Entre a admiração e a dor

Hoje eu saúdo a vocês pela última vez desta página do Boletim Salesiano. Em 16 de agosto, dia em que comemoramos o nascimento de Dom Bosco, termina meu serviço como Reitor-Mor dos Salesianos de Dom Bosco.
É sempre um motivo para agradecer, sempre Obrigado! Antes de tudo a Deus, à Congregação e à Família Salesiana, a tantas pessoas queridas e amigas, a tantos amigos do carisma de Dom Bosco, aos muitos benfeitores.

            Também nesta ocasião, minha saudação transmite algo que experimentei recentemente. Daí o título desta saudação: Entre a admiração e a dor. Falo-lhes da alegria que encheu meu coração em Goma, na República Democrática do Congo, ferida por uma guerra interminável, e da alegria e do testemunho que recebi ontem.
            Há três semanas, depois de ter visitado Uganda (no campo de refugiados de Palabek que, graças à ajuda e ao trabalho dos salesianos nos últimos anos, não é mais um campo de refugiados sudaneses, mas um lugar onde dezenas de milhares de pessoas se estabeleceram e encontraram uma nova vida), atravessei Ruanda e cheguei à fronteira na região de Goma, uma terra maravilhosa, bela e rica de natureza (e justamente por isso tão desejada e desejável). Bem, por causa dos conflitos armados, há mais de um milhão de pessoas deslocadas naquela região, que tiveram de deixar suas casas e suas terras. Nós também tivemos que deixar a presença salesiana em Sha-Sha, que foi ocupada militarmente.
            Esse milhão de pessoas deslocadas chegou à cidade de Goma. Em Gangi, um dos distritos, há a obra salesiana “Dom Bosco”. Fiquei imensamente feliz ao ver o bem que está sendo feito lá. Centenas de meninos e meninas têm um lar. Dezenas de adolescentes foram tirados das ruas e estão morando na casa de Dom Bosco. Foi lá, por causa da guerra, que 82 bebês recém-nascidos e meninos e meninas que perderam seus pais ou foram deixados para trás (“abandonados”) porque seus pais não podiam cuidar deles encontraram um lar.
            E lá, naquela nova Valdocco, uma das muitas Valdoccos do mundo, uma comunidade de três Irmãs de São Salvador, juntamente com um grupo de senhoras, todas apoiadas pela casa salesiana com ajuda que chega graças à generosidade dos benfeitores e da Providência, cuidam desses meninos e meninas. Quando fui visitá-los, as irmãs haviam vestido todos, até mesmo as crianças que dormiam em seus berços. Como não sentir meu coração cheio de alegria com essa realidade de bondade, apesar da dor causada pelo abandono e pela guerra?
            Mas meu coração foi tocado quando conheci várias centenas de pessoas que vieram me cumprimentar por ocasião de minha visita. Elas estão entre os 32.000 desabrigados que deixaram suas casas e suas terras por causa das bombas e vieram buscar refúgio. Eles o encontraram nos campos e nos terrenos da casa de Dom Bosco em Gangi. Eles não têm nada, vivem em barracos de poucos metros quadrados. Essa é a realidade deles. Juntos, buscamos todos os dias uma maneira de encontrar comida. Mas vocês sabem o que mais me impressionou? O que mais me impressionou foi que, quando eu estava com essas centenas de pessoas, a maioria idosos e mães com filhos, elas não perderam a dignidade, a alegria ou o sorriso. Fiquei impressionado e meu coração se entristeceu com tanto sofrimento e pobreza, apesar de estarmos fazendo nossa parte em nome do Senhor.

Um concerto extraordinário
            Senti outra grande alegria ao receber um testemunho de vida que me fez pensar nos adolescentes e jovens em nossas presenças, e nos muitos filhos de pais que talvez estejam me lendo e que sentem que seus filhos estão desmotivados, entediados com a vida ou não têm paixão por quase nada. Entre os convidados de nossa casa nesses dias estava uma pianista extraordinária que viajou pelo mundo dando concertos e fez parte de grandes orquestras filarmônicas. Ela é ex-aluna dos salesianos e teve um salesiano, já falecido, como grande referência e modelo. Ela quis nos oferecer este concerto no átrio do templo do Sagrado Coração como uma homenagem a Maria Auxiliadora, que ela tanto ama, e como um agradecimento por tudo o que sua vida tem sido até agora.
            E digo isso porque nossa querida amiga nos presenteou com um concerto maravilhoso, de qualidade excepcional, aos 81 anos de idade. Ela era acompanhada por sua filha. E nessa idade, talvez quando alguns dos mais velhos da família já tenham dito há muito tempo que não querem mais fazer nada, ou fazer qualquer coisa que exija esforço, nossa querida amiga, que pratica piano todos os dias, movia as mãos com uma agilidade maravilhosa e estava imersa na beleza da música e de sua execução. Boa música, um sorriso generoso no final de sua apresentação e a entrega das orquídeas a Nossa Senhora Auxiliadora eram tudo o que precisávamos naquela manhã maravilhosa. E meu coração salesiano não pôde deixar de pensar naqueles meninos, meninas e jovens que talvez não tiveram ou não tenham mais nada que os motive em suas vidas. Ela, nossa amiga pianista, vive com grande serenidade aos 81 anos de idade e, como me disse, continua a oferecer o dom que Deus lhe deu e a cada dia encontra mais e mais motivos para fazê-lo.
            Mais uma lição de vida e mais um testemunho que não deixa o coração indiferente.

            Obrigado, meus amigos, obrigado do fundo do meu coração por todo o bem que estamos fazendo juntos. Por menor que seja, ele contribui para tornar nosso mundo um pouco mais humano e mais bonito. Que o bom Deus os abençoe.




O sonho dos 9 anos

A série dos “sonhos” de Dom Bosco começa com aquele que ele teve aos nove anos de idade, por volta de 1824. É um dos mais importantes, se não o mais importante, porque aponta para uma missão confiada pela Providência que se concretiza em um carisma particular na Igreja. Muitos outros se seguirão, a maioria deles coletados nas Memórias Biográficas e retomados em outras publicações dedicadas a esse assunto. Propomos apresentar os mais relevantes em vários artigos subsequentes.

            Na idade de aproximadamente 9 anos tive um sonho que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros se divertiam, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê-los calar. Nesse momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto branco cobria-lhe o corpo; seu rosto era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras:
             – Não é com pancadas; é com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre quão feio é o pecado e quão preciosa é a virtude.
             – Confuso e assustado, repliquei que eu era um menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Senão quando aqueles meninos, parando de brigar, de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do personagem que estava a falar.
            Quase sem saber o que dizer, acrescentei:
            – Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis?
            – Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência.
            – Onde, com que meios poderei adquirir a ciência?
            – Eu te darei a mestra sob cuja orientação poderás tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converte em estultice.
            – Quem sois vós que assim falais?
            – Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia.
            – Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não conheço; dizei-me, pois, vosso nome.
            – Pergunta-o à minha mãe.
            Nesse momento vi a seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto tão resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse e, tomando-me com bondade pela mão, disse: – Olha! – Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles apareceu uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. – Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-se humilde, forte, robusto. E o que agora vês acontecer a esses animais deves fazê-lo aos meus filhos.
            Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele homem e daquela senhora, como a fazer-lhes festa.
            Nesse ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque não sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a mão em minha cabeça, dizendo: – A seu tempo, tudo compreenderás. – Após essas palavras, um ruído qualquer me acordou, e tudo desapareceu. Fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos doloridas pelos socos que desferira e doer-me o rosto pelos tapas que recedi. Além disso, aquele personagem, a senhora, as coisas ditas e ouvidas me encheram a cabeça e naquela noite não pude mais conciliar o sono.
            De manhãzinha contei logo o sonho, primeiro aos meus irmãos, que se puseram a rir, depois à mamãe e à vovó. Cada um dava o seu palpite. O irmão José dizia: – Vai ser pastor de cabras, de ovelhas e de outros animais. – Mamãe: – Quem sabe se um dia não será Sacerdote. – Antonio, secamente: – Chefe de bandidos, isso sim. – A avó que, de todo analfabeta, entendia muito de Teologia, deu a sentença definitiva: – Não se deve fazer caso dos sonhos. – Eu era do parecer de minha avó, todavia não pude nunca tirar aquele sonho da minha cabeça. O que vou doravante expor dará a isso alguma explicação. Mantive-me sempre calado; meus parentes não lhe deram importância. Quando, em 1858, fui a Roma para falar com o Papa sobre a Congregação Salesiana, ele me fez contar pormenorizadamente tudo quanto tivesse ainda que só a aparência de sobrenatural. Contei então pela primeira vez o sonho que tive na idade de 9 a 10 anos. O Papa mandou-me escrevê-lo literalmente com pormenores e deixá-lo como estímulo aos filhos da Congregação, que era precisamente o objetivo de minha viagem a Roma.
(MBp I, 112-114.; cf. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales. São João Bosco, 28-30)




Santidade salesiana

O Espírito Santo continua incessantemente a obra oculta nas almas, conduzindo-as à santidade. Não foram poucos os membros da Família Salesiana que levaram uma vida digna do título de cristão: homens e mulheres consagrados, leigos, jovens, viveram suas vidas na fé, levando a graça de Deus ao próximo. Cabe à Postulação Geral dos Salesianos de Dom Bosco estudar suas vidas e escritos e propor à Igreja o reconhecimento de sua santidade.
Há poucos dias, foi inaugurada a nova sede da Postulação. Esperamos que a nova estrutura seja uma oportunidade para um renovado compromisso com as causas de canonização, não apenas por parte daqueles que trabalham diretamente nas causas, mas também por todos aqueles que podem dar a sua contribuição. Sejamos guiados pelo Postulador Geral para as Causas dos Santos, o P. Pierluigi Cameroni.

Devemos expressar profunda gratidão e louvor a Deus pela santidade já reconhecida na Família Salesiana de Dom Bosco e por aquela em processo de reconhecimento. O êxito de uma Causa de Beatificação e de Canonização é um acontecimento de extraordinária importância e valor eclesial. Com efeito, trata-se de fazer um discernimento sobre a fama de santidade de um batizado, que viveu as bem-aventuranças do evangelho em grau heroico ou que deu a vida por Cristo.
Desde Dom Bosco até hoje conhecemos uma tradição de santidade que merece a nossa atenção, porque é a encarnação do carisma que dele se originou e que se manifestou numa pluralidade de estados de vida e de formas. Trata-se de homens e mulheres, jovens e adultos, consagrados e leigos, bispos e missionários que, em contextos históricos, culturais e sociais diferentes no tempo e no espaço, fizeram brilhar o carisma salesiano com uma luz singular, representando um patrimônio que desempenha um papel efetivo na vida e na comunidade dos crentes e dos homens de boa vontade.

O compromisso em propagar o conhecimento, a imitação e a intercessão dos membros da nossa família, candidatos à santidade

Sugestões para se promover uma Causa

– Favorecer a oração com a intercessão do Beato, Venerável, Servo/a de Deus, através de imagens (também relíquias ex-indumentis), folders, livros… para divulgar nas famílias, nas paróquias, nas casas religiosas, nos centros de espiritualidade, nos hospitais, para pedir a graça de milagres e favores através da intercessão do Beato, Venerável, Servo/a de Deus.

– É particularmente eficaz, a divulgação da Novena do Beato, Venerável, Servo/a de Deus, invocando a intercessão deles nos diversos casos de necessidade material e espiritual. Enfatiza-se dois elementos formativos: o valor da oração insistente e confiante e o da oração comunitária. Recordamos o episódio bíblico de Naamã, o Sírio (2Re 5:1-14), onde vamos ver vários elementos, o relatório do homem de Deus por parte de uma garota, o liminar de se banhar 7 vezes no Rio Jordão, a recusa indignada e ressentida. A sabedoria e a insistência dos servos de Naamã, a obediência de Naamã, a obtenção não apenas da cura física, mas da salvação. Recordemos, também, a descrição da primeira comunidade de Jerusalém, quando afirma: “Todos esses eram perseverantes e concordes na oração, junto com algumas mulheres e Maria, a mãe de Jesus e aos irmãos dele” (At 1,14).

– Aconselha-se a cada mês, no dia em que se recorda a data da morte do Beato/a, Venerável, Servo/a de Deus, organizar um momento de oração e de comemoração.

– Publicar com frequência trimestral ou quadrimestral, um Folheto Informativo que atualize a respeito do andamento da Causa, aniversários e eventos particulares, testemunhos, graças… para mostrar que a Causa está viva e acompanhada.

– Tratar uma vez por ano, de um Dia comemorativo, evidenciando aspectos particulares ou aniversário da figura do Beato/a, Venerável, Servo/a de Deus, envolvendo os grupos particularmente “interessados” em seu testemunho (por exemplo, sacerdotes, religiosos, jovens, famílias, médicos, missionários…).

– Recolher e documentar as graças e favores que são atribuídos ao/à Beato/a, Venerável, Servo/a de Deus. É útil ter um caderno no qual anotar e marcar as graças pedidas e as alcançadas, o testemunho da fama, seja da santidade seja de sinais. Em especial, caso se trate de cura ou de pressupostos milagres, é importante logo recolher toda a documentação médica que provem o caso e, as provas que atestem a intercessão.

– Constituir um Comitê que se empenhe em promover tal Causa, tendo em vista, também, a Beatificação e Canonização. Membros deste Comitê deverão ser pessoas particularmente sensíveis à promoção da Causa: representantes da diocese e da paróquia de origem, responsáveis de grupos e associações, médicos (para o estudo dos pressupostos milagres), historiadores, teólogos e especialistas de espiritualidade…

– Promover o conhecimento através da redação da biografia, a edição crítica dos escritos e outras produções multimídias.

– Periodicamente apresentar a figura do Beato/a, Venerável, Servo/a de Deus no Boletim paroquial e no jornal diocesano, no Boletim Salesiano.

– Ter um site ou um link dedicado ao Beato/a, Venerável, Servo/a de Deus, com a sua vida, dados e notícias relativos à Causa de Beatificação e Canonização, pedidos de oração, relatórios de Graças…

– Rever e reordenar os ambientes onde ele/ela vivera. Organizar um espaço de exposição. Elaborar um itinerário espiritual sobre seus passos, valorizando lugares (Casa natal, igreja, ambientes de vida…) e sinais.

– Organizar um arquivo com toda a documentação catalogada e informatizada sobre o Beato/a, Venerável, Servo/a de Deus.

– Criar um fundo econômico para apoiar tanto as despesas da Postulação da Causa, quanto a obra de promoção e animação da própria Causa.

– Promover obras de caridade e de educação no nome do Beato/a, Venerável, Servo/a de Deus, através de projetos, parcerias…

Particular atenção aos pressupostos milagres

– Cuidar de nosso olhar “teológico” para colher os milagres que todo dia acontecem em nossa vida e ao nosso redor.
– Rezar e fazer que rezem para os vários casos que se apresentam e pedir que pela intercessão de um Servo/a de Deus ou Venerável ou Beato/a, o Senhor intervenha com a sua graça e opere não só um milagre relativo à saúde física, mas, também, uma verdadeira e sincera conversão.
– Fazer as pessoas entenderem melhor o que é um milagre “demonstrável” e para que serve em uma Causa de Canonização, mostrando não apenas o aspecto científico, médico, mas também o teológico.
– Nomear uma pessoa encarregada a quem comunicar e relatar graças e pressupostos milagres. Seguir uma Causa para certificar um milagre é um compromisso muito grande para um promotor que deve demonstrar um amor verdadeiro para com o Servo de Deus em questão.
– Despertar a consciência de que devemos ter mais fé na intercessão dos nossos Santos.
– Comunicar quando pedem uma graça, para nos unirmos em oração. Não se cansar de rezar.
– Seguir melhor e pessoalmente as pessoas para quem foi entregue o material (novenas, santinhos, etc.) e, também, escolher com atenção, os lugares onde fazê-lo.
– É importante sensibilizar os fiéis a uma oração continua apoiados por uma grande fé e, prontos a aceitar sempre a vontade de Deus. Nós podemos aprender olhando para a vida e os sofrimentos que os nossos Santos viveram.
– Além das orações, é importante estar próximo, estando presentes nas famílias que têm grandes problemas, e dar a elas alguma relíquia.
– Em caso de pressuposto milagre é importante agir com rigor, utilizando uma metodologia científica ao juntar as provas, os testemunhos, os pareceres médicos, etc. e possivelmente catalogando todas as informações em ordem cronológica.

Um milagre é composto de dois elementos essenciais: o científico e o teológico. O segundo, porém, pressupõe o primeiro.

É preciso preparar

1. Um breve e preciso relatório sobre as circunstâncias particulares que caracterizaram o caso; isto consiste em uma organização cronológica de todos os elementos dos fatos prodigiosos, quer os relativos aos elementos científicos, quer os relativos aos elementos teológicos. O relato cronológico comporta: informações gerais da pessoa curada; sintomas da doença, disposição cronológica dos acontecimentos médico-científicos, indicação das horas decisivas da cura, esclarecimento sobre o diagnóstico e o prognóstico do caso, destacando todas as pesquisas realizadas; delinear toda a terapia seguida, ilustrar o método de cura, ou seja, quando foi feita a última constatação antes da cura, a ocorrência completa da cura, apresentada de modo bastante detalhado e a permanência da cura.

2. Um elenco de textos que podem contribuir com a pesquisa da verdade do caso (pessoa curada, parentes, médicos, enfermeiros, pessoas que rezaram …).

3. Todos os documentos relativos ao caso, sobre as supostas curas milagrosas são necessários os documentos médicos, clínicos e instrumentais (por ex. prontuário clínico, relatórios médicos, exames de laboratório, investigações instrumentais).

Discernimento inicial antes de começar uma causa

Antes de mais nada, é necessário por parte do Inspetor e de seu Conselho ou do Superior ou Responsável de um grupo, investigar e documentar, com suma diligência sobre a fama sanctitatis et signorum do candidato e a atualidade da causa, a fim de verificar a verdade dos fatos e a consequente formação de uma motivada certeza moral. Além disso, é fundamental que a Causa em questão interesse à relevante e significativa porção do povo de Deus, e não seja intenção de apenas um grupo ou algumas pessoas. Tudo isto comporta um discernimento inicial mais motivado e documentado, para evitar dispersão de energia, força, tempo e recursos. É fundamental em seguida, identificar a pessoa certa (Vice – Postulador) que leve a Causa a sério e tenha tempo e a possibilidade de segui-la em todas as suas etapas.
É preciso, também, lembrar que iniciar e prosseguir com uma Causa requer um investimento significativo de recursos em termos de pessoas e de contribuições econômicas.

Conclusão

A santidade reconhecida, ou em via de reconhecimento, por um lado já é a realização da radicalidade evangélica e da fidelidade ao projeto apostólico de Dom Bosco, o qual considerar como um recurso

espiritual e pastoral; por outro é uma provocação para viver com fidelidade, a própria vocação para estar disponível para testemunhar o amor ao extremo. Os nossos Santos, Beatos, Veneráveis e Servos de Deus são a autêntica encarnação do carisma salesiano e das Constituições ou Regulamentos dos nossos Institutos e Grupos nos mais diversos momentos e situações superando o mundanismo e a superficialidade espiritual que minam a nossa credibilidade e fecundidade na raiz. Os santos são verdadeiros místicos do primado de Deus na doação generosa de si mesmos, profetas de fraternidade evangélica, servos dos irmãos, com criatividade.

O caminho de santidade é um percurso para se fazer junto, na companhia dos santos. A santidade se experencia junto e é alcançada junto. Os santos estão sempre em companhia: onde há um, sempre encontramos muitos outros. A santidade da vida cotidiana faz florescer a comunhão e é geradora relacional. A santidade se alimenta de relacionamentos, de confiança, de comunhão. Verdadeiramente como a liturgia da Igreja nos faz rezar no prefácio dos Santos: “Na vida deles oferecem-nos um exemplo, na intercessão uma ajuda, na comunhão da graça um vínculo de amor fraternal. Confortados pelo seu testemunho, enfrentemos o bom combate da fé, para compartilhar a mesma coroa de glória depois da morte”.




Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora (7/13)

(continuação do artigo anterior)

Capítulo XIII. Instituição da festa de Maria Auxiliadora dos Cristãos.

            O modo maravilhoso com que Pio VII foi libertado de sua prisão é o grande evento que deu ocasião à instituição da festa de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
            O imperador Napoleão I já havia oprimido de várias maneiras o Sumo Pontífice, despojando-o de seus bens, dispersando cardeais, bispos, sacerdotes e frades, e também privando-os de seus bens. Depois disso, Napoleão exigiu do papa coisas que ele não podia conceder. Diante da recusa de Pio VII, o imperador respondeu com violência e sacrilégio. O papa foi preso em seu próprio palácio e, junto com o cardeal Pacca, seu secretário, foi levado em uma viagem forçada para Savona, onde o perseguido, mas ainda glorioso pontífice, passou mais de cinco anos em severa prisão. Mas como onde há um papa, há o chefe da religião e, portanto, a afluência de todos os verdadeiros católicos, Savona se tornou, de certa forma, outra Roma. Tantas demonstrações de afeto causaram inveja ao imperador, que queria que o Vigário de Jesus Cristo fosse humilhado; por isso, ele ordenou que o Pontífice fosse transferido para Fontainebleau, que é um castelo não muito longe de Paris.
            Enquanto o Chefe da Igreja gemia como um prisioneiro separado de seus conselheiros e amigos, tudo o que os cristãos podiam fazer era imitar os fiéis da Igreja primitiva, quando São Pedro estava na prisão: orar. O venerável Pontífice rezou e, com ele, todos os católicos rezaram, implorando a ajuda Daquela que é chamada: Magnum in Ecclesia praesidium: Grande Proteção na Igreja. Acredita-se que o pontífice prometeu à Santíssima Virgem estabelecer uma festa para honrar o augusto título de Maria Auxiliadora, caso ele pudesse retornar ao trono papal em Roma. Enquanto isso, tudo sorria para o terrível conquistador. Depois de fazer seu temido nome ressoar por todo o país, caminhando de vitória em vitória, ele levou suas armas para as regiões mais frias da Rússia, acreditando que lá encontraria novos triunfos; mas a Providência divina, em vez disso, preparou-lhe desastres e derrotas.
            Maria, comovida pelos gemidos do Vigário de Jesus Cristo e pelas orações de seus filhos, mudou o destino da Europa e do mundo inteiro em um instante.
            O rigor do inverno na Rússia e a deslealdade de muitos generais franceses acabaram com todas as esperanças de Napoleão. A maior parte daquele formidável exército morreu congelada ou enterrada na neve. As poucas tropas poupadas dos rigores do frio abandonaram o imperador e ele teve que fugir, retirar-se para Paris e entregar-se nas mãos dos britânicos, que o levaram prisioneiro para a ilha de Elba. Então a justiça pôde seguir seu curso novamente; o pontífice foi rapidamente libertado; Roma o recebeu com o maior entusiasmo, e o chefe da cristandade, agora livre e independente, pôde retomar a administração da Igreja universal. Tendo sido libertado dessa maneira, Pio VII quis imediatamente dar um sinal público de gratidão à Santíssima Virgem, por cuja intercessão o mundo inteiro reconheceu sua inesperada liberdade. Acompanhado por alguns cardeais, foi a Savona, onde coroou a prodigiosa imagem da Misericórdia, venerada naquela cidade; e com uma multidão sem precedentes, na presença do rei Vítor Emanuel I e de outros príncipes, foi realizada a majestosa cerimônia em que o Papa colocou uma coroa de pedras preciosas e diamantes na cabeça da venerável efígie de Maria.
            Retornando então a Roma, ele desejou cumprir a segunda parte de sua promessa, instituindo uma festa especial na Igreja, para atestar à posteridade esse grande prodígio.
            Considerando, então, como em todos os tempos a Santíssima Virgem sempre foi proclamada o auxílio dos cristãos, ele se baseou no que São Pio V havia feito após a vitória da Igreja. Pio V fez isso após a vitória de Lepanto, ordenando que fossem inseridas na Ladainha Lauretana as palavras: Auxilium Christianorum ora pro nobis, explicando e ampliando cada vez mais o que o papa Inocêncio XI havia decretado quando instituiu a festa do nome de Maria. Para comemorar perpetuamente a prodigiosa libertação de si mesmo, dos cardeais, dos bispos e a liberdade restaurada à Igreja, e para que houvesse um monumento perpétuo para isso entre todos os povos cristãos, Pio VII instituiu a festa de Maria Auxilium Christianorum a ser celebrada todos os anos em 24 de maio. Esse dia foi escolhido porque foi nesse dia, no ano de 1814, que ele foi libertado e pôde retornar a Roma sob os mais vivos aplausos dos romanos. (Aqueles que desejarem saber mais sobre o que expusemos brevemente aqui podem consultar Artaud: Vita di Pio VII. Artigo de Moroni sobre Pio VII. P. Carini: Il sabato santificato. Carlo Ferreri: Corona di fiori etc. Discursus praedicabiles super litanias Lauretanas do P. José Miecoviense). Enquanto viveu, o glorioso pontífice Pio VII promoveu o culto a Maria; aprovou associações e confrarias dedicadas a ela e concedeu muitas indulgências a práticas piedosas feitas em sua honra. Um único fato é suficiente para demonstrar a grande veneração desse pontífice por Maria Auxiliadora.
            No ano de 1817, foi concluída uma pintura que deveria ser colocada em Roma, na igreja de Santa Maria em Monticelli, dirigida pelos Padres da Doutrina Cristã. Em 11 de maio, essa pintura foi levada ao Pontífice no Vaticano para que ele a abençoasse e lhe impusesse um título. Assim que viu a imagem devota, ele sentiu uma emoção tão grande em seu coração que, sem qualquer prevenção, irrompeu instantaneamente na magnífica proclamação: Maria Auxilium Christianorum, ora pro nobis. Essas vozes do Santo Padre ecoaram nos devotos Filhos de Maria e, na primeira revelação da imagem (15 do mesmo mês), houve um verdadeiro arrebatamento de pessoas, alegria e devoção. As ofertas, os votos e as orações fervorosas continuaram até os dias de hoje. Assim, pode-se dizer que essa imagem está continuamente rodeada de devotos que pedem e obtêm graças por intercessão de Maria Auxiliadora dos Cristãos.

Capítulo XIV. O achado da imagem de Maria Auxilium Christianorum de Espoleto.

            Ao narrar a história da descoberta da prodigiosa imagem de Maria Auxilium Christianorum nas proximidades de Espoleto, transcrevemos literalmente o relato feito por Dom Arnaldi, Arcebispo daquela cidade.
            Na Paróquia de São Lucas, entre Castelrinaldi e Montefalco, Arquidiocese de Espoleto, em campo aberto, longe da cidade e fora da estrada, existia no cume de uma pequena colina uma antiga imagem da Bem-aventurada Virgem Maria, pintada em afresco em um nicho, na atitude de abraçar o Menino Jesus. Ao lado dela, quatro imagens representando São Bartolomeu, São Sebastião, São Brás e São Roque parecem ter sido alteradas pelo tempo. Expostas às intempéries por muito tempo, elas não só perderam sua vivacidade, como também desapareceram quase completamente. Somente a venerável imagem de Maria e do Menino Jesus foi bem preservada. Ainda há um resquício de uma parede que mostra que ali existiu uma igreja. Pelo que se sabe, esse lugar foi totalmente esquecido e reduzido a um covil de répteis, especialmente de cobras.
            Já há vários meses, essa venerável imagem havia, de alguma forma, despertado seu culto por meio de uma voz ouvida repetidamente por um menino de menos de cinco anos, chamado Henrique, chamando-o pelo nome e aparecendo-lhe de uma maneira não muito bem expressa pelo próprio menino. No entanto, isso não atraiu a atenção do público até 19 de março de 1862.
            Um jovem camponês da região, com trinta anos de idade, foi sucessivamente atingido por muitas doenças que se tornaram crônicas; abandonado por seus médicos, sentiu-se inspirado a ir venerar a imagem acima mencionada. Ele declarou que, depois de se encomendar à Santíssima Virgem no referido lugar, sentiu a restauração de sua força perdida e, em poucos dias, sem o uso de nenhum remédio natural, voltou a ter saúde perfeita. Da mesma forma, outras pessoas, sem saber como ou por que, sentiram um impulso natural para ir venerar essa imagem sagrada e relataram ter recebido graças dela. Esses eventos trouxeram de volta à memória e à discussão entre o povo de Terrazzana a voz adormecida da criança mencionada acima, à qual naturalmente não foi dado crédito e importância, como deveria ter sido. Foi então que se soube como a mãe da criança a havia perdido nas circunstâncias da suposta aparição e não conseguia encontrá-la, e finalmente a encontrou perto de uma igrejinha alta e em ruínas. Sabe-se também que uma mulher de vida santa, provada por Deus com graves aflições, anunciou em sua morte, há um ano, que a Santíssima Virgem queria ser cultuada e venerada ali, que um templo seria construído e que os fiéis se reuniriam ali em grande número.
            De fato, é verdade que um grande número de pessoas, não só da Diocese, mas também das dioceses vizinhas de Todi, Perúgia, Fuligno, Nocera, Narni, Norcia etc., afluíram ao local, e o número cresce dia após dia, especialmente nos dias de festa, para cinco ou seis mil. Esse é o maior milagre que foi realmente relatado, pois não é visto em outras descobertas prodigiosas.
            A grande multidão de fiéis que afluem de todos os lados como se fossem guiados por uma luz e uma força celestial, uma multidão espontânea, uma multidão inexplicável e inexprimível, é o milagre dos milagres. Os próprios inimigos da Igreja, mesmo aqueles que são claudicantes em sua fé, são forçados a confessar que não podem explicar esse sagrado entusiasmo do povo… Muitos são os enfermos que se conta terem sido curados; não poucas são as graças prodigiosas e singulares concedidas; e, embora seja necessário proceder com a máxima cautela para discernir rumores e fatos, parece indubitavelmente verdadeiro que uma mulher leiga estava afligida por uma doença mortal e foi curada ao invocar essa imagem sagrada. Um jovem da Vila de São Tiago, que teve seus pés estraçalhados pelas rodas de uma carroça e forçado a equilibrar-se com muletas, visitou a imagem sagrada e sentiu uma melhora tão grande que jogou fora suas muletas e pôde voltar para casa sem elas, e está perfeitamente são. Outras curas também ocorreram.
            Não se deve esquecer que alguns descrentes, depois de visitarem a imagem sagrada e zombarem dela, foram ao local e, contra toda a sua vontade, sentiram a necessidade de se ajoelhar e orar, e voltaram com sentimentos completamente diferentes, falando publicamente das maravilhas de Maria. A mudança produzida nessas pessoas corruptas de mente e coração causou uma impressão sagrada na população. (Até aqui, o Arcebispo Dom Arnaldi).
            Esse Arcebispo quis ir pessoalmente com vários membros do clero e seu vigário ao local da imagem para verificar a veracidade dos fatos, e encontrou milhares de devotos lá. Ele ordenou a restauração da efígie, que estava um tanto danificada em várias partes, e, tendo já coletado a soma de seiscentos escudos em oblações piedosas, encomendou a artistas habilidosos o projeto de um templo, insistindo para que as fundações fossem lançadas com a máxima solicitude.
            Para promover a glória de Maria e a devoção dos fiéis a tão grande Mãe, ele ordenou que o nicho onde a imagem taumaturga é venerada fosse temporariamente, mas decentemente, coberto, e que um altar fosse erguido ali para celebrar a Santa Missa.
            Essas disposições foram de indescritível consolo para os fiéis e, a partir de então, o número de pessoas de todas as classes sociais aumentou diariamente.
            A imagem devota não tinha título próprio, e o piedoso arcebispo julgou que deveria ser venerada sob o nome de Auxilium Christianorum, como parecia mais adequado à atitude que apresentava. Ele também determinou que sempre houvesse um sacerdote para cuidado do Santuário ou, pelo menos, algum leigo de reconhecida probidade.
            O relatório desse prelado termina com um relato de um novo traço da bondade de Maria, manifestado mediante a invocação posta aos pés dessa imagem.
            “Uma jovem de Acquaviva era aspirante no Mosteiro de Santa Maria da Estrela, onde deveria vestir o hábito de irmã leiga. Uma doença reumática geral a invadiu, de modo que, com todos os membros paralisados, ela foi obrigada a voltar para sua família.
            “Apesar de todos os remédios tentados por seus solícitos pais, ela nunca pôde ser curada; e quatro anos haviam se passado desde que ela estava deitada na cama, vítima de doença crônica. Ao ouvir as graças dessa efígie taumatúrgica, ela desejou ser levada até lá em uma carruagem e, assim que se viu diante da venerável imagem, experimentou uma melhora notável. Diz-se que outras graças singulares foram obtidas por pessoas de Fuligno.
            “A devoção a Maria está sempre crescendo de uma forma que consola muito o meu coração. Bendito seja sempre Deus que, em sua misericórdia, se dignou reavivar a fé em toda a Úmbria com a prodigiosa manifestação de sua grande Mãe Maria. Bendita seja a Santíssima Virgem que, com essa manifestação, se dignou assinalar preferencialmente a Arquidiocese de Espoleto.
            “Benditos sejam Jesus e Maria que, com essa manifestação misericordiosa, abrem os corações dos católicos a uma esperança mais viva.

            Espoleto, 17 de maio de 1862”.

† JOÃO BATISTA ARNALDI.

            Assim, a venerável imagem de Maria Auxiliadora, perto de Espoleto, pintada em 1570, que permaneceu quase três séculos sem honras, alcançou a mais alta glória em nossos dias por causa das graças que a Rainha do Céu concede a seus devotos naquele lugar: e aquele humilde lugar se tornou um verdadeiro santuário, para onde afluem pessoas de todo o mundo. Os devotos e beneficiados filhos de Maria deram sinais de gratidão com oblações notáveis, por meio das quais puderam ser lançados os alicerces de um templo majestoso, que em breve alcançará a conclusão desejada.

(continua)




O caminho educativo de Dom Bosco (2/2)

(continuação do artigo anterior)

O mercado dos braços jovens
            A época histórica em que Dom Bosco viveu não era das mais felizes. Nos bairros de Turim, o santo educador descobriu um verdadeiro “mercado de braços jovens”: a cidade estava se tornando cada vez mais cheia de menores explorados de forma desumana.
            O próprio Dom Bosco se lembra de que os primeiros meninos de quem se aproximou foram “entalhadores, pedreiros, estucadores, pavimentadores, quebradores de pedras e outros, que vinham de vilarejos distantes”. Eles trabalhavam em toda parte, indefesos, desprotegidos por qualquer lei. Eram “vendedores ambulantes, vendedores de fósforos, engraxates, limpadores de chaminés, cavalariços, distribuidores de jornais, prestadores de serviços dos negociantes no mercado, todos garotos pobres que sobreviviam a cada dia”. Ele os via subindo em andaimes de pedreiros, procurando emprego de garçom nas lojas, vagando por aí se oferecendo como limpadores de chaminés. Ele os via jogando a dinheiro nas esquinas: se tentasse se aproximar deles, eles se afastavam, desconfiados e desdenhosos. Não eram os meninos dos Becchi, que procuravam histórias ou truques de mágica. Eles eram os “lobos” de seus sonhos; eram os primeiros efeitos de uma revolução que desorganizaria o mundo, a revolução industrial.
            Chegavam à cidade às centenas, vindos de pequenas vilarejos, em busca de trabalho. Não encontravam nada além de lugares esquálidos, nos quais toda a família ficava amontoada, sem ar, sem luz, fétidos pela umidade e pelos esgotos. Nas fábricas e oficinas, nenhuma medida higiênica, nenhuma regulamentação, exceto aquelas impostas pelo patrão.
            Fugir da pobreza do campo para a cidade também significava aceitar salários baixos ou adaptar-se a um padrão de vida arriscado para ter algo a ganhar. Foi somente em 1886 que surgiu uma primeira lei, graças também ao zelo do padre dos artesãos, que de alguma forma regulamentou o trabalho infantil. Nos canteiros de obras em construção, Dom Bosco via “crianças de oito a doze anos, longe de suas aldeias, servindo aos pedreiros, passando os dias subindo e descendo as passagens inseguras, ao sol, ao vento, subindo as escadas íngremes carregados de cal, de tijolos, sem outra ajuda educativa a não ser rudes xingamentos ou surras”.
            Dom Bosco faz rapidamente as contas. Esses meninos precisam de uma escola e de um trabalho que lhes abra um futuro mais seguro: precisam ser meninos antes de tudo, para viver a exuberância de sua idade, sem “murchar” nas calçadas e sem lotar as prisões. A realidade social de nosso tempo parece fazer eco à de ontem: outras imigrações, outros rostos batem como um rio em inundação às portas de nossas consciências.
            Dom Bosco foi um educador dotado de intuição, senso prático, relutante em relação a soluções de escritório, metodologias abstrusas e projetos abstratos. A página educativa é escrita pelo santo com sua vida, antes de sua pena. É a maneira mais convincente de dar credibilidade a um sistema educacional. Para lidar com a injustiça, com a exploração moral e material dos menores, ele cria escolas, organiza oficinas de artesanato de todos os tipos, inventa e promove iniciativas contratuais para proteger as crianças, estimula as consciências com propostas qualificadas de formação para o trabalho. Respondeu à política palaciana vazia e às manifestações instrumentais de rua com estruturas de acolhimento eficientes, serviços sociais inovadores, objeto de estima e admiração até mesmo dos mais fervorosos anticlericais da época. E a história de hoje não é tão diferente da de ontem; além disso, a história usa a roupa que seus alfaiates fazem com suas próprias mãos e ideias.
            Dom Bosco acreditou no menino, apostou nas suas capacidades, fossem elas poucas ou muitas, visíveis ou ocultas. Amigo de tantos meninos de rua, ele soube ler o potencial oculto de bondade em seus corações. Era capaz de se aprofundar na vida de cada um deles e extrair recursos preciosos para adaptar a roupa à medida da dignidade de seus jovens amigos. Uma pedagogia que não toca a essência da pessoa e não sabe combinar os valores eternos de cada criatura, fora de toda lógica histórica e cultural, corre o risco de intervir em pessoas abstratas ou apenas na superfície.
            O impacto no território de seu tempo foi determinante. Ele olhou ao redor, em todos os lugares: viu e criou o impossível para realizar suas santas utopias. Entrou em contato com as realidades extremas do desvio juvenil. Entrou nas prisões: foi capaz de olhar para dentro desse flagelo com coragem e espírito sacerdotal. Foi essa experiência que o marcou profundamente. Ele se aproximou dos males da cidade com uma participação viva e comovida: ele estava ciente da existência de tantos jovens esperando por alguém que cuidasse deles. Viu com o coração e a mente seus traumas humanos, até chorou, mas não parou nas grades; conseguiu gritar com a força do coração, para aqueles que conheceu, que a prisão não é o lar a ser recebido como um presente da vida, mas que há outra maneira de viver a vida. Ele gritou isso com escolhas concretas para as vozes que vinham das celas insalubres e com gestos de proximidade para a multidão de meninos espalhados pelas ruas, cegos pela ignorância e congelados pela indiferença das pessoas. Foi o estímulo de uma vida inteira: evitar que tantos acabassem atrás das grades ou pendurados na forca. Não é sequer concebível que seu Sistema Preventivo não tenha relação com essa amarga e chocante experiência juvenil. Mesmo que quisesse, ele jamais poderia ter esquecido aquela última noite passada ao lado de um jovem condenado à forca, ou a escolta de homens condenados à morte e o desmaio diante da forca. Como é possível que seu coração não tivesse uma reação quando passou entre as pessoas, talvez satisfeita, talvez com pena, e viu uma vida jovem ser apagada pela lógica humana, que acerta as contas com aqueles que acabaram em um buraco e não se abaixaram para estender a mão para tirá-los de lá? O camponês dos Becchi, com um coração tão grande quanto a areia do mar, tinha sempre uma mão estendida para os jovens pobres e abandonados.

Preciosa herança
            Todo homem deixa sempre um rastro de sua passagem pela terra. Dom Bosco deixou na história a encarnação de um método educativo que é também uma espiritualidade, fruto de uma sabedoria educativa vivida na labuta cotidiana, ao lado dos jovens. Muito se escreveu sobre essa preciosa herança!
            O campo educacional de hoje é mais complexo do que nunca, porque se move em um tecido cultural desarticulado. Há um pluralismo metodológico muito grande de intervenções operacionais, tanto em nível social como político.
            O educador se depara com situações difíceis de decifrar e muitas vezes contraditórias, com modelos que ora são permissivos, ora autoritários. O que fazer então? Ai do educador inseguro, preso pela dúvida! Quem educa não pode viver indeciso e perplexo, oscilando entre “este ou aquele caminho”. Não é fácil educar em uma sociedade fragmentada. Com uma grande classe de pessoas marginalizadas, divididas em tantos fragmentos, não é fácil lançar luz; prevalece o subjetivo, o interesse e a atenção ao próprio “eu”, ao interesse próprio, a tendência a se refugiar em ideais efêmeros e transitórios. Dos anos em que prevalecia a tendência ao protagonismo, passamos à rejeição ou ao desinteresse pela vida pública, pela política: pouca participação, pouca vontade de envolvimento.
            Além da ausência de um centro propositivo de pontos de referência estáveis, acrescenta-se a ausência de um fundamento de certezas que dê aos jovens a vontade de viver e o amor pelo serviço aos outros.
            E, no entanto, nesse mundo de hegemonias provisórias, sem uma cultura unitária, com elementos heterogêneos e isolados, surgem novas necessidades: uma melhor qualidade da vida, relações humanas mais construtivas, a afirmação de uma solidariedade centrada no voluntariado. Surgem necessidades de novos espaços abertos para o diálogo e o encontro: os jovens decidem como, onde e o que dizer uns aos outros.
            Na era da bioética, do controle remoto, da busca por coisas belas e simples da terra, procura-se uma nova face da pedagogia. É a pedagogia que se reveste de acolhimento, de disponibilidade, de espírito de família, que gera confiança, alegria, otimismo, simpatia, que abre horizontes propositivos de esperança, que busca os meios e as formas de trabalhar a novidade da vida. É a pedagogia do coração humano, a herança mais preciosa que Dom Bosco deixou para a sociedade.
            Sobre esse tecido, aberto e sensível à prevenção, deve-se construir, com coragem e vontade, um futuro melhor para as crianças perturbadas de hoje. É sempre possível tornar presente a intervenção pedagógica de Dom Bosco, porque ela se fundamenta na essência natural de cada ser humano. São os critérios da razão, da religião e da bondade (“amorevolezza”): o trinômio sobre o qual tantos jovens foram formados “como honestos cidadãos e bons cristãos”.
            Repetimos: não se trata de um método de estudo, mas de um estilo de vida, a adesão a um espírito que inclui valores nascidos e amadurecidos com o homem, criado à imagem e semelhança do Criador. A extraordinária predileção pelos jovens, o profundo respeito por sua pessoa e por sua liberdade, a preocupação de combinar as necessidades materiais com as do espírito, a paciência de viver os ritmos do crescimento ou da mudança do menino como sujeito ativo e não passivo, de todo processo educativo, são a síntese dessa “preciosa herança”.
            E há outro aspecto. Há uma conta aberta com a sociedade: os jovens do futuro exigem um Dom Bosco “universal”, além das margens de sua família apostólica. Quantos de nossos jovens nunca ouviram falar de Dom Bosco!
            É urgente relançar a sua mensagem, que continua viva: se não levarmos em conta esse processo natural de reatualização, corremos o risco de matar também os sinais positivos presentes na cultura atual que, mesmo com sensibilidades diferentes e objetivos e motivações opostos, tem no coração a promoção humana do jovem.
            A pedagogia de Dom Bosco, antes de ser traduzida em documentos de reflexão, em escritos sistemáticos, assumiu o rosto de muitos jovens que ele educou. Cada página de seu sistema educativo tem um nome, um fato, uma conquista, talvez até um fracasso. O segredo de sua santidade? Os jovens! “Por vós estudo, por vós trabalho, por vós estou disposto a dar a minha vida”.
            Aos jovens sem amor, Dom Bosco devolveu o amor. Aos jovens sem família, porque não existia ou estava física e espiritualmente distante deles, Dom Bosco procurou construir ou reconstruir o ambiente e o clima da família. Homem dotado de uma profunda vontade de melhorar por meio de mudanças contínuas, Dom Bosco se deixava guiar pela certeza de que todos os jovens, na prática, poderiam se tornar melhores. A semente da bondade, a possibilidade de sucesso estava em cada jovem; era preciso apenas encontrar o caminho: “Ele levou a sério o destino de milhares de pequenos vagabundos, ladrõezinhos por causa do abandono ou da miséria, meninos e meninas famintos e sem teto”.
            Aqueles que a sociedade colocava à margem, para Dom Bosco estavam em primeiro lugar; eram o objeto de sua fé. Os jovens rejeitados pela sociedade representavam até mesmo a sua glória; era o desafio num momento histórico no qual as atenções e os cuidados educativos por parte da sociedade e de organismos eram dirigidas aos jovens bem comportados; aliás quase exclusivamente para estes, por quanto possível.
            Dom Bosco percebeu a força do amor do educador. Ele não estava nem um pouco preocupado em se adaptar e se conformar com os sistemas, métodos e conceitos pedagógicos em uso em sua época. Ele era um inimigo declarado de uma educação que enfatizava a autoridade acima de tudo, que pregava uma relação fria e distante entre educadores e alunos. A violência punia momentaneamente o vício, mas não curava o viciado. Por isso, ele não aceitava e nunca permitiu punições “exemplares”, que supostamente teriam um efeito preventivo, instilando medo, ansiedade e angústia.
            Ele entendia que nenhuma educação era possível sem conquistar o coração do jovem; seu método educativo era aquele que levava ao consentimento, à participação do jovem. Ele estava convencido de que nenhum esforço pedagógico daria frutos se não encontrasse seu fundamento em toda a disposição da escuta.
            Há uma característica que diz respeito à esfera em que a educação acontece e que é típica da pedagogia de Dom Bosco: a criação e a conservação de uma “alegria”, pela qual cada dia se torna uma festa. Era uma alegria que só existe, e não poderia ser de outra forma, em virtude da atividade criativa, que exclui todo tédio, toda sensação de cansaço por não saber como ocupar o tempo. Nesse campo, Dom Bosco possuía uma inventividade e uma habilidade que lhe permitiam, com extraordinária capacidade, não só entreter, mas atrair os jovens para si por meio de jogos, recitações, cantos, passeios: a esfera da alegria representava uma passagem obrigatória para a sua pedagogia.
            Os jovens, é claro, precisam descobrir onde estão seus erros e, para isso, precisam da ajuda do educador, inclusive por meio da reprovação; mas não precisa ser acompanhada pela violência. A desaprovação é um apelo à consciência. O educador deve ser o guia para os valores, não para sua própria pessoa. Na intervenção educativa, um vínculo excessivamente forte do aluno com a pessoa do educador pode ameaçar o efeito favorável da atividade educativa do educador; um mito, gerado pela emotividade, pode facilmente surgir a ponto de tornar um ideal absolutizado e absolutizante. Os jovens não devem estar dispostos a fazer nossa vontade: eles devem aprender a fazer o que é certo e significativo para seu crescimento humano e existencial. O educador trabalha para o futuro, mas não pode trabalhar sobre o futuro; deve aceitar, portanto, estar continuamente exposto à revisão de seu trabalho, de suas metodologias e, sobretudo, deve estar continuamente preocupado em descobrir cada vez mais profundamente a realidade do educando, a fim de intervir no momento oportuno.
            Dom Bosco costumava dizer: “Não basta que o primeiro círculo, que é a família, seja saudável; é necessário também que o segundo círculo, inevitável, que é formado pelos amigos da criança, seja saudável. Comecem dizendo a ele que há uma grande diferença entre companheiros e amigos. Ele não pode escolher os companheiros; ele os encontra na carteira da escola, no local de trabalho ou em reuniões. Por outro lado, ele pode e deve escolher os amigos… Não obstaculizem a vivacidade natural da criança e não a chamem de má porque ela não fica quieta”.
            Mas isso não é suficiente; a brincadeira e o movimento podem ocupar uma boa parte, mas não toda a vida da criança. O coração precisa de seu próprio alimento, precisa amar.
             “Um dia, depois de uma série de considerações sobre Dom Bosco, convidei os meninos de nosso centro a expressar com um desenho, com uma palavra, com um gesto, a imagem que tinham feito do Santo.
            Alguns reproduziram a figura do padre rodeado de meninos. Outro desenhou uma grade: do lado de dentro foi desenhado o rosto de um menino, enquanto do lado de fora uma mão tentava forçar um ferrolho. Outro, depois de um longo silêncio, esboçou duas mãos se apertando. Um terceiro desenhou corações de várias formas e, no centro, um meio busto de Dom Bosco, com muitas e muitas mãos tocando esses corações. Um último escreveu uma única palavra: pai! A maioria desses meninos não conhece Dom Bosco”.
             “Há muito tempo eu sonhava em acompanhá-los a Turim: as circunstâncias nem sempre foram favoráveis para nós. E depois de várias tentativas sem sucesso, conseguimos reunir um grupo de oito rapazes, todos com condenações criminais. Dois rapazes tiveram permissão para sair da prisão por quatro dias, três estavam em prisão domiciliar e os outros estavam sujeitos a várias prescrições.
            Eu gostaria de ter uma caneta de artista para descrever as emoções que lia em seus olhos enquanto ouviam a história de seus colegas ajudados por Dom Bosco. Eles andavam por aqueles lugares abençoados como se estivessem revivendo suas histórias. No quartinho do Santo, eles acompanharam a Santa Missa com um recolhimento comovente. Eu os revejo cansados, encostando a cabeça na urna de Dom Bosco, olhando para seu corpo, sussurrando orações. O que eles disseram, o que Dom Bosco disse àqueles rapazes, eu nunca saberei. Com eles, desfrutei a alegria de minha própria vocação”.
            Em Dom Bosco encontramos a suprema sabedoria de se concentrar na vida concreta de cada menino ou jovem que encontrava: a vida deles se tornava a sua vida, os sofrimentos deles se tornavam os seus sofrimentos. Ele não descansava enquanto não os tivesse ajudado. Os meninos que entravam em contato com Dom Bosco sentiam-se seus amigos, sentiam que ele estava ao lado deles, percebiam sua presença, saboreavam seu afeto. Isso os deixava seguros, menos sozinhos: para aqueles que vivem à margem, esse é o maior apoio que podem receber.
            Em um manual da escola primária, amarelado e desgastado pelos anos, li algumas frases, escritas com tinta, no final da história do malabarista dos Becchi. Quem as escreveu foi a primeira vez que ouviu falar de João Bosco: “Somente Deus, sua Palavra, é a regra imortal e o guia para nosso comportamento e nossas ações. Deus está presente apesar das guerras. A terra, apesar do ódio, continua a nos dar pão para viver”.

P. Alfonso Alfano, sdb




Missionários nos Países Baixos

No imaginário comum, as “missões” se referem ao sul do mundo; na realidade, não se trata de um critério geográfico de base, e a Europa também é um destino para os missionários salesianos: neste artigo, falaremos dos Países Baixos.

Quando Dom Bosco sonhou, entre 1871 e 1872, com “bárbaros” e “selvagens”, segundo a linguagem da época, de estatura alta e rostos ferozes, vestidos com peles de animais, caminhando em uma área completamente desconhecida para ele, com missionários à distância, nos quais reconhecia os seus salesianos, não podia prever o enorme desenvolvimento da Congregação Salesiana no mundo. Trinta e cinco anos depois – 18 anos após sua morte – os salesianos fundariam sua primeira província na Índia e, 153 anos depois, a Índia se tornaria o primeiro país do mundo em número de salesianos. O que Dom Bosco não poderia ter imaginado é que os salesianos indianos viriam para a Europa, particularmente para os Países Baixos, para trabalhar como missionários e para viver e experimentar sua vocação.

Conhecemos o padre Biju Oledath sdb, nascido em 1975 em Kurianad, no Kerala, no sul da Índia. Salesiano desde 1993, ele chegou à Holanda como missionário em 1998, depois de estudar filosofia no colégio salesiano de Sonada. Depois do tirocínio, completou seus estudos teológicos na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Em 2004, foi ordenado sacerdote na Índia e serviu como jovem sacerdote na paróquia de Alapuzha, Kerala, antes de retornar no ano seguinte à Holanda como missionário. Atualmente, ele vive e trabalha na comunidade salesiana de Assel.

No coração do P. Biju, quando jovem, estava a semente da missão ad gentes e, em particular, o desejo de ser destinado à África, inspirado por seus irmãos indianos que partiram para o Quênia, Tanzânia e Uganda. Esse sonho missionário foi alimentado por suas histórias e por todo o material que escreveram, cartas e artigos sobre o trabalho salesiano na África. No entanto, seus superiores achavam que ele ainda era muito jovem e não estava pronto para esse passo, e sua família também achava que era muito perigoso para ele partir naquele momento. O P. Biju nos diz: “Olhando para trás, concordo com eles: eu tinha que completar minha formação inicial primeiro e realmente queria estudar teologia em uma boa universidade. Naquela época, isso não teria sido tão fácil naqueles países”.

Mas se o desejo missionário é sincero e vem de Deus, o momento do chamado sempre chega: a vocação missionária salesiana, de fato, é um chamado dentro do chamado comum à vida consagrada para os salesianos de Dom Bosco. Assim, em 1997, foi oferecida ao padre Biju a missão ad gentes na Europa, nos Países Baixos, certamente um projeto muito diferente da vida missionária na África. Depois de seu tirocínio, ele estudaria teologia na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). “Tive que engolir por um momento, mas ainda estava feliz por poder partir para um novo país”, admite o P. Biju, que estava determinado a viajar pelo mundo para o bem dos jovens.

Não é óbvio conhecer o lugar para onde se é enviado como missionário, talvez se tenha ouvido algo sobre o país ou alguma história sobre ele. “Eu já tinha ouvido falar dos Países Baixos, sabia que ficava abaixo do nível do mar e tinha lido uma história sobre uma criança que colocou o dedo em uma represa para evitar uma enchente, salvando assim o país. Imediatamente comecei a procurar um atlas mundial e, no início, tive alguma dificuldade em encontrá-la entre todos os outros grandes países europeus.” O pai do P. Biju se opôs, preocupado com a distância e a longa viagem, enquanto sua mãe o incentivou a obedecer à sua vocação e seguir seu sonho de felicidade.

Antes de chegar à Europa, houve uma longa espera para obter um visto para os Países Baixos. Assim, o P. Biju foi destinado a trabalhar com crianças de rua em Bangalore. Em meados de dezembro de 1998, em um dia frio de inverno, ele finalmente chegou ao aeroporto de Amsterdã, onde o inspetor e dois outros salesianos aguardavam o missionário indiano. A recepção calorosa compensou o choque cultural de se aproximar de um novo lugar, muito diferente da Índia, onde sempre faz calor e muitas pessoas vivem nas ruas. A inculturação leva tempo para se acostumar, conhecer e entender dinâmicas que são totalmente desconhecidas em casa.
O primeiro ano do P. Biju foi dedicado a conhecer as diferentes casas e obras salesianas: “Percebi que há pessoas muito simpáticas e comecei a me adaptar a todas essas novas impressões e hábitos. Os Países Baixos não são apenas frios e chuvosos, mas também bonitos, ensolarados e quentes. Os salesianos foram muito gentis e hospitaleiros com o P. Biju, preocupados em fazer com que ele se sentisse confortável e em casa. Certamente, a maneira como os holandeses vivem sua fé cristã é muito diferente da Índia, e o impacto pode ser chocante: grandes igrejas com poucas pessoas, a maioria idosa, cantos e músicas diferentes, um estilo mais acanhado. Além disso, o padre Biju nos diz: “Eu realmente sentia falta da comida, da família, dos amigos… especialmente da proximidade dos jovens salesianos da minha idade ao meu redor”.  Mas à medida que a compreensão da situação melhora, as diferenças começam a ter um sentido e uma lógica.

Para ser um missionário salesiano eficaz na Europa, trabalhar em uma sociedade secularizada muitas vezes exige adaptabilidade, sensibilidade cultural e uma compreensão gradual do contexto local, que não pode ser obtida da noite para o dia. Esse trabalho exige paciência, oração, estudo e reflexão que ajudam a descobrir a fé à luz de uma nova cultura. Essa abertura permite que os missionários dialoguem com sensibilidade e respeito com a nova cultura, reconhecendo a diversidade e a pluralidade de valores e perspectivas religiosas.
Os missionários devem desenvolver uma fé pessoal e uma espiritualidade profundamente enraizadas no local onde estão, como homens de oração, em face do declínio das taxas de afiliação religiosa, do menor interesse ou abertura para assuntos espirituais e da ausência de novas vocações para a vida religiosa salesiana.
Há um grande risco de nos perdermos em uma sociedade secularizada, onde o materialismo e o individualismo prevalecem e pode haver menos interesse ou abertura para assuntos espirituais. Se não for cuidadoso, um jovem missionário pode facilmente cair no ceticismo e na indiferença religiosa e espiritual. Em todos esses momentos, é importante ter um diretor espiritual que possa guiá-lo para o discernimento correto.

Como o P. Biju, há cerca de 150 salesianos que foram enviados para toda a Europa desde o início do novo milênio, para esse continente que precisa de recristianização, onde a fé católica precisa ser revigorada e sustentada. Os missionários são um presente para a comunidade local, tanto salesiana quanto em nível de Igreja e sociedade. A riqueza da diversidade cultural é um dom recíproco para quem acolhe e para quem é acolhido, e ajuda a abrir os horizontes, mostrando um rosto mais “católico”, isto é, universal, da Igreja. Os missionários salesianos também trazem um sopro de ar fresco a algumas Inspetorias que estão encontrando dificuldades para fazer uma mudança geracional, onde os jovens estão cada vez menos interessados nas vocações à vida consagrada.

Apesar da tendência à secularização, há sinais de um reavivamento do interesse espiritual nos Países Baixos, particularmente entre as gerações mais jovens. Nos últimos anos, pode-se notar uma abertura para a religiosidade e um declínio nos sentimentos antirreligiosos. Isso se manifesta de várias formas, incluindo formas alternativas de ser igreja, a exploração de práticas espirituais alternativas, a atenção plena e a reavaliação das crenças religiosas tradicionais. Há uma necessidade crescente de ajudar os jovens, pois um grupo significativo de jovens sofre de solidão e depressão, apesar do bem-estar geral da sociedade. Como salesianos, devemos ler os sinais dos tempos para estarmos próximos dos jovens e ajudá-los.

Vemos sinais de esperança para a Igreja, trazidos pelos cristãos migrantes que chegam à Europa e pelas mudanças demográficas, culturais e de vida em muitas comunidades locais. Na comunidade salesiana de Assel, os jovens imigrantes cristãos do Oriente Médio se reúnem com frequência, trazendo sua fé vibrante, suas oportunidades e contribuindo positivamente para a nossa comunidade salesiana.
“Tudo isso me dá um grande sentimento e me faz perceber como é bom poder trabalhar aqui, no que inicialmente é um país estrangeiro para mim.”

Rezemos para que o ardor missionário permaneça sempre aceso e que não faltem missionários dispostos a ouvir o chamado de Deus para levar o seu Evangelho a todos os continentes por meio do testemunho simples e sincero da vida.

por Marco Fulgaro




Dom Bosco e “a Consolata”

            O pilar mais antigo da área de Becchi parece datar de 1700. Foi erguido na parte inferior da planície em direção ao “Mainito”, onde as famílias que viviam na antiga “Scaiota” costumavam se encontrar. Depois, tornou-se uma propriedade rural salesiana, que agora foi reformada e convertida em uma casa para jovens que recebe grupos de jovens peregrinos do Templo e da Casa Dom Bosco.
            Este é o pilar da Consolata, com uma estátua da Virgem Consoladora dos Aflitos, sempre homenageada com flores do campo trazidas pelos devotos. João Bosco deve ter passado muitas vezes por esse pilar, tirando o chapéu e murmurando uma Ave Maria, como sua mãe lhe ensinara.
            Em 1958, os salesianos restauraram o velho pilar e, com uma solene função religiosa, inauguraram-no para um renovado culto da comunidade e da população, conforme registrado na Crônica daquele ano, mantida nos arquivos do Instituto “Bernardi Semeria”.
            Aquela estátua da Consolata poderia, portanto, ser a primeira imagem de Maria Santíssima que Dom Bosco venerou em sua infância, perto de sua casa.

Na “Consolata” em Turim
            Já como estudante e seminarista em Chieri, Dom Bosco deve ter ido a Turim para venerar a Virgem Consoladora (MB I, 267-68 – MBp I, 217). Mas é certo que, como neossacerdote, celebrou sua segunda Santa Missa precisamente no Santuário da Consolata, como ele mesmo escreveu: “para agradecer à excelsa Virgem Maria os incontáveis favores que me havia alcançado de seu divino Filho Jesus” (MO 115 – MOp 112).
            Nos dias do Oratório errante, sem residência fixa, Dom Bosco ia com seus meninos a alguma igreja de Turim para a missa dominical e, na maioria das vezes, iam à Consolata (MB II, 248; 346 – MBp II, 215; 295).
            No mês de maio de 1846-47, para agradecer à Virgem Consoladora por ter-lhes dado, finalmente, um lar estável, ele levou seus jovens até lá para fazer a Sagrada Comunhão, enquanto os bons Padres Oblatos da Virgem Maria, que oficiavam no Santuário, se prestavam a ouvir suas confissões (MB II, 430 – MBp II, 363).
            Quando, no verão de 1846, Dom Bosco adoeceu gravemente, seus filhos não só demonstraram sua dor em lágrimas, mas, temendo que os meios humanos não fossem suficientes para sua recuperação, eles se revezavam de manhã à noite no Santuário da Consolata para rezar a Maria Santíssima para preservar a saúde de seu amigo e pai.
            Houve até quem fizesse votos infantis e quem jejuasse a pão e água para que Nossa Senhora os ouvisse. Eles foram ouvidos e Dom Bosco prometeu a Deus que até seu último suspiro seria para eles.
            As visitas de Dom Bosco e de seus filhos à Consolata continuaram. Convidado uma vez para cantar uma missa no santuário com seus jovens, ele chegou na hora marcada com a improvisada “Schola cantorum”, trazendo consigo a partitura de uma “missa” que havia composto para a ocasião.
            O organista do santuário era o famoso maestro Bodoira, que Dom Bosco convidou para tocar o órgão. Este nem sequer deu uma olhada na partitura de Dom Bosco, mas quando estava prestes a tocar a música, não entendeu nada dela e, deixando o posto de organista com raiva, foi embora.
            Dom Bosco, então, sentou-se ao órgão e acompanhou a missa seguindo sua composição repleta de sinais que só ele podia entender. Os jovens, que antes se perdiam com as notas do famoso organista, continuaram até o fim sem desafinar, e suas vozes argentinas atraíram a admiração e a simpatia de todos os fiéis presentes à missa (MB III, 148 – MBp III, 119).
            De 1848 a 1854, Dom Bosco acompanhou seus meninos em procissão pelas ruas de Turim até a Consolata. Seus jovens cantavam louvores à Virgem ao longo do caminho e depois participavam da Santa Missa que ele celebrava.
            Quando Mamãe Margarida morreu, em 25 de novembro de 1856, Dom Bosco foi naquela manhã celebrar a Santa Missa de sufrágio na capela subterrânea do Santuário da Consolata, parando para rezar longamente diante da imagem de Maria Consoladora, implorando que fosse mãe para ele e seus filhos. E Maria atendeu suas preces (MB V, 566 – MBp V, 484).
            No Santuário da Consolata, Dom Bosco não só teve a oportunidade de celebrar a Santa Missa várias vezes, mas um dia também quis servi-la. Ao entrar no santuário para fazer uma visita, ouviu o sinal para o início da missa e percebeu que o ministro não estava presente. Levantou-se, foi até a sacristia, pegou o missal e serviu a missa com devoção (MB VII, 86 – MBp VII, 109-110).
            E a presença de Dom Bosco no Santuário nunca cessou, especialmente por ocasião da Novena e da Festa da Consolata.

Estatueta da Consolata na Capela Pinardi
            Em 2 de setembro de 1847, Dom Bosco comprou, pelo preço de 27 liras, uma estatueta de Maria Consoladora, colocando-a na Capela Pinardi.
            Em 1856, quando a capela estava sendo demolida, o P. Francisco Giacomelli, companheiro de seminário e grande amigo de Dom Bosco, desejando guardar para si o que ele chamava de monumento mais ilustre da fundação do Oratório, levou a estatueta para Avigliana, para sua casa paterna.
            Em 1882, sua irmã mandou construir um pilar com um nicho na casa e colocou ali a preciosa relíquia.
            Quando os salesianos souberam da existência da coluna em Avigliana, após a extinção da família Giacomelli, conseguiram recuperar a antiga estatueta que, em 12 de abril de 1929, retornou ao Oratório de Turim, depois de 73 anos desde o dia em que o P. Giacomelli a havia retirado da primeira capela (E. GIRAUDI, L’Oratorio di Don Bosco, Torino, SEI, 1935, p. 89-90).
            Hoje, a pequena estátua histórica é a única lembrança do passado na nova Capela Pinardi, constituindo seu tesouro mais caro e precioso.
            Dom Bosco, que difundiu o culto a Maria Auxiliadora em todo o mundo, nunca esqueceu sua primeira devoção à Virgem, venerada desde a infância na coluna dos Becchi, sob a efígie da “Consolata”. Quando chegou a Turim como jovem sacerdote diocesano, durante o período heroico do seu “Oratório”, foi da Virgem Consoladora, no seu Santuário, que tirou luz e conselho, coragem e conforto para a missão que o Senhor lhe havia confiado.
            É também por isso que ele é considerado, com razão, um dos santos de Turim.




Edmond Obrecht. Eu almocei com um santo

Na biografia de um famoso abade, a emoção do encontro com Dom Bosco.

Hoje em dia é muito fácil encontrar um santo de altar; isso já me aconteceu várias vezes. Conheci vários: o Cardeal de Milão Ildefonso Schuster (que me crismou) e os Papas João XXIII e Paulo VI; com Madre Teresa conversei; com o Papa João Paulo II até almocei. Mas, há um século, não era tão fácil, portanto, aproximar-se pessoalmente de um santo de altar foi uma experiência que ficou gravada na mente e no coração da pessoa afortunada. Esse foi o caso do abade trapista francês P. Edmundo Obrecht (1852-1935). Em 1934, quando Dom Bosco foi canonizado, três dias após a cerimônia solene, ele confidenciou ao editor do semanário católico norte-americano Louisville Record sua grande satisfação por ter conhecido pessoalmente o novo santo, por ter apertado sua mão e por ter almoçado com ele.
O que aconteceu? O episódio é relatado em sua biografia.

Quatro horas com Dom Bosco
Nascido na Alsácia em 1852, Edmundo Obrecht tornou-se monge trapista aos 23 anos de idade. Assim que se tornou sacerdote, em 1879, o padre Edmundo foi enviado a Roma como secretário do Procurador Geral das três Observâncias Trapistas, que em 1892 seriam unidas em uma única Ordem, com a casa geral da Trapa das Três Fontes na capital italiana.
Durante sua estada em Roma, ele teve o domingo livre e aproveitou para celebrar com seus irmãos cistercienses na basílica de Santa Cruz de Jerusalém. O celebrante titular era o Vigário de Roma, Cardeal Lúcido Maria Parocchi, de modo que o Padre Edmundo teve a oportunidade de servi-lo várias vezes em serviços pontifícios solenes e de conhecê-lo bem.
Ora, em 14 de maio de 1887, estava programada a consagração da Igreja do Sagrado Coração em Roma, ao lado do que hoje é a estação Términi: uma igreja magnífica que havia custado uma fortuna a Dom Bosco e pela qual ele havia dado “corpo e alma” para conseguir concluí-la. Ele foi bem-sucedido e, apesar de sua saúde, então bastante comprometida (ele morreria oito meses depois), quis participar da cerimônia solene de consagração.
Para essa longa celebração (cinco horas a portas fechadas), o Card. Parocchi foi acompanhado pelo padre Edmundo. Foi uma experiência decididamente inesquecível para ele. Ele escreveria 50 anos depois: “Durante aquela longa cerimônia, tive o prazer e a honra de sentar-me ao lado de Dom Bosco no presbitério da igreja e, após a consagração, fui admitido na mesma mesa dele e do cardeal. Foi a única vez em minha vida que tive contato próximo com um santo canonizado e a profunda impressão que ele causou em mim permaneceu em minha mente por todos esses longos anos”. Padre Edmundo tinha ouvido falar muito de Dom Bosco, que, em uma época em que as relações diplomáticas da Santa Sé com o novo Reino da Itália estavam se rompendo, era tido em alta estima e consideração pelos políticos da época: Zanardelli, Depretis, Nicotera. Os jornais falavam de suas intervenções para resolver algumas questões sérias relativas à nomeação de novos bispos e à tomada de posse das propriedades de cada diocese.
O P. Edmundo não se contentou com essa experiência inesquecível. Mais tarde, em uma viagem, ele passou por Turim e quis parar para visitar a grande obra salesiana de Dom Bosco. Ele ficou admirado e só pôde se alegrar no dia de sua beatificação (2 de junho de 1929).

Post Scriptum
No dia anterior à consagração da Igreja do Sagrado Coração, 13 de maio de 1887, o Papa Leão XIII concedeu a Dom Bosco uma audiência de uma hora no Vaticano. Ele foi muito cordial com ele e até brincou dizendo que Dom Bosco, devido à sua idade, estava perto da morte (mas ele era mais jovem que o papa!), mas Dom Bosco teve um pensamento que talvez não ousasse expressar ao papa pessoalmente. Ele o fez alguns dias depois, em 17 de maio, ao sair de Roma: perguntou-lhe se poderia pagar todo ou parte do custo da fachada da igreja: uma bela soma, 51.000 liras [230.000 euros]. Coragem ou atrevimento? Extrema confiança ou simples insolência? O fato é que, alguns meses depois, em 6 de novembro, Dom Bosco voltou à carga e pediu a intervenção de Dom Francisco della Volpe, prelado doméstico do Papa, para obter – escreveu – “a soma de 51.000 francos, que a caridade do Santo Padre lhe fazia esperar que ele mesmo iria pagar… nosso Ecônomo está indo a Roma para liquidar as despesas dessa construção; ele irá à Vossa Excelência para obter a melhor resposta possível.” Ele garantiu que “nossos mais de trezentos mil órfãos rezam todos os dias por Sua Santidade”. E concluiu: “Por favor, perdoe esta minha escrita pobre e feia. Não consigo mais escrever”.
Pobre Dom Bosco: em maio, naquela igreja, celebrando diante do altar de Maria Auxiliadora, chorou várias vezes porque viu realizado o sonho dos nove anos; mas seis meses depois seu coração ainda estava angustiado porque, diante da morte que sentia estar próxima, deixava uma pesada dívida para liquidar as contas daquela mesma igreja.
Para isso, ele realmente passou vários anos, “até seu último suspiro”. Pouquíssimas das dezenas de milhares de pessoas que passam por ela todos os dias ao sair da estação Términi pela Via Marsala sabem disso.




O caminho educativo de Dom Bosco (1/2)

Nas estradas do coração
            Dom Bosco chorou ao ver os meninos que foram parar na prisão. Ontem como hoje, o calendário do mal é implacável: felizmente, o do bem o é também. E sempre mais. Sinto que as raízes de ontem são as mesmas de hoje. Como ontem, outros hoje encontram casa nas ruas e nas prisões. Acredito que a memória do padre de tantos meninos que não tinham paróquia é o termômetro insubstituível para medir a temperatura da nossa intervenção educativa.
            Dom Bosco viveu em uma época de grande pobreza social. Estávamos no início do processo de agregação de jovens nas grandes metrópoles industriais. As próprias autoridades policiais denunciavam esse perigo: eram tantos “os meninos que, educados sem princípios de Religião, de Honra e de Humanidade, acabavam apodrecendo totalmente no ódio”, lê-se nas crônicas da época. Foi a pobreza crescente que levou uma grande quantidade de adultos e jovens a viver de acordo com a conveniência e, em particular, com o roubo e a esmola.
            A decadência urbana fez explodir as tensões sociais, que andavam de mãos dadas com as tensões políticas; meninos desordeiros e jovens desorientados, em meados do século XIX, chamaram a atenção do público, abalando as sensibilidades governamentais.
            Além do fenômeno social, havia um evidente pauperismo educativo. O colapso da família causava preocupação sobretudo na Igreja; a prevalência do sistema repressivo estava na raiz do crescente desconforto juvenil; o relacionamento entre pais e filhos, educadores e educandos era afetado. Dom Bosco teve de enfrentar um sistema feito de “propostas ineficazes”, propondo o da bondade amorosa.
            Uma vida nos limites do lícito e do ilícito de tantos pais, a necessidade de obter o necessário para a sobrevivência, levará uma multidão de jovens ao desenraizamento da família, ao distanciamento do próprio território. A cidade fica cada vez mais cheia de rapazes e jovens em busca de emprego; para muitos que vêm de longe, também falta um canto para dormir.
            Não é raro encontrar uma senhora, como Maria G., pedindo esmolas, usando crianças artisticamente colocadas em pontos estratégicos da cidade ou em frente às portas das igrejas; muitas vezes, os próprios pais confiavam seus filhos aos mendigos, que os usavam para despertar a piedade dos outros e receber mais dinheiro. Parece uma fotocópia de um sistema testado e aprovado em uma grande cidade do sul: o aluguel de filhos de outras pessoas, para causar pena nos transeuntes e tornar a mendicância mais lucrativa.
            No entanto, o roubo era a verdadeira fonte de renda: foi um fenômeno que cresceu e se tornou irrefreável na Turim do século XIX. Em 2 de fevereiro de 1845, nove pirralhos com idades entre onze e catorze anos compareceram perante o comissário de polícia do Vicariato, acusados de terem roubado numerosos volumes de uma livraria… e vários itens de papelaria, usando uma gazua. As novas levas de “ladrões de carteira” provocavam reclamações constantes da população. Quase sempre eram crianças abandonadas, sem pais, parentes ou meios de subsistência, muito pobres, perseguidas e abandonadas por todos, que acabavam roubando.
            O quadro do desvio juvenil era impressionante: a delinquência e o estado de abandono de tantos meninos estavam se espalhando como fogo. O número crescente de “malandros”, de “ladrões de bolsa agressivos” nas ruas e praças era, no entanto, apenas um aspecto de uma situação generalizada. A fragilidade da família, as fortes dificuldades econômicas, a constante e forte imigração do campo para a cidade alimentavam uma situação precária, que as forças políticas se sentiam impotentes para enfrentar. O mal-estar cresce à medida que o crime se organiza e penetra nas estruturas públicas. Começam as primeiras manifestações de violência por parte de gangues organizadas, agindo com atos repentinos e repetidos de intimidação, destinados a criar um clima de tensão social, política e religiosa.
            Isso foi expresso pelas gangues, conhecidas como “cocche”, que se espalharam em vários grupos, assumindo nomes diferentes nos bairros onde estavam localizadas. Seu único objetivo era “perturbar os transeuntes, maltratá-los se eles reclamassem, cometer atos obscenos contra as mulheres e atacar algum soldado ou guarda sozinho”. Na realidade, não se tratava de associações criminosas, mas mais de agregações, formadas não apenas por turinenses, mas também por imigrantes: jovens entre 16 e 30 anos que costumavam se reunir em encontros espontâneos, especialmente à noite, dando vazão às suas tensões e frustrações do dia. Foi nessa situação, em meados do século XIX, que as atividades de Dom Bosco se inseriram. Não eram os meninos pobres, amigos e companheiros de infância de sua terra dos Becchi, em Castelnuovo, não eram os jovens valentes de Chieri, mas “os lobos, os brigões, os bandidos” de seus sonhos.
            É nesse mundo de conflitos políticos, nessa vinha, onde a semeadura de joio é abundante, nesse mercado de braços jovens, alugados para a depravação, entre esses jovens sem amor e desnutridos de corpo e alma, que Dom Bosco é chamado a trabalhar. O jovem sacerdote escuta, sai pelas ruas: vê, comove-se, mas, concreto como era, arregaça as mangas; esses meninos precisam de escola, de educação, de catecismo, de formação para o trabalho. Não há tempo a perder. Eles são jovens: precisam dar sentido às suas vidas, têm o direito de ter tempo e meios para estudar, para aprender um ofício, mas também tempo e espaço para serem felizes, para brincar.

Vá, olhe ao derredor!
            Sedentários por profissão ou por opção, informatizados no pensamento e nas ações, corremos o risco de perder a originalidade de “estar”, de compartilhar, de crescer “juntos”.
Dom Bosco não viveu na era dos produtos preparados em proveta: ele deixou para a humanidade a pedagogia da “companhia”, o prazer espiritual e físico de viver ao lado do menino, pequeno entre os pequenos, pobre entre os pobres, frágil entre os frágeis.
            Um padre amigo e seu guia espiritual, o P. Cafasso, conhecia Dom Bosco, conhecia seu zelo pelas almas, intuía sua paixão por aquela multidão de meninos; ele o incentivou a sair pelas ruas. “Vá, olhe ao derredor”. Desde os primeiros domingos, o padre, que vinha do campo, o padre que não havia conhecido seu pai, saía para ver a miséria dos subúrbios da cidade. Ele ficou chocado. “Encontrou um grande número de jovens de todas as idades”, testemunhou seu sucessor, Padre Rua, “que perambulavam pelas ruas e praças, especialmente nas periferias da cidade, brincando, brigando, xingando e até fazendo coisas piores”.
            Ele entra em canteiros de obras, conversa com os operários, contacta empregadores; sente emoções que o marcarão pelo resto da vida quando encontra esses meninos. E, às vezes, ele encontra esses pobres “pedreiros” deitados no chão em um canto de uma igreja, cansados, sonolentos, incapazes de ouvir sermões sem sentido sobre suas vidas errantes. Talvez esse fosse o único lugar onde pudessem se aquecer um pouco, depois de um dia de trabalho árduo, antes de se aventurarem em busca de um lugar para passar a noite. Ele entra nas lojas, passeia pelos mercados, visita as esquinas, onde havia muitos garotos pedindo esmolas. Em todos os lugares, meninos mal vestidos e desnutridos; ele testemunha cenas de maus comportamentos e transgressões: protagonistas, ainda meninos.
            Depois de alguns anos, ele passou das ruas para as prisões. “Durante vinte anos contínuos e assíduos frequentei as prisões reais de Turim e, em particular, as prisões senatoriais; depois continuei a frequentá-las, mas não mais regularmente…”. (MB XV, 705)
            Quantas incompreensões no início! Quantos insultos! Uma “batina” destoava naquele lugar, identificada talvez com algum superior antipático. Ele se aproximou daqueles “lobos”, raivosos e desconfiados; ouviu suas histórias, mas, acima de tudo, fez seus os sofrimentos deles.
            Compreendeu o drama daqueles meninos: exploradores espertos os haviam empurrado para aquelas celas. E se tornou amigo deles. Seu jeito simples e humano devolvia a dignidade e o respeito a cada um deles.
            Algo tinha de ser feito e logo; um sistema diferente tinha de ser inventado, para apoiar aqueles que haviam se desviado. “Sempre que o tempo lhe permitia, passava dias inteiros nas prisões. Para lá ia todos os sábados com os bolsos cheios de fumo ou de pãezinhos. Seu único escopo era cultivar especialmente os jovens … assisti-los, torná-los amigos, e assim animá-los a virem para o Oratório, logo que tivessem a sorte de sair daquele lugar de punição.” (MB II, 173 – MBp II, 156)
            Na “Generala”, uma Casa de Correção inaugurada em Turim em 12 de abril de 1845, conforme consta nos regulamentos da Casa Penal, “os jovens condenados a uma pena correcional por terem agido sem discernimento ao cometer o crime e os jovens sustentados na prisão por amor paterno” eram “reunidos e governados pelo método do trabalho em conjunto, do silêncio e da segregação noturna em celas especiais”. Nesse contexto se enquadraria a extraordinária excursão a Stupinigi organizada somente por Dom Bosco, com o consentimento do Ministro do Interior, Urbano Rattazzi, sem guardas, baseada somente na confiança recíproca, no compromisso de consciência e no fascínio do educador. Ele queria saber a “razão pela qual o Estado não tem a influência” do padre sobre esses jovens. “A força que temos é uma força moral: ao contrário do Estado, que só sabe mandar e punir, nós falamos principalmente ao coração dos jovens, e nossa palavra é a palavra de Deus”.
            Conhecendo o sistema de vida adotado dentro da Generala, o desafio lançado pelo jovem sacerdote piemontês assume um valor incrível: pedir um dia de “Saída livre” para todos aqueles jovens detentos. Era uma loucura, e esse foi o pedido de Dom Bosco. Ele obteve permissão na primavera de 1855. Tudo foi organizado por Dom Bosco sozinho, com a ajuda dos próprios rapazes. O consentimento que recebeu do Ministro Rattazzi foi certamente um sinal de estima e confiança para o jovem sacerdote. É extraordinária a experiência de conduzir os rapazes para fora daquela Casa de Correção em total liberdade e conseguir trazê-los de volta à prisão, não obstante o que normalmente acontecia dentro da estrutura prisional. É o triunfo do apelo à confiança e à consciência, é o teste de uma ideia, uma experiência que o guiará por toda a sua vida para apostar nos recursos escondidos nos corações de tantos jovens condenados a uma marginalização irreversível.

Em frente e em mangas de camisa
            Ainda hoje, num contexto cultural e social diferente, as intuições de Dom Bosco não têm, de modo algum, o mofo de coisas “ultrapassadas”, mas permanecem propositivas. Acima de tudo, na dinâmica de recuperação de meninos e jovens que entraram no circuito penal, é surpreendente o espírito de inventividade na criação de oportunidades concretas de trabalho para eles.
            Atualmente, estamos preocupados em oferecer oportunidades de emprego para nossos menores em situação de risco. Quem trabalha no setor social sabe como é difícil superar os mecanismos e as engrenagens burocráticas para realizar, por exemplo, simples bolsas de trabalho para menores. Com fórmulas e estruturas ágeis, Dom Bosco realizou uma espécie de “contrato” entre meninos e empregadores, sob a tutela educativa do fiador.
            Os primeiros anos da vida sacerdotal e apostólica de Dom Bosco foram marcados por uma busca contínua pela maneira correta de tirar meninos e jovens do perigo das ruas. Os planos eram claros em sua mente, assim como o método educativo estava arraigado em sua mente e em sua alma. “Não com pancadas, mas com a mansidão”. Também estava convencido de que não era fácil transformar lobos em cordeiros. Mas ele tinha a Providência Divina do seu lado.
            E quando se deparava com problemas imediatos, ele nunca recuava. Não era do tipo que “dissertava” sobre a condição sociológica dos menores, nem era o sacerdote dos compromissos políticos ou formais; era santo em suas boas intenções, mas era fortemente tenaz e concreto em realizá-las. Tinha um grande zelo pela salvação da juventude e não havia obstáculos que pudessem condicionar essa santa paixão, que marcava cada passo e pontuava cada hora de seu dia.
             “Encontrar nas prisões tantos jovens e até rapazes de doze a dezoito anos, todos sadios, fortes e inteligentes; vê-los lá ociosos e mordidos por insetos, famintos de pão espiritual e temporal, expiando os pecados de uma depravação precoce naquele lugar de castigo, mediante uma triste reclusão e, mais ainda atormentados pelo remorso, deixa Dom Bosco horrorizado. Vê personificados naqueles infelizes o opróbrio da pátria, a desonra da família, a ignomínia de si mesmos. Vê particularmente almas redimidas e assinaladas com o sangue de um Deus, que gemem escravas do vício e no mais evidente perigo de se perderem eternamente. […]Se esses meninos tivessem tido um AMIGO, que cuidasse deles com amor, que os assistisse e instruísse na religião nos dias santos, quem sabe eles se teriam mantido longe do mal e da ruína, teriam evitado vir ou retornar a esse lugar de castigo. Sem dúvida, pelo menos seria imensamente menor o número desses jovens presos.” (MB II, 62-63 – MBp II, 68-69)
            Ele arregaçou as mangas e se entregou de corpo e alma à prevenção desses males; deu toda a sua contribuição, sua experiência, mas, acima de tudo, sua intuição ao lançar suas próprias iniciativas ou de outras associações. Era a saída da prisão que preocupava tanto o governo quanto as “sociedades” privadas. Foi precisamente em 1846 que foi criada uma estrutura associativa autorizada pelo governo, que se assemelhava, pelo menos em suas intenções e em alguns aspectos, ao que está acontecendo hoje no sistema penal juvenil italiano. Ela se chamava “Società Reale per il patrocinio dei giovani liberati dalla Casa di Educazione Correzionale[Sociedade Real para o Patrocínio de Jovens Liberados da Casa de Educação Correcional]. Seu objetivo era apoiar os jovens libertados da Generala.
            Uma leitura cuidadosa dos Estatutos nos remete a algumas das medidas penais que hoje em dia são previstas como medidas alternativas à prisão.
            Os membros da Sociedade eram divididos em “operacionais”, que assumiam o cargo de guardiões, “membros pagantes” e “membros pagantes operacionais”. Dom Bosco era um “membro operacional”. Dom Bosco aceitou vários deles, mas com resultados desanimadores. Talvez tenham sido esses fracassos que o fizeram decidir pedir às autoridades que enviassem os meninos preventivamente.
            Não é importante tratar aqui da relação entre Dom Bosco, as casas de correção e os serviços colaterais, mas sim lembrar a atenção que o Santo dedicava a esse grupo de menores. Dom Bosco conhecia o coração dos jovens da Generala, mas, sobretudo, tinha em mente algo mais do que ficar indiferente à degradação moral e humana daqueles pobres e infelizes internos. Ele continuou sua missão: não os abandonou: “Desde que o governo abriu aquela penitenciária e confiou sua direção à Sociedade de São Pedro “in Vincoli”, Dom Bosco pôde ir de vez em quando entre aqueles pobres jovens […]. Com a permissão do Diretor das prisões, ele os instruía no catecismo, pregava para eles, ouvia suas confissões e muitas vezes os entretinha amigavelmente nas recreações, como fazia com seus meninos do Oratório” (BS 1882, n. 11, p. 180).
            O interesse de Dom Bosco pelos jovens em dificuldade concentrou-se, ao longo do tempo, no Oratório, verdadeira expressão de uma pedagogia preventiva e recuperadora, sendo um serviço social aberto e multifuncional. Dom Bosco teve contato direto com jovens briguentos e violentos, beirando a delinquência, por volta de 1846-50. Esses são os encontros com as “cocche”, gangues ou grupos de vizinhos em permanente conflito. Conta-se a história de um menino de catorze anos, filho de um pai bêbado e anticlerical, que, estando por acaso no Oratório em 1846, se lança de corpo e alma nas várias atividades recreativas, mas se recusa a frequentar os serviços religiosos, porque, segundo os ensinamentos do pai, não quer se tornar “bolorento e cretino”. Dom Bosco o fascinou com tolerância e paciência, o que o fez mudar seu comportamento em pouco tempo.
                Dom Bosco também estava interessado em assumir a administração de instituições de reeducação e correcionais. Propostas nesse sentido vieram de várias partes. Houve tentativas e contatos, mas os esboços e as propostas de acordos não deram em nada. Tudo isso é suficiente para mostrar o quanto Dom Bosco tinha a peito o problema dos rebeldes. E se houve resistências, sempre derivavam da dificuldade de usar o sistema preventivo. Onde quer que ele encontrasse uma “mistura” de sistema repressivo e preventivo, era categórico em sua recusa, como também era claro em sua rejeição a qualquer denominação ou estrutura que apresentasse a ideia do “reformatório”. Uma leitura atenta dessas tentativas revela o fato de que Dom Bosco nunca se recusava a ajudar o menino em dificuldade, mas era contrário a administrar institutos, casas de correção ou dirigir obras que obrigavam a este percurso educativo misto, repressivo e preventivo.
                É muitíssimo interessante a conversa que ocorreu entre Dom Bosco e Crispi em Roma, em fevereiro de 1878. Crispi pediu a Dom Bosco notícias sobre o progresso de seu trabalho e, em particular, falou sobre os sistemas educativos. Ele lamentou as desordens que estavam ocorrendo nas prisões dos reeducandos. Foi uma conversa em que o Ministro ficou fascinado pela análise de Dom Bosco; pediu-lhe não só conselhos, mas também um programa para essas casas de correção (MB XIII, 483 – MBp XIII, 428).
            As respostas e as propostas de Dom Bosco encontraram simpatia, mas não disponibilidade: era grande a distância entre o mundo religioso e o político. Dom Bosco expressou sua opinião, indicando várias categorias de meninos: malandros, dissipados e bons. Para o santo educador, havia esperança de sucesso para todos, até mesmo para os malandros, como ele costumava se referir ao que hoje chamamos de meninos em situação de risco.
            “Que não se tornem piores”. “… Com o tempo, deixem que os bons princípios adquiridos venham a produzir seus efeitos mais tarde… muitos se reduzem a criar juízo.” Essa é uma resposta explícita e talvez a mais interessante.
            Depois de mencionar a distinção entre os dois sistemas educativos, ele determina quais meninos devem ser consideradas em perigo: os que vão para outras cidades ou vilas em busca de trabalho, aqueles cujos pais não podem ou não querem cuidar deles, os vagantes que caem nas mãos da segurança pública. Ele aponta as medidas necessárias e possíveis: “Campos de recreação festiva, a assistência durante a semana para aqueles que estão empregados, internatos e casas de prevenção com artes e ofícios e com colônias agrícolas”.
            Ele não propõe uma administração direta das instituições educacionais pelo governo, mas o apoio adequado em prédios, equipamentos e subsídios financeiros, e apresenta uma versão do Sistema Preventivo que mantém os elementos essenciais, sem a referência religiosa explícita. Além disso, uma pedagogia do coração não poderia ignorar os problemas sociais, psicológicos e religiosos.
            Dom Bosco atribui o desvio deles à ausência de Deus, à incerteza dos princípios morais, à corrupção do coração, à perturbação da mente, à incapacidade e ao descuido dos adultos, especialmente dos pais, à influência corrosiva da sociedade e à ação negativa intencional dos “maus companheiros” ou à falta de responsabilidade dos educadores.
            Dom Bosco joga muito com o positivo: a vontade de viver, o gosto pelo trabalho, a redescoberta da alegria, a solidariedade social, o espírito de família, a diversão sadia.

(continua)

            P. Alfonso Alfano, sdb




As mãos de Deus

Um mestre estava viajando com um discípulo encarregado de cuidar do camelo. Certa noite, tendo chegado a uma pousada, o discípulo estava tão cansado que não amarrou o animal.
“Meu Deus”, rezou enquanto se deitava, “cuida do camelo: eu o confio a ti”.
Na manhã seguinte, o camelo tinha desaparecido.
– Onde está o camelo? perguntou o mestre.
– Não sei, respondeu o discípulo. O senhor tem que perguntar a Deus! Ontem à noite eu estava tão exausto que confiei a ele nosso camelo. Certamente não é minha culpa se ele fugiu ou foi roubado. Pedi explicitamente a Deus que cuidasse dele. Ele é o responsável. O senhor sempre me pede que tenha a maior confiança em Deus, não é verdade?
– Tenha a maior confiança em Deus, mas primeiro amarre seu camelo, respondeu o mestre. Pois Deus não tem outras mãos a não ser as suas.

Só Deus pode dar a fé;
mas você pode dar seu testemunho.
Só Deus pode dar esperança;
mas você pode restituir a confiança ao irmão.
Só Deus pode dar amor;
mas você pode ensinar o seu irmão a amar.
Só Deus pode dar a paz;
mas você pode semear a união.
Só Deus pode dar força;
mas você pode apoiar quem desanimou
Só Deus é o caminho;
mas você pode indicá-lo aos outros
Só Deus é a luz;
mas você pode fazê-la brilhar no mundo.
Só Deus é a vida;
Mas você pode dar aos outros a alegria de viver.
Só Deus pode fazer o que parece impossível;
mas você poderá sempre fazer o que for possível.
Só DEUS se basta a si mesmo.
mas, Ele preferiu contar com você.

(Canto brasileiro)