Você já pensou em sua vocação? São Francisco de Sales poderia ajudar você (9/10)

(continuação do artigo anterior)

9. Vamos direto ao ponto

Caros jovens,
Se olharmos para nossos dias, veremos que fazemos escolhas da manhã à noite; somos chamados a decidir sobre coisas simples em nossa vida diária; mas às vezes também nos deparamos com escolhas sobre coisas que afetam nossa vida e são de importância vital. Felizmente, a maioria das escolhas que fazemos diz respeito à esfera das coisas mais simples, caso contrário, seria muito difícil e cansativo realizar essa importante tarefa. Entretanto, existem as decisões importantes e, portanto, merecem nossa atenção.
Antes de tudo, lembrem-se de que nunca devemos nos deixar levar pela pressa de tomar decisões rapidamente. Se tiver de escolher entre duas coisas, especialmente quando se trata de realidades importantes da vida (caminhar para o casamento com aquela pessoa, dar passos concretos para a vida consagrada ou sacerdotal), vocês devem tomar o tempo certo para discernir o que é correto.
Um segundo aspecto a ser considerado é lembrar que vocês são livres para escolher o que querem ou o que acham certo. Pois embora Deus seja todo-poderoso e possa fazer tudo, ele não quer tirar a liberdade que nos deu. Quando Deus nos chama para viver onde podemos ser plenamente felizes de acordo com Sua vontade, Ele quer que isso seja feito com nosso total consentimento e que escolhamos não por força ou compulsão, mas com total liberdade.
Em terceiro lugar, lembro-lhes que nos momentos da escolha é essencial que se deixem guiar: a liberdade deve ser acompanhada, pois é difícil encontrar o caminho sozinho. Fazer escolhas totalmente livres envolve ter clareza sobre o bem que os outros podem receber de mim e quão plenamente realizado eu posso ser quando estou para os outros. Já lhes escrevi sobre esse assunto, mas gostaria de lembrá-los de que é aqui que mais precisamos de uma voz externa para confirmar, corrigir ou dissuadir das escolhas que marcam seu futuro.
Uma das perguntas que obviamente surge desse movimento de escolhas, especialmente as mais importantes, é: como podemos ter certeza de que fizemos a escolha certa? A pergunta é legítima, porque ninguém quer cometer um erro e todos nós gostaríamos de fazer a escolha certa de uma vez por todas. Quase gostaríamos de poder escolher uma vez e nunca mais ter de voltar atrás e nos sentirmos confortáveis com o que já decidimos. Nesse sentido, acho que devo enfatizar um aspecto importante. Vocês precisam entender bem que escolher, tomar decisões, nunca pode ser algo “de uma vez por todas”, mas é um processo, um processo que, às vezes, tem até prazos longos, que permitem aprofundar as coisas e, assim, obter cada vez mais certeza moral de que o que fiz foi a escolha certa. Seja qual for o estado da vida, não é necessário que, no momento da escolha, vocês já sejam perfeitos, cônscios de tudo o que essa escolha exige. Vocês não são chamados a um para sempre cego, mas sim a uma jornada rumo a um para sempre consciente e forte nas decisões tomadas diariamente, resultado de uma porção de boa vontade guiada pela prudência e pela constância.
Para viver bem o tempo da escolha, o primeiro movimento deve ser bem cultivado, aprofundando-se na vida sem depender apenas das emoções e sem calcular apenas com a inteligência. O equilíbrio de todos os componentes da pessoa deve ser sempre buscado e assegurado, mas especialmente no início vocês devem se certificar de que a escolha feita tenha uma base sólida. Uma vez feita a escolha inicial, vocês não precisam se preocupar com o surgimento de amargura ou indiferença nos estágios iniciais. Na verdade, há o risco de mudar de ideia com frequência e rapidamente: depois de fazer sua escolha, não olhem muito para a esquerda ou para a direita. Às vezes é fácil, às vezes até sedutor, distrair-se, explorar ou seguir outros caminhos. Olhar demais para outro lugar pode levá-los a seguir um caminho diferente, duvidando e se arrependendo da escolha original que fizeram. Se isso acontecer em tempos de euforia e desânimo, em tempos de crise, o importante é certamente não tomar decisões naquele momento e não mudar a decisão inicial, mas permanecer no momento, aguardando um tempo de silêncio que lhes permita reler com calma o que caracterizou a crise e depois tomar decisões a respeito, sempre de acordo com a consciência e num movimento de acompanhamento. Se vocês sempre tentarem manter a vontade firme na busca do bem escolhido, como uma jornada séria de engajamento ou uma experiência estável de vida comunitária para a vida religiosa ou sacerdotal, Deus não deixará de levar tudo a um bom termo. Como já dissemos, esse caminho exige muitos “sins” individuais, todos os dias. Mesmo as ações aparentemente mais indiferentes se tornam férteis se forem orientadas para o Bem a ser buscado. É uma questão de perseverança que se transforma em fidelidade diária.

Escritório de Animação Vocacional

(continua)




Dom Bosco e sua mãe

            Em 1965 foi comemorado o 150º aniversário do nascimento de Dom Bosco. Entre as conferências para a ocasião estava uma proferida por Dom José Angrisani, então Bispo de Casale e Presidente Nacional dos Ex-alunos Sacerdotes. O orador, em seu discurso, referindo-se à Mamãe Margarida, disse sobre Dom Bosco: “Felizmente para ele, aquela mãe esteve ao seu lado por muitos e muitos anos, e penso e acredito estar certo ao dizer que a águia dos Becchi não teria voado até os confins da terra se a andorinha da Serra di Capriglio não tivesse vindo fazer seu ninho sob a viga da humilde casa da família Bosco” (BS, setembro de 1966, p. 10).
            A imagem do ilustre orador era altamente poética, mas expressava uma realidade. Não por acaso, 30 anos antes, G. Joergensen, sem querer profanar a Sagrada Escritura, permitiu-se começar o seu Dom Bosco publicado pela SEI com as palavras: “No princípio era a mãe”.
            A influência materna nas atitudes religiosas da criança e na religiosidade do adulto é reconhecida pelos especialistas em psicologia religiosa e é, em nosso caso, mais do que evidente: São João Bosco, que sempre teve a maior veneração por sua mãe, copiou dela um profundo sentido religioso da vida. “Deus dominava a mente de Dom Bosco como um sol meridiano” (Pedro Stella).

Deus no topo de seus pensamentos
            É um fato fácil de documentar: Dom Bosco sempre teve Deus no topo de todos os seus pensamentos. Homem de ação, ele era, antes de tudo, homem de oração. Ele mesmo lembra que foi sua mãe quem lhe ensinou a rezar, ou seja, a conversar com Deus:
            – Ela fazia-me ajoelhar com meus irmãos de manhã e à noite, e juntos rezávamos as orações (MO 21-22 – cf. MOp p. 27).
            Quando João teve que deixar o teto de sua mãe e ir trabalhar como trabalhador rural na fazenda Moglia, a oração já era seu alimento e conforto habituais. Naquela casa em Moncucco, “os deveres de um bom cristão eram cumpridos com a regularidade de hábitos domésticos inveterados, sempre tenazes nas famílias do campo, muito tenazes naqueles dias de vida saudável no campo” (E. Ceria). Mas João já estava fazendo algo mais: ele orava de joelhos, orava com frequência, orava longamente. Mesmo fora de casa, enquanto levava as vacas para o pasto, ele parava ocasionalmente para orar.
            Sua mãe também havia incutido em seu coração uma terna devoção à Santíssima Virgem. Quando ele entrou no seminário, ela lhe disse:
– Quando você veio ao mundo, eu o consagrei à Santíssima Virgem; quando você começou seus estudos, recomendei a devoção a essa nossa Mãe; e se você se tornar padre, sempre recomende e propague a devoção a Maria (MO, 89 – cf. MOp, 92).
            Mamãe Margarida, depois de educar o filho João na casinha dos Becchi, depois de segui-lo maternalmente e encorajá-lo em seu árduo caminho vocacional, viveu por mais dez anos ao seu lado, desempenhando uma delicadíssima função materna na educação daqueles jovens que havia reunido, com um estilo que permanece vivo em tantos aspectos da práxis educativa de Dom Bosco: a consciência da presença de Deus, a laboriosidade que é senso de dignidade humana e cristã, a coragem que inspira obras, a razão que é diálogo e acolhida dos outros, o amor exigente, mas tranquilizador.
            Sem dúvida, portanto, a mãe desempenhou um papel único na educação e no apostolado inicial de seu filho, influenciando profundamente o espírito e o estilo de seu trabalho futuro.
            Tendo-se tornado padre e iniciado o trabalho com os jovens, Dom Bosco deu o nome de Oratório ao seu trabalho. Não é sem razão que o centro propulsor de todas as obras de Dom Bosco foi chamado de Oratório. O título indica a atividade dominante, o objetivo principal de um empreendimento. E Dom Bosco, como ele mesmo confessou, deu o nome de Oratório à sua “casa” para indicar claramente que a oração era o único poder com o qual ele contava.
            Não tinha outro poder à sua disposição para animar seus oratórios, iniciar a casa de acolhida, resolver o problema do pão cotidiano, lançar as bases de sua Congregação. Muitos, como sabemos, até duvidaram de sua sanidade mental.
            O que os grandes não entendiam, os pequenos entendiam, ou seja, os jovens que, depois de conhecê-lo, não conseguiam mais se afastar dele. Eles viam nele a imagem viva do Senhor. Sempre calmo e sereno, à disposição de todos, fervoroso nas orações, afável no falar, paternal ao guiá-los para o bem, mantendo sempre viva em todos a esperança da salvação. Se alguém, segundo uma testemunha, lhe perguntasse sem rodeios: “Dom Bosco, para onde vai?”, ele teria respondido: “Vamos para o Paraíso!”
            Esse sentido religioso de vida, que permeava todas as obras e escritos de Dom Bosco, era uma herança óbvia de sua mãe. A santidade de Dom Bosco foi extraída da fonte divina da Graça e modelada em Cristo, o mestre de toda perfeição, mas estava enraizada em um valor espiritual materno, a sabedoria cristã. A árvore boa produz bons frutos.

Ela lhe havia ensinado isso
            A mãe de Dom Bosco, Margarida Occhiena, desde novembro de 1846, quando, aos 58 anos de idade, tinha deixado sua pequena casa nos Becchi, compartilhava com o filho uma vida de privações e sacrifícios, toda ela gasta pelos meninos da periferia de Turim. Quatro anos se passaram, e ela agora sentia suas forças diminuindo. Um grande cansaço havia penetrado em seus ossos, uma forte nostalgia em seu coração. Ela entrou no quarto de Dom Bosco e disse: “Ouça-me, João; não é mais possível continuar assim. Todos os dias os meninos estão fazendo uma coisa comigo. Ora eles jogam no chão minha roupa limpa estendida ao sol, ora eles pisoteiam minhas verduras na horta. Eles rasgam as roupas de modo que não há como remendá-las. Eles perdem meias e camisas. Levam os utensílios da casa para suas brincadeiras e me fazem andar o dia todo para encontrá-los. Eu, em meio a essa confusão, perco a cabeça, sabe! Quase, quase, estou voltando para os Becchi”.
            Dom Bosco olhou fixamente para o rosto da mãe, sem falar. Depois apontou para o Crucifixo pendurado na parede. Mamãe Margarida entendeu. Seus olhos se encheram de lágrimas.
            – Tens razão, tens razão, exclamou; e voltou aos seus afazeres, por mais seis anos, até sua morte (G. B. LEMOYNE, Mamma Margherita, Torino, SEI, 1956, p. 155-156).
            Mamãe Margarida nutria uma profunda devoção à Paixão de Cristo, àquela Cruz que dava sentido, força e esperança a todas as suas cruzes. Ela havia ensinado isso a seu filho. Bastava-lhe uma olhada ao Crucifixo! Para ela, a vida era uma missão a ser cumprida, o tempo uma dádiva de Deus, o trabalho uma contribuição humana ao plano do Criador, a história humana uma coisa sagrada porque Deus, nosso Senhor, Pai e Salvador, está no centro, no começo e no fim do mundo e do homem.
            Ela havia ensinado tudo isso a seu filho por meio de palavras e exemplos. Mãe e filho: uma fé e uma esperança depositadas somente em Deus, e uma ardente caridade que ardeu em seus corações até a morte.




O barco

Numa noite, dois turistas que estavam hospedados em um acampamento às margens de um lago decidiram atravessar o lago de barco para “tomar uma bebida” no bar da outra margem.
Ficaram lá até tarde da noite, esvaziando um bom número de garrafas.
Quando saíram do bar, estavam um tanto bêbados, mas conseguiram tomar seus lugares no barco para empreender a viagem de volta.
Começaram a remar com força. Transpirando e bufando, remaram decididamente por duas horas. Finalmente um disse ao outro:
– Você não acha que já deveríamos ter tocado a outra margem, há muito tempo?
– Claro que sim, respondeu o outro, mas talvez não tenhamos remado com força suficiente.
Os dois redobraram seus esforços e remaram resolutamente por mais uma hora. Só ao amanhecer é que se deram conta, estupefatos, de que ainda estavam no mesmo lugar.
Eles haviam esquecido de desatar a corda forte que amarrava seu barco ao cais.

Quantas pessoas se preocupam e se agitam o dia inteiro sem chegar a lugar nenhum, porque não se libertam realmente dos laços e dos hábitos viscosos.




O exercício da “boa morte” na experiência educacional de Dom Bosco (3/5)

(continuação do artigo anterior)

2. As ladainhas da boa morte no contexto da espiritualidade juvenil promovida por Dom Bosco
            As ladainhas da boa morte incluídas no Jovem Instruído merecem uma menção à parte, pois constituíam apenas um momento do exercício, o emocionalmente mais intenso. O coração da prática mensal, de fato, era o exame de consciência, a confissão bem feita, a comunhão fervorosa, a decisão de se entregar totalmente a Deus e a formulação de propósitos operativos de natureza moral e espiritual. Nos volumes ou manuais de pregação dos séculos anteriores, não encontramos textos análogos à sequência de ladainhas do Jovem Instruído, cuja composição Dom Bosco atribui a “uma donzela protestante convertida à religião católica aos 15 anos e que morreu aos 18 em odor de santidade”.[1] Ele a extraiu de livros piedosos publicados naquela época no Piemonte.[2] A oração, “indulgenciada por Pio VII, mas que já circulava no final do século XVIII”,[3] poderia servir como uma ferramenta eficaz para mover os afetos por meio da dramatização imaginativa dos últimos momentos da vida: colocava o fiel em seu leito de morte, convidando-o a rever as várias partes do corpo e os sentidos correspondentes, considerados no estado em que estariam no momento da agonia, para movê-lo, estimular a confiança na misericórdia divina e estimulá-lo a tomar resoluções de conversão e perseverança. Era um exercício no qual o espírito romântico encontrava prazer e que Dom Bosco considerava particularmente adequado em nível emocional e espiritual, como se pode ver em alguns de seus textos narrativos. A fórmula teve grande sucesso durante o século XIX: nós a encontramos reproduzida em várias coleções de orações, mesmo fora dos limites do Piemonte.[4] Achamos interessante reproduzi-la em sua totalidade:

            Senhor Jesus, Deus de bondade, Pai de misericórdia, eu me apresento diante de vós com o coração humilhado, contrito e compungido; recomendo-vos minha última hora e o que depois dela me espera.
            Quando meus pés imóveis me advertirem que minha carreira neste mundo está próxima a terminar, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando minhas mãos, trêmulas e entorpecidas, já não puderem mais sustentar vossa imagem crucificada e, a meu pesar, a deixar cair sobre o leito das minhas dores, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando meus olhos, já vidrados e ofuscados pelo horror da morte iminente, se fixarem em vós com um olhar lânguido e moribundo, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando os meus lábios, frios e trêmulos, pronunciarem pela última vez vosso Nome adorável, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando minhas faces, pálidas e lívidas, inspirarem aos circunstantes compaixão e terror, e os meus cabelos, banhados do suor da morte, se eriçarem, indicando que está próximo o meu fim, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando meus ouvidos, prestes a cerrarem-se para sempre às palavras dos homens, se abrirem para escutar a vossa voz, que pronuncia a irrevogável sentença, que há de fixar a minha sorte por toda a eternidade, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando minha imaginação agitada pelos horrendos e temerosos fantasmas, estiver submersa em mortais tristezas, e o meu espírito, perturbado ao aspecto de minhas iniquidades e pelo temor da vossa justiça, lutar contra o anjo das trevas, que buscará privar-me da vista consoladora das vossas misericórdias e lançar-me no desespero, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando meu débil coração, oprimido pelas dores da enfermidade, estiver tomado dos horrores da morte e exausto de forças pelas lutas sustentadas contra os inimigos da minha salvação, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando eu derramar minhas últimas lágrimas, sintoma da minha destruição, recebei-as, meu Jesus em sacrifício expiatório para que expire como vítima de penitência, e naquele terrível momento, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando meus parentes e amigos, estando em torno de mim, se enternecerem ao ver o meu lastimoso estado, e por mim vos invocarem, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando houver perdido o uso de todos os meus sentidos, e o mundo inteiro tiver desaparecido para mim, e gemer nas angústias da última agonia e nas aflições da morte, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando as últimas ânsias do coração forçarem minha alma a sair do corpo, aceitai-as como sinais de uma santa impaciência de chegar a vós, e vós, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando minha alma, fugindo-me dos lábios, partir para sempre deste mundo e abandonar o meu corpo pálido, frio e sem vida, aceitai a destruição de meu ser como uma homenagem que presto à vossa divina majestade; e então, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
            Quando finalmente minha alma comparecer diante de vós e vir pela primeira vez o esplendor imortal de vossa majestade, não a expulseis de vossa presença; mas dignai-vos receber-me no seio amoroso de vossa misericórdia, para que eu cante eternamente os vossos louvores, ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.
Oração: Ó Deus, que, nos condenando à morte, nos ocultastes a hora e o momento dela, fazei que vivendo eu, em justiça e santidade todos os dias da vida, possa merecer a graça de sair deste mundo em vosso santo amor, pelos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, que convosco vive e reina em unidade do Espírito Santo. Assim seja.[5]

            O racionalismo do século XVIII e o gosto barroco pelo macabro e pelo fúnebre, ainda presente na Preparação para a Morte de Santo Afonso Maria de Ligório,[6] foi superado no século XIX pela sensibilidade romântica que preferia seguir o caminho do sentimento, que, “para atingir o intelecto, vai primeiro diretamente ao coração e, fazendo o coração sentir a força e a beleza da religião, fixa a atenção do intelecto e facilita o seu consentimento”, como escreveu Dom Angelo Antonio Scotti.[7] Portanto, mesmo na consideração da morte, era considerado excelente insistir nas alavancas emocionais e nos afetos para provocar uma resposta generosa ao dom absoluto de si mesmo feito pelo divino Salvador para a salvação da humanidade. Autores espirituais e pregadores consideravam importante e necessário descrever “as aflições e opressões que são inseparáveis dos esforços que a alma deve naturalmente fazer para romper os laços do corpo”,[8] juntamente com a descrição da morte serena dos justos. Eles queriam trazer a fé para a concretude da existência a fim de estimular a reforma da moral e o propósito de uma vida cristã mais genuína e fervorosa: “Certamente a esperança de merecer uma boa agonia e uma morte santa foi e sempre será a mola mais poderosa para induzir os homens a abandonar o vício; pois o espetáculo de um homem perverso, que morre como viveu, é uma grande lição para todos os mortais”.[9]
            A sequência das ladainhas da boa morte incluídas no Jovem Instruído deve ser considerada, portanto, inteiramente funcional para o sucesso do retiro mensal e para os ideais de vida cristã que o Santo propunha aos jovens, além de ser particularmente adequada à sensibilidade emocional e cultural daquele momento histórico preciso. Se hoje a leitura daquelas fórmulas gera a sensação de inquietação evocada por Delumeau e oferece uma representação “totalmente angustiante” da pedagogia religiosa de Dom Bosco,[10] isso acontece sobretudo porque elas são extrapoladas de seus quadros de referência. Ao contrário, como se depreende da prática educativa do Oratório e dos testemunhos narrativos deixados por Dom Bosco, não só as almas daqueles jovens encontravam prazer e estímulo em recitá-los, mas contribuíam efetivamente para tornar o exercício da boa morte fecundo em frutos morais e espirituais. Para sondar sua primitiva fecundidade educativa, é preciso ancorá-las no conjunto da proposta substancial de vida cristã apresentada por Dom Bosco e na experiência fervorosa, laboriosa e estimulante do Oratório.
            O horizonte global de referência já pode ser apreendido nas pequenas meditações que introduzem o Jovem Instruído, onde Dom Bosco pretende sobretudo apresentar “uma breve e fácil norma
de vida, mas suficiente” para que seus jovens leitores possam “tornar-se a consolação de seus pais, a honra da pátria, bons cidadãos na terra e mais tarde venturosos habitantes do Céu”.[11] Antes de tudo, ele os incentiva a “erguer o olhar”, a contemplar a beleza da criação e a altíssima dignidade do homem, a mais sublime das criaturas, dotada de uma alma espiritual feita para amar o Senhor, para crescer em virtude e santidade, destinada ao Paraíso, à comunhão eterna com Deus.[12] A consideração do ilimitado amor divino, que nos foi revelado no sacrifício de Cristo pela salvação da humanidade, e da especial predileção de Deus pelas crianças e pelos jovens, deve levá-los a corresponder com generosidade, a “orientar cada ação” para a consecução do fim para o qual foram criados, com o firme propósito de fazer todas as coisas que possam agradar ao Senhor e evitar “as coisas que possam desagradá-lo”.[13] E como a salvação de uma pessoa “normalmente depende do tempo da juventude”, é indispensável começar logo a servir ao Senhor: “Se começarmos uma vida boa agora que somos jovens, bons seremos em nossa idade avançada, boa será nossa morte e o início da felicidade eterna. Ao contrário, se os vícios se apossarem de nós em nossa juventude, eles continuarão em todas as nossas idades até a morte. Uma garantia fatal demais de uma eternidade muito infeliz.[14]
            Dom Bosco, portanto, convida os adolescentes a se entregarem “a tempo a Deus”, a se empenharem com alegria no seu serviço, superando o preconceito de que a vida cristã é triste e melancólica: “Não é verdade, será melancólico aquele que serve ao demônio, que por mais que procure mostrar-se alegre, terá sempre um coração que chora, dizendo-lhe: és infeliz porque és inimigo de Deus […]. Coragem, pois, meus queridos, entreguem-se a tempo à virtude, e eu lhes asseguro que terão sempre um coração alegre e contente, e saberão como é doce servir ao Senhor”.[15]
            A vida cristã consiste essencialmente em servir o Senhor com “santa alegria”; essa é uma das ideias mais fecundas e peculiares da herança espiritual e pedagógica de Dom Bosco: “Se fizeres assim, quantas consolações sentirás na hora da morte! Pelo contrário, se não procuras servir a Deus, quantos arrependimentos sentirás no fim dos teus dias”.[16] Aquele que adia a conversão, que consome seus dias na ociosidade ou em dissipações inúteis e prejudiciais, em pecados ou vícios, corre o risco de não ter mais a oportunidade, o tempo e a graça de voltar a Deus com o perigo da condenação eterna.[17] De fato, a morte pode surpreendê-lo quando menos espera: “Ai daquele que estiver na desgraça de Deus naquele momento”.[18] Mas a misericórdia divina oferece ao pecador arrependido o sacramento da Penitência, um meio seguro de recuperar a graça e, com ela, a paz no coração. Celebrado regularmente e com as disposições adequadas, o sacramento não só se torna um instrumento eficaz de salvação, mas também um momento educativo privilegiado no qual o confessor, “fiel amigo da alma”, pode orientar com segurança o jovem no caminho da salvação e da santidade. A confissão é preparada com um bom exame de consciência, pedindo luz ao Senhor: “Iluminai-me com a vossa graça, para que eu conheça agora os meus pecados, assim como me dareis a conhecer quando eu comparecer perante o vosso julgamento. Fazei, ó meu Deus, que os deteste com verdadeira dor”.[19] A celebração regular do sacramento garante a serenidade necessária para viver uma vida verdadeiramente feliz: “Parece-me que esse é o meio mais seguro para viver dias felizes em meio às aflições da vida, ao final das quais também veremos calmamente o momento da morte se aproximar”.[20]
            A amizade com Deus reconquistada por meio da Confissão encontra seu ápice na Comunhão Eucarística, um momento privilegiado no qual o jovem oferece tudo de si para que Deus possa “tomar posse” de seu coração e se tornar seu senhor incontestável. No ato em que ele se abre sem reservas à ação santificadora e transfiguradora da graça, ele experimenta a alegria inefável que acompanha uma experiência espiritual genuína e é levado a desejar ardentemente a comunhão eterna com Deus: “Se eu quiser algo grande, vou receber a hóstia sagrada na qual se encontra o corpus quod pro nobis traditum est, aquele mesmo corpo, sangue, alma e divindade que Jesus Cristo ofereceu ao seu Pai eterno por nós na cruz. O que me falta para ser feliz? Nada neste mundo: só me falta poder gozar, revelado no céu, daquele que agora, com olhos de fé, vejo e adoro no altar”.[21]
            Apesar do forte acento emocional que conota o sentimento religioso do século XIX, a espiritualidade proposta por Dom Bosco é muito concreta. De fato, ele apresenta a conversão como um processo de apropriação das promessas batismais, que começa no momento em que o jovem, de “maneira franca e decidida”, decide responder ao chamado divino,[22] para desapegar o coração do afeto pelo pecado a fim de amar a Deus acima de tudo e deixar-se moldar docilmente pela graça. A conversão se traduz, portanto, em uma vida laboriosa e ardente, animada pela caridade, em um esforço positivo e alegre pela perfeição, começando pelas pequenas coisas cotidianas. O fervor da caridade inspira uma mortificação “positiva” dos sentidos, centrada na superação de si mesmo, na reforma da vida, no cumprimento pontual dos deveres, na cordialidade e no serviço ao próximo. Essa mortificação não tem nada de aflitivo, porque é uma adesão generosa à vida com seus imprevistos e dificuldades, é a capacidade de suportar as adversidades cotidianas, é a firmeza na fadiga, é a sobriedade e a temperança, é a fortaleza. Toda ocasião, portanto, pode se tornar uma expressão do amor de Deus, um amor que leva a pessoa a viver e trabalhar “na presença dele”, a fazer tudo e suportar tudo por causa dele.
            A caridade anima a oração de maneira especial, pois, por meio de pequenas práticas, jaculatórias, visitas e devoções, alimenta o desejo de comunhão afetuosa, traduz-se em doação incondicional, adaptação alegre à vontade divina, desejo de união mística e anseio pela comunhão eterna do Paraíso.
            Dom Bosco resume sua proposta em fórmulas simplificadoras, mas não diminui o nível, e lembra constantemente aos jovens que é necessário decidir com determinação: “De quantas coisas, então, precisamos para nos tornarmos santos? Apenas uma coisa: é preciso querer. Sim, desde que queirais, podeis ser santos: tudo o que precisais é querer”. Isso é demonstrado pelos exemplos de santos “que viveram em circunstâncias humildes e em meio às dificuldades de uma vida ativa”, mas se santificaram simplesmente “fazendo bem tudo o que tinham de fazer. Eles cumpriram todos os seus deveres para com Deus, sofrendo tudo por causa dele, oferecendo-lhe suas dores, seus trabalhos: essa é a grande ciência da salvação eterna e da santidade”.[23]
            A experiência de Miguel Magone, aluno do Oratório de Valdocco, é esclarecedora. “Abandonado a si mesmo – escreveu Dom Bosco – corria o risco de começar a trilhar o triste caminho do mal”; o Senhor o convidou a segui-lo; “ele escutou o amoroso chamado e, respondendo constantemente à graça divina, chegou a atrair a admiração de todos os que o conheciam, mostrando assim como são maravilhosos os efeitos da graça de Deus sobre aqueles que se esforçam para corresponder a ela”.[24] Decisivo é o momento em que o rapaz, tendo tomado consciência de sua situação e superado, com a ajuda de seu educador, o profundo sentimento de angústia e culpa que o atormentava, sentiu que “era hora de romper com o demônio” e decidiu “entregar-se a Deus” por meio de uma boa confissão e de uma firme resolução.[25] Dom Bosco relata as emoções e as reflexões do adolescente na noite seguinte à confissão: restaurado na graça de Deus e seguro de sua salvação eterna,[26] experimenta uma alegria irreprimível.

             “É difícil”, ele costumava dizer, “expressar os afetos que ocuparam meu pobre coração naquela noite memorável. Passei-a quase inteiramente sem dormir. Permanecia dormindo por alguns momentos, e rapidamente minha imaginação me fazia ver um inferno aberto cheio de demônios. Afastava rapidamente essa imagem sombria, refletindo que meus pecados haviam sido todos perdoados e, naquele momento, pareceu-me ver um grande número de anjos me mostrando o paraíso e me dizendo: – Vê que grande felicidade está reservada para ti, se fores constante nos teus propósitos!
            Quando cheguei à metade do tempo designado para o descanso, eu estava tão cheio de contentamento, emoção e vários afetos que, para dar vazão à minha alma, levantei-me, ajoelhei-me e disse repetidamente estas palavras: «Oh, como são infelizes aqueles que caem em pecado! Mas como são ainda mais infelizes aqueles que vivem em pecado». Acredito que se eles pudessem provar, mesmo que por um momento, o grande consolo sentido por aqueles que estão na graça de Deus, todos eles iriam se confessar para aplacar a ira de Deus, aliviar o remorso da consciência e desfrutar da paz do coração. Ó pecado, pecado! Que terrível flagelo tu és para aqueles que te deixam entrar em seus corações! Meu Deus, para o futuro, nunca mais quero ofender-vos; pelo contrário, quero amar-vos com toda a força de minha alma; e se, por infelicidade, eu cair em um pequeno pecado, irei rapidamente me confessar”.[27]

            Encontramos aqui as chaves para interpretar o horizonte de sentido no qual Dom Bosco coloca a função pedagógica e espiritual do exercício da boa morte.

(continua)


[1] Bosco. Il giovane provveduto. p. 140.

[2] Encontramos a mesma fórmula, com pequenas variações, em um panfleto anônimo intitulado Mezzi da praticarsi e risoluzioni da farsi dopo una buona confessione per mantenersi nella grazia di Dio riacquistata, Vigevano, s.e., 1842, 33-36. Cf. também Il cristiano in chiesa, ovvero affettuose orazioni per la Messa, per la Confessione e Comunione e per l’adorazione del Santissimo Sacramento. Operetta spirituale del P. Fulgenzio M. Riccardi di Torino, Min. Oss., Torino, G. B. Paravia 1845, onde a atribuição da sequência é, na redação, semelhante à de Dom Bosco: “Litanie per ottenere una buona morte composte da una Damigella nata tra i Protestanti, convertasi alla Religione Cattolica all’età di quindici anni, e morta di diciotto in istima universale di santità” (ibid., 165).

[3] Pietro Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica. Vol. II: Mentalità religiosa e spiritualità, Roma, LAS, 1981, 340. Cf. também Michel Bazart, Don Bosco et l’exercice de la bonne mort, em « Cahiers Salésiens » N. 4, Avril 1981, 7-24.

[4] Por exemplo, pode ser encontrada, com algumas reformulações estilísticas e pequenas ampliações, sob o título “Gemidos e súplicas para uma boa morte”, em Giuseppe Riva. Manuale di Filotea. Vigésima primeira edição novamente revisada e aumentada, Milão, Serafino Majocchi, 1874, 926-927.

[5] Bosco, Il giovane provveduto, 138-142.

[6] Ver, por exemplo, a primeira consideração “Ritratto d’un uomo da poco tempo morto”, em Afonso Maria de Liguori. Opere ascetiche. vol. 8, Apparecchio alla morte, Torino, Giacinto Marietti, 1825, 10-19.

[7] Angelo Antonio Scotti, Osservazioni sulle false dottrine e sulle funeste conseguenze dell’opera del Lauvergne intitolata “De l’agonie et de la mort dans toutes les classes de la societé”. Dissertazione letta nell’Accademia di Religione Cattolica in Roma il dì 4 luglio 1844, Roma, Tipografia delle Belle Arti, 1844, 3. Scotti polemiza com o autor francês, um médico e cientista, que considera falsa a afirmação de que somente os verdadeiros católicos morrem em paz: Ateus ou adeptos de outras religiões ou mesmo indivíduos imorais e maus também podem morrer serenamente, ao passo que não é raro que homens santos, pessoas de grande virtude e ascetas, especialmente entre os católicos, sofram agonias excruciantes e desesperadoras, pois tudo depende do tipo de doença, da lucidez cerebral, do estado de debilitação fisiológica ou psíquica e das ansiedades induzidas pelo fanatismo religioso, cf. Hubert Lauvergne, De laurel, 1844, p. 1, e o senhor, que é um dos mais importantes médicos e cientistas, considera que a morte é um fenômeno que pode ser considerado como um fenômeno de morte. Hubert Lauvergne, De l’agonie et de la mort dans toutes les classes de la societé sour le rapport humanitaire, physiologique et religieux, 2 vols., Paris, Librairie de J. M., p. 1, Paris, Librairie de J.-B. Baillière et C. Gosselin, 1842.

[8] Giovanni Bosco. Vita del giovanetto Savio Domenico allievo dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, Turim, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1859, 116.

[9] Scotti. Osservazioni sulle false dottrine, 14-15.

[10] Stella. Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, vol. II, 341.

[11] Bosco, O jovem instruído, 7.

[12] Cf. ibid., 10.

[13] Ibid., 10-11.

[14] Ibid., 6.

[15] Ibid., 13.

[16] Ibid., 32.

[17] Cf. ibid., 32-34.

[18] Ibid., 38.

[19] Ibid., 93.

[20] Bosco, Life of Young Dominic Savio, p. 136.

[21] Ibid., 69.

[22] Giovanni Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele allievo dell’Oratorio di S. Francesco di Sales, Torino, Tip. G. B. Paravia e Comp., 1861, 4-5.

[23] João Bosco, Vita di santa Zita serva e di sant’Isidoro contadino. Turim, P. De-Agostini, 1853, 6-7

[24] Bosco, Cenno biografico sul giovanetto Magone Michele [Nota biográfica sobre o jovem Miguel Magone], 5.

[25] Ibid., 20-21.

[26] “Terminada [a confissão], antes de deixar o confessor, ele lhe disse: ‘Parece-lhe que todos os meus pecados me foram perdoados? Se eu morresse nesta noite, seria salvo?’ – Vá em paz, foi-lhe respondido. O Senhor, que em sua grande misericórdia esperou por você até agora para que tivesse tempo de fazer uma boa confissão, certamente perdoou todos os seus pecados; e se em seus adoráveis decretos ele o chamasse nesta noite para a eternidade, você estaria salvo” (ibid., 21).

[27] Ibid., 21-22.




Salesianos no Azerbaijão: semeadores de esperança

A história de um jovem que expressa gratidão pelo trabalho da única comunidade salesiana no Azerbaijão, um ponto de referência para muitos jovens da capital.

O Azerbaijão (oficialmente República do Azerbaijão) é um país localizado na região da Transcaucásia, fazendo fronteira com o Mar Cáspio a leste, com a Rússia ao norte, com a Geórgia e a Armênia a oeste e com o Irã ao sul. Sua população é de cerca de 10 milhões de habitantes, que falam o idioma azerbaijano, que pertence à família das línguas turcas. A principal riqueza do país é o petróleo e o gás. Tornou-se independente em 1918 e foi o primeiro estado democrático secular com maioria muçulmana. No entanto, sua independência durou apenas dois anos, pois foi incorporado à recém-formada União Soviética em 1920. Com a queda do Império Soviético, o país recuperou sua independência em 1991. Durante esse período, a região de Nagorno Karabakh, habitada principalmente por armênios, declarou sua independência sob o nome de República de Artsakh, um evento que levou a várias guerras. Ela reapareceu no noticiário internacional após o recente ataque do Azerbaijão em 19 de setembro de 2023, que levou à supressão da referida república e ao êxodo de quase todos os habitantes armênios dessa região para a Armênia.

A presença de cristãos nessa região é mencionada desde os primeiros séculos depois de Cristo. No século IV, o rei caucasiano Urnayr declarou oficialmente o cristianismo como a religião do Estado e assim permaneceu até o século VIII, quando, após uma guerra, o Islã se impôs. Atualmente, a religião majoritária é o Islã, dominado pelos xiitas, e os cristãos de todas as denominações representam 2,6% da população.
A presença de católicos no país remonta a 1882, quando foi fundada uma paróquia; em 1915, uma igreja foi construída na capital Baku, demolida pelos comunistas soviéticos em 1931, dissolvendo a comunidade e prendendo o pároco, que morreu um ano depois em um campo de trabalhos forçados.

Após a queda do comunismo, a comunidade católica de Baku foi reconstituída em 1997 e, depois de uma visita do Papa São João Paulo II ao Azerbaijão em 2002, foi obtido um terreno para a construção de uma nova igreja, consagrada à Imaculada Conceição e inaugurada em 29 de abril de 2007.

A presença salesiana no Azerbaijão foi aberta no ano jubilar de 2000, na capital Baku, a maior cidade do país, com uma população de mais de 2 milhões de habitantes.

O diretor da casa salesiana de Baku, P. Martin Bonkálo, nos diz que a missão salesiana se encarna em contextos diferentes e sempre novos, como resposta aos desafios e às necessidades da juventude. Os ecos de Dom Bosco podem ser ouvidos também no Azerbaijão, na Ásia Central, um país de maioria muçulmana, que viveu o regime soviético no século passado.
Nessa casa vivem e trabalham sete salesianos, dos quais cinco sacerdotes e dois coadjutores, pertencentes à Inspetoria Eslovaca (SLK), que cuidam da paróquia de Santa Maria e do Centro Educativo “Maryam”. Esse é um trabalho para o desenvolvimento integral dos jovens: evangelização, catequese, educação e ajuda social.
Em todo o país, os católicos são um pequeno rebanho que professa sua fé com coragem e esperança. O trabalho dos salesianos é, portanto, baseado no testemunho do amor de Deus em várias formas. As relações com o povo são abertas, claras e amistosas: isso favorece o florescimento da ação educativa.

Os jovens são como qualquer outro jovem no mundo, com seus medos e talentos. Seu maior desafio é receber uma boa instrução para ganhar a vida. Os jovens procuram um ambiente educativo e pessoas capazes em nível profissional e humano, que saibam comunicar o caminho a seguir para buscar o sentido da vida.
Os salesianos se comprometem a olhar para o futuro, a enriquecer sua presença no país, a torná-la mais internacional e a permanecer fiéis ao carisma transmitido por Dom Bosco, com alegria e entusiasmo.

Shamil, ex-aluno do Centro Salesiano de Baku, conta: “Entrei em contato com o Centro Maryam em 2012 e esse encontro foi fundamental para o resto da minha vida. Naquela época, eu tinha feito o serviço militar e estava terminando meus estudos em uma faculdade de informática. Eu precisava crescer profissionalmente, mas, ao mesmo tempo, precisava muito de amigos no mundo real! Cheguei a Baku vindo do interior e encontrei um amigo na rua que me falou sobre o Centro Maryam. Então, fomos juntos visitá-lo e, a partir daí, começou um belo capítulo em minha vida. Desde o primeiro dia, encontrei-me em um mundo diferente, difícil de explicar, mas digo em meu coração que é uma ilha. Para mim, ela se tornou uma ilha de humanidade, em um mundo moderno que geralmente se interessa em usar as pessoas e não se importa com elas.

Sem que eu percebesse, o programa no centro juvenil havia começado e eu fazia parte de uma equipe. Alguém jogava vôlei, alguém jogava tênis de mesa, um grupo de rapazes tocava violão… Mais tarde, sentamos no refeitório e todos tiveram a oportunidade de compartilhar uma palavra para expressar sua opinião sobre o dia que haviam passado, suas impressões ou novas ideias. Eu era um cara bastante tímido, mas comecei a falar alegremente sobre os eventos do dia e tópicos gerais sem nenhuma dificuldade ou restrição. Entre os vários cursos do centro, decidi começar com o curso de gráficos de Photoshop e o curso de inglês. Quando tive que deixar meu emprego por motivos de saúde, também perdi o teto. A solução foi trabalhar no centro como guarda, com certos deveres e responsabilidades. Fiquei em período de experiência por um mês e estou feliz por não ter decepcionado ninguém e por ter encontrado um novo lar. Quando, em 2014, o P. Stefan começou a desenvolver o projeto de rede de computadores da Academia Cisco no centro, teve início minha carreira como engenheiro de rede. Durante o mesmo período, pude aprender três ofícios domésticos: soldagem, eletricidade e hidráulica. Em 2016, tornei-me um instrutor oficial da Cisco e agora estou trabalhando como engenheiro de rede há seis anos. Esse trabalho permitiu que eu e minha família nos reerguêssemos após anos de vida muito precária. Além do meu trabalho, dou cursos sobre redes de computadores, tornei-me animador e ajudo a organizar acampamentos de verão para crianças. Só posso ser grato a Dom Bosco por tudo o que ele me proporcionou na vida”.

Há muitas histórias de jovens como Shamil, que conseguiram mudar suas vidas graças ao trabalho dos salesianos em Baku, e esperamos que esse trabalho possa florescer e continuar a ser frutífero.

Marco Fulgaro




Você já pensou em sua vocação? São Francisco de Sales poderia ajudar você (8/10)

(continuação do artigo anterior)

8. Oração ou serviço

Caros jovens,
a caridade e a oração sempre andam juntas. Devo dizer-lhes que, da pessoa de Jesus, uma de suas declarações sempre me tocou muito: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração”. (Mt 11,29).
Pois bem, o Jesus manso e humilde de coração sempre uniu fortemente o fato de ser o Filho do Pai que o ama e com o qual está em perfeita sintonia, com a outra dimensão, a da caridade e do amor ao próximo: “Tudo o que fizestes ao menor deles, a mim o fizestes… ele será perdoado porque amou muito… tive fome e me destes de comer…”.
Vocês me perguntam como podem se tornar santos em sua vida diária: por meio da oração e do apostolado. Enquanto a oração alimenta a amizade com Deus, por meio do silêncio, dos Sacramentos e da Palavra de Deus, a caridade leva a amar os irmãos e irmãs, a construir a comunidade até o ponto da comunhão. O apostolado, a doação de si mesmo aos irmãos e irmãs, antes de tudo aos mais próximos, é também a maneira pela qual se pode começar a encontrar Deus: se, de fato, vocês se doarem aos seus irmãos e irmãs com um coração manso e humilde, encontrarão aquele Jesus que diz “a mim o fizestes”. A santidade cristã (que eu costumava chamar de “devoção”) consiste exatamente nisso: é o amor de Deus que age em nós e nós o acompanhamos em nossa doação aos outros, com rapidez, prontidão e de todo o coração.
O amor a Deus e o amor ao próximo não são apenas os dois principais mandamentos, mas são espelhos um do outro; vocês diriam que um é o certificado de qualidade do outro. Para ajudá-los a entender isso, lembro-me de uma vez ter dado um conselho a uma mulher que estava se empenhando fortemente com a oração: “Uma alma que vive a liberdade que vem de Deus, se for interrompida em sua oração, sairá com um rosto tranquilo e um coração gentil em relação ao perturbador que a incomodou, porque tudo é igual para ela, seja para servir a Deus meditando, seja para servi-lo suportando o próximo; uma coisa ou outra são a vontade de Deus; mas naquele momento é necessário suportar e ajudar o próximo.
Vocês podem estar pensando que viver dessa forma em seu mundo é muito complicado. A cultura e o momento histórico/religioso em que vivi eram certamente muito conflituosos, mas imbuídos de um senso religioso e de respeito pela fé cristã generalizada. Não é assim na época de vocês.
No entanto, posso dizer-lhes que eu também tive (e quis) viver por alguns anos uma forma decididamente desafiadora de trabalho missionário em uma terra hostil, governada civil e religiosamente por calvinistas.
Pensando bem, eu poderia lhes contar algumas coisas sobre minha experiência e, talvez, isso possa lhes oferecer algumas pequenas sugestões sobre como viver nessa época complexa. A fim de descobrir as motivações de nossos “adversários” huguenotes, pedi permissão ao papa para ler vários textos que, na época, eram proibidos para um católico, em que o catolicismo era amargamente contestado. Meu objetivo era encontrar pontos em comum e depois ir às raízes de suas teorias, especialmente se fossem ambíguas ou incorretas.
Mesmo quando fui insultado, ameaçado, acusado de magia, caluniado, respondi com gentileza às pessoas simples, mas com absoluta firmeza cultural àqueles que estavam de má fé. Quanta oração, penitência e jejum ofereci ao Senhor por esses nossos pobres irmãos. Vocês levam o Evangelho com todo o seu ser e muito mais eficazmente com a ajuda concreta, a disposição para ouvir, a humildade de abordagem que muitas vezes dissolve a arrogância.
A uma senhora e mãe, a quem acompanhei epistolarmente durante vários anos, eu dava um conselho que talvez lhes seja útil:
A senhora não deve apenas ser devota e amar a devoção, mas deve torná-la amável para todos: a senhora a tornará amável, se a tornar útil e agradável. Os doentes amarão sua devoção se encontrarem conforto em sua caridade; sua família, se reconhecerem que a senhora está mais atenta ao bem-estar deles, mais gentil nos relacionamentos, mais amável em suas correções… seu marido, se vir que, quanto mais cresce sua devoção, mais cordial é com ele e mais doce é o afeto que lhe dedica; seus parentes e amigos, se virem na senhora maior franqueza, tolerância e obediência aos desejos deles que não sejam contrários aos de Deus. Em resumo, a senhora deve tornar sua devoção atraente.

Escritório de Animação Vocacional

(continua)




O exercício da “boa morte” na experiência educacional de Dom Bosco (2/5)

(continuação do artigo anterior)

1. O exercício da boa morte nas instituições salesianas e a tradição secular das Praeparationes ad mortem [Preparações para a morte]

            Desde os primórdios do Oratório fundado em Valdocco (1846-47), Dom Bosco propôs aos jovens o exercício mensal da boa morte como meio ascético destinado a estimular – mediante uma visão cristã da morte – uma atitude constante de conversão e de superação dos limites pessoais e a assegurar, mediante uma confissão e uma comunhão bem feitas, as condições espirituais e psicológicas favoráveis para um frutuoso caminho de vida cristã e para a construção das virtudes, em dócil cooperação com a ação da graça de Deus. Naquela época, a prática era feita na maioria das paróquias, instituições religiosas e educativas. Para o povo, era o equivalente ao retiro mensal. Nos Oratórios Salesianos, era realizado no último domingo de cada mês e consistia, como lemos na Regulamento, “em uma cuidadosa preparação, a fim de fazer uma boa confissão e comunhão, e alcançar as coisas espirituais e temporais, como se estivéssemos no fim da vida”.[1]
            O exercício tornou-se prática comum em todas as instituições educativas salesianas. Nos colégios e internatos, era realizado no último dia do mês, em comum entre educadores e meninos.[2] As próprias Constituições Salesianas, desde o primeiro esboço, estabeleceram a sua normatividade: “O último dia de cada mês será um dia de retiro espiritual, no qual, deixando, na medida do possível, os assuntos temporais, cada um se recolherá em si mesmo, fará o exercício da boa morte, arrumando as coisas espirituais e temporais, como se fosse deixar o mundo e partir para a eternidade”.[3]
            O procedimento era simples. Os rapazes, reunidos na capela, pronunciavam comunitariamente as fórmulas propostas no Jovem Instruído, que forneciam o significado espiritual e teológico essencial da prática. Em primeiro lugar, a oração do Papa Bento XIII era recitada “para implorar de Deus a graça de não morrer de morte súbita” e para obter, por meio dos méritos da paixão de Cristo, não ser levado “de qualquer forma deste mundo”, de modo a ainda ter um adequado “espaço de penitência” e se preparar para “uma passagem feliz e em graça […], para que eu vos ame [Senhor Jesus] de todo o meu coração, vos louve e vos bendiga para sempre”. Em seguida, era lida a oração a São José para implorar “o pleno perdão” dos pecados, a graça de imitar suas virtudes, de andar “sempre pelo caminho que leva ao céu” e de ser defendido “dos inimigos da alma nesse último momento da vida; de modo que, confortado pela doce esperança de voar […] para possuir a glória eterna no Paraíso, possa expirar pronunciando os santíssimos nomes de Jesus, José e Maria”. Finalmente, um leitor enunciava a ladainha da boa morte, a cada uma das quais se respondia com a jaculatória “Ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim”.[4] O exercício devocional era seguido pela confissão pessoal e pela comunhão “geral”. Eram convidados confessores “extraordinários” para a ocasião, para que todos tivessem a oportunidade e a plena liberdade de resolver questões de consciência.
            Os religiosos salesianos, além das orações recitadas em comum com os alunos, faziam um exame de consciência mais articulado. Em 18 de setembro de 1876, Dom Bosco explicou aos discípulos como torná-lo frutuoso:

             “Será útil comparar mês a mês: tive proveito neste mês, ou houve regressão em mim? Depois, descer aos detalhes: nesta virtude, e nas outras, como me comportei?
            E, especialmente, se faça uma revisão sobre o que constitui o tema dos votos e das práticas de piedade: com relação à obediência, como me comportei? Progredi? Por exemplo, fiz a assistência que me foi confiada? Como a fiz? Como me empenhei naquela aula? Quanto à pobreza, seja em roupas, alimentos, celas, tenho algo que não seja pobre? Fui guloso? Reclamei quando me faltava algo? Em seguida, quanto à castidade: não dei origem em mim mesmo a maus pensamentos? Afastei-me cada vez mais do amor dos parentes? Mortifiquei-me na gula, nos olhares etc.?
            E, assim, repassar as práticas de piedade e observar especialmente se houve alguma tibieza, se as práticas foram feitas sem entusiasmo.
            Esse exame, seja mais longo ou mais breve, deve ser feito sempre. Como há várias pessoas que têm ocupações das quais não podem se eximir em nenhum dia do mês, será lícito manter essas ocupações, mas que cada um, naquele dia, faça seu próprio exame de consciência [de modo] para realizar essas considerações e tomar boas resoluções especiais”.[5]

            O objetivo, portanto, era estimular o monitoramento regular da própria vida em uma função perfectiva. Essa função primordial de estimular e apoiar o crescimento virtuoso explica por que Dom Bosco, na introdução às Constituições, chegou a afirmar que a prática mensal da boa morte, juntamente com os exercícios espirituais anuais, constitui “a parte fundamental das práticas de piedade, aquela que, de certo modo, engloba todas elas”; e concluiu dizendo: “Creio que se pode dizer que a salvação de um religioso está garantida se todos os meses ele se aproxima dos Santíssimos Sacramentos e ajusta a situação de sua consciência, como se tivesse de partir desta vida para a eternidade”.[6]
            Com o tempo, o exercício mensal foi aperfeiçoado, como lemos em uma nota inserida nas Constituições promulgadas pelo padre Miguel Rua após o 10º Capítulo Geral:

             “a. O exercício da boa morte deve ser feito em comum e, além do que prescrevem as nossas Constituições, deve-se ter em mente estas regras: I) Além da meditação habitual pela manhã, deve-se fazer novamente meia hora de meditação à noite, e essa meditação deve versar sobre algum novíssimo; II) Deve-se fazer uma revisão mensal da consciência, e a confissão desse dia deve ser mais acurada do que a habitual, como se de fato fosse a última da vida, e a Santa Comunhão deve ser recebida como viático. III) Depois da missa e das orações habituais, recitem-se as orações indicadas no manual de piedade; IV) Reflita-se, pelo menos durante meia hora, no progresso ou na regressão que se fez na virtude durante o mês passado, especialmente no que diz respeito aos propósitos feitos nos exercícios espirituais, na observância das Regras, e tomem-se resoluções firmes para uma vida melhor; V) Leiam-se neste dia todas, ou pelo menos parte, das Constituições da Pia Sociedade; VI) Também será bom escolher um santo padroeiro para o mês que está prestes a começar.
            b. Se alguém não puder, por causa de suas ocupações, fazer o exercício da boa morte em comum, nem realizar todas as obras de piedade acima mencionadas, deverá, com a permissão do Diretor, cumprir apenas aquelas que forem compatíveis com suas ocupações, adiando as outras para um dia mais conveniente”.[7]

            Essas indicações revelam a substancial continuidade e harmonia com a tradição secular da preparatio ad mortem amplamente documentada pela produção de livros desde o início do século XVI. Os apelos evangélicos para uma espera vigilante e operativa (cf. Mt 24,44; Lc 12,40), para manter-se preparado para o julgamento que determinará o destino eterno entre os “bem-aventurados” ou os “malditos” (Mt 25,31-46), juntamente com a admoestação quaresmal “Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris[lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó voltarás]. Ao longo dos séculos, estas práticas alimentaram constantemente as considerações dos mestres de espírito e dos pregadores, inspiraram representações artísticas, traduziram-se em rituais, práticas devotas e penitenciais, sugeriram propósitos e anseios amorosos de comunhão eterna com Deus. Também despertaram temores, ansiedades e, às vezes, angústias, de acordo com as sensibilidades espirituais e as visões teológicas das várias épocas.
            As sábias reflexões sapienciais do De praeparatione ad mortem de Erasmo e de outros humanistas,[8] imbuídas de um espírito evangélico genuíno, mas tão eruditas que pareciam exercícios retóricos, gradualmente deram lugar, entre o século XVII e o início do século XVIII, às exortações morais dos pregadores e às considerações morais dos espiritualistas. Um opúsculo do Cardeal João Bona afirmava que a melhor preparação para a morte é a remota, realizada por meio de uma vida virtuosa na qual se exercita diariamente para morrer a si mesmo e a fugir de todas as formas de pecado, para viver de acordo com a lei de Deus em comunhão de oração com ele;[9] recomendava a oração constante para obter a graça de uma morte feliz; sugeria dedicar um dia por mês para se preparar para a morte no silêncio e na meditação, purificando a alma com uma “confissão diligente e dolorosa”, após um exame cuidadoso do próprio estado, e aproximando-se da Comunhão per modum Viatici [como se fosse o Viático], com intensa devoção;[10] em seguida, convidava as pessoas a terminar o dia imaginando-se em seu leito de morte, no seu último momento:

             “Renovarás atos mais intensos de amor, agradecimento e de desejo de ver a Deus; pedirás perdão por tudo; dirás: «Senhor Jesus Cristo, nesta hora de minha morte, coloca tua paixão e morte entre teu julgamento e minha alma. Pai, em vossas mãos entrego meu espírito. Ajudai-me, santos de Deus, apressai-vos, ó anjos, para sustentar minha alma e a oferecê-la diante do Altíssimo» […]. Depois imaginarás que tua alma está sendo levada ao terrível julgamento de Deus e que, pelas orações dos santos, tua vida seja prolongada para que possas fazer penitência: então, propondo-te com afinco a viver mais santamente, no futuro te considerarás e te comportarás como morto para o mundo e vivendo apenas para Deus e para a penitência”.[11]

            João Bona encerrou sua Praeparatio ad mortem com uma aspiração devota centrada no anseio pelo Paraíso, permeada por intensa inspiração mística.[12] O cardeal cisterciense havia sido aluno dos jesuítas. Foi deles que ele tirou a ideia do dia mensal de preparação para a morte.
            A meditação sobre a morte era parte integrante dos exercícios espirituais e das missões populares: a morte é certa, o momento de sua chegada é incerto. Devemos estar preparados porque, quando ela chegar, Satanás multiplicará seus ataques para nos arruinar eternamente: “Qual a consequência então? […] Praticar bons hábitos agora, durante a vida. Não me contentar apenas em viver na graça de Deus, nem permanecer um só momento no pecado; mas viver habitualmente uma vida tal que, pelo exercício contínuo de boas obras, no último momento o Demônio não consiga me perder por toda a eternidade”.[13]
            A partir do século XVII e durante todo o século XVIII, os pregadores enfatizaram a importância do tema, modulando suas reflexões de acordo com as sensibilidades do gosto barroco, com forte acentuação dos aspectos dramáticos, sem, contudo, desviar a atenção dos ouvintes do essencial: a aceitação serena da morte, o chamado à conversão do coração, a vigilância constante, o fervor nas obras virtuosas, a oferta de si mesmo a Deus e o anseio pela eterna comunhão de amor com ele. Gradualmente, o exercício da boa morte assumiu uma importância cada vez maior, até se tornar uma das principais práticas ascéticas do catolicismo. O modelo de como ele deveria ser realizado é oferecido, por exemplo, em um opúsculo do século XVII de um jesuíta anônimo:

             “Escolhei um dia em cada mês dos mais livres de todos os outros afazeres, no qual devereis, com especial diligência, dedicar-vos à Oração, à Confissão, à Comunhão e à Visita ao Santíssimo Sacramento.
            A Oração desse dia terá que ser de duas horas em duas vezes: e o assunto dela pode ser o que mencionaremos. Na primeira hora, concebei da forma mais vívida possível o estado em que vos encontrareis quando já estais morrendo […]. Considerai o que gostaríeis de ter feito ao morrer, primeiro em relação a Deus, segundo em relação a vós mesmos e terceiro em relação ao próximo, envolvendo nessa meditação vários afetos fervorosos de arrependimento, propósitos e pedidos ao Senhor, a fim de implorar dele o poder de vos converterdes. A segunda Oração terá como tema os motivos mais fortes que podem ser encontrados para aceitar voluntariamente de Deus a própria morte […]. Os afetos dessa Meditação serão uma oferta da própria vida ao Senhor, um protesto de que, se pudéssemos prolongá-la, além de seu divino beneplácito, não o faríamos; um pedido para oferecer esse sacrifício com aquele espírito de amor que exige o respeito devido à Sua amorosíssima Providência e disposição.
            A vossa confissão deve ser feita com mais diligência e como se fosse a última vez que vos lavareis no preciosíssimo sangue de Jesus Cristo […].
            A comunhão, também, deve ser feita com uma preparação mais extraordinária, como se estivésseis comungando como Viático, adorando aquele Senhor que esperais adorar por toda a eternidade; agradecendo-lhe pela vida que vos concedeu, pedindo-lhe perdão por tê-la gasto tão mal; oferecendo-vos prontamente para terminá-la, porque ele assim o deseja, e, finalmente, pedindo a graça de que vos assista nesse grande passo, para que vossa alma, apoiada em seu Amado, possa passar em segurança deste deserto para o Reino”.[14]

            O compromisso de difundir o exercício da boa morte não limitava as considerações dos pregadores e diretores espirituais ao tema dos novíssimos, como se quisessem basear o edifício espiritual apenas no medo da eternidade maldita. Esses autores conheciam os danos psicológicos e espirituais que a ansiedade e a angústia sobre a própria salvação produziam nas almas mais sensíveis. As coleções de meditações produzidas entre o final do século XVII e meados do século XVIII não só insistiam na misericórdia de Deus e no abandono nele, para conduzir os fiéis ao estado permanente de serenidade espiritual próprio daqueles que integraram a consciência de sua própria finitude temporal numa sólida visão de fé, mas também abrangiam todos os temas da doutrina e da prática cristã, da moral privada e pública: verdades da fé e temas evangélicos, vícios e virtudes, sacramentos e oração, obras espirituais e materiais de caridade, ascética e mística. A consideração do destino eterno do homem se estendia à proposta de uma vida cristã exemplar e ardente, que se traduzia em caminhos espirituais orientados para a santificação pessoal e o refinamento da vida cotidiana e social, tendo como pano de fundo uma teologia substancial e uma antropologia cristã refinada.
            Um dos exemplos mais eloquentes é fornecido pelos três volumes do jesuíta José Antônio Bordoni, que reúne as meditações oferecidas semanalmente por mais de vinte anos aos irmãos da Companhia da boa morte, que ele estabeleceu na igreja dos Santos Mártires em Turim (1719). A obra foi muito apreciada por sua solidez teológica, por sua forma desprovida de floreados retóricos e por sua riqueza de exemplos concretos, e foi reimpressa dezenas de vezes até o início do século XX.[15] Também ligados ao ambiente religioso de Turim estão os Discorsi sacri e morali per l’esercizio della buona morte [Discursos sacros e morais para o exercício da boa morte] – mais marcados pelo gosto da época, mas igualmente sólidos – pregados na segunda metade do século XVIII pelo padre Jorge Maria Rulfo, diretor espiritual da Companhia da Humildade, formada por senhoras da nobreza da Saboia.[16]
            A prática proposta por São João Bosco aos alunos do Oratório e das instituições educativas salesianas tinha, portanto, uma sólida tradição espiritual de referência.

(continua)


[1] João Bosco. Regolamento dell’Oratorio di S. Francesco di Sales per gli esterni, Turim, Tipografia Salesiana, 1877, 44.

[2] Cf. João Bosco, Regulamento para as casas da Sociedade de São Francisco de Sales, Turim, Tipografia Salesiana, 1877, 63 (parte II, capítulo II, art. 4): “[…] Uma vez por mês o exercício da boa morte será feito por todos, preparando-se para isso com algum sermão ou outro exercício de piedade”.

[3] [João Bosco], Regole o Costituzioni della Società di S. Francesco di Sales secondo il Decreto di approvazione del 3 aprile 1874, Torino, Tipografia Salesiana, 1877, 81 (cap. XIII, art. 6). O mesmo foi estabelecido nas Constituições das Filhas de Maria Auxiliadora, com uma redação muito semelhante: “O primeiro domingo ou a primeira quinta-feira do mês será um dia de retiro espiritual, no qual, deixando, na medida do possível, os assuntos temporais, cada uma se recolherá, fará o exercício da boa morte, arrumando suas coisas espirituais e temporais, como se tivesse que deixar o mundo e ir para a Eternidade. Faça-se alguma leitura de acordo com a necessidade e, onde for possível, a Superiora procure junto ao Diretor um sermão ou uma conferência sobre o assunto”, Regras ou Constituições para as Filhas de Maria Auxiliadora agregadas à Sociedade Salesiana (ed. 1885), Título XVII, art. 5, em João Bosco, Constituições para o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora (1872-1885). Textos críticos editados por Cecilia Romero, Roma, LAS, 1983, 325.

[4] Giovanni Bosco. Il giovane provveduto per la pratica de’ suoi obblighi degli esercizi di cristiana pietà per la recita dell’uffizio della Beata Vergine e de principali vespri dell’anno coll aggiunta di una scelta di laudi sacre ecc., Torino, Tipografia Paravia e Comp. 1847, 138-142.

[5] Arquivo Salesiano Central. A0000409 Sermões de Dom Bosco – Exercícios Lanzo 1876, caderno XX, ms de Júlio Barberis, pp. 10-11.

[6] João Bosco. Aos Sócios Salesianos, em Regras ou Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales (ed. 1877), 38.

[7] Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales precedidas de uma introdução escrita pelo fundador São João Bosco, Turim, Tipografia Salesiana, 1907, 227-231.

[8] Des. Erasmi Roterodami liber cum primis pius, de praeparatione ad mortem, nunc primum et conscriptus et aeditus…, Basileae, in officina Frobeniana per Hieronymum Frobenium & Nicolaum Episcopium 1533, 3-80 (Quomodo se quisque debeat praeparare ad mortem). Cf. também Pro salutari hominis ad felicem mortem praeparatione, hinc inde ex Scriptura sacra, et sanctis, doctis, et christianissimis doctoribus, ad cujusdam petitionem, et aliorum etiam utilitatem, a Sacrarum literarum professor Ludovico Bero conscripta et nunc primum edita, Basileae, per Joan. Oporinum, 1549.

[9] Giovanni Bona. De praeparatione ad mortem…, Roma, Typographia S. Michaelis ad Ripam per Hieronimum Maynardi, 1736, 11-13.

[10] Ibid., 67-73.

[11] Ibid., 74-75.

[12] Ibid., 126-132: “Affectus animae suspirantis ad Paradisum”.

[13] Carlo Ambrogio Cattaneo. Esercizi spirituali di sant’Ignazio [Exercícios Espirituais de Santo Inácio]. Trento, per Gianbatista Monauni, 1744, p. 74.

[14] Esercizio di preparazione alla morte proposto da un religioso della Compagnia di Gesù per indirizzo di chi desidera far bene un tale passo. Roma, per gl’Eredi del Corbelletti [1650], ff. 3v-6v.

[15] Giuseppe Antonio Bordoni. Discorsi per l’esercizio della buona morte. Veneza, na gráfica de Andrea Poletti, 1749-1751, 3 vols.; a edição mais recente é a de Turim de Pietro Marietti em 6 volumes (1904-1905).

[16] Giorgio Maria Rulfo, Discorsi sacri, e morali per l’esercizio della buona morte, Torino, presso i librai B. A. Re e G. Rameletti, 1783-1784, 5 vols.




Alexandre Planas Saurì, o mártir surdo (2/2)

(continuação do artigo anterior)

O salesiano

            Ele está junto aos doentes, às crianças. O Oratório, que os salesianos haviam fundado no início da casa, terminou com sua partida em 1903. Mas a paróquia de Sant Vicenç pegou a tocha por meio de um jovem, João Juncadella, um catequista nato, e o Surdo, seu grande assistente. Nasceu entre eles uma amizade muito forte e uma colaboração permanente, que só terminou com a tragédia de 1936. Alexandre cuidava da limpeza e da ordem do local, mas logo se mostrou um verdadeiro animador dos jogos e das excursões que eram organizadas. E, se necessário, não hesitava em colocar à disposição o dinheiro que economizava.

E tinha dentro de si o coração salesiano. A surdez não lhe permitiu professar como salesiano, o que ele certamente desejava. No entanto, parece que fez votos privados, com a permissão do então inspetor, P. Filipe Rinaldi, de acordo com o testemunho de um dos diretores da casa, o P. Crescenzi.

            Demonstrou sua identificação com a causa salesiana de mil maneiras, mas de uma forma particularmente significativa, cuidando pessoalmente da casa por quase 30 anos e defendendo-a na difícil situação do verão e outono de 1936.

            “Ele parecia ser o pai de cada um de nós”. Quando, em 1935, três meninos se afogaram no rio, “a dor daquele homem foi como a de perder três filhos de uma vez”. Sabemos que os salesianos não o consideravam um empregado, mas um membro da família, ou um cooperador. Hoje talvez pudéssemos dizer um leigo consagrado, no estilo dos Voluntários com Dom Bosco. “Um salesiano de grande estatura espiritual”.

Abraçado à Cruz, verdadeira testemunha de fé e de reconciliação             No outono de 1931, os salesianos retornaram a Sant Vicenç dels Horts. Os distúrbios que levaram à queda da monarquia espanhola afetaram a casa de El Campello (Alicante), onde o Aspirantado estava localizado naquela época. Portanto, foi tomada a decisão de transferi-lo para Sant Vicenç. A casa, embora relativamente dilapidada, estava pronta. E pôde se expandir com a compra de uma torre adjacente. Foi aqui que se desenvolveu a vida dos aspirantes, cujo testemunho sobre o Surdo permitiu traçar o retrato do homem, do artista, do crente e do salesiano a que nos referimos.

Cristo pregado na cruz, no pátio da casa, por Alexandre

A deposição nas mãos de Maria, no pátio da casa, por Alexandre

O Santo Sepulcro, no pátio da casa, por Alexandre

            Não é o momento de nos referirmos à situação crítica dos anos 1931-1936 na Espanha. Apesar de tudo isso, a vida no Aspirantado de Sant Vicenç transcorria normalmente. A força motriz da vida cotidiana era a consciência vocacional dos jovens, que sempre os impulsionava a olhar para frente, na esperança de se vincularem definitivamente a Dom Bosco em uma data não muito distante.

            Até que veio a revolução em 18 de julho de 1936. No mesmo dia, os salesianos e os jovens fizeram sua excursão-peregrinação ao Tibidabo. Quando voltaram à tarde, as coisas estavam mudando. Em poucos dias, a casa paroquial do vilarejo foi incendiada, o seminário salesiano foi confiscado, um clima de intolerância religiosa se espalhou por toda parte. O pároco e o vigário foram presos e mortos. As forças da lei e da ordem não conseguiram ou não souberam lidar com os tumultos. Em Sant Vicenç, assumiu o poder o “Comitê Antifascista”, de matriz claramente anticristã.

            Embora no início a vida dos educadores tenha sido respeitada por causa do cuidado com as crianças que a casa abrigava, eles tiveram que testemunhar a destruição e a queima de todos os objetos religiosos, em especial os três monumentos erguidos pelo Surdo. “Como ele sofreu”, vendo-se obrigado a colaborar com a destruição do que era expressão de sua profunda espiritualidade e a testemunhar a expulsão dos padres.

            Naqueles dias, o Surdo se deu conta claramente do novo papel que a revolução o obrigou a assumir: sem deixar de ser o principal elo da comunidade com o mundo exterior (ele sempre se movimentou livremente como moço de recados e em todo tipo de necessidade), ele tinha que guardar a propriedade como antes e, acima de tudo, proteger os seminaristas. “Na realidade, era ele quem representava os salesianos e agia como nosso pai”. De fato, em poucos dias restavam apenas os coadjutores e um grupo cada vez menor de aspirantes.

            A expulsão definitiva de ambos ocorreu em 12 de novembro. Em Sant Vicenç, apenas o Sr. Alexandre permaneceu. Sobre seus últimos dias de vida, temos apenas três fatos certos: dois dos coadjutores expulsos voltaram à aldeia no dia 16 para convencê-lo a procurar um lugar mais seguro fora da aldeia, o que Alexandre recusou. Ele não podia deixar a casa que havia guardado por tantos anos, nem de manter o espírito salesiano mesmo em meio àquelas circunstâncias difíceis. Um deles, Eliseu García, não querendo deixá-lo sozinho, ficou com ele. Ambos foram presos na noite de 18 para 19. Alguns dias depois, vendo que Eliseu não havia retornado a Sarriá, outro coadjutor salesiano e um seminarista foram a Sant Vicenç para saber notícias deles. “Não sabem o que aconteceu?”, disse uma amiga que eles conheciam e que administrava um bar. “Ela nos contou em poucas palavras sobre o desaparecimento do Surdo e de Eliseu”.

            Como ele passou essa última semana? Conhecendo como se conhece a trajetória de vida do Surdo, sempre fiel aos seus princípios e à sua maneira de agir, não é difícil imaginá-lo: ajudando a uns e outros, sem esconder sua fé e caridade, com a consciência de que estava fazendo o bem, contemplando o mistério da paixão e morte de Cristo, real e presente na vida dos perseguidos, desaparecidos e assassinados… Talvez na esperança de que ele pudesse ser o guardião não apenas dos bens dos salesianos, mas o guardião de tantas pessoas que sofriam. Do crucifixo, como já lembramos, ele não quis se desfazer nem mesmo durante os meses de perseguição religiosa que culminaram em seu martírio. Com essa fé, com essa esperança, com esse imenso amor, ele ouviria do Senhor da glória: “Muito bem, servo bom e fiel. Foste fiel nas pequenas coisas; eu te confiarei muito mais. Entra na alegria do teu Senhor”. (Mt 25,21)

O Evangelho do Surdo

            Tendo chegado a esse ponto, qualquer espírito, por mais insensível que seja, só pode ficar em silêncio e tentar recolher, da melhor forma possível, o precioso legado espiritual que Alexandre deixou para a Família Salesiana, sua família adotiva. Podemos dizer algo sobre “seu evangelho”, ou seja, sobre a Boa Nova que ele proclamou e continua a nos propor com sua vida e morte?

            Alexandre é como o “surdo que mal consegue falar” de Mc 7,32. A súplica de seus pais a Jesus pela cura teria sido contínua. Como ele, Jesus o levou para um lugar solitário, longe de seu povo, e lhe disse: “Efata!” O milagre não estava na cura do ouvido físico, mas no ouvido espiritual. Parece-me que a aceitação de sua situação com um espírito de fé foi uma das experiências fundamentais de sua vida de crente que o levou a proclamar, como o surdo do Evangelho, aos quatro ventos: “Ele fez bem todas as coisas: faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37).

            E a partir daqui podemos contemplar na vida do Surdo “o tesouro escondido do Reino” (Mt 13,44); “o fermento que faz levedar toda a massa” (Mt 13,33); o próprio Jesus “que acolhe os doentes” e “abençoa as crianças”; Jesus que reza ao Pai por horas e horas e nos ensina o Pai Nosso (dar glória ao Pai, desejar o Reino, fazer a sua vontade, confiar no pão de cada dia, perdoar, livrar do mal. …) (Mt 7,9-13); “o administrador da casa que tira da sacola coisas novas e velhas, conforme melhor lhe parece” (Mt 13,52); “o bom samaritano que se compadece do homem espancado, aproxima-se dele, enfaixa suas feridas e se encarrega de sua cura” (Lc 10,33-35); “o bom pastor, guardião do redil, que entra pela porta, ama as ovelhas, a ponto de dar a vida por elas” (Jo 10,7-11)… Numa palavra, um ícone vivo das bem-aventuranças, de todas elas, na vida cotidiana (Mt 5,3-12).

            Mas, e ainda mais, podemos nos aproximar de Alexandre e contemplar com ele o Mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Um mistério que ocorre em sua vida desde o nascimento até a morte. Um mistério que o fortalece em sua fé, alimenta sua esperança e o enche de amor, com o qual pode dar glória a Deus, feito tudo para todos, com as crianças e os jovens da casa salesiana e com os habitantes de Sant Vicenç, especialmente os mais pobres, inclusive aqueles que lhe tiraram a vida: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Fazei de mim, Senhor, uma testemunha de fé e reconciliação. Que eles também possam, um dia, ouvir de teus lábios: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43).             Beato Alexandre Planas Saurì, leigo, mártir salesiano, testemunha da fé e da reconciliação, semente fecunda da civilização do Amor para o mundo de hoje, intercede por nós.

dom Joan Lluís Playà, sdb




Beato Miguel Rua, uma flor singular, nascida no jardim da Companhia da Imaculada

            Domingos Sávio chegou ao Oratório de Valdocco no outono de 1854, no final da peste mortal que havia dizimado a cidade de Turim. Ele imediatamente se tornou amigo de Miguel Rua, João Cagliero, João Bonetti e José Bongiovanni, com quem estudava na cidade. É bem provável que ele não soubesse nada a respeito da “Sociedade Salesiana”, sobre a qual Dom Bosco havia começado a falar a alguns de seus jovens em janeiro daquele ano. Mas, na primavera seguinte, teve uma ideia que confidenciou a José Bongiovanni. Havia rapazes maravilhosos no Oratório, mas também havia alguns rapazes que se comportavam mal, e havia rapazes que sofriam, lutando em seus estudos, com saudades de casa. Todos, por conta própria, tentavam ajudá-los. Por que os jovens mais dispostos não poderiam se unir, em uma “sociedade secreta”, para se tornarem um grupo compacto de pequenos apóstolos na massa de outros? José concordou. Eles conversaram sobre isso com alguns outros. Eles gostaram da ideia. Decidiu-se chamar o grupo de “Companhia da Imaculada”. Dom Bosco deu seu consentimento: eles experimentariam, elaborariam um pequeno regulamento. Pelas atas da Companhia preservadas nos Arquivos Salesianos, sabemos que os membros que se reuniam uma vez por semana eram cerca de dez: Miguel Rua (que foi eleito presidente), Domingos Sávio, José Bongiovanni (eleito secretário), Celestino Durando, João Batista Francesia, João Bonetti, clérigo Ângelo Sávio, José Rocchietti, João Turchi, Luís Marcellino, José Reano, Francisco Vaschetti. João Cagliero não estava presente porque estava convalescendo de uma doença grave e morava na casa de sua mãe. O artigo final da Regra, que foi aprovado por todos, inclusive por Dom Bosco, dizia: “Uma confiança sincera, filial e ilimitada em Maria, uma singular ternura para com Ela, uma constante devoção nos tornarão superiores a todo obstáculo, tenazes em nossas resoluções, rígidos para conosco, amorosos para com o próximo, exatos em tudo”.
            Os membros da Companhia escolheram “cuidar” de duas categorias de meninos, que na linguagem secreta das atas eram chamados de “clientes”. A primeira categoria consistia nos indisciplinados, rápidos em dizer palavrões e brigar. Cada membro assumia um deles e agia como seu “anjo da guarda” pelo tempo que fosse necessário (Miguel Magone tinha um “anjo da guarda” perseverante!). A segunda categoria era a dos recém-chegados. Eles os ajudavam nos primeiros dias, quando ainda não conheciam ninguém, não sabiam como jogar, falavam apenas o dialeto de sua região e estavam com saudades de casa. (Francisco Cerruti tinha Domingos Sávio como seu “anjo da guarda” e contou encantado a respeito de seus primeiros encontros.
            Nas atas, é possível ver o desenrolar de cada reunião: um momento de oração, alguns minutos de leitura espiritual, uma exortação mútua para ir à Confissão e à Comunhão; “então se fala sobre os clientes confiados. Incentiva-se a paciência e a confiança em Deus para com aqueles que pareciam totalmente surdos e insensíveis; prudência e gentileza para aqueles que eram fáceis de persuadir”.
            Comparando os nomes dos participantes da Companhia da Imaculada com os nomes dos primeiros “inscritos” na Pia Sociedade, tem-se a impressão comovente de que a “Companhia” era o “ensaio geral” da Congregação que Dom Bosco estava prestes a fundar. Foi o pequeno campo onde germinaram as primeiras sementes do florescimento salesiano. A “Companhia” tornou-se o fermento do Oratório. Ela transformou meninos comuns em pequenos apóstolos com uma fórmula muito simples: uma reunião semanal com uma oração, ouvir uma boa página, uma exortação mútua para ir aos sacramentos, um programa concreto sobre como e quem ajudar no ambiente em que viviam, uma conversa bem-humorada para compartilhar sucessos e fracassos dos dias passados. Dom Bosco ficou muito satisfeito. E queria que isso fosse transplantado em toda obra salesiana que nascesse, para que ali também fosse um centro de jovens comprometidos e de futuras vocações salesianas e sacerdotais. Nas quatro páginas de conselhos que Dom Bosco deu a Miguel Rua, que ia fundar a primeira casa salesiana fora de Turim, em Mirabello (são uma das melhores sínteses do seu sistema educativo, e serão dadas a todo novo diretor salesiano), lemos estas duas linhas: “Tente fundar a Sociedade da Imaculada Conceição, mas você será apenas o seu promotor e não o seu diretor; considere-a como uma obra dos jovens”. Em toda obra salesiana, um grupo de jovens comprometidos, com o nome que acharmos conveniente, mas uma fotocópia da antiga “Sociedade da Imaculada Conceição”! Não será este o segredo que Dom Bosco nos confia para fazer germinar novamente as vocações salesianas e sacerdotais? É uma certeza: a Congregação Salesiana foi fundada e ampliada pelo envolvimento de jovens, que se deixaram convencer pela paixão apostólica de Dom Bosco e pelo seu sonho de vida. Devemos contar aos jovens a história do início da Congregação, da qual os jovens foram “cofundadores”. A maioria (Rua, Cagliero, Bonetti, Durando, Marcellino, Bongiovanni, Francesia, Lazzero, Sávio) eram companheiros de Domingos Sávio e membros da Companhia da Imaculada; e doze foram fiéis a Dom Bosco até a morte. Espera-se que esse fato “fundador” nos ajude a envolver cada vez mais os jovens de hoje no compromisso apostólico pela salvação de outros jovens.




Você já pensou em sua vocação? São Francisco de Sales poderia ajudar você (7/10)

(continuação do artigo anterior)

7. Quem encontra um amigo…?

Caros jovens,
o dom e a responsabilidade da amizade autêntica e cristã caracterizaram toda a minha existência. Provavelmente com tanta intensidade que se tornou uma das fontes mais concretas para descobrir e redescobrir a beleza do amor de Deus, especialmente em momentos sombrios e delicados.
Esse desejo muito profundo de amar meus entes queridos à maneira de Deus e de amar apaixonadamente meus amigos por causa do amor que recebi do bom Jesus me levou a expressar uma espécie de promessa: “Em meu coração, o desejo de manter todas as minhas amizades permanecerá sempre muito ardente”.
Acho que a amizade não é apenas cumplicidade, brincadeiras levianas, confidências que talvez excluam os outros com malícia, vinganças mesquinhas… mas uma educação autêntica para aceitar o amor divino-humano que Jesus Cristo teve por nós.
Em minha família, a alegria da amizade consistia em receber e dar amor simples e autêntico. Em Paris, tive amigos autênticos, colegas de estudo que me ajudaram, passando-me as anotações dos cursos de teologia a que não pude assistir e sugerindo os melhores cursos para fazer. Em Pádua, para mim, o discernimento na amizade significava distinguir os amigos verdadeiros daqueles que buscavam apenas uma camaradagem despreocupada de minha parte. Esses últimos também faziam brincadeiras pesadas comigo, mas eu sempre fui capaz de responder na mesma moeda, com decisão e retidão de espírito.
Quando me tornei padre, tive a oportunidade de ter uma amizade verdadeira com o senador Favre. A diferença de idade e de responsabilidade era muito grande, mas a relação de amizade foi sempre serena e respeitosa e, pelas cartas que trocamos, um afeto fraterno de uma qualidade difícil de alcançar.
Como bispo, em 1604, conheci a senhora Francisca de Chantal, que mais tarde se consagrou e fundou comigo a Congregação das Visitandinas. Eu descreveria a amizade entre nós como “mais branca do que a neve e mais pura do que o sol”, primeiro como direção espiritual conduzida com o coração e depois como uma troca de dons no Espírito. O tema predominante do que foi uma rica troca de cartas e conversas foi a orientação para o caminho da confiança total em Deus: da amizade entre pessoas humanas iluminadas pelo Espírito ao coração do relacionamento com Jesus Cristo, a quem podemos nos abandonar com total confiança, na luz e na tempestade, na alegria e nos dias mais sombrios.

Escritório de Animação Vocacional

(continua)