Santa Páscoa 2024!

Cristo RESSUSCITOU!

Lembra-te de Jesus Cristo ressuscitado dos mortos… (cf. 2Tm 2,8)

Santa Páscoa a todos os nossos leitores!




Sou salesiano e sou bororo

Diário de um dia missionário feliz e abençoado.

            Caros amigos do Boletim Salesiano, escrevo a vocês de Merúri, no Mato Grosso do Sul. Escrevo esta saudação quase como se fosse uma crônica jornalística, pois já se passaram 24 horas desde que cheguei a esta cidade.
            Mas meus irmãos salesianos chegaram há 122 anos e, desde então, sempre estivemos nessa missão em meio às florestas e aos campos, acompanhando a vida desse povo indígena.
            Em 1976, um salesiano e um índio tiveram suas vidas roubadas com dois tiros de pistola (por “fazendeiros” ou grandes proprietários de terras), porque consideravam que os salesianos da missão eram um problema para que pudessem se apossar de outras propriedades nessas terras que pertencem ao povo Boi-Bororo. Eram o Servo de Deus Rodolfo Lunkenbein, um salesiano, e o índio Simão Bororo.
            E aqui pudemos viver muitos momentos simples ontem: fomos recebidos pela comunidade indígena em nossa chegada, os cumprimentamos – sem pressa – porque aqui tudo é tranquilo. Celebramos a Eucaristia dominical, compartilhamos arroz e feijoada e tivemos uma conversa amável e calorosa.
            À tarde, eu havia preparado uma reunião com os líderes das várias comunidades; algumas mulheres líderes estavam presentes (em várias aldeias, é a mulher que tem a autoridade máxima). Tivemos um diálogo sincero e profundo. Eles me deram suas opiniões e me apresentaram algumas de suas necessidades.
            Em um desses momentos, um jovem salesiano Boi Bororo tomou a palavra. Ele é o primeiro Bororo a se tornar salesiano depois de 122 anos de presença salesiana. Isso nos convida a refletir sobre a necessidade de dar tempo a tudo; as coisas não são como pensamos e queremos que sejam no modo eficiente e impaciente de hoje.
            E esse jovem salesiano falou assim diante do seu povo, da sua gente e dos seus líderes ou autoridades: “Sou salesiano, mas também sou Bororo; sou Bororo, mas também sou salesiano, e o mais importante para mim é que nasci neste mesmo lugar, que conheci os missionários, que ouvi falar dos dois mártires, P. Rodolfo e Simão, e vi a minha gente e o meu povo crescer, graças ao fato de que o meu povo caminhou junto com a missão salesiana e a missão caminhou junto com o meu povo. Isso ainda é a coisa mais importante para nós, caminhar juntos.”
            Por um momento, pensei em como Dom Bosco teria ficado orgulhoso e feliz ao saber que um de seus filhos salesianos pertencia a esse povo (como outros salesianos que vêm do povo Xavante ou Yanomani).
            Ao mesmo tempo, em meu discurso, assegurei-lhes que queremos continuar a caminhar ao lado deles, que queremos que eles façam todo o possível para continuar a cuidar e salvar sua cultura – e sua língua – com toda a nossa ajuda. Eu lhes disse que estou convencido de que nossa presença os ajudou, mas também estou convencido de como é bom estarmos com eles.

“Vá em frente!”, disse a Pastora
            Pensei no último sonho missionário de Dom Bosco: e naquela Pastorinha, que parou ao lado de Dom Bosco e lhe disse: “Lembras-te do sonho que tiveste quando tinhas nove anos? Olha agora; o que vês?” “Vejo montanhas, depois mares, depois colinas, depois montanhas e mares de novo”.
            “Ótimo”, disse a Pastora, “agora traça uma única linha de uma extremidade à outra, de Santiago a Pequim, faze um centro no meio da África, e terás uma ideia exata do que os salesianos têm de fazer”. Dom Bosco exclamou: “Mas como fazer tudo isso? As distâncias são imensas, os lugares difíceis e os salesianos são poucos. “Não te perturbes. Os teus filhos, os filhos dos teus filhos e os filhos deles farão isso”. Eles estão realizando isso.
            Desde o início de nossa jornada como congregação, guiado (e amorosamente “empurrado”) por Maria Auxiliadora, Dom Bosco enviou os primeiros missionários para a Argentina. Somos uma congregação reconhecida com o carisma da educação e da evangelização dos jovens, mas também somos uma congregação e uma família muito missionária. Desde o início até hoje, houve mais de onze mil missionários salesianos sdb e vários milhares de Filhas de Maria Auxiliadora. E hoje, nossa presença entre esse povo indígena, que tem 1940 membros e continua a crescer pouco a pouco, faz todo o sentido depois de 122 anos, porque eles estão na periferia do mundo, mas um mundo que às vezes não entende que deve respeitar o que eles são.
            Também conversei com a matriarca, a mais velha de todas, que veio me cumprimentar e falar sobre seu povo. E depois de uma chuva torrencial, no local do martírio, com grande serenidade, sentamos e rezamos o terço em uma bela noite de domingo (já estava escuro). Éramos muitos, representando a realidade dessa missão: avós, avôs, adultos, jovens mães, bebês, crianças pequenas, religiosos consagrados, leigos… Uma riqueza na simplicidade dessa pequena parte do mundo que não tem poder, mas que também é escolhida e favorecida pelo Senhor, como Ele nos diz no Evangelho.
            E sei que continuaremos assim, se Deus quiser, por muitos anos, porque se pode ser um Bororo e um filho de Dom Bosco, e ser um filho de Dom Bosco e um Bororo que ama e cuida de seu povo e de sua gente.
            Na simplicidade deste encontro, hoje foi um grande dia de vida compartilhada com os povos indígenas. Um grande dia missionário.




P. José Luis Carreño Etxeandía. Um salesiano com o Coração de Jesus

            O P. José Luís Carreño foi descrito pelo historiador José Thekkedath como “o salesiano mais amado do sul da Índia” no início do século XX. Em todos os lugares onde ele viveu – seja na Índia, nas Filipinas ou na Espanha – encontramos salesianos que guardam com carinho as lembranças dele. Estranhamente, porém, ainda não temos uma boa biografia desse grande salesiano. Esperamos remediar isso em breve. O P. Carreño foi um dos arquitetos da região do sul da Ásia e não podemos permitir-nos de esquecê-lo.
            José Luís Carreño Etxeandía nasceu em Bilbau, Espanha, em 23 de outubro de 1905. Na véspera de sua ordenação, em 1932, ele se ofereceu como voluntário para as missões estrangeiras e foi enviado à Índia, chegando a Mumbai em 1933. Apenas um ano depois, quando a Província do Sul da Índia foi estabelecida, ele foi nomeado mestre de noviços em Tirupattur: tinha apenas 28 anos de idade. Com suas extraordinárias qualidades de mente e coração, ele rapidamente se tornou a alma da casa e deixou uma profunda impressão em seus noviços. “Fomos conquistados por seu coração paternal”, escreveu um de seus noviços, o Arcebispo Hubert D’Rosario. O padre José Vaz, outro noviço, sempre contava como Carreño percebeu que ele estava tremendo durante uma palestra. “Espere um momento, hombre”, disse o mestre de noviços e saiu. Pouco tempo depois, ele voltou com um macacão azul, que entregou a José. José notou que o moletom estava estranhamente quente. Então se lembrou de que o mestre de noviços usava algo azul por baixo da batina, que agora não estava mais lá. Carreño havia lhe dado o seu moletom.
            Em 1942, quando o governo britânico na Índia deteve todos os estrangeiros que pertenciam a países em guerra com a Grã-Bretanha, Carreño, que pertencia a um país neutro, não foi incomodado. Em 1943, ele recebeu uma mensagem da Rádio Vaticano dizendo que assumiria o lugar de Eligio Cinato, o provincial da província do sul, que também estava detido. Ao mesmo tempo, o bispo Luís Mathias, de Madras, o convidou para ser seu vigário geral. Em 1945, ele foi oficialmente nomeado Inspetor, cargo que ocupou de 1945 a 1951. Um de seus primeiros atos foi consagrar a Inspetoria ao Sagrado Coração de Jesus. Muitos salesianos estavam convencidos de que o extraordinário crescimento da Província do Sul se devia a esse ato. Os centros salesianos dobraram sob a liderança do P. Carreño. Um de seus atos de maior alcance foi fundar um centro universitário na remota e pobre aldeia de Tirupattur. O Sacred Heart College (Centro Universitário Sagrado Coração) transformou todo o distrito.
            Carreño também foi o principal responsável por “indianizar” o rosto dos salesianos na Índia, buscando imediatamente as vocações locais em vez de confiar apenas nos missionários. Foi uma política maravilhosamente providencial: quando a Índia independente decidiu não conceder vistos a novos missionários estrangeiros, os salesianos não foram pegos desprevenidos. “Se hoje há mais de dois mil salesianos na Índia, o crédito por esse crescimento vai para as políticas iniciadas pelo padre Carreño”, diz o P. Thekkedath em sua história dos salesianos na Índia.
            O P. Carreño, como já dissemos, não era apenas inspetor, mas também vigário de Dom Mathias. Esses dois grandes homens que se admiravam mutuamente também tinham caráter muito diferente. O arcebispo era a favor de medidas disciplinares severas contra os Irmãos que erravam, enquanto o P. Carreño defendia procedimentos mais brandos. O visitante extraordinário, P. Fedrigotti, parece ter ficado do lado do arcebispo, chamando o P. Carreño de “um excelente religioso, um homem com um grande coração”, mas “um pouco poeta demais”. Alguns outros também afirmaram que o P. Carreño era um mau administrador, mas é interessante que um homem como o P. Aurélio Maschio tenha negado veementemente essa afirmação. O fato é que o P. Carreño foi um inovador e um visionário. Algumas de suas ideias – como trazer voluntários não salesianos para servir por alguns anos, por exemplo – foram mal vistas na época, mas são ativamente promovidas hoje.
            Em 1952, depois de terminar seu mandato como Inspetor, o P. Carreño foi designado para Goa, onde permaneceu até 1960. “Goa foi amor à primeira vista”, escreveu ele em Warp in the Loom [Urdidura no Tear]. Goa, por sua vez, o acolheu em seu coração. Naqueles dias, os salesianos serviam como diretores espirituais e confessores do seminário diocesano e do clero, e o P. Carreño era até mesmo patrono da associação local de escritores “Konkani”. Os primeiros salesianos em Goa, como Thomas Fernandes, Elias Diaz e o falecido Rômulo Noronha, contaram com lágrimas nos olhos como o P. Carreño e outros iam ao hospital Goa Medical College [Hospital da Faculdade de Medicina de Goa], localizado nas vizinhanças, para doar sangue e comprar comida e outras coisas para os meninos.
            Em 1962, o P. Carreño foi transferido novamente, dessa vez para as Filipinas, como Reitor e Diretor de Noviços em Canlubang. Em 1967, devido a diferenças entre os missionários da China e os da Índia, ele foi enviado de volta à Espanha. Mas, tanto nas Filipinas quanto na Índia, seus noviços não podem deixar de se lembrar desse homem extraordinário e da impressão que ele deixou neles. Na Espanha, ele fundou uma “Casa dos Missionários” e continuou seu apostolado como escritor. Ele deixou mais de 30 livros, além de hinos como o belo “Cor Iesu sacratissimum” [Sacratíssimo Coração de Jesus] e canções mais populares como “Kotagiri sulla montagna” [ Kotagiri sobre a montanha].
            O Padre José Luís Carreño morreu em 1986 em Pamplona, Espanha, aos 81 anos de idade. Apesar dos altos e baixos de sua vida, esse grande amante do Sagrado Coração de Jesus pôde dizer no jubileu de ouro de sua ordenação sacerdotal: “Se há cinquenta anos meu lema como jovem sacerdote era ‘Cristo é tudo’, hoje, velho e dominado por seu amor, eu o escreveria em ouro maciço, porque na realidade CRISTO É TUDO”.

P. Ivo Coelho, sdb
Conselheiro para a Formação




Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora (4/13)

(continuação do artigo anterior)

Capítulo V. Devoção dos primeiros cristãos à Santa Virgem Maria.
            Os próprios fiéis da Igreja primitiva recorriam constantemente a Maria como uma poderosa auxiliadora dos cristãos. Isso é particularmente demonstrado pela comoção geral causada pela notícia de sua iminente partida deste mundo.
            Não apenas os que estavam em Jerusalém, mas também os fiéis que ainda se encontravam nas proximidades da cidade se aglomeraram em torno da casa pobre de Maria, desejosos de contemplar mais uma vez aquele rosto abençoado. Comovida por se ver cercada por tantas crianças que lhe demonstravam com lágrimas o amor que lhe tinham e a tristeza que sentiam por terem que se separar dela, ela lhes fez as mais calorosas promessas: que os assistiria do céu, que no céu, à direita de seu divino Filho, ela teria maior poder e autoridade e faria todas as coisas para o bem da humanidade. Eis como São João Damasceno relata esse maravilhoso evento:
            Na época da gloriosa Dormição da Bem-aventurada Virgem, todos os santos Apóstolos, que percorreram o globo terrestre para a salvação das nações, foram transportados em um momento para Jerusalém. Lá, uma visão de anjos apareceu a eles e uma doce harmonia de poderes celestiais foi ouvida, e assim Maria, cercada pela glória divina, entregou sua santa alma nas mãos de Deus. Em seguida, seu corpo, transportado com o canto dos anjos e dos apóstolos, foi colocado em um caixão e levado ao Getsêmani, onde o canto dos anjos foi ouvido por três dias seguidos. Depois de três dias, o canto dos anjos cessou. São Tomé, que não estava com os outros Apóstolos na morte de Maria, chegou no terceiro dia e, tendo manifestado o desejo mais fervoroso de venerar aquele corpo que havia sido a morada de um Deus, os Apóstolos que ainda estavam lá abriram a tumba, mas em nenhuma parte puderam encontrar o corpo sagrado dela. Tendo, porém, encontrado os panos em que ela fora envolvida, os quais exalavam um odor muito suave, fecharam o sepulcro. Ficaram muito admirados com esse milagre e só puderam concluir que Aquele que quis tomar carne da Virgem Maria, fazer-se homem e nascer, mesmo sendo Deus, o Verbo e o Senhor da glória, e que depois do nascimento conservou intacta a virgindade dela, quis também que seu corpo imaculado depois da morte, mantendo-o incorrupto, fosse honrado ao ser transportado para o céu antes da ressurreição comum e universal (até aqui São João Damasceno).
            Uma experiência de dezoito séculos nos mostra de maneira luminosa que Maria continuou do céu e com o maior sucesso a missão de mãe da Igreja e auxiliadora dos cristãos que havia começado na terra. As inúmeras graças obtidas após sua morte fizeram com que seu culto se difundisse com a maior rapidez, de modo que, mesmo naqueles primeiros dias de perseguição, onde quer que aparecesse o sinal da religião católica, ali também podia ser vista a imagem de Maria. De fato, desde os dias em que Maria ainda vivia, já se encontravam muitos devotos dela, que se reuniam no Monte Carmelo e lá, vivendo juntos em comunidade, dedicavam-se totalmente a Maria.
            Não desagrade ao leitor devoto que relatemos esse fato tal como é narrado no Ofício da Santa Igreja na Festa da Bem-Aventurada Virgem do Monte Carmelo, 16 de julho.
            No sagrado dia de Pentecostes, tendo os Apóstolos sido repletos do Espírito Santo, muitos crentes fervorosos (viri plurimi) se deram a seguir o exemplo dos santos profetas Elias e Eliseu e, com a pregação de João Batista, se prepararam para a vinda do Messias. Tendo visto verificadas as predições que haviam ouvido do grande precursor, eles imediatamente abraçaram a fé evangélica. Depois, enquanto a Santíssima Virgem ainda vivia, eles tiveram uma afeição especial por ela e a honraram tanto que no Monte Carmelo, onde Elias tinha visto subir aquela pequena nuvem, que era uma figura insigne de Maria, eles construíram um pequeno santuário para a mesma Virgem. Ali se reuniam todos os dias com ritos piedosos, orações e louvores e a veneravam como a protetora singular da Ordem. Aqui e ali, começaram a se chamar irmãos da bem-aventurada Virgem do Monte Carmelo. Com o passar do tempo, os sumos pontífices não apenas confirmaram esse título, mas também concederam indulgências especiais. A mesma Virgem Maria então deu aquela denominação, concedeu sua assistência a esse instituto, estabeleceu-lhes como insígnia um escapulário sagrado, que deu ao bem-aventurado Simão Stock para que, por meio desse hábito celestial, se distinguisse essa ordem sagrada e aqueles que o usassem fossem protegidos de todo mal.
            Assim que os apóstolos chegaram a nossas terras para trazer a luz do Evangelho, não demorou muito para que a devoção a Maria surgisse no Ocidente. Quem visita as catacumbas de Roma, e nós somos testemunhas oculares disso, ainda encontra nesses subterrâneos imagens antigas representando o casamento de Maria com São José ou a assunção de Maria ao céu, e outras representando a Mãe de Deus com o menino nos braços.
            Um renomado escritor diz que “nos primeiros tempos da Igreja, os cristãos produziram uma imagem da Virgem da maneira mais satisfatória que a condição da arte naquela época poderia comportar. O sentimento de modéstia que brilhava, de acordo com Santo Ambrósio, nessas imagens da Virgem, prova que, na ausência de uma efígie real da Mãe de Deus, a arte cristã foi capaz de reproduzir nela as semelhanças de sua alma, aquela beleza física símbolo da perfeição moral que não se podia deixar de atribuir à Virgem divina. Esse caráter também pode ser encontrado em certas pinturas das catacumbas, nas quais a Virgem é pintada sentada com o Menino Jesus nos joelhos, ora em pé, ora em meio corpo, sempre de uma forma que parece estar de acordo com um tipo hierático.”
            “Nas catacumbas de Santa Inês”, escreve Ventura, “fora da Porta Pia, onde é possível ver não apenas túmulos, mas também oratórios de cristãos do século II, repletos de imensas riquezas da arqueologia cristã e preciosas lembranças do cristianismo primitivo, encontram-se em grande abundância imagens de Maria com o Menino divino em seus braços. Atestam a fé da Igreja antiga sobre a necessidade da mediação de Maria para obter as graças de Jesus Cristo e sobre o culto das imagens sagradas que a heresia tentou destruir, classificando-as como novidade supersticiosa.”

Capítulo VI. A Bem-aventurada Virgem explica a São Gregório [Taumaturgo] os mistérios da fé. – Castigo de Nestório.
            Embora a santa Virgem Maria tenha sempre se mostrado o auxílio dos cristãos em todas as necessidades da vida, ela parece ter desejado, de modo especial, manifestar seu poder quando a Igreja foi atacada nas verdades da fé, seja pela heresia seja pelas armas inimigas. Reunimos aqui alguns dos eventos mais gloriosos que confirmam o que está escrito na Bíblia. Tu és como a torre de Davi, cujo edifício está cercado de muralhas; mil escudos estão pendurados ao redor, e todo tipo de armadura dos mais valorosos (Cant. IV, 4). Vejamos agora essas palavras verificadas nos fatos da história eclesiástica.
            Por volta da metade do século III, viveu São Gregório, conhecido como taumaturgo devido à grande quantidade de milagres que realizou. Como o bispo de Neocesareia, sua terra natal, havia morrido, São Fédimo, arcebispo de Amaseia, de quem ele dependia, pensou em elevar São Gregório a esse bispado. Mas, considerando-se indigno dessa sublime dignidade, ele se escondeu no deserto; de fato, para não ser encontrado, ele foi de uma solidão para outra; mas São Fédimo, iluminado pelo Senhor, o elegeu bispo de Neocesareia, contra sua vontade, mesmo estando ausente.
            Essa diocese ainda adorava as falsas divindades e, quando foi eleito, São Gregório tinha apenas 17 cristãos no total. Gregório sentiu forte consternação quando se viu forçado a aceitar uma dignidade tão alta e perigosa, especialmente porque havia naquela cidade aqueles que faziam uma mistura monstruosa dos mistérios da fé com as fábulas ridículas dos gentios. Gregório, portanto, implorou a Fédimo que lhe desse algum tempo para se instruir melhor nos mistérios sagrados, e passou noites inteiras estudando e meditando, encomendando-se à Santíssima Virgem, que é a mãe da sabedoria, e de quem ele era muito devoto. Certa noite, após uma longa meditação sobre os mistérios sagrados, apareceu-lhe um venerável ancião de beleza e majestade celestiais. Espantado com essa visão, ele lhe perguntou quem era e o que queria. O ancião gentilmente o tranquilizou e disse-lhe que havia sido enviado por Deus para explicar-lhe os mistérios sobre os quais ele estava meditando. Ao ouvir isso, com grande alegria, começou a olhar para ele e, com a mão, apontou-lhe outra aparição na forma de uma mulher que brilhava como um relâmpago e cuja beleza superava a de qualquer criatura humana. Assustado, ele se prostrou no chão em um ato de veneração. Nesse ínterim, ouviu a mulher, que era a Santíssima Virgem, chamar aquele velho pelo nome de João Evangelista e convidá-lo a lhe explicar os mistérios da verdadeira religião. São João respondeu que estava muito disposto a fazê-lo, já que isso agradava à Mãe do Senhor. E, de fato, começou a explicar-lhe muitos pontos da doutrina católica, ainda não elucidados pela Igreja e, portanto, bastante obscuros.
            Ela lhe explicou que havia apenas um Deus em três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, que todos os três são perfeitos, invisíveis, incorruptíveis, imortais e eternos; que ao Pai é atribuído especialmente o poder e a criação de todas as coisas; que ao Filho é atribuída especialmente a sabedoria, e que Ele se tornou verdadeiramente homem, e é igual ao Pai, embora gerado por Ele; que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho e é a fonte de toda santidade; Trindade perfeita, sem divisão ou desigualdade, que sempre foi e sempre será imutável e invariável.
            Depois de explicar essas e outras doutrinas mais elevadas, a visão desapareceu, e Gregório imediatamente escreveu as coisas que havia aprendido e as ensinou constantemente em sua Igreja, e nunca deixou de agradecer à Santíssima Virgem, que o havia instruído de maneira tão portentosa.
            Se Maria provou ser uma ajuda prodigiosa para os cristãos em favor da fé católica, Deus mostra quão terríveis são os castigos infligidos àqueles que blasfemam contra a fé. Vemos isso verificado no fim fatal que se abateu sobre Nestório, bispo de Constantinopla. Ele negou que a Virgem Maria fosse propriamente a mãe de Deus.
            Os graves escândalos causados por sua pregação levaram o Sumo Pontífice, que se chamava Celestino I, a examinar a doutrina do heresiarca, que ele considerou errônea e cheia de impiedade. O paciente pontífice, no entanto, primeiro o admoestou e depois ameaçou separá-lo da Igreja se ele não se retratasse de seus erros.
            A obstinação de Nestório forçou o papa a convocar um concílio de mais de 200 bispos na cidade de Éfeso, presidido por São Cirilo como legado papal. Esse concílio, que foi o terceiro Concílio Ecumênico, reuniu-se no ano de Cristo de 431.
            Os erros de Nestório foram anatematizados, mas o autor não se converteu, ao contrário, tornou-se mais obstinado. Por isso, foi deposto de seu cargo e exilado no Egito, onde, depois de muitas tribulações, caiu nas mãos de um bando de rapinadores. Por causa do exílio, da pobreza, do abandono, de uma queda de cavalo e de sua idade avançada, ele sofreu dores atrozes. Finalmente, seu corpo vivo se transformou em podridão, e sua língua, órgão de tantas blasfêmias, apodreceu e ficou rosada de vermes.
            Assim morreu aquele que ousou proferir tantas blasfêmias contra a augusta Mãe do Salvador.

(continua)




Missionário na Patagônia

A Patagônia, região sul da América do Sul, dividida entre Argentina e Chile, é um território presente nos primeiros sonhos missionários de Dom Bosco. Esse “sonho” também se concretizou em uma missão que dá frutos até hoje.

            O nome deriva dos nativos daquelas terras, os patagônicos, termo usado por Fernão de Magalhães, nativos que hoje são identificados como as tribos Tehuelche e Aonikenk. Esses nativos foram sonhados por Dom Bosco em 1872, como conta o P. Lemoyne em suas Memórias Biográficas (MB X, 54-55 – MBp X, 61-62).

“Pareceu encontrar-me numa região selvagem e totalmente desconhecida. Era uma planície imensa, absolutamente selvagem, onde não se viam colinas, nem montes. Nos seus limites, ao longe, levantavam-se montanhas escarpadas. Na planície vi turbas de homens que a percorriam. Estavam quase nus, eram de altura e estatura fora do comum, de aspecto feroz, cabelos hirsutos e longos, cor de bronze e enegrecidos, vestidos com longas mantas de peles de animais que lhes pendiam dos ombros. Como armas tinham uma longa lança e uma funda (“lazo”).
            Essas turbas de homens, esparsos cá e lá, ofereciam ao espectador cenas diversas: alguns corriam caçando animais ferozes; outros caminhavam, trazendo espetados nas pontas das lanças pedaços de carne sangrenta. Alguns combatiam entre si; outros mais lutavam contra os soldados vestidos à europeia, e o terreno estava repleto de cadáveres. Eu fremia diante daquele espetáculo. De repente, despontaram desde as margens daquela planície muitos personagens que, pelas roupas e pelo modo de agir, eram missionários de várias Ordens que se aproximavam para pregar àqueles bárbaros a Religião de Jesus Cristo. Eu olhei atentamente, mas não conheci nenhum deles. Foram ao encontro daqueles selvagens; mas os bárbaros, apenas os viram, movidos por furor diabólico e alegria infernal, caíam-lhes em cima e os matavam. Depois, com ferocidade, os esquartejavam, e fincavam pedaços das carnes na ponta de suas lanças. Em seguida, de vez em quando, renovavam-se as cenas de escaramuças, como antes, entre eles e as povoações vizinhas.
            Depois de observar aquelas horríveis matanças, disse a mim mesmo: – Como fazer para converter essa gente tão brutal? – Nesse ínterim, vi ao longe um grupo de outros missionários; aproximavam-se dos selvagens com o rosto alegre, precedidos por uma multidão de jovens.
Eu tremia, pensando: – Eles vêm aqui para se fazer matar. Aproximei-me deles: eram clérigos e padres. Fixei-os com atenção e os reconheci como sendo os nossos Salesianos. Os primeiros eram mais conhecidos. Embora não tenha podido conhecer pessoalmente muitos outros que vinham em seguida, percebi que também esses eram missionários Salesianos, precisamente dos nossos.
             Eu exclamava: Como é possível tudo isso? – Não queria deixá-los avançar, e estava ali para barrá-los. Tinha medo de que de repente acabassem tendo a mesma sorte dos antigos missionários. Eu queria que voltassem para trás, quando notei que a sua presença despertou a alegria de todas aquelas turbas de bárbaros, que abaixaram as armas, depuseram sua ferocidade e acolheram os nossos missionários com grandes demonstrações de amizade. Maravilhado, dizia a mim mesmo: Vejamos como tudo vai acabar! – E vi que os nossos missionários avançavam em direção àqueles índios, os instruíam e eles ouviam de boa mente suas palavras. Ensinavam, e eles aprendiam com interesse; admoestavam, e eles aceitavam e punham em prática suas admoestações.
            Fiquei observando e me dei conta de que os missionários recitavam o Terço, enquanto os selvagens, correndo por todos os lados, abriam alas à sua passagem e de bom grado respondiam àquela oração.
            Depois de um pouco de tempo, os Salesianos puseram-se no centro daquela multidão que os rodeou, e se ajoelharam. Os selvagens, depostas as armas aos pés dos missionários, também dobraram os joelhos.
            E eis um dos salesianos a entoar: “Lodate Maria, o lingue fedeli” [Louvai Maria, línguas fiéis], e aquelas turbas, a uma só voz, continuar o canto do referido louvor, tão uníssono e forte, que eu, quase assustado, acordei.
            Tive esse sonho há quatro ou cinco anos e me impressionou profundamente, considerando-o um aviso celeste. Todavia, não compreendi bem seu significado específico. Compreendi, porém, que se tratava de Missões estrangeiras, que já antes de agora, correspondiam ao meu maior desejo.

            O sonho, portanto, aconteceu por volta de 1872. Primeiramente, Dom Bosco pensou que fossem os povos da Etiópia, depois pensou aos que estavam perto de Hong Kong, depois gente da Austrália e das Índias. Somente em 1874, quando recebeu insistentes convites para mandar os Salesianos para a Argentina, compreendeu que os silvícolas vistos no sonho eram os indígenas daquela imensa região, então quase desconhecida, que era a Patagônia.

            A missão, que começou há quase 150 anos, continua até hoje.
            Um salesiano, o P. Ding, sentiu o chamado missionário em seu aniversário de 50 anos. É um chamado dentro de um chamado: dentro da vocação de seguir a Deus como pessoa consagrada na Congregação Salesiana, alguém sente o chamado para dar um passo a mais, para deixar tudo e partir para levar o Evangelho a novos lugares, a “missio ad gentes” por toda a vida. Depois de terminar sua tarefa como Delegado Inspetorial para as Missões em seus últimos anos nas Filipinas, ele se colocou à disposição para fazer parte da 152ª expedição missionária e, em 2021, foi designado para a Patagônia, na Inspetoria Argentina-Sul (ARS).
            Após um curso para novos missionários salesianos, que foi encurtado devido à COVID, e a entrega da cruz missionária em 21 de novembro de 2021, o primeiro compromisso foi estudar espanhol, junto com seu companheiro P. Barnabé, do Benin, em Salamanca, na Espanha. Mas quando chegaram à Argentina, o P. Ding percebeu que não conseguia entender muito por causa da velocidade da fala e das diferenças de sotaque. Ele continuou a se inculturar em Buenos Aires, depois chegará ao seu destino, a Patagônia, terra dos primeiros missionários salesianos. A recepção e a gentileza das pessoas em Buenos Aires fizeram com que ele se sentisse em casa e o ajudaram a superar os “choques” culturais.

Ele nos conta:
Como se chega a ser confirmado na própria vocação missionária? Na vida diária, por meio de atividades cotidianas na escola, na paróquia e no oratório. O espírito de Dom Bosco está vivo no país que acolheu os primeiros missionários salesianos, precisamente em La Boca, onde começou o primeiro trabalho paroquial salesiano. Um dos segredos que permite que essa vitalidade continue até hoje é o compromisso de leigos corresponsáveis, que se colocam à disposição de forma fiel e criativa, trabalhando lado a lado com os salesianos. Um verdadeiro exemplo de espírito de família e de dedicação à missão, que concretiza praticamente as reflexões do Capítulo Geral 24 sobre a colaboração entre salesianos e leigos.
            Outro aspecto que chama a atenção é o trabalho incansável em favor dos pobres e marginalizados. Em La Boca, um almoço dominical é preparado para os pobres da cidade, e os funcionários da escola, os paroquianos e os membros da Família Salesiana podem ser vistos cozinhando e ajudando os necessitados, todos juntos, começando pelo diretor da comunidade e pelo diretor da escola. O oratório é muito ativo, com animadores fervorosos e o grupo de “exploradores”, semelhante aos escoteiros que seguem os valores do Evangelho e de Dom Bosco.

            Apesar do desafio da barreira do idioma, o P. Ding nos diz: O que aprendi aqui é que se entende tudo e todos, somente se ao entregar-se de todo o coração à missão que lhe foi confiada, às pessoas com quem e para quem você vive.
            Nos próximos meses, Villa Regina (Río Negro) será sua nova casa, na Patagônia. Desejamos a ele uma abençoada missão.

Marco Fulgaro




Vida de São José, esposo de Maria Santíssima, pai putativo de Jesus Cristo (3/3)

(continuação do artigo anterior)

Capítulo XX. Morte de São José. – Sua sepultura.
Nunc dimittis servum tuum Domine, secundum verbum tuum in pace, quia viderunt oculi mei salutare tuum. (Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixa teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação. – Lc 2,29)

            Quando chegou o último momento, José fez um esforço supremo para se levantar e adorar aquele que os homens consideravam seu filho, mas que José sabia ser seu Senhor e Deus. Ele queria se lançar a seus pés e pedir a remissão de seus pecados. Mas Jesus não permitiu que ele se ajoelhasse e o recebeu em seus braços. Assim, apoiando sua venerável cabeça no peito divino de Jesus, com os lábios perto daquele adorável coração, José expirou, dando aos homens um exemplo final de fé e humildade. Era o décimo nono dia de março, do ano de Roma 777, o vigésimo quinto desde o nascimento do Salvador.
            Jesus e Maria choraram sobre o corpo frio de José e mantiveram a vigília de luto dos mortos ao seu lado. O próprio Jesus lavou esse corpo virginal, fechou os olhos e cruzou as mãos sobre o peito; depois o abençoou para preservá-lo da corrupção da sepultura e colocou os anjos do Paraíso para guardá-lo.
            Os funerais do pobre trabalhador foram tão modestos quanto havia sido toda a sua vida. Mas, se assim pareciam à face da terra, eram de tão grande honra que certamente não poderiam se vangloriar os mais gloriosos imperadores do mundo, já que o Rei e a Rainha do Céu, Jesus e Maria, estavam presentes junto ao augusto corpo. O corpo de José foi colocado para descansar no sepulcro de seus pais, no vale de Josafá, entre o monte Sião e o monte das Oliveiras.

Capítulo XXI. Poder de São José no céu. Razões para nossa confiança.
Ite ad Joseph. (Dirigi-vos a José [e fazei o que ele vos disser]. – Gn 41,55)

            Nem sempre a glória e o poder dos justos sobre a terra são a medida certa do mérito de sua santidade; mas não é o caso da glória e do poder com que são revestidos no céu, onde cada um é recompensado de acordo com suas obras. Quanto mais santos eles forem aos olhos de Deus, mais serão elevados a um grau sublime de poder e autoridade.
Uma vez estabelecido esse princípio, não devemos acreditar que, entre os bem-aventurados que são objeto de nosso culto religioso, São José seja, depois de Maria, o mais poderoso de todos junto a Deus, e aquele que mais justamente merece nossa confiança e nossas homenagens? De fato, quantos privilégios gloriosos o distinguem de outros santos e devem inspirar em nós uma profunda e terna veneração por ele!
            O filho de Deus, que escolheu José como seu pai, para recompensar todos os seus serviços e dar-lhe em troca as demonstrações do mais terno amor durante sua vida mortal, não o ama menos no céu do que o amou sobre a terra. Feliz por ter toda a eternidade para compensar seu amado pai por tudo o que fez por ele na vida presente, com tão ardente zelo, tão inviolável fidelidade e tão profunda humildade. Isso faz com que o divino Salvador esteja sempre disposto a ouvir favoravelmente todas as suas orações e a satisfazer todos os seus desejos.
            Encontramos nos privilégios e favores com os quais foi cumulado o antigo José, que era apenas uma sombra de nosso verdadeiro José, uma figura do crédito onipotente desfrutado no céu pelo santo esposo de Maria.
            A fim de recompensar os serviços que havia recebido de José, filho de Jacó, o faraó estabeleceu-o como administrador geral de sua casa, senhor de todas as suas posses, desejando que todas as coisas fossem feitas de acordo com suas ordens. Depois de tê-lo estabelecido como vice-rei do Egito, ele lhe deu o selo de sua autoridade real e lhe deu plenos poderes para conceder todos os favores que desejasse. Ele ordenou que fosse chamado de salvador do mundo, para que seus súditos pudessem reconhecer que a ele deviam sua salvação; em suma, ele enviou a José todos os que vinham pedir qualquer favor, para que pudessem obtê-lo de sua autoridade e mostrar-lhe sua gratidão: Ite ad Ioseph, et quidquid dixerit vobis, facite – Gn 41,55. Ide a José, fazei tudo o que ele vos disser e recebei dele tudo o que ele vos der.
            Mas quanto mais maravilhosos e capazes de nos inspirar uma confiança ilimitada são os privilégios do casto esposo de Maria, o pai adotivo do Salvador! Não se trata de um rei da terra como o Faraó, mas é Deus Todo-Poderoso que desejou cumular esse novo José com seus favores. Ele começa estabelecendo-o como mestre e venerável chefe da Sagrada Família; ele quer que tudo lhe obedeça e lhe esteja sujeito, até mesmo seu próprio filho, igual a ele em todas as coisas. Ele o torna seu vice-rei, querendo que ele represente sua adorável pessoa a ponto de lhe dar o privilégio de levar seu nome e de ser chamado de pai de seu unigênito. Ele coloca esse filho em suas mãos, para que saibamos que ele lhe dá poder ilimitado para realizar toda graça. Observe como ele torna conhecido no evangelho, para toda a Terra e em todas as épocas, que São José é o pai do rei dos reis: Erant pater et mater eius mirantes [o pai e a mãe ficavam admirados] – Lc 2,33. Ele deseja que ele seja chamado de Salvador do mundo, pois alimentou e preservou aquele que é a salvação de todos os homens. Por fim, ele nos adverte que, se desejarmos graças e favores, devemos nos dirigir a José: Ite ad Ioseph, pois é ele quem tem todo o poder junto do Rei dos reis para obter tudo o que ele pede.
            A santa Igreja reconhece esse poder soberano de José, pois pede por sua intercessão o que não poderia obter por si mesma: Ut quod possibilitas nostra non obtinet, eius nobis intercessione donetur.
            Certos santos, diz o doutor angélico, receberam de Deus o poder de nos ajudar em certas necessidades particulares; mas o crédito de São José não tem limite; estende-se a todas as necessidades, e todos aqueles que recorrem a ele com confiança têm a certeza de serem prontamente atendidos. Santa Teresa nos declara que nunca pediu nada a Deus por intercessão de São José que não obtivesse rapidamente: e o testemunho dessa santa vale mais do que mil outros, pois se baseia na experiência cotidiana de seus favores. Os outros santos gozam, é verdade, de grande crédito no céu; mas eles intercedem como servos e não mandam como senhores. José, que viu Jesus e Maria submetidos a ele, pode, sem dúvida, obter tudo o que quiser do rei, seu filho, e da rainha, sua esposa. Ele tem crédito ilimitado com um e com a outra, e, como diz Gerson, ele ordena em vez de implorar: Non impetrat, sed imperat. São Bernardino de Sena, diz que Jesus quer continuar no céu a dar a São José a prova de seu respeito filial, obedecendo a todos os seus desejos: Dum pater orat natum, velut imperium reputatur[o que um pai pede a um filho é como se fosse uma ordem].
            De fato, o que Jesus Cristo poderia negar a José, que nunca lhe negou nada em toda a sua vida? Na sua vocação, Moisés não era mais do que o líder e condutor do povo de Israel; e, no entanto, ele se apresentava a Deus com tanta autoridade que, quando orava em nome daquele povo rebelde e incorrigível, sua oração parecia se tornar uma ordem, que de certa forma prendia as mãos da majestade divina e a reduzia a ser quase incapaz de castigar os culpados, até que ele os libertasse: Dimitte me, ut irascatur furor meus contro eos et deleam eos [Deixa que a minha ira se inflame contra eles e eu os extermine]. (Êxodo 32,10).
            Mas quanto maior virtude e poder não terá a oração que José dirige por nós ao soberano juiz, de quem foi guia e pai adotivo? Pois se é verdade, como diz São Bernardo, que Jesus Cristo, que é nosso advogado junto ao Pai, lhe apresenta suas sagradas chagas e o adorável sangue que derramou por nossa salvação, se Maria, por sua vez, apresenta a seu Filho único o seio que o gerou e alimentou, não podemos acrescentar que São José mostra ao Filho e à Mãe as mãos que tanto trabalharam por eles e o suor que derramou para ganhar seu sustento sobre a terra? E se Deus Pai nada pode negar a seu amado Filho quando lhe roga por suas sagradas chagas, nem o Filho nada pode negar a sua santíssima Mãe quando lhe suplica pelas entranhas que o geraram, não somos obrigados a crer que nem o Filho, nem a Mãe, que se tornou a dispensadora das graças que Jesus Cristo mereceu, nada podem negar a São José quando lhes roga por tudo o que fez por eles nos trinta anos de sua vida?
            Imaginemos que nosso santo protetor dirige essa comovente oração a Jesus Cristo, seu Filho adotivo, por nós: “Ó meu divino Filho, dignai-vos derramar vossas mais abundantes graças sobre meus servos fiéis; eu vos peço pelo doce nome de pai com o qual tantas vezes me honrastes, por estes braços que vos acolheram e o aqueceram em vosso nascimento, que vos levaram ao Egito para salvar-vos da ira de Herodes; peço-vos por aqueles olhos cujas lágrimas enxuguei, por aquele sangue precioso que recolhi em vossa circuncisão; pelos trabalhos e fadigas que suportei com tanto contentamento para nutrir vossa infância e nutrir-vos em vossa juventude…” Jesus, tão cheio de caridade, poderia resistir a tal oração? E se está escrito, diz São Bernardo, que ele faz a vontade daqueles que o temem, como pode negar-se a fazer a vontade daquele que o serviu e alimentou com tanta fidelidade, com tanto amor? Si voluntatem timentium se faciet; quomodo voluntatem nutrientis se non faciet? (Um escritor piedoso em seus comentários sobre o Salmo 144,19).
            Mas o que deve redobrar nossa confiança em São José é sua inefável caridade para conosco. Fazendo-se seu filho, Jesus colocou em seu coração um amor mais terno do que o do melhor dos pais.
            Não nos tornamos seus filhos, enquanto Jesus Cristo é nosso irmão e Maria, sua casta esposa, é nossa mãe cheia de misericórdia?
            Voltemo-nos, portanto, para São José com uma confiança viva e plena. Sua oração, unida à de Maria e apresentada a Deus em nome da adorável infância de Jesus Cristo, não pode ser recusada, mas deve obter tudo o que pedir.
            O poder de São José é ilimitado; ele se estende a todas as necessidades da nossa alma e do nosso corpo.
            Depois de três anos de uma doença violenta e contínua, que não a deixava sem descanso e sem esperança de cura, Santa Teresa recorreu a São José; e ele logo lhe obteve a saúde.
            É principalmente em nossa última hora, quando a vida está prestes a nos deixar como um falso amigo, quando o inferno redobrará seus esforços para raptar nossa alma na passagem para a eternidade, é nesse momento decisivo para nossa salvação que São José nos assistirá de maneira muito especial, se formos fiéis em honrá-lo e orar a ele em vida. O divino Salvador, para recompensá-lo por tê-lo salvado da morte, livrando-o da ira de Herodes, deu-lhe o privilégio especial de resgatar das armadilhas do demônio e da morte eterna os moribundos que se colocaram sob sua proteção.
            É por isso que ele é invocado com Maria em todo o mundo católico como o santo padroeiro da boa morte. Oh! Como seríamos felizes se pudéssemos morrer como tantos servos fiéis de Deus, pronunciando os nomes onipotentes de Jesus, Maria e José. O Filho de Deus, diz o Venerável Bernardo de Bustis, tendo as chaves do paraíso, deu uma a Maria e outra a José, para que pudessem introduzir todos os seus fiéis servos no lugar de refrigério, luz e paz.

Capítulo XXII. Propagação do culto e instituição da festa de 19 de março e do Patrocínio de São José.
Qui custos est domini sui glorificabitur. (Quem vela por seu senhor, por ele será honrado – Pr 27,18)

            Assim como a Divina Providência decretou que São José morresse antes que Jesus se manifestasse publicamente como o Salvador da humanidade, também decretou que o culto a esse santo não se espalhasse antes que a fé católica se espalhasse universalmente pelo mundo. De fato, a exaltação desse santo nos primeiros dias do cristianismo parecia perigosa para a fé ainda fraca do povo. Era muito apropriado que a dignidade de Jesus Cristo fosse inculcada no fato de ele ter nascido de uma virgem pelo poder do Espírito Santo; ora, apresentar a memória de São José, o esposo de Maria, teria ofuscado essa crença dogmática em algumas mentes fracas, ainda não esclarecidas sobre os milagres do poder divino. Além disso, era importante, naqueles séculos de batalha, tornar o principal objeto de veneração os heróis sagrados que haviam derramado seu sangue pelo martírio para defender a fé.
            Quando, pois, a fé estava consolidada entre o povo e foram elevados à honra dos altares, muitos santos que haviam edificado a Igreja com o esplendor de suas virtudes sem passar pelos tormentos, logo pareceu mais adequado que um santo do qual o próprio Evangelho fazia tão amplo elogio não fosse deixado em silêncio. Por isso, além da festa de todos os antepassados de Cristo (que foram justos), celebrada no domingo anterior ao Natal, os gregos consagraram o domingo que se estende nessa oitava ao culto de São José, esposo de Maria, do santo profeta Davi e de São Tiago, primo do Senhor.
            No calendário dos Coptas, em 20 de julho, há menção a São José, e alguns acreditam que 4 de julho foi o dia da morte de nosso santo.
            Na Igreja latina, portanto, o culto a São José remonta à antiguidade dos primeiros séculos, como mostram os martirológios muito antigos do mosteiro de São Maximino de Tréveris e de Eusébio. A ordem dos frades mendicantes foi a primeira a celebrar o ofício, como pode ser visto em seus breviários. Seu exemplo foi seguido no século XIV pelos franciscanos e dominicanos por meio do trabalho de Alberto Magno, que foi o professor de Santo Tomás de Aquino.
            No final do século XV, as igrejas de Milão e Toulouse também o introduziram em sua liturgia, até que a Sé Apostólica estendeu seu culto a todo o mundo católico em 1522. Pio V, Urbano VIII e Sisto IV aperfeiçoaram seu ofício.
            A princesa Isabela Clara Eugenia da Espanha, herdeira do espírito de Santa Teresa, que era muito devota de São José, indo para a Bélgica, obteve que fosse instituída uma festa de preceito em 19 de março na cidade de Bruxelas em homenagem a esse santo; seu culto se espalhou para as províncias vizinhas, onde ele foi proclamado e venerado sob o título de preservador da paz e protetor da Boêmia. Essa festa começou na Boêmia no ano de 1655.
            Uma parte do manto com o qual São José envolveu o Santo Menino Jesus é mantida em Roma na Igreja de Santa Cecília em Trastevere, onde também é mantido o cajado que esse santo carregava durante a viagem. A outra parte está guardada na igreja de Santa Anastácia, na mesma cidade.
            De acordo com o que as testemunhas nos transmitiram, esse manto é de cor amarelada. Uma parte dele foi dada como presente pelo Cardeal Ginetti aos Padres Carmelitas Descalços de Antuérpia; é guardada em uma caixa magnífica, sob três chaves, e é exibida para veneração pública todos os anos no Natal.
            Entre os sumos pontífices que contribuíram com sua autoridade para promover o culto a esse santo está Sisto IV, que foi o primeiro a estabelecer a festa no final do século XV. São Pio V formulou o ofício no Breviário Romano. Gregório XV e Urbano VIII se esforçaram com decretos especiais para reavivar o fervor em relação a esse santo que parecia ter diminuído entre alguns povos. Até que o Sumo Pontífice Inocêncio X, atendendo aos pedidos de muitas igrejas da cristandade, e também desejoso de promover a glória do santíssimo esposo de Maria e, assim, tornar seu patrocínio mais eficaz para a religião, estendeu sua solenidade a todo o mundo católico.
            A festa de São José foi, portanto, fixada para o dia 19 de março, que se acredita piedosamente ter sido o dia de sua abençoada morte (contra a opinião de alguns que acreditam que isso tenha ocorrido no dia 4 de julho).
            Como essa festa sempre cai no período da Quaresma, ela não poderia ser celebrada em um domingo, já que todos os domingos da Quaresma são privilegiados: portanto, muitas vezes ela teria passado despercebida se a engenhosa piedade dos fiéis não tivesse encontrado uma maneira de compensá-la de outra forma.
            Desde 1621, a Ordem dos Carmelitas Descalços reconhece solenemente São José como padroeiro e pai universal de todos os carmelitas. José como patrono e pai universal de seu Instituto, consagrando um dos domingos após a Páscoa para celebrar sua solenidade sob o título de Patrocínio de São José. A pedido fervoroso da própria Ordem e de muitas Igrejas da cristandade, a Sagrada Congregação dos Ritos, por decreto de 1680, fixou essa solenidade no terceiro domingo após a Páscoa. Muitas Igrejas do mundo católico logo adotaram espontaneamente essa festa. A Companhia de Jesus, os Redentoristas, os Passionistas e a Sociedade de Maria a celebram com sua própria oitava e ofício sob o rito duplo de primeira classe.
            A Sagrada Congregação dos Ritos finalmente estendeu essa festa a toda a Igreja universal, a fim de encorajar e animar cada vez mais a piedade dos fiéis para com esse grande santo, com um decreto de 10 de setembro de 1847, a pedido do Eminentíssimo Cardeal Patrizi.
            Se alguma vez houve tempos calamitosos para a Igreja de Jesus Cristo, se alguma vez a fé católica dirigiu suas orações ao céu para implorar um protetor, estes são infelizmente os dias atuais. Nossa santa religião, agredida em seus princípios mais sacrossantos, vê numerosos filhos arrancados com cruel indiferença de seu seio materno para se entregarem loucamente aos braços da incredulidade e da impiedade e, tornando-se apóstolos escandalosos da impiedade, desviarem tantos de seus irmãos e, assim, dilacerarem o coração daquela mãe amorosa que os nutriu. Pois bem, enquanto a devoção a São José atrairia bênçãos copiosas sobre as famílias de seus devotos, ela obteria para a desolada esposa de Jesus Cristo o patrocínio mais eficaz de um santo que, assim como foi capaz de preservar a ilesa vida de Jesus pela perseguição de Herodes, saberá como preservar a fé ilesa de seus filhos na perseguição que o inferno lhe move. Como o primeiro José, filho de Jacó, foi capaz de manter a abundância para o povo do Egito durante sete anos de carestia, o verdadeiro José, o mais feliz administrador dos tesouros celestiais, saberá manter no povo cristão aquela fé santíssima para cujo estabelecimento desceu à terra aquele Deus, do qual ele foi preceptor e guardião durante trinta anos.

Sete alegrias e sete dores de São José.

Indulgência concedida por Pio IX aos fiéis que recitarem essa coroa, que pode servir como prática para a novena do santo.

                        Pio IX, o Papa atual, ampliou as concessões de seus predecessores, especialmente as de Gregório XVI. Concedeu aos fiéis de ambos os sexos a indulgência plenária, também aplicável às almas do Purgatório, a todos os que rezarem as preces, chamadas comumente as sete alegrias e sete dores de São José, durante sete domingos consecutivos, em qualquer época do ano. Além disso, são condições para lucrar esta indulgência: confessar-se e comungar, visitar uma igreja ou oratório público e rezar nas intenções do Santo Padre, o Papa.
            Para aqueles que não sabem ler, ou que não podem ir a qualquer Igreja onde essas preces são rezadas publicamente, o mesmo Pontífice concedeu idêntica indulgência plenária, desde que, ao visitarem a referida Igreja, rezem sete Pai Nossos, Ave Marias e Glórias em honra do santo Patriarca e cumpram as demais condições prescritas.

Coroa das Sete Dores e Alegrias de São José

            1. Ó Esposo puríssimo de Maria Santíssima, glorioso São José, assim como foi grande a amargura do vosso coração na perplexidade de abandonardes vossa castíssima Esposa, assim foi inexplicável a vossa alegria, quando pelo Anjo vos foi revelado o soberano mistério da Encarnação.
            Por esta vossa dor e por esta alegria, rogamos a graça de consolardes agora e nas extremas dores, a nossa alma com a alegria de uma boa morte semelhante à vossa entre Jesus e Maria.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            2. Ó felicíssimo Patriarca, glorioso São José, que fostes escolhido para o cargo de pai adotivo do Verbo humanado, a dor que sentistes ao ver Jesus Menino nascer em tanta pobreza o Deus Menino, que se transformou em júbilo celeste ao escutardes a angélica melodia, ao verdes a glória daquela brilhantíssima, noite.
            Por esta vossa dor e por esta vossa alegria, suplicamos a graça de nos alcançardes que depois da jornada desta vida, passemos a ouvir os angélicos louvores e a gozar os resplendores da glória celeste.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            3. Ó obedientíssimo executor das divinas leis, glorioso São José, o sangue preciosíssimo que na circuncisão o Redentor Menino derramou vos transpassou o coração, mas o nome de Jesus o reanimou, enchendo-o de contentamento.
            Por esta vossa dor e por este vosso gozo, alcançai-nos que, sendo arrancados de nós os vícios nesta vida, com o nome de Jesus no coração e na boca, expiremos cheios de júbilo.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            4. Ó fidelíssimo santo, que também tivestes parte nos mistérios de nossa redenção, glorioso São José, se a profecia de Simeão a respeito do que Jesus e Maria tinham de sofrer vos causou mortal angústia, também vos encheu de sumo gozo pela salvação e gloriosa ressurreição que igualmente predisse teria de resultar para inumeráveis almas.
            Por esta vossa dor e por este vosso gozo, obtende-nos que sejamos daqueles que, pelos méritos de Jesus e pela intercessão da Virgem sua Mãe, hão de ressuscitar gloriosamente.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            5. Ó vigilantíssimo guardião, íntimo familiar do Filho de Deus encarnado, glorioso São José, quanto penastes para alimentar e servir o Filho do Altíssimo, particularmente na fuga que com ele fizestes para o Egito! Mas, qual não foi também o vosso gozo terdes sempre convosco o próprio Deus e por verdes cair por terra os ídolos do Egito.
            Por esta vossa dor e por este vosso gozo, alcançai-nos que, expelindo longe de nós o tirano do inferno, especialmente com a fuga das ocasiões perigosas, sejam derrubados de nossos corações todos os ídolos de afetos terrenos e que, inteiramente empregados no serviço de Jesus e de Maria, somente para eles vivamos e felizmente morramos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            6. Ó Anjo da terra, glorioso São José, que, cheio de admiração, vistes o Rei do céu submisso às vossas ordens, se a vossa consolação, ao reconduzi-lo do Egito, foi transtornada pelo temor de Arquelau, sossegado pelo Anjo, permanecestes alegre em Nazaré com Jesus e Maria.
            Por esta vossa dor e por este vosso gozo, alcançai-nos que, desocupado o nosso coração de vãos temores, gozemos paz de consciência, vivamos seguros com Jesus e Maria e também entre eles morramos.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

            7. Ó exemplar de toda santidade, glorioso São José, perdestes sem culpa vossa o Menino Jesus e com aflição o procurastes por três dias, até que com sumo júbilo gozastes de vossa vida, achando-o no templo entre os doutores.
            Por esta vossa dor e por este vosso gozo suplicamos, com o coração nos lábios, que interponhais o vosso valimento para que nunca percamos Jesus por culpa grave; mas se, por desgraça o perdermos, com tão contínua dor o procuremos e o achemos favorável, especialmente em nossa morte, para passarmos a gozá-lo no céu e lá cantarmos convoco eternamente suas divinas misericórdias.
            Pai nosso, Ave Maria e Glória.

Antífona. Jesus estava prestes a completar trinta anos de idade e acreditava-se que era filho de José.
            V. Rogai por nós, São José.
            R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos.

            Ó Deus, que por uma inefável providência vos dignastes escolher o bem-aventurado São José para esposo de vossa Mãe Santíssima, concedei-nos que aquele mesmo que na terra veneramos como protetor, mereçamos ter no céu como nosso intercessor. Vós que viveis e reinais por todos os séculos dos séculos.
            R. Amém.

Outra oração a São José
            Deus vos salve, ó José, cheio de graça; Jesus e Maria estão convosco; sois bendito entre os homens, e bendito é o fruto do ventre de vossa esposa Maria. São José, pai putativo de Jesus, esposo virgem de Maria, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Assim seja.

Coletado entre os autores mais credenciados, com a novena em preparação à festa do Santo.
Tipografia do Oratório de São Francisco de Sales, Turim, 1867.
P. JOÃO BOSCO

Com permissão eclesiástica.

***

Hoje a Igreja concede indulgência (Enchiridion Indulgentiarum n.19) para orações em honra de São José:
“Uma indulgência parcial é concedida aos fiéis que invocam São José, Esposo da Bem-Aventurada Virgem Maria, com uma oração legitimamente aprovada (por exemplo, A vós, São José).

A vós, São José, recorremos em nossa tribulação e, depois de ter implorado o auxílio ele vossa santíssima esposa, cheios de confiança solicitamos também o vosso patrocínio. Por esse laço sagrado de caridade que vos uniu à Virgem, Imaculada Mãe de Deus, e pelo amor paternal que tivestes ao Menino Jesus, ardentemente suplicamos que lanceis um olhar benigno sobre a herança que Jesus Cristo conquistou com seu sangue, e nos socorrais em nossas necessidades com o vosso auxílio e poder. Protegei, ó guarda providente da divina família, o povo eleito de Jesus Cristo. Afastai para longe de nós, ó pai amantíssimo, a peste do erro e do vício. Assisti-nos do alto do céu, ó nosso fortíssimo sustentáculo, na luta contra o poder das trevas, e assim como outrora salvastes da morte a vida ameaçada do Menino Jesus, assim também defendei agora a Santa Igreja de Deus das ciladas de seus inimigos e de toda a adversidade.

Amparai a cada um de nós com o vosso constante patrocínio, a fim de que, a vosso exemplo e sustentados com o vosso auxílio, possamos viver virtuosamente, morrer piedosamente e obter no céu a eterna bem-aventurança.
Amém.

(Papa Leão XIII, Oração a São José, encíclica Quamquam pluries)




Vida de São José, esposo de Maria Santíssima, pai putativo de Jesus Cristo (2/3)

(continuação do artigo anterior)

Capítulo IX. A circuncisão.
Et vocavit nomen eius Iesum. (E lhe pôs o nome de Jesus – Mt 1,25)

            No oitavo dia após o nascimento, os filhos de Israel deveriam ser circuncidados, conforme o mandamento expresso de Deus dado a Abraão, para que houvesse um sinal que lembrasse ao povo a aliança que Deus havia feito com eles.
            Maria e José entendiam muito bem que esse sinal não era necessário para Jesus. Esse serviço doloroso era uma punição adequada aos pecadores, e seu objetivo era eliminar o pecado original. Ora, sendo Jesus o santo por excelência, a fonte de toda santidade, não carregava consigo nenhum pecado que precisasse de remissão. Além disso, ele tinha vindo ao mundo por meio de uma concepção milagrosa e não precisava se submeter a nenhuma das leis que pertenciam aos homens. No entanto, Maria e José, sabendo que Jesus não viera para violar a lei, mas para cumpri-la; que viera para dar aos homens o exemplo de perfeita obediência, disposto a sofrer tudo o que a glória do Pai Celestial e a salvação da humanidade exigiriam dele, não hesitaram em realizar a dolorosa cerimônia com o Menino Divino.
            José, o santo Patriarca, é o ministro e sacerdote desse rito sagrado. Aqui está ele, com os olhos marejados de lágrimas, dizendo a Maria: “Maria, agora é o momento em que estamos prestes a realizar neste seu filho abençoado o sinal de nosso pai Abraão. Fico com o coração apertado ao pensar em você. Eu ferir esta carne imaculada! Eu tirar o primeiro sangue desse cordeiro de Deus; se você abrisse a boca, ó meu filho, e me dissesse que não quer a ferida, como eu jogaria essa faca para longe de mim e me alegraria por você não a querer! Mas vejo que você me pede esse sacrifício; que você quer sofrer. Sim, ó doce menino, nós sofreremos: você em sua carne mais pura; Maria e eu em nossos corações”.
            Enquanto isso, José havia realizado o doloroso ofício de oferecer a Deus o primeiro sangue em expiação pelos pecados dos homens. Então, com Maria chorosa e cheia de angústia pela aflição de seu Filho, ele repetiu: “Jesus é o Seu nome, pois Ele deve salvar Seu povo de seus pecados: vocabis nomen eius Iesum; ipse enim salvum faciet populum suum a peccatis eorum. – cf. Mt 1,25 “Ó nome santíssimo, ó nome que está acima de todo nome, como é oportuno que sejas pronunciado pela primeira vez neste momento! Deus quis que o menino fosse chamado Jesus quando começaria a derramar sangue, pois se ele era e seria o Salvador, foi precisamente em virtude e por causa de seu sangue, por meio do qual ele entrou uma vez no Santo dos Santos e, pelo sacrifício de todo o seu ser, consumou a Redenção de Israel e do mundo inteiro.
            José foi o grande e nobre ministro da circuncisão, por meio da qual o Filho de Deus recebeu seu próprio nome. José recebeu o relato do anjo; José foi o primeiro dentre os homens a pronunciá-lo; e, ao pronunciá-lo, fez com que todos os anjos se curvassem e os demônios fossem tomados por um pavor extraordinário, mesmo sem entender o motivo, caindo em adoração e escondendo-se nas profundezas do inferno. Grande dignidade de José! É grande a obrigação de reverência que lhe devemos, pois ele foi o primeiro a chamar o Filho de Deus de Redentor e o primeiro a cooperar com o santo ministério da circuncisão para torná-Lo nosso Redentor.

Capítulo X. Jesus adorado pelos Magos. A Purificação.
Reges Tharsis et insulae munera offerent, Reges Arabum et Saba dona adducent. (Os reis de Társis e das ilhas vão trazer-lhe ofertas, os reis da Arábia e de Sabá vão pagar-lhe tributo. – Sl 71(72),10)

            Aquele Deus que havia descido à Terra para fazer da casa de Israel e dos povos dispersos uma só família queria os representantes de um e de outro ao redor de seu berço. Os simples e os humildes tinham preferência em estar perto de Jesus; além disso, os grandes e os sábios da terra não deveriam ser excluídos. Depois dos pastores próximos, do silêncio de sua gruta em Belém, Jesus movia uma estrela do céu para reconduzir os adoradores distantes.
            Uma tradição, popular em todo o Oriente e registrada na Bíblia, anunciava que um menino nasceria no Ocidente, que mudaria a face do mundo, e que uma nova estrela apareceria ao mesmo tempo para marcar esse evento. Na época do nascimento do Salvador, havia no Extremo Oriente alguns príncipes comumente chamados de três Reis Magos, dotados de uma ciência extraordinária.
            Profundamente versados em ciências astronômicas, esses três reis magos aguardavam ansiosamente o aparecimento da nova estrela que lhes anunciaria o nascimento do menino maravilhoso.
            Certa noite, enquanto observavam atentamente os céus, uma estrela de magnitude incomum pareceu se destacar da abóbada celeste, como se quisesse descer sobre a Terra.
            Reconhecendo com esse sinal que o momento havia chegado, eles partiram apressadamente e, guiados novamente pela estrela, chegaram a Jerusalém. A fama de sua chegada e, acima de tudo, a causa que os levou, perturbou o coração do invejoso Herodes. Esse príncipe cruel fez com que os magos fossem até ele e lhes disse: “Informem-se exatamente sobre esse menino e, assim que vocês o encontrarem, voltem para me avisar, para que eu também possa ir e adorá-lo”. Tendo os doutores da lei indicado que o Cristo nasceria em Belém, os magos saíram de Jerusalém, sempre precedidos pela misteriosa estrela. Não demorou muito para que chegassem a Belém; a estrela parou sobre a gruta onde estava o Messias. Os magos entraram, prostraram-se aos pés do menino e o adoraram.
            Depois, abrindo os cofres de madeiras preciosas que haviam trazido, ofereceram-lhe ouro, como para o reconhecerem como rei, incenso, como Deus, e mirra, como homem mortal.
            Avisados então por um anjo sobre os verdadeiros desígnios de Herodes, sem passar por Jerusalém, eles voltaram diretamente para seus países.
            O quadragésimo dia do nascimento do Santo Menino estava se aproximando: a lei de Moisés prescrevia que todo primogênito deveria ser levado ao templo para ser oferecido a Deus e assim consagrado, e a mãe deveria ser purificada. José, na companhia de Jesus e Maria, dirigiu-se a Jerusalém para realizar a cerimônia prescrita. Ele ofereceu duas pombas como sacrifício e pagou cinco siclos de prata. Depois de inscreverem o filho nas tabelas do censo e pagarem o tributo, o santo casal voltou para a Galileia, para Nazaré, sua cidade.

Capítulo XI. O triste anúncio. – A matança dos inocentes. – A sagrada família parte para o Egito.
Surge, accipe puerum et matrem eius et fuge in Aegyptum et esto ibi usque dum dicam tibi. (O anjo do Senhor disse a José: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise”. – cf. Mt 2,13)

Vox in excelso audita est lamentationis, luctus, et fletus Rachel plorantis filios suos, et nolentis consolari super eis quia non sunt. (Um clamor se ouve em Ramá, de lamento, de choro e de amargura. É Raquel que chora por seus filhos e recusa ser consolada porque eles já não existem. – Jr 31,15)

            A tranquilidade da sagrada família não seria de longa duração. Assim que José retornou à casa pobre em Nazaré, um anjo do Senhor apareceu-lhe em um sonho e lhe disse: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo”.
            E isso era a pura verdade. O cruel Herodes, enganado pelos magos e furioso por ter perdido uma oportunidade tão boa, a fim de se livrar daquele que ele considerava um concorrente ao trono, concebeu o projeto infernal de mandar matar todas as crianças do sexo masculino com menos de dois anos de idade. Essa ordem abominável foi executada.
            Um grande rio de sangue correu pela Galileia. Então, o que Jeremias havia predito se tornou realidade: “Um clamor se ouve em Ramá, de lamento, de choro, de amargura. É Raquel que chora seus filhos e recusa ser consolada, porque eles já não existem!”. Esses pobres inocentes, cruelmente assassinados, foram os primeiros mártires da divindade de Jesus Cristo.
            José reconheceu a voz do anjo, mas não se permitiu qualquer reflexão sobre a partida apressada que tiveram que fazer, sobre as dificuldades de uma viagem tão longa e perigosa. Ele deve ter se lamentado de ter deixado seu pobre lar para atravessar os desertos e buscar asilo em um país que não conhecia. Sem esperar pelo dia de amanhã, no momento em que o anjo desapareceu, ele se levantou e correu para acordar Maria. Maria preparou apressadamente uma pequena provisão de roupas e mantimentos para levarem com eles. Enquanto isso, José preparou a jumenta, e eles partiram sem lamentação de sua cidade para obedecer à ordem de Deus. Aqui está, portanto, um pobre ancião, que torna vãs as horríveis conspirações do tirano da Galileia; é a ele que Deus confia o cuidado de Jesus e Maria.

Capítulo XII. Viagem desastrosa – Uma tradição.
Si persequentur vos in civitate ista, fugite in aliam. (Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra – Mt 10,23).

            Dois caminhos se apresentavam ao viajante que desejava ir ao Egito por terra. Uma delas passava por desertos povoados por animais ferozes, e os caminhos eram incômodos, longos e pouco movimentados. O outro passava por um local pouco frequentado, mas os habitantes do lugar eram muito hostis aos judeus. José, que temia especialmente os homens nessa fuga precipitada, escolheu o primeiro desses dois caminhos como o mais escondido.
            Tendo partido de Nazaré no mais escuro da noite, os cautelosos viajantes, cujo itinerário exigia que passassem primeiro por Jerusalém, percorreram os caminhos mais tristes e tortuosos por algum tempo. Quando era necessário atravessar alguma grande estrada, José, deixando Jesus e sua mãe no abrigo de uma rocha, observava o caminho para se certificar de que a saída não era guardada pelos soldados de Herodes. Tranquilizado por essa precaução, voltava para buscar seu precioso tesouro, e a sagrada família continuava sua jornada, entre ravinas e colinas. De vez em quando, faziam uma breve parada à beira de um riacho claro e, depois de uma refeição frugal, descansavam um pouco do esforço da viagem. Quando a noite chegava, era hora de se resignar a dormir sob o céu aberto. José tirou o manto e cobriu Jesus e Maria com ele para preservá-los da umidade da noite. Então, amanhã, ao amanhecer, a árdua jornada começaria novamente. Os santos viajantes, depois de passarem pela pequena cidade de Anata, seguiram para o lado de Ramla para descer às planícies da Síria, onde agora estariam livres das armadilhas de seus ferozes perseguidores. Contra seu costume, eles continuaram caminhando, apesar de já estar anoitecendo, a fim de chegarem mais cedo a um lugar seguro. José estava como que sondando o chão à frente dos outros. Maria, toda trêmula por causa dessa corrida noturna, lançava seus olhares inquietos para as profundezas dos vales e as sinuosidades das rochas. De repente, em uma curva, um grupo de homens armados apareceu para interceptar seu caminho. Era um bando de bandidos que estava assolando a região, cuja fama assustadora se estendia até bem longe. José prendeu a montaria de Maria e orou ao Senhor em silêncio, pois qualquer resistência era impossível. No máximo, alguém poderia ter a esperança de salvar a própria vida. O líder dos bandidos se separou de seus companheiros e avançou em direção a José para ver com quem tinha que lidar. A visão daquele velho sem armas, daquela criancinha dormindo no peito da mãe, tocou o coração sanguinário do bandido. Longe de fazer-lhes qualquer mal, ele estendeu a mão a José, oferecendo hospitalidade a ele e à sua família. Esse líder se chamava Dimas. A tradição nos diz que, trinta anos depois, ele foi preso por soldados e condenado a ser crucificado. Ele foi colocado na cruz do Calvário ao lado de Jesus, e é o mesmo que conhecemos pelo nome de bom ladrão.

Capítulo XIII. Chegada ao Egito – Prodígios ocorridos em sua entrada nessa terra – Aldeia de Matari – Moradia da Sagrada Família.
Ecce ascendet Dominus super nubem levem et commovebuntur simulacra Aegypti. (Vede o Senhor, montado em nuvem veloz, invadindo o Egito! […] e vacilam os deuses do Egito. – Is 19,1)

            Assim que amanheceu, os fugitivos, agradecendo aos bandidos que haviam se tornado seus anfitriões, retomaram sua jornada cheia de perigos. Diz-se que Maria, ao partir, disse estas palavras ao líder daqueles bandidos: “O que você fez por esta criança, um dia será amplamente recompensado”. Depois de passar por Belém e Gaza, José e Maria desceram para a Síria e, tendo encontrado uma caravana que partia para o Egito, juntaram-se a ela. Desse momento até o fim da viagem, eles não viram nada à sua frente além de um imenso deserto de areia, cuja aridez era interrompida apenas em raros intervalos por alguns oásis, ou seja, alguns trechos de terra fértil e verdejante. O cansaço deles foi redobrado durante a corrida por essas planícies ardentes pelo calor do sol. A comida era escassa, e muitas vezes faltava água. Quantas noites José, que era velho e pobre, foi empurrado para trás quando tentou se aproximar da fonte em que a caravana havia parado para matar a sede!
            Finalmente, após dois meses de uma jornada muito difícil, os viajantes entraram no Egito. De acordo com Sozomeno, desde o momento em que a Sagrada Família tocou essa terra antiga, as árvores baixaram seus galhos para adorar o Filho de Deus; os animais ferozes se reuniram ali, esquecendo seus instintos; e os pássaros cantaram em coro os louvores do Messias. De fato, se acreditarmos no que nos é dito por autores confiáveis, todos os ídolos da província, reconhecendo o vencedor do paganismo, caíram em pedaços. Assim, as palavras do profeta Isaías foram literalmente cumpridas quando ele disse: “Vede o Senhor, montado em nuvem veloz, invadindo o Egito! À sua presença, vacilam os deuses do Egito”.
            José e Maria, desejosos de chegar logo ao fim de sua jornada, não fizeram mais do que passar por Heliópolis, consagrada ao culto do sol, para ir a Matari, onde pretendiam descansar de suas canseiras.
            Matari é uma bela vila sombreada por sicômoros, a cerca de duas léguas do Cairo, a capital do Egito. José pretendia se estabelecer ali. Mas esse ainda não era o fim de seus problemas. Ele precisava buscar acomodação. Os egípcios não eram nada hospitaleiros, de modo que a sagrada família foi forçada a se abrigar por alguns dias no tronco de uma grande e velha árvore. Finalmente, após uma longa busca, José encontrou um cômodo modesto, no qual colocou Jesus e Maria.
            Essa casa, que ainda pode ser vista no Egito, era uma espécie de caverna, com seis metros de comprimento e três metros de largura. Também não havia janelas; a luz tinha de entrar pela porta. As paredes eram de um tipo de barro preto e sujo, cuja idade trazia a marca da miséria. À direita havia uma pequena cisterna, da qual José tirava água para o serviço da família.

Capítulo XIV. Dores. – Consolação e fim do exílio.
Cum ipso sum in tribulatione. (Perto dele estarei na desgraça – Sl 90(91),15).

            Assim que entrou nessa nova moradia, José retomou seu trabalho normal. Começou a mobiliar a casa: uma pequena mesa, algumas cadeiras, um banco, tudo obra de suas mãos. Depois, foi de porta em porta procurando trabalho para sustentar sua pequena família. Sem dúvida, ele sofreu muitas rejeições e passou por muitos desprezos humilhantes! Ele era pobre e desconhecido, e isso foi suficiente para que seu trabalho fosse recusado. Por sua vez, Maria, embora tivesse mil cuidados com seu Filho, corajosamente se entregou ao trabalho, ocupando uma parte da noite para compensar os ganhos pequenos e insuficientes de seu esposo. No entanto, em meio a suas tristezas, quanta consolação para José! Foi para Jesus que ele trabalhou, e o pão que o menino divino comeu foi ele que o adquiriu com o suor de seu rosto. E quando ele voltava à noite, exausto e oprimido pelo calor, Jesus sorria ao vê-lo chegar e o acariciava com suas mãozinhas. Muitas vezes, com o preço das privações que impunha a si mesmo, José conseguia obter algumas economias, e que alegria ele sentia por poder usá-las para suavizar a condição do menino divino! Ora eram algumas tâmaras, ora alguns brinquedos adequados para sua idade, que o piedoso carpinteiro trouxe para o Salvador dos homens. Oh, como eram doces as emoções do bom velhinho ao contemplar o rosto radiante de Jesus! Quando chegava o sábado, dia de descanso e consagrado ao Senhor, José tomava a criança pela mão e guiava seus primeiros passos com uma solicitude verdadeiramente paternal.
            Enquanto isso, o tirano que reinava sobre Israel morreu. Deus, cujo braço todo-poderoso sempre pune os culpados, enviou-lhe uma doença cruel, que rapidamente o levou à sepultura. Traído por seu próprio filho, comido vivo por vermes, Herodes morreu, levando consigo o ódio dos judeus e a maldição da posteridade.

Capítulo XV. O novo anúncio. – Retorno à Judeia. – Uma tradição relatada por São Boaventura.
Ex Aegypto vocavi filium meum. (Do Egito chamei o meu filho. – Os 11,1)

            Há sete anos José estava no Egito, quando o Anjo do Senhor, o mensageiro ordinário da vontade do Céu, apareceu-lhe novamente durante o sono e disse-lhe: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e volta para a terra de Israel; pois já morreram aqueles que queriam matar o menino”. Sempre atento à voz de Deus, José vendeu sua casa e seus móveis e organizou tudo para partir. Em vão os egípcios, encantados com a bondade de José e a gentileza de Maria, fizeram pedidos sinceros para retê-lo. Em vão lhe prometeram a abundância de tudo o que era necessário para a vida, José foi inflexível. As lembranças de sua infância, os amigos que tinha na Judeia, a atmosfera pura de sua terra natal, falavam muito mais ao seu coração do que a beleza do Egito. Além disso, Deus havia falado, e nada mais era necessário para que José decidisse retornar à terra de seus antepassados.
            Alguns historiadores são da opinião de que a sagrada família fez parte da viagem por mar, porque levava menos tempo e eles tinham um grande desejo de rever sua terra natal em breve. Assim que desembarcaram em Ascalônia, José soube que Arquelau havia sucedido seu pai Herodes no trono. Essa era uma nova fonte de inquietação para José. O anjo não lhe havia dito em que parte da Judeia ele deveria se estabelecer. Ele deveria fazer isso em Jerusalém, na Galileia ou na Samaria? José, cheio de ansiedade, orou ao Senhor para que lhe enviasse seu mensageiro celestial durante a noite. O anjo ordenou que ele fugisse de Arquelau e se retirasse para a Galileia. José, então, não teve mais o que temer e tomou calmamente o caminho de Nazaré, que havia abandonado sete anos antes.
            Que nossos dedicados leitores não se arrependam de ouvir o seráfico Doutor São Boaventura sobre esse ponto da história: “Eles estavam no ato de partir: e José foi primeiro com os homens, e sua mãe foi com as mulheres (que tinham vindo, elas e eles, como amigos da sagrada família para acompanhá-los durante um trecho do caminho). E quando estavam fora da porta, José fez com que os homens voltassem e não os deixou mais acompanhá-lo. Então alguns daqueles bons homens, compadecidos da pobreza deles, chamaram o Menino e lhe deram algum dinheiro para as despesas. O Menino tinha vergonha de recebê-los; mas, por causa da pobreza, estendeu a mão e recebeu o dinheiro com vergonha e agradeceu. E o mesmo fizeram outras pessoas. Aquelas honradas matronas o chamaram novamente e fizeram o mesmo; a mãe não ficou menos envergonhada do que a criança, mas ainda assim agradeceu humildemente.”
            Tendo se despedido daquela companhia cordial e renovado seus agradecimentos e saudações, a sagrada família voltou seus passos em direção à Judeia.

Capítulo XVI. Chegada de José a Nazaré. – Vida doméstica com Jesus e Maria.
Constituit eum dominum domus suae. (Fez dele o chefe da sua casa – Sl 104(105),20)

            Os dias de exílio finalmente haviam terminado. José pôde ver novamente sua terra natal, que lhe trouxe as melhores lembranças. Seria preciso amar o próprio país como os judeus o amavam naquela época para entender as doces impressões que encheram a alma de José, quando a visão de Nazaré apareceu ao longe. O humilde patriarca acelerou o passo da montaria de Maria, e eles logo chegaram às ruas estreitas de sua querida cidade.
            Os nazarenos, que não sabiam a causa da partida do piedoso trabalhador, viram seu retorno com alegria. Os chefes de família vieram dar as boas-vindas a José e apertar a mão do velho, cuja cabeça tinha encanecido longe de sua terra natal. As filhas saudaram a humilde Virgem, cuja graça era ainda maior pelo cuidado com que ela cercava seu filho divino. O amado Jesus viu os meninos de sua idade se aproximarem dele e, pela primeira vez, ouviu a língua de seus antepassados em vez da amarga língua do exílio.
            Mas o tempo e o abandono haviam reduzido a pobre casa de José a um péssimo estado. A grama selvagem havia crescido sobre as paredes, e os cupins haviam se apossado dos velhos móveis da sagrada família.
            Algumas das terras ao redor da casa foram vendidas e, com seu preço, foram comprados os utensílios domésticos mais necessários. Os parcos recursos do casal foram empregados nas compras mais indispensáveis. José ficou sem nada além de sua oficina e de seus braços. Mas a estima que todos sentiam pelo santo homem, a confiança que as pessoas tinham em sua boa fé e em sua capacidade, fez com que, pouco a pouco, o trabalho e os clientes voltassem para ele, e o corajoso carpinteiro logo retomou seu trabalho habitual. Ele havia envelhecido em seu trabalho, mas seu braço ainda era forte, e seu ardor ainda aumentava depois de ter sido encarregado de alimentar o Salvador da humanidade.
            Jesus estava crescendo em idade e sabedoria. Da mesma forma que José guiou seus primeiros passos, quando ele ainda era uma criança, ele também deu a Jesus seu primeiro conhecimento do trabalho. Ele segurou sua mãozinha e a orientou, ensinando-o a desenhar linhas e a manusear a plaina. Ele ensinou a Jesus as dificuldades e a prática do ofício. E o Criador do mundo permitiu-se ser guiado por seu servo fiel, que ele havia escolhido como pai!
            José, que era assíduo nos ofícios do templo sagrado, assim como era diligente nos deveres de seu trabalho; observava estritamente a lei de Moisés e a religião de seus antepassados. Assim, ele nunca era visto trabalhando em um dia festivo, pois havia entendido que um dia por semana nunca é demais para orar ao Senhor e agradecer-lhe por seus favores. Todos os anos, nas três grandes festas judaicas, Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos, ele ia ao templo em Jerusalém na companhia de Maria. Normalmente, ele deixava Jesus em Nazaré, porque se cansaria demais pela longa viagem; e sempre costumava pedir a um de seus vizinhos para que tomasse conta da criança na ausência de seus pais.

Capítulo XVII. Jesus vai com Maria, sua mãe, e São José para celebrar a Páscoa em Jerusalém. – Ele se perdeu e foi encontrado depois de três dias.
Fili, quid fecisti nobis sic? Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te. Quid est quod me quaerebatis? Nesciebatis quia in his quae Patris mei sunt oportet me esse? (Filho, por que agiste assim conosco? Olha, teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura! Ele respondeu: Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devo estar naquilo que é de meu Pai? – Lc 2,48-49)

            Quando Jesus completou doze anos de idade e a festa da Páscoa estava se aproximando, José e Maria o consideraram forte o suficiente para suportar a viagem e o levaram consigo para Jerusalém. Eles ficaram cerca de sete dias na cidade santa para celebrar a Páscoa e realizar os sacrifícios ordenados pela lei.
            Quando a festa da Páscoa terminou, eles retomaram a estrada de volta para Nazaré, em meio a seus parentes e amigos. A caravana era muito numerosa. Na simplicidade de seus costumes, as famílias da mesma cidade ou aldeia voltavam para suas casas em alegres grupos, nos quais os velhos conversavam seriamente com os velhos, as mulheres com as mulheres, enquanto os meninos corriam e brincavam juntos pelo caminho. Assim, José, não vendo Jesus perto de si, acreditava que ele estava com sua mãe ou com os meninos de sua idade, como era natural. Maria também andava entre suas companheiras, igualmente convencida de que o menino estava seguindo os outros. Quando chegou a noite, a caravana parou na pequena cidade de Machmas para passar a noite. José foi procurar Maria, mas qual não foi a surpresa e a tristeza deles quando perguntaram um ao outro onde estava Jesus? Nem um nem o outro o tinham visto depois de sair do templo; os meninos, por sua vez, não podiam dar notícias dele. Ele não estava com eles.
            Imediatamente José e Maria, apesar do cansaço, partiram novamente para Jerusalém. Pálidos e inquietos, eles refizeram o caminho que já haviam percorrido naquele mesmo dia. Os arredores ecoavam com seus gritos de pesar; José chamava por Jesus, mas ele não respondia. Ao amanhecer, chegaram a Jerusalém, onde, segundo o evangelho, passaram três dias inteiros procurando seu amado filho. Como o coração de José sofreu com isso! E quanto ele teve de se repreender por um momento de distração! Finalmente, no final do terceiro dia, esses pais desolados entraram no templo, mais para invocar a luz do alto do que com a esperança de encontrar Jesus ali. Mas qual não foi a surpresa e a admiração deles ao ver o menino divino no meio dos doutores, maravilhados com a sabedoria de suas conversas, com as perguntas e respostas que ele lhes dava! Maria, cheia de alegria por ter encontrado seu filho, não pôde, no entanto, deixar de expressar-lhe a inquietação que a afligia: “Filho, por que agiste assim conosco? Olha, teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura!” Ele respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devo estar naquilo que é de meu Pai?” O evangelho acrescenta que José e Maria não entenderam imediatamente essa resposta. Felizes por terem encontrado Jesus, eles voltaram tranquilamente para sua pequena casa em Nazaré.

Capítulo XVIII. Continuação da vida doméstica da sagrada família.
Et erat subditus illis. (E Jesus lhes era obediente. – Lc 2,51)

            Depois de relatar os principais atos da vida de Jesus até a idade de doze anos, neste ponto o santo Evangelho conclui toda a vida privada de Jesus até a idade de trinta anos com estas breves palavras: “Jesus era obediente a Maria e José, et erat subditus illis”. Essas palavras, embora ocultem de nossos olhos a glória de Jesus, revelam num aspecto magnífico a grandeza de José. Se o educador de um príncipe ocupa uma dignidade honrosa no estado, qual deve ser a dignidade de José, enquanto lhe foi confiada a educação do Filho de Deus! Jesus, cuja força havia crescido com o passar dos anos, tornou-se aluno de José. Ele o acompanhou em seus dias de trabalho e, sob sua orientação, aprendeu o ofício de carpinteiro. São Cipriano, bispo de Cartago, escreveu por volta do ano 250 da era cristã que os arados feitos pelas mãos do Salvador ainda eram guardados com veneração. Sem dúvida, foi José quem forneceu o modelo e quem dirigiu a mão do Criador de todas as coisas em sua oficina.
            Jesus queria dar aos homens o exemplo de obediência, mesmo nas menores circunstâncias da vida. Assim, em Nazaré, ainda pode ser visto um poço onde José enviava o menino divino para tirar água para as necessidades da família.
            Não temos detalhes sobre esses anos laboriosos que José passou em Nazaré com Jesus e Maria. O que podemos dizer, sem medo de nos enganarmos, é que José trabalhou incansavelmente para ganhar seu pão. A única distração que ele se permitia era conversar bem e frequentemente com o Salvador, cujas palavras permaneceram profundamente gravadas em seu coração.
            Aos olhos dos homens, Jesus passava por filho de José. E esse, cuja humildade era tão grande quanto sua obediência, guardava dentro de si o mistério que deveria proteger com sua presença. “José”, diz Bossuet, “via Jesus e ficava em silêncio; ele o apreciava e calava; contentava-se apenas com Deus, sem compartilhar sua glória com os homens. Ele cumpriu sua vocação, pois assim como os apóstolos eram ministros de Jesus Cristo conhecido, José era o ministro e companheiro de sua vida oculta”.

Capítulo XIX. Últimos dias de São José. Sua preciosa agonia.
O nimis felix, nimis o beatus Cuius extremam vigiles ad horam Christus et Virgo simul astiterunt Ore sereno! (Ó alma piedosa e feliz, que, no último momento de teu exílio, desfrutaste ao lado de Jesus e Maria o belo semblante. – A Santa Igreja no ofício de São José).

            José estava chegando ao seu octogésimo ano, e Jesus não tardaria a deixar sua casa para receber o batismo de João Batista, quando Deus chamou seu fiel servo para si. Trabalhos e fadigas de todos os tipos haviam desgastado o robusto estado de espírito de José, e ele mesmo sentiu que seu fim estava próximo. Afinal de contas, sua missão na Terra estava concluída, e era justo que ele finalmente recebesse a recompensa que suas virtudes mereciam.
            Por um favor muito especial, um anjo veio avisá-lo de que sua morte se aproximava. Ele estava pronto para comparecer diante de Deus. Toda a sua vida tinha sido apenas uma série de atos de obediência à vontade divina e ele pouco se importava com a vida, pois era uma questão de obedecer a Deus que o chamava para a vida feliz. De acordo com o testemunho unânime da tradição, José não morreu em sofrimentos agudos da doença. Ele morreu suavemente, como uma chama cujo alimento acabou.
            Deitado em seu leito de morte, com Jesus e Maria ao seu lado, José ficou arrebatado em êxtase por vinte e quatro horas. Seus olhos então viram claramente as verdades que sua fé havia acreditado até então sem entender. Ele penetrou no mistério de Deus feito homem e na grandeza da missão que Deus havia confiado a ele, um pobre mortal. Ele testemunhou em espírito as tristezas da paixão do Salvador. Quando acordou, seu rosto estava iluminado e como que transfigurado por uma beleza celestial. Um perfume delicioso encheu o quarto em que ele estava deitado e também se espalhou do lado de fora, anunciando assim aos vizinhos do santo homem que sua alma pura e bela estava prestes a passar para um mundo melhor.
            Em uma família de almas pobres e simples que se amam com aquele amor puro e cordial que dificilmente pode ser encontrado no seio da grandeza e da abundância, quando essas pessoas desfrutaram os anos de peregrinação em santa união e que, assim como compartilhavam as alegrias domésticas, também compartilhavam as tristezas santificadas pelo conforto religioso, se acontecer de essa bela paz ser obscurecida pela separação de um membro querido, oh, como o coração se sente angustiado com a separação!
            Jesus tinha como Deus um pai no céu que lhe comunicou sua substância e natureza divinas desde toda a eternidade, fazendo com que a glória celestial de sua pessoa na Terra fosse eterna (embora velada por restos mortais); Maria teve Jesus na Terra que encheu seu coração de paraíso. Quem, no entanto, negaria que Jesus e Maria, estando agora perto do Patriarca moribundo e deixando até mesmo a ternura de seus corações à mercê da natureza, não sofreram por terem que se separar temporariamente de seu fiel companheiro na Terra? Maria não podia esquecer os sacrifícios, as dores, as dificuldades que José teve de sofrer por ela nas dolorosas viagens a Belém e ao Egito. É verdade que José, por estar continuamente em sua companhia, era compensado pelo que sofria; mas se isso era um argumento de conforto para alguém, não era uma razão que dispensava o terno coração da outra de um sentimento de gratidão. José a havia servido não apenas com todo o afeto de um esposo, mas também com toda a fidelidade de um servo e a humildade de um discípulo, venerando nela a Rainha do céu, a Mãe de Deus. Ora, Maria certamente não havia deixado passar despercebidos tantos sinais de veneração, obediência e estima, e não podia deixar de sentir profunda e verdadeira gratidão por José.
            E Jesus, que em matéria de amor certamente não deveria ser inferior a nenhum deles, uma vez que havia disposto nos decretos de sua divina Providência que José deveria ser seu guardião e protetor na Terra, uma vez que essa proteção também teve de custar a José tantos sofrimentos e trabalhos, Jesus também deve ter sentido em seu coração mais amoroso os mais doces sentimentos de grata lembrança. Ao contemplar aqueles braços magros dispostos em cruz sobre seu peito cansado, ele se lembrou de quantas vezes eles se abriram para abraçá-lo quando ele estava chorando em Belém, como trabalharam para levá-lo ao Egito, como se desgastaram no trabalho para manter-lhe o pão da vida. Quantas vezes aqueles lábios queridos se aproximaram reverentemente para lhe imprimir beijos amorosos ou para aquecer seus membros enrijecidos no inverno; e aqueles olhos, que estavam prestes a se fechar à luz do dia, quantas vezes se abriram para chorar, honrando os sofrimentos dele e de Maria, quando ela teve de contemplá-lo fugindo para o Egito, mas especialmente quando por três dias ela o chorou perdido em Jerusalém. Essas evidências de amor inabalável certamente não foram esquecidas por Jesus naqueles últimos momentos da vida de José. Por isso, imagino que Maria e Jesus, na expansão do paraíso naquelas últimas horas da vida de José, também tenham honrado, como no túmulo de seu amigo Lázaro, com o derramamento das mais puras lágrimas, aquele último adeus solene. Ah, sim, José tinha o paraíso diante de seus olhos! Ele virou o olhar para um lado e viu a aparência de Maria, segurou as mãos santíssimas dela, recebeu seus últimos cuidados e ouviu suas palavras de consolo. Voltou os olhos para o outro lado e encontrou o olhar majestoso e onipotente de Jesus, e sentiu as mãos divinas segurando sua cabeça, enxugando seu suor e recolhendo de seus lábios consolos, ações de graças, bênçãos e promessas. E me parece que Maria estava dizendo: “José, você está nos deixando; você terminou a peregrinação do exílio, você me precederá em sua paz, descendo primeiro ao seio de nosso pai Abraão; oh, José, como sou grata pela doce companhia que você me fez, pelos bons exemplos que me deu, pelo cuidado que teve comigo e com minhas coisas e pelos sofrimentos mais dolorosos que sofreu por minha causa! Oh, você está me deixando, mas viverá sempre em minha memória e em meu coração. Tenha coragem, José, quoniam appropinquat redemptio nostra [porque se aproxima a nossa redenção]”. E parece-me que Jesus disse: “Meu José, você morre, mas eu também morrerei e, se eu morrer, você deve estimar a morte e amá-la como uma recompensa. José, curto é o tempo de escuridão e expectativa. Diga isso a Abraão e Isaque, que ansiavam por me ver e não pudeeram; diga isso àqueles que esperaram muitos anos por minha vinda naquela escuridão e fale-lhes da libertação vindoura; diga isso a Noé, a José, a Davi, a Judite, a Jeremias, a Ezequiel, a todos os Pais que precisam esperar mais três anos, e então a Hóstia e o Sacrifício serão consumidos e a iniquidade do mundo será eliminada. Enquanto isso, após esse curto período de tempo, você será revivido, glorioso e belo, e comigo, mais glorioso e mais belo, você se elevará na embriaguez do triunfo. Fique feliz, querido guardião da minha vida, você foi bom e generoso comigo, mas ninguém pode me vencer em gratidão.” A Santa Igreja expressa os últimos cuidados amorosos de Jesus e Maria para com São José com estas palavras: “Cuius extremas vigiles ad horas Christus et Mater simul astiterunt ore sereno.” Nas últimas horas de São José, com um semblante sereno, Jesus e Maria o assistiram com a mais amorosa vigilância.

(continua)




Salesianos em Tarnowskie Góry

Na Polônia há um lugar, talvez único, onde os salesianos cuidam de jovens de diferentes origens sociais. Crianças e jovens de áreas urbanas e rurais, ricos e pobres, deficientes, abandonados pelos pais, marginalizados se reúnem numa única obra. Alguns estudam na escola, outros encontraram aqui um lar, um pátio, um lugar para encontrar Deus. Há vinte e cinco anos, o Instituto Salesiano de Tarnowskie Góry é uma segunda casa não só para os jovens, mas também um lugar onde diferentes realidades se misturam, apoiando o homem, todos os homens.

Uma breve história
Tarnowskie Góry é uma cidade de sessenta mil habitantes localizada na Alta Silésia, uma região muito especial no mapa da Polônia devido à sua cultura original, dialeto e numerosas tradições. É uma cidade com uma história rica, cujas origens estão ligadas às minas de prata que funcionaram aqui do final do século XV até o início do século XX. A dedicação ao trabalho e a lealdade à tradição ainda hoje caracterizam os habitantes dessa área.

Os salesianos da Inspetoria de Wroclaw (PLO) chegaram a Tarnowskie Góry na virada de 1998-1999 para assumir os prédios do antigo instituto de reabilitação para deficientes, localizado em um belo parque natural conhecido como Parque de Repty. O parque pertencia à rica família Donnersmarck, que construiu um palácio e alojamentos para os empregados. Após a Segunda Guerra Mundial, o palácio foi destruído e em seu lugar foi instalado um hospital para mineiros vítimas de acidentes. O prédio dos empregados foi ampliado e foi criada uma instituição para reabilitar e adaptar mineiros e outras pessoas com deficiência. Com o tempo, essa instituição passou a se chamar Instituto de Reabilitação para Deficientes e foi entregue aos Salesianos. Uma vez concluído o trabalho mais necessário, a presença salesiana na cidade foi solenemente inaugurada em 30 de setembro de 1999. É uma presença especial, pois não se trata apenas de uma escola salesiana com oratório, mas de toda a estrutura necessária para acolher e integrar os deficientes.

A estrutura do Instituto
Hoje a estrutura do Instituto Salesiano inclui:
– Escola Primária e Secundária com 633 alunos no ano letivo de 2023-2024;
– Escola para Necessidades Especiais com quase 50 alunos e um internato, principalmente para deficientes, onde vivem 30 alunos;
– Centro de Cuidados para Pessoas com Deficiência, com cerca de 40 pessoas;
– o Centro de Reabilitação, que oferece quase 870 serviços de reabilitação por ano para quase 530 jovens menores;
– o Oratório, onde cerca de 70 jovens recebem formação;
– o Centro de Hospitalidade, que recebe vários grupos para retiros ou atividades recreativas.
Mais de 150 pessoas trabalham no Instituto, cuidando diariamente dos jovens.

As escolas
A riqueza das escolas está nos alunos e professores. As escolas do Instituto empregam professores que, além de seu treinamento especializado, têm qualificações em pedagogia e terapia especiais. As habilidades desses professores são uma resposta às necessidades especiais dos alunos com deficiências físicas e dificuldades específicas de aprendizagem, que não faltam nas escolas salesianas de Tarnowskie Góry. Os professores são criativos, aprimoram constantemente suas habilidades e têm muita experiência em seu trabalho.

O programa educativo das escolas é derivado dos princípios do Sistema Educativo Salesiano e leva em conta especialmente a fórmula de integração desse trabalho. Ao mesmo tempo, o programa define a especificidade da escola católica e salesiana, que baseia suas atividades educativas nos valores cristãos. Em particular, os jovens são educados na aceitação e na formação de si mesmos de acordo com suas habilidades e as limitações derivadas da deficiência; na gentileza e na tolerância da visão de mundo, da religião e da raça; em viver e agir de acordo com os ensinamentos da Igreja Católica; no patriotismo e na preocupação com o bem comum; na sensibilidade ao destino dos outros; na capacidade de lidar com a preparação para a vida profissional, familiar e pessoal; na verdade, na independência, na responsabilidade; na comunhão com a natureza e no uso de seus bens; na formação da cultura pessoal.

Escola para portadores de necessidades especiais com internato

A Escola para Necessidades Especiais com internato recebe alunos com deficiências de toda a Polônia. O objetivo da escola e do internato é permitir que os alunos recebam uma educação adequada às suas habilidades e fornecer cuidados educativos abrangentes, bem como permitir a participação na reabilitação terapêutica e social e preparar os alunos para a participação independente na vida social. Essa parte do trabalho salesiano em Tarnowskie Góry faz com que a dimensão da casa esteja presente de maneira especial, de acordo com os critérios do Sistema Preventivo de Dom Bosco, e sensibiliza toda a comunidade para com os jovens mais necessitados.

Centro de assistência para pessoas com deficiência
O centro de assistência para pessoas com deficiências é uma estrutura pública dentro da obra salesiana que realiza as tarefas de reabilitação social e profissional. Auxilia no desenvolvimento geral, melhorando a idoneidade dos adultos para funcionar da forma mais independente e ativa possível em seu ambiente. As atividades de reabilitação são adaptadas às capacidades e habilidades individuais dos participantes. Eles têm acesso a oficinas terapêuticas adequadamente equipadas, conduzidas por terapeutas e instrutores qualificados.

Centro de Reabilitação
É uma instituição criada para oferecer atividades terapêuticas e de reabilitação permanentes e abrangentes para alunos deficientes e alunos com necessidades especiais. Essa é uma vantagem indiscutível do Instituto Salesiano, pois os jovens que precisam de reabilitação podem se beneficiar dela em seu local de estudo e residência e em horários coordenados com as atividades escolares.

Oratório

O Oratório é a concretização da ideia fundamental de Dom Bosco: criar um ambiente para os jovens que seja casa, escola, pátio e igreja. Oferece aos alunos e aos responsáveis pelo Centro, bem como às crianças e aos jovens de fora, a oportunidade de: passar bem o tempo livre, desenvolver suas habilidades sociais, artísticas e intelectuais, educá-los para serem ativos e agirem para o bem dos outros, e dar-lhes a chance de aprofundar sua vida espiritual. Os jovens, especialmente os alunos das escolas, são formados para serem “bons cristãos e honestos cidadãos” na vida adulta; eles participam da formação na comunidade local, mas também em nível da Inspetoria de Wroclaw. Eles prestam serviços aos jovens tanto na escola quanto fora dela, como no verão para jovens.

Hospitalidade
O Centro oferece um local para receber hóspedes que desejam descansar, renovar-se espiritualmente e apreciar a beleza da paisagem circundante. De fato, durante todo o ano, o Instituto recebe vários grupos, especialmente aqueles que desejam vivenciar momentos de formação ou retiro.

A Colina das Bem-Aventuranças, onde se realiza o sonho de Dom Bosco
O coração da obra salesiana em Tarnowskie Góry é uma capela dedicada a Dom Bosco. No altar, há uma estátua do educador de Turim que indica a meta a São Domingos Sávio: o céu. De fato, o objetivo da atividade salesiana em Tarnowskie Góry é a educação por meio da evangelização e a evangelização por meio da educação. É interessante notar que o Instituto está situado em uma colina. É, em certo sentido, a “colina das bem-aventuranças”: aqui Deus abençoa verdadeiramente os jovens, aqui lhes ensina o modo de vida segundo as bem-aventuranças do Evangelho pelas mãos de professores e educadores. Nessa colina, todos os dias, o sonho de Dom Bosco é realizado, mesmo que às vezes tenha que ser realizado ao longo de um caminho repleto de espinhos, como ele mesmo sonhou: “Aqui está o teu campo, aqui é onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte e robusto (…). A seu tempo tudo compreenderás”.

dom Krystian SUKIENNIK, sdb




Vida de São José, esposo de Maria Santíssima, pai putativo de Jesus Cristo (1/3)

São José é patrono da Igreja e também copatrono da Congregação Salesiana. Desde o início, Dom Bosco quis associá-lo como protetor da nascente obra em favor dos jovens. Certo de sua poderosa intercessão, quis difundir seu culto e escreveu uma vida com esse objetivo, mais para instruir do que para meditar. Desejamos apresentar a seguir.

Prefácio

            Em uma época em que a devoção ao glorioso pai putativo de Jesus, São José, parece ser tão universal, acreditamos que não seria fora de propósito para nossos leitores se fosse publicado hoje um fascículo sobre a vida desse santo.
            As dificuldades encontradas para localizar os fatos particulares da vida desse santo nos escritos antigos também não devem diminuir em nada nossa estima e veneração por ele; pelo contrário, no silêncio sagrado com que sua vida é cercada, encontramos algo misterioso e grandioso. São José recebeu de Deus uma missão totalmente oposta à dos apóstolos (Bossuet). Estes últimos deviam tornar Jesus conhecido; José devia mantê-lo escondido; eles deviam ser tochas que o mostravam ao mundo, aquele um véu que o cobria. Então, José não era para si mesmo, mas para Jesus Cristo.
            Portanto, estava na economia da Divina Providência que São José se mantivesse oculto, mostrando-se apenas quando era necessário para autenticar a legitimidade do casamento com Maria e para eliminar qualquer suspeita a respeito de Jesus. Mas, embora não possamos penetrar no santuário do coração de José e admirar as maravilhas que Deus realizou ali, argumentamos que, para a glória de seu protegido divino, para a glória de sua esposa celestial, José teve de reunir em si mesmo um monte de graças e dons celestiais.
            Uma vez que a verdadeira perfeição cristã consiste em parecer tão grande diante de Deus quanto o menor diante dos homens, São José, que passou sua vida na mais humilde obscuridade, é capaz de fornecer o modelo daquelas virtudes que são como a flor da santidade, a santidade interior, de modo que o que Davi escreveu sobre a esposa sagrada pode ser dito muito bem de São José: Omnis gloria eius filia Regis ab intus [Toda a glória da filha do Rei está no interior] (Sl 44(45),14).
            São José é universalmente reconhecido e invocado como protetor dos moribundos, e isso por três razões: 1º pelo amoroso império que adquiriu sobre o Coração de Jesus, juiz dos vivos e dos mortos e seu filho putativo; 2º pelo extraordinário poder que Jesus Cristo lhe concedeu para vencer os demônios que assaltam os moribundos, e isso em recompensa pelo fato de o santo tê-lo salvado uma vez das armadilhas de Herodes; 3º pela sublime honra que José gozou ao ser assistido na hora da morte por Jesus e Maria. Que novo motivo importante há para que nos inflamemos em sua devoção?
            Ansiosos, portanto, por fornecer aos nossos leitores as principais características da vida de São José, procuramos entre as obras já publicadas algumas que servissem a esse propósito. Muitas delas já foram publicadas há alguns anos, mas ou porque eram muito volumosas ou muito estranhas em sua sublimidade ao estilo popular, ou porque careciam de dados históricos e foram escritas com o objetivo de servir como meditação em vez de instrução, elas não se adequavam ao nosso propósito. Aqui, portanto, reunimos do Evangelho e de alguns dos autores mais abalizados as principais informações sobre a vida desse santo, com algumas reflexões apropriadas dos santos Padres.
            Esperamos que a veracidade da narrativa, a simplicidade do estilo e a autenticidade das informações tornem agradável esse pequeno esforço. Se a leitura deste livreto servir para conseguir mais um devoto para o casto esposo de Maria, já estaremos muito satisfeitos.

Capítulo I. Nascimento de São José. Seu lugar de origem.
Ioseph, autem, cum esset iustus (São José era um homem justo – cf. Mt 1,19)

            A cerca de duas léguas [9,7 km] de Jerusalém, no cume de uma colina, cujo solo avermelhado está repleto de olivais, fica uma pequena cidade famosa para sempre por causa do nascimento do menino Jesus, a cidade de Belém, de onde a família de Davi tirou sua origem. Nessa pequena cidade, por volta do ano 3950 do mundo, nasceu aquele que, nos elevados desígnios de Deus, se tornaria o guardião da virgindade de Maria e o pai putativo do Salvador da humanidade.
            Seus pais lhe deram o nome de José, que significa aumento, como se quisessem nos dar a entender que ele foi enriquecido com os dons de Deus e generosamente preenchido com todas as virtudes desde o seu nascimento.
            Dois evangelistas relataram a genealogia de José. Seu pai tinha o nome de Jacó, de acordo com São Mateus (Mt 1,16), e de acordo com São Lucas, ele se chamava Heli (Lc 3,23); mas a opinião mais comum e mais antiga é a que nos foi transmitida por Júlio Africano, que escreveu no final do segundo século da era cristã. Fiel ao que lhe foi dito pelos próprios parentes do Salvador, ele nos conta que Jacó e Eli eram irmãos, e que Eli morreu sem filhos, Jacó casou-se com sua viúva, conforme prescrito pela lei de Moisés, e desse casamento nasceu José.
            Da linhagem real de Davi, descendente de Zorobabel, que trouxe o povo de Deus de volta do cativeiro da Babilônia, os pais de José estavam longe do antigo esplendor de seus ancestrais em termos de riqueza temporal. De acordo com a tradição, seu pai era um pobre trabalhador que ganhava seu sustento diário com o suor de seu rosto. Mas Deus, que não olha para a glória que é desfrutada diante dos homens, mas para o mérito da virtude aos seus próprios olhos, escolheu-o para ser o guardião da Palavra que desceu sobre a Terra. Além disso, a profissão de artesão, que em si mesma não tem nada de vergonhosa, era muito honrada entre o povo de Israel. De fato, todo israelita era um artesão, porque todo pai de família, independentemente de sua fortuna e da altura de sua posição, era obrigado a fazer com que seu filho aprendesse um ofício, a menos que, segundo a lei, ele quisesse torná-lo um ladrão.
            Pouco sabemos sobre a infância e a juventude de José. Da mesma forma que o garimpeiro, para encontrar o ouro que fará sua fortuna, é obrigado a lavar a areia do rio a fim de extrair dela o metal precioso que é encontrado apenas em partículas muito pequenas, também somos obrigados a procurar no Evangelho as poucas palavras que o Espírito Santo deixou espalhadas aqui e ali sobre José. Mas, assim como o garimpeiro, ao lavar seu ouro, dá a ele todo o seu esplendor, refletindo sobre as palavras do Evangelho, achamos apropriado a São José o mais belo elogio que pode ser dado a uma criatura. O livro sagrado se contenta em nos dizer que ele era um homem justo. Oh, palavra admirável que, por si só, expressa muito mais do que discursos inteiros! José era um homem justo e, em virtude dessa justiça, ele deveria ser julgado digno do sublime ministério de pai putativo de Jesus.
            Seus piedosos pais tiveram o cuidado de educá-lo na prática austera dos deveres da religião judaica. Sabendo o quanto a educação precoce influencia o futuro das crianças, eles se esforçaram para fazer com que ele amasse e praticasse a virtude logo que sua jovem inteligência fosse capaz de apreciá-la. Além disso, se é verdade que a beleza moral se reflete no exterior, bastava olhar para a querida pessoa de José para ler em suas feições a candura de sua alma. De acordo com autores autorizados, seu rosto, sua testa, seus olhos e todo o seu corpo exalavam a mais doce pureza e faziam com que ele se assemelhasse a um anjo descido sobre a terra.

(“Havia em José um exaltado recato, uma modéstia, uma suprema prudência; era excelente em piedade para com Deus e brilhava com uma maravilhosa beleza de corpo.” Eusébio de Cesareia, lib. 7 De praep. Evang. apud Engelgr. in Serm. s. Joseph).

Capítulo II. A juventude de José – Mudança para Jerusalém – Voto de castidade.
Bonum est viro cum portaverit iugum ab adolescentia sua. (É uma coisa boa para um homem ter carregado o jugo desde a adolescência. – cf. Lm 3,27)

            Assim que suas forças lhe permitiram, José ajudou seu pai em seu trabalho. Ele aprendeu o ofício de marceneiro, que, segundo a tradição, era também o ofício de seu pai. Quanta aplicação, quanta docilidade ele teve de usar em todas as lições que recebeu de seu pai!
            Seu aprendizado terminou exatamente quando Deus permitiu que seus pais lhe fossem tirados pela morte. Ele lamentou aqueles que haviam cuidado de sua infância, mas suportou essa dura provação com a resignação de um homem que sabe que nem tudo termina nesta vida mortal e que os justos são recompensados em um mundo melhor. Agora que não era mais retido em Belém, ele vendeu sua pequena propriedade e foi se estabelecer em Jerusalém. Ele esperava encontrar mais trabalho lá do que em sua cidade natal. Por outro lado, ele se aproximou do templo, onde sua piedade o atraía continuamente.
            Lá, José passou os melhores anos de sua vida entre o trabalho e a oração. Dotado de uma probidade perfeita, ele não tentava ganhar mais do que seu trabalho merecia, ele mesmo estabelecia o preço com uma boa fé admirável, e seus clientes nunca se sentiam tentados a pechinchar no preço, porque conheciam sua honestidade. Embora estivesse totalmente concentrado em seu trabalho, nunca permitiu que seus pensamentos se afastassem de Deus. Ah! Se alguém pudesse aprender com José essa preciosa arte de trabalhar e orar ao mesmo tempo, sem dúvida obteria o dobro do lucro; assim, garantiria a vida eterna ao ganhar o pão de cada dia com muito mais satisfação e lucro!
            De acordo com as tradições mais respeitáveis, José pertencia à seita dos essênios, uma seita religiosa que existia na Judeia na época em que foi conquistada pelos romanos. Os essênios professavam maior austeridade do que os outros judeus. Suas principais ocupações eram o estudo da lei divina e a prática do trabalho e da caridade e, em geral, eram admirados pela santidade de suas vidas. José, cuja alma pura abominava a mais leve impureza, havia se juntado a uma classe do povo cujas regras correspondiam tão bem às aspirações de seu coração; ele havia até mesmo, como diz o venerável Beda, feito um voto formal de castidade perpétua. E o que nos confirma nessa crença é a afirmação de São Jerônimo, que nos diz que José nunca se importou com o casamento antes de se tornar esposo de Maria.
            Por esse caminho obscuro e oculto, José se preparou, sem saber, para a sublime missão que Deus havia reservado para ele. Sem nenhuma ambição além de cumprir fielmente a vontade divina, ele vivia longe do barulho do mundo, dividindo seu tempo entre o trabalho e a oração. Assim tinha sido sua juventude, assim também, em sua opinião, era seu desejo passar a velhice. Mas Deus, que ama os humildes, tinha outros cuidados para com seu servo fiel.

Capítulo III. O casamento de São José.
Faciamus ei adiutorium simile sibi. (Façamos para ele uma auxiliar que lhe corresponda. – cf. Gn 2,18)

            José estava entrando em seu quinquagésimo ano de vida quando Deus o tirou da vida pacífica que levava em Jerusalém. Havia no templo uma jovem virgem consagrada ao Senhor desde a infância por seus pais.
            Da linhagem de Davi, ela era filha dos dois santos anciãos Joaquim e Ana, e seu nome era Maria. Seu pai e sua mãe haviam morrido há muitos anos, e o ônus de sua educação foi deixado inteiramente a cargo dos sacerdotes de Israel. Quando ela atingiu a idade de catorze anos, a idade fixada pela lei para o casamento de jovens donzelas, o Sumo Sacerdote teve o cuidado de conseguir para Maria um noivo digno de seu nascimento e de sua alta virtude. Mas um obstáculo se apresentou: Maria havia feito um voto de virgindade ao Senhor.
            Ela respondeu respeitosamente que, como havia feito o voto de virgindade, não poderia quebrar sua promessa para se casar. Essa resposta deixou as ideias do Sumo Sacerdote muito desconcertadas.
            Sem saber como conciliar o respeito devido aos votos feitos a Deus com o costume mosaico que impunha o casamento a todas as moças de Israel, ele reuniu os anciãos e consultou o Senhor ao pé do tabernáculo da aliança. Tendo recebido as inspirações do Céu e convencido de que algo extraordinário estava oculto nessa questão, o Sumo Sacerdote resolveu convocar os muitos parentes de Maria, a fim de escolher entre eles aquele que deveria ser o feliz noivo da abençoada Virgem.
            Portanto, todos os membros solteiros da família de Davi foram convocados ao templo. José, embora mais velho, estava com eles. O sumo sacerdote anunciou-lhes que se tratava de lançar sortes para dar um noivo a Maria, e que a escolha seria feita pelo Senhor, e ordenou que todos estivessem no templo sagrado no dia seguinte com uma vara de amendoeira. A vara seria colocada sobre o altar, e aquele cuja vara tivesse florescido seria o favorito do Altíssimo para ser o consorte da Virgem.
            No dia seguinte, uma grande multidão de jovens foi ao templo com seus ramos de amendoeira, e José foi com eles; mas, seja por espírito de humildade ou por causa do voto de virgindade que havia feito, em vez de apresentar seu ramo, ele o escondeu sob o manto. Todos os outros ramos foram colocados sobre a mesa, os jovens saíram com o coração cheio de esperança, e José ficou em silêncio e se reuniu com eles. O templo estava fechado e o sumo sacerdote adiou a reunião para amanhã. O novo sol mal havia nascido, e os jovens já estavam impacientes para saber seu destino.
            Quando chegou a hora marcada, as portas sagradas se abriram e o pontífice apareceu. Todos se aglomeraram para ver o resultado. Nenhuma vara havia florescido.
            O sumo sacerdote prostrou-se com o rosto em terra diante do Senhor e o questionou sobre sua vontade e se, por causa de sua falta de fé ou porque ele não havia entendido sua voz, o sinal prometido não havia aparecido nos ramos. E Deus respondeu que o sinal prometido não havia se concretizado porque, entre aquelas hastes tenras, faltava o galho daquele que era desejado do céu; que ele buscasse e visse o sinal cumprido. Logo foi feita uma busca pela pessoa que havia roubado o galho.
            O silêncio, o rubor casto que corou as faces de José, rapidamente revelou seu segredo. Conduzido diante do santo pontífice, ele confessou a verdade, mas o sacerdote vislumbrou o mistério e, levando José à parte, perguntou-lhe por que havia desobedecido assim.
            José respondeu humildemente que há muito tempo tinha em mente manter esse perigo longe de si mesmo, que há muito tempo estava decidido em seu coração a não se casar com nenhuma moça, e que lhe parecia que o próprio Deus o havia confortado em seu santo propósito, e que ele mesmo era indigno demais de uma moça tão santa como ele sabia que Maria era; portanto, ela deveria ser entregue a outro que fosse mais santo e mais rico.
            Então, o sacerdote começou a admirar o santo conselho de Deus e sem mais disse a José: “Tenha coragem, filho, deite seu ramo como os outros e aguarde o julgamento divino. Certamente, se ele o eleger, você encontrará em Maria tanta santidade e perfeição acima de todas as outras donzelas que não precisará usar orações para persuadi-la de seu propósito. Pelo contrário, ela mesma lhe pedirá o que você deseja e o chamará de irmão, guardião, testemunha, esposo, mas jamais de marido.
            José, seguro da vontade do Senhor pelas palavras do Sumo Pontífice, depôs seu ramo com os outros e retirou-se em santo recolhimento para orar.
            No dia seguinte, a reunião em torno do Sumo Sacerdote estava novamente formada, e eis que no ramo de José havia flores brancas e espessas com folhas macias e tenras.
            O sumo sacerdote mostrou tudo aos jovens reunidos e anunciou-lhes que Deus havia escolhido José, filho de Jacó, para esposo de Maria, filha de Joaquim, ambos da casa e da família de Davi. Ao mesmo tempo, ouviu-se uma voz que dizia: “Ó meu fiel servo José! A ti está reservada a honra de desposar Maria, a mais pura de todas as criaturas; obedece a tudo ao que ela te disser”.
            José e Maria, reconhecendo a voz do Espírito Santo, aceitaram essa decisão e consentiram em um casamento que não prejudicaria a virgindade deles.
            De acordo com São Jerônimo, o casamento foi celebrado no mesmo dia com a maior simplicidade.

Uma tradição da História do Carmelo nos diz que, entre os jovens reunidos para essa ocasião, havia um rapaz bonito, nobre e animado que aspirava ardentemente à mão de Maria. Quando viu o ramo de José florescer e suas esperanças se dissiparem, ele ficou atônito e atordoado. Mas naquele tumulto de afeto, o Espírito Santo desceu dentro dele e subitamente mudou seu coração. Ele ergueu o rosto, sacudiu o ramo inútil e com um fogo incomum e disse: “Eu não era para ela. Ela não era para mim. E eu nunca serei de outra. Serei de Deus”. Ele quebrou o ramo e o jogou para longe de si mesmo, dizendo: “Leve com você todo pensamento de casamento. Para o Carmelo, para o Carmelo com os filhos de Elias. Lá eu terei a paz que até agora seria impossível para mim na cidade.” Dito isso, ele foi para o Carmelo e pediu para ser aceito também entre os filhos dos Profetas. Ele foi aceito, progrediu rapidamente em espírito e virtude e tornou-se profeta. Ele é aquele Ágabo que previu as cadeias e a prisão do Apóstolo São Paulo. Antes de todos, ele fundou um santuário para Maria no Monte Carmelo. A santa Igreja celebra sua memória em seus registros, e os filhos do Carmelo o têm como irmão.

            José, segurando a mão da humilde Virgem Maria, se apresentou diante dos sacerdotes acompanhado de algumas testemunhas. O modesto artesão ofereceu a Maria um anel de ouro, adornado com uma pedra ametista, símbolo da fidelidade virginal, e ao mesmo tempo dirigiu-lhe as palavras sacramentais: “Se você consente em se tornar minha noiva, aceite este penhor”. Ao aceitá-lo, Maria ficou solenemente ligada a José, embora as cerimônias de casamento ainda não tivessem sido realizadas.
            Esse anel oferecido por José a Maria ainda está preservado na Itália, na cidade de Perugia, à qual, após muitas vicissitudes e controvérsias, foi finalmente concedido pelo Papa Inocêncio VIII em 1486.

Capítulo IV. José retorna a Nazaré com sua noiva.
Erant cor unum et anima una. (Eram um só coração e uma só alma. – At 4,32)

            Depois de celebrar os esponsais, Maria retornou a Nazaré, sua cidade natal, com sete virgens que o sumo sacerdote lhe havia concedido como companheiras.
            Ela deveria aguardar a cerimônia de casamento em oração e preparar seu modesto enxoval de casamento. São José permaneceu em Jerusalém para preparar sua casa e providenciar tudo para a celebração do casamento.
            Depois de alguns meses, de acordo com os costumes da nação judaica, foram celebradas as cerimônias que se seguiriam aos esponsais. Embora ambos fossem pobres, José e Maria deram a essa celebração toda a pompa que seus recursos limitados permitiam. Maria, então, deixou sua casa em Nazaré e foi morar com o esposo em Jerusalém, onde o casamento seria realizado.
            Uma antiga tradição nos conta que Maria chegou a Jerusalém em uma noite fria de inverno e que a lua brilhava com seus raios prateados sobre a cidade.
            José foi ao encontro de sua jovem companheira nos portões da cidade sagrada, seguido por uma longa procissão de parentes, cada um segurando uma tocha. A procissão nupcial levou o casal à casa de José, onde o banquete de casamento havia sido preparado por ele.
            Quando entraram no salão de banquetes e os convidados tomaram seus lugares à mesa, o patriarca aproximou-se da Virgem Santa: “Você será como minha mãe”, disse-lhe ele, “e eu a respeitarei como o próprio altar do Deus vivo”. A partir de então, diz um escritor erudito, eles não eram mais, aos olhos da lei religiosa, do que irmão e irmã em casamento, embora sua união fosse integralmente preservada. José não ficou muito tempo em Jerusalém após as cerimônias de casamento; os dois santos casais deixaram a cidade santa para ir a Nazaré, para a modesta casa que Maria havia herdado de seus pais.
            Nazaré, cujo nome hebraico significa flor dos campos, é uma bela cidadezinha, pitorescamente situada na encosta de uma colina no final do vale de Esdrelon. Foi, portanto, nessa agradável cidade que José e Maria passaram a morar.
            A casa da Virgem consistia em dois cômodos principais, um dos quais servia como oficina de José e o outro era para Maria. A oficina, onde José trabalhava, consistia em um cômodo baixo, com três ou quatro metros de largura e outros tantos de comprimento. Ali se viam as ferramentas necessárias para sua profissão, distribuídas de forma organizada. Quanto à madeira de que ele precisava, uma parte ficava na oficina e a outra do lado de fora, permitindo que o santo trabalhador trabalhasse ao ar livre durante grande parte do ano.
            Na frente da casa havia, de acordo com o costume oriental, um banco de pedra sombreado por esteiras de palmeiras, onde o viajante podia descansar seus membros cansados e se proteger dos raios escaldantes do sol.
            A vida que esses cônjuges privilegiados levavam era muito simples. Maria cuidava da limpeza de sua pobre residência, trabalhava com suas próprias mãos suas roupas e consertava as roupas de seu esposo. Quanto a José, ora fazia uma mesa para as necessidades da casa, ora carroças, ora cangas para os vizinhos que lhe haviam encomendado; ora, com seu braço ainda vigoroso, subia à montanha para cortar os altos sicômoros e os terebintos negros que seriam usados para a construção das cabanas que ele erguia no vale.
            Sempre assíduo ao trabalho, com frequência o sol já se tinha posto há tempo, quando ele entrava em casa para a pequena refeição da noite, que sua jovem e virtuosa companheira certamente não o deixava esperando. Na verdade, ela mesma enxugava sua fronte encharcada de suor, lhe apresentava a água morna que havia aquecido para lavar seus pés e servia-lhe a ceia frugal que restauraria as forças. Essa ceia consistia principalmente em pequenos pães de cevada, laticínios, frutas e alguns legumes. Então, tendo já anoitecido, um sono reparador preparava nosso santo Patriarca para retomar suas ocupações diárias pela manhã. Essa vida, ao mesmo tempo laboriosa e doce, havia durado cerca de dois meses, quando chegou a hora marcada pela Providência para a encarnação do Verbo divino.

Capítulo V. A Anunciação de Maria Santíssima
Ecce ancilla Domini; fiat mihi secundum verbum tuum. (Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra. – Lc 1,38)

            Certo dia, José tinha ido trabalhar em um vilarejo vizinho. Maria estava sozinha em casa e, de acordo com seu costume, estava orando enquanto fiava o linho. De repente, um anjo do Senhor, o arcanjo Gabriel, desceu à pobre casa, todo resplandecente com os raios da glória celestial, e saudou a humilde Virgem, dizendo-lhe: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo”. Esse elogio inesperado produziu uma profunda perturbação na alma de Maria. Para tranquilizá-la, o Anjo disse: “Não tenhas medo, Maria. Encontraste graça junto de Deus. Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande; será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacó, e o seu reino não terá fim.” Maria então perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem?”
            Ela não sabia conciliar sua promessa de virgindade com o título de Mãe de Deus. Mas o Anjo lhe respondeu: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus”. E para dar prova da onipotência de Deus, o arcanjo Gabriel acrescentou: “Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice. Este já é o sexto mês daquela que era chamada estéril, pois para Deus nada é impossível”.
            Diante dessas palavras divinas, a humilde Maria não encontrou mais nada a dizer a não ser: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o anjo retirou-se de junto dela; o mistério dos mistérios estava cumprido. A Palavra de Deus havia se encarnado para a salvação da humanidade.
            Ao anoitecer, quando José voltou na hora habitual, depois de terminar seu trabalho, Maria não lhe contou nada sobre o milagre do qual havia sido objeto.
            Ela se contentou em anunciar-lhe a gravidez de sua prima Isabel e, como desejava visitá-la, como esposa submissa, pediu permissão a José para empreender a viagem, que era realmente longa e cansativa. Ele não tinha nada a lhe recusar, e ela partiu na companhia de alguns parentes. Acredita-se que José não pôde acompanhá-la até a casa de sua prima, pois tinha seus compromissos em Nazaré.

Capítulo VI. A inquietação de José – É tranquilizado por um anjo.
Ioseph, fili David, noli timere accipere Mariam coniugem tuam, quod enim in ea natum est, de Spiritu Sancto est. (José, filho de Davi, não tenhas receio de receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. – Mt 1,20)

            Santa Isabel vivia nas montanhas da Judeia, em uma pequena cidade chamada Hebron, a 113 km de Nazaré. Não vamos acompanhar Maria em sua jornada; basta sabermos que Maria ficou cerca de três meses com sua prima.
            Mas o retorno de Maria preparava a José uma provação que seria o prelúdio de muitas outras. Ele não demorou a perceber que Maria estava em estado de gravidez e, portanto, era atormentado por ansiedades mortais. A lei o autorizava a acusar sua noiva perante os sacerdotes e cobri-la de desonra eterna; mas tal medida era repugnante para a bondade de seu coração e para a alta estima que ele tinha por Maria até então. Nessa incerteza, ele resolveu abandoná-la e se expatriar, a fim de lançar exclusivamente sobre si mesmo toda a odiosidade de tal separação. De fato, ele já havia feito os preparativos para a partida, quando um anjo desceu do céu para tranquilizá-lo:
            “José, filho de Davi”, disse-lhe o mensageiro celestial, “não tenhas receio de receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
            A partir de então, José, completamente tranquilo, concebeu a mais alta veneração por sua casta noiva; ele viu nela o tabernáculo vivo do Altíssimo, e seus cuidados foram mais ternos e respeitosos.

Capítulo VII. Edito de César Augusto. – O censo. – Viagem de Maria e José a Belém.
Tamquam aurum in fornace probavit electos Dominus. (O Senhor provou os eleitos como o ouro na fornalha – cf. Sb 3,6).

            Estava se aproximando o tempo em que o Messias prometido às nações finalmente iria aparecer no mundo. O Império Romano havia então atingido o auge de sua grandeza.
            César Augusto, ao assumir o poder supremo, realizou aquela unidade que, de acordo com os desígnios da Providência, deveria servir para a propagação do Evangelho. Sob seu reinado, todas as guerras cessaram, e o Templo de Jano estava fechado (era costume em Roma naquela época manter o Templo de Jano aberto durante a guerra e fechá-lo em tempos de paz). Em seu orgulho, o imperador romano queria saber o número de seus súditos e, para isso, ordenou um censo geral em todo o império.
            Cada cidadão tinha de registrar-se a si mesmo e a toda a sua família em sua cidade natal. José, portanto, teve de deixar sua casa pobre para obedecer às ordens do imperador; e como ele era da linhagem de Davi, e essa ilustre família vinha de Belém, ele teve de ir até lá para efetuar o recenseamento.
            Em uma manhã triste e nebulosa do mês de dezembro do ano 752 do ano de Roma, José e Maria deixaram sua pobre casa em Nazaré para ir a Belém, aonde a obediência devida às ordens do soberano os chamava. Seus preparativos para a partida não foram longos. José colocou algumas roupas em um saco, preparou a calma e mansa cavalgadura que devia levar Maria, que já estava no nono mês de gravidez, e envolveu-se em seu grande manto. Em seguida, os dois santos viajantes deixaram Nazaré acompanhados pelas felicitações de seus parentes e amigos. O santo patriarca, com seu cajado de viagem em uma das mãos, segurava com a outra o freio da jumenta em que sua esposa estava montada.
            Depois de quatro ou cinco dias de caminhada, eles viram Belém de longe. O dia estava começando a amanhecer quando entraram na cidade. A montaria de Maria estava cansada; além disso, Maria precisava muito de descanso, por isso José saiu rapidamente em busca de hospedagem. Ele percorreu todas as estalagens de Belém, mas seus passos foram inúteis. O censo geral havia atraído uma multidão extraordinária para lá, e todas as estalagens estavam cheias de forasteiros. Em vão José foi de porta em porta pedindo abrigo para sua noiva exausta, porque as portas permaneceram fechadas.

Capítulo VIII. Maria e José se refugiam em uma pobre gruta. – Nascimento do Salvador do mundo. – Jesus é adorado pelos pastores.
Et Verbum caro factum est. (E o Verbo se fez carne – Jo 1,14).

            Um tanto desanimados pela falta de hospitalidade, José e Maria deixaram Belém na esperança de encontrar no campo o asilo que a cidade lhes havia recusado. Eles chegaram a uma gruta abandonada, que servia de abrigo para os pastores e seus rebanhos à noite e em dias de mau tempo. Havia um pouco de palha no chão, e uma cavidade na rocha também servia como banco para descanso e uma manjedoura para os animais. Os dois viajantes entraram na caverna para descansar do cansaço da viagem e aquecer os membros que estavam enrijecidos pelo frio do inverno. Nesse abrigo miserável, longe dos olhares dos homens, Maria deu ao mundo o Messias prometido aos nossos primeiros pais. Era meia-noite, José adorou o menino divino, envolveu-a em panos e colocou-o na manjedoura. Ele foi o primeiro dos homens a quem coube a incomparável honra de oferecer homenagem a Deus, que havia descido à Terra para redimir os pecados da humanidade.
            Alguns pastores estavam cuidando de seus rebanhos na região rural próxima. Um anjo do Senhor apareceu e anunciou-lhes as boas novas do nascimento do Salvador. Ao mesmo tempo, ouviram-se coros celestiais repetindo: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. Esses homens simples não hesitaram em seguir a voz do anjo e disseram a si mesmos: “Vamos a Belém e vejamos o que aconteceu”. E, sem mais delongas, entraram na gruta e adoraram o menino divino.

(continua)




A água benta, as bênçãos e os outros sacramentais ainda têm valor?

Estamos testemunhando hoje uma indiferença ou desprezo pelos sacramentais. As bênçãos das pessoas, da água, das imagens religiosas e seu uso, assim como outros sacramentais, não têm mais valor aos olhos de muitos cristãos de hoje. Certamente essa atitude tem algo a ver com abusos ou superstições que distorceram seu verdadeiro significado. Mas não se pode negar que também existe uma grande ignorância sobre eles. Vamos tentar esclarecer um pouco sobre isso.

Originalmente, os sacramentais (também chamados de pequenos sacramentos) eram cerimônias simples que acompanhavam a celebração dos sete sacramentos, além das obras piedosas e de toda a oração canônica da Igreja. Hoje, a noção de sacramentais é reservada a certos ritos, instituídos pela Igreja, que não fazem parte da celebração dos sete sacramentos, mas que são semelhantes em estrutura aos sacramentos e que a Igreja usa para obter, por meio de sua impetração, efeitos principalmente espirituais.

Os sacramentais são sinais sagrados pelos quais, à imitação dos sacramentos, são significados efeitos principalmente espirituais, obtidos pela oração da Igreja. Pelos sacramentais, os homens se dispõem a receber o efeito principal dos sacramentos e são santificadas as diversas circunstâncias da vida (Catecismo da Igreja Católica – CIC, 1667).
São instituídos pela Igreja em vista da santificação de certos ministérios seus, de certos estados de vida, de circunstâncias muito variadas da vida cristã, bem como do uso das coisas úteis ao homem… Compreendem sempre uma oração, acompanhada de determinado sinal, como a imposição da mão, o sinal da cruz, a aspersão com água benta (CIC, 1668).
Os sacramentais não conferem a graça do Espírito Santo à maneira dos sacramentos, mas, pela oração da Igreja, preparam para receber a graça e a dispõem para a cooperação com ela (CIC 1670).

São, antes de mais nada, bênçãos de pessoas, de objetos, de lugares.
Certas bênçãos têm um alcance duradouro, as consagrações. Têm o efeito de consagrar pessoas a Deus e reservar para o uso litúrgico objetos e lugares, como a bênção do abade ou da abadessa de um mosteiro; a consagração das virgens; o rito da profissão religiosa; as bênçãos para certos ministérios da Igreja (leitores, acólitos, catequistas etc.); ou como a dedicação ou a bênção de uma igreja ou de um altar; a bênçãos dos santos óleos, de vasos e vestes sacras, de sinos etc.
E são também os exorcismos, ou seja, um pedido que a Igreja faz publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, para que uma pessoa ou objeto seja protegido contra a influência do maligno e subtraído a seu domínio (CIC 1671-1673).

São estabelecidos pela Igreja, e somente a Sé Apostólica pode estabelecer novos sacramentais ou interpretar autenticamente os existentes, abolir ou alterar neles alguma coisa. (Código de Direito Canônico – CDC, cân. 1167, §1).
Os sacramentais são apresentados no Ritual Romano (especialmente no Ritual das Bênçãos e no Ritual dos Exorcismos), onde estão reunidas as formas e modalidades para transmiti-los, sendo exigida a cuidadosa observância das fórmulas aprovados pela autoridade da Igreja (CDC, cân. 1167, §2).

Seu valor reside principalmente na oração da Igreja (opus operantis Ecclesiae); mas para que produzam seu efeito, é necessária uma fé viva, porque os sacramentais não atuam como sacramentos ex opere operato, mas ex opere operantis, ou seja, são condicionados pela fé do beneficiário. E é aqui que aparece a baixa estima dos sacramentais: quando não são recebidos com fé, não produzem efeitos e isso leva à falsa opinião de que não têm nenhuma virtude.

Em seu uso, deve-se evitar tanto a falta de reverência e respeito (eles são uma intercessão da Igreja) quanto o uso supersticioso ou mágico. Os sacramentais não mudam a natureza da realidade sobre a qual atuam, mas são uma expressão de pertença a Deus.
Os objetos abençoados não são amuletos (objetos de várias naturezas e formas aos quais se atribui por superstição uma virtude protetora contra doenças ou infortúnios, uma virtude que reside no próprio objeto), mas são sinais sagrados que nos lembram que Deus está sempre perto de nós com sua graça.

Em resumo, os sacramentais consistem imediatamente e em primeiro lugar em uma oração de súplica que a Igreja dirige a Deus, e, somente em segundo lugar e mediatamente, ou seja, por meio dessa oração de intercessão da Igreja, em uma santificação, na medida em que a Igreja, por meio desses ritos, pede a Deus a santificação das pessoas ou das coisas.

As pessoas e as coisas, sem se tornarem verdadeiras causas instrumentais da graça, nem serem aperfeiçoadas e elevadas em suas qualidades naturais, todavia, em consideração à oração suplicante da Igreja, são tomadas sob a especial proteção ou aceitação divina para o bem espiritual daqueles que as possuem ou usam com as devidas disposições, oferecendo a oportunidade de melhor operar a própria salvação.

Como são coisas consagradas, essa mesma aceitação de Deus também implica que Ele concederá graças especiais àqueles que as usarem com as devidas disposições de espírito; e, tratando-se de pessoas consagradas, implica nessas pessoas um título moral perante Deus para obter, no devido tempo, as graças de estado necessárias para cumprir os deveres decorrentes dessa consagração permanente.

Acredita-se que, nos sacramentais, a Igreja pede e obtém imediatamente graças reais para a pessoa que as pede, como a contrição dos pecados, atos de fé, de esperança, de caridade, que são disposições favoráveis ao bom uso dos sacramentos ou aos atos de caridade perfeita. Para o uso dos sacramentos e para os atos de perfeita caridade, acredita-se que Deus tenha reservado para dar imediatamente a graça santificante ou seu aumento (Cipriano Vagaggini. Il senso teologico della liturgiao sentido teológico da liturgia).

Essas são algumas explicações que tentam lançar alguma luz sobre os sacramentais. No entanto, a confirmação de seu valor vem, como sempre, dos santos.

São João Bosco os utilizava muito, e é suficiente mencionar aqui apenas um deles, a água benta, que ele também queria que fosse usada pelos seus meninos.

Em seus Regulamentos do Oratório, ele recomendava aos meninos que: “… ao entrar na Igreja, cada um tome a água benta e faça bem o sinal da Santa Cruz e a genuflexão ao altar do Santíssimo Sacramento” (MB III, 100-101 – MBp III, 500).

E não apenas na igreja ele pedia o uso da água benta, mas também nos dormitórios e nas salas de estudo:
            “O dormitório era tido como santuário. Em cada um e, depois, nas salas de estudo, Dom Bosco determinou que houvesse a concha com água benta, para persignar-se na entrada” (MB IV, 339 – MBp IV, 309).

Ele instilava a eficácia da água benta sempre que podia. Dizia a seus jovens em uma boa noite:
“Na Praça São Pedro no Vaticano, há um chafariz de água límpida. A concha é sustentada por um grupo representando a tentação. Há um horrível demônio, com chifres e cauda, correndo atrás de um jovem para pegá-lo. O coitado foge, mas está para cair nas unhas da besta feia. Procura gritar espantado, levanta os braços, colocando as mãos na água benta, e o demônio, espantado, por sua vez não ousa pegá-lo.
            Meus caros jovens, a água benta serve para expulsar as tentações; diz o provérbio que a gente fuja com rapidez: Fuja como o demônio da água benta.
            Nas tentações e, portanto, principalmente entrando na igreja, façam bem o sinal da cruz, pois é lá que o diabo os espera a fim de que percam o fruto da oração. O sinal da cruz afasta o demônio por um instante, mas o sinal da cruz com água benta o afasta por muito tempo. Santa Teresa um dia estava sendo tentada. A cada assalto fazia o sinal da cruz, a tentação parava, mas o assalto voltava poucos minutos depois. Finalmente, cansada de lutar, Santa Teresa se aspergiu com água benta, e o demônio precisou fugir com o rabo entre as pernas”
(MB VIII, 723-724 – MBp VIII, 776).

São João Bosco sempre teve os sacramentais em alta estima. Sua própria bênção simples era muito procurada pelas pessoas porque produzia efeitos verdadeiramente milagrosos. Seria necessário fazer uma lista longa demais para lembrar quantas curas espirituais e corporais produziram suas bênçãos recebidas com fé. Para isso, basta ler sua vida.