O Coração de Ouro da Educação

Por que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus faz parte do DNA da Congregação Salesiana

Uma grande e bela igreja que custou “sangue e lágrimas” a Dom Bosco, que, já consumido pelo cansaço, gastou suas últimas energias e anos na construção desse templo solicitado pelo Papa.
É também um lugar caro a todos os salesianos por muitas outras razões.

A estátua dourada do campanário, por exemplo, é um sinal de gratidão: foi doada por ex-alunos da Argentina para agradecer aos salesianos por terem ido à sua terra.
Também porque, em uma carta de 1883, Dom Bosco escreveu a memorável frase: “Lembrem-se de que a educação é coisa do coração e que só Deus é o seu mestre, e não seremos capazes de ter sucesso em nada, se Deus não nos ensinar a arte e não nos der as chaves em nossas mãos”. A carta terminava: “Rezem por mim e creiam-me sempre no Sagrado Coração de Jesus”.
Porque a devoção ao Sagrado Coração de Jesus faz parte do DNA salesiano.
A festa do Sagrado Coração de Jesus quer nos encorajar a ter um coração vulnerável. Somente um coração que pode ser ferido é capaz de amar. Assim, nessa festa, contemplamos o coração aberto de Jesus para abrir também os nossos corações ao amor. O coração é o símbolo ancestral do amor e muitos artistas pintaram com ouro a ferida no coração de Jesus. Do coração aberto se irradia para nós o brilho dourado do amor, e o dourado também nos mostra que nossos trabalhos e feridas podem ser transformados em algo precioso.
Todo templo e toda devoção ao Sagrado Coração de Jesus fala do amor desse coração divino, o coração do Filho de Deus, por todos os seus filhos e filhas desta humanidade. E fala de dor, fala de um amor de Deus que nem sempre é correspondido. Hoje acrescento outro aspecto. Acho que também fala da dor desse Senhor Jesus diante do sofrimento de muitas pessoas, do descarte de outras, da imigração de outras pessoas sem horizonte, da solidão, da violência que muitas pessoas sofrem.

A estátua de Jesus Abençoador que fica no campanário da Basílica do Sagrado Coração em Roma

Creio que se pode dizer que fala de tudo isso e, ao mesmo tempo, abençoa, sem dúvida, tudo o que se faz em favor dos últimos, ou seja, o mesmo que Jesus fazia quando percorria as estradas da Judeia e da Galileia.
É por isso que é um belo sinal o fato de a Casa do Sagrado Coração ser agora a sede da Congregação.

Tantos corações de prata
Uma dessas alegres realidades que, sem dúvida, alegram o “próprio Coração de Deus” é uma que pude ver pessoalmente, ou seja, o que está sendo feito na Fundação Salesiana Dom Bosco nas ilhas de Tenerife e Grã Canária. Estive lá na semana passada e, entre as muitas coisas que vivenciei, pude ver os 140 educadores trabalhando nos vários projetos da Fundação (recepção, acomodação, treinamento profissional e posterior colocação no mercado de trabalho). E depois conheci mais uma centena de adolescentes e jovens que se beneficiam desse serviço de Dom Bosco em favor dos últimos. No final de nosso precioso encontro, eles me deram um presente.
Fiquei comovido porque, em 1849, dois jovens, Carlos Gastini e Félix Reviglio, tiveram a mesma ideia e, em grande segredo, economizando na comida e guardando zelosamente suas pequenas gorjetas, conseguiram comprar um presente para o dia do onomástico de Dom Bosco. Na noite de São João, foram bater à porta do quarto de Dom Bosco. Imaginem sua admiração e a emoção ao ser presenteado com dois pequenos corações de prata, acompanhados de algumas palavras bem desajeitadas.
Os corações dos jovens são sempre os mesmos, e ainda hoje, nas Ilhas Canárias, em uma pequena caixa de papelão em forma de coração, eles colocaram mais de cem corações com os nomes de Nain, Rocio, Armiche, Mustapha, Xousef, Ainoha, Desiree, Abdjalil, Beatrice e Ibrahim, Yone e Mohamed e uma centena de outros, simplesmente expressando algo que veio do coração; coisas sinceras de grande valor como essas:
– Obrigado por tornar possível tudo isso.
– Obrigado pela segunda chance que o senhor me deu na vida.
– Eu continuo lutando. Com o senhor é mais fácil.
– Obrigado por me devolver a alegria.
– Obrigado por me ter ajudado a acreditar que posso fazer tudo o que eu quiser.
– Obrigado pela comida e pelo lar.
– Obrigado do fundo do meu coração.
– Obrigado por me ter ajudado.
– Obrigado por esta oportunidade de crescer.
– Obrigado por acreditar em nós, jovens, apesar de nossa situação…
E centenas de expressões semelhantes, dirigidas a Dom Bosco e aos educadores que, em nome de Dom Bosco, estão com eles todos os dias.
Escutei o que partilharam comigo, ouvi algumas de suas histórias (muitas delas cheias de dor); vi seus olhares e seus sorrisos; e me senti muito orgulhoso de ser salesiano e de pertencer a uma família de irmãos, educadores e jovens tão esplêndidos.
Pensei, mais uma vez, que Dom Bosco é mais relevante e necessário do que nunca; e pensei na delicadeza educativa com que acompanhamos tantos jovens com grande respeito e sensibilidade aos seus sonhos.
Juntos, recitamos uma oração dirigida ao Deus que nos ama a todos, ao Deus que abençoa seus filhos e filhas. Uma oração que fez com que cristãos, muçulmanos e hindus se sentissem à vontade. Naquele momento, sem dúvida alguma, o Espírito de Deus nos envolveu a todos.
Fiquei feliz porque, assim como Dom Bosco acolhia seus primeiros meninos em Valdocco, hoje está acontecendo a mesma coisa em muitas Valdoccos ao redor do mundo.
Quando falamos do amor de Deus, para muitos esse é um conceito abstrato demais. No Sagrado Coração de Jesus, o amor de Deus por nós se tornou concreto, visível e perceptível. Para nós, Deus assumiu um coração humano e, no Coração de Jesus, ele abriu seu coração para nós. Assim, por meio de Jesus, podemos levar nossos destinatários ao coração de Deus.




História da construção da Igreja de Maria Auxiliadora (3/3)

(continuação do artigo anterior)

Sempre em atividade
A Providência, contudo, também deve ser “buscada”. E em agosto Dom Bosco escreve novamente ao Conde Cibrario, Secretário da Ordem Mauriciana, para lembrar-lhe que chegara o momento de honrar a segunda parte do compromisso financeiro que ele assumira dois anos antes. De Gênova, felizmente, recebeu ofertas substanciais do Conde Pallavicini e dos Condes Viancino di Viancino; outras ofertas chegaram-lhe em setembro da Condessa Callori di Vignale e também de outras cidades, Roma e Florença em particular.
No entanto, chegou um inverno intensamente frio, com o consequente aumento dos preços ao consumidor, inclusive do pão. Dom Bosco entrou numa crise de liquidez. Entre alimentar centenas de bocas e suspender os trabalhos de construção, a escolha é forçosa. O trabalho na igreja, portanto, estagnou, enquanto as dívidas cresciam. Assim, no dia 4 de dezembro, Dom Bosco pegou pena e papel e escreve a Roma ao habitual Cavalheiro Oreglia: “Recolha muito dinheiro, depois volte, porque já não sabemos onde conseguir mais. É verdade que Nossa Senhora sempre faz a sua parte, mas no fim do ano, todos os provedores pedem dinheiro”. Esplêndido!

9 de junho de 1868: soleníssima consagração da igreja de Maria Auxiliadora
Em janeiro de 1868, Dom Bosco fez o que pôde para completar a decoração interior da igreja de Maria Auxiliadora.

Em Valdocco a situação era ainda bastante séria. Dom Bosco escreveu ao Cav. Oreglia, em Roma: “Aqui continuamos com um frio muito intenso: hoje chegou a 18 graus negativos; malgrado o fogo da estufa, o gelo do meu quarto não pôde derreter. Atrasamos o despertar dos jovens, e como a maioria ainda está vestida para o verão, cada um vestiu duas camisas, um casaco, dois pares de calças, capotes militares; outros mantêm os cobertores sobre os ombros durante todo o dia e parecem mascarados para o carnaval”.
Felizmente, uma semana depois, o frio diminuiu e o metro de neve começou a derreter.
Enquanto isso, a medalha comemorativa estava sendo preparada em Roma. Dom Bosco, tendo-a em mãos, mandou fazer correções na inscrição e, para economizar, a espessura diminuiu pela metade. Mesmo o dinheiro arrecadado foi sempre menor do que a necessidade. Assim, a coleta para a capela de Sant’Ana promovida pelas nobres florentinas, em particular a condessa Virginia Cambray Digny, esposa do Ministro da Agricultura, das Finanças e do Comércio, em meados de fevereiro, era ainda um sexto do total (6000 liras). No entanto, Dom Bosco não perdeu a esperança e convidou a condessa para ir a Turim: “Espero que em alguma ocasião a senhora possa visitar-nos e ver com seus próprios olhos este, para nós, majestoso edifício, do qual se pode dizer que cada tijolo é uma oferta feita por aqueles que ora estão próximos e ora distantes, mas sempre por graça recebida”.

Altar inicial da Igreja de Maria Auxiliadora

E era realmente isso, se no começo da primavera ele o repetiu ao seu cavalheiro habitual (e o imprimiria logo em seguida no livro comemorativo “Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora”): “Estou atolado nas despesas, das muitas notas a serem pagas, de todo o trabalho a ser retomado; faça o que puder, mas reze com fé. Penso que é a hora certa para quem deseja a graça de Maria! Vemos uma todos os dias”.

Preparativos para a festa
Em meados de março, o Arcebispo Riccardi fixou a consagração da igreja para a primeira quinzena de junho. Tudo já estava pronto: as duas torres campanárias na fachada, sobrepostas por dois arcanjos, a grande estátua dourada sobre a cúpula já abençoada pelo Arcebispo, os cinco altares de mármore com seus respectivos quadros, inclusive o maravilhoso de Maria Auxiliadora com o Menino nos braços, rodeada de anjos, apóstolos, evangelistas, num fulgor de luz e cores.
Um plano excepcional de preparação foi então posto em marcha. Em primeiro lugar, tratava-se de encontrar o bispo consagrante; depois, contatar os vários bispos para as celebrações solenes da manhã e da noite de cada dia da Oitava; depois, enviar convites pessoais a dezenas de insignes benfeitores, sacerdotes e leigos de toda a Itália, muitos dos quais deveriam ser dignamente hospedados em casa; finalmente, preparar centenas de jovens tanto para solenizar as cerimônias litúrgicas com os cantos, como para participar de sessões acadêmicas, jogos, desfiles, momentos de alegria e de exultação.

Enfim, o grande dia

Três dias antes de 9 de junho, os meninos do internato de Lanzo chegaram a Valdocco. No domingo 7 de junho, a ‘L’Unità Cattolica’ publicou o programa das celebrações; na segunda-feira 8 de junho chegaram os primeiros convidados e foi anunciada a chegada do Duque de Aosta representando a Família Real. Chegaram também os meninos do internato de Mirabello. Os cantores passaram horas ensaiando a nova missa do Maestro De Vecchi e o novo “Tantum ergo” do Padre Cagliero, bem como a antífona solene “Maria succurre miseris” do mesmo Cagliero, inspirada na polifônica “Tu es Petrus”, da basílica vaticana.
Na manhã seguinte, 9 de junho, às 5h30 da manhã, passando entre uma linha dupla de 1.200 meninos festivos e cantando, o Arcebispo fez a triplo giro pela igreja e depois com o clero entrou na igreja para realizar, a portas fechadas as cerimônias de consagração previstas para os altares. Somente às 10h30 a igreja foi aberta ao público, que assistiu à missa do Arcebispo e à seguinte, de Dom Bosco.
O Arcebispo voltou à tarde para as vésperas pontificais, solenizadas pelo coro triplo de cantores: 150 tenores e baixos ao pé do altar de São José, 200 sopranos e contraltos na cúpula, outros 100 tenores e baixos no lugar da orquestra. O Padre Cagliero dirigiu-os, mesmo sem ver a todos, através de uma engenhoca elétrica projetada para a ocasião.

A antiga sacristia da Igreja de Maria Auxiliadora

Foi um triunfo de música sacra, um encanto, algo celestial. Indescritível foi a emoção dos presentes que, ao sair da igreja, puderam admirar também a iluminação externa da fachada e a cúpula sobreposta pela estátua também iluminada de Maria Auxiliadora.
E Dom Bosco? O dia todo, rodeado por uma multidão de benfeitores e amigos, além das palavras, nada mais fez do que louvar Nossa Senhora. Um sonho “impossível” tinha-se tornado realidade.

Uma oitava igualmente solene
Celebrações solenes alternavam-se de manhã e à noite durante toda a Oitava. Foram dias inesquecíveis, os mais solenes que Valdocco já havia visto. Não foi por nada que Dom Bosco os propagou imediatamente com a robusta publicação “Memória de uma solenidade em honra de Maria Auxiliadora“.
Em 17 de junho alguma paz voltou a Valdocco, os jovens hóspedes voltaram às suas escolas, os devotos às suas casas; à igreja faltavam ainda acabamentos interiores, ornamentos, móveis… Mas a devoção a Maria Auxiliadora, que a essa altura se tornara a “Madona di Don Bosco”, escapou rapidamente das suas mãos e se espalhou pelo Piemonte, pela Itália, pela Europa e pela América Latina. Hoje no mundo há centenas de igrejas dedicadas a ela, milhares de altares, milhões de pequenos quadros e imagens. Dom Bosco repete hoje a todos, como fez com o Padre Cagliero ao partir para as missões em novembro de 1875: “Entregai tudo a Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento e a Maria Auxiliadora e vereis o que são os milagres”.

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São Paulo VI. O Papa mais salesiano

O Papa Montini conheceu de perto os salesianos, estimou-os, sempre os encorajou e apoiou em sua missão educativa.
Outros papas, antes e depois dele, deram grandes sinais de afeto à Sociedade Salesiana. Recordamos alguns deles.

Os dois Papas na origem e no desenvolvimento da obra salesiana
Foram dois os Papas com os quais Dom Bosco se relacionou diretamente. Em primeiro lugar, o Beato Pio IX, o Papa que ele apoiou em momentos trágicos para a Igreja, cuja autoridade, direitos e prestígio defendeu, tanto que seus adversários o chamavam de “o Garibaldi do Vaticano”. Recebeu como retribuição inúmeras audiências privadas afetuosas, muitas concessões e indulgências. Ele também o apoiou financeiramente. Durante seu pontificado, foram aprovados a Sociedade Salesiana, suas constituições, o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora (FMA), a Pia União dos Salesianos Cooperadores, a Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora. Autonomeou-se protetor da Sociedade.
Sucedeu-lhe o Papa Leão XIII, que, por sua vez, aceitou ser o primeiro Salesiano Cooperador, tratou Dom Bosco com uma cordialidade incomum e lhe concedeu os privilégios indispensáveis para o rápido e prodigioso desenvolvimento da Congregação. Erigiu o primeiro Vicariato Apostólico confiado aos salesianos, nomeando o primeiro bispo na pessoa de Dom João Cagliero, em 1883. Em sua primeira audiência com o Padre Rua, após a morte de Dom Bosco, foi generoso em conselhos para a consolidação da Sociedade Salesiana.

Os dois (futuros) Papas que se sentaram à mesa de Dom Bosco
São Pio X, como simples cônego, encontrou-se com Dom Bosco em Turim em 1875, sentou-se à sua mesa e foi inscrito entre os Salesianos Cooperadores. Saiu de lá muito edificado. Como bispo e patriarca de Veneza, deu provas de benevolência para com a Sociedade Salesiana. Em 1907, assinou o decreto de introdução do processo apostólico de Dom Bosco e, em 1914, o de São Domingos Sávio. Em 1908, nomeou Dom Cagliero como Delegado Apostólico na América Central. Ele foi o primeiro Salesiano Cooperador elevado à honra dos altares.
Quando era um jovem sacerdote, em 1883, Pio XI também visitou Dom Bosco no Oratório, permanecendo lá por dois dias. Sentou-se à mesa de Dom Bosco e partiu cheio de profundas e agradáveis recordações. Não poupou meios para promover rapidamente o processo apostólico de Dom Bosco, para cuja canonização quis marcar nada menos que a Páscoa de 1934, o encerramento do Ano Santo. Graças a ele, a causa de Domingos Sávio superou dificuldades que pareciam insuperáveis: em 1933, assinou o decreto de heroicidade de suas virtudes; em 1936, proclamou a heroicidade das virtudes de Santa Maria Mazzarello, a quem beatificou em 20 de novembro de 1938. Outros sinais de predileção pela Sociedade Salesiana foram a concessão da indulgência do trabalho santificado (1922) e a elevação à púrpura do cardeal polonês Augusto Hlond (1927).

O papa mais salesiano
Se Pio XI foi justamente chamado de o “Papa de Dom Bosco”, talvez com a mesma razão o “Papa mais salesiano” pelo conhecimento, estima e afeto demonstrados à sociedade salesiana – sem querer subestimar outros Papas anteriores e posteriores – foi o Papa São Paulo VI. O Padre Jorge, jornalista, era um grande admirador de Dom Bosco (ainda não beato), cujo quadro autografado ele mantinha em seu escritório, muitas vezes admirado pelo pequeno João Batista. Durante seus estudos em Turim, o jovem Montini hesitou entre escolher a vida beneditina que conhecera em São Bernardino di Chiari (que depois se tornou uma casa salesiana, como é ainda hoje) e a vida salesiana. Poucos dias depois de sua ordenação sacerdotal (Brescia, 29 de maio de 1920), perguntou ao bispo, antes mesmo de receber a destinação pastoral, se poderia escolhê-la. Nesse caso, ele gostaria de ir com Dom Bosco. Em vez disso, o bispo decidiu-se pelos estudos em Roma. Mas para um Montini “salesiano fracassado” veio outro. Alguns anos depois dessa entrevista, seu primo Luís (1906-1963) expressou a ele o desejo de se tornar padre também. O futuro papa, que o conhecia bem, disse-lhe que, para um temperamento dinâmico e tumultuado, a vida salesiana seria boa e, por isso, ele se aconselhou com o famoso salesiano P. Cojazzi. O conselho foi positivo e, ao ouvir a notícia, o padre João ficou tão contente com o fato de que seu primo assumiria seu lugar que ele mesmo o acompanhou ao aspirantado missionário salesiano em Ivrea. Depois disso, ele foi missionário por 17 anos na China e, mais tarde, no Brasil, até sua morte. Completava a salesianidade da família Montini a presença, por cerca de dez anos, na casa salesiana do Colle Don Bosco, de um dos irmãos de Enrico, Luís (1905-1973).
Não é preciso dizer o quanto Dom Montini foi próximo dos salesianos nas várias responsabilidades que assumiu: por exemplo, como substituto na Secretaria de Estado ou no início do pós-guerra, em Roma, para a incipiente obra do Borgo Don Bosco para a sciuscià [meninos mendigos e até pequenos delinquentes]; como arcebispo de Milão, no final dos anos 1950, para assumir a obra dos barabitos [meninos em situação de vulnerabilidade] de Arese; como Papa, no apoio a toda a Congregação e à Família Salesiana, erigindo, entre outras coisas, a Pontifícia Universidade Salesiana e a Pontifícia Faculdade de Ciências da Educação Auxilium das FMA. De sua imensa estima pela obra salesiana, em particular a missionária, falou várias vezes em audiências privadas ao Reitor-Mor, P. Luís Ricceri, e em audiências públicas. É famosa aquela audiência muito confidencial concedida aos Capitulares do Capítulo Geral 20, em 20 de dezembro de 1971. Obviamente, em muitos discursos dirigidos aos salesianos, especialmente de Milão, demonstrou um profundo conhecimento do carisma salesiano e de suas potencialidades.




História da construção da Igreja de Maria Auxiliadora (2/3)

(continuação do artigo anterior)

A loteria
A autorização foi concedida muito rapidamente, de modo que a complexa máquina de coleta e avaliação dos presentes e da venda dos bilhetes foi imediatamente colocada em funcionamento em Valdocco: tudo como indicado no plano de regulamentação foi difundido pela imprensa. Foi o Cav. Frederico Oreglia di Santo Stefano, salesiano coadjutor, que trabalhou pessoalmente para obter nomes de pessoas proeminentes a serem incluídas no catálogo dos Promotores, para pedir outros presentes e buscar compradores ou “vendedores” de bilhetes da loteria. A loteria foi, naturalmente, divulgada na imprensa católica da cidade, embora somente depois do encerramento da loteria dos surdos-mudos, no início de junho.

Os trabalhos continuam, as despesas também, as dívidas igualmente.
Em 4 de junho as obras de alvenaria já estavam dois metros acima do solo, mas em 2 de julho Dom Bosco foi obrigado a recorrer urgentemente a um generoso benfeitor, para que o mestre de obras Buzzetti pudesse pagar a “quinzena aos trabalhadores” (8000 euros). Alguns dias depois, ele perguntou novamente a outro nobre benfeitor se poderia se comprometer a pagar ao longo do ano ao menos alguns dos quatro lotes de telhas, tábuas e ripas para o teto da igreja, para um gasto total de cerca de 16.000 liras (64.000 euros). Em 17 de julho foi a vez de pedir a um sacerdote promotor da loteria uma ajuda urgente para pagar “mais uma quinzena aos operário”: Dom Bosco sugeriu que conseguisse o dinheiro com um empréstimo bancário imediato, ou melhor, que o preparasse para o fim da semana, quando ele mesmo iria buscá-lo, ou melhor ainda, que o levasse diretamente a Valdocco, onde poderia ver pessoalmente a igreja em construção. Em suma, navegava-se à vista e o risco de afundar por falta de liquidez era renovado todos os meses.
Em 10 de agosto, ele enviou os formulários impressos à Condessa Virginia Cambray Digny, esposa do prefeito de Florença, a nova capital do Reino, convidando-a a promover pessoalmente a loteria. No fim do mês, parte das paredes já estava no telhado. E, pouco antes do Natal, enviou 400 bilhetes ao Marquês Ângelo Nobili Vitelleschi de Florença, com um pedido de distribuição entre as pessoas conhecidas.
A busca de doações para a loteria de Valdocco e a venda dos bilhetes continuariam nos anos seguintes. As circulares de Dom Bosco se espalhariam especialmente pelo centro norte do País. Até os benfeitores de Roma, o próprio Papa, fariam a sua parte. Mas por que se teriam comprometido a vender bilhetes de loteria para construir uma igreja que não era sua, aliás, numa cidade que acabara de deixar de ser a capital do Reino (janeiro de 1865)?
As motivações poderiam ter sido várias, incluindo obviamente a de ganhar algum bom prêmio, mas certamente uma das principais era espiritual: a todos aqueles que contribuíram para construir a “casa de Maria” na terra, em Valdocco, por meio de esmolas em geral ou do pagamento de estruturas ou objetos (janelas, vitrais, altar, sinos, paramentos…) Dom Bosco, em nome da Virgem Maria, garantia um prêmio especial: um “bom alojamento”, um “quarto”, mas não só em qualquer lugar, mas “no paraíso”.

Nossa Senhora faz a coleta para a sua igreja

No dia 15 de janeiro de 1867, a Prefeitura de Turim expediu um decreto fixando o sorteio dos bilhetes da loteria no dia 1º de abril. Desde Valdocco corre-se para expedir os bilhetes restantes a toda a Itália, com um pedido de devolução dos não vendidos até meados de março, para poder enviá-los a outros lugares antes do sorteio.
Dom Bosco, que já se preparava para uma segunda viagem a Roma no final de dezembro de 1866 (nove anos depois da primeira), com uma parada em Florença, para buscar um acordo entre Estado e Igreja sobre a nomeação de novos bispos, aproveitou a oportunidade para refazer a rede de suas amizades florentinas e romanas. Ele conseguiu vender muitos maços de bilhetes, tanto que seu companheiro de viagem, o Padre Francesia, solicitou o envio de outros, porque “todos querem alguns”.

A basílica e a praça primitiva

Se nesse momento a benevolente Turim, rebaixada do seu papel de capital do Reino, está em crise, Florença, por outro lado, está crescendo e assim desempenha o seu papel com muitas senhoras generosas; Bolonha não é menos digna, com o Marquês Próspero Bevilacqua e a Condessa Sassatelli. Milão não falha, mesmo se justamente à milanesa Rosa Guenzati Dom Bosco confidencia no dia 21 de março: “A loteria está chegando ao fim e ainda temos muitos bilhetes”.
Qual foi o resultado econômico final da loteria? Cerca de 90.000 liras [328.000 euros], uma bela quantia, pode-se dizer, mas foi apenas um sexto do dinheiro já gasto; tanto que em 3 de abril Dom Bosco precisou pedir a um benfeitor um empréstimo urgente de 5.000 liras [18.250 euros] para um pagamento não reembolsável de materiais de construção: ele perdera uma entrada prevista.

Nossa Senhora interveio
Na semana seguinte, Dom Bosco, tratando dos altares laterais com a Condessa Virgínia Cambray Digny de Florença – ela havia pessoalmente promovido uma coleta de fundos para um altar a ser dedicado a Sant’Ana (mãe de Nossa Senhora) – informou-a sobre o reinício dos trabalhos e a esperança (que acabou sendo em vão) de poder inaugurar a igreja naquele ano. Ele conta sempre e sobretudo com as ofertas pelas graças que Nossa Senhora concede continuamente aos doadores, e escreve a todos, à mesma Cambray Digny, à senhorita Pellico, irmã do famoso Sílvio, etc. Algumas benfeitoras, incrédulas, pedem-lhe confirmação e Dom Bosco o reforça.

A Basílica de Maria Auxiliadora como Dom Bosco a construiu

As graças aumentam, a sua fama difunde-se e Dom Bosco deve conter-se porque, como escreveu em 9 de maio ao cavaleiro Oreglia di S. Stefano, um salesiano enviado a Roma em busca de beneficência: “Não posso escrever-lhe porque sou interessado nisso”. Na verdade, no mês seguinte, não pode deixar de atualizar o seu esmoler: “Um senhor curado de um braço trouxe imediatamente 3.000 liras [11.000 euros] com o que foi paga uma parte das dívidas do ano passado… Nunca me vangloriei das coisas extraordinárias; sempre disse que Nossa Senhora Auxiliadora concedeu e ainda concede graças extraordinárias àqueles que de alguma maneira contribuem para a construção desta igreja. Sempre disse e digo: a oferta será feita quando a graça for recebida, não antes” [cursivo no original]. E no dia 25 de julho, à Condessa Callori, ele falou de uma jovem que recebera, “louca e furiosa”, detida por dois homens; assim que ela foi abençoada, acalmou-se e confessou-se.

Se Nossa Senhora se ativa, Dom Bosco certamente não fica parado. No dia 24 de maio enviou outra circular sobre a ereção e o mobiliário da capela dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria: anexou um formulário para a oferta mensal, enquanto pedia a todos uma Ave Maria para os doadores. No mesmo dia, com uma notável “coragem”, pergunta a Madre Galeffi das Oblatas de Tor de Specchi, em Roma, se os 2000 escudos prometidos há algum tempo para o altar dos Sagrados Corações fazem parte ou não da sua renovada disposição de fazer outras coisas pela Igreja. No dia 4 de julho, agradece ao príncipe Horácio Falconieri di Carpegna de Roma pelo presente de um cálice e a oferta para a igreja. Ele escreve a todos que a igreja vai progredindo e aguarda as doações prometidas, como os altares das capelas, os sinos, as balaustradas, etc. As grandes ofertas, portanto, vêm dos aristocratas, dos príncipes da Igreja, mas não falta a “oferta da viúva”, as ofertas capilares do povo simples: “Na semana passada, em pequenas ofertas feitas pelas graças recebidas, foram registrados 3800 francos” [12.800 euros]”.
Em 20 de fevereiro de 1867, a Gazzetta Piemontese dava a seguinte notícia: “às muitas calamidades que atingem a Itália – [pense-se na terceira guerra de independência apenas concluída], devemos agora acrescentar o reaparecimento da cólera”. Era o início do pesadelo que ameaçaria a Itália durante os próximos doze meses, com dezenas de milhares de mortos em todo o País, inclusive em Roma, onde a doença também fez vítimas entre personalidades civis e eclesiásticas.
Os benfeitores de Dom Bosco estavam preocupados, mas ele os tranquilizou: “nenhum dos que participam da construção da igreja em honra de Maria será vítima dessas doenças, desde que depositem nela a sua confiança”, escreveu ele no início de julho à Duquesa de Sora.

(continua)




Dom Bosco ao Padre Orione: Seremos sempre amigos

São Luís Orione: “Os meus anos mais belos foram aqueles passados no Oratório Salesiano”.

Uma recordação emocionante do santo Padre Orione.
Quem não conhece a canção “Descendo das colinas, um dia distante, só com a mãe ao lado”? Creio que muito poucos, pois ela ainda é cantada em dezenas de idiomas em mais de 100 países do mundo. Mas creio que são igualmente poucos os que conhecem o comentário feito pelo idoso P. (São) Luís Orione durante a missa (cantada!) de 31 de janeiro de 1940, celebrada pelos Orionitas de Tortona às 4h45 da manhã (exatamente a hora em que Dom Bosco havia morrido 52 anos antes). Aqui estão suas palavras precisas (tiradas de fontes Orionenses):
“O hino a Dom Bosco que começa com «Giù dai colli» foi composto e musicado para a beatificação de Dom Bosco. A explicação da primeira estrofe é a seguinte. Quando da morte do santo, o governo da época, apesar de todos os jovens quererem e de toda a cidade de Turim querer, não permitiu que o corpo de Dom Bosco fosse enterrado no Santuário de Maria Auxiliadora e pareceu um grande favor que o querido corpo fosse enterrado em Valsalice… uma bela casa! Assim, o corpo foi levado para Valsalice e lá, todos os anos, no dia da morte de Dom Bosco até a beatificação, os alunos salesianos iam visitar o Pai e rezar. Depois que Dom Bosco foi beatificado, seu corpo foi levado para Maria Auxiliadora. E o verso que vocês cantaram “Hoje, ó Pai, ainda voltaste” também lembra isso. Celebra o retorno de Dom Bosco entre os jovens novamente, de Valsalice – que fica em uma colina além do rio Pó – para Turim, que fica na planície”.

Suas lembranças daquele dia

Padre Orione continuou: “O Senhor me deu a graça de estar presente, em 1929, naquele translado, que foi um triunfo em meio a Turim em festa, em meio a uma alegria e um entusiasmo indescritíveis. Eu também estava perto do carro triunfal. Todo o trajeto foi feito a pé, de Valsalice até o Oratório. E comigo, logo atrás do carro, estava um homem de camisa vermelha, um garibaldino; estávamos juntos, lado a lado. Era um dos mais velhos dos primeiros alunos de Dom Bosco; quando soube que o corpo de Dom Bosco estava sendo transportado, ele também estava atrás do carro. E todos cantavam: “Dom Bosco retorna ainda entre os jovens”. Naquele transporte tudo era alegria; os jovens cantavam e os turinenses acenavam com lenços e jogavam flores. Passamos também em frente ao Palácio Real. Lembro-me de que na sacada estava o Príncipe do Piemonte, rodeado de generais; o carro parou por um momento e ele acenou com a cabeça em sinal de aprovação; os superiores salesianos inclinaram a cabeça, como que para agradecer-lhe por aquele ato de homenagem a Dom Bosco. Depois o carro chegou a Maria Auxiliadora. E, alguns minutos depois, o príncipe também chegou, cercado por membros da Casa Real, para prestar um ato de devoção ao novo Beato”.

“Meus anos mais belos”
O menino Luís Orione viveu três anos com Dom Bosco, de 1886 a 1889. Quarenta anos depois, ele os recordava com estes termos comoventes: “Meus anos mais belos foram aqueles passados no Oratório Salesiano”. “Oh, se eu pudesse reviver alguns daqueles dias passados no Oratório, quando Dom Bosco ainda vivia!”. Ele amava tanto Dom Bosco que lhe fora concedido, como exceção, confessar-se com ele mesmo quando suas forças físicas estavam no fim. Na última dessas conversas (17 de dezembro de 1887), o santo educador lhe confidenciou: “Seremos sempre amigos”.

Durante o traslado do corpo de Dom Bosco de Valsalice para a Basílica de Maria Auxiliadora, vemos o padre Luís Orione em um roquete branco ao lado da urna

Uma amizade total, a deles, e é por isso que não é surpreendente que, pouco tempo depois, Luís, de 15 anos, tenha se juntado imediatamente à lista de meninos de Valdocco que ofereceram suas vidas ao Senhor para obter a preservação da de seu amado pai. O Senhor não aceitou o seu pedido heroico, mas “retribuiu” a sua generosidade com o primeiro milagre de Dom Bosco já morto: ao entrar em contato com o seu cadáver, o dedo indicador da mão direita foi religado e curado; é que o menino, canhoto, havia cortado enquanto na cozinha preparava pequenos pedaços de pão para serem colocados sobre o cadáver de Dom Bosco, exposto na igreja de São Francisco de Sales, para distribuir como relíquias aos muitos devotos.
Apesar disso, o jovem não se tornou salesiano: pelo contrário, tinha a certeza de que o Senhor o chamava para outra vocação, justamente depois de ter “consultado” Dom Bosco diante de seu túmulo em Valsalice. E assim a Providência quis que houvesse menos um salesiano, mas mais uma Família religiosa, a Família Orionita, que irradiasse, de modo novo e original, a “marca” recebida de Dom Bosco: o amor ao Santíssimo Sacramento e aos sacramentos da confissão e da comunhão, a devoção a Nossa Senhora e o amor ao Papa e à Igreja, o sistema preventivo, a caridade apostólica para com os jovens “pobres e abandonados” etc.

E o Padre Rua?
A amizade sincera e profunda do P. Orione com Dom Bosco se transformou então em uma amizade igualmente sincera e profunda com o Padre Rua, que continuou até a morte deste último em 1910. De fato, assim que soube da piora de sua saúde, o Padre Orione imediatamente ordenou uma novena e correu para a cabeceira de seu leito. Mais tarde, ele recordaria essa última visita com particular emoção: “Quando ele adoeceu, como eu estava em Messina, mandei um telegrama para Turim para perguntar se eu ainda poderia vê-lo vivo, se partisse imediatamente. Disseram-me que sim; peguei o trem e parti para Turim. O P. Rua me recebeu sorrindo e me deu uma bênção muito especial para mim e para todos os que viriam à nossa Casa.
Garanto-lhes que foi a bênção de um santo”.
Quando a notícia de sua morte chegou a ele, enviou um telegrama ao P. (Beato) F. Rinaldi: “Antigo aluno do venerável Dom Bosco, uno-me aos salesianos no luto pela morte do P. Rua, que foi para mim um pai espiritual inesquecível. Aqui todos nós rezamos, P. Orione”. Os salesianos queriam enterrar o padre Rua em Valsalice, ao lado do túmulo de Dom Bosco; mas houve dificuldades por parte das autoridades da cidade. Imediatamente, com outro telegrama, em 9 de abril, o padre Orione ofereceu ao padre Rinaldi a sua ajuda: “Se surgirem dificuldades para sepultar o padre Rua em Valsalice, por favor, me telegrafe, eu poderia facilmente ajudá-los”.
Foi um grande sacrifício para ele não poder atravessar a Itália de Messina a Turim para participar dos funerais do padre Rua. Mas agora estão todos, Bosco, Rua, Orione, Rinaldi, no céu, lado a lado na grande família de Deus.




História da construção da Igreja de Maria Auxiliadora (1/3)

“Foi Ela quem tudo fez, Nossa Senhora”, estamos acostumados a ler na literatura espiritual salesiana, para indicar que a Virgem esteve na origem de toda a história de Dom Bosco. Se aplicarmos a expressão à construção da igreja de Maria Auxiliadora, ela encontra uma intensa documentada profundidade de verdade, tendo sempre presente que, ao lado da intervenção celeste, Dom Bosco fez a sua parte, e como!

O lançamento da ideia e as primeiras promessas de subsídios (1863)
Em fins de janeiro – início de fevereiro de 1863, Dom Bosco difundiu uma ampla circular sobre a finalidade de uma igreja, dedicada a Maria Auxiliadora, que ele pensava construir em Valdocco: era para servir a massa de jovens ali acolhidos e as vinte mil almas dos arredores, com a possibilidade adicional de ser erigida como paróquia pela autoridade diocesana.
Pouco depois, em 13 de fevereiro, informou ao Papa Pio IX, não só que a igreja era uma paróquia, mas que já estava “em construção”. De Roma, ele obteve o resultado desejado: em fins de março, recebeu 500 liras. Agradecendo ao Cardeal Antonelli, Secretário de Estado, pelo subsídio recebido, escreveu que “as obras… estão prestes a começar”. De fato, em maio, ele comprou terrenos e madeira para cercar o canteiro de obras e, no verão, começaram os trabalhos de escavação, que continuaram até o outono.
Na véspera da festa de Maria Auxiliadora, em 23 de maio, o Ministério de Graça, Justiça e Culto, tendo ouvido o prefeito, Marquês Emanuel Luserna, declarou-se disposto a conceder um subsídio. Dom Bosco aproveitou a ocasião para fazer um apelo imediato à generosidade do primeiro secretário da Ordem Mauriciana e do prefeito. Enviou-lhes um duplo apelo na mesma data: ao primeiro, em particular, pedia o maior subsídio possível, lembrando-lhe o compromisso que havia assumido por ocasião de sua visita a Valdocco; ao segundo, de maneira formal, oficial, fez o mesmo, mas alongando-se em detalhes sobre a igreja a ser construída.

As primeiras respostas dos interlocutores
Os apelos feitos para obter ofertas foram seguidos de respostas. O de 29 de maio do secretário da Ordem Mauriciana foi negativo para o ano em curso, mas não para o ano seguinte, quando poderia ser colocado no orçamento um subsídio não melhor especificado. A resposta do Ministério, porém, em 26 de julho foi positiva: foram alocadas 6.000 liras, mas metade seria entregue quando as fundações estivessem no nível do chão, e a outra metade quando a igreja fosse coberta; tudo, porém, estava condicionado à inspeção e aprovação de uma comissão especial do governo. Enfim, em 11 de dezembro veio a resposta, infelizmente negativa, do Conselho municipal: a contribuição financeira do município era prevista apenas para as igrejas paroquiais, e a de Dom Bosco não o era. Nem poderia vir a ser facilmente, dada a vacância da arquidiocese. Dom Bosco, então, tomou alguns dias para reflexão e na véspera de Natal reafirmou ao Prefeito a sua intenção de construir uma grande igreja paroquial para servir ao “bairro densamente povoado”. Se faltasse o subsídio municipal, ele deveria limitar-se a uma igreja muito menor. Mas o novo apelo também caiu no vazio.
O ano de 1863 encerrava-se assim para Dom Bosco com pouco de concreto, além de algumas promessas genéricas. Havia motivos para desânimo. Mas, se as autoridades públicas falhassem no plano econômico, pensava Dom Bosco, a Divina Providência não falharia. De fato, ele experimentara a sua forte presença uns quinze anos antes, durante a construção da igreja de São Francisco de Sales. Confiou, então, ao engenheiro Antonio Spezia, já conhecido como excelente profissional, a tarefa de elaborar o projeto da nova igreja que tinha em mente. Entre outras coisas, ele deveria trabalhar, novamente, de modo gratuito.

O ano decisivo (1864)

Em pouco mais de um mês o projeto estava pronto, e no final de janeiro de 1864 foi entregue à Comissão municipal de construção. Nesse ínterim, Dom Bosco pedira à administração das ferrovias do Estado da Alta Itália que transportasse gratuitamente as pedras de Borgone, no baixo Vale de Susa, a Turim. O favor foi rapidamente concedido, mas não aconteceu o mesmo com a Comissão de Construção. De fato, em meados de março, ela rejeitou os desenhos entregues por “irregularidades de construção”, com o pedido ao engenheiro para modificá-los. Apresentados novamente em 14 de maio, foram novamente considerados defeituosos em 23 de maio, com um novo pedido para serem considerados; alternativamente, foi sugerido que se considerasse outro projeto. Dom Bosco aceitou a primeira proposta; em 27 de maio o projeto revisado foi aprovado e em 2 de junho a prefeitura emitiu a licença de construção.

Primeira foto da Igreja de Maria Auxiliadora

Enquanto isso, Dom Bosco não havia perdido tempo. Ele pedira ao prefeito para poder fazer às próprias custas o alinhamento exato da Via Cottolengo que era rebaixada, elevando-a com material da escavação da igreja. Além disso, ele distribuíra uma circular impressa para o centro e norte da Itália, através de alguns benfeitores de confiança, na qual apresentava as razões pastorais da nova igreja, as suas dimensões e os custos (que na verdade quadruplicaram durante a construção). O apelo, dirigido sobretudo aos “devotos de Maria”, foi acompanhado de um formulário de inscrição para aqueles que desejavam indicar antecipadamente a quantia que pagariam no período de três anos de 1864 a1866. A circular também indicava a possibilidade de oferecer materiais para a igreja ou outros itens que lhe fossem necessários. Em abril o anúncio foi publicado no Diário Oficial do Reino e no “L’Unità Cattolica”.
O trabalho continuou e Dom Bosco não podia ausentar-se devido aos constantes pedidos de alterações, especialmente em relação às linhas de demarcação na irregular Via Cottolengo. Em setembro ele enviou uma nova circular, no modelo da anterior, a um círculo mais amplo de benfeitores, mas com a especificação de que o trabalho seria concluído dentro de três anos. Enviou também uma cópia aos príncipes Tomás e Eugênio da Casa de Savóia e ao prefeito Emanuel Luserna di Rorà; no entanto, só lhes pedia novamente que colaborassem no projeto, retificando a Via Cottolengo.

Em fins de janeiro de 1865, na festa de São Francisco de Sales, quando Salesianos de várias casas estavam reunidos em Valdocco, Dom Bosco falou-lhes da sua intenção de iniciar uma nova loteria para levantar fundos para a continuação dos trabalhos (de escavação) para a igreja. No entanto, ele precisou adiá-la devido à presença simultânea na cidade de outra em favor dos surdos-mudos. Como resultado, os trabalhos, que seriam retomados na primavera após a pausa de inverno, não tiveram cobertura financeira. Dom Bosco, então, pediu urgentemente ao amigo e irmão de Mornese, Padre Domingos Pestarino, um empréstimo de 5000 liras (20.000 euros). Ele não queria recorrer a um empréstimo bancário que era muito oneroso na capital. Como se os espinhosos problemas financeiros não fossem suficientes, outros surgiram ao mesmo tempo com os vizinhos, em particular os da casa Bellezza. Dom Bosco precisou pagar-lhes uma compensação pela renúncia à passagem pela Via della Giardiniera, que então foi suprimida.

Solene colocação da pedra fundamental

Chegou finalmente, em 27 de abril de 1865, o dia da colocação da pedra fundamental da Basílica de Maria Auxiliadora. Três dias antes, Dom Bosco emitiu os convites, nos quais anunciava que Sua Alteza Real o Príncipe Amadeu de Savóia colocaria a primeira pedra, enquanto a função religiosa seria presidida pelo Bispo de Casale, Dom Pedro Maria Ferrè que, no entanto, faleceu no último minuto e a cerimônia solene foi celebrada pelo bispo de Susa, Dom João Antonio Odone, na presença do representante do governo provincial, do prefeito, de vários conselheiros municipais, benfeitores, membros da nobreza da cidade e da Comissão para a Loteria. A cortejo do Duque Amadeo foi recebido ao som da marcha real pela banda e pelo coro de vozes brancas dos alunos de Valdocco e de Mirabello. A imprensa da cidade atuou como caixa de ressonância para o evento festivo e Dom Bosco, por sua vez, compreendendo o seu grande significado político-religioso, ampliou seu alcance histórico com as suas publicações.

Praça e Igreja Maria Auxiliadora

Três dias depois, numa longa e sofrida carta ao Papa Pio IX sobre a difícil situação em que a Santa Sé se encontrava diante da política do Reino da Itália, ele mencionava a igreja já com seus muros fora da terra. Pedia sua bênção para o empreendimento em andamento e presentes para a loteria que ele estava prestes a lançar. De fato, em meados de maio, pediu formalmente a autorização da Prefeitura de Turim, justificando-a com a necessidade de pagar as dívidas dos vários oratórios de Turim, de prover alimentação, vestuário, alojamento e escolaridade aos cerca de 880 alunos de Valdocco e de continuar os trabalhos da igreja de Maria Auxiliadora. Obviamente, ele se comprometeu a observar todas as relativas numerosas disposições legais.

(continua)




Os benfeitores de Dom Bosco

Fazer o bem aos jovens requer não só dedicação, mas também enormes recursos materiais e financeiros. Dom Bosco costumava dizer: “Tenho uma confiança ilimitada na Divina Providência, mas a Providência também quer ser ajudada por nossos imensos esforços”; dito e feito.

            Aos seus missionários que partiram, em 11 de novembro de 1875, Dom Bosco deu 20 preciosas “Lembranças”. A primeira foi: “Procurai almas, e não dinheiro, honras, dignidade”.
            O próprio Dom Bosco teve que ir em busca de dinheiro a vida inteira, mas queria que seus filhos não se afanassem em busca de dinheiro, que não se preocupassem quando lhes faltasse, que não perdessem a cabeça quando encontrassem algum, mas que estivessem prontos para toda humilhação e sacrifício na busca do necessário, com plena confiança na Divina Providência que nunca lhes faltaria. E ele lhes deu o exemplo.

“O Santo de milhões!”
            Durante sua vida, Dom Bosco manejou grandes somas de dinheiro, recolhidas ao preço de enormes sacrifícios, de coletas humilhantes, de loterias laboriosas, de peregrinações incessantes. Com esse dinheiro ele deu pão, roupa, alojamento e trabalho a muitos meninos pobres, comprou casas, abriu internatos e colégios, construiu igrejas, projetou grandes iniciativas de publicações e editoriais, lançou missões salesianas na América e, finalmente, já enfraquecido pelos achaques da velhice, em obediência ao Papa, ergueu ainda a Basílica do Sagrado Coração em Roma.
            Nem todos compreenderam o espírito que o animava, nem todos apreciaram suas atividades multifacetadas e a imprensa anticlerical se entregou a insinuações ridículas. No dia 4 de abril de 1872, o periódico satírico de Turim “Il Fischietto” dizia que Dom Bosco tinha “fundos fabulosos”, enquanto que por ocasião de sua morte, Luís Pietracqua publicou um soneto blasfemo no jornal “Il Birichin”, no qual ele chamava Dom Bosco de um homem astuto “capaz de tirar sangue de um nabo” e o definia como “o Santo de milhões”, porque ele teria juntado milhões à pazadas, sem ganhá-los com seu próprio suor.
            Aqueles que conhecem o estilo de pobreza em que o santo viveu e morreu podem facilmente compreender quão injusta era a sátira de Pietracqua. Dom Bosco foi, sim, um hábil administrador do dinheiro que a caridade das pessoas de bem lhe traziam, mas nunca guardou nada para si. Os móveis de seu pequeno quarto em Valdocco consistiam de uma cama de ferro, uma mesinha, uma cadeira e, mais tarde, um sofá, sem cortinas nas janelas, sem tapetes, nem mesmo um tapete de cabeceira. Na sua última doença, atormentado pela sede, quando lhe deram água com gás para lhe dar alívio, ele não queria beber, acreditando que fosse uma bebida cara. Foi preciso assegurar-lhe que só custava sete centavos por garrafa. Poucos dias antes de morrer, ordenou ao P. Viglietti que olhasse nos bolsos de sua roupa e desse ao P. Rua a bolsa, para que ele pudesse morrer sem um centavo no bolso.

Nobreza filantrópica
            As Memórias Biográficas e o Epistolário de Dom Bosco fornecem uma rica documentação a respeito de seus benfeitores. Encontramos aí os nomes de quase 300 famílias nobres, das quais é impossível dar uma lista aqui.

            Certamente não devemos cometer o erro de limitar os benfeitores de Dom Bosco apenas à nobreza. Ele obteve ajuda e colaboração desinteressada de milhares de outras pessoas da classe eclesiástica e civil, da burguesia e do povo, a começar por aquela incomparável benfeitora que foi Mamãe Margarida.
            Fixemo-nos sobre uma figura da nobreza que se distinguiu no apoio à obra de Dom Bosco, apontando a atitude simples e delicada e, ao mesmo tempo, corajosa e apostólica que ele soube manter para receber e fazer o bem.
            Em 1866, Dom Bosco dirigia uma carta à Condessa Enrichetta Bosco di Ruffino, de solteira Riccardi, que havia anos estava em contato com o Oratório de Valdocco. Ela era uma das senhoras que se reunia semanalmente para consertar as roupas dos jovens internos. Aqui está o texto:

“Benemérita Senhora Condessa,
            Não posso fazer uma visita a Vossa Senhoria como desejo; mas vou com a pessoa de Jesus Cristo escondida sob esses trapos que lhe recomendo para que, na sua caridade, a senhora os conserte. É uma coisa pequena no tempo; mas espero que para a senhora seja um tesouro para a eternidade.
            Deus a abençoe, ao seu trabalho e toda a sua família, enquanto eu tenho a honra de poder professar com plena estima
            de Vossa Senhoria Benemérita, Obrigadíssimo servidor”.
            P. João Bosco. Turim, 16 de maio de 1866.”

Carta de Dom Bosco aos benfeitores

            Nessa carta, Dom Bosco pede desculpas por não poder ir pessoalmente visitar a Condessa. Em troca, ele lhe envia um pacote de trapos dos meninos do Oratório para…  remendar… uma coisa pobre (“roba grama”, em piemontês, correspondente a “robaccia” em italiano) diante dos homens, mas um tesouro precioso para aqueles que vestem os nus por amor de Cristo!
            Há aqueles que quiseram ver nas relações de Dom Bosco com os ricos uma cortesia interessada. Mas há aqui manifesta-se um autêntico espírito evangélico!




Padre Carlos Crespi «apóstolo dos pobres»

No dia 23 de março de 2023, a Igreja – após o exame das virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade para com Deus e o próximo, e das virtudes cardeais da Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança e das outras virtudes conexas, praticadas em grau heroico – reconheceu como Venerável o Servo de Deus Carlos Crespi Croci, Sacerdote Professo da Sociedade Salesiana de São João Bosco.

Como Joãozinho Bosco, um sonho marcou sua vida
Indo para Cuenca, na praça em frente ao santuário de Maria Auxiliadora, o olhar se volta imediatamente para um interessante e imponente grupo escultórico dedicado a um italiano que o povo de Cuenca ainda lembra como o “apóstolo dos pobres”. Mais especificamente, é um monumento que representa um padre e uma criança ao seu lado, olhando para ele com afeto filial. Esse homem extraordinário que marcou o renascimento humano, espiritual e cultural de um povo que antes estava de joelhos devido à pobreza, ao atraso e aos conflitos políticos é o Padre Carlos Crespi, salesiano missionário. Originário de Legnano (Milão), nasceu em 1891, sendo o terceiro de treze filhos, em uma família abastada e influente. Desde cedo demonstrou inteligência, curiosidade e generosidade particulares, que colocou a serviço do pai, administrador de uma propriedade local, e da mãe Luísa, com quem aprendeu desde muito cedo a rezar o rosário e a manter o nome de Maria sempre “nos lábios”, como testemunharia um de seus ex-alunos muitos anos depois. Assim como seu irmão Delfino, também um futuro missionário, ele demonstrou um interesse especial pela beleza da criação, uma inclinação que viria a ser útil muitos anos depois, quando ele se viu nas florestas inexploradas do Equador, classificando novas espécies de plantas. Frequentou a escola local e, aos doze anos, teve seu primeiro encontro com a realidade salesiana no Instituto Santo Ambrósio da Obra Dom Bosco, em Milão. Durante os anos de faculdade, seguindo os ensinamentos de São João Bosco, aprendeu a colocar em prática a combinação inseparável de alegria e trabalho. Nesse mesmo período, um “sonho revelador” marca o primeiro ponto de virada importante em sua vida. Ele escreve em alguns cadernos: “A Virgem apareceu em sonho e me mostrou uma cena: de um lado, o demônio que queria me agarrar e me arrastar; do outro, o Divino Redentor, com a cruz, me mostrava outro caminho. Eu estava vestido como padre e tinha barba; estava em um púlpito antigo, e ao meu redor havia uma multidão de pessoas ansiosas para ouvir minhas palavras. O púlpito não estava em uma igreja, mas em uma cabana”. Esses foram os primeiros passos do chamado à vida salesiana, que se tornava cada vez mais forte. Em 1903, ele completou seus estudos na escola secundária salesiana de Valsalice. Ao pai, que estava preocupado com seu futuro, ele respondeu confirmando sua vocação sacerdotal na Sociedade de São João Bosco: “O senhor vê, pai, uma vocação não é imposta por ninguém; é Deus que chama; eu me sinto chamado a me tornar salesiano”. Em 8 de setembro de 1907, fez sua primeira profissão religiosa e, em 1910, sua profissão perpétua. Em 1917 foi ordenado sacerdote. Esses foram os anos dedicados ao estudo apaixonado da filosofia, da teologia e do ensino das ciências naturais, da música e da matemática. Na Universidade de Pádua, fez uma importante descoberta científica: a existência de um micro-organismo até então desconhecido. Em 1921, recebeu o doutorado em ciências naturais, com especialização em botânica, e logo depois um diploma em música.

Missionário no Equador
Foi em 1923 que ele partiu como missionário e desembarcou em Guayaquil, no Equador. Ele chegou a Quito e finalmente se estabeleceu em Cuenca, onde permaneceu até sua morte. “Abençoe-me no Senhor e reze por mim para que eu possa me tornar um santo, para que eu possa me imolar no altar da dor e sacrificar cada momento de minha vida”, escreveu ele em 1925 ao então Reitor-Mor, P. Filipe Rinaldi, manifestando seu desejo de se sacrificar completamente pela causa missionária. O Padre Crespi passou os primeiros seis meses de 1925 nas florestas da área de Sucùa-Macas. Ele se propôs a obter um conhecimento profundo da língua, do território, da cultura e da espiritualidade do grupo étnico Shuar. Usando seu conhecimento nas diferentes áreas da cultura, ele iniciou um trabalho revolucionário e inovador de evangelização, feito de troca e enriquecimento mútuo de culturas muito diferentes. Ele é recebido com desconfiança inicial, mas o Padre Carlos traz consigo objetos interessantes, como tecidos, munição, espelhos, agulhas, e tem o jeito de quem ama. Ele conhece os mitos indígenas e os reapresenta de acordo com uma nova interpretação, transformada e enriquecida à luz da fé católica. O Padre Carlos logo se torna um amigo e a mensagem cristã, transmitida com cuidado e respeito, não é mais a religião do estrangeiro, mas algo que o povo reconhece como seu. O padre Crespi percebeu que «só o homem que aceita aproximar-se das outras pessoas com o seu próprio movimento, não para retê-las no que é seu, mas para ajudá-las a serem mais elas mesmas, é que se torna realmente pai» (Papa Francisco, Carta Encíclica “Fratelli tutti”, 3 de outubro de 2020).

Uma criança de cem anos!

A dimensão do sonho marcou sua vida novamente em 1936, quando ele adoeceu com tifo e, apesar das previsões dos médicos, se recuperou e contou: “Por volta das três horas da manhã, a porta se abriu e Santa Teresa entrou e me disse: puer centum annorum, infirmitas haec non est ad mortem, longa tibi restat vita (criança de cem anos, esta doença não é para a morte, ainda tens uma longa vida)”. Nessa época o Padre Carlos estava com 45 anos e viverá mais 46 anos. Agora definitivamente estabelecido em Cuenca, o Servo de Deus implementa uma verdadeira “Revolução Branca”. Ele iniciou um trabalho de promoção humana sem precedentes, fundando várias obras: o oratório festivo, a Escola Normal para a formação dos missionários salesianos, a escola elementar “Cornélio Merchán”, a escola de artes e ofícios (depois Colégio Técnico Salesiano), a Quinta Agronômica ou o primeiro instituto agrícola da região, o Teatro Salesiano, a Grande Casa da comunidade, o Orfanato “Domingos Sávio”, o museu “Carlos Crespi”, ainda hoje famoso por suas numerosas exposições científicas. Da Itália, ele trouxe meios e pessoal especializado para investir em seus projetos. Usando seu extraordinário conhecimento em ciência e música, ele organiza conferências e concertos em embaixadas, teatros e faz amizades com as principais famílias de Guaiaquil e da capital. Ele cria um relacionamento sereno com o governo local, embora este seja fortemente anticlerical. Obtém liberação alfandegária gratuita e cobertura dos custos de transporte para Cuenca para centenas de caixas de materiais.

Suas obras rapidamente se tornam o coração pulsante de mudanças sociais e culturais que marcam época para o benefício da população, especialmente dos mais pobres. O Padre Carlos cria novas possibilidades de vida e o faz por meio de um projeto de evangelização e desenvolvimento que dá à população de Cuenca, antes de tudo, autonomia para crescer. Como afirmou com autoridade São João Paulo II em sua Carta Encíclica Centesimus annus, de 1991, “não se trata apenas de dar o supérfluo, mas de ajudar povos inteiros, excluídos ou marginalizados, a entrar no círculo do desenvolvimento econômico e humano”. Em Cuenca surge o rosto de uma Igreja capaz de inserir o ensinamento do Evangelho em um modelo experiencial: o ensinamento das Escrituras e as atividades fundamentais de trabalho (agricultura, pecuária e tecelagem) são o canal de acesso para tornar Jesus conhecido por todos. Em perfeita adesão ao ensinamento de São João Bosco, o Servo de Deus aplica o “sistema preventivo”, oferecendo aos jovens em particular uma espécie de “graça preventiva”, um avanço de confiança para dar possibilidades de mudança, conversão, crescimento. Olhando para Dom Bosco, ele sabe como harmonizar pedagogia e teologia, animando os jovens com jogos, filmes, atividades teatrais, festas e, não menos importante, com o catecismo. Para o Padre Carlos, já é possível vislumbrar futuros bons pais de família. Sua espiritualidade profundamente eucarístico-mariana o guiou em outros empreendimentos excepcionais, como a organização do Primeiro Congresso Eucarístico Diocesano em Cuenca, em 1938, para celebrar o cinquentenário da morte de São João Bosco. Em virtude de sua devoção ao Santíssimo Sacramento, Cuenca foi novamente confirmada como Cidade Eucarística naqueles anos. Imerso em trabalhos apostólicos e negócios oficiais, o Padre Carlos nunca se esqueceu de seus pobres. Gerações de cuencanos encontraram nele um coração generoso, capaz de hospitalidade e paternidade. Em uma das mãos, ele segura uma campainha para “despertar” com uma batida na cabeça algum jovem que precise de correção; na outra, ele segura alimentos e dinheiro para doar aos pobres. O hábito velho e desbotado da batina, os sapatos gastos, a dieta frugal, a dedicação especial às crianças e aos pobres não passam despercebidos aos olhos dos cuencanos. O Padre Crespi é pobre entre os pobres. As pessoas o recebem como um cuencano escolhido e começam a chamá-lo de “São Carlos Crespi”. As autoridades civis, conquistadas pelo trabalho do Padre Crespi, respondem com inúmeras honrarias: ele é declarado o “cidadão mais ilustre de Cuenca no século XX”. Ele recebe um doutorado Honoris Causa post mortem da Universidade Politécnica Salesiana.

Movido pela esperança
Em 1962, um incêndio, provavelmente de natureza criminosa, destruiu o Instituto “Cornélio Merchán”, fruto de muitos anos de trabalho árduo. A certeza do Padre Carlos Crespi de que Maria Auxiliadora o ajudaria também dessa vez se tornou contagiosa: os habitantes de Cuenca recuperaram a confiança e participaram sem hesitação da reconstrução. Uma testemunha contará anos depois: “no dia seguinte (ao incêndio), o Padre Crespi foi visto com sua campainha e seu grande pires coletando contribuições da cidade”.
Já velho e cansado, ainda está no santuário de Maria Auxiliadora, propagando a devoção à Virgem com o mesmo entusiasmo do passado. Ele confessa e aconselha filas intermináveis de fiéis. Quando se trata de ouvi-los, os horários, as refeições e até mesmo o sono não contam mais. Não é incomum que o Padre Carlos se levante no meio da noite para confessar uma pessoa doente ou moribunda. As pessoas não têm dúvidas: ele só olha para o próximo com os olhos de Deus. Ele sabe como reconhecer o pecado e a fraqueza, sem nunca se escandalizar ou ser esmagado por eles. Ele não julga, mas compreende, respeita e ama. Para os cuencanos, seu confessionário se torna o lugar onde, nas palavras do Papa Francisco, o Padre Carlos alivia as feridas da humanidade “com o óleo da consolação” e “enfaixa-as com misericórdia” (Misericordiae vultus, 2015). E, ao curar, ele é, por sua vez, curado pela experiência da misericórdia recebida. O programa profético em sua juventude com o “sonho revelador” da Virgem Maria finalmente se cumpriu plenamente. Em 30 de abril de 1982, aos 90 anos de idade, o Padre Carlos Crespi, no silêncio e na reclusão da Clínica Santa Inês, em Cuenca, segurava o rosário nas mãos, como sua mãe havia lhe ensinado. É hora de fechar os olhos para este mundo para abri-los para a eternidade. Um fluxo de pessoas comovidas e pesarosas comparece ao funeral. Certos de que foi um santo que morreu, muitos se aglomeram para tocar seu corpo uma última vez com algum objeto; eles esperam ainda receber a proteção do pai que acaba de deixá-los. Até mesmo seu confessionário é invadido para conservar uma pequena parte dele.

Assim termina a vida terrena de um homem que, embora consciente da vida notavelmente confortável que poderia ter levado em sua própria casa, aceitou o chamado salesiano e, como um verdadeiro imitador de Dom Bosco, tornou-se testemunha de uma Igreja que exorta a “sair da própria zona de conforto e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 2013). A vida do Padre Carlos Crespi diz aos cristãos de ontem e de hoje como a oração pode e deve ser inserida no concreto da ação cotidiana, estimulando-a e inspirando-a. Ele, permanecendo totalmente salesiano e totalmente mariano, é uma testemunha crível de um “estilo evangelizador capaz de impactar a vida” (Papa Francisco, Discurso à Ação Católica Italiana, 3 de maio de 2014). Até hoje, seu túmulo e monumento continuam a ser perenemente adornados com flores frescas e placas de agradecimento. Embora a fama de santidade desse ilustre filho de Cuenca não mostre sinais de diminuição, a elaboração da “Positio super virtutibus” marca um passo importante para a Causa de Beatificação. Tudo o que resta é aguardar com confiança o sábio julgamento da Igreja.

Mariafrancesca Oggianu
Colaboradora da Postulação Salesiana




Dom Bosco no Camboja

Cooperação entre leigos e religiosos em favor da educação da juventude do Camboja.

O Camboja é um país do sudeste asiático com mais de 90% de sua população budista e uma minoria cristã muito reduzida.

A presença dos salesianos de Dom Bosco no Camboja data de 1991, quando os Salesianos chegaram da Tailândia, onde cuidavam da educação técnica dos refugiados de guerra ao longo da fronteira entre os dois países, sob a liderança do coadjutor salesiano Roberto Panetto e dos ex-alunos salesianos de Bangkok.

Após o treinamento de cerca de 3.000 jovens, estes últimos, que estavam prestes a serem repatriados para o Camboja, pediram aos Salesianos que fossem com eles. Os Salesianos não deixaram esse convite cair em ouvidos surdos, percebendo que era lá que Deus os queria naquele momento; eram os jovens que estava chamando Dom Bosco. Os desafios eram e são muitos, num ambiente cultural não cristão e numa sociedade muito pobre.

No dia 24 de maio de 1991, festa de Maria Auxiliadora, começou a presença salesiana no Camboja, com um orfanato e a escola técnica Dom Bosco em Phnom Penh, inaugurada oficialmente na festa de Dom Bosco, no dia 31 de janeiro de 1994. Em 1992, as Filhas de Maria Auxiliadora chegaram também ao país e seu trabalho oferece esperança a muitas meninas pobres e abandonadas, num país onde mais da metade da população total é feminina e onde as mulheres são vítimas de violência, abusos e tráfico de pessoas.

Os Salesianos criaram institutos técnicos e escolas em cinco províncias do país: Phnom Penh, Kep, Sihanoukville, Battambang e Poipet. O enorme trabalho educativo-pastoral só se tornou possível graças à inestimável contribuição dos leigos. Quase todo o pessoal envolvido nas estruturas salesianas são ex-alunos que estão continuamente empenhados em dar o melhor de si aos alunos em formação. Esta é uma aplicação concreta da corresponsabilidade e dos muitos convites para compartilhar a missão.

Os salesianos estabeleceram uma ONG no Camboja sem qualquer afiliação religiosa. Comumente conhecidos como os padres, irmãos e irmãs de Dom Bosco, são amados e respeitados por todos. Há um grande amor e parceria entre os salesianos e os ex-alunos no Camboja, o que contribui para a popularidade e a taxa de colocação de 100% dos alunos nos últimos dez anos, como nos diz o Padre Arun Charles, missionário indiano no Camboja desde 2010, recentemente nomeado coordenador da animação missionária na região Ásia Leste e Oceania. Os salesianos animam os menores a completar o ciclo de educação primária, através de projetos de apoio às crianças, da construção de edifícios para escolas elementares em aldeias pobres, e da administração de alguns centros de alfabetização. Em Battambang, as fábricas de tijolos retêm crianças para trabalharem como operários; ali a educação salesiana visa oferecer uma alternativa e uma esperança para um futuro diferente.

Uma das especialidades da missão salesiana no Camboja é a escola hoteleira, que oferece instrução em hospitalidade, cozinha e administração hoteleira, tendo um hotel completo para permitir aos estudantes ganhar experiência prática em sua área, além de oficinas e exercícios.

É sempre lembrada a visita do Reitor-Mor, P. João Edmundo Vecchi, em 1997; foi um momento muito importante de estímulo, centrado na exortação de construir uma comunidade educativo-pastoral e de pôr em prática o Sistema Preventivo de Dom Bosco.

O olhar missionário de Dom Bosco continua a viver a quase 10.000 km de Valdocco, sempre com e para os jovens, nas presenças salesianas de Phnom Penh, Poipet e Sihanoukville.Marco Fulgaro

Galeria de fotos Dom Bosco no Camboja

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Dom Bosco no Camboja
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São Francisco de Sales. A Eucaristia (6/8)

(continuação do artigo anterior)

A EUCARISTIA EM SÃO FRANCIS DE SALES (6/8)

Francisco recebe a Primeira Comunhão e Confirmação por volta dos nove anos de idade. A partir de então, ele receberá a Comunhão toda semana ou pelo menos uma vez por mês.
Deus toma posse do seu coração e Francisco permanecerá fiel a esta amizade que se tornará gradualmente o amor da sua vida.

A fidelidade a uma vida cristã continua e é fortalecida durante os dez anos em Paris. “Ele comunga, se não pode mais frequentemente, pelo menos uma vez por mês”. E isto por dez anos!

Sobre seu tempo em Pádua, sabemos que ele ia à missa todos os dias e comungava uma vez por semana. A Eucaristia unida à oração tornou-se o alimento de sua vida e vocação cristã. É nesta profunda unidade com o Senhor que ele percebe a Sua vontade: é aqui que amadurece seu desejo de ser “todo de Deus”.

Francisco é ordenado sacerdote em 18 de dezembro de 1593 e a Eucaristia deveria ser o coração de seus dias e a força do seu gastar-se pelos outros.
Aqui estão alguns testemunhos, extraídos dos Processos de Beatificação:
“Era fácil perceber como se mantivesse em profunda recolhimento e atenção diante de Deus: seus olhos modestamente abaixados, seu rosto era todo recolhido com uma doçura e serenidade tão grandes que aqueles que o observavam atentamente eram atingidos e comovidos”.

“Quando celebrava a Santa Missa ele era completamente diferente de como era habitualmente: rosto sereno, sem distrações, e no momento da comunhão, aqueles que o viam ficavam profundamente impressionados com a sua devoção”.

São Vicente de Paulo acrescenta: “Recordando as palavras do servo de Deus, sinto tanta admiração que sou levado a ver nele o homem que mais do que todos reproduziu o Filho de Deus vivo na terra.

Já sabemos de sua partida em 1594 como missionário para o Chablais.
Passou os primeiros meses abrigado na fortaleza dos Allinges. Visitando o que resta desta fortaleza, fica-se impressionado com a capela, que permaneceu intacta: pequena, escura, fria, rigorosamente em pedra. Aqui Francisco celebrava a Eucaristia todas as manhãs por volta das quatro horas e fazia uma pausa na oração antes de descer a Thonon com um coração cheio de caridade e misericórdia, tirado do divino sacramento.
Francisco tratava as pessoas com respeito, na verdade com compaixão, e “se outros pretendiam fazer-se temer, ele desejava fazer-se amar e entrar nos corações pela porta da complacência” (J.P. Camus).

É a Eucaristia que sustenta seus esforços iniciais: não responde aos insultos, provocações, linchamentos; relaciona-se com todos com cordialidade.
Seu primeiro sermão como subdiácono tinha sido sobre o tema da Eucaristia e certamente lhe serviria bem agora, porque “este augusto sacramento” seria seu cavalo de batalha: nos sermões que ele fazia na igreja de São Hipólito, ele abordava frequentemente este tema e expunha o ponto de vista católico com clareza e paixão.

Este testemunho, dirigido ao amigo A. Favre, fala da qualidade e do ardor da sua pregação sobre um tema tão importante:
“Ontem não demorou muito para que as pessoas mais proeminentes da cidade viessem publicamente ouvir a minha pregação, tendo ouvido que eu iria falar sobre o augusto sacramento da Eucaristia. Eles estavam tão ansiosos para me ouvir expor o pensamento católico sobre este mistério que aqueles que não ousaram vir publicamente, me escutaram de um lugar secreto onde não podiam ser vistos”.

O Corpo do Senhor transfunde gradualmente no coração de pastor doçura, mansidão, bondade, de modo que até a voz de seu pregador é afetada: um tom calmo e benevolente, nunca agressivo ou polêmico!
“Estou convencido de que quem prega com amor, prega suficientemente contra os hereges, mesmo que não diga uma única palavra ou não discuta com eles”.

Eloquente mais do que um tratado é esta experiência que ocorreu em 25 de maio de 1595.
Às três horas da manhã, enquanto meditava profundamente sobre o santíssimo e augusto sacramento da Eucaristia, ele se sentiu extasiado por uma tão grande abundância do Espírito Santo que seu coração se deixou levar por uma efusão de prazer, de modo que foi obrigado a se atirar finalmente ao chão e exclamar: “Senhor, retira-te de mim porque não posso mais sustentar a superabundância da tua doçura”.

Em 1596, após mais de dois anos de catequese, ele decidiu celebrar as três missas de Natal. Elas foram celebradas em meio ao entusiasmo e à emoção geral. “Francisco estava feliz! Esta missa da meia-noite de Natal de 1596 foi um dos pontos altos da sua vida. Nesta missa foi a Igreja, a Igreja Católica restabelecida em seu fundamento vivo”.

O Conselho de Trento havia defendido a prática dos santasQuarenta Horas, que consistia na adoração do Santíssimo Sacramento durante três dias consecutivos por toda a comunidade cristã.
No início de setembro de 1597, eles aconteceram em Annemasse, às portas de Genebra, com a presença do bispo, Francisco e outros colaboradores, com um fruto muito maior do que se esperava. Eram dias intensos de oração, procissões, sermões, missas. Mais de quarenta paróquias participaram com um número incrível de pessoas.

Dado o sucesso, no ano seguinte eles foram realizados em Thonon. Foi uma festa de vários dias que superou todas as expectativas. Tudo terminou tarde da noite, com o último sermão feito por Francisco. Ele pregou sobre a Eucaristia.

Muitos estudiosos da vida e obra do santo afirmam que somente seu grande amor pela Eucaristia pode explicar o “milagre” do Chablais, ou seja, como este jovem padre foi capaz de trazer toda a vasta região de volta à Igreja em apenas quatro anos.
E este amor durou toda sua vida, até o final. No último encontro que teve em Lyon com suas Filhas, as Visitandinas, já no fim da vida, “ele falou-lhes sobre confissão e comunhão.

O que foi a Eucaristia para o nosso santo? Era antes de tudo:

O coração do seu dia, que o fazia viver em íntima comunhão com Deus.
“Ainda não te falei do sol dos exercícios espirituais: o Santíssimo e Supremo Sacrifício e Sacramento da Missa, o centro da religião cristã, o coração da devoção, a alma da piedade”.

É a entrega confiante da sua vida a Deus a quem ele pede força para continuar a sua missão com humildade e caridade.
“Se o mundo vos perguntar por que comungai tão frequentemente, respondei que é para aprender a amar a Deus, para purificar-vos das vossas imperfeições, para libertar-vos das vossas misérias, para encontrar força em vossas fraquezas e consolo em vossas aflições. Dois tipos de pessoas devem comungar frequentemente: os perfeitos, pois estando bem-dispostos, fariam mal em não se aproximar da fonte e do manancial da perfeição; e os imperfeitos, para poder tender à perfeição. Os fortes para não enfraquecerem e os fracos para se fortalecerem. Os doentes para se curarem e os saudáveis para não adoecerem”.

A Eucaristia cria em Francisco uma profunda unidade com muitas pessoas.
“Este sacramento não só nos une a Jesus Cristo, como também ao nosso próximo, com aqueles que participam do mesmo alimento e nos faz uma só coisa com eles. E um dos principais frutos é a caridade recíproca e a doçura de coração um para com o outro, pois pertencemos ao mesmo Senhor e n’Ele estamos unidos uns aos outros, coração a coração”.

É uma transformação progressiva em Jesus.
“Aqueles que fazem uma boa digestão corporal sentem um fortalecimento para todo o corpo, para a distribuição geral que se faz do alimento. Assim, minha filha, aqueles que têm uma boa digestão espiritual sentem que Jesus Cristo, que é o seu alimento, se espalha e se comunica a todas as partes de sua alma e corpo. Eles têm Jesus Cristo no cérebro, no coração, no peito, nos olhos, nas mãos, nos ouvidos, nos pés. Mas o que esse Salvador faz em todos os lugares? Ele endireita tudo, purifica tudo, mortifica tudo, vivifica tudo. Ama no coração, compreende no cérebro, anima no peito, vê nos olhos, fala na língua, e assim por diante: faz tudo em todos e então nós vivemos, não nós, mas é Jesus Cristo que vive em nós. Ele também transforma os dias e as noites, de modo que as noites são dias em que Deus está em nossos corações e os dias tornam-se noites quando Ele não está”.

(continua)