Você já pensou em sua vocação? São Francisco de Sales poderia ajudar você (1/10)

Não é pela grandeza de nossas ações que agradaremos a Deus, mas pelo amor com que as praticamos” (São Francisco de Sales).
Um itinerário de dez partes no qual São Francisco de Sales também poderia acompanhar os jovens de hoje que estão se perguntando sobre o significado de suas vidas.

1. Se partíssemos do ABC da vida cristã

Caros jovens,
Sei que estou escrevendo para aqueles que já trazem no coração um pequeno desejo de bem, uma busca de luz. Vocês já têm uma amizade com o Senhor, mas permitam-me resumir aqui o ABC da vida de um crente, ou seja, uma vida interior e espiritual rica e profunda. Com essa base, vocês estarão equipados para fazer escolhas frutíferas em sua existência. Esse trabalho não é novo para mim: quando fui bispo, visitei todas as paróquias da minha diocese, e muitas delas estavam localizadas nas montanhas. Para chegar até elas, não havia estradas e eu tinha de caminhar longas distâncias, mesmo no inverno, mas ficava feliz em conhecer essas pessoas simples e incentivá-las a viver como Deus quer.
Para caminhar de modo frutífero, é decisivo o trabalho do guia espiritual que percebe o que se passa em seus corações, encoraja-os, acompanha-os, faz propostas claras, graduais e estimulantes. Escrevi na Filoteia: “Vocês querem se lançar com confiança nos caminhos do Espírito? Procurem alguém capaz, que seja seu guia e os acompanhe; é a recomendação das recomendações”. Quatro séculos atrás, como hoje: este é o ponto crucial e decisivo.
A meta a ser alcançada é a santidade, que consiste em uma vida cristã consciente, ou seja, uma profunda amizade com Deus, uma vida espiritual fervorosa, marcada pelo amor a Deus e ao próximo. É um caminho simples, sabendo que as grandes oportunidades de servir a Deus raramente se apresentam, enquanto as pequenas sempre se apresentam. Isso nos estimula a uma caridade pronta, ativa e diligente.
Se, ao pensarem em tal meta, vocês forem tentados pelo desânimo, repito o que escrevi séculos atrás: “Não devemos esperar que todos comecem com perfeição: pouco importa como começamos. Basta que vocês estejam determinados a continuar e terminar bem”.
Para começar com o pé direito, convido vocês à purificação do coração por meio da confissão. O pecado é uma falta de amor, um roubo de sua humanidade, um estar na escuridão e no frio: na confissão, vocês entregam a Jesus tudo o que pode pesar-lhes e tornar sua jornada sombria. É voltar a ter a alegria do coração.
Continuando: as ferramentas para caminhar são tão antigas e preciosas quanto a Igreja, e têm sustentado gerações de cristãos de todas as idades, por 20 séculos! Vocês também certamente já as experimentaram.
A oração, ou seja, o diálogo com um Pai que está apaixonado por vocês e por suas vidas. Não se esqueçam de que vocês aprendem a rezar rezando: assim como a fidelidade e a perseverança.
A Palavra de Deus, ou seja, a “carta de Deus” dirigida exatamente a vocês como indivíduos. Ela é como uma espécie de bússola que orienta sua caminhada, especialmente quando há neblina, escuridão e vocês correm o risco de perder o rumo! Não se esqueçam de que, ao lê-la, vocês têm o Tesouro em suas mãos.
O sacramento da Eucaristia é o termômetro de sua vida de fé: se em seu coração não amadureceu um desejo vivo de receber o Pão da Vida, seu encontro com Ele terá resultados modestos. Escrevi aos meus contemporâneos: “Se o mundo lhes perguntar por que vocês comungam com tanta frequência, respondam que é para aprender a amar a Deus, para purificá-los de suas imperfeições, para libertá-los de suas misérias, para encontrar força em suas fraquezas e consolo em suas aflições. Dois tipos de pessoas devem comungar com frequência: os perfeitos, porque, sendo bem-dispostos, fariam mal em não se aproximar da fonte e do manancial da perfeição; e os imperfeitos, a fim de buscar a perfeição. Os fortes não devem se enfraquecer e os fracos devem se fortalecer. Os doentes, para se curarem; e os saudáveis, para não adoecerem”. Participem da Santa Missa com grande frequência: o máximo possível!
Em seguida, insisto nas virtudes, porque se o encontro com Deus é verdadeiro e profundo, ele também muda as relações com as pessoas, o trabalho, as coisas. Elas permitem que vocês tenham um caráter humanamente rico, capaz de fazer amizades verdadeiras e profundas, de se empenharem com alegria em cumprir bem o seu dever (trabalho-estudo), de serem pacientes e cordiais, de serem bons.
Tudo isso não acontece em seu coração solitário, para melhorar e agradar a si mesmo. A vida com os outros é um estímulo para caminhar melhor (quantos são melhores do que nós!), para ajudar mais (quantos precisam de nós!), para sermos ajudados (quanto temos a aprender!), para nos lembrarmos de que não somos autossuficientes (não somos autocriados e autodidatas!). Sem uma dimensão comunitária, logo nos perdemos.
Espero que vocês já tenham saboreado os frutos de uma orientação estável, de confissões autênticas, de uma oração fiel e firme, da riqueza da Palavra, da Eucaristia vivida com fecundidade, das virtudes praticadas na alegria da vida diária, das amizades enriquecedoras, da indispensabilidade do serviço. É nesse húmus florescemos: somente nesse ecossistema é possível perceber o verdadeiro rosto do Deus cristão, em cujas mãos é belo e alegre confiar a própria vida.

Escritório de Animação Vocacional

(continua)




Dom Bosco e a coleta seletiva de lixo de porta em porta

Quem poderia imaginar isso? Dom Bosco um dos primeiros ecologistas? Dom Bosco sendo pioneiro na coleta de lixo de porta em porta há 140 anos?

Poderíamos dizer que sim, pelo menos de acordo com uma das cartas que recuperamos nos últimos anos e que pode ser encontrada no 9º volume do epistolário (nº 4144). Trata-se de uma circular impressa de 1885 que, em pequena escala – a cidade de Turim na época – antecipa e, obviamente, à sua maneira, “resolve” os principais problemas enfrentados por nossa sociedade, a chamada sociedade do “consumo” e do “descartável”.

O destinatário
Como se trata de uma carta circular, o destinatário é genérico, uma pessoa conhecida ou não. Dom Bosco, com astúcia, “capta” imediatamente sua atenção, chamando-o de “benemérito e caridoso”. Dito isso, Dom Bosco indica ao seu correspondente um fato que está à vista de todos:

“Vossa Senhoria saberá que os ossos, que sobram da mesa e geralmente são jogados no lixo pelas famílias como objeto de incômodo, reunidos em grande quantidade, são por sua vez úteis à indústria humana e, por isso, são procurados por homens da arte [= indústria] que pagam alguns trocados por peso. Uma empresa em Turim, com a qual estou em contato, os compraria em qualquer quantidade”. Assim, o que seria um incômodo, tanto em casa quanto fora dela, talvez nas ruas da cidade, é sabiamente usado para a vantagem de muitos.

Um propósito elevado
Nesse ponto, Dom Bosco lança sua proposta: “Em vista disso, e em conformidade com o que já está sendo praticado em alguns países em favor de outros institutos de caridade, tive a ideia de apelar para as famílias abastadas e benevolentes desta ilustre cidade e implorar-lhes que, em vez de deixarem que esse desperdício de sua mesa se estrague e se torne inútil, queiram doá-lo gratuitamente em benefício dos pobres órfãos recolhidos em meus Institutos e, especialmente, em benefício das Missões da Patagônia, onde os salesianos, com grandes despesas e com o risco da própria vida, ensinam e civilizam as tribos selvagens, para que possam gozar dos frutos da Redenção e do verdadeiro progresso. Portanto, faço a Vossa Senhoria um recurso semelhante e uma oração semelhante, convencido de que os levará em benigna consideração e os concederá.”

O projeto parecia atraente para várias partes: as famílias se livrariam de parte do lixo das mesas, a empresa se interessaria em recolhê-lo para reutilizá-lo de outras maneiras (alimento para os animais, fertilizantes para o campo, etc.); Dom Bosco obteria dinheiro para as missões… e a cidade permaneceria mais limpa.

Uma organização perfeita
A situação era clara, a meta era alta, os benefícios eram para todos, mas não podia ser suficiente. Era necessário coletar ossos “de porta em porta” em toda a cidade. Dom Bosco não hesitou. Com setenta anos de idade, ele agora tinha uma visão profunda, uma longa experiência, mas também grandes habilidades gerenciais. Assim, ele organizou esse “empreendimento”, tomando o cuidado de evitar os abusos sempre possíveis nas várias fases da operação-coleta: “As famílias que tiverem a bondade de aderir a esse meu humilde pedido receberão uma sacola especial, onde colocarão os ossos mencionados, que serão frequentemente coletados e pesados por uma pessoa indicada pela empresa compradora, emitindo um recibo que, no caso de um documento com a própria empresa, será retirado de tempos em tempos em meu nome. Dessa forma, Vossa Senhoria não terá nada a fazer a não ser emitir as devidas ordens para que essas sobras inúteis de sua mesa, que estariam dispersas, sejam colocadas na mesma sacola, para serem entregues ao coletor e depois vendidas e utilizadas por instituições de caridade. O saco terá as iniciais O. S. (Oratório Salesiano), e a pessoa que vier esvaziá-lo apresentará também algum sinal, para se dar a conhecer a Vossa Senhoria ou a seus familiares”.
O que se pode dizer? Apenas que o projeto parece válido em todas as suas partes, melhor até do que alguns projetos semelhantes em nossas cidades do terceiro milênio!

Os incentivos
Obviamente, a proposta tinha que ser apoiada com algum incentivo, certamente não econômico ou promocional, mas moral e espiritual. Qual deles? Aqui está: “Vossa Senhoria será merecedor das obras acima mencionadas, terá a gratidão de milhares de jovens pobres e, o que é mais importante, receberá a recompensa prometida por Deus a todos aqueles que lutam pelo bem-estar moral e material de seus semelhantes”.

Uma forma precisa
Como um homem concreto, ele criou um meio, que diríamos ser muito moderno, para ter sucesso em seu empreendimento: ele pediu aos destinatários que lhe enviassem de volta o cupom, colocado no pé da carta, com seu endereço: “Gostaria também de pedir-lhe que, para meu conhecimento e para o cumprimento das práticas a serem implementadas, que destaquem e enviem a parte deste impresso, que traz o meu endereço. Assim que tiver sua aceitação, darei ordem para que a referida bolsa lhe seja entregue”.
Dom Bosco encerrou sua carta com a fórmula habitual de agradecimento e votos de felicidades, tão apreciada por seus correspondentes.
Dom Bosco, além de ser um grande educador, um fundador de grande visão, um homem de Deus, foi também um gênio da caridade cristã.




A Venerável Doroteia de Chopitea

Quem era Doroteia de Chopitea? Era uma cooperadora salesiana, uma verdadeira mãe dos pobres da cidade de Barcelona, criadora de numerosas instituições a serviço da caridade e da missão apostólica da Igreja. Sua figura assume hoje uma importância especial e nos encoraja a imitar seu exemplo de ser “misericordiosos como o Pai”.

Um biscaio [de Biscaia, província espanhola] no Chile
Em 1790, durante o reinado de Carlos IV, um biscaio, Pedro Nicolás de Chopitea, natural de Lequeitio, emigrou para o Chile, então parte do Império Espanhol. O jovem emigrante prosperou e se casou com uma jovem crioula, Isabel de Villota.

Dom Pedro Nolasco Chopitea e Isabel Villota estabeleceram-se em Santiago do Chile. Deus lhes concedeu uma família numerosa de 18 filhos, embora apenas 12 tenham sobrevivido, cinco meninos e sete meninas. A mais nova nasceu, foi batizada e crismada no mesmo dia: 5 de agosto de 1816, recebendo os nomes de Antonia, Doroteia e Dolores, embora sempre fosse conhecida como Doroteia, que em grego significa “dom de Deus”. A família de Pedro e Isabel era abastada, cristã e comprometida em usar seus bens em benefício das pessoas pobres ao seu redor.

Em 1816, ano do nascimento de Doroteia, os chilenos começaram a exigir abertamente a independência da Espanha, que foi conseguida em 1818. No ano seguinte, Don Pedro, que havia se alinhado com os monarquistas, ou seja, a favor da Espanha, e havia sido preso por isso, transferiu sua família para Barcelona, do outro lado do Atlântico, para que a turbulência política não comprometesse seus filhos mais velhos, embora continuasse a manter uma densa rede de relações com os círculos políticos e econômicos do Chile.

Na grande casa em Barcelona, Doroteia, de três anos, foi confiada aos cuidados de sua irmã Josefina, de doze anos. Assim, Josefina, mais tarde “Irmã Josefina”, foi para a pequena Doroteia a “pequena jovem mãe”. Doroteia se confiava à irmã com todo afeto, deixando-se guiar com docilidade.

Quando tinha treze anos, a conselho de Josefina, tomou como diretor espiritual o padre Pedro Nardó, da paróquia de Santa Maria do Mar. Durante 50 anos, ele foi seu confessor e conselheiro em momentos delicados e difíceis. O padre lhe ensinou com bondade e força a “desapegar seu coração das riquezas”.

Durante toda a sua vida, Doroteia considerou as riquezas de sua família não como uma fonte de diversão e dissipação, mas como um grande meio colocado em suas mãos por Deus para fazer o bem aos pobres. O P. Pedro Nardó a fez ler muitas vezes a parábola evangélica do homem rico e do pobre Lázaro. Como sinal distintivo cristão, ele aconselhou Josefina e Doroteia a se vestirem sempre com recato e simplicidade, sem os ornatos de fitas e gaze de seda leve que a moda da época impunha às jovens aristocráticas.

Doroteia recebeu em sua família a sólida educação que, naquela época, era dada às moças de famílias abastadas. Na verdade, mais tarde ela ajudou o marido muitas vezes em sua profissão de comerciante.

Esposa aos dezesseis anos de idade
Os Chopiteas se encontraram em Barcelona com amigos do Chile, a família Serra, que havia retornado à Espanha pelo mesmo motivo, a independência. O pai, Mariano Serra i Soler, vinha de Palafrugell e também havia conquistado uma posição econômica brilhante. Casado com uma jovem crioula, Mariana Muñoz, ele teve quatro filhos, o mais velho dos quais, José Maria, nasceu no Chile em 4 de novembro de 1810.

Aos dezesseis anos, Doroteia viveu o momento mais delicado de sua vida. Ela estava noiva de José Maria Serra, embora o casamento fosse considerado um evento futuro. Mas aconteceu que Dom Pedro Chopitea teve de retornar à América Latina para defender seus interesses e, pouco depois, sua esposa Isabel se preparou para cruzar o Atlântico e chegar até ele no Uruguai com seus filhos mais novos. De repente, Doroteia se viu diante de uma decisão fundamental para sua vida: romper o profundo afeto que a unia a José Maria Serra e ir embora com sua mãe ou casar-se aos dezesseis anos de idade. Doroteia, seguindo o conselho do P. Pedro Nardó, decidiu se casar. O casamento foi realizado em Santa Maria do Mar em 31 de outubro de 1832.

O jovem casal se estabeleceu em Carrer Montcada, no palácio dos pais de seu marido. O entendimento entre eles era perfeito e uma fonte de felicidade e bem-estar.

Doroteia era uma pessoa magra e esguia, com um caráter forte e determinado. O “eu sempre te amarei” jurado pelos dois cônjuges diante de Deus se transformou em uma vida conjugal afetuosa e sólida, que deu origem a seis filhas: todas elas receberam o nome de Maria com vários complementos: Maria Dolores, Maria Ana, Maria Isabel, Maria Luísa, Maria Jesus e Maria do Carmo. A primeira veio ao mundo em 1834 e a última em 1845.

Cinquenta anos após o “sim” pronunciado na igreja de Santa Maria do Mar, José Maria Serra diria que em todos esses anos “nosso amor cresceu dia a dia”.

Doroteia, mãe dos pobres
Doroteia é a dona da casa, na qual trabalham várias famílias de funcionários. Ela é a colega de trabalho inteligente de José Maria, que logo alcança fama e renome no mundo dos negócios. Ela está ao seu lado nos momentos de sucesso e nos momentos de incerteza e fracasso. Doroteia estava ao lado do marido quando ele viajava para o exterior. Estava com ele na Rússia do Czar Alexandre II, na Itália da família Saboia e na Roma do Papa Leão XIII.

Em sua visita a Roma, aos 62 anos de idade, foi acompanhada por sua sobrinha Isidora Pons, que testemunhou no processo apostólico: “Ela foi recebida pelo papa. A deferência com que Leão XIII tratou minha tia, a quem ofereceu seu sobretudo branco como presente, ficou impressa na minha lembrança”.

Carinhosa e forte
Os funcionários da casa Serra se sentiam como parte da família. Maria Arnenos declarou sob juramento: “Ela tinha um carinho de mãe por nós, seus empregados. Cuidava de nosso bem-estar material e espiritual com um amor concreto. Quando alguém estava doente, ela cuidava para que nada lhe faltasse, cuidava até dos mínimos detalhes”. O salário pago era maior do que o dos funcionários de outras famílias.

Uma pessoa delicada, um caráter forte e determinado. Esse foi o campo de batalha no qual Doroteia lutou durante toda a sua vida para adquirir a humildade e a calma que a natureza não lhe havia dado. Por maior que fosse seu ímpeto, maior era sua força para viver sempre na presença de Deus. Foi assim que escreveu em suas anotações espirituais:
“Farei todos os esforços para que, a partir da manhã, todas as minhas ações sejam dirigidas a Deus”. “Não abandonarei a meditação e a leitura espiritual sem uma razão séria”. “Farei vinte atos diários de mortificação e outros tantos atos de amor a Deus”. “Realizar todas as ações a partir de Deus e para Deus, renovando frequentemente a pureza de intenção… Prometo a Deus purificar minha intenção em todas as minhas ações”.

Cooperadora Salesiana
Nas últimas décadas do século XIX, Barcelona é uma cidade em plena “revolução industrial”. A periferia da cidade estava repleta de pessoas muito pobres. Faltavam asilos, hospitais e escolas. Nos exercícios espirituais que fez em 1867, Dona Doroteia escreveu entre suas resoluções:
“Minha virtude favorita será a caridade para com os pobres, mesmo que isso me custe grandes sacrifícios”. E Adriano de Gispert, segundo sobrinho de Doroteia, testemunhou: “Sei que a tia Doroteia fundou hospitais, asilos, escolas, oficinas de artes e ofícios e muitas outras obras. Lembro-me de ter visitado algumas delas em sua companhia. Quando seu marido era vivo, ele a ajudava nessas obras sociais e de caridade. Depois da morte dele, ela salvaguardou, em primeiro lugar, o patrimônio das cinco filhas; depois, seus bens pessoais (seu riquíssimo dote, o patrimônio recebido pessoalmente em herança, os bens que o marido quis registrar em seu nome), ela os usou para os pobres com uma administração cuidadosa e prudente”. Uma testemunha declarou sob juramento: “Depois de ter sustentado a família, ela dedicou o restante aos pobres como um ato de justiça”.

Tendo notícias de Dom Bosco, escreveu-lhe em 20 de setembro de 1882 (ela tinha sessenta e seis anos, Dom Bosco sessenta e sete). Disse-lhe que Barcelona era uma cidade “eminentemente industrial e mercantil”, e que sua jovem e dinâmica congregação encontraria muito trabalho entre os meninos dos subúrbios. Ofereceu uma escola para aprendizes operários.

O P. Filipe Rinaldi chegou a Barcelona em 1889, e escreve: “Fomos para Barcelona a pedido dela, porque ela queria cuidar especialmente dos jovens trabalhadores e dos órfãos abandonados. Ela comprou um terreno com uma casa, de cuja ampliação cuidou. Cheguei a Barcelona quando a construção já havia sido concluída… Vi com meus próprios olhos muitos casos de assistência a crianças, viúvas, idosos, desempregados e doentes. Muitas vezes ouvi dizer que ela prestava pessoalmente os mais humildes serviços aos doentes”.

Em 1884, pensou em confiar uma escola maternal às Filhas de Maria Auxiliadora: era preciso pensar nas crianças daquela periferia.

Dom Bosco só pôde ir a Barcelona na primavera de 1886, e as crônicas relatam amplamente a recepção triunfal que lhe foi dada na metrópole catalã e as atenções afetuosas e respeitosas com que Dona Doroteia, suas filhas, netos e parentes cercaram o santo.

Em 5 de fevereiro de 1888, quando foi informado da morte de Dom Bosco, o Beato Miguel Rua lhe escreveu: “Nosso querido pai Dom Bosco voou para o céu, deixando seus filhos cheios de tristeza”. Ele sempre demonstrou uma viva estima e um grato afeto pela nossa mãe de Barcelona, como ele a chamava, a mãe dos salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora.

Além disso, antes de morrer, ele lhe assegurou que iria preparar um bom lugar para ela no céu. Naquele mesmo ano, Dona Doroteia entregou aos salesianos o oratório e as escolas populares da rua Rocafort, no coração de Barcelona.

A última entrega à Família Salesiana foi a escola “Santa Doroteia”, confiada às Filhas de Maria Auxiliadora. Para a sua compra, eram necessárias 60.000 pesetas e a senhora as entregou dizendo: “Deus me quer pobre”. Essa soma foi sua última provisão para a velhice, o que ela guardou para viver modestamente junto com Maria, sua fiel companheira.

Na Sexta-feira Santa de 1891, na fria igreja de Maria Reparadora, enquanto fazia a coleta, contraiu pneumonia. Tinha setenta e cinco anos e logo ficou claro que não conseguiria superar a crise. O P. Rinaldi foi até ela e ficou por muito tempo ao seu lado. Ele escreveu: “Nos poucos dias em que ainda estava viva, não pensava em sua doença, mas nos pobres e em sua alma. Ela queria dizer algo em particular a cada uma de suas filhas e abençoou todas elas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, como um antigo patriarca. Enquanto estávamos ao redor de sua cama, recomendando-a ao Senhor, em um determinado momento ela ergueu os olhos. O confessor apresentou-lhe o crucifixo para que o beijasse. Nós que estávamos presentes nos ajoelhamos. Dona Doroteia se recolheu, fechou os olhos e suavemente deu seu último suspiro”.

Era o dia 3 de abril de 1891, cinco dias depois da Páscoa.

O Papa João Paulo II a declarou “venerável” em 9 de junho de 1983, ou seja, “uma cristã que praticou em grau heroico o amor a Deus e ao próximo”.

Dom Echave-Sustaeta del Villar Nicolás, sdb
Vice-Postulador da Causa do Venerável




Dom Bosco. Uma Ave Maria no final da Santa Missa

A devoção de São João Bosco a Nossa Senhora é bem conhecida. As graças recebidas de Maria Auxiliadora, mesmo as extraordinárias e milagrosas, talvez também sejam parcialmente conhecidas. Provavelmente menos conhecida é a promessa feita à Virgem de levar ao Paraíso aqueles que, durante toda a vida, rezarem uma Ave-Maria com a Santa Missa.

O fato de que o santo tinha uma porta aberta no céu para suas orações é bem conhecido. Mesmo como clérigo no seminário, suas orações eram atendidas e, para disfarçar essa intervenção com o Céu, ele usou o truque das pílulas de pão em vez de remédios milagrosos por um tempo, até ser descoberto por um farmacêutico de verdade. Os inúmeros pedidos de intercessão e os muitos milagres que ocorreram em sua vida, abundantemente relatados por seus biógrafos, confirmam essa poderosa intercessão.

A promessa de ter vários milhares de jovens com ele no paraíso, que ele recebeu da Santíssima Virgem, é confirmada por dois seminaristas que o ouviram contar em um Turno de Exercícios Espirituais aos clérigos do Seminário Episcopal de Bérgamo. Um deles foi Ângelo Cattaneo, futuro Vigário Apostólico de Honan do Sul, na China, e testemunhou em um documento dirigido ao padre Miguel Rua; e outro, Estêvão Scaini, que depois se tornou jesuíta, também deixou um testemunho em um documento dirigido aos salesianos. Aqui está o primeiro testemunho.

Dom Bosco falava das armadilhas que o demônio armava para os jovens a fim de afastá-los da confissão e disse-lhes que teria gostado de revelar às pessoas, que lhe pediam, a condição espiritual de suas almas.
[…]
Quando, depois de um sermão aos seminaristas [de Bérgamo], um deles [Ângelo Cattaneo] se apresentou a Dom Bosco com uma lista de pecados na mão, o santo jogou-a no fogo e depois enumerou todos aqueles pecados como se os estivesse lendo. Em seguida, disse a seus ouvintes atentos que havia obtido uma promessa de Nossa Senhora de ter vários milhares de jovens com ele no paraíso, com a condição de que recitassem uma Ave Maria todos os dias durante a missa, no decorrer de toda a vida terrena.
(Pilla Eugênio, I sogni di Don Bosco, p. 207)

E também o segundo.

Mui Reverendo Senhor,
Sinto-me muito satisfeito em poder levar também meu pequeno contributo de estima e de grato afeto à santa memória de Dom Bosco. Conto-lhe um fato que presumo não seja inútil para quem tiver a ventura de escrever a vida dele. No ano de 1861, o mui respeitado Dom Bosco foi pregar o retiro aos clérigos do Seminário Episcopal de Bérgamo. Entre os clérigos estava também eu.
Em uma de suas meditações nos disse mais ou menos o seguinte: “Numa certa ocasião pedi a Nossa Senhora a graça de poder ter perto de mim no paraíso alguns milhares de jovens (acho que ele disse também o número dos milhares de jovens, mas eu não lembro). E Maria Santíssima me prometeu. Se vocês também quiserem pertencer a este número eu ficaria muito satisfeito em inscrevê-los, contanto que assumam o compromisso de cada dia, por todo o tempo da vida, rezar uma Ave-Maria, cada dia, possivelmente durante a missa, ainda melhor, na hora da consagração.
Não sei que importância os outros deram a esta proposta. De minha parte eu topei com alegria, e isso pela grande estima que naqueles dias eu criei para com Dom Bosco. Não esqueci nem um dia, que me lembro, de rezar a Ave-Maria segundo aquela intenção. Com o correr dos anos veio-me uma dúvida que tirei com o próprio Dom Bosco. Eis como.
Na noite do dia 3 de janeiro de 1882 eu passava por Turim indo para Chieri para entrar no Noviciado da Companhia de Jesus. Parei, pedi e consegui falar com Dom Bosco. Acolhei-me com muita bondade. Disse-lhe que estava para entrar no Noviciado da Companhia. Ele falou: – Oh! Como me alegro com isso! Quando ouço que alguém entra na Companhia de Jesus sinto tão grande satisfação, como se entrasse entre os meus Salesianos.
Depois eu lhe disse: – Se permitir, eu gostaria de pedir-lhe um esclarecimento sobre uma coisa que me está muito a peito. – Diga. – O senhor se lembra de quando veio ao Seminário de Bérgamo pregar os exercícios espirituais? – Sim, lembro! – Lembra-se de ter falado de uma graça pedida a Nossa Senhora etc.? – Sim, lembro! – Lembrei aquelas palavras, o pacto etc. – Sim! Lembro! – Pois bem! Aquela Ave-Maria eu sempre a recitei, recitá-la-ei por toda a vida… mas… Vossa Senhoria falou de milhares de jovens. Por acaso eu estou fora desta categoria? Tenho medo de ficar fora do número…
E Dom Bosco com toda segurança: – Continue a rezar aquela Ave-Maria e nos encontraremos juntos no paraíso. – Recebi a santa bênção e beijei-lhe a mão com afeto. Despedi-me imensamente feliz com a doce certeza de que um dia encontrar-me-ei com ele no céu.
Se vossa Senhora julgar que isto possa servir para a maior glória de Deus e de honra para a santa memória de Dom Bosco, saiba que eu estou prontíssimo a confirmar o conteúdo, mesmo sob juramento.
Humílimo e Devotíssimo Servo
V. Estêvão Scaini, Sacerdote Jesuíta.
Lonello, 4 de março de 1891.
(MBpt VI, p. 784-786) [MB VI, 846].

Esses testemunhos deixam claro o quanto a salvação eterna estava no coração de Dom Bosco. Em todas as suas iniciativas educativas e sociais, aliás muito necessárias, ele não perdia de vista o objetivo final da vida humana, o Paraíso. Ele queria preparar todos para esse último exame da vida e, por isso, insistia que os jovens também fossem acostumados a fazer o exercício da boa morte todo fim de mês, lembrando-se das últimas coisas, também chamadas de novíssimos: morte, julgamento, paraíso e inferno. E para isso ele pediu e obteve essa graça especial de Maria Auxiliadora.

Obviamente, parece estranho para nós hoje essa oração feita durante a Santa Missa e também no momento da Consagração. Mas, para entender isso, é preciso lembrar que, na época de Dom Bosco, a missa era celebrada inteiramente em latim e, como a grande maioria dos fiéis não conhecia essa língua, era fácil se distrair em vez de rezar. Para encontrar um remédio para essa inclinação humana, ele costumava recomendar várias orações durante a celebração.

Será que hoje podemos recitar essa Ave Maria no final da celebração? O próprio Dom Bosco nos dá a entender: “Se possível, durante o tempo em que estiverem participando da Santa Missa…”. Além disso, as normas litúrgicas de hoje não recomendam a inserção de outras orações fora das do Missal.
Será que podemos esperar que essa Ave Maria também nos adicione ao número de beneficiários da promessa? Vivendo na graça de Deus, fazendo isso durante toda a nossa vida, e pela resposta de Dom Bosco a Estêvão Scaini: “Continue recitando essa Ave Maria e estaremos juntos no Paraíso”, podemos responder afirmativamente.




Carta do Reitor-Mor após sua nomeação como cardeal

À atenção dos meus irmãos salesianos (sdb) À atenção da Família Salesiana

Meus queridos irmãos e irmãs: recebam a minha saudação fraterna, cheia de afeto sincero e sentido.
Depois da notícia inesperada (especialmente para mim), na qual o Santo Padre, o Papa Francisco, anunciou também o meu nome entre as 21 pessoas escolhidas por ele para serem “criados” Cardeais da Igreja no próximo Consistório de 30 de setembro, milhares de pessoas devem ter-se perguntado: O que acontece agora? E como fica a Congregação no futuro próximo? Vocês podem entender que eu me fiz essas mesmas perguntas, ao mesmo tempo em que, com fé, ofereci ao Senhor esse presente que o Papa Francisco nos deu como Congregação Salesiana e como Família de Dom Bosco. Não devemos ter dúvidas do quanto o Papa nos ama; da mesma forma, o Papa Francisco sabe o quanto todos nós o amamos e como o amparamos, na medida do possível, com a nossa oração e o nosso afeto.
Meia hora depois do anúncio que fez no Ângelus do último domingo, 9 de julho, o Santo Padre fez-me chegar uma carta em que me pedia para ir falar com ele o mais rápido possível, a fim de concordarmos sobre o tempo necessário para o meu serviço como Reitor-Mor para o bem, antes de tudo, da Congregação. Ele mesmo me dizia nessa carta sobre a preparação do próximo Capítulo-Geral.
Ontem à tarde fui recebido pelo Papa Francisco com um diálogo fraterno de afeto recíproco e agora estou em condições de compartilhar com toda a Congregação Salesiana e com a nossa Família no mundo, as disposições concretas segundo a vontade do Santo Padre.

Essas disposições são as seguintes:
•           poderemos antecipar o 29° Capítulo Geral em um ano, ou seja, em fevereiro de 2025;
•           para o bem da nossa Congregação, o Papa viu com bons olhos que, após o Consistório de 30 de setembro, eu possa continuar como Reitor-Mor até 31 de julho de 2024, ou seja, até o final da sessão plenária do Conselho-Geral do tempo de verão europeu;
•           após essa data, apresentarei a minha renúncia como Reitor-Mor por ter sido chamado pelo Santo Padre para o serviço que ele me confiará. Foi isso o que ele me comunicou;
•           de acordo com o artigo 143 das nossas Constituições, por motivo de “cessação do cargo de Reitor-Mor”, tendo sido chamado pelo Papa Francisco para outro serviço, o Vigário, P. Stefano Martoglio, assumirá o governo da Congregação até a celebração do CG29;
•           o Capítulo-Geral 29 será convocado por mim, pelo menos um ano antes da sua celebração, conforme estabelecido em nossas Constituições e Regulamentos (Reg. 111), e o Vigário, P. Stefano, o presidirá;
•           durante esse tempo, continuaremos com o programa estabelecido na animação e no governo da Congregação, mas aumentando os esforços dos membros do Conselho-Geral e de algum visitador extraordinário nomeado pelo Reitor-Mor, a fim de serem feitas todas as visitas extraordinárias (inclusive aquelas que corresponderiam ao ano de 2025). Assim fazendo, será possível chegar ao CG29 com uma visão completa do momento presente de toda a Congregação;
•           para os demais elementos relacionados com o Capítulo-Geral, darei informações detalhadas quando se tornar efetiva a sua convocação oficial.

Resta-me dizer, enfim, o que muitos de vocês podem estar se perguntando: o que o Santo Padre vai me confiar? Ele ainda não me disse, e entendo que, com tanto tempo à nossa frente, essa é a melhor coisa a fazer. Peço a todos os meus irmãos e irmãs Salesianos e à nossa querida Família Salesiana que continuemos a intensificar a nossa oração. Antes de tudo, pelo Papa Francisco. Foi o que ele me pediu na sua despedida. Pediu-nos que rezássemos por ele. Peço-lhes também que rezem pelo que viveremos neste ano como Congregação e como Família Salesiana.
E, certamente, peço-lhes ainda que rezem por mim diante da perspectiva do novo serviço na Igreja que, como filho de Dom Bosco, aceito em obediência, sem tê-lo buscado ou desejado. Nosso amado pai Dom Bosco é testemunha disso diante do Senhor Jesus.
E desde este lugar, a Basílica de Maria Auxiliadora, Ela, a Mãe, continuará a acompanhar-nos. Acredito, como Dom Bosco no sonho dos nove anos – cujo segundo centenário será celebrado no próximo ano – que “a seu tempo tudo compreenderemos”. Em nosso Pai Dom Bosco, isso aconteceu no final de sua vida, diante do altar de Maria Auxiliadora na Basílica do “Sagrado Coração de Jesus”, que fora consagrada no dia anterior, naquele 16 de maio de 1887. Coloquemos tudo nas mãos do Senhor e da sua Mãe.
Uma saudação com imenso afeto,

Prot. 23/0319
Turim, 12 de julho de 2023




Basílica do Sagrado Coração de Jesus em Roma

No ocaso de sua vida, obedecendo a um desejo do Papa Leão XIII, Dom Bosco assumiu a difícil tarefa de construir o templo do Sagrado Coração de Jesus no Castro Pretório, em Roma. Para completar o gigantesco empreendimento, ele não poupou viagens cansativas, humilhações e sacrifícios, que encurtaram sua preciosa vida como apóstolo da juventude.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus remonta aos primórdios da Igreja. Nos primeiros séculos, os Santos Padres convidavam as pessoas a olhar para o lado transpassado de Cristo, um símbolo de amor, mesmo que não se referisse explicitamente ao Coração do Redentor.
As primeiras referências encontradas são dos místicos Matilde de Magdeburg (1207-1282), Santa Matilde de Hackeborn (1241-1299), Santa Gertrudes de Helfta (ca. 1256-1302) e Beato Henrique Suso (1295-1366).
Um desenvolvimento importante veio com as obras de São João Eudes (1601-1680), depois com as revelações particulares da Visitandina Santa Margarida Maria Alacoque, divulgadas por São Cláudio de la Colombière (1641-1682) e seus irmãos jesuítas.
No final do século XIX, as igrejas consagradas ao Sagrado Coração de Jesus se espalharam, principalmente como templos expiatórios.
Com a consagração da humanidade ao Sagrado Coração de Jesus, por meio da encíclica de Leão XIII, Annum Sacrum (1899), o culto foi muito ampliado e fortalecido com mais duas encíclicas posteriores: Miserentissimus Redemptor (1928), de Pio XI, e especialmente Haurietis Aquas (1956), de Pio XII.

Na época de Dom Bosco, após a construção da estação ferroviária Términi pelo Papa Pio IX em 1863, o bairro começou a ser povoado, e as igrejas ao redor não conseguiam atender adequadamente aos fiéis. Isso levou ao desejo de construir um templo na área, e inicialmente foi planejado dedicá-lo a São José, nomeado padroeiro da Igreja Universal em 8 de dezembro de 1870. Após uma série de eventos, em 1871, o papa mudou o patronato da igreja desejada, dedicando-a ao Sagrado Coração de Jesus, e ela permaneceu em fase de planejamento até 1879. Enquanto isso, o culto ao Sagrado Coração continuou a se espalhar e, em 1875, em Paris, na colina mais alta da cidade, Montmartre (Monte dos Mártires), foi lançada a pedra fundamental da igreja do mesmo nome, Sacré Cœur [Sagrado Coração] que foi concluída em 1914 e consagrada em 1919.

Após a morte do Papa Pio IX, o novo Papa Leão XIII (como arcebispo de Perugia, ele havia consagrado sua diocese ao Sagrado Coração) decidiu retomar o projeto, e a pedra fundamental foi lançada em 16 de agosto de 1879. Os trabalhos foram interrompidos pouco tempo depois devido à falta de apoio financeiro. Um dos cardeais, Caetano Alimonda (futuro arcebispo de Turim), aconselhou o papa a confiar o empreendimento a Dom Bosco e, embora o pontífice tenha hesitado inicialmente, sabendo dos compromissos das missões salesianas dentro e fora da Itália, fez a proposta ao santo em abril de 1880. Dom Bosco não pensou duas vezes e respondeu: “O desejo do Papa é uma ordem para mim: aceito o compromisso que Vossa Santidade tem a bondade de me confiar”. Quando o Papa o advertiu de que não poderia apoiá-lo financeiramente, o Santo pediu apenas a bênção apostólica e os favores espirituais necessários para a tarefa que lhe foi confiada.

Colocação da pedra fundamental da Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Roma

Ao retornar a Turim, ele pediu a aprovação do Capítulo para esse empreendimento. Dos sete votos, apenas um foi positivo: o dele… O Santo não desanimou e argumentou: “Todos os senhores me deram um ‘não’ redondo e isso é bom, porque agiram de acordo com a prudência exigida em casos sérios e de grande importância como esse. Mas se, em vez de um ‘não’, os senhores me derem um ‘sim’, eu lhes asseguro que o Sagrado Coração de Jesus enviará os meios para construir sua igreja, pagar nossas dívidas e nos dar uma boa gorjeta” (MB XIV, 580). Depois desse discurso, a votação foi repetida e os resultados foram todos positivos. O principal benefício foi o Internato do Sagrado Coração, que foi construído ao lado da igreja para meninos pobres e abandonados. Esse segundo projeto do internato foi incluído em uma Convenção feita em 11 de dezembro de 1880, que garantia o uso perpétuo da igreja à Congregação Salesiana.
A aceitação lhe causou sérias preocupações e lhe custou a saúde, mas Dom Bosco, que ensinou a seus filhos o trabalho e a temperança e disse que seria um dia de triunfo quando se dissesse que um salesiano havia morrido no campo de batalha desgastado pela fadiga, precedeu-os com o exemplo.

A construção do Templo do Sagrado Coração no Castro Pretório, em Roma, foi feita não apenas por obediência ao Papa, mas também por devoção.
Vejamos um de seus discursos sobre essa devoção, feito numa “boa noite” a seus alunos e coirmãos apenas um mês após sua nomeação, em 3 de junho de 1880, véspera da Festa do Sagrado Coração.
“Amanhã, meus queridos filhos, a Igreja celebra a festa do Sagrado Coração de Jesus. É preciso que também nós o honremos com grande empenho. É bem verdade que a solenidade externa a celebraremos no domingo; mas amanhã começamos a fazer festa em nossos corações, a rezar de maneira especial, a fazer comunhões fervorosas. Domingo, então, haverá música e outras cerimônias de culto externo, que tornam as festas cristãs tão belas e majestosas.
Alguns de vocês vão querer saber o que é esta festa e por que se honra especialmente o Sagrado Coração de Jesus. Eu lhes direi que esta festa nada mais é do que honrar com uma memória especial o amor que Jesus trouxe aos homens. Oh, o grandíssimo amor, infinito, que Jesus nos trouxe na sua encarnação e nascimento, na sua vida e pregação, e particularmente na sua paixão e morte! E dado que a sede do amor é o coração, desta forma é venerado o Sagrado Coração, como objeto que servia de fornalha para esse amor ilimitado. Este culto ao Sacratíssimo Coração de Jesus, isto é, ao amor que Jesus nos demonstrou, foi de todos os tempos e sempre; mas nem sempre houve uma festa especificamente estabelecida para venerá-lo. Como Jesus apareceu à Beata Margarida Alacoque e manifestou-lhe os grandes bens que virão aos homens que honram com um culto especial o seu amorosíssimo coração, e como foi estabelecida a festa, vocês vão ouvi-lo na pregação de domingo à tarde.
Agora vamos ter coragem e cada qual faça o melhor para corresponder a tanto amor que Jesus nos trouxe. (MBpt, p. 197-198).”
(MB XI, 249)

Sete anos depois, em 1887, a igreja foi concluída para o culto. Em 14 de maio daquele ano, Dom Bosco participou com emoção da consagração do templo, solenemente presidida pelo Cardeal Vigário, Lúcido Maria Parocchi. Dois dias depois, em 16 de maio, celebrou a única Santa Missa nessa igreja, no altar de Maria Auxiliadora, interrompido mais de quinze vezes por lágrimas. Eram lágrimas de gratidão pela luz divina que havia recebido: havia entendido as palavras do seu sonho de nove anos: “No devido tempo você entenderá tudo!”. Uma tarefa concluída em meio a muitos mal-entendidos, dificuldades e sofrimentos, mas coroando uma vida dedicada a Deus e aos jovens, recompensada pela própria Divindade.

Recentemente, foi feito um vídeo sobre a Basílica do Sagrado Coração. Propomos-lhes o vídeo a seguir.






Presença salesiana no Caribe

Sob o sol do Caribe, em aldeias cheias de vida e alegria, Dom Bosco continua a ser uma resposta significativa para os jovens dessas terras.

Há mais de cem anos, a presença salesiana encontrou ambiente e clima fértil em alguns países do Caribe, que hoje, como no passado, confirmam sua importância na presença de seus jovens, em seu povo alegre, afetuoso e simples, em sua sensibilidade religiosa e em sua capacidade de acolhê-los: Cuba, Haiti, República Dominicana e Porto Rico ofereceram e continuam a oferecer um ambiente propício à missão salesiana e uma terra fértil para o carisma de Dom Bosco.

Os Salesianos, organizados em duas Inspetorias, a das Antilhas e a do Haiti, junto com muitos outros membros da Família Salesiana, concretizam hoje essa presença. Eles são fruto da generosidade e da paixão de grandes missionários, com boa vontade, grandes sonhos, confiança na Providência e compromisso com a educação e a evangelização dos jovens; assim se consolidou a presença de Dom Bosco. Houve também fatos históricos naturais ou sociais que motivaram as decisões que levaram à sua atual conformação.

Um pouco de história

Embora o primeiro pedido de salesianos para as Índias Ocidentais date de 1896, o primeiro país a receber uma presença salesiana foi Cuba, em 1916, seguida pela República Dominicana, em 1933, depois pelo Haiti, em 1936, e finalmente Porto Rico, em 1947.

Dolores Betancourt, natural de Camagüey, havia assinado um acordo particular em Turim com o padre Paulo Álbera a respeito de uma fundação em sua cidade natal. Os primeiros salesianos chegaram a Cuba em 4 de abril de 1917 para abrir uma obra em Camagüey.

O padre José Calasanz (1872-1936), originário de Azanuy, na Espanha, salesiano desde 1890, foi enviado como missionário para promover fundações em Cuba, Peru e Bolívia. Em 1917, os primeiros salesianos entraram em Cuba, junto com o padre Estêvão Capra e dois coadjutores (os senhores Ullivarri e Celaya). Em 1917, os salesianos foram encarregados da igreja dedicada a Nossa Senhora da Caridade em uma área rural de Camagüey, de onde coordenaram a primeira escola de artes e ofícios.

Haiti, Cap-Haïtien

As comunidades salesianas começaram a crescer e a se consolidar em Cuba, primeiro compartilhando a propriedade canônica com a Inspetoria Salesiana de Tarragona, na Espanha. Em 1924, passou para a Inspetoria do México e, três anos depois, devido à perseguição religiosa sofrida no México, a sede da Província foi transferida para Havana, Cuba.

O Padre Pittini desempenhou as funções de Provincial na parte leste dos Estados Unidos e lá recebeu instruções do Superior Geral, Padre Pedro Ricaldone, para se mudar para Santo Domingo, a fim de examinar a possibilidade de a Congregação se estabelecer na República Dominicana.

Em 16 de agosto de 1933, o Padre Pittini chegou ao porto de São Pedro de Macorís. Em fevereiro de 1934, o Padre Pittini assumiu o papel de Superior dos Salesianos que acabavam de chegar à República Dominicana; ele supervisionou o trabalho da escola em construção e conheceu os dominicanos. Em 11 de outubro de 1935, o Papa Pio XI o nomeou Arcebispo de Santo Domingo.

Haiti, Pétion-Ville

Os salesianos chegaram ao Haiti em 1936. O Reitor-Mor encarregou o Padre Pedro Gimbert, ex-Inspetor de Lyon, de implantar o carisma salesiano no Haiti. Ele chegou em 27 de maio de 1936, acompanhado por um coadjutor salesiano, o Sr. Adriano Massa. Mais tarde, outros coirmãos chegaram para completar a comunidade.

Desde a sua fundação, o Haiti fez parte sucessivamente da Inspetoria Salesiana do México-Antilhas, com sede em Havana; mais tarde, passou a fazer parte da Inspetoria das Antilhas – junto com Cuba, República Dominicana e Porto Rico – com sede em Santo Domingo.

Haiti, Gressier

A fundação em Porto Rico se tornou realidade em 24 de abril de 1947, quando o padre Pedro M. Savani, ex-Inspetor do México-Antilhas, chegou para assumir a paróquia de São João Bosco em Santurce, na rua Lutz. A partir daí, ele começou a administrar um Oratório no que hoje é o terreno de Cantera, onde, em 1949, iniciou a construção da capela que mais tarde se tornaria a imponente Igreja-Santuário de Maria Auxiliadora.

A ereção canônica da Inspetoria das Antilhas ocorreu em 15 de setembro de 1953, durante o reitorado do P. Renato Ziggiotti, sob o patrocínio de São João Bosco, com sede em La Víbora (Havana, Cuba). Mais tarde, foi transferida para Compostela (Havana Velha). Após a Revolução Cubana, a sede provincial foi transferida para Santo Domingo, República Dominicana, no “Colégio Dom Bosco”, onde permaneceu até 1993, quando foi transferida para sua localização atual na Calle 30 de Marzo, 52, na cidade de Santo Domingo.

Desde janeiro de 1992, o Haiti é uma Visitadoria, com sede em Porto Príncipe.

Dom Bosco no Caribe hoje
A Inspetoria Salesiana das Antilhas é formada por três países da região do Caribe: Cuba, República Dominicana e Porto Rico. O Haiti forma uma Inspetoria separada. No total, há 169 salesianos de Dom Bosco nos quatro países: 15 em Cuba, 74 no Haiti, 67 na República Dominicana e 13 em Porto Rico.

As obras que as duas Inspetorias animam em 32 comunidades são: 41 centros educativos (dos quais pelo menos 20 são centros de formação técnica), 33 oratórios, 23 obras sociais, 8 casas de retiro-reunião, 1 centro de formação ambiental, 3 casas de formação, 4 centros de comunicação social – estúdios de gravação, 2 estações de rádio e 18 paróquias com 80 capelas e 44 casas de missão.

A Família Salesiana no Caribe tem uma grande vitalidade e é composta por vários grupos: Salesianos de Dom Bosco, Filhas de Maria Auxiliadora, Salesianos Cooperadores, Associação de Maria Auxiliadora, Ex-alunos (SDB-FMA), Filhas dos Sagrados Corações, Voluntárias de Dom Bosco, Damas Salesianas e Missionárias Paroquiais de Maria Auxiliadora (esta última, uma Pia União, aprovada pelo Arcebispo de Santo Domingo, Dom Otávio A. Beras; foi fundada pelo P. Andrés Nemeth, sdb, em 16 de junho de 1961; embora não faça parte da Família Salesiana, por causa de sua proximidade, participa de suas reuniões). As relações são cordiais, alguns projetos pastorais são compartilhados e as reuniões são frequentes.

Em um clima social e político muito particular, os quatro países estão experimentando uma migração em massa de seus jovens e de famílias inteiras, motivada pela fome, pela falta de alimentos e de trabalho, pela violência e pela busca de oportunidades mais bem remuneradas. Nessas circunstâncias, a presença salesiana continua muito comprometida com os processos de educação, formação profissional, cidadania e vida de fé. Há um sério compromisso com a defesa dos direitos à educação, à alimentação e a uma vida digna para crianças, adolescentes e jovens; os pátios são usados para acompanhar e incentivar atividades lúdicas e encontros que permitem fazer amigos. A música e a dança são expressões naturais que encontram nos oratórios salesianos o estímulo e o espaço para se expressarem em sua melhor forma. Seus pátios sempre foram lugares de encontro e refúgio, mesmo diante de eventos naturais que os atingiram.

Essa presença hoje é profética ao compartilhar com as pessoas as realidades sociais que cada país está vivendo, decidindo permanecer perto dos mais necessitados, encorajando a fé cotidiana, uma amizade simples que fala de Deus, cheia de esperança e conforto, com gestos fraternos de solidariedade e amor pelos mais vulneráveis, especialmente crianças e jovens.

Santo Domingo, La Plaza

P. Hugo OROZCO SÁNCHEZ, sdb
Conselheiro Regional para a Região Interamérica




Reitor-Mor, P. Angel FERNANDEZ ARTIME, nomeado cardeal

No final da oração mariana de domingo, 9 de julho de 2023, o Papa Francisco anunciou a criação de 21 novos cardeais, entre os quais o Reitor-Mor dos Salesianos, P. Angel FERNANDEZ ARTIME.

Desejamos ao nosso Reitor-Mor muitas graças do Senhor para guiá-lo na nova missão que lhe foi confiada pela Igreja Universal! A notícia oficial pode ser encontrada AQUI.




Segundo Congresso dos Coadjutores da África

O Segundo Congresso Regional dos Coadjutores Salesianos da Região África-Madagascar foi realizado de 24 a 29 de maio de 2023 em Yaoundé, Camarões, na Visitadoria “Nossa Senhora da África” da África Tropical Equatorial (ATE). O lema do Congresso: “Caminhando com Rafael e Tobias, pedalando com Artemis” orientou os dias de aprofundamento do carisma, com o objetivo de promover a identidade vocacional do salesiano coadjutor e oferecer uma visão que ajude na formação permanente. Apresentamos a palestra do Conselheiro Regional, P. Alphonse Owoudou.

Introdução
O Capítulo Geral 28 nos lançou um desafio de identidade na forma de uma pergunta: “Que tipo de salesianos para os jovens de hoje?” Essa pergunta poderia ser dirigida a nós durante este Congresso dos Salesianos Irmãos: Que Salesianos coadjutores para os jovens da África e de Madagascar de hoje? As várias reflexões que alimentaram estes dias nos dão motivos para redesenhar constantemente o retrato de cada um dos nossos irmãos leigos consagrados, e é esta a contribuição que vamos dar, contemplando um livro da Bíblia, o livro de Tobit, uma narrativa extremamente profética, pedagógica e pastoral. Veremos, através de uma perspectiva analógica e ligeiramente hermenêutica, como e em que medida, como Dom Bosco e particularmente como Santo Artêmides Zatti, o Coadjutor é chamado a tornar-se um pai espiritual e um companheiro competente para os jovens, para não dizer um verdadeiro “sacramento da presença salesiana”.

1. Caminhando com Rafael e o jovem Tobias
A narrativa de Rafael e Tobias é uma história bíblica fascinante sobre um jovem chamado Tobias e seu anjo da guarda, Rafael. Gostaria de resumir a vida de Tobias dando-lhe a palavra: “Eu, Tobit, andei na verdade e fiz o que era certo. Dei esmolas à minha família e aos cativos assírios em Nínive e visitei Jerusalém com frequência nas festas, levando ofertas e dízimos. Quando cresci, casei-me e tive um filho chamado Tobias. Deportado por Senaqueribe, abstive-me de comer a comida deles e Deus me concedeu misericórdia diante dele. Por meio de meu sobrinho Aicar, consegui retornar a Nínive, onde ajudei órfãos, viúvas e estrangeiros de acordo com a lei de Moisés.”

Acusado por um dos cidadãos, Tobite infelizmente foi arruinado e até cegado por excrementos de pássaro que caiu em seu rosto. E nos lembramos da briga com sua esposa (cap. 2), que havia trazido uma ovelha, e o marido cego achou que ela a havia roubado, o que deixou a esposa irritada e insultou o marido cego. Tobias teve um filho, a quem deu seu próprio nome. O arcanjo Rafael apareceu a esse menino em forma humana e ofereceu-lhe ajuda. Rafael acompanha Tobias em uma missão difícil, uma jornada perigosa para coletar dinheiro para sua família (capítulo 4). Durante a viagem, Rafael ajuda Tobias a derrotar um demônio que matou os maridos de sua futura esposa e cura a cegueira de Tobit. No final da jornada, Tobias se casa com Sara, a filha de um parente distante, e Rafael revela sua verdadeira identidade como anjo de Deus.
O leigo salesiano Artêmides Zatti era um religioso e um homem próximo de seus irmãos e irmãs, especialmente daqueles que estavam sofrendo. Ele dedicou sua vida a ajudar os doentes e os pobres na Argentina. Zatti era um jovem de uma família pobre que começou a trabalhar aos quatro anos de idade para ajudar sua família. Mais tarde, ele emigrou para a Argentina com sua família em busca de uma vida melhor. Atingido pela tuberculose, ele se recuperou e entrou para a congregação salesiana.
Zatti trabalhou como farmacêutico e também dirigiu um hospital, onde foi descrito como sendo muito dedicado aos doentes e aos pobres. Ele também se envolveu em atividades religiosas e foi considerado um possível candidato à canonização. Zatti era conhecido por sua compaixão e dedicação aos pacientes, sua experiência médica, seu trabalho para expandir o hospital e seu legado duradouro. Sua bicicleta tornou-se um símbolo de sua vida dedicada aos outros, que ele usava para percorrer a cidade, visitando os pobres doentes. Zatti recusou presentes para si mesmo, preferindo continuar usando sua bicicleta, que considerava um meio de transporte suficiente para cumprir sua missão de cuidar dos doentes e servir aos outros.

2. Os dois tweets do Papa Francisco e uma bicicleta
1. O irmão salesiano Artêmide Zatti, cheio de gratidão pelo que havia recebido, queria dizer “obrigado”, assumindo as feridas dos outros: curado da tuberculose, ele dedicou toda a sua vida a cuidar dos doentes com amor e ternura.
2. A fé cristã sempre nos pede que caminhemos juntos com os outros, que saiamos de nós mesmos em direção a Deus e aos nossos irmãos e irmãs. E que saibamos agradecer, superando a insatisfação e a indiferença que enfeiam nosso coração.

O Papa Francisco, falando de Zatti, insiste no “caminhar juntos”, ou seja, compartilhar e unir-se por meio do amor para ajudar aqueles que sofrem. Zatti dedicou toda a sua vida a servir os mais desfavorecidos, usando sua bicicleta como meio de transporte para ir aos bairros pobres da cidade e ajudar os doentes. Sua bicicleta, portanto, tornou-se um símbolo poderoso dos valores que ele compartilhava: humildade, generosidade e simplicidade.
Na verdade, Zatti não demonstrou nenhum interesse especial em ter um carro ou mesmo um ciclomotor quando seus amigos queriam lhe dar um. A bicicleta era tudo o que ele precisava para atingir seu nobre objetivo: ajudar aqueles que mais precisavam de apoio. Sua escolha de meio de transporte também refletia outra característica intrínseca de sua personalidade: o amor incondicional que ele distribuía sem restrições ou condições àqueles que não tinham a sorte de receber o mesmo, simplesmente porque suas circunstâncias sociais ou financeiras não permitiam.
Cada gesto de Zatti repercutia profundamente em todos, convidando-os a seguir seu exemplo. Caminhar juntos significa estar disponível psicológica e fisicamente para que cada pessoa possa se sentir apoiada pelas pessoas ao seu redor, mas, acima de tudo, servir aos outros com bondade e compaixão, como ele mesmo cuidou deles por tantos anos. Essas ações são um reflexo concreto da mensagem delineada pelo Papa Francisco sobre “caminhar juntos”: estender a mão para aqueles que estão sofrendo, a fim de vislumbrar coletivamente uma melhoria geral no bem-estar da comunidade por meio de uma atitude geral de maior solidariedade e cordialidade para com os outros em nossa vida diária.

3. Nossa missão de acompanhamento e sinodalidade

Essa história do Livro de Tobias é um excelente exemplo da importância e do papel crucial que o acompanhamento, a sinodalidade e a solidariedade desempenham em nossa missão comum de servir ao próximo.
Rafael acompanhou Tobias durante toda a sua jornada, inclusive em acidentes, adaptando-se a cada situação e dedicando tempo para responder às suas perguntas, ajudar seus companheiros e auxiliar os que estavam sofrendo. Seu papel era encorajar, incitar e impulsionar Tobias a superar os desafios que enfrentava para que ele pudesse chegar ao seu destino. Mas ele fez mais do que isso: também lhe deu ajuda prática em situações em que ele estava impotente contra as forças invisíveis que o controlavam.

Além disso, Rafael não trabalhou sozinho durante a jornada; ele trabalhou lado a lado com Tobias para encontrar soluções adaptadas às circunstâncias. Ele entendeu que, para ser eficaz, precisava ouvir as solicitações do jovem, respeitar seu estilo de liderança pessoal e criar um sistema de cooperação entre eles para atingir o objetivo final que compartilhavam: derrotar Asmodeu e curar seu pai.
Rafael e Tobias nos ensinam que, para oferecer um acompanhamento real, útil, econômico e satisfatório, precisamos estar atentos às necessidades dos outros, sair da nossa zona de conforto, se necessário, ouvir ativamente o que eles têm a dizer, demonstrar empatia, mas, acima de tudo, trabalhar juntos para que cada um de nós possa contribuir, de acordo com nossas habilidades específicas, para atingir as metas comuns que todos compartilhamos. Esse aprendizado é mais relevante do que nunca, pois sem a colaboração entre pessoas com objetivos comuns, sua missão estará comprometida.

4. Uma vocação “médica” e pastoral
Rafael, que significa “Deus cura”, é conhecido como um dos arcanjos da Bíblia, frequentemente associado à cura e à proteção. Da mesma forma, Zatti era considerado um curador e protetor dos doentes e pobres de sua comunidade. Mas essa terapia ocorria em vários níveis. O amor de Zatti pela pobreza, seu desapego das coisas materiais e sua disposição em aceitar e até mesmo implorar pelo que considerava necessário para o bem-estar de seus pacientes são algumas das características que o fazem se assemelhar a Jesus – que, na realidade, era um rabino leigo e curador. Zatti estava sempre disponível a qualquer hora do dia e da noite e em qualquer clima, e viajava nas velhas carroças de madeira dos camponeses se eles o encontrassem a caminho da casa de um paciente. Ele também era humilde e tinha uma opinião baixa sobre si mesmo, apesar dos esforços de seus benfeitores para elevá-lo aos seus próprios olhos e aos olhos do mundo. A forte vida interior do santo coadjutor, repleta de amor a Deus e total confiança na bondade da providência divina, sua confissão regular e seu amor pelo Santíssimo Sacramento o tornavam parecido com Dom Bosco. Frequentemente lia passagens da vida dos santos para os doentes e, no final do dia, dava a eles uma pequena mensagem para a noite. O bom humor de Zatti também se baseava nos sólidos fundamentos de sua vida espiritual e consagrada, e ele sempre demonstrava alegria e boa vontade no cumprimento de seus deveres para com os doentes e os desafortunados. Era também um pacificador, ajudando a resolver conflitos entre membros de sua equipe e os médicos de Viedma e da Patagônia. Essas características de nosso santo Coadjutor são destacadas aqui porque também são um poderoso antídoto contra os inimigos de nossos três votos, contra a indiferença e a preguiça pastoral, contra o atual distanciamento entre os destinatários e nós mesmos, e o caminho real que nos afasta do carreirismo que se disfarça de clericalismo no mundo religioso.
Na escola do anjo Rafael e de Zatti, descobrimos que nós, Salesianos de Dom Bosco, também somos portadores da Boa Nova, que muitas vezes consiste, como Jesus anunciou na sinagoga (Lucas 4), em curar e restaurar. Essa função “médica” é uma parte importante de nossa missão de servir os jovens e os pobres. E se a “doença”, como a pobreza, pode assumir diferentes rostos, nós Salesianos em geral, e os Salesianos Coadjutores em particular, somos conhecidos por nossas várias lutas contra os males e as várias formas de precariedade; daí o nosso imenso trabalho nas escolas, nos orfanatos, nos hospitais, nos oratórios e nas oficinas e laboratórios dos nossos centros de formação profissional e das escolas técnicas. E em nossa Região, assim como na Congregação, várias inspetorias, obras e membros da Família Salesiana também estão envolvidos em atividades diretamente relacionadas à saúde, incluindo hospitais, clínicas e centros de assistência aos idosos. A saúde é vista como um aspecto importante do bem-estar dos jovens e dos pobres, e nós tentamos, com Dom Variara, com Zatti e outros, atender às suas necessidades de modo total e holístico.
Hoje, precisamos de uma geração de salesianos que estejam suficientemente enraizados no céu, como Rafael, e profundamente ligados aos desafios da terra, como Azarias, para se preocuparem em conciliar o bem temporal com o da eternidade, lutando por todas as formas de doença e saúde, especialmente aquelas que afetam os mais vulneráveis em nossa sociedade. Precisamos de anjos e companheiros que possam aliviar nossas doenças físicas, mentais e emocionais, bem como os problemas de saúde ligados à pobreza, como a desnutrição e o acesso limitado à saúde. Continuamos a trabalhar para atender a essas necessidades de forma eficaz e holística, oferecendo assistência médica de qualidade e trabalhando para melhorar a vida dos mais vulneráveis.

5. Metáfora do relacionamento educacional e pastoral
Azarias, o apelido do anjo Rafael, ilustra a perfeita relação educacional entre o coadjutor salesiano e os Tobias ou jovens de hoje. Especialmente quando sabemos que o apelido Azarias na verdade significa assistente, auxiliar, coadjutor. Assim, da mesma forma que um anjo acompanhava um menino em direção à maturidade, o coadjutor pode e deve incentivar os jovens a crescer e amadurecer em seus relacionamentos com os colegas, naquilo que é conhecido como relações de igualdade, mas também em seus relacionamentos e deveres para com a família e os pais, e o mundo adulto em geral, naquilo que é conhecido como relações assimétricas. Incentiva-nos a reler essa maravilhosa história do Livro de Tobias e a nos apropriarmos dos sábios conselhos do velho Tobias a seu filho, e da lição de vida e religião que Azarias dá à família reconciliada, antes de voltar para Deus – para aquele que o enviou. Esse é um detalhe importante: ir e voltar para Deus, aquele que nos enviou, como aquelas idas e vindas na escada de Jacó, onde os anjos vão e voltam entre o céu e a terra, como se quisessem ensinar aos anjos de hoje a união com Deus e a predileção pelos pobres da terra.
Santo Artêmides Zatti nos mostra como podemos assimilar perfeitamente esse papel em nossa vida cotidiana: dedicando sua vida a ajudar os mais jovens e os mais pobres, ele fez muito mais do que simplesmente transmitir ensinamentos morais. Ele orientou os jovens para o crescimento pessoal, reconhecendo suas capacidades interiores e mostrando-lhes como expressá-las. Ele também deu o exemplo ao mostrar compaixão pelos doentes e pelos pobres, demonstrando com suas ações que é possível mudar o mundo ao nosso redor por meio do amor, da doação e do sacrifício.
O salesiano coadjutor pode ser estatisticamente uma minoria (na África, 9% nas províncias mais ricas). E, no entanto, eles estão em uma posição privilegiada para apreender esse modelo admirável, voando para a periferia da missão com e como o anjo da guarda, percorrendo os caminhos das dimensões terrenas e seculares da vida e “pedalando” com Zatti até a cabeceira dos necessitados, com toda a humildade e sem a arrogância dos grandes meios e do arsenal de alguns dos pastores de hoje. Dessa forma, eles podem imitar o Guia celestial fornecido por Deus na história de Tobias: motivando a obediência gentil para com o pai idoso e cego, iniciando-o diante das adversidades da jornada, bem como tomando corajosamente uma decisão importante para o seu futuro, confiando em Deus nos momentos decisivos, em uma palavra, coragem impressionante e profunda empatia que permitirão ao menino um crescimento harmonioso que o levará a uma autonomia ponderada, embora seus pais, antecipando em sua ansiedade a parábola do filho pródigo, esperassem por ele todos os dias com preocupação. Mas o texto diz que o jovem Tobias conhecia o coração de seu pai e a ternura preocupada de sua mãe.

Conclusão
“Eu sou Rafael, um dos sete anjos presentes diante da glória do Senhor. Não tenham medo! A paz esteja com vocês e abençoem a Deus para sempre. Não tenham medo do que viram, pois foi apenas uma aparência. Bendigam ao Senhor, celebrem-no e escrevam o que aconteceu com vocês.”

No final da história, Rafael se define como um sacramento da presença de Deus com Tobias. Exatamente o que Jesus fez e foi, o que nosso fundador Dom Bosco ilustrou e o que o Reitor-Mor nos recomenda na terceira prioridade deste sexênio. Ser um sinal de outro lugar, “como se nós também pudéssemos ver o invisível”. O invisível em ambientes que, no entanto, são muito visíveis, nas escolas, na catequese, nas oficinas, ou, como dizia o P. Rinaldi, na agricultura, onde alguns Irmãos sabem cultivar e fazer frutificar a terra e a criação. O coadjutor salesiano é uma das duas formas da vocação consagrada salesiana, sendo a outra o sacerdote salesiano. Segundo o CG21, não são apenas os indivíduos que difundem a mensagem de Dom Bosco, mas as suas comunidades compostas por sacerdotes e leigos, fraterna e profundamente unidos entre si, chamados a “viver e trabalhar juntos” (C 49).

A presença significativa e complementar de clérigos e leigos salesianos na comunidade é um elemento essencial de sua fisionomia e plenitude apostólica. Estamos bem posicionados este ano, à luz da Estreia do Reitor-Mor, para reiterar que o salesiano coadjutor não é um leigo como os outros fiéis leigos da Igreja. Ele é um religioso consagrado. É claro que a sua vocação, felizmente, mantém uma ligação real com o conceito de secularidade e só a exalta em suas mais belas expressões. Nesse sentido, este segundo Congresso Regional pode legitimamente considerar cada um de nossos salesianos coadjutores como aquele anjo, aquele arcanjo descrito no livro de Tobias, que permanece incessantemente diante da face de Deus e que percorre as estradas do mundo, voando em auxílio daqueles que estão em necessidade ou a caminho, e levando-os ao louvor e à ação de graças. Assim, cada irmão é convidado a contemplar Rafael que, em uma admirável kénosis, renuncia à sua categoria angélica e desce para percorrer as estradas empoeiradas a fim de acompanhar Tobias no caminho da iniciação à idade adulta. Essa metáfora convida o salesiano coadjutor a acompanhar os jovens de hoje rumo à plena cidadania como cidadãos e crentes, como queria o nosso fundador: amor aos pais (Rafael exorta Tobias a obedecer ao pai), compromisso social (Rafael ajuda Tobias e supervisiona operações milagrosas para os doentes, castidade e amor para se casar com Sara, e lealdade para se tornar herdeiro do pai e do sogro Raguel) e serviço divino (Rafael se proclama enviado direto de Deus e dá conselhos para honrar e louvar a Deus e amar o próximo).
Como os mensageiros bíblicos (anjos) e os apóstolos da história da Igreja, os salesianos coadjutores são chamados a estar disponíveis, a servir a unidade e a identidade salesiana e a plenitude apostólica, participando ativamente da vida e do governo da Congregação. Ao lado de seus irmãos diáconos e sacerdotes, eles acompanham os jovens – e outros irmãos – em sua consagração e em seus compromissos educativos, integrando e celebrando a diversidade dentro da comunidade salesiana. Os Irmãos, bem dotados, formados e identificados, são pilares para os jovens em suas trajetórias de vida, muitas vezes complicadas e difíceis, assim como o Arcanjo Rafael, conhecido como Azarias, foi um pilar, uma referência social e espiritual para Tobias, que pôde assim cumprir sua missão de filho e futuro pai. O longo caminho de iniciação dos nossos jovens, da África até a idade adulta, já é fecundo e será ainda mais se forem acompanhados por figuras significativas e pessoas de confiança como Azarias, verdadeiros anjos da guarda, companheiros de Emaús, capazes – como em nossas casas de formação e em nossas instituições – de educar, formar e acompanhar. Além de servir à unidade, à identidade salesiana e à plenitude apostólica dentro da Congregação Salesiana com todos os seus talentos, os salesianos coadjutores desempenham um papel muito importante como guias e mentores para os jovens que ainda estão buscando o seu lugar no mundo – uma figura semelhante a Zatti ou Rafael, que pode ser vista como um pai espiritual.




São Francisco de Sales. A presença de Maria (8/8)

(continuação do artigo anterior)

A PRESENÇA DE MARIA EM SÃO FRANCISCO DE SALES (8/8)

As primeiras informações que temos sobre a devoção a Maria na família de Sales referem-se a sua mãe, a jovem Francisca de Sionnaz, devota da Virgem, fiel à oração do Rosário. O amor por esta prática piedosa passou para seu filho, que, quando jovem em Annecy, inscreveu-se na Confraria do Rosário, comprometendo-se a recitá-lo todo ou parte dele todos os dias. Fidelidade ao terço que o acompanharia por toda a vida.

A devoção à Virgem continuou durante seus anos parisienses. “Entrou na Congregação de Maria, que reunia a elite espiritual dos estudantes do seu colégio”

Há depois a crise espiritual que irrompe no final de 1586: durante várias semanas ele não come, não dorme, desespera-se. Tem na cabeça a ideia de ser abandonado pelo amor de Deus e de “nunca mais poder ver o seu dulcíssimo rosto”. Até que um dia de janeiro de 1587, ao voltar do colégio, entrou na igreja de Saint-Etienne-des-Grès e diante da Virgem fez um ato de abandono: recitou a Salve Rainha e libertou-se da tentação recuperando a serenidade.

A oração e a devoção à Mãe de Deus certamente continuaram durante os anos de Pádua: terá confiado a Ela a sua vocação ao sacerdócio.

Em 18 de dezembro de 1593 foi ordenado sacerdote e certamente terá celebrado algumas missas na igreja de Annecy, dedicadas a Notre Dame de Liesse (Nossa Senhora da Alegria), para agradecer a Ela que o havia levado e guiado pela mão durante aqueles longos anos de estudo.

Passaram-se anos e chegamos a agosto de 1603, quando Francisco recebeu a carta-convite do Arcebispo de Bourges para pregar a próxima Quaresma em Dijon.
“A Nossa Congregação é o fruto da viagem a Dijon”, escreveu ele a seu amigo P. Pollien.

Foi durante este período quaresmal, iniciado em 5 de março de 1604, que Francisco conheceu a Baronesa Joana Frémyot de Chantal. Iniciará um caminho para Deus em busca da Sua vontade, um caminho que durará seis anos e terminará em 6 de junho de 1610, dia em que a Visitação nasceu com o ingresso no noviciado de Joana e duas outras mulheres.
“Nossa pequena Congregação é verdadeiramente uma obra do Coração de Jesus e de Maria”, e depois de pouco tempo ele acrescenta com confiança: “Deus cuida das suas servas e Nossa Senhora lhes dá o necessario”.
Suas Filhas seriam chamadas Religiosas da Visitação de Santa Maria.

Quatrocentos anos após sua fundação, o Mosteiro da Visitação em Paris escreve que a Ordem nunca deixou de tirar desta cena do Evangelho o melhor da sua espiritualidade.
“Contemplação e louvor do Senhor, unidos ao serviço do próximo; espírito de ação de graças e humildade do Magnificat; pobreza real que se lança com infinita confiança na bondade do Pai; disponibilidade ao Espírito; ardor missionário para revelar a presença de Cristo; alegria no Senhor; Maria que guarda fielmente todas essas coisas em seu coração”.

Joana de Chantal resume o espírito salesiano da seguinte maneira: “um espírito de profunda humildade para com Deus e de grande doçura para com o próximo”, que são precisamente as virtudes que surgem imediatamente da contemplação vivida do mistério da Visitação”.
Nos Entretenimentos, sobre o espírito de simplicidade, diz Francisco às suas Visitandinas:
“Devemos ter uma confiança totalmente simples, o que nos faz permanecer em silêncio nos braços do nosso Pai e da nossa querida Mãe, confiantes de que Nosso Senhor e Nossa Senhora, nossa querida Mãe, sempre nos protegerão com os seus cuidados e sua ternura materna”.
A Visitação é o monumento vivo do amor de Francisco pela Mãe de Jesus.

O amigo Monsenhor J. P. Camus resume assim o amor de Francisco pela Virgem: “Foi verdadeiramente grande a sua devoção à Mãe do esplêndido amor, da ciência, do amor casto e da santa esperança. Desde seus primeiros anos, ele se dedicou a honrá-la”.

Nas cartas, a presença de Maria é como fermento na massa: discreta, silenciosa, ativa e eficaz. Não faltam as orações compostas pelo próprio Francisco.

Em 8 de dezembro (!) de 1621, ele envia um para uma visitandina:
“Que a Virgem mais gloriosa nos encha do seu amor, para que juntos, vós e eu, que tivemos a sorte de sermos chamados e embarcados sob a sua proteção e em seu nome, possamos realizar santamente a nossa navegação com humilde pureza e simplicidade, para que um dia possamos nos encontrar no porto da salvação, que é o Paraíso”.

Quando escreve cartas por ocasião de alguma festa mariana, ele não perde a oportunidade de mencioná-la ou tomar dela um ponto de reflexão. Assim,
– na Assunção de Maria no céu: “Esta santa Virgem, com suas orações, nos faça viver neste santo amor! Que ele seja sempre o único objeto do nosso coração”.
– na Anunciação: é o dia “da mais abençoada saudação já dada a uma pessoa”. Suplico a esta gloriosa Virgem que vos conceda um pouco da consolação que ela recebeu”.

Quem é Maria para Francisco?

a. É a Mãe de Deus
Não só Mãe, mas também… avó! “Honra, reverência e respeita com um amor especial a santa e gloriosa Virgem Maria: ela é a Mãe do nosso soberano Pai e, portanto, também nossa querida avó. Recorramos a ela como netos, ajoelhemo-nos diante dela com absoluta confiança; a todo momento, em todas as circunstâncias, apelemos a esta doce Mãe, invoquemos o seu amor materno e, fazendo todo esforço para imitar as suas virtudes, tenhamos por Ela um coração sincero de filhos”.

Leva-nos a Jesus: “Fazei o que Ele vos disser”!
“Se queremos que Nossa Senhora peça a seu Filho que transforme a água da nossa tibieza em vinho do seu amor, devemos fazer tudo o que Ele nos disser. Façamos bem o que o Salvador nos dirá, enchamos bem os nossos corações com a água da penitência, e esta água da penitência será transformada para nós no vinho do amor fervoroso”.

b. É o modelo que devemos imitar
Na escuta da Palavra de Deus.
“Recebei-a no teu coração como um unguento precioso, seguindo o exemplo da Santíssima Virgem, que conservava cuidadosamente em seu coração, todos os louvores pronunciados em honra de seu Filho”.

Modelo para viver com humildade.
“A Santíssima Virgem, Nossa Senhora, nos deu um exemplo notável de humildade quando pronunciou estas palavras: Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra; ao dizer que é a serva do Senhor, ela expressa o maior ato de humildade que se pode fazer e imediatamente realiza um ato de mais excelente generosidade, dizendo: Faça-se em mim segundo atua palavra”.

Modelo na vivência de uma santidade comum.
“Se se quiser ser santos de verdadeira santidade, é preciso que seja comum, cotidiana e ferial como a de Nosso Senhor e de Nossa Senhora”.

Modelo para viver na serenidade:
“Se vos sentirdes excessivamente preocupada, acalmai a vossa alma e procurai dar-lhe novamente a tranquilidade. Imaginai como a Virgem trabalhava tranquilamente com uma mão, enquanto com a outra segurava Nosso Senhor durante a sua infância: Ela segurava-O num braço, nunca desviando d’Ele o seu olhar”.

Modelo no entregar-se a Deus no tempo:
“Oh, quão felizes são as almas que, imitando esta santa Virgem, se consagram como primícias, desde a juventude, ao serviço de Nosso Senhor”‘.

c. É a força no sofrimento
O marido da senhora de Granieu sofre ataques de gota muito dolorosos. Francisco participa do sofrimento deste senhor e acrescenta:
“Uma dor que nossa Santíssima Senhora e Abadessa (trata-se da Virgem Maria) pode aliviar grandemente, levando-vos ao Monte Calvário, onde ela realiza o noviciado do seu mosteiro, ensinando não só a sofrer bem, mas a sofrer com amor tudo o que acontece por nós e por nossos entes queridos”.

Concluo com esta bela passagem que evidencia a ligação que une Maria e o crente toda vez que ele se aproxima da Eucaristia:
“Quereis ser parente da Virgem Maria? Comungai! Pois ao receber o Santo Sacramento, recebeis a carne da sua carne e o sangue do seu sangue, pois o precioso corpo do Salvador, que está na divina Eucaristia, foi feito e formado com o seu sangue mais puro e com a colaboração do Espírito Santo. Já que não se pode ser parente de Nossa Senhora da mesma forma que Izabel, sede-o imitando as suas virtudes e a sua vida santa”.