Life

“Life” é um grupo de jovens, nascidos em 1975 na Sicília, que querem viver os valores humanos e cristãos como compromisso e expressá-los através da linguagem artística. Shows, músicas, canções, danças para propor uma mensagem ao público, para dizer algo que ajude a refletir e também a orar. Eles querem levar a proposta cristã aos teatros e praças, numa nova maneira de evangelizar.

Eu os tinha visto trabalhando no palco de um dos maiores teatros de Catânia, diante de mais de 1.800 jovens das escolas da cidade. Eles estavam apresentando um musical que, numa linguagem jovem, ajudava a refletir sobre todo o valor da vida. Cantos, danças, luzes, efeitos especiais tinham mantido aqueles jovens pregados em seus assentos durante toda a manhã. Na minha saída, eu queria me misturar com os espectadores para colher alguns comentários: “Realmente muito legal! Eu adorei as danças”… “Você viu que também havia uma orquestra ao vivo? Eu gostaria de perguntar se eles me levam com eles”… “Eles são da minha idade, mas que vozes!…”.
Eu também fiquei impressionado com aquele grupo de jovens atores, não só pela qualidade da apresentação deles, mas também porque, mesmo antes da plateia chegar, eu tinha visto que eles estavam trabalhando duro para colocar tudo em ordem: havia aqueles que posicionavam os holofotes para as luzes, aqueles que testavam os microfones, aqueles que arrumavam os figurinos, aqueles que se esmeravam no último ensaio de uma dança e aqueles que faziam seus treinos para clarear suas vozes. Todos sabiam o que tinham que fazer e, com um senso de responsabilidade, cumpriam sua tarefa. Quando o teatro estava cheio, antes de dar início, todos eles desapareceram atrás da cortina fechada. Eu queria espreitar e vi que, dispostos em círculo, todos eles estavam lá para uma breve oração, antes do início da apresentação. Eu fiquei impressionada com este fato. Eu sabia que era um grupo salesiano pertencente à Associação CGS (Cinecircoli Giovanili Socioculturali); então decidi ir vê-los em sua sede para saber mais e conhecê-los melhor.
Encontrei um ambiente muito simples: uma pequena sala para ensaios e reuniões, um estúdio para gravações, um mezanino com guarda-roupa para fantasias, um depósito para cenários e equipamentos de iluminação e som; mas acima de tudo eu encontrei muita criatividade e espírito salesiano. Acolheram-me Armando B., fundador e chefe do grupo, bem como compositor de todas as músicas, e outros cinco jovens. Eu pedi a eles para me contarem um pouco sobre sua história.

Armando falou: – Nosso grupo é chamado LIFE, Vida! Sim, porque estamos juntos para descobrir o sentido da vida e para anunciar ao mundo a alegria da vida. Nós nascemos em 1975 a partir do desejo de alguns de nós, então com 15 anos de idade, de estarmos juntos, ligados pelo nosso amor pela música. Nós percorremos um longo caminho desde então! Ao longo dos anos, a necessidade amadureceu gradualmente para aprofundar nossa fé, para viver os valores humanos e cristãos como compromisso, e para expressá-los através da linguagem artística. Assim nasceram nossos musicais, shows inteiramente concebidos e realizados por nós: da música à letra, dos figurinos aos cenários, da iluminação ao som… e nós também gravamos muitas fitas cassete e CDs.
Paulo acrescentou: – Você pode ver aqui nas paredes os cartazes e as fotos de nossos shows ao longo de todos estes anos.

Vida” foi o primeiro show original que abordou o problema das drogas e do diálogo em família. Depois houve a “Pobreza Bem-vinda”, que nos ajuda a refletir sobre o consumismo e a verdadeira liberdade que vem do desprendimento das riquezas. O desvio juvenil e as propostas educativas de Dom Bosco em “Meu nome também é João”. A opção pelos últimos no musical “A Menina de Poitiers”. A cultura da vida contra a cultura da morte em “Abre-te para a Vida”. A sabedoria do Evangelho sobrepondo-se àquela do mundo em “E se não fosse um sonho?”. “3P” – Padre Pino Puglisi – a história do sacerdote vítima da máfia; “Nas Asas do Amor”, apresentando a experiência do Servo de Deus Nino Baglieri. E “O que permanece é amor”, sobre a mensagem de São Paulo.
José acrescentou: – Recentemente nós encenamos “Baraccopoli, um musical que toca o tema dos marginalizados e da solidariedade. O último, no entanto, é uma peça sobre o Papa Francisco e sua mensagem para o povo de nosso tempo. Chama-se: “Do Fim do Mundo”.
Sara o interrompeu e, mostrando-me alguns DVDs, acrescentou:
– Veja, nós experimentamos também a produção de filmes e, além das versões cinematográficas de “Histórias para Viver” e “Abre-te para a Vida”, nós fizemos outros três filmes – “O atleta de Deus”, “Plácido” e “Nicolau” -, que receberam prêmios e menções especiais.
Fiquei realmente impressionada com o material que documentava tantos anos de atividade, e me arrisquei a fazer uma pergunta:
– O que os leva a fazer tudo isso?
Alessandra sorriu e respondeu:
– A nossa quer ser uma nova maneira de fazer evangelização, de levar a proposta cristã aos teatros e praças. A experiência dos nossos passeios é sempre emocionante: nós viajamos de uma ponta à outra da Itália e também já estivemos no exterior. Cada vez é uma nova carga porque, ao mesmo tempo em que “anunciamos” algo, cresce em nós a consciência e a convicção daquilo que estamos propondo aos outros.
Armando acrescentou:
– Para poder dizer algo para os outros, é indispensável primeiro viver uma realidade! É por isso que nosso C.G.S. investe muito na formação: todos os sábados nós nos encontramos para rezar juntos e todos os domingos temos nosso encontro de formação. No verão nós reservamos cerca de dez dias para o “acampamento expressão”, dias em que refletimos sobre a palavra de Deus e expressamos nossas reflexões de forma criativa (música, dança, mímica…). Em alguns momentos durante o ano litúrgico, nós nos encontramos para um dia de retiro espiritual. A nossa é uma proposta que oferecemos a muitos jovens em nossa região e além dela, de diferentes faixas etárias. Os mais velhos acompanham os mais jovens. Muitos vêm até nós atraídos pela música e pelo desejo de encontrar amigos e fazer um grupo, e gradualmente se envolvem em uma jornada de fé.
– “Sim”, interveio Simone, “eu posso testemunhar com minha própria história: no início eu vim para o grupo apenas porque eu gostava de representar e também queria aprender a tocar um instrumento. Aqui eu encontrei uma coisa e outra, mas acima de tudo eu conheci pessoas que sabiam como me ouvir e que me mostraram um modo de vida diferente daquele que eu havia experimentado até então. Aqui eu também comecei a conhecer o Evangelho.

Eu me sentia bem com eles e fiquei conversando até a noite. Aprendi sobre as muitas experiências desses jovens, como ir a bares para tocar música e envolver jovens clientes em diálogos sobre certos tópicos que os encorajassem a refletir sobre suas vidas, ou levar ajuda aos desabrigados em noites particularmente frias, ou dirigir um oratório no bairro à maneira de Dom Bosco, ou animar encontros de jovens em encontros diocesanos ou regionais.
Eu voltei um sábado para vê-los novamente. Era tudo um canteiro de obras: José estava animando o encontro dos pré-adolescentes que lotavam a pequena sala normalmente usada para gravações, três outros jovens estavam pintando os cenários do show que estava sendo programado, um pequeno grupo estava ensaiando as várias vozes de uma canção, enquanto dois estavam escrevendo em folhas de papel. “Vamos preparar a reunião de amanhã à noite para as famílias”, disseram eles. “Haverá casais do grupo, mas também os pais dos nossos meninos. Nós também queremos envolvê-los em uma jornada formativa”.
Quanta vida neste grupo! – Eu disse a mim mesma; eles realmente escolheram o nome certo: VIDA!

Galeria de fotos “Life”

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São Francisco de Sales. A confiança em Deus Providência (4/8)

(continuação do artigo anterior)

CONFIANÇA EM DEUS PROVIDÊNCIA, EM SÃO FRANCISCO DE SALES (4/8)

Entremos no coração de Francisco de Sales para compreender toda a sua beleza e riqueza.

“Nossa fé em Deus depende da imagem que temos de Deus”, onde fé significa nosso relacionamento com Ele.

Francisco apresenta-nos em seus escritos o Deus em quem ele acredita; ele nos dá a sua imagem de Deus, um Deus descoberto como um Pai que provê e ama seus filhos, e consequentemente o relacionamento que Francisco vive com ele é de total e ilimitada confiança.

Apreciemos estas passagens de suas cartas, nas quais ela fotografa o rosto do Pai que é Providência e cuida de nós.

“Minha caríssima filha, quanto o Senhor pensa em vós e com quanto amor Ele olha para vós! Sim, Ele pensa em vós, e não só em vós, mas até mesmo no último cabelo de vossa cabeça: é uma verdade de fé que não deveis absolutamente duvidar”.

“Sirvamos bem a Deus e nunca digamos: O que devemos comer? O que devemos beber? De onde virão as nossas irmãs? Cabe ao dono da casa cuidar destes problemas, cabe à Patroa da nossa casa mobiliá-la; e nossas casas pertencem a Deus e a sua santa Mãe”.

Jesus no Evangelho nos convida a traduzir essa confiança em viver bem o presente, e Francisco reitera-o nesta carta:
“Procurai fazer bem hoje, sem pensar no amanhã; então amanhã procurareis fazer o mesmo; e não pensai no que fareis durante todo o vosso mandato, mas cumpri o vosso dever dia após dia sem pensar no futuro, porque o vosso Pai celeste, que se preocupa em guiar-vos hoje, também vos guiará amanhã e depois de amanhã, na proporção da confiança que, conhecendo a vossa fragilidade, colocareis em sua Providência”.
“Ele vos tem mantido até hoje. Segurai firmemente a mão da Sua Providência e Ele vos ajudará em todas as circunstâncias e, onde não puderdes andar, Ele vos carregará. Não penseis no que vai acontecer convosco amanhã, pois o mesmo Pai, que cuida de vós hoje, cuidará de vós amanhã e sempre. O que um filho pode temer nos braços de um pai tão grande?”.

E como o coração de Francisco está orientado sobre isso? Neste trecho da carta, podemos contemplar seu coração, que é como um pintainho sob a proteção da Providência:
“Deus, a quem pertenço, disponha de mim de acordo com o seu beneplácito: pouco importa onde devo terminar este miserável resto de meus dias mortais, desde que eu possa terminá-los em sua graça. Escondemos gentilmente a nossa pequenez nessa grandeza e, como um pintainho que, sob as asas de sua mãe, vive seguro e quente, deixe-nos descansar nossos corações sob a doce e amorosa Providência de Nosso Senhor”.

Se Francisco vive esta relação de confiança com Deus, ele pode oferecer bons conselhos aos destinatários de suas cartas, fortalecido pela sua experiência. Ouçamos alguns deles.
“Somos fiéis, humildes, docemente e amorosamente decididos a continuar no caminho em que a Providência celeste nos colocou”.

Madre Favre em Lyon sente o peso do cargo, o que não é do seu agrado. O segredo para superar este estado de espírito?
“Lançai resolutamente os vossos pensamentos sobre os ombros do Senhor e Salvador e Ele vos carregará e vos fortalecerá. Mantende vossos olhos fixos na vontade de Deus e em Sua providência”.

Nossa confiança em Deus, a convicção de que estamos em boas mãos, às vezes é posta à prova, especialmente quando a dor, a doença, a morte batem à porta de nossas vidas ou das pessoas que nos são queridas. Francisco bem o sabe e nem por isso desanima ou se desanima.

“Confiar em Deus na doçura e na paz da prosperidade é algo que quase todos sabem fazer; mas abandonar-se inteiramente a Ele em meio a furacões e tempestades é característico de Seus filhos”.

“Os pequenos eventos oferecem ocasiões para as mais humildes mortificações e os melhores atos de abandono em Deus. Nos eventos mais dolorosos, é preciso adorar profundamente a Providência divina. Deve-se morrer ou amar. Eu gostaria que meu coração fosse arrancado ou, se ele ainda me resta, que fosse deixado apenas para este amor”.

Quantas pessoas rezam para obter esta ou aquela graça do Senhor e, quando ela não chega ou chega tarde, ficam desanimadas e sua confiança n’Ele vacila. Esplêndida é esta admoestação escrita a uma senhora de Paris, alguns meses antes da morte do santo:
“Deus escondeu no segredo da sua Providência o tempo em que pretende escutar-vos e a maneira pela qual Ele vos escutará; e talvez, vos escutará de modo excelente não vos escutando segundo os vossos projetos, mas de acordo com os seus próprios”.

Em Pentecostes de 1607, Francisco revelou seu plano a Joana: fundar um novo instituto com ela e através dela. Depois dessa reunião, ele escreveu uma carta dizendo com que espírito era necessário continuar o caminho, que durará mais quatro anos!
“Mantende o vosso coração bem aberto e deixai-o repousar muitas vezes nos braços da Providência divina. Coragem, coragem! Jesus é nosso: que nossos corações sejam sempre dele”.

Em poucos anos, vários lutos atingiram as famílias de Francisco e Joana.

A irmãzinha de Francisco, Joana, morre improvisamente. É assim que os santos sabem como viver estes eventos:
“Minha cara filha, em meio ao meu coração de carne, que sente tanta dor nesta morte, sinto muito sensivelmente uma certa suavidade, uma tranquilidade e um doce repouso do meu espírito na divina Providência, que infunde em minha alma uma grande alegria mesmo nas tristezas”.

No início de 1610, dois novos lutos: a morte repentina de Charlotte, última filha da baronesa, com cerca de dez anos, e a morte da mãe de Francisco, a Senhora de Boisy.
“Não devemos, portanto, querida Filha, adorar em todas as coisas a suprema Providência cujos conselhos são santos, bons e amorosíssimos? Confessemos, minha querida Filha, confessemos que Deus é bom e que a sua misericórdia perdura por toda a eternidade. Senti uma grande tristeza por esta separação, mas devo dizer também que foi uma tristeza silenciosa, embora viva. Eu chorei sem amargura espiritual”.

E na doença?
Depois de superar uma crise de saúde muito grave, Francisco escreve este precioso testemunho de como ele viveu a doença:
“Não estou nem curado nem doente; mas acho que vou me recuperar completamente muito em breve. Minha caríssima filha, devemos deixar nossas vidas e tudo o que somos à pura disposição da Providência divina, porque, em última análise, não pertencemos a nós mesmos, mas Àquele que, para nos fazer Seus, quis ser todo nosso de forma tão amável”.

A melhor conclusão para este conjunto de mensagens que Francisco nos lança através de suas cartas parece-me ser a que o santo escreve na Filoteia. É uma obra-prima de frescor e alegria.

“Em todas as tuas ocupações, apoia-te completamente na Providência de Deus, que é a única que pode cumprir seus planos”.
Faze como as crianças que se agarram à mão do pai com uma mão e colhem morangos e amoras ao longo das sebes com a outra; faze o mesmo: enquanto com uma mão colhes e fazes uso dos bens deste mundo, com a outra agarra-te ao Pai celeste, voltando-te de vez em quando para Ele, para ver se as tuas ocupações e os teus negócios são do agrado d’Ele.
Toma cuidado para não deixares a Sua mão e proteção, pensando assim que vais colher e acumular mais. Se teu Pai celeste te deixar, não darás nem mais um passo, mas logo acabarás no chão. Quero dizer, Filoteia, que quando estás no meio de negócios e ocupações comuns, que não requerem atenção muito cuidadosa e assídua, olha para Deus mais do que para as ocupações; quando os negócios são tão importantes que requerem toda a tua atenção para serem bem sucedidos, de vez em quando olha para Deus, assim como aqueles que navegam pelo mar que, para alcançar o porto pretendido, olham mais para o céu do que para o navio. Assim, Deus trabalhará contigo, em ti e para ti, e o teu trabalho será acompanhado de alegria”.

(continua)







ADMA – Um itinerário de santificação e apostolado de acordo com o carisma de Dom Bosco

A Associação de Maria Auxiliadora (ADMA) foi fundada no dia 18 de abril de 1869 por Dom Bosco, como segundo grupo de sua obra, depois dos Salesianos, com o objetivo de “promover as glórias da divina Mãe do Salvador, a fim de merecer Sua proteção na vida e particularmente no momento da morte”.

            A Pia Associação Maria Auxiliadora foi fundada após a inauguração da Basílica dedicada à Santíssima Virgem, ocorrida em 9 de junho de 1868, em Turim. Com a construção da Basílica, Dom Bosco viu com seus próprios olhos a realização do famoso sonho de 1844, no qual a Virgem Maria, à semelhança de uma pastora, o fez ver “uma Igreja estupenda e alta” em cujo interior havia “uma faixa branca, na qual em letras grandes estava escrito: HIC DOMUS MEA, INDE GLORIA MEA” [Aqui é minha casa; daqui sairá a minha glória]. Muitas pessoas, sobretudo do povo, haviam contribuído com ofertas para a construção do Santuário como sinal de gratidão pelas graças recebidas de Maria Auxiliadora. Os fiéis haviam feito “reiterados pedidos para que fosse criada uma piedosa Associação de devotos que, unidos no mesmo espírito de oração e piedade, prestassem homenagem à grande Mãe do Salvador, invocada sob o título de Auxiliadora dos Cristãos”. Esse pedido popular – feito apesar de existir uma antiga (século XII) e forte devoção a Nossa Senhora em Turim sob o título de Consolata – indica que a iniciativa veio do alto.

Cúpula da Basílica Maria Ausiliatrice, Turim, Itália

Assim se compreende também a razão do pedido de aprovação da Associação feito pelo próprio Dom Bosco: “O abaixo assinado expõe humildemente a V. Excia. Reverendíssima que, pelo único desejo de promover a glória de Deus e o bem das almas, desejaria que na igreja de Maria Auxiliadora, há um ano consagrada por V. Excia. ao culto divino, seja iniciada uma piedosa união dos fiéis sob o nome de Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora: o objetivo principal seria promover a veneração do Santíssimo Sacramento e a devoção a Maria Auxilium Christianorum: um título que parece ser de grande agrado à a augusta Rainha do Céu”. Seu pedido não só foi aceito, mas em menos de um ano de sua fundação (fevereiro de 1870) a Pia Associação de Maria Auxiliadora se tornou uma Arquiconfraria.

            O nome “ADMA” que Dom Bosco deu a essa associação significava a Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora, em que a palavra “devotos” reflete o que São Francisco de Sales ensinou: “A devoção nada mais é do que agilidade e vivacidade espiritual, com a qual a caridade realiza suas operações em nós, e nós operamos através dela, pronta e afetuosamente”. Essa devoção foi mais especificada posteriormente: “Dom Bosco, consciente de nossas dificuldades e fragilidades, deu um passo a mais, ainda mais belo: não somos apenas devotos, mas devotos de Maria Auxiliadora. Em sua experiência, o dom do amor que une ao Pai e ao Filho (graça) e que impele à ação (caridade), passa explicitamente, quase sensivelmente, pela mediação materna de Maria”, como assinala o sucessor de Dom Bosco, o Padre Ángel Fernández Artime.
            Dom Bosco fundou a ADMA para compartilhar a graça e para difundir e defender a fé do povo, irradiando no mundo a veneração a Jesus Eucaristia e a devoção à Virgem Auxiliadora, duas colunas de nossa fé. Essa semente lançada pelo santo já se espalhou por 50 países do mundo, com cerca de 800 grupos ligados à ADMA Primária de Turim.
            Hoje, na ADMA, na escola de Dom Bosco, os caminhos da oração, do apostolado e do serviço são seguidos, segundo um estilo de família. A devoção à Eucaristia e a Maria Auxiliadora é vivida e difundida, valorizando a participação na vida litúrgica e na reconciliação. A formação cristã visa a imitar Maria na vivência da “espiritualidade da vida cotidiana”, procurando cultivar um ambiente cristão de acolhida e de solidariedade na família e nos próprios lugares de vida.
            Por ocasião dos 150 anos da fundação da ADMA, o sucessor de Dom Bosco, em sua carta “Entrega-te, confia, sorri!”, deixou algumas instruções à Associação. O convite é que nos deixemos guiar pelo Espírito Santo para um renovado impulso evangelizador, ancorados nas duas colunas, a Eucaristia e a devoção a Maria Auxiliadora, com algumas ênfases:
            – viver um caminho de santidade em família, dando testemunho principalmente através da perseverança no amor entre cônjuges, entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre jovens e idosos;
            – levar Nossa Senhora para dentro de casa, imitando Maria em tudo o que for possível;
            – oferecer um itinerário de santificação e apostolado, simples e acessível a todos;
            – participar da Eucaristia, sem a qual não há caminho para a santidade;
            – entregar-se a Maria, convencidos de que ela nos levará “pela mão” para nos conduzir ao encontro com seu Filho Jesus.

            Os momentos privilegiados para viver e difundir a dimensão popular da devoção a Maria Auxiliadora, e para pedir graças, são as práticas de piedade: a comemoração do dia 24 de cada mês, o terço, a novena em preparação à festa de Maria Auxiliadora, a bênção de Maria Auxiliadora, as peregrinações aos santuários marianos, as procissões, a colaboração na vida paroquial.
            Os membros da ADMA fazem parte da grande árvore da Família Salesiana, um movimento de pessoas promovido por Dom Bosco, sob a orientação de Maria Auxiliadora, para a missão juvenil e popular: “Devemos unir-nos – escreveu ele em 1878 – entre nós e todos com a Congregação… visando o mesmo objetivo e usando os mesmos meios… como em uma única família com os laços da caridade fraterna que nos estimula a ajudar-nos e apoiar-nos mutuamente em benefício do próximo”. Na Família Salesiana, a ADMA conserva a tarefa de incentivar a especial devoção eucarística e mariana vivida e difundida por São João Bosco, devoção que exprime o elemento fundante do carisma salesiano. Nessa perspectiva, entre outras coisas, a ADMA promove para toda a Família Salesiana o Congresso Internacional de Maria Auxiliadora, que se realizará em Fátima de 29 de agosto a 1º de setembro de 2024. O título escolhido para esse evento será “Eu te darei a Mestra”, em memória do sonho de nove anos de Dom Bosco, cujo 200º aniversário será comemorado.
            Para conhecer melhor a ADMA, além do site admadonbosco.org, pode-se também seguir a publicação mensal de formação e comunhão “ADMA on line” e a coleção de livros “Cadernos de Maria Auxiliadora”, ambos no mesmo site. Você também pode segui-los nos canais de mídia social Facebook e Youtube.




Quem não reza?

Num dia de feira, um agricultor parou para comer num restaurante lotado, onde até a elite da cidade costumava almoçar. O agricultor encontrou um lugar em uma mesa onde outros clientes já estavam sentados e fez seu pedido junto ao garçom. Quando o fez, juntou as mãos e rezou uma oração. Seus vizinhos o observaram com curiosidade e, cheio de ironia, um jovem lhe perguntou:
– O senhor sempre faz isso em casa? Será que todos rezam realmente?
O fazendeiro, que tinha começado a comer calmamente, respondeu:
– Não, mesmo em casa há alguns que não rezam.
O rapaz sorriu:
– Ah, sim? Quem não reza?
– Bem, continuou o fazendeiro, por exemplo, minhas vacas, meu burro e meus porcos…

Lembro-me de que uma vez, depois de caminhar a noite inteira, adormecemos ao amanhecer, perto de um bosque. Um dervixe que era nosso companheiro de viagem soltou um grito e caminhou pelo deserto sem descansar um único momento.
Quando já era de dia, perguntei-lhe:
– O que aconteceu com o senhor?
Ele respondeu:
– Via os rouxinóis chilreando nas árvores, via as perdizes nas morros, as rãs na água e os animais no bosque. Pensei então que não era correto que todos estivessem empenhados em louvar ao Senhor e que somente eu ficasse dormindo sem pensar nele.
(Sudi)




Salesianos em Tijuana. Uma casa na fronteira

A apenas 30 metros da fronteira com os Estados Unidos, uma casa salesiana no México oferece muitos serviços aos jovens, aos pobres e aos migrantes, na área de fronteira terrestre mais movimentada do mundo, em uma cidade cuja população triplicou nos últimos 30 anos, e em uma área mundialmente famosa pelo muro que separa o México dos Estados Unidos.

Os Salesianos chegaram à cidade de Tijuana, Baixa Califórnia (México), na festa de São José, em 19 de março de 1987.
Foi no final dos anos 80 que o então Inspetor olhou para a fronteira norte do México, enfatizando que a presença do Norte teria que representar “pulmões” para garantir ar purificado para a missão e a vida apostólica e religiosa da Inspetoria Salesiana.

Com esta intenção, e querendo responder às muitas necessidades da cidade, os Salesianos se comprometeram a encontrar espaços para construir oratórios na cidade. Em menos de uma década, foram construídos nove oratórios, onde os jovens encontraram um lar, um parque infantil, uma escola e uma igreja.
Com o passar do tempo, a atenção foi voltada para diferentes necessidades; seis residências de trabalho foram criadas em diferentes bairros da cidade, formando o
Projeto Salesiano Tijuana. Cada uma delas abriga várias instituições, dando origem a mais de dez frentes de trabalho.

A primeira das obras foi a Paróquia e o Oratório Maria Auxiliadora, situada na “Colônia Herrera”. Tanto a paróquia como o oratório cuidam de vários problemas na colônia. Estão sendo dados passos para um acordo com a OIM (Organização Internacional para as Migrações) para oferecer um centro comunitário de saúde com aconselhamento jurídico e psicológico e assistência médica. No território da Paróquia há uma casa de acolhida chamada “Pro amore DEI”, que proporciona várias atividades. Este Oratório de Maria Auxiliadora oferece oficinas de curta duração e flexíveis que oferecem várias oportunidades de aprendizado, tudo em benefício das famílias; estas oficinas são frequentadas por crianças e famílias em situações de vulnerabilidade. Algumas dessas oficinas são: oficina de alfaiataria, salão de beleza, oficina de futebol, oficina de zumba, oficina de violão e de informática, aconselhamento psicológico e treinamento para adultos ou jovens fora do ambiente escolar, em acordo com o INEA (Instituto Nacional de Educação de Adultos).

Outra presença, localizada no centro da cidade, é o Oratório São Francisco de Sales, localizado na colônia Castillo. Esta presença também abriga várias instituições, incluindo: uma das residências da comunidade religiosa, o Oratório, os escritórios da COMAR (Comissão Mexicana de Ajuda aos Refugiados) que, em colaboração com a ACNUR (Agência das Nações Unidas para Refugiados), presta serviços aos requerentes de asilo (carteiras de identidade, ofertas de emprego, apoio jurídico) e os escritórios do Projeto Salesiano Tijuana. Este é um conjunto de serviços para os mais desfavorecidos, ou seja, estrangeiros que vêm para a cidade em busca de refúgio, com consideração à sua dignidade e seus direitos. No oratório, as famílias da colônia são assistidas com oficinas flexíveis e ágeis, oferecendo um espaço para o crescimento (é uma colônia de trabalhadores que tem sofrido muito nos últimos anos com o tráfico de drogas e assassinatos devido a esta situação). Para o Projeto Salesiano Tijuana tem sido e continua sendo de grande importância estar aberto à criação de redes e convênios com várias instituições que fortalecem e promovem ajuda para jovens, migrantes e famílias em situações de vulnerabilidade.

O Oratório Domingo Sávio está localizado no coração da colônia “Sánchez Taboada”. Esta colônia é muito especial. De acordo com estatísticas recentes, o bairro Sánchez Taboada ocupa o primeiro lugar em violência na cidade. Neste bairro, 146 pessoas foram mortas em menos de cinco meses, tornando-a a colônia mais violenta; o maior número de assassinatos intencionais foi registrado aqui. É aqui que está localizada a nossa presença salesiana, desenvolvendo vários serviços: uma presença que quer acima de tudo levar esperança às famílias e oportunidades às crianças. A situação de violência, pobreza e a posição orográfica da casa salesiana exigem apoio financeiro constante para manter as instalações e encontrar o pessoal apropriado para fornecer os serviços educacionais. Entre as atividades atualmente oferecidas estão: oficinas de futebol, de violão, de vôlei, de regulamentação escolar para crianças e adolescentes, oficina de inglês e laboratório de informática. Neste oratório, como nas outras cinco presenças, a catequese sacramental, os serviços litúrgicos e celebrações são oferecidos na capela.

O Oratório San José Operário está localizado na parte leste da cidade, na colônia chamada “Ejido Matamoros”. Possui instalações esportivas que oferecem serviços a um grande número de jovens, crianças e adultos que vêm jogar futebol; no decorrer de uma semana, mais de mil usuários passam por este centro esportivo. Neste oratório, o Movimento Juvenil Salesiano também é muito ativo, especialmente para adolescentes e crianças, com o movimento Amigos de Domingos Sávio, acólitos e corais. A Capela do Oratório oferece serviços litúrgicos diários abertos à comunidade. A presença salesiana neste Oratório inclui também uma escola superior que, estando localizada em uma área de tão grande crescimento na cidade, pode continuar prestando um serviço educativo indispensável e, em perspectiva, deve crescer no número de alunos e na qualidade de seus serviços educativos.

O Oratório São João Bosco está situado na colônia Mariano Matamoros, em El Florido. É um oásis de paz na parte leste da cidade e nós o chamamos assim porque em 2022, também aí foram registrados 92 homicídios. Esta presença salesiana está localizada em uma área de assentamentos de famílias que trabalham na “indústria maquiladora”. Ali a obra salesiana desenvolveu uma presença ampla e complexa, composta por quatro instituições: a casa de acolhida Dom Bosco (uma casa para mulheres e crianças, em operação desde dezembro de 2021), a escola Dom Bosco (uma escola com 200 alunos, para meninos e meninas, cursando o ensino primário), o oratório – centro juvenil (acolhe crianças, grupos juvenis, atletas da liga de futebol e basquete, grupo de balé folclórico, oficinas), a capela São João Bosco (oferece serviços litúrgicos com grande afluência de famílias e crianças que frequentam a catequese). Juntas, estas instituições animam um centro de integração para a comunidade local, sendo um espaço para uma variedade de pessoas (migrantes, crianças, jovens, famílias) que oferece a oportunidade de atualizar a missão salesiana, respondendo às necessidades sociais. Para realizar estas instituições de grande obra social, os Salesianos trabalham através de acordos de colaboração com várias organizações civis e governamentais e criando convênios com agências das Nações Unidas (ACNUR, OIM, UNICEF); eles também trabalham com grande abertura e flexibilidade com outras instituições que fornecem apoio e assistência nas áreas de saúde e educação.

O Refeitório Salesiano é uma obra de assistência social que dá origem a duas instituições (um centro de café da manhã e um lar para homens migrantes), que, por sua vez, oferecem uma ampla gama de serviços aos beneficiários. Esta obra salesiana está localizada na região centro-norte da cidade de Tijuana. Seu início data de 1999, mas antes daquele ano alguns ‘tacos’ já eram oferecidos nos escritórios do projeto salesiano. Este serviço de alimentar os pobres e migrantes que vagueiam pela cidade se desenvolveu e evoluiu, e em 2007-2008 foi estabelecido com suas próprias instalações para esta atividade onde atualmente opera: aqui, a atenção é dada aos migrantes vulneráveis (deportados/retornados, estrangeiros do centro e sul do México), aos sem-teto, aos idosos, às famílias pobres ou extremamente pobres, e aos homens, mulheres e crianças famintos.

Entre a variedade de serviços oferecidos estão cafés da manhã (entre 900 e 1200 por dia), ligações telefônicas para o exterior (25 por dia), chuveiros (até 150 por dia, três vezes por semana), cortes de cabelo, entrega de alimentos a famílias pobres (3-5 por dia), oferta para trocar de roupa (até 150 por dia, três vezes por semana) assistência médica (40-60 por dia), aconselhamento legal (8-20 por dia) sobre questões de migração, assistência psicológica, apoio e suporte emocional, oficinas para a prevenção da violência contra as mulheres, oficinas (arte gráfica, mosaico bizantino, alebrijes e pinhatas, oficina de rádio, etc.), intercâmbio de trabalho formal e informal, e uma oficina de rádio), intercâmbio de trabalho formal e informal (8-20 por dia), vínculos com centros de reabilitação. As atividades do Refeitório e do abrigo são apoiadas com a ajuda de voluntários diários (locais, nacionais e internacionais) em várias formas ou períodos, desenvolvendo uma grande abertura à colaboração interinstitucional.

O compromisso salesiano neste grande Projeto Salesiano Tijuana é fundamental porque a cidade continua a crescer, continua sendo a cidade fronteiriça com o maior número de pessoas em situação de mobilidade e migração; falar de Tijuana como fronteira é falar da fronteira terrestre mais atravessada do mundo. Mais de 20 milhões de veículos passam e mais de 60 milhões de pessoas entram nos Estados Unidos através desta fronteira em um ano. A migração continua sendo uma questão de grande atualidade. Nesta cidade fronteiriça, com tantos migrantes, há problemas com o tráfico humano, envolvimento com o mundo da venda e consumo de drogas. A cidade de Tijuana continua oferecendo grandes oportunidades para a realização de sonhos, com uma ampla gama de empregos, mas também continua sendo uma cidade com um alto nível de criminalidade, uma das mais violentas do país.

Sem dúvida, migrantes, crianças, jovens e famílias buscam no Projeto Salesiano de Tijuana ajuda e esperança na construção de seu futuro. A missão salesiana em Tijuana continua a ser um lugar onde os sonhos de Dom Bosco e a realização do carisma da Família Salesiana podem se desenvolver.

Também é possível acompanhar a presença salesiana em Tijuana através de suas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram, Youtube.

Agostinho NOVOA LEYVA, sdb
diretor da Casa Salesiana de Tijuana, México

Explicações:
tacos: comida típica mexicana, parecida com uma panqueca de farinha de milho.
alebrijes: estátuas típicas da cultura mexicana, tipo animais coloridos (feitos de papel machê ou madeira).
pinhatas: uma espécie de “balão surpresa”, feita de papel com várias doces e brinquedos dentro; são “quebrados” pelas crianças, que estão vendadas, enquanto tentam fazê-lo.




Dom Bosco e suas cruzes diárias

A vida de Dom Bosco teve grandes sofrimentos, mas eles foram suportados por ele com heroica humildade e paciência. Em vez disso, aqui nós queremos falar de cruzes diárias, mais transitórias do que aquelas mas não menos pesadas. Trata-se de espinhos que ele encontrou a cada passo ao longo do caminho, na verdade espinhos que feriram sua consciência reta e seu coração sensível, e que poderiam ter desencorajado qualquer um menos paciente do que ele. Vamos dar apenas alguns exemplos de aborrecimentos de natureza principalmente financeira que ele teve que suportar por culpa de outros.
Escrevendo uma carta de Roma para o P. Miguel Rua em 25 de abril de 1876, ele disse entre outras coisas: “Quantas coisas, quantos carrinhos [carrozzini] foram feitos e ainda se fazem”. Parecem fábulas”! Aqui o termo “carrozzini” é um termo piemontês usado por Dom Bosco para indicar injustiças de outros que lhe trouxeram dificuldades graves e inesperadas, das quais ele não foi a causa, mas a vítima.

Três casos significativos
O proprietário de uma casa de massas a vapor, um tal Luís Succi de Turim, um homem bem conhecido por suas obras caritativas, um dia pediu a Don Bosco que lhe emprestasse sua assinatura em uma transação bancária para retirar 40.000 liras. Como era um homem rico do qual ele tinha recebido muitos benefícios, Don Bosco cedeu. Mas três dias depois o senhor Succi morreu, a nota promissória expirou e Don Bosco mandou avisar aos seus herdeiros sobre o compromisso do falecido.
Testemunhou o Card. João Cagliero: “Estávamos no jantar quando o P. Rua entrou e disse a Dom Bosco que os herdeiros não sabiam nem queriam saber das notas promissórias. Eu estava sentado ao lado de Dom Bosco. Ele estava tomando sua sopa e eu vi que entre uma colherada e outra (note-se que era o mês de janeiro e o refeitório não tinha aquecimento), gotas de suor caíam de sua testa para seu prato, mas sem alterar-se nem interromper sua modesta refeição”.
Não havia como fazer aqueles herdeiros verem a razão, e Dom Bosco tinha que pagar por isso. Foi somente depois de cerca de dez anos que ele recebeu de volta quase toda a soma garantida por sua assinatura.

Outro trabalho de caridade também lhe custou caro pelo mal que isso lhe causou. Um tal José Rua, de Turim, tinha inventado um dispositivo com o qual ele levantava o ostensório acima do tabernáculo do altar na igreja e depois o abaixava de volta para a mesa do altar, ao mesmo tempo abaixando e depois levantando a cruz. Isto teria evitado os riscos que o padre corria ao subir a escada para realizar esta função. Isso realmente parecia um meio mais simples e seguro de expor o Santíssimo Sacramento. Para favorecê-lo, Dom Bosco enviou os desenhos à Sagrada Congregação dos Ritos, recomendando a iniciativa. Mas a Congregação não aprovou a invenção e nem mesmo quis devolver os desenhos, com o argumento de que essa era a prática em tais casos. Finalmente, foi feita uma exceção para que ele se livrasse de incômodos mais graves. Mas o Sr. Rua, vendo a perda não desprezível de sua indústria, culpou Dom Bosco por isso, processou-o e exigiu que o tribunal o obrigasse a pagar uma grande indenização. Felizmente, o magistrado mais tarde acabou emitindo uma opinião muito diferente. Mas enquanto isso, durante o longo curso do processo litigioso, grande foi o sofrimento de Don Bosco.

Um terceiro sofrimento teve origem na caridade de Don Bosco. Ele havia idealizado uma coleta especial no inverno de 1872-1873. Aquele inverno foi particularmente rigoroso, dadas as já sérias dificuldades financeiras públicas. A fim de conseguir meios de subsistência para seu trabalho em Valdocco, que na época tinha cerca de 800 jovens internos, Dom Bosco escreveu uma carta circular enviada em um envelope fechado para potenciais contribuintes, convidando-os a comprar bilhetes de dez liras cada um como esmola e sorteando uma valiosa reprodução de Nossa Senhora di Foligno de Rafael.

Cruzes que adornam a capela de Pinardi

Nesta iniciativa, as autoridades públicas viram uma violação da lei que proibia as loterias públicas e processaram Dom Bosco. Este último, quando questionado, protestou que a loteria não era de natureza especulativa, mas consistia em um simples apelo à caridade cívica, acompanhado de um pequeno sinal de apreço. O caso arrastou-se por muito tempo e só terminou em 1875 com a sentença da Corte de Apelação condenando “o cavalheiro P. João Bosco” a uma pesada multa por infringir a lei das loterias. Embora não houvesse dúvida de que o fim que ele havia estabelecido era louvável, sua boa fé não podia isentá-lo da pena, sendo o fato material suficiente para estabelecer a contravenção também porque “poderia ter ultrapassado a finalidade que ele pretendia”!
Esta advertência levou Dom Bosco a uma tentativa final. Ele apelou para o rei Vitório Emanuel II, implorando um perdão soberano em favor de seus jovens sobre os quais teriam recaído as consequências da sentença. E o Soberano anuiu benignamente, concedendo o indulto. A concessão do perdão chegou numa época em que Dom Bosco estava, entre outras coisas, totalmente envolvido com as despesas para sua primeira expedição de missionários salesianos para a América. Mas enquanto isso, quanta angústia!
Embora Dom Bosco, por amor à paz, sempre tentasse evitar os litígios no tribunal, ele ainda teve que aguentar isso; e somente às vezes obteve a absolvição completa. “Summum jus summa iniuria”, dizia Cícero, o que significa que muito rigor no julgamento é muitas vezes uma grande injustiça.

O conselho do santo
Dom Bosco ficava tão alheio às questões e litígios que deixou escrito em seu chamado Testamento Espiritual:
“Com pessoas de fora é necessário tolerar muito, e até mesmo sofrer danos ao invés de chegar a litígios.
Com as autoridades civis e eclesiásticas, se sofra o máximo que se puder honestamente, mas não chegue a discussões perante os tribunais seculares. Uma vez que, apesar dos sacrifícios e toda a boa vontade, às vezes seja preciso suportar questões e litígios, eu aconselho e recomendo que a disputa seja submetida a um ou dois árbitros com plenos poderes, e que tudo seja confiado a qualquer opinião deles.
Desta forma, é salva a consciência e são encerrados os assuntos, que normalmente são muito longos e dispendiosos, e durante os quais é difícil manter a paz e a caridade cristã”
.




Eu entendi como Dom Bosco se sentia

No dia seguinte à celebração solene de Dom Bosco, eu senti uma emoção intensa. Depois de controles bastante rígidos, eu cruzei o limiar do Instituto Penitenciário Juvenil “Ferrante Aporti” em Turim, aquele que costumava ser chamado de “La Generala”.

Em uma das paredes há uma grande placa lembrando as visitas de Dom Bosco aos jovens na prisão. Quantas vezes, com os bolsos de sua batina remendada cheios de frutas, chocolates, fumo, ele havia passado por portas pesadas como estas, no Senado, no Centro Correcional, nas Torres e depois aqui na Generala, para visitar seus “amigos”, os jovens prisioneiros. Ele falou sobre o valor e a dignidade de cada pessoa, mas muitas vezes quando ele voltava, tudo estava destruído. O que parecia ser amizades nascentes tinha morrido. Os rostos tinham se tornado duros novamente, vozes sarcásticas assobiavam blasfêmias. Dom Bosco nem sempre conseguia superar seu desânimo. Um dia, ele prorrompeu em lágrimas. Na sala sombria, houve um momento de hesitação. Alguém perguntou: “Por que aquele padre está chorando?”. “Porque ele nos ama. Minha mãe também choraria se me visse aqui dentro”.

O impacto dessas visitas em sua alma foi tão grande que ele prometeu ao Senhor que faria todo o possível para garantir que os meninos não fossem enviados para lá. Assim nasceram o oratório e o sistema preventivo.

Muitas coisas mudaram. Os filhos de Dom Bosco não abandonaram o caminho traçado pelo Pai. É tradicional que os capelães sejam salesianos. Entre os capelães “históricos” está o amado Padre Domingos Ricca, que se aposentou no ano passado, após mais de 40 anos de serviço. Outro salesiano, P. Silvano Oni, tomou seu lugar, e os noviços salesianos, sob a orientação do mestre de noviciado, vão todas as semanas ao encontro dos jovens internos do Instituto Penitenciário, com uma iniciativa chamada “o pátio atrás das grades”. Todos os “internos” são muito mais jovens do que os noviços de Dom Bosco. E a grande maioria não tem pais.

É por isso que nós, salesianos, amamos tanto os jovens
Como Dom Bosco, deixei meu coração falar. Os educadores que acompanham esses jovens diariamente também estavam lá. Eu cumprimentei a todos, incluindo os muitos jovens estrangeiros. Eu senti que a comunicação era possível. Antes, três noviços haviam encenado um pequeno fato da vida de Dom Bosco. Depois eles me deram a palavra e também deram aos jovens a oportunidade de me fazer três ou quatro perguntas. E assim foi. Eles me perguntaram quem era Don Bosco para mim, por que eu era salesiano, como era viver o que eu vivo e por que eu tinha ido vê-los.

Eu lhes falei sobre mim mesmo, minha origem e minha nacionalidade. “Sou espanhol, nascido na Galícia, filho de um pescador. Eu estudei teologia e filosofia, mas eu sei muito mais sobre a pesca porque meu pai me ensinou. Eu escolhi me tornar salesiano há 43 anos; eu queria ser médico, mas então eu percebi que Dom Bosco estava me chamando para cuidar das almas dos mais jovens. Porque não há bons e maus jovens, mas jovens que tiveram menos oportunidades, e, como dizia nosso santo, em cada jovem, mesmo nos mais infelizes, há um ponto acessível ao bem, e o primeiro dever do educador é buscar este ponto, a corda sensível deste coração, e fazer florescer uma vida. É por isso que nós salesianos amamos tanto os jovens. Todos nós podemos cometer erros, mas se vocês acreditarem em si mesmos, se confiarem em seus educadores, vocês se tornarão melhores. Meu sonho é encontrar todos vocês um dia em Valdocco com os jovens que eu cumprimentei ontem na festa do nosso Santo”.

Durante o almoço, um jovem perguntou se ele poderia me fazer uma pergunta em particular. Nós nos separamos um pouco do grupo grande para não sermos interrompidos. “Para que serve a minha presença aqui?” ele me perguntou de improviso. Eu disse a ele: “Eu sinceramente acredito por nada e por muito. Por nada, porque a prisão, a internação não pode ser um destino ou um lugar de chegada, apenas um lugar de passagem. Mas, acrescentei, eu acho que isso lhe fará muito bem porque o ajudará a decidir que você não quer mais voltar aqui, que você tem a possibilidade de um futuro melhor, que depois de alguns meses aqui há a possibilidade de ir para uma das comunidades de acolhida que nós salesianos temos, por exemplo, em Casale, não muito longe daqui…”.

Logo que eu disse isto, o jovem acrescentou, sem me deixar terminar: “Eu quero, eu preciso, porque estive no lugar errado e com as pessoas erradas”.

Nós conversamos. Eles conversaram. E eu percebi como é verdade que, como dizia Dom Bosco, no coração de cada jovem há sempre sementes de bondade. Aquele jovem, e muitos outros que encontrei, são totalmente “recuperáveis”, se lhes for dada a oportunidade certa, depois dos erros cometidos.

Eu cumprimentei novamente os jovens, um por um. Nós nos cumprimentamos com muita cordialidade. Seus olhares eram limpos, seus sorrisos eram os sorrisos dos jovens castigados pela vida, jovens que tinham cometido erros, mas cheios de vida. Percebi nos educadores um grande sentido de vocação. Gostei.

No final do tempo estabelecido – como havia sido acordado – eu me despedi e um deles se aproximou de mim e disse: “Quando o senhor vai voltar?”. Fiquei comovido. Sorri e lhe disse: “Da próxima vez que você me convidar, eu estarei aqui; e, enquanto isso, esperarei por você, como Dom Bosco, em Valdocco”.

Isto foi o que eu vivenciei ontem.

Amigos do Boletim Salesiano, amigos do carisma de Dom Bosco, como ontem, hoje também é possível alcançar o coração de cada jovem. Mesmo nas maiores dificuldades, é possível melhorar, é possível mudar para viver honestamente. Dom Bosco sabia disso e trabalhou nisso durante toda a sua vida.




Francisco de Sales. Da mihi animas (3/8)

(continuação do artigo anterior)

O “DA MIHI ANIMAS” DE FRANCISCO DE SALES (3/8)

Antes de tudo, é necessário esclarecer o que se entende por zelo pastoral:
“Zelo não significa apenas compromisso, ocupar-se: ele expressa uma orientação abrangente, a ansiedade e quase o tormento de levar cada pessoa à salvação, a todo custo, por todos os meios, através de uma busca incansável pelos últimos dos mais abandonados pastoralmente.

Muitas vezes, quando se ouve falar de zelo pastoral, vêm à mente figuras que se caracterizam por uma grande atividade, generosas em gastar-se pelos outros, animadas por uma caridade que às vezes nem sequer têm “tempo para comer”. Francisco foi uma dessas figuras, completamente dedicado ao bem das almas em sua diocese e além dela. No entanto, com o seu exemplo, ele nos dá uma outra mensagem: o seu viver o da mihi animas brota do cuidado que teve com a sua vida interior, a sua oração, a sua entrega sem reservas a Deus.
É, portanto, os dois lados do seu zelo que queremos fazer emergir da sua vida e dos seus escritos.

Quando Francisco nasceu, havia terminado há pouco o Concílio de Trento, que, em nível pastoral, apelou aos bispos para um cuidado mais atento e generoso de suas dioceses, um cuidado feito antes de tudo de residência, de presença entre o povo, de instrução do clero através da criação de seminários, de visitas frequentes às paróquias, de formação dos párocos, de difusão do Catecismo como instrumento de evangelização para os pequenos e não só… Uma série de medidas para tornar os bispos e os sacerdotes conscientes da sua identidade como pastores no cuidado das almas.

Francisco levou estes apelos a sério a ponto de tornar-se, junto com São Carlos Borromeo, o modelo do bispo pastor, totalmente dedicado ao seu povo, como ele mesmo disse, recordando sua consagração episcopal:
“Naquele dia Deus me tomou de mim mesmo para me tomar para si e assim me entregar ao povo, o que significa que ele me transformou do que eu era para mim no que eu deveria ser para eles”.

Francisco, sacerdote por nove anos e bispo por vinte, viveu sob a bandeira desta doação total a Deus e a seus irmãos e irmãs. No final de 1593, poucos dias após a sua ordenação sacerdotal, ele proferiu um famoso discurso, chamado arringa por causa de seu conteúdo e do vigor com que foi proferido.

No ano seguinte, ele se ofereceu como “missionário” no Chablais e partiu armado com uma robusta corda: “A oração, a esmola e o jejum são as três partes que compõem a corda que o inimigo rompe com dificuldade. Com a graça divina, tentaremos amarrar este inimigo com ela”.
Ele prega na igreja de Santo Hipólito, em Thonon, depois do culto protestante.

No início, o seu apostolado no Chablais é de contato com o povo: ele sorri, fala, cumprimenta, para e pergunta… convencido de que os muros da desconfiança só podem ser derrubados com relações de amizade e simpatia. Se ele puder fazer-se amar, tudo será mais fácil e mais simples.
“Estou muito cansado”, escreve ele ao seu bispo, mas não desiste.

Gosta de recitar o Terço todos os dias, mesmo à noite, e quando teme adormecer por causa do cansaço, ele o recita de pé ou caminhando.
A experiência missionária de Francisco no Chablais foi definitivamente interrompida no final de 1601 para ir a Paris, onde ele teve que lidar com os problemas da diocese, ali permanecendo por nove longos meses.

Devido a compromissos políticos e amizade com muitas pessoas, ele frequenta a corte e foi aqui que Francisco descobriu muitos homens e mulheres desejosos de caminhar em direção ao Senhor.
Aqui nasceu a ideia de um texto que resumiria de forma concisa e prática os princípios da vida interior e facilitaria sua aplicação a todas as classes sociais. E assim a partir deste ano o Santo começou a reunir os primeiros materiais que mais tarde contribuiriam para a composição da Filoteia.

Ao voltar de Paris, toma conhecimento da notícia da morte do seu querido bispo. Preparou-se para a sua consagração episcopal com duas semanas de silêncio e oração.
Sentiu imediatamente o peso do novo encargo:
“Não se pode acreditar como me sinto sobrecarregado e oprimido por este grande e difícil cargo”.

Em resumo, o zelo de Francisco nos vinte anos em que viveu como bispo se manifestou sobretudo nestas áreas:
Visita às paróquias e aos mosteiros para conhecer sua diocese: aos poucos descobre suas falhas e limitações, mesmo graves, assim como a beleza, a generosidade e o bom coração de muitas, muitas pessoas. Para visitar as paróquias, ele ficou muito tempo fora de Annecy:
“Vou sair daqui em dez dias e continuar minha visita pastoral por cinco meses inteiros nas altas montanhas, onde o povo me espera com muito carinho”. “Todas as noites, quando me retiro, não consigo mais mover meu corpo ou espírito, sinto-me tão cansado em todos os meus membros. No entanto, a cada manhã, eu me vejo mais ágil do que nunca”.
Sobretudo, ele escuta seus padres e os incentiva a viver fielmente a sua vocação.

O apostolado da pena: a Opera Omnia de Francisco consiste em 27 grossos volumes… Pergunta-se como um homem poderia escrever tanto. Quanto esforço, quanto tempo roubado ao sono, ao descanso!
Todas as páginas que saíram de sua pena são a conseqüência da sua paixão pelas almas, do seu grande desejo de levar o Senhor a todos que encontrava, ninguém excluído.

A fundação da Ordem da Visitação
Em 1610, nasce uma nova realidade: três mulheres (Baronesa de Chantal, Jacqueline Favre e Charlotte de Bréchard) deram vida a uma nova forma de vida religiosa, composta exclusivamente de oração e caridade. Inspiraram-se no quadro evangélico da Visitação da Virgem Maria à prima Isabel.

O outro aspecto de seu zelo é o cuidado de sua vida espiritual.
O Cardeal Carlos Borromeo escreveu numa carta ao clero: “Exerces o cuidado da alma? Não negligencies por isso o cuidado contigo mesmo e não te entregues aos outros a ponto de não restar nada de ti para ti mesmo”.

Volta para casa exausto e necessitado de “reajustar o meu pobre espírito. Proponho fazer uma revisão completa de mim mesmo e colocar todos os pedaços do meu coração de volta no seu lugar”.
“Ao meu retorno da visita, quando quis dar uma boa olhada na minha alma, senti compaixão: achei-a tão magra e desfeita que parecia a morte. Desafio! Durante quatro ou cinco meses, ela mal tinha tido um momento para respirar. Vou ficar perto dela durante o próximo inverno e tentar tratá-la bem”.

S. Francis de Sales e St. Francisca de Chantal. Janela de Stained-glass, Igreja de St. Maurice de Thorens, França

Na Filoteia escreverá:
“Um relógio, por melhor que seja, deve ser carregado e dar-lhe corda pelo menos duas vezes ao dia, de manhã e à noite, e além disso, pelo menos uma vez por ano, deve ser completamente desmontado, a fim de remover a ferrugem acumulada, endireitar as partes tortas e substituir as que estão muito gastas.

O mesmo deve ser feito por quem cuida seriamente de seu coração; deve recarregá-lo em Deus, à noite e de manhã, por meio dos exercícios indicados acima; deve também refletir repetidamente sobre o próprio estado, endireitá-lo e repará-lo; e, enfim, desmontá-lo pelo menos uma vez por ano, e verificar cuidadosamente todas as peças, ou seja, todos os seus sentimentos e paixões, a fim de reparar todos os defeitos que descobre nele.

A Quaresma está prestes a começar e ele escreve esta nota significativa a um amigo:
“Consagrarei esta Quaresma a observar a obrigação da residência na minha catedral e a arrumar um pouco a minha alma, que está toda como se estivesse rachada das grandes tensões a que foi submetida. É como um relógio quebrado: é preciso que desmontá-lo, peça por peça, e, depois de limpá-lo e oleá-lo bem, colocá-lo novamente para que ele indique a hora certa”.

A atividade de Francisco vai de mãos dadas com o cuidado da sua vida interior; esta é uma grande mensagem para nós hoje, para não sermos ramos secos e, portanto, inúteis!

Para concluir:
“Eu sacrifiquei a minha vida e a minha alma a Deus e à sua Igreja: o que importa se tiver que me perturbar quando se trata de obter algum benefício para a saúde das almas”?

(continua)