato. – Um jovem escrevia uma carta, há pouco tempo atrás, para sua casa, atribuindo às pessoas do Oratório mais dignas de estima, como seja a superiores e aos padres, sérias calúnias e insultos. Temendo que Dom Bosco pudesse ver aquela folha, procurou, tentando de todos os modos, levar ao correio sem que ninguém soubesse. A carta foi. Depois do almoço mandei chamá-lo: ele se apresenta em meu escritório e eu, depois de ter-lhe mostrado o seu erro, interroguei-o para saber o que o teria induzido a escrever tantas mentiras. Ele negou descaradamente o fato; eu deixei-o falar, e depois, iniciando pela primeira palavra, recitei-lhe toda a sua carta. Então, confuso, apavorado, chorando se jogou aos meus pés dizendo: ‘A minha carta, então, não foi despachada?’ Sim, respondi, já deve ter chegado à sua casa, mas você procure reparar o seu erro. – Os alunos o interrogaram como foi que ele sabia. – Oh! Minha astúcia! – respondeu sorrindo”.
            Essa astúcia devia ser a mesma do sonho, que dizia respeito não só para o estado presente, mas a vida futura de cada jovem, um dos quais, em estreita relação com o P. Rua, assim escrevia muitos anos mais tarde. Note-se que a folha traz nome e sobrenome do escrevente, com o nome da rua e o número de sua casa em Turim.

            Caríssimo P. Rua,

            … Entre outras coisas lembro de uma visão, que Dom Bosco teve em 1863, enquanto eu estava morando em sua casa; na qual viu a vida futura de todos os seus, e contada por ele mesmo depois das orações da noite. Foi o sonho do elefante. (Aqui, tendo descrito o que acima relatamos, continua): Dom Bosco, terminada sua narração, nos disse: – Se vocês querem saber onde estavam no sonho, venham comigo em meu escritório, e eu lhes direi.
            Então eu também fui. – Você – ele me disse – era um daqueles que corriam atrás do elefante antes e depois das funções na igreja, portanto, naturalmente foi sua presa; você foi lançado ao alto pela tromba e, caindo, ficou machucado, de modo que não podia mais fugir, embora fazendo todos os esforços. Quando um seu companheiro sacerdote, que você não conhecia, chega, toma-o pelo braço e o leva sob o manto de Nossa Senhora. Você foi salvo.
            Esse não-sonho, como dizia Dom Bosco, mas verdadeira revelação do futuro que o Senhor fazia ao seu servo, aconteceu no segundo ano em que estava no Oratório, em um tempo em que eu era exemplo aos meus colegas tanto no estudo, quanto na piedade; assim mesmo, Dom Bosco me viu naquele estado. Vieram as férias escolares de 1863. Fui para as férias por motivos de saúde e não voltei mais para o Oratório. Eu tinha 13 anos completos. No ano seguinte meu pai colocou-me para aprender a profissão de sapateiro. Dois anos depois (1866), fui à França para me aperfeiçoar na minha profissão. Aqui me encontrei com gente das seitas e aos poucos deixei a igreja e as práticas religiosas, comecei a ler livros heréticos e cheguei ao ponto de aborrecer a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, como a mais pestífera das religiões.
            Dois anos depois voltei à pátria e, também aqui, continuei sempre a ler livros ímpios e cada vez mais me afastava da verdadeira Igreja.
            Em todo esse tempo, porém, nunca deixei de rezar a Deus nosso Pai em nome de Jesus Cristo, a fim de que me iluminasse e me fizesse conhecer a verdadeira religião.
            Todo este tempo durou 13 anos, durante os quais eu fazia todo o esforço para me levantar, mas estava ferido, era vítima do elefante, não podia me mexer. No final de 1878, aconteceu uma missão espiritual numa Paróquia. Muita gente participava dessas instruções, e eu também comecei a frequentar, só mesmo para ouvir aqueles famosos oradores. Achei tudo tão bonito, verdades incontestáveis e, finalmente, o último sermão, que tratava justamente do Santíssimo Sacramento, último ponto e principal que me deixava na dúvida (pois não acreditava mais na presença de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, nem real, nem espiritual), o orador soube explicar tão bem a verdade, confutar os erros e convencer-me, que eu, tocado pela graça do Senhor, decidi-me a fazer a confissão e voltar sob o manto da Bem-aventurada Virgem. Desde então não paro mais de agradecer a Deus e a Bem-aventurada Virgem da graça recebida. Veja bem que, em cumprimento da visão, soube depois que aquele orador missionário era meu colega no Oratório de Dom Bosco.
Turim, 25 de fevereiro de 1891.
DOMINGOS N.

            P. S. – Se a Senhoria Vossa Reverendíssima achar bom publicar esta minha carta, dou-lhe ampla faculdade também de corrigir, embora sem mudar o sentido, sendo esta a pura verdade. Respeitosamente beijo sua mão, caro P. Rua, entendendo com este beijo beijar a mão do nosso amado Dom Bosco.

            Mas desse sonho Dom Bosco havia recebido também luzes para poder julgar as vocações ao estado religioso ou eclesiástico, as disposições de uns e outros em fazer o bem. Ele tinha visto aqueles corajosos que enfrentavam o elefante e os seus colaboradores para salvar os colegas e arrancar deles as feridas para levá-los sob o manto de Nossa Senhora. Por isso ele continuava a acolher os pedidos daqueles que desejavam fazer parte da Pia Sociedade, ou admiti-los, sendo já inscritos, a fazer os votos trienais. E para eles será, para sempre, título de muita honra a escolha feita por Dom Bosco. Uma parte destes não emitiu os votos, ou terminada a promessa trienal, saiu do Oratório; mas o fato está que estes perseveraram quase todos em sua missão de salvar e instruir a juventude ou como padres na Diocese, ou como professores seculares nas escolas reais. Seus nomes estão em três atas do Capítulo Salesiano.
(MB IT VII, 356-363 / MBp VII, 366-376)




Um sorriso ao amanhecer

Um testemunho comovente de Raul Follereau. Ele estava em uma colônia de leprosos em uma ilha do Pacífico. Um pesadelo de horror. Nada além de cadáveres ambulantes, desespero, raiva, feridas e mutilações horríveis.
No entanto, em meio a tanta devastação, um velho doente mantinha olhos surpreendentemente brilhantes e sorridentes. Ele estava sofrendo no corpo, como seus infelizes companheiros, mas demonstrava apego à vida, não desespero, e gentileza no tratamento dos outros.
Intrigado com aquele verdadeiro milagre da vida, no inferno da colônia de leprosos, Follereau quis buscar uma explicação: o que poderia ter dado tamanha força de vida àquele velho tão atingido pelo mal?
Ele o seguiu, discretamente. Descobriu que, invariavelmente, ao raiar do dia, o velho se arrastava até a cerca que cercava o leprosário e chegava a um lugar específico.
Ele se sentava e esperava.
Não era o nascer do sol que ele esperava. Nem o espetáculo do amanhecer do Pacífico.
Ele esperaria até que, do outro lado da cerca, aparecesse uma mulher, também idosa, com o rosto coberto de rugas finas e os olhos cheios de gentileza.
A senhora não falava. Apenas enviava uma mensagem silenciosa e discreta: um sorriso. Mas o senhor se iluminou com aquele sorriso e respondeu com outro sorriso.
A conversa silenciosa durava alguns instantes, depois o senhor se levantava e voltava saltitando para o alojamento. Todas as manhãs. Uma espécie de comunhão diária. O leproso, nutrido e fortalecido por aquele sorriso, podia suportar um novo dia e aguentar até o novo encontro com o sorriso daquele rosto feminino.
Quando Follereau lhe perguntou, o leproso disse: “Ela é minha esposa!”.
E depois de um momento de silêncio: “Antes de eu vir para cá, ela cuidou de mim em segredo, com tudo o que pôde encontrar. Um feiticeiro havia lhe dado um unguento. Todos os dias ela passava o unguento no meu rosto, exceto uma pequena parte, o suficiente para colocar seus lábios nele para um beijo… Mas foi tudo em vão. Então eles me pegaram e me trouxeram para cá. Mas ela me seguiu. E quando a vejo novamente todos os dias, só por ela sei que ainda estou vivo, só por ela ainda gosto de viver”.

Com certeza alguém sorriu para você esta manhã, mesmo que não tenha percebido. Certamente alguém está esperando pelo seu sorriso hoje. Se você entrar em uma igreja e abrir sua alma ao silêncio, perceberá que Deus, antes de tudo, o recebe com um sorriso.




Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora (9/13)

(continuação do artigo anterior)

Capítulo XVII. Continuação e conclusão do edifício.

            Parece que a Santa Virgem de fato cumpriu a oração feita publicamente na bênção da pedra fundamental. Os trabalhos prosseguiram com a máxima rapidez e, no decorrer de 1865, o edifício foi levantado até o teto, coberto e a abóbada concluída, com exceção da seção incluída na periferia da cúpula. No ano de 1866, a cúpula e a pequena cúpula foram concluídas, e tudo foi coberto com cobre estanhado.
            No ano de 1867, foi concluída a estátua que representa Maria, Mãe da Misericórdia, abençoando seus devotos. Aos pés da estátua, se encontra a seguinte inscrição: Ângela e Benedito Chirio, esposos, em homenagem a Maria Auxiliadora FF. Essas palavras lembram os nomes dos beneméritos doadores dessa estátua, que é feita de cobre forjado. Ela tem cerca de quatro metros de altura e é encimada por doze estrelas douradas que coroam a cabeça da gloriosa Rainha do Céu. Quando a estátua foi colocada em seu lugar, ela foi simplesmente bronzeada, o que revelou muito bem a obra de arte, mas a certa distância ela se tornava pouco visível, por isso foi considerado bom dourá-la. Uma pessoa piedosa, já merecedora de muitos títulos, encarregou-se dessa despesa.
            Agora ela brilha intensamente e, para aqueles que a olham de longe, quando é batida pelos raios do sol, ela parece falar e querer dizer:
            Sou bela como a lua, eleita como o sol: Pulcra ut luna, electa ut sol. Estou aqui para acolher as súplicas de meus filhos, para enriquecer com graças e bênçãos aqueles que me amam. Ego in altissimis habito ut ditem diligentes me, et thesauros eorum repleam [Permaneço no mais alto trono de glória para enriquecer aqueles que me amam].
            Quando o trabalho de decoração e ornamentação da estátua foi concluído, ela foi abençoada com uma das mais devotas solenidades.
            Dom Riccardi, nosso veneradíssimo arcebispo, assistido por três cônegos do Metropolita e muitos sacerdotes, teve o prazer de vir pessoalmente desempenhar essa função sagrada. Após um breve discurso com o objetivo de demonstrar o antigo uso de imagens entre o povo judeu e na Igreja primitiva, a bênção foi compartilhada com o Santíssimo Sacramento.
            No ano de 1867, a obra estava quase concluída. O restante do interior da igreja foi feito nos primeiros cinco meses do ano corrente de 1868.
            Portanto, há cinco altares, todos de mármore trabalhado com diferentes desenhos e frisos. Pela preciosidade do mármore, destaca-se o da capela lateral à direita, que contém verde antigo, vermelho espanhol, alabastro oriental e malaquita. As balaustradas também são de mármore; o piso e os presbitérios são de mosaico. As paredes internas da igreja foram simplesmente coloridas sem pintura, com medo de que a construção recente das paredes alterasse o tipo das cores.
            Da primeira base até a altura máxima são 70 metros; os plintos, as amarrações e as cornijas são de granito. No interior da igreja e na cúpula, há parapeitos de ferro para proteger aqueles que precisam fazer algum trabalho ali. Na parte externa da cúpula, há três escadas, se não muito confortáveis, certamente seguras para aqueles que desejam subir até o pedestal da estátua. Há dois campanários encimados por duas estátuas, cada uma com dois metros e meio de altura. Uma dessas estátuas representa o Anjo Gabriel no ato de oferecer uma coroa à Santíssima Virgem; a outra representa São Miguel segurando uma bandeira na mão, na qual está escrito em letras grandes: Lepanto. E isso para recordar a grande vitória obtida pelos Cristãos contra os Turcos junto a Lepanto, graças à intercessão de Maria Santíssima. Acima de um dos campanários encontra-se um concerto de cinco sinos em Mi bemol, que alguns devotos dignos promoveram com suas ofertas. Acima dos sinos estão gravadas várias imagens com inscrições semelhantes. Um desses sinos é dedicado ao Supremo Hierarca da Igreja, Pio IX, e outro ao nosso Arcebispo Riccardi.

Capítulo XVIII. Retábulo maior. Pintura de São José – Púlpito.

            No transepto esquerdo está o altar dedicado a São José. A pintura do santo é obra do artista Tomás Lorenzone. A composição é simbólica. O Salvador é apresentado como uma criança no ato de entregar uma cesta de flores à Santíssima Virgem, como se dissesse: flores mei, flores honoris et honestatis[minhas flores, as flores da honra e da honestidade]. Sua Augusta Mãe diz para oferecê-la a São José, seu esposo, para que, por sua mão, sejam entregues aos fiéis que os aguardam com as mãos erguidas. As flores representam as graças que Jesus oferece a Maria, enquanto ela constitui São José seu dispensador absoluto, como a Santa Igreja o saúda: constituit eum dominum domus suae[fez dele o senhor de sua casa].
            A altura da pintura é de 4 metros por 2 metros de largura.
            O púlpito é muito majestoso; o projeto também é do Cav. Antonio Spezia; a escultura e todas as outras obras são de autoria dos jovens do Oratório de São Francisco de Sales. O material é de nogueira entalhada e as tábuas são bem unidas. Sua posição é tal que o pregador pode ser visto de qualquer ângulo da igreja.
            Mas o monumento mais glorioso dessa igreja é o retábulo, a grande pintura acima do altar-mor no coro. Ela também é obra de Lorenzone. Sua altura é de mais de sete metros por quatro. Ela se apresenta aos olhos como uma figura de Maria Auxiliadora da seguinte maneira:
            A Virgem está em um mar de luz e majestade, sentada em um trono de nuvens. Ela está coberta por um manto que é sustentado por um batalhão de anjos que, fazendo uma coroa, prestam homenagem a ela como sua rainha. Com a mão direita, ela segura o cetro, que é um símbolo de seu poder, quase aludindo às palavras que proferiu no santo Evangelho: Fecit mihi magna qui potens est. Ele, Deus, que é poderoso, fez grandes coisas por mim. Com a mão esquerda, segura o Menino, cujos braços estão abertos, oferecendo assim suas graças e misericórdia àqueles que recorrem à sua Augusta Mãe. Em sua cabeça, ela tem o diadema ou coroa com a qual é proclamada Rainha do céu e da terra. Do alto desce um raio de luz celestial que, do olho de Deus, pousa sobre a cabeça de Maria. Nele estão escritas as palavras: virtus altissimi obumbrabit tibi: a virtude do Deus Altíssimo te cobrirá, ou seja, te cobrirá e te fortalecerá.
            Do lado oposto, outros raios descem da pomba, o Espírito Santo, que também pousam sobre a cabeça de Maria, com as palavras no meio: Ave, gratia plena: Deus te salve, ó Maria, tu és cheia de graça. Essa foi a saudação feita a Maria pelo Arcanjo Gabriel quando anunciou a ela, em nome de Deus, que ela se tornaria a Mãe do Salvador.
            Mais abaixo estão os Santos Apóstolos e Evangelistas São Lucas e São Marcos em figuras um pouco maiores do o natural. Eles, transportados em um doce êxtase, quase exclamando: Regina Apostolorum, ora pro nobis [Rainha dos Apóstolos, roga por nós], olham atônitos para a Virgem Santíssima que lhes aparece majestosamente acima das nuvens. Finalmente, ao fundo da pintura está a cidade de Turim com outros devotos agradecendo à Santíssima Virgem pelos favores recebidos e suplicando-lhe que continue a se mostrar mãe de misericórdia nos graves perigos da vida atual.
            Em geral, a obra é bem expressa, bem proporcionada, natural; mas o valor que nunca se perderá é a ideia religiosa que gera uma impressão devota no coração de qualquer pessoa que a admire.

(continua)




São Francisco de Sales forma os seus colaboradores

            Francisco de Sales não queria ser bispo. “Não nasci para mandar”, teria dito a um confrade que, para o encorajar, lhe disse: “Mas todos o querem!” Aceitou quando reconheceu a vontade de Deus na vontade do duque, do bispo Dom de Granier, do clero e do povo. É ordenado bispo de Genebra a 8 de dezembro de 1602, na pequena igreja da sua paróquia de Thorens. Numa carta a Joana de Chantal, escreveu que, nesse dia, “Deus tinha-me tirado de mim mesmo para me tomar para si e, assim, dar-me ao povo, ou seja, tinha-me transformado daquilo que eu era para mim naquilo que eu devia ser para eles”.
            Para cumprir a missão pastoral que lhe foi confiada e que tinha por objetivo servir “esta miserável e aflita diocese de Genebra”, precisava de colaboradores. É certo que, conforme as circunstâncias, gostava de chamar a todos os fiéis “meus irmãos e meus colaboradores”, mas esta designação dirigia-se ainda mais aos membros do clero, os seus “confrades”. A reforma do povo exigida pelo Concílio de Trento podia, de fato, começar com eles e através deles.

A pedagogia do exemplo
            Antes de mais, o bispo devia dar o exemplo: o pastor devia tornar-se o modelo para o rebanho que lhe era confiado e, antes de mais, para o clero. Para isso, Francisco de Sales impôs a si mesmo uma Regra Episcopal. Redigida na terceira pessoa, estipulava não só os deveres estritamente religiosos do ofício pastoral, mas também a prática de um certo número de virtudes sociais, como a simplicidade de vida, o cuidado habitual dos pobres, as boas maneiras e a decência. Desde o início, lê-se um artigo contra a vaidade eclesiástica:

Em primeiro lugar, quanto ao comportamento externo, Francisco de Sales, bispo de Genebra, não usará vestes de seda, nem vestes mais preciosas do que as usadas até agora; no entanto, elas serão limpas, bem feitas, de modo a serem usadas com propriedade ao redor do corpo.

            Na sua casa episcopal, contentar-se-á com dois clérigos e alguns criados, muitas vezes muito jovens. Também eles serão formados para a simplicidade, a cortesia e o sentido de acolhimento. A mesa será frugal, mas limpa e asseada. A sua casa deve estar aberta a todos, porque “a casa de um bispo deve ser como uma fonte pública, onde os pobres e os ricos têm o mesmo direito de se aproximar para tirar água”.
            Para além disso, o bispo deve continuar a formar-se e a estudar: “Procurará aprender todos os dias alguma coisa que seja útil e conveniente para a sua profissão”. Em regra, dedicará duas horas ao estudo, entre as sete e as nove da manhã, e depois do jantar poderá ler durante uma hora. Reconhece que gosta de estudar, mas isso lhe era indispensável: considera-se um “perpétuo estudante de teologia”.

Conhecer as pessoas e as situações
            Um bispo desta envergadura não pode contentar-se em ser apenas um bom administrador. Para conduzir o rebanho, o pastor deve conhecer o rebanho, e para conhecer a situação exata da diocese e do clero em particular, Francisco de Sales empreendeu uma série impressionante de visitas pastorais. Em 1605, visitou 76 paróquias da parte francesa da diocese e regressou “depois de ter percorrido o campo durante seis semanas sem interrupção”. No ano seguinte, uma grande viagem pastoral, que durou vários meses, levou-o a 185 paróquias, rodeadas por “montanhas espantosas, cobertas por um manto de gelo de 50 a 60 metros de espessura”. Em 1607, esteve presente em 70 paróquias e, em 1608, pôs fim às visitas oficiais da sua diocese, deslocando-se a 20 paróquias à volta de Annecy, mas continuou a fazer muitas outras visitas em 1610 a Annecy e às paróquias vizinhas. Em seis anos, terá visitado 311 paróquias com as suas comunidades.
            Graças a estas visitas e contatos pessoais, adquiriu um conhecimento preciso da situação real e das necessidades concretas da população. Constatou a ignorância e a falta de espírito sacerdotal de certos padres, para não falar dos escândalos de alguns mosteiros onde a Regra deixou de ser observada. O culto egoísta, reduzido a uma função e manchado pela procura do lucro, lembrava demasiadas vezes os maus exemplos da Bíblia: “Parecemo-nos com Nabal e Absalão, que só se alegravam com a tosquia do rebanho”.
            Alargando o seu olhar sobre a Igreja, chega a denunciar a vaidade de certos prelados, verdadeiros “cortesãos da Igreja”, que compara aos crocodilos e aos camaleões: “O crocodilo é um animal ora terrestre ora aquático, dá à luz na terra e caça na água; assim se comportam os cortesãos da Igreja. As árvores mudam de folhas depois do solstício: o olmo, a tília, o choupo, a oliveira, o salgueiro; o mesmo acontece entre os eclesiásticos”.
            Às queixas sobre o comportamento do clero juntou a reprovação da sua fraqueza perante as injustiças cometidas pelo poder temporal. Recordando alguns bispos corajosos do passado, exclamou: “Oh! como eu gostaria de ver alguns Ambrósios a comandar Teodósio, alguns Crisóstomos a repreender Eudóxia, alguns Hilárioa a corrigir Constâncio!” A acreditar numa confidência da Madre Angélica Arnauld, Dom de Sales também se queixava das “desordens na Cúria de Roma”, verdadeiros “assuntos deploráveis”, bem convencido, porém, de que “falar deles ao mundo, na situação em que se encontra, é causa de escândalo inútil”.

Seleção e formação dos candidatos
            A renovação da Igreja implicou um esforço de discernimento e de formação dos futuros sacerdotes, muito numerosos na época. Durante a primeira visita pastoral, em 1605, o bispo recebeu 175 jovens candidatos; no ano seguinte, 176; em menos de dois anos, encontrou 570 candidatos ao ministério sacerdotal ou noviços nos mosteiros.
            O mal resultava, antes de mais, da ausência de vocação de um bom número deles. Muitas vezes, a atração por benefícios temporais ou o desejo das famílias de colocarem os seus filhos primogênitos era preponderante. Em todos os casos, era necessário discernir se a vocação vinha “do céu ou da terra”.
            O bispo de Genebra levava muito a sério os decretos do Concílio de Trento, que previam a criação de seminários. A formação deve começar numa idade precoce. Já em 1603, foi feita uma tentativa de criar um embrião de seminário menor em Thonon. Os adolescentes são pouco numerosos, provavelmente por falta de meios e de espaço. Em 1618, Francisco de Sales propõe-se recorrer diretamente à autoridade da Santa Sé para obter apoio jurídico e financeiro para o seu projeto. Queria erigir um seminário, escreveu, no qual os candidatos pudessem “aprender a observar cerimônias, a catequizar e a exortar, a cantar e a exercer as outras virtudes clericais”. No entanto, todos os seus esforços foram em vão devido à falta de recursos materiais.
            Como assegurar a formação dos futuros sacerdotes em tais condições? Alguns frequentavam colégios ou universidades no estrangeiro, enquanto a maioria era formada nas casas canônicas, sob a orientação de um sacerdote sábio e instruído, ou nos mosteiros. Francisco de Sales queria que cada grande centro da diocese tivesse um “teólogo”, ou seja, um membro do cabido da catedral encarregado de ensinar a Sagrada Escritura e a teologia.
            No entanto, a ordenação era precedida de um exame e, antes de lhe ser atribuída uma paróquia (com o benefício anexo), o candidato devia passar num concurso. O bispo assistia e interrogava pessoalmente o candidato para se certificar de que possuía os conhecimentos e as qualidades morais exigidas.

Formação permanente
            A formação não devia parar no momento da ordenação ou da designação de uma paróquia. Para assegurar a formação permanente dos seus sacerdotes, o principal meio à disposição do bispo era a convocação anual do sínodo diocesano. O primeiro dia desta assembleia era solenizado por uma missa pontifical e uma procissão pela cidade de Annecy. No segundo dia, o bispo dava a palavra a um dos seus cônegos, mandava reler os estatutos dos sínodos anteriores e recolhia os comentários dos párocos presentes. Em seguida, começava-se a trabalhar em comissões para discutir questões relativas à disciplina eclesiástica e ao serviço espiritual e material das paróquias.
            Como as constituições sinodais continham muitas normas disciplinares e rituais, era visível nelas o cuidado com a formação permanente, intelectual e espiritual. Faziam referência aos cânones dos antigos concílios, mas sobretudo aos decretos do “Santíssimo Concílio de Trento”. Por outro lado, era recomendada a leitura de obras que tratavam de pastoral ou de espiritualidade, como as de Gerson (provavelmente a Instrução dos párocos para instruir o povo simples) e as do dominicano espanhol Luís de Granada, autor de uma Introdução ao símbolo da fé.
            A ciência, escreve ele na sua Exortação aos homens da Igreja, “é o oitavo sacramento da hierarquia da Igreja”. Os males da Igreja devem-se sobretudo à ignorância e à preguiça do clero. Felizmente, apareceram os padres jesuítas! Modelos de padres cultos e zelosos, estes “grandes homens”, que “devoram os livros com os seus incessantes estudos”, “restabeleceram e consolidaram a nossa doutrina e todos os santos mistérios da nossa fé; de modo que ainda hoje, graças à sua louvável obra, enchem o mundo de homens doutos que destroem a heresia por toda a parte”. Na conclusão, o bispo resumiu todo o seu pensamento: “Uma vez que a Providência divina, sem ter em conta a minha incapacidade, me estabeleceu como vosso bispo, exorto-vos a estudar sem vos cansardes, para que, sendo instruídos e exemplares, sejais irrepreensíveis e prontos a responder a todos os que vos interrogarem sobre questões de fé”.

Formação dos pregadores
            Francisco de Sales pregou tantas vezes e tão bem que foi considerado um dos melhores pregadores do seu tempo e um modelo para os pregadores. Pregou não só na sua diocese, mas também aceitou pregar em Paris, Chambéry, Dijon, Grenoble e Lion. Pregou também em Franche-Comté, em Sion no Valais e em várias cidades do Piemonte, nomeadamente Carmagnola, Mondovì, Pinerolo, Chieri e Turim.
            Para conhecer as suas reflexões sobre a pregação, é preciso consultar a carta que dirigiu em 1604 a André Frémyot, irmão da baronesa de Chantal, jovem arcebispo de Bourges (tinha apenas trinta e um anos), que lhe tinha pedido conselhos para pregar. Para pregar bem, diz ele, são necessárias duas coisas: a ciência e a virtude. Para obter um bom resultado, o pregador deve procurar instruir os seus ouvintes e tocar-lhes o coração.
            Para os instruir, deve ir sempre à fonte: a Sagrada Escritura. As obras dos Padres não devem ser negligenciadas; de fato, “o que é a doutrina dos Padres da Igreja, senão uma explicação do Evangelho e uma exposição da Sagrada Escritura?” É igualmente bom servir-se da vida dos santos que nos fazem ouvir a música do Evangelho. Quanto ao grande livro da natureza, a criação de Deus, obra da sua palavra, constitui uma fonte extraordinária de inspiração, se soubermos observá-la e meditá-la. “É um livro – escreve ele – que contém a palavra de Deus”. Como homem do seu tempo, educado na escola dos humanistas clássicos, Francisco de Sales não excluía dos seus sermões os autores pagãos da antiguidade e nem mesmo uma pitada da sua mitologia, mas usava-os “como se usam os cogumelos, isto é, só para abrir o apetite”.
            Além disso, o que ajuda muito a compreensão da pregação e a torna agradável é o uso de imagens, comparações e exemplos, tirados da Bíblia, de autores antigos ou da observação pessoal. De fato, as analogias possuem “uma eficácia incrível para iluminar a inteligência e mover a vontade”.
            Mas o verdadeiro segredo de uma pregação eficaz é a caridade e o zelo do pregador, que sabe encontrar as palavras certas no fundo do seu coração. É preciso falar “com calor e devoção, com simplicidade, com franqueza e com confiança, estar profundamente convencido do que está a ensinar e a inculcar nos outros”. As palavras devem sair mais do coração do que da boca, porque “o coração fala ao coração, enquanto a boca só fala aos ouvidos”.

Formar os confessores
            Outra tarefa assumida por Francisco de Sales desde o início do seu episcopado foi a de redigir uma série de Advertências aos Confessores. Elas contêm não só uma doutrina sobre a graça deste sacramento, mas também normas pedagógicas dirigidas àqueles que têm a responsabilidade de guiar as pessoas.
            Antes de mais, aqueles que são chamados a trabalhar na formação das consciências e no progresso espiritual dos outros devem começar por si mesmos, para não merecerem a censura: “Médico, cura-te a ti mesmo”; e a admoestação do apóstolo: “Tu que julgas os outros, te condenas a ti mesmo”. O confessor é um juiz: cabe-lhe decidir se absolve ou não o pecador, tendo em conta as disposições interiores do penitente e as normas em vigor. É também um médico, porque “os pecados são doenças e feridas espirituais”, pelo que lhe compete prescrever os remédios adequados. Francisco de Sales, porém, sublinha que o confessor é, sobretudo, um pai:

Lembrem-se que os pobres penitentes, ao iniciarem a sua confissão, chamam-no pai, e que, de fato, devem ter para com eles um coração paternal. Recebam-nos com imenso amor, suportando pacientemente a sua grosseria, ignorância, fraqueza, lentidão de compreensão e outras imperfeições, nunca deixando de os ajudar e socorrer enquanto houver neles alguma esperança de que se possam corrigir.

            Um bom confessor deve estar atento ao estado de vida de cada pessoa e proceder de forma diversificada, tendo em conta a profissão de cada um, “casado ou não, eclesiástico ou não, religioso ou secular, advogado ou procurador, artesão ou agricultor”. No entanto, o tipo de acolhimento deve ser o mesmo para todos. Segundo a Madre de Chantal, ele recebia toda a gente “com igual amor e delicadeza”: “senhores e senhoras, burgueses, soldados, criadas, camponeses, mendigos, doentes, condenados malcheirosos e abjetos”.
            No que diz respeito às disposições interiores, cada penitente apresenta-se à sua maneira, e Francisco de Sales pode recorrer à sua própria experiência quando traça uma espécie de tipologia dos penitentes. Há os que se aproximam “atormentados pelo medo e pela vergonha”, os que são “sem vergonha e sem nenhum medo”, os que são “tímidos e alimentam alguma suspeita de obter o perdão dos seus pecados”, e os que, finalmente, estão “perplexos porque não sabem dizer os seus pecados ou porque não sabem fazer o seu próprio exame de consciência”.
            Uma boa maneira de encorajar o penitente tímido e de lhe incutir confiança é reconhecer a si mesmo que “não é nenhum anjo” e que “não acha estranho que os homens cometam pecados”. Com o tímido, é necessário comportar-se com seriedade e gravidade, lembrando-lhe que “na hora da morte não dará contas de mais nada senão das confissões que fez”. Mas, sobretudo, o bispo de Genebra insiste nesta recomendação: “Seja caridoso e discreto com todos os penitentes e especialmente com as mulheres”. Encontramos esta tonalidade salesiana no fragmento do seguinte conselho: “Cuidado com o uso de palavras demasiado duras para com os penitentes; porque às vezes somos tão austeros nas nossas correções que nos mostramos mais culpados do que aqueles que censuramos”. Além disso, procure “não impor aos penitentes penitências confusas, mas específicas, e incline-se mais para a doçura do que para a severidade”.

Formar-se juntos
            Por fim, vale a pena considerar uma preocupação do bispo de Genebra relativamente ao aspeto comunitário da formação, porque ele estava convencido da utilidade do encontro, da animação mútua e do exemplo. Não se forma bem se não se forma em conjunto; daí o desejo de reunir os padres e também, na medida do possível, de os dividir em grupos. As assembleias sinodais que, em Annecy, viam os párocos reunidos uma vez por ano à volta do seu bispo eram uma coisa boa, mesmo insubstituível, mas não suficiente.
            Para isso, o bispo de Genebra ampliou o papel dos “supervisores”, uma espécie de animadores de setores pastorais com a “faculdade e a missão de apoiar, advertir, exortar os outros padres e vigiar a sua conduta”. Estavam encarregados não só de visitar os párocos e as igrejas sob a sua jurisdição, mas também de reunir os seus irmãos duas vezes por ano para discutir questões pastorais. O bispo dava grande importância a estas reuniões, “sublinhando a importância das assembleias e ordenando aos seus superintendentes que lhe enviassem os registros dos presentes e os motivos das ausências”. Segundo uma testemunha, mandava-lhes fazer “sermões sobre as virtudes exigidas a um sacerdote e sobre os deveres dos pastores relativamente ao bem das almas que lhes são confiadas”. Era prevista também “uma conferência espiritual sobre as dificuldades que poderiam surgir relativamente ao significado das Constituições Sinodais ou sobre os meios necessários para obter melhores resultados em vista da salvação das almas”.
            O desejo de reunir sacerdotes fervorosos sugeriu-lhe um projeto segundo o modelo dos Oblatos de Santo Ambrósio, fundados por São Carlos Borromeu para o ajudar na renovação do clero. Não se poderia tentar algo de semelhante na Saboia para encorajar não só a reforma mas também a devoção entre as fileiras do clero? De fato, segundo o seu amigo Dom Camus, Francisco de Sales teria cultivado o projeto de criar uma congregação de padres seculares “livres e sem votos”. Renunciou a isso quando foi fundada em Paris a Congregação do Oratório, uma sociedade de “padres reformados” que ele tentou levar para Saboia.
            Os seus esforços nem sempre foram coroados de êxito; testemunham, em todo o caso, a sua preocupação constante em formar os seus colaboradores no âmbito de um projeto global de renovação da vida eclesial.




Onde nasceu Dom Bosco?

            No primeiro aniversário da morte de Dom Bosco, seus Antigos Alunos quiseram continuar a celebrar a Festa do Reconhecimento, como faziam todos os anos no dia 24 de junho, organizando-a para o novo Reitor-Mor, Padre Rua.
            Em 23 de junho de 1889, depois de colocar uma placa na Cripta de Valsalice, onde Dom Bosco estava sepultado, celebraram a festa do Padre Rua em Valdocco no dia 24.
            O professor Alessandro Fabre, ex-aluno de 1858-66, tomou a palavra e disse, entre outras coisas:
            “Caríssimo P. Rua, o senhor não ficará desapontado ao saber que decidimos acrescentar, como apêndice, a inauguração, no próximo dia 15 de agosto, de outra placa, cuja encomenda já foi feita e cujo desenho está reproduzido aqui, e que colocaremos na casa onde nasceu e viveu por muitos anos o nosso querido Dom Bosco, para que fique assinalado, para os contemporâneos e para a posteridade, o lugar em que, em primeiro lugar, palpitou o coração daquele grande homem que mais tarde encheria a Europa e o mundo com seu nome, suas virtudes e suas admiráveis instituições”.
            Como se pode ver, a intenção dos Antigos Alunos era colocar uma placa na “Casetta” dos Becchi, considerada por todos como o local de nascimento de Dom Bosco, porque ele sempre a indicou como sua casa. Mas depois, encontrando a “Casetta” em ruínas, foram induzidos a retocar o rascunho da inscrição e colocar a placa na casa vizinha de José com a seguinte redação ditada pelo próprio Prof. Fabre: “Em 11 de agosto, poucos dias antes do aniversário de Dom Bosco, os Antigos Alunos foram aos Becchi para descerrar a placa. O Teól. Félix Reviglio, Cura de Santo Agostinho, um dos primeiros alunos de Dom Bosco, fez o discurso na ocasião. Falando sobre a Pequena Casa, ele disse: “A mesma casa perto daqui, onde ele nasceu, que está quase completamente arruinada…” é “um verdadeiro monumento à pobreza evangélica de Dom Bosco”.
            A “ruína completa” da “Casetta” já havia sido mencionada no Boletim Salesiano em março de 1887 (BS 1887, março, p. 31), e o P. Reviglio e a inscrição na placa (“uma casa agora demolida”) estavam evidentemente falando dessa situação. A inscrição cobria tristemente o fato desagradável de que a “Casetta”, que ainda não era propriedade salesiana, parecia já inexoravelmente perdida.
            Mas o P. Rua não desistiu e, em 1901, ofereceu-se para restaurá-la às custas dos salesianos, na esperança de obtê-la mais tarde dos herdeiros de Antônio e José Bosco, como aconteceu em 1919 e 1926, respectivamente.
            Quando o trabalho foi concluído, uma placa foi colocada na “Casetta” com a seguinte inscrição: NESTA HUMILDE CASINHA, AGORA PIEDOSAMENTE restaurada, nasceu o p. João Bosco em 16 de agosto de 1815.
            Em seguida, a inscrição na casa de José também foi corrigida da seguinte forma: “Nascido aqui perto em uma casa agora restaurada… etc.”, e a placa foi devidamente substituída.
            Depois, quando o centenário do nascimento de Dom Bosco foi celebrado em 1915, o Boletim publicou a foto da “Casetta”, especificando: “E aquela onde nasceu o Venerável João Bosco em 16 de agosto de 1815, foi salva da ruína à qual a voracidade do tempo a condenou, com uma restauração geral no ano de 1901”.
            Na década de 1970, as pesquisas de arquivo realizadas pelo Comendador Segundo Caselle convenceu os salesianos de que Dom Bosco havia de fato vivido de 1817 a 1831 naquela “Casetta”, comprada por seu pai, portanto sua casa, como ele sempre disse; mas que havia nascido na propriedade Biglione, onde seu pai era agricultor; e viveu aí com a família até a morte, em 11 de maio de 1817, no alto da colina onde hoje se encontra o Templo de São João Bosco.
            A placa na casa de José foi alterada, enquanto a placa na “Casetta” foi substituída pela atual inscrição em mármore: ESTA É A MINHA CASA. DOM BOSCO.
            Permanece assim inconsistente a opinião recentemente expressa de que os Antigos Alunos, em 1889, com as palavras: “Nascido perto daqui em uma casa agora demolida” não pretendiam falar da Pequena Casa dos Becchi.

Os nomes de lugares dos Becchi
            A família Bosco morava em propriedade Biglione quando João nasceu?
            Alguns disseram que é permitido duvidar disso, porque é quase certo que eles moravam em outra casa de propriedade de Biglione em “Meinito”. A prova disso seria o Testamento de Francisco Bosco, redigido pelo notário C. G. Montalenti em 8 de maio. G. Montalenti, em 8 de maio de 1817, onde se lê: “… na casa do Senhor Biglione, habitada pelo abaixo-assinado testador na região do Monastero, no vilarejo de Meinito…”. (S. CASELLE, Cascinali e Contadini del Monferrato: i Bosco di Chieri nel secolo XVIII, Roma, LAS, 1975, p. 94).
            O que pode ser dito sobre essa opinião?
            Hoje, “Meinito” (ou “Mainito”) é apenas o local de uma propriedade rural situada ao sul do “Colle Don Bosco”, além da estrada provincial que vai de Castelnuovo em direção a Capriglio; porém, tempos atrás indicava um território mais extenso, contíguo àquele chamado Sbaraneo (ou Sbaruau). E Sbaraneo não era outra coisa senão o vale a leste do “Colle”.
            “Monastero”, portanto, não correspondia apenas à atual área arborizada perto de Mainito, mas cobria uma vasta área, de Mainito a Barosca, tanto que a mesma “Casetta” dos Becchi foi registrada em 1817 como “região de Cavallo, Monastero” (S. CASELLE, o. c., p. 96).
            Quando ainda não havia mapas com lotes numerados, as propriedades e lotes eram identificados com base em nomes de lugares ou topônimos, derivados de sobrenomes de famílias antigas ou características geográficas e históricas.
            Serviam como pontos de referência, mas não correspondiam ao significado atual de “região” ou “vilarejo”, exceto de forma muito aproximada, e eram usados com muita liberdade de escolha pelos notários.
            O mapa mais antigo de Castelnovese, preservado nos arquivos municipais e gentilmente disponibilizado para nós, data de 1742 e é chamado de “Mapa Napoleônico”, provavelmente devido ao seu maior uso durante a ocupação francesa. Um extrato desse mapa, editado em 1978 com elaboração fotográfica do texto original pelos Senhores Polato e Occhiena, que compararam os documentos do arquivo com os lotes numerados no Mapa Napoleônico, fornece uma indicação de todas as terras pertencentes à família Biglione desde 1773 e trabalhadas pela família Bosco de 1793 a 1817. A partir desse “Extrato”, parece que a família Biglione não possuía nenhuma terra ou casa em Mainito. Por outro lado, nenhum outro documento foi encontrado até o momento que prove o contrário.
            Então, que significado podem ter as palavras “na casa do Sr. Biglione… na região de Monastero, no vilarejo de Meinito”?
            Em primeiro lugar, é bom saber que, apenas nove dias depois, o mesmo notário que redigiu o testamento de Francisco Bosco escreveu no inventário de sua herança: “… na casa do senhor Jacinto Biglione, habitada pelos meninos citados abaixo [filhos de Francisco] na região de Meinito…”. (S. CASELLE, o. c., p. 96), promovendo assim Mainito de “vilarejo” para “região” em apenas alguns dias. Além disso, é curioso notar que até a mesma propriedade Biglione, em diferentes documentos, aparece em Sbaconatto, em Sbaraneo ou Monastero, em Castellero, e assim por diante.
            Então, como podemos entender isso? Levando tudo em conta, não é difícil perceber que é sempre a mesma área, o Monastero, que em seu centro tinha Sbaconatto e Castellero, a leste o Sbaraneo e ao sul o Mainito. O notário Montalenti escolheu “Meinito”, enquanto outros escolheram “Sbaraneo” ou “Sbaconatto” ou “Castellero”. Mas o local e a casa eram sempre os mesmos!
            Sabemos, além disso, que o Sr. e a Sra. Damevino, donos da propriedade Biglione de 1845 a 1929, também possuíam outras propriedades, em Scajota e Barosca; mas, como nos asseguram os anciãos locais, eles nunca tiveram casas em Mainito. No entanto, eles compraram as propriedades que a família Biglione havia vendido ao Sr. José Chiardi em 1818.
            Só resta concluir que o documento redigido pelo notário Montalenti em 8 de maio de 1817, mesmo que não contenha erros, refere-se à propriedade Biglione propriamente dita, onde Dom Bosco nasceu em 16 de agosto de 1815, onde seu pai morreu em 11 de maio de 1817 e onde foi construído o grandioso Templo de São João Bosco em nossos dias.
            A existência, finalmente, de uma casa fictícia em Biglione, habitada pela família Bosco em Mainito e depois demolida não se sabe quando, por quem ou por qual motivo antes de 1889, como alguns especularam, não tem (pelo menos até agora) nenhuma evidência real a seu favor. Os próprios Antigos Alunos, quando colocaram na placa dos Becchi as palavras “Nascido aqui perto…” (veja nosso artigo de janeiro), eles certamente não poderiam estar se referindo a Mainito, que fica a mais de um quilômetro da casa de José!

Propriedades, administradores e meeiros
            Francisco Bosco, administrador da propriedade Biglione, desejando montar seu próprio negócio, comprou terras e a casa dos Becchi, mas a morte o levou repentinamente em 11 de maio de 1817, antes que pudesse pagar todas as suas dívidas. Em novembro, sua viúva, Margarida Occhiena, mudou-se com os filhos e a sogra para a “Casetta”, que havia sido reformada para esse fim. Até então, essa “Casetta”, já contratada por seu marido desde 1815, mas ainda não paga, consistia apenas em “uma crotta e um estábulo adjacente, cobertos com telhas, em más condições” (S. CASELLE, Cascinali e contadini […], p. 96-97) e, portanto, inabitável para uma família de cinco pessoas, com animais e ferramentas. Em fevereiro de 1817, a escritura pública de venda havia sido lavrada, mas a dívida ainda estava pendente. Margarida teve que resolver a situação como guardiã de Antônio, José e João Bosco, na época pequenos proprietários nos Becchi.
            Não era a primeira vez que a família Bosco passava do status de administradores para o de pequenos proprietários e vice-versa. O falecido Comendador Segundo Caselle nos forneceu ampla documentação sobre isso.
            O trisavô de Dom Bosco, João Pedro, antes administrador na Cascina Croce di Pane, entre Chieri e Andezeno, de propriedade dos Padres Barnabitas, em 1724 tornou-se administrador na Cascina de São Silvestre, perto de Chieri, pertencente à Paróquia de São Jorge. E que ele morava mesmo na Propriedade de São Silvestre com sua família está documentado nos “Registros do Sal” de 1724. Seu sobrinho, Filipe Antônio, órfão de pai e acolhido pelo filho mais velho de João Pedro, João Francisco Bosco, foi adotado por um tio-avô, de quem herdou uma casa, um jardim e 2 hectares de terra em Castelnuovo. Mas, devido à situação econômica crítica em que se encontrava, teve que vender a casa e a maior parte de suas terras e se mudar com a família para o vilarejo de Morialdo, como administrador de Cascina Biglione, onde morreu em 1802.
            Paulo, seu filho primogênito, tornou-se assim o chefe da família e o administrador, conforme registrado no censo de 1804. Mas, alguns anos depois, ele deixou a fazenda para seu meio-irmão Francisco e foi se estabelecer em Castelnuovo, após receber sua parte da herança e realizar a compra e venda. Foi então que Francisco Bosco, filho de Filipe Antônio e Margarida Zucca, tornou-se administrador de Cascina Biglione.
            O que se entendia naquela época por “cascina”, “massaro” e “meeiro”?
            A palavra “cascina” (em piemontês: cassin-a) indica em si uma casa do colono ou toda a propriedade agrícola; mas nos lugares de que estamos falando, a ênfase estava na casa, ou seja, a construção da propriedade usada em parte como moradia e em parte como abrigo para o gado etc. O “massaro” (em piemontês: massé) em si é o inquilino da fazenda e dos lotes, enquanto o “mezzadro” (em piemontês: masoé) é apenas o cultivador da terra de um senhor com quem ele compartilha as colheitas. Mas, na prática, nesses lugares o massaro também era meeiro e vice-versa, de modo que a palavra massé não era muito usada, enquanto masoé geralmente indicava também o massaro.
            O Sr. e a Sra. Damevino, proprietários de Cascina “Bion” ou Biglione em Castellero de 1845 a 1929, também possuíam outras propriedades, em Scajota e Barosca, e, como nos garantiu o Sr. Angelo Agagliate, tinham cinco “massari” ou meeiros, um na priedade Biglione, dois em Scajota e dois em Barosca. Naturalmente, os vários “massari” viviam em suas propriedades.
            Ora, se um agricultor era um “massaro”, por exemplo, em Cascina Scajota, de propriedade da família Damevino, ele não era chamado de “morador na casa Damevino”, mas simplesmente “em Scajota”. Se Francisco Bosco tivesse morado na suposta casa de Biglione em Mainito, não se diria, portanto, que ele morava “na casa do Sr. Biglione”, mesmo que essa casa pertencesse à família Biglione. Se o tabelião escreveu: “Na casa do senhor Biglione, habitada pelo testador abaixo-assinado”, é sinal de que Francesco vivia com a família na propriedade Biglione propriamente dita.
            E isso é mais uma confirmação dos artigos anteriores que refutam a hipótese do nascimento de Dom Bosco em Mainito “em uma casa agora demolida”.
            Em conclusão, não se pode dar importância exclusiva ao significado literal de certas expressões, mas deve-se examinar seu verdadeiro significado no uso local da época. Em estudos desse tipo, o trabalho do pesquisador local é complementar ao do historiador acadêmico e particularmente importante, porque o primeiro, auxiliado pelo conhecimento detalhado da área, pode fornecer ao segundo o material necessário para suas conclusões gerais e evitar interpretações errôneas.




Comunicado do Reitor-Mor no final de seu mandato

Aos meus irmãos Salesianos SDB
Aos meus irmãos e irmãs da Família Salesiana

Meus queridos irmãos e irmãs, neste dia do nascimento do nosso Pai Dom Bosco, recebam as minhas saudações fraternas cheias de carinho e afeto. Envio-lhes estas palavras poucos minutos depois de ter celebrado solenemente a festa litúrgica do nascimento de Dom Bosco nos Becchi-Colle Don Bosco, onde veio à luz em 16 de agosto de 1815. Aquele menino seria um instrumento maravilhoso do Espírito de Deus para dar vida a este grande movimento que é a Família de Dom Bosco.
Esta manhã, na presença do Vigário do Reitor-Mor e de muitos irmãos Salesianos, da Família Salesiana, de leigos amigos de Dom Bosco, de autoridades civis e do serviço público e dos 375 jovens de todo o mundo que participaram do Sínodo dos Jovens, assinei a minha renuncia ao serviço de Reitor-Mor, corno estabelecem as Constituições e Regulamentos dos Salesianos de Dom Bosco, ao ser chamado pelo Santo Padre, o Papa Francisco, para outro serviço.
Com estas palavras, desejo comunicar o acontecido ao mundo salesiano, desejo expressar meu olhar de fé e esperança no Senhor que nos guiou até aqui e desejo expressar a minha gratidão por tanto bem recebido nestes dez anos e meio corno Reitor­ Mor da Congregação Salesiana e corno Pai, em nome de Dom Bosco, de toda a Família Salesiana no mundo.
1. Antes de tudo, meus queridos irmãos e irmãs, expresso diante de todos a minha profunda gratidão a Deus por estes anos em que abençoou a nossa Congregação e a Família Salesiana. Em dez anos vivem-se certamente momentos e realidades muito diferentes, sobretudo porque a Congregação está presente em 136 nações; creio poder dizer que enfrentamos tudo com um olhar de fé, com grande esperança e com determinação, sempre pelo bem da missão e na fidelidade ao carisma recebido.
2. Dou graças ao Senhor por Ele não me ter faltado nesses anos, corno também não me ter faltado a serenidade e a força que provem d’Ele. Realmente, quão verdadeiro é o que o Senhor Ressuscitado diz a São Paulo: “Basta-te a minha graça” (2Cor 12,9). Assim tenho vivido e assim temos vivido corno Conselho Geral o nosso serviço de animação e governo. De modo especial, quero agradecer aos dois Conselhos Gerais que me acompanharam durante esses dez anos e meio pela sua lealdade ao projeto comum, pela sua dedicação e pelo seu serviço.
3. Ao concluir o tempo à frente da Congregação Salesiana, quero expressar a minha particular gratidão ao Vigário do Reitor-Mor, P. Stefano Martoglio, que assume o seu serviço à frente da Congregação com total dedicação e generosidade. Durante os próximos meses, o trabalho e a responsabilidade serão grandes, mas a sua personalidade, fraternidade, capacidade e o seu otimismo, com a ajuda do Conselho Geral, guiados pelo Senhor, facilitarão o caminho que resta até o 29° Capítulo Geral.
4. Expresso a minha profunda gratidão a todos os meus irmãos Salesianos no mundo. Sempre me senti acolhido, querido e aceito com fraternidade, e encontrei colaboração e generosidade. A verdade é que os Salesianos de Dom Bosco amam e cuidam do Reitor-Mor corno o fariam com o próprio Dom Bosco, corno ele nos pediu em seu testamento espiritual. Obrigado por tanta generosidade.
5. Quero manifestar ainda a minha gratidão à Família Salesiana presente no mundo todo: às nossas irmãs Filhas de Maria Auxiliadora, aos Salesianos Cooperadores, à Associação de Maria Auxiliadora (ADMA) – fundados por Dom Bosco – até os 32 grupos que hoje compõem essa grande arvore carismática. Foram anos de crescimento e benção. Obrigado a todas as pessoas que, pela fé no Senhor, tornaram isso possível.
6. Nesses dez anos em que, no serviço de animação e governo, pude visitar 120 nações onde a Congregação e a Família Salesiana estão presentes, recebi a grande dadiva de encontrar-me com os jovens do mundo: jovens, adolescentes, meninos e meninas de cada nação. Pude “tocar com os olhos e o coração”, pessoalmente, corno “os milagres educativos que curam e transformam vidas” continuam a acontecer todos os dias em tantas presenças salesianas e em nossa Família. E pude conhecer milhares e milhares de jovens, de todos os continentes e culturas. Eles têm sido urna das minhas mais profundas alegrias.
7. E tenho ainda um último agradecimento. Nesses anos, sempre me senti encorajado e apoiado, com amor incondicional, também pela minha família de sangue. Os meus pais, agora em Deus, acompanharam-me por nove anos com amor sereno e as suas orações dizendo-me sempre que não me preocupasse com eles. Eles e o restante da minha família sempre estiveram presentes, apoiando-me com a sua assistência e sendo um porto seguro para que nunca me esquecesse das minhas origens humildes.
8. Concluo referindo-me ao que disse no dia 25 de março de 2014, quando o Reitor-Mor P. Pascual Chavez me perguntou, em nome do 27° Capítulo Geral, que me elegeu em votação, se eu aceitava o serviço de Reitor-Mor.

Lembro-me de que, no meu pobre italiano do momento, disse, não sem profunda emoção, que “confiando na Graça do Senhor e na fé, com a certeza de que seria sempre apoiado pelos meus irmãos Salesianos, e porque amo verdadeiramente os jovens, que trago no meu coração salesiano, aceitei o que me era pedido”. Hoje, com essas palavras de agradecimento, posso dizer que tudo o que eu esperava, com a Graça de Deus, tornou-se realidade.
Minhas últimas palavras são dirigidas ao nosso pai Dom Bosco e à Auxiliadora. Não há dúvida de que Dom Bosco cuidou e sustentou a sua Congregação e a sua Família durante esses anos. E não tenho dúvidas de que, durante todo esse tempo, o que ele mesmo nos garantiu foi se tornando realidade: “Foi Ela quem tudo fez”. Foi assim com Dom Bosco, foi assim nesses anos a que me refiro e, sem dúvida, continuará a ser assim. A Ela, Mae Auxiliadora, nós nos entregamos.
Obrigado do fundo do meu coração, e um até mais! deste seu irmão que é e sempre será um Salesiano de Dom Bosco. Com todo o meu afeto,

Ángel Fernández Card. Artime
Prot. 24/0427
Colle don Bosco, 16.08.2024

Acrescentemos também a lei de rescisão de contrato de trabalho.

Eu, abaixo assinado, Ángel Fernández Cardeal Artime, Reitor-Mor da Sociedade de São Francisco de Sales,

– dado que no Consistório de 30 de setembro de 2023 o Santo Padre Francisco me criou e publicou Cardeal da Diaconia de Santa Maria Auxiliadora em Via Tuscolana; que em 5 de março de 2024 me atribuiu a sede titular de Ursona, com dignidade arquiepiscopal, e que em 20 de abril de 2024 recebi a Ordenação Episcopal na Basílica de Santa Maria Maggiore em Roma;
– considerado que o religioso elevado ao Episcopado está sujeito unicamente ao Romano Pontífice (can. 705);
– levando em conta que, de acordo com o can. 184 §1 CIC, ”perde-se o oficio eclesiástico, transcorrido o tempo prefixado” e que, por decreto de 19 de abril de 2024, o Santo Padre dispôs “excepcionalmente e somente para este caso” a continuação do meu serviço corno Reitor-Mor, após a ordenação episcopal, até 16 de agosto de 2024,
com o presente ato

DECLARO

que, tendo decorrido o tempo estipulado no decreto acima mencionado, a partir desta data renuncio ao oficio de Reitor-Mor da Sociedade de São Francisco de Sales.

De acordo com o artigo 143 das Constituições, o Vigário, Padre Stefano Martoglio, assume contextualmente ad interim, o governo da Sociedade, até a eleição do Reitor-Mor, que ocorrera durante o 29° Capitulo Geral, convocado em Turim, de 16 de fevereiro a 12 de abril de 2025.

Ángel Fernández Card. Artime
Prot. 24/0406
Roma, 16.08.2024




Entrevista com Nelson Javier MORENO RUIZ, Inspetor Chile

O padre Nelson tem 57 anos e nasceu na cidade de Concepción em 11 de setembro de 1965. Conheceu os salesianos no Colégio Salesiano de Concepción, onde foi estudante e participou de grupos de jovens e atividades pastorais.
Seus pais Fabriciano Moreno e Maria Mercedes Ruiz vivem atualmente na cidade de Concepción.
Fez toda a sua formação inicial na cidade de Santiago. Fez sua profissão perpétua em 8 de agosto de 1992 em Santiago (La Florida). Foi ordenado sacerdote em 6 de agosto de 1994, em Santiago. Seus primeiros anos como sacerdote foram vividos na presença salesiana do Colégio São José de Punta Arenas e na escola salesiana de Concepción, onde trabalhou na pastoral. De 2001 a 2006, foi diretor da presença salesiana em Puerto Natales e, de 2006 a 2012, diretor da presença salesiana em Puerto Montt.
De 2012 a 2017 foi ecônomo inspetorial e diretor da casa inspetorial. Em 2018 foi diretor da presença salesiana em Gratidão Nacional, no centro da cidade de Santiago, e a partir de 2019 diretor da obra em Puerto Montt, onde se encontra atualmente.
O padre Moreno Ruiz sucede ao padre Carlos Lira Airola, que completou seu mandato de seis anos em janeiro de 2024.

O senhor pode nos fazer sua autoapresentação?
Sou um salesiano feliz com a vida, que na vocação religiosa salesiana encontrou a presença de Deus nos jovens, a quem sirvo e acompanho como pastor-educador.
Sou o Padre Nelson Moreno Ruiz, Inspetor da Inspetoria do Chile. Fui chamado para esse serviço de animação pelo Bispo Reitor-Mor e Cardeal Ángel Fernández Artime, assumindo essa responsabilidade desde janeiro deste ano.
Conheci os salesianos ainda muito jovem, quando entrei na escola salesiana da cidade de Concepción, que é a primeira obra em nosso país, onde os missionários enviados por Dom Bosco chegaram da Argentina ao Chile em 1887.
Nesse ambiente escolar salesiano, cresci em torno da proposta educativa pastoral oferecida pela escola; encontros esportivos, atividades missionárias pastorais e muitas atividades de serviço social, tudo isso teve eco na minha vida de jovem; também era importante ver e encontrar os salesianos no pátio da escola, e com essas experiências minha vocação se desenvolveu e, com o tempo, senti-me chamado a seguir os passos de Dom Bosco como salesiano.
Meu grupo familiar é composto por meus pais, agora idosos, meu pai Fabriciano com 93 anos e minha mãe com 83, meus quatro irmãos, os três meninos que estudaram na escola salesiana, e minha irmã mais velha, que muitas vezes tinha a tarefa de cuidar de nós. Somos uma família relativamente pequena, completada por quatro netos, que agora são jovens profissionais.
Como salesiano, fiz minha primeira profissão religiosa em 31 de janeiro de 1987, depois fui religioso por 37 anos e fui ordenado sacerdote em 6 de agosto de 1994. Em minha vida religiosa, tive a oportunidade de animar algumas comunidades como diretor de obras, além de servir como ecônomo inspetorial antes de me tornar inspetor.
Considero que uma de minhas características é estar atento para prestar um bom serviço onde quer que o Senhor queira, por isso passei um tempo me preparando e estudando para a missão. Depois de concluir o ensino médio na escola salesiana de Concepción, entrei na Congregação, onde estudei Filosofia junto à Congregação; depois obtive uma licença em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Chile, um diploma em Educação Religiosa e uma licença em Educação em Gestão Escolar na Universidade Católica Raúl Silva Henríquez; Mais tarde, obtive um mestrado em Gestão Educacional pela Universidade de Concepción, no Chile, um mestrado em Qualidade e Excelência na Educação pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, e um doutorado em Ciências da Educação pela Universidade de Sevilha, na Espanha.
E agora, com humildade e simplicidade, sirvo a minha Inspetoria, nos Irmãos e na animação das obras.

O que o senhor sonhava quando criança?
Quando criança, junto com meus irmãos e amigos, tive uma infância muito normal e feliz, gostava de esporte, jogava futebol regularmente em um clube local e isso me levou a sonhar em praticar esporte no futuro, pois o que eu mais gostava era de compartilhar e ter amigos, e isso era o que o esporte me oferecia.
Quando entrei na escola e participei das várias atividades pastorais, percebi que também gostava de ensinar as crianças e os jovens com quem tinha contato nessas atividades pastorais. O tema educacional e pedagógico fazia muito sentido para mim e passou a fazer parte do meu projeto de vida, pois eu o via como um sonho possível de ser realizado.
Essas preocupações se misturaram à minha inclinação para estudar algo relacionado à área da saúde; essa motivação estava muito presente, pois algumas pessoas da minha família exerciam profissões nessa área.
Vejo que o fio condutor dessas inclinações que senti desde a infância até a adolescência sempre foi voltado para o trabalho com as pessoas, para estar a serviço delas, servi-las, ensiná-las, acompanhá-las.

Qual é a história da sua vocação?
Minha história vocacional, sem dúvida, começa em minha família; venho de um lar onde a fé era vivida, por meio da devoção a São Sebastião e Santa Rita de Cássia, e foram meus pais que inculcaram a fé em nós, permitindo que recebêssemos o sacramento do batismo e da confirmação. Minha vocação começou em casa, de maneira muito simples, com um senso de Deus percebido naturalmente e sem grandes práticas religiosas, mas com um profundo sentimento de gratidão a Deus na vida cotidiana.
Na escola salesiana de Concepción, descobri um mundo novo, porque era uma escola enorme e de prestígio na cidade. Quando cheguei, imediatamente me senti acolhido e motivado a participar das propostas que ela tinha para seus alunos, especialmente as atividades pastorais, nas quais fui me envolvendo aos poucos, assim como o esporte, que era uma parte importante da minha vida naquela idade.
Quando estudava no colégio salesiano, eu me interessava muito por todas as atividades pastorais e, no último ano do ensino fundamental, tive a oportunidade de participar como monitor nos “Acampamentos de Verão – Vila Feliz”, onde descobri que poderia ser útil e dar algo às crianças mais pobres; a partir daí, assumi o compromisso de continuar nesse caminho de serviço, que deu muito sentido às minhas preocupações de adolescente.

Foi nos grupos de jovens que minha vocação para a vida religiosa se tornou mais claramente definida, passei a fazer parte do ministério sacramental, como monitor da Crisma, onde reafirmei meu chamado para servir.
Toda essa vida pastoral me deu a oportunidade de conhecer e compartilhar com os salesianos que, com seu testemunho e proximidade, me apresentaram uma proposta vocacional que me chamou a atenção, pois eram belos testemunhos de um serviço próximo aos jovens. Isso já era a semente da minha vocação religiosa, que me deu o impulso para decidir entrar na Congregação, o início do caminho vocacional no chamado que o Senhor me fez, em que sou salesiano sacerdote há 30 anos, acompanhado pelo lema que escolhi para a minha ordenação sacerdotal: “Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo” (Jo 21,17),

Por que salesiano?
Por que salesiano? Porque foi em uma escola da Congregação onde estudei, onde cresci, onde se formaram as minhas convicções, as minhas certezas e o meu projeto de vida.
Com os salesianos, através das atividades pastorais, conheci mais profundamente a missão da Igreja, todo esse ambiente deu pleno sentido à minha vida, confirmando que o carisma da alegria, da juventude e da educação, era o caminho que o Senhor me apresentava, do qual eu participava ativamente, porque respondia às minhas preocupações e desejos, e me fazia feliz; não havia possibilidade de outra resposta, porque os salesianos eram o que abrangia tudo o que eu procurava e desejava, e que eu conhecia desde a minha infância.
Durante a minha formação, tive contatos com outras congregações e carismas, que me ajudaram a confirmar, ainda mais, que a espiritualidade salesiana era o meu estilo, o que abrangia o sentido do que eu queria fazer; a vida de Dom Bosco, o trabalho com os jovens, a pastoral, tudo, fruto da experiência que tive com eles, onde me formei, onde servi e onde se formou e consolidou a minha vocação.
O Senhor me deu o presente de conhecer Dom Bosco e a espiritualidade salesiana; foi a proposta que ele me convidou a seguir e eu aceitei, consagrei minha vida aqui, e hoje sinto que minha vocação de salesiano faz de mim tudo o que sou.

Qual foi a reação de sua família?
Quando tomei a decisão de entrar para os Salesianos, contei à minha família, especialmente aos meus pais. Eles ficaram surpresos, e foi minha mãe quem primeiro entendeu, apoiou e me acompanhou, convidando-me a dar esse passo.
Meu pai, preocupado, me perguntou se eu tinha certeza, se era o que eu realmente queria, o que me fazia feliz e se era o meu caminho; a todas essas perguntas eu respondi que sim. Ele confirmou que se era o que eu queria e estava disposto a ver se era realmente o meu futuro; e deixou claro que eu sempre poderia contar com eles e não esquecer que sempre teria minha casa, caso não fosse o meu caminho, e me disse que eu poderia contar com todo o seu apoio.
Ouvir o apoio dos meus pais de forma tão clara foi muito bom, me deu muita alegria e serenidade, pois eu estava iniciando um caminho sem ter certeza de que era realmente o caminho para uma pessoa jovem.
Meus irmãos também ficaram surpresos, porque eu tinha uma vida muito natural, ligada aos esportes, com amigos, mas quando eles tiveram certeza de que eu realmente queria seguir o chamado do Senhor, eles me apoiaram.
Sempre me senti muito acompanhado e apoiado por meus pais e irmãos, o que me deu muita serenidade para iniciar o processo de formação; até hoje, conto com eles, sei que me acompanham com amor feito oração.

Quais são as necessidades locais e juvenis mais urgentes?
Hoje, no Chile, a população de 0 a 17 anos é de 4.259.115, 24% da população total do país. E nós, salesianos, nos dedicamos particularmente à educação formal desse segmento da população. Temos 22 escolas, onde estudam crianças e jovens de 4 a 19 anos, com um total de 31.000 alunos sendo educados em nossas escolas. Hoje, é a maior rede de escolas do país a oferecer esse serviço aos jovens.
Além disso, há uma Universidade, que atende cerca de 7.000 alunos, e a Fundação Dom Bosco, que se dedica a acolher e acompanhar meninos de rua, o segmento mais vulnerável entre eles, e atende mais de 7.000 crianças e jovens.
A necessidade mais urgente que nossos jovens experimentam e sofrem é o fato de estarem altamente expostos ao consumo de álcool e drogas, bem como ao uso indiscriminado da tecnologia. Isso, juntamente com a solidão que experimentam devido à desintegração de suas famílias, muitas vezes os leva a sofrer de situações de “saúde mental”, depressão, ansiedade, ataques de pânico e coisas do gênero.
Essa realidade nos leva a tentar acompanhá-los em sua busca por significado, bem-estar emocional e estabilidade emocional, todas as necessidades básicas dos seres humanos, especialmente daqueles que estão se desenvolvendo e crescendo. Também procuramos lhes proporcionar valores cristãos, para que, passo a passo, se comprometam a viver sua fé nas comunidades juvenis e na Igreja chilena, além de lhes proporcionar a educação necessária para se integrarem à sociedade.
Os jovens são a parte favorita de Dom Bosco e devemos lhes oferecer educação e ferramentas para que possam se tornar “bons cristãos e honestos cidadãos”.

Quais são as obras mais significativas em sua região?
A Inspetoria do Chile tem uma gama variada de obras: paróquias, centros de pastoral juvenil, centros de acolhimento, escolas e universidades. Mas a proposta pastoral tem se concentrado fundamentalmente na educação formal nas escolas, que oferecem educação desde a idade pré-escolar – 4 anos – até a educação secundária – 19 anos.
A educação chilena oferece uma formação tanto para preparar os jovens para ingressar no ensino superior, nas universidades, quanto para oferecer educação técnica profissionalizante, em que os alunos se formam com um diploma técnico em uma carreira de sua escolha.
Podemos dizer que o ensino técnico profissionalizante é um dos trabalhos mais importantes que temos, porque é uma verdadeira promoção dos jovens, permitindo que eles entrem no mundo do trabalho com um diploma técnico, o que, embora seja verdade que não é tudo, facilita o trabalho com suas famílias e, muitas vezes, financia sua continuação no ensino superior.
Também gostaria de enfatizar o trabalho que fazemos na “Fundação Dom Bosco”, que cuida de crianças em situação de rua, que não têm uma família, desenvolvendo com elas um trabalho de contenção, reabilitação, promoção e inserção social, realizando – como fez Dom Bosco – crianças e jovens evangelizados e com valores.

O senhor se comunica por meio de revistas, blogs, Facebook ou outras mídias?
As mídias sociais hoje são muito importantes e de grande ajuda para alcançar muitos jovens e adultos. Eu me comunico regularmente com a Família Salesiana por meio da revista Boletim Salesiano, do blog “Agorà”, dos sites oficiais da Inspetoria, do site web e do Instagram.

Quais são as áreas mais importantes?
Da missão que tenho de realizar hoje na Inspetoria, creio que o mais importante é acompanhar e animar a vida dos meus irmãos, especialmente daqueles com quem trabalho e compartilho a responsabilidade pela Inspetoria como conselheiros, e dos irmãos que têm a responsabilidade de animar e acompanhar os irmãos como diretores de comunidades e obras. Em suma, a prioridade é acompanhar os meus irmãos salesianos.
Da mesma forma, a tarefa de animar a vida da Família Salesiana me parece relevante, uma tarefa importante, animando, na fidelidade ao carisma, todos os que fazem parte dela: Salesianos consagrados, Filhas de Maria Auxiliadora, Salesianos Cooperadores, Voluntárias de Dom Bosco, Associação de Maria Auxiliadora e outros.
Não podemos deixar de mencionar como tarefa relevante a de animar a vida dos jovens, através da pastoral juvenil, das associações e dos vários grupos que podem existir sob o carisma salesiano, dando um lugar importante, entre estes, à pastoral vocacional e aos jovens que sentem o desejo de responder ao chamado do Senhor em nossa Congregação.

Como o senhor vê o futuro?
Diante de uma sociedade sedenta de sentido naquilo que é e no que faz, parece-me que nós, salesianos, somos chamados a responder a essas buscas e a dar sentido ao que fazemos, a dar sentido à vida, especialmente para os jovens.
Temos uma tarefa fundamental, que é a de educar os jovens, e aqueles que os educam e trabalham com eles devem certamente ser portadores de sonhos e de esperança.
O mundo está em constante construção, e cabe a nós, salesianos, contribuir, com nossas vidas, nossas ações e nossa missão, para a sua construção, por meio da educação dos jovens de hoje, para que, sabendo que são amados, valiosos, capazes e desenvolvendo o melhor de si, possam dar sentido às suas vidas e ser construtores de esperança em suas famílias e na sociedade.

O senhor tem alguma mensagem para a Família Salesiana?
A mensagem que posso compartilhar com toda a Família Salesiana, antes de tudo, é que somos guardiões e portadores de um dom, um dom que Deus dá à Igreja, que é o carisma salesiano, um dom e uma tarefa para cada um de nós.
Este ano, o Cardeal e Reitor-Mor da Congregação, Dom Ángel Fernández Artime, nos convida a sonhar, imitando o nosso pai Dom Bosco, um pai sonhador. Dom Bosco sonhava com coisas que pareciam impossíveis, mas sua grande confiança em Maria Auxiliadora e seu trabalho perseverante e tenaz o levaram a realizar seus sonhos. Também nós, dignos filhos desse pai, somos chamados a sonhar e a agregar os jovens a esses sonhos, que nada mais são do que desejar para eles um mundo melhor, onde possam se inserir, construindo uma sociedade mais amável e mais sensível aos valores humanos e cristãos. Junto com eles, queremos contribuir e nos tornar bons cristãos e honestos cidadãos, sentindo-nos profundamente amados por Deus.




Entrevista com o P. Luís Vítor SEQUEIRA GUTIÉRREZ, Inspetor da Inspetoria de Angola

Fizemos ao P. Luís Vítor SEQUEIRA GUTIÉRREZ, novo Inspetor da Inspetoria de Angola (ANG), algumas perguntas para os leitores do Boletim Salesiano OnLine.

Sua nomeação se deve ao fato de que o anterior superior dos salesianos em Angola, P. Martin Lasarte, foi nomeado bispo da diocese de Lwena.
Com essa nomeação, o Reitor-Mor decidiu também, novamente após consultar o seu Conselho, elevar a Visitadoria de Angola à categoria de Inspetoria, a partir do dia da posse do P. Sequeira Gutiérrez. Ele será, portanto, o primeiro Inspetor da nova Inspetoria.
Filho de Cristóvão Sequeira e Vitória Gutiérrez, Vítor Luís Sequeira Gutiérrez nasceu em 22 de março de 1964, em Assunção, Paraguai. Frequentou o aspirantado salesiano em Ypacaraí em 1984, o pré-noviciado em 1985 e, finalmente, o noviciado em La Plata, Argentina, em 1986. Fez sua primeira profissão em 31 de janeiro de 1987. Seus estudos de filosofia o levaram a São Paulo, Brasil, e à Universidade Católica de Assunção.
De 1992 a 2020, trabalhou como missionário em Angola, ocupando vários cargos: Ecônomo da casa de formação “Dom Bosco” em Luanda (1997-1998), Diretor da Missão Católica em Libolo (1998-2005), Diretor e pároco em Dondo (2005-2011). De 2011 a 2014, foi diretor do Centro de Formação de Luanda, bem como vice-diretor do “Institut Supérieur de Philosophie et Pédagogie Don Bosco” em Luanda, agora conhecido como ISDB.
Anteriormente, atuou como Superior dos Salesianos de Angola no sexênio 2014-2020.
Em novembro de 2020, foi enviado a Portugal para fazer parte da equipe de formação dos estudantes de Teologia em Lisboa, servindo também brevemente como capelão no Centro de Reabilitação Médica de Alcoitão. Finalmente, em fevereiro de 2023, retornou a Angola, onde havia sido recentemente nomeado Diretor e Pároco da comunidade de Lwena.
O Padre Sequeira Gutiérrez é fluente em espanhol, guarani, francês, italiano e português.

Pode fazer-nos sua autoapresentação?
Eu sou o Padre Vítor Luís Sequeira Gutiérrez, Inspetor de Angola. Estou em Angola há 32 anos e sou paraguaio.

Como surgiu a sua vocação?
Em uma época de ditadura militar e em uma Igreja onde os jovens encontravam um espaço de livre expressão, o encontro com a Palavra me levou à conversão e ao compromisso. Senti-me chamado a estar a serviço dessa Igreja que leva à libertação, especialmente dos jovens.

Por que salesiano?
Porque as minhas raízes são salesianas, a minha mãe conhecia os ambientes salesianos em contato com as FMA e o meu pai o oratório e os sacerdotes que eram verdadeiros pais (papais); além disso, nasci e cresci em uma paróquia salesiana; podemos dizer que a minha natureza é salesiana.

Lembra-se de algum educador em especial?
Padre Edmundo Candia, Padre Rojas, Padre Aquino.

Por que se fez missionário?
Tudo começou com uma aspiração, quando entrei em contato com as missões no Chaco, depois também com as missões na África e o projeto África. A partir desse momento, senti-me chamado.

Quais as maiores dificuldades encontradas?
O encontro do Evangelho com a cultura local, onde a vida e a dignidade das pessoas devem ser valorizadas.

Quais as maiores alegrias encontradas?
A maneira como as pessoas não perdem a esperança e sempre sorriem para você; a gratidão que elas têm pelos missionários.

Como encontra o trabalho nesse ambiente?
Acima de tudo, útil como instrumento de Deus, não indispensável, e, portanto, realizado como pessoa consagrada e missionária.

Como são os jovens da região?
São alegres, cheios de vitalidade, prontos para aprender, ser formados e se desenvolver.

Os cristãos são perseguidos na região?
Não, graças a Deus, Angola é predominantemente cristã.

Quais são os grandes desafios da evangelização e da missão hoje?
A formação humana e o anúncio do Evangelho, o diálogo aprofundado com a cultura.

O que poderia ser feito mais e melhor?
Dar educação de qualidade e formação profissional, encarnar mais o Evangelho na cultura, uma catequese que toque a realidade atual.




Um caramanchão de rosas (1847)

Os sonhos de Dom Bosco são presentes do alto para guiar, advertir, corrigir, encorajar. Alguns deles foram registrados por escrito e foram preservados. Um deles – ocorrido no início da missão do santo dos jovens – é o do caramanchão de rosas, feito em 1847. Nós o apresentamos na íntegra.

            Em 1864, uma noite, depois das orações, reuniu em sua antecâmara, como costumava fazer de quando em quando, os que já pertenciam à sua Congregação, entre eles, os Padres Vitório Alasonatti, Miguel Rua, João Cagliero, Celestino Durando, José Lazzero e Júlio Barberis. Depois de lhes falar do desapego do mundo e das próprias famílias para seguir o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, continuou com estes termos:
            Contei-lhes diversas coisas em forma de sonhos pelas quais podemos conhecer como Nossa Senhora nos ama e nos ajuda. Como estamos aqui somente nós, a fim de que cada um de vocês tenha a certeza de que a Virgem Maria quer a nossa Congregação e para que nos animemos sempre mais a trabalhar para a maior glória de Deus, conto-lhes, não a descrição de um sonho, mas o que a Bem-aventurada Mãe de Deus, em pessoa, teve a bondade de me mostrar. Ela quer que ponhamos nela toda a nossa confiança. Eu lhes falo com toda a sinceridade, mas desejo que o que estou para contar não seja referido aos outros da casa ou de fora do Oratório, para que não se dê oportunidade a críticas dos mal-intencionados.

            Certo dia, em 1847, após muito meditar sobre o modo de fazer o bem, particularmente em favor da juventude, apareceu-me a Rainha do Céu e me levou a um jardim encantador. Nele havia um longo pórtico, rústico, porém belíssimo, em forma de vestíbulo. Trepadeiras ornavam e envolviam os pilares. Seus ramos carregados de folhas e de flores se estendiam para o alto; voltados uns para os outros, entrelaçados, formavam um gracioso caramanchão. Esse pórtico dava para uma estrada muito bonita, coberta a perder de vista por um caramanchão encantador, ladeado e coberto de maravilhosas roseiras em plena florescência. Também o chão estava todo atapetado de rosas. Nossa Senhora me disse:
            – Tire os sapatos! – Apenas tirei, ela acrescentou:
            – Vá para a frente por esse caramanchão: esta é a estrada que você deve percorrer. – Gostei de tirar os sapatos porque tinha pena de pisar em rosas tão belas. E comecei a andar. Logo, porém, percebi que as rosas escondiam espinhos muito agudos, e meus pés começaram a sangrar. Dados apenas alguns passos, fui obrigado a parar e voltar.
            – Aqui é preciso usar sapatos – eu disse à minha guia.
            – Sem dúvida – respondeu. – São necessários sapatos, e dos bons.
            Calcei os sapatos e retomei o caminho junto com certo número de companheiros que haviam aparecido naquele momento e me pediam para ficar comigo. Eles vieram atrás de mim sob o caramanchão, que era de uma beleza incrível, mas que, ao avançar por ele, se tornava mais estreito e baixo. Do alto pendiam muitos ramos e para lá voltavam em forma de festões. Outros pendiam perpendicularmente sobre o caminho. Outros ainda, a partir dos caules das roseiras, espalhavam-se de cá e de lá a intervalos, horizontalmente. Havia também os que, formando uma sebe mais densa, invadiam uma parte do caminho. Finalmente, alguns serpeavam a pouca altura do chão. Todos eram revestidos de rosas, e eu só via rosas por todos os lados, acima de mim, diante de mim.
            Enquanto eu ainda sentia fortes dores nos pés e me contorcia um pouco, tocava as rosas aqui e ali; no entanto, pungiam-me espinhos ainda mais agudos escondidos sob as rosas. Todavia, continuei a caminhar. Minhas pernas se enroscavam nos ramos estendidos pelo chão e se machucavam. Eu afastava um ramo transversal que me impedia de caminhar, ou então para esquivar-me dele, passava perto do muro, mas acabava sempre me ferindo, de modo que me sangravam não só as mãos, como também o corpo inteiro. Na parte superior, as rosas que pendiam do alto escondiam grande quantidade de espinhos que também me espetavam a cabeça. Apesar disso, encorajado pela Bem-aventurada Virgem, continuei meu caminho. De quando em quando, porém, eu recebia picadas mais agudas e penetrantes, que me causavam espasmos muito doloridos.
            Todos os que me observavam, e eram muitíssimos, a percorrer aquele caramanchão, diziam: – Oh! Como Dom Bosco caminha sempre sobre rosas. Ele vai para a frente tranquilíssimo. Tudo lhe corre bem. – Não viam, porém, que os espinhos rasgavam meus pobres membros.
            Muitos Clérigos, Padres e leigos por mim convidados haviam-se posto a me seguir, alegres, atraídos pela beleza das flores. Ao perceberem, no entanto, que deviam caminhar sobre espinhos que despontavam de todos os lados, começaram a gritar: – Fomos enganados!
            Eu respondi: – Quem quiser caminhar prazerosamente sobre rosas volte para trás; os outros que me sigam.
            Não poucos deram para trás. Percorrida boa parte do caminho, voltei-me para dar uma olhada em meus companheiros. Qual não foi a minha dor quando vi que uma parte deles desaparecera; outra parte já me havia voltado as costas e se afastava. Eu também voltei para trás a fim de chamá-los, mas tudo foi inútil, pois sequer me davam ouvidos. Então comecei a chorar copiosamente e a me queixar: – Será possível que deverei percorrer sozinho esta estrada tão cansativa?
            Contudo, fui logo consolado. Vi avançar para mim um grupo de Padres, Clérigos, leigos, que me disseram: – Aqui estamos. Somos todos seus e estamos prontos para segui-lo. – Precedendo-os, reiniciei o caminho. Só alguns desanimaram e pararam. Grande parte deles chegou comigo até a meta.
            Percorrido todo o caramanchão, encontrei-me em um belíssimo jardim, onde me rodearam os meus poucos seguidores, todos macilentos, desgrenhados, ensanguentados. Levantou-se, então, uma brisa suave; a seu sopro, todos ficaram curados. Soprou outra brisa e, como por encanto, eu me vi circundado de um número imenso de jovens e Clérigos, de ajudantes leigos e também de Padres, que se puseram a trabalhar comigo, guiando aquela juventude. Reconheci alguns, mas muitos outros eu não conhecia.
            Nesse ínterim, tendo chegado a um lugar mais elevado do jardim, vi diante de mim um edifício monumental, surpreendente pela sua magnificência artística. Passado o limiar do edifício, entrei em uma sala imensa, tão rica que nenhum Palácio real no mundo poderia orgulhar-se de algo igual. Era toda coberta e adornada de rosas fresquíssimas e sem espinhos, das quais emanava uma suavíssima fragrância. Então, a Santa Virgem, que fora a minha guia, perguntou-me: – Sabe o que significa o que você está vendo e viu antes?
            – Não – eu respondi. – Peço que me explique.
            Então ela me disse: – Saiba que o caminho que você percorreu por entre rosas e espinhos significa o cuidado que deverá ter com a juventude. Você vê que deverá andar com o calçado da mortificação. Os espinhos no chão significam as afeições sensíveis, as simpatias ou antipatias humanas que desviam o educador do seu verdadeiro objetivo, ferem-no, imobilizam-no em sua missão e o impedem de continuar a recolher coroas para a vida eterna. As rosas são o símbolo da caridade ardente que deve distinguir você e todos os seus ajudantes. Os outros espinhos significam os obstáculos, os padecimentos, os desgostos que lhes caberão. Todavia, não desanimem. Com a caridade e com a mortificação, superarão tudo e chegarão às rosas sem espinhos.
            Logo que a Mãe de Deus acabou de falar, acordei e me encontrei no meu quarto.
            Dom Bosco, que tinha compreendido o sentido do sonho, concluiu afirmando que, depois daquela data, via muito bem o caminho a percorrer. Que já identificava melhor as oposições e os artifícios com que tentavam pará-lo e que, embora muitas vezes devessem ser os espinhos entre os quais teria de caminhar, estava certo e seguro da vontade de Deus e do bom êxito do seu grande empreendimento.
            Mediante esse sonho, Dom Bosco era alertado também para que não desanimasse pelas defecções que aconteceriam entre os que pareciam destinados a ajudá-lo na sua missão. Os primeiros a se afastarem do caramanchão são os Padres Diocesanos e os leigos que, no princípio, tinham se dedicado ao Oratório festivo. Os outros que chegaram depois representam os Salesianos, aos quais é prometida a ajuda e o conforto divino, significado pelo sopro da brisa suave.
            Mais tarde, Dom Bosco confessou que esse sonho ou visão se repetiu em diversas ocasiões, isto é, em 1848 e em 1856, e que cada vez ocorria com a variação de algumas circunstâncias. Nós o apresentamos aqui fundido em uma única narração, para evitar repetições supérfluas.
(MBp III, 38-42)




Entrevista com o P. Aureliano MUKANGWA, Superior da Visitadoria África Congo Congo

Fizemos algumas perguntas ao P. Aureliano MUKANGWA, Superior da Visitadoria África Congo Congo (ACC), para os leitores do Boletim Salesiano OnLine.

O P. Aureliano nasceu no dia 9 de novembro de 1975 em Lubumbashi, República Democrática do Congo. Completou o noviciado em Kansebula de 24 de agosto de 1999 a 24 de agosto de 2000. Em seguida, fez sua profissão perpétua em Lubumbashi em 8 de julho de 2006 e foi ordenado sacerdote em 12 de julho de 2008.
Em nível local, ele ocupou os cargos de diretor em Uvira, Kinshasa, Lukunga e Le Gombe, e de diretor de escola em Masina. Antes da criação da atual Visitadoria ACC, ele foi escolhido para ser o Superior da Delegação RDC-Ocidental por quatro anos e, na época dessa nomeação, ele era novamente o Delegado do Inspetor na nova Delegação AFC Oriental, com sede em Goma.
O P. Mukangwa é filho de Donaciano Symba Mukangwa e Judite Munyampala Mwange, e é diplomado em Pedagogia. Ele assumiu essa nova função de animação e governo da Visitadoria ACC – que abrange parte da República Democrática do Congo e da República do Congo – para o período de seis anos entre 2023 e 2029.

Pode fazer-nos sua autoapresentação?
Meu nome é Aureliano Mukangwa Mwanangoy e nasci em Lubumbashi (Haut Katanga), na República Democrática do Congo, em 9 de novembro de 1975, filho de meu falecido pai, Donaciano Symba Mukangwa, e de minha mãe, Judite Munyampara Mwange. Sou o segundo de 11 filhos, sete meninos e quatro meninas.
Tornei-me salesiano Dom Bosco há quase 24 anos, em 24 de agosto de 2000. E, desde 24 de maio de 2023, sou o segundo superior inspetorial da Visitadoria Maria Auxiliadora África Congo-Congo (ACC). Imediatamente após minha formação inicial, trabalhei em Uvira, Kinshasa, Lubumbashi e Goma, e agora estou na sede da Visitadoria em Kinshasa.

Qual é a história de sua vocação?
Muito obrigado por essa bela pergunta, que considero muito essencial, porque o que é importante para mim é o encontro com Dom Bosco que me levou a ser salesiano.
A influência vocacional que tive depende do local de meu nascimento, de minha infância e de minha juventude. Nasci e cresci em um município que era servido pastoralmente exclusivamente pelos salesianos de Dom Bosco. Naquela época, todas as paróquias do município do Quênia (Lubumbashi-RDC) eram administradas pelos Salesianos de Dom Bosco. Meu primeiro contato com os salesianos foi na escola maternal (aos 4 anos), onde conheci salesianos como os padres Eugênio, Carlos Sardo, Ângelo Pozzi e Luís Landoni. Na minha paróquia de São Bento (Quênia), quando eu era muito jovem, costumava ir ao oratório e ao pátio de recreio, onde também conheci o P. Jacques Hantson, SDB, e os jovens salesianos em formação que vieram de Kansebula (pós-noviciado). Na mesma paróquia, conheci também o P. André Ongenaert, SDB. Por volta de 1987, a família se mudou para o bairro atrás da Cité des Jeunes [Cidade dos Jovens] de Lubumbashi, fundada pelos salesianos. Lá tive o privilégio de conhecer muitos salesianos e missionários africanos.
Assim, desde cedo, tive o desejo de me tornar como esses salesianos que vieram fazer o trabalho pastoral em minha paróquia, porque eles me inspiravam muito com seu modo de fazer as coisas e de estar conosco, seu modo de acolher as crianças e a disponibilidade que tinham para ouvir os jovens, especialmente seu compromisso com o serviço aos jovens pobres e a alegria que colocavam em torno de todos nós.

Como você conheceu Dom Bosco / os Salesianos?
Como eu disse anteriormente, conheci Dom Bosco por meio dos Salesianos de Dom Bosco em minha paróquia, em minha escola, em minha educação por meio dos Salesianos, livros e filmes sobre Dom Bosco.

Lembra-se de algum educador em particular?
P. Jacques Hantson, pelo espírito salesiano e missionário com que nos orientava no oratório da paróquia de São Bento, em Lubumbashi. O P. Hantson era um missionário belga e hoje descansa com o Pai celestial.

Quais foram as maiores dificuldades encontradas?
As maiores dificuldades que encontramos até agora são a miséria dos jovens abandonados pelo Estado, pelos pais e pelos adultos; jovens que se tornaram vítimas da guerra, do desemprego, das drogas, da prostituição, da pobreza e da exploração de várias formas. A outra dificuldade é a falta de soluções reais para os problemas dos jovens e a falta de recursos humanos, materiais e financeiros para prestar assistência adequada a esses jovens vulneráveis em dificuldade.

Qual a sua melhor experiência?
A melhor experiência em minha vida salesiana foi como assistente na casa do pré-noviciado, nas atividades oratorianas e na pastoral escolar e social.
Com o tempo, aprendi que, tanto nas experiências positivas quanto nas negativas, precisamos tirar boas lições para a vida e tentar ser positivos para tornar realidade o otimismo salesiano.

Os cristãos da região são perseguidos?
Devo dizer aqui que a área geográfica de nossa Visitadoria é, pela graça, predominantemente cristã. Portanto, os cristãos não são perseguidos aqui. No entanto, às vezes eles são vítimas da situação sociopolítica e de segurança nos países que compõem nossa Visitadoria.

Quais os grandes desafios da evangelização e da missão hoje?
Hoje, os grandes desafios da evangelização e da missão são os do mundo digital, onde encontramos um número bastante grande de jovens confrontados com a Inteligência Artificial, com todas as suas armadilhas.
Outro desafio específico para a nossa Visitadoria é a expansão da missão salesiana em toda a nossa área geográfica. Há jovens na periferia que precisam do carisma de Dom Bosco. Mas para que isso aconteça, precisamos investir fortemente na formação de salesianos de qualidade que sejam verdadeiramente “apaixonados por Jesus Cristo e dedicados aos jovens”.

Que papel Maria Auxiliadora desempenha em sua vida?
Como cristão católico e salesiano de Dom Bosco, Maria ocupa um lugar importante em minha vida. Graças à espiritualidade salesiana, aprendi a aprofundar a dimensão da devoção a Maria Auxiliadora. Todas as manhãs, no final de nossa meditação, rezamos a oração salesiana a Maria Auxiliadora, e encontro tempo durante o dia e à noite para pedir à Virgem Maria ajuda para minha vocação, para a missão salesiana, para a família salesiana e especialmente para os jovens. Tenho grande confiança nela. Ela é minha mãe. Ela está intrinsecamente ligada à minha vocação; de fato, devo isso a ela.

O que diria aos jovens de hoje?
Em vista dos desafios que os jovens enfrentam hoje, há muitas coisas a dizer. Aos jovens, eu digo que Deus lhes deu um grande presente na pessoa de Dom Bosco por meio do carisma salesiano. Todo jovem que encontra Dom Bosco tem o dever de construir sua vida com base nos valores salesianos. Não preciso lembrá-los da ordem que Dom Bosco nos deixou: “Ensinem aos jovens a fealdade do pecado e a beleza da virtude”. Qualquer pessoa que ainda não tenha conhecido Dom Bosco deve entrar em contato com uma organização salesiana. Queridos jovens, vocês são os protagonistas do seu futuro, um futuro melhor e radiante! Portanto, não percam tempo. Envolvam-se. Aproveitem o carisma salesiano. Ele está aí para vocês.