Dom Bosco e a Bíblia

Num capítulo da Constituição dogmática sobre a Revelação divina promulgada pelo Concílio Vaticano II, que trata da “Sagrada Escritura na vida da Igreja”, todos os fiéis cristãos são exortados a ler com frequência o Livro Sagrado.

É um fato que no tempo de Dom Bosco no Piemonte, na catequese paroquial e escolar, a leitura pessoal do texto bíblico ainda não era suficientemente praticada. Em vez de recorrer diretamente a ela, costumavam fazer catequese sobre doutrina católica com exemplos tirados dos Compêndios de História Sagrada.

E assim era feito também em Valdocco.

Isso não quer dizer que Dom Bosco não tenha lido e meditado pessoalmente sobre a Bíblia. Já no Seminário de Chieri ele encontrava à sua disposição a Bíblia de Martini, bem como comentários bem conhecidos, como os de Calmet. Mas é um fato que, quando ele estava no seminário, eram desenvolvidos principalmente estudos de caráter doutrinário e não estudos bíblicos propriamente ditos, mesmo que os tratados dogmáticos incluíssem, evidentemente, citações bíblicas. O clérigo Bosco não se contentou com isso e se tornou autodidata no assunto.

No verão de 1836, o P. Cafasso, que havia sido convidado, se propôs a ensinar grego aos internos do Colégio do Carmo de Turim, que haviam sido deslocados para Montaldo por causa da ameaça da cólera. Isso o induziu a levar a sério a língua grega, a fim de se tornar apto a ensiná-la.

Com a ajuda de um padre jesuíta, com profundo conhecimento da língua grega, o clérigo Bosco fez grandes progressos. Em apenas quatro meses o sábio jesuíta o mandou traduzir quase todo o Novo Testamento, e então, por mais quatro anos, todas as semanas ele verificava alguma composição ou versão grega que o clérigo Bosco lhe enviava e ele revisava pontualmente com as observações apropriadas. “Desta maneira”, diz o próprio Dom Bosco, “pude traduzir o grego quase tão bem quanto se fosse em latim”.

Seu primeiro biógrafo nos assegura que no dia 10 de fevereiro de 1886, já velho e doente, Dom Bosco, na presença de seus discípulos, recitava alguns capítulos das Epístolas de São Paulo em grego e latim.

Pelas mesmas Memórias Biográficas ficamos sabendo que o clérigo João Bosco, no verão, em Sussambrino, onde vivia com seu irmão José, subia ao topo da vinha pertencente a Turco e lá se dedicava aos estudos aos quais não pôde assistir durante o ano letivo, especialmente o estudo da História do Antigo e do Novo Testamento de Calmet, a geografia dos Lugares Santos e os princípios da língua hebraica, adquirindo conhecimentos suficientes.

Ainda em 1884, ele se lembrou do estudo que havia feito do hebraico e foi ouvido em Roma entrando com um professor de língua hebraica sobre a explicação de certas frases originais dos profetas, fazendo comparações com os textos paralelos de vários livros da Bíblia. Ele também estava trabalhando na tradução do Novo Testamento do grego.

Dom Bosco, portanto, como autodidata, foi um atento estudioso dos escritos bíblicos, dos quais chegou a ter um conhecimento seguro.

Um dia, ainda estudante de teologia, quis visitar seu velho professor e amigo P. José Lacqua, que morava em Ponzano. Este último, informado da visita proposta, escreveu-lhe uma carta na qual lhe dizia, entre outras coisas: “quando chegar a hora de vir me visitar, lembre-se de me trazer os três pequenos volumes da Bíblia Sagrada”.

Esta é uma prova clara de que o clérigo Bosco os estava estudando.

Como jovem sacerdote, ele falava com seu pároco, o Teólogo Cinzano, sobre a mortificação cristã. Dom Bosco então lhe citou as palavras do Evangelho: Si quis vult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam quotidie et sequatur me. Se alguém quiser vir atrás de mim, que se negue a si mesmo, tome sua cruz diariamente e me siga). O teólogo Cinzano o interrompeu, dizendo:

– “O senhor acrescenta uma palavra, esse quotidie (= todos os dias) que não está no evangelho”.

E Dom Bosco:

Essa palavra não se encontra em três evangelistas, mas está no evangelho de São Lucas. Consulte o nono capítulo, versículo 23, e o senhor verá que eu não acrescento nada.

O bom pároco, que era hábil em disciplinas eclesiásticas, não tinha notado o verso de São Lucas, enquanto Dom Bosco tinha prestado atenção a ele. Várias vezes o P. Cinzano relatou com gosto esse incidente.

O compromisso de Dom Bosco em Valdocco

Dom Bosco então demonstrou de muitas outras maneiras esse profundo interesse e estudo da Sagrada Escritura, e fez muito em Valdocco para dar a conhecer seu conteúdo a seus filhos.

Pensemos em sua edição de História Sagrada, publicada primeiro em 1847 e depois reimpressa em 14 edições e dezenas e dezenas de reimpressões até 1964.

Pensemos em todos os outros escritos dele relacionados com a história bíblica, como Maneira fácil para aprender a História Sagrada, publicado pela primeira vez em 1850; a Vida de São Pedro, impressa em janeiro de 1857 como um fascículo das “Leituras Católicas”; a Vida de São Paulo, que saiu em abril do mesmo ano como um fascículo das “Leituras Católicas”; a Vida de São José, publicada no fascículo das “Leituras Católicas” de março de 1867; etc.

Dom Bosco guardava então máximas da Sagrada Escritura em seu Breviário, como a seguinte: Bonus Dominus et confortans in die tribulationis. [Na 1,7: “Imensa é a bondade do Senhor, refúgio nas horas mais difíceis”]

Ele tinha sentenças da Sagrada Escritura pintadas nas paredes do pórtico de Valdocco, como a seguinte: Omnis enim, qui petit accipit, et qui quaerit invenit, et pulsanti aperietur. [Mt 7,8; Lc 11,10: “Pois todo aquele que pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate a porta será aberta”].

Já em 1853 ele queria que seus clérigos estudantes de filosofia e teologia estudassem dez versículos do Novo Testamento todas as semanas e o recitassem literalmente nas manhãs de quinta-feira.

Na abertura do curso, todos os clérigos estavam segurando o volume da Bíblia Vulgata Latina e a tinham aberto para as primeiras linhas do Evangelho de São Mateus. Mas Dom Bosco, tendo recitado a oração, começou a dizer em latim, versículo 18 do capítulo 16 de Mateus: Et ego dico tibi quia tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam, et portae inferi non praevalebunt adversus eam”: E eu te digo: Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Ele queria realmente que seus filhos guardassem sempre essa verdade evangélica em suas mentes e em seus corações.




Artêmides ZATTI – Santo

VIDA E TRABALHO

            O Beato Artêmides Zatti nasceu em Boretto (Reggio Emilia) em 12 de outubro de 1880. Experimentou a dureza do sacrifício desde cedo, tanto que aos nove anos de idade já ganhava seu sustento como operário. Forçada pela pobreza, a família Zatti emigrou para a Argentina no início de 1897 (Artêmides tinha então 17 anos de idade) e se estabeleceu em Bahía Blanca.

            O jovem Artêmides começou imediatamente a trabalhar, primeiro num hotel e depois numa fábrica de tijolos. Começou a frequentar a paróquia dirigida pelos Salesianos. Naquela época, o pároco era o salesiano P. Carlos Cavalli, homem piedoso de extraordinária bondade. Artêmides encontrou nele seu diretor espiritual e o pároco encontrou em Artêmides um excelente colaborador. Não demorou muito para que ele se sentisse atraído pela vida salesiana. Tinha 20 anos de idade quando partiu para o aspirantado de Bernal. Foram anos muito difíceis para Artêmides, que, pela idade estava à frente de seus companheiros, mas, pelo estudo, vinha atrás. Todavia, superou todas as dificuldades, graças à sua vontade tenaz, inteligência aguçada e sólida piedade.

            Assistindo a um jovem padre tuberculoso, infelizmente também ele contraiu a doença. O interesse paternal do P. Cavalli – que o acompanhava de longe – fez com que a Casa Salesiana de Viedma o acolhesse: ali havia um clima mais adequado e sobretudo um hospital missionário, com um bom enfermeiro salesiano, que, na prática, atuava como “médico”: P. Evásio Garrone. Este logo se deu conta do grave estado de saúde do jovem e ao mesmo tempo notou suas virtudes incomuns. Convidou, então, Artêmides a rezar a Maria Auxiliadora para obter a cura, mas também sugeriu-lhe fazer uma promessa: “Se Ela lhe conceder a cura, você dedicará toda a sua vida a estas pessoas doentes”. Artêmides fez esta promessa de bom grado e foi misteriosamente curado. Aceitou com humildade e docilidade o não pequeno de sofrimento renunciar ao sacerdócio (por causa da doença que havia contraído). Nem então, nem mais tarde, ouviu-se de sua boca um lamento por este objetivo inatingido.

            Fez sua Primeira Profissão como irmão leigo em 11 de janeiro de 1908 e sua Profissão Perpétua em 18 de fevereiro de 1911. De acordo com sua promessa a Nossa Senhora, consagrou-se imediata e totalmente ao hospital, cuidando inicialmente da farmácia adjacente após obter o título de “qualificado em farmácia”. Quando o P. Garrone morreu em 1913, toda a responsabilidade pelo hospital recaiu sobre seus ombros. Na verdade, ele se tornou seu vice-diretor, administrador, enfermeiro estimado por todos os doentes e pelos próprios médicos, que gradualmente lhe deram cada vez mais liberdade de ação. Ao longo de sua vida, o hospital foi o lugar onde ele exerceu sua virtude, dia após dia, em um grau heroico.

            Seu serviço não se limitou ao hospital, mas se estendeu a toda a cidade, ou melhor, às duas cidades às margens do rio Negro: Viedma e Patagones. Costumava sair com sua bata branca e sua bolsa com os remédios mais comuns. De um lado, a mão no guidão, do outro, o rosário. Preferia ajudar as famílias pobres, mas nunca se negou a atender também os ricos. Em caso de necessidade, estava sempre pronto em atender a qualquer hora, fosse de dia ou de noite, sem olhar para o tempo. Seu atendimento não se limitava ao centro cidade, os barracos dos subúrbios eram atendidos com o mesmo carinho. Sempre fez tudo de graça; se recebeu alguma coisa, era para o hospital.

            O Beato Artêmides Zatti amava seus doentes de uma forma verdadeiramente comovente, via neles o próprio Jesus. Era sempre obsequioso com os médicos e diretores do hospital. A situação nem sempre foi fácil, tanto por causa do caráter de alguns deles, como por causa das discordâncias que às vezes surgiam entre os gerentes legais e ele. No entanto, conquistou-os a todos com seu equilíbrio e conseguiu resolver até as situações mais delicadas. Somente um profundo autodomínio poderia permitir que ele triunfasse sobre os incômodos e a fácil irregularidade dos horários.

            Artêmides foi uma testemunha edificante de fidelidade à vida comum. Intensamente ocupado com seus muitos compromissos no hospital, ao mesmo tempo era modelo de regularidade na observância religiosa. Era ele quem tocava o sino, quem precedia os irmãos nos atos comunitários. Fiel ao espírito salesiano e ao lema – “trabalho e temperança” – legado por Dom Bosco a seus filhos, exerceu sua prodigiosa atividade, com habitual prontidão de espírito, espírito de sacrifício especialmente durante o serviço noturno, absoluto desapego de qualquer satisfação pessoal, nunca tirando férias ou descansando. Como bom salesiano, soube fazer da alegria um componente de sua santidade. Mostrava-se sempre alegre e sorridente: é assim que o vemos em todas as fotos que chegaram até nós. Era um homem de relações humanas fáceis, com uma visível carga de simpatia, sempre feliz em entreter pessoas humildes. Acima de tudo, era um homem de Deus. Ele o irradiava. Um dos médicos do hospital disse: “Quando vi o Sr. Zatti, minha descrença vacilou”. E outro: “Eu acredito em Deus desde que conheci o Sr. Zatti”.

            Em 1950, o Beato caiu de uma escada. Foi neste acidente que se manifestaram os sintomas de um câncer, que, aliás, ele mesmo lucidamente diagnosticou. Entretanto, continuou a cumprir sua missão por mais um ano, até que, após aceitar heroicamente seus sofrimentos, faleceu em 15 de março de 1951, com plena consciência, cercado pelo carinho e gratidão de uma população que, a partir daquele momento, começou a invocá-lo como um intercessor junto a Deus. Todos os habitantes de Viedma e Patagones compareceram em seu funeral numa procissão sem precedentes.

            A fama de sua santidade espalhou-se rapidamente e sua tumba começou a ser muito venerada. Ainda hoje, quando as pessoas vão ao cemitério para os funerais, sempre passam para visitar o túmulo de Artêmides Zatti. Beatificado por São João Paulo II em 14 de abril de 2002, o Beato Artêmides Zatti foi o primeiro coadjutor salesiano não-mártir a ser elevado às honras dos altares.

MENSAGEM

            A crônica do Colégio Salesiano de Viedma lembra que, segundo o costume, em 15 de março de 1951, pela manhã, o sino anunciou o voo ao céu do irmão Coadjutor Artêmides Zatti com estas palavras proféticas: “Um irmão a menos na casa e mais um santo no céu”.

            A canonização de Artêmides é um dom da graça que o Senhor nos dá através deste irmão coadjutor salesiano, que viveu sua vida no espírito de família típico do carisma salesiano, encarnando a fraternidade para com seus coirmãos e a comunidade, e a proximidade com os pobres e doentes, e com qualquer pessoa que cruzou em seu caminho.

            As etapas e fasaes da vida de Artêmides Zatti: infância e juventude na Itália em Boretto; a emigração da família e a permanência em Bahía Blanca (Argentina); aspirante salesiano em Bernal; a doença e a mudança para Viedma, que seria a casa do seu coração; a formação e a profissão religiosa como coadjutor salesiano; a missão durante 40 anos, primeiro no Hospital San José e depois na Quinta San Isidro; os últimos anos e a morte, tudo isto foi vivido como um encontro com o Senhor da vida, destacando-se nele o exercício heroico das virtudes e a ação purificadora e transformadora do Espírito Santo, autor de toda santidade.

            Santo Artêmides Zatti é um modelo, intercessor e companheiro de vida cristã, próximo a cada um de nós. De fato, sua vida o apresenta como uma pessoa que experimentou a labuta diária da existência com seus sucessos e fracassos. Basta recordar a separação de seu país natal para emigrar para a Argentina; a doença da tuberculose que irrompeu como um furacão em sua jovem existência, despedaçando cada sonho e cada perspectiva de futuro; o hospital que ele havia construído com tantos sacrifícios e que havia se tornado um santuário do amor misericordioso de Deus, demolido. Mas Zatti sempre encontrou no Senhor a força para voltar a se levantar e continuar seu caminho.

            O testemunho de Artêmides Zatti nos ilumina, nos atrai e também nos desafia, porque ele é “Palavra de Deus” encarnada na história e próxima de nós. Ele transformou a vida num dom, trabalhando com generosidade e inteligência, superando dificuldades de todo tipo com sua confiança inabalável na Providência Divina. A lição de fé, esperança e caridade que ele nos deixa, se devidamente conhecida e motivada, deixa-nos um trabalho corajoso de salvaguarda e promoção dos mais autênticos valores humanos e cristãos.

            Na parábola da vida de Artêmides Zatti, destaca-se grandiosamente sua experiência do amor incondicional e gratuito de Deus. Antes de tudo, não há as obras que ele realizou, mas o assombro de descobrir-se amado e a fé neste amor providencial em cada fase de sua vida. É desta certeza vivida que brota a totalidade da entrega ao próximo por amor a Deus. O amor que ele recebe do Senhor é o poder que transforma sua vida, expande seu coração e o predispõe ao amor. É com o amor do Espírito Santo, Espírito de santidade, amor que nos cura e nos transforma, que Artêmides, mesmo quando menino, fez escolhas e realizou atos de amor em cada situação e com cada irmão e irmã que encontra, porque, antes de tudo, ele se sente amado e tem a força para amar:

–           Ainda adolescente na Itália, ele experimenta as dificuldades da pobreza e do trabalho, mas lança as bases para uma vida cristã sólida, dando as primeiras provas de sua generosa caridade;

–           Quando emigrou com sua família para a Argentina, soube preservar e desenvolver sua fé, resistindo a um ambiente muitas vezes imoral e anticristão e amadurecendo, graças ao encontro com os Salesianos e ao acompanhamento espiritual do P. Carlos Cavalli, sua aspiração ao sacerdócio, aceitando retornar aos bancos escolares com meninos de doze anos, ele que já tinha vinte;

–           Ofereceu-se prontamente para ajudar um padre doente com tuberculose, quando também ele contraiu a doença, sem proferir palavra de reclamação ou recriminação, mas vivendo a doença como um momento de julgamento e purificação, suportando suas consequências com fortaleza e serenidade;

–           Curado de maneira extraordinária por intercessão de Maria Auxiliadora, após fazer a promessa de dedicar sua vida aos doentes e aos pobres, aceitou generosamente renunciar ao sacerdócio e dedicou-se com todas as suas forças à sua nova missão como salesiano leigo;

–           Viveu o ritmo ordinário de seus dias de maneira extraordinária: prática fiel e edificante da vida religiosa em alegre fraternidade; serviço sacrificado em todas as horas e com todos os serviços mais humildes aos doentes e pobres; luta contínua contra a pobreza, na busca de recursos e benfeitores para atender às dívidas, confiando exclusivamente na Providência; disponibilidade pronta para todas as desgraças humanas que pediam sua intervenção; resistência a toda dificuldade e aceitação de todo caso adverso; autodomínio e serenidade alegre e otimista que se comunicava a todos que se aproximavam dele.

            Setenta e um anos desta vida diante de Deus e diante dos homens: uma vida entregue com alegria e fidelidade até o fim, testemunhando uma santidade acessível e ao alcance de todos, como ensinaram São Francisco de Sales e Dom Bosco: não um objetivo inalcançável, separado da vida cotidiana, mas encarnado nela, nas enfermarias do hospital, numa bicicleta pelas ruas de Viedma, no trabalho da vida concreta para atender demandas e necessidades de todo tipo, vivendo as coisas cotidianas em espírito de serviço, com amor e sem clamor, sem reivindicar nada, com a alegria de dar, abraçando entusiasticamente a vocação de um leigo salesiano e tornando-se um reflexo brilhante do Senhor.




Voluntariado internacional em Benediktbeuern

Voluntários Dom Bosco: o compromisso dos jovens por um futuro melhor

Há mais de 20 anos, a Inspetoria salesiana alemã de Dom Bosco está envolvida no campo do voluntariado juvenil. Através do programa “Voluntários Dom Bosco”, os Salesianos na Alemanha oferecem anualmente a cerca de 90 jovens uma experiência educativa e de vida nas casas salesianas da Inspetoria e em vários países do mundo.

Para muitos jovens alemães é costume, uma vez terminada a educação escolar, dedicar um ano de suas vidas ao trabalho social. Para muitos deles, o perfil dos Salesianos é uma fonte de inspiração no momento de escolher uma organização para acompanhá-los durante esta experiência.

Apesar da secularização da sociedade alemã e da constante perda de fiéis pela Igreja nos últimos anos, muitos jovens batem à porta dos salesianos com a clara intenção de ajudar o próximo e dar uma pequena contribuição para um mundo melhor. Esses jovens encontram na figura de Dom Bosco uma forma de fé e um exemplo de vida. Nem todos que solicitam admissão ao programa de voluntariado nos escritórios competentes da Inspetoria em Benediktbeuern e Bonn tiveram experiência em grupos de jovens ligados à Igreja, especialmente com os Salesianos durante suas vidas.

Alguns deles não são batizados, mas reconhecem na oferta educacional salesiana uma possibilidade de crescimento pessoal, baseada em valores fundamentais para seu próprio desenvolvimento. É por isso que todos os anos muitos jovens começam uma experiência de voluntariado com o programa “Voluntários Dom Bosco”: durante os fins de uma semana de treinamento, os jovens não só aprendem informações úteis sobre os projetos, mas também se confrontam com o sistema preventivo e a espiritualidade salesiana, preparando-se, assim, para o tempo que colocarão a serviço de outros jovens.

Os voluntários são acompanhados durante sua experiência por uma equipe de coordenadores, que cuidam, não apenas dos aspectos organizacionais, mas sobretudo do apoio antes, durante e depois da experiência de voluntariado. Sim, porque o ano de voluntariado não termina no último dia de serviço na casa anfitriã salesiana, mas continua por toda a vida. Esse ano a serviço de outros representa uma base de valores que tem forte impacto sobre o desenvolvimento futuro dos voluntários. Dom Bosco educou os jovens para torná-los cidadãos justos e bons cristãos: o programa Voluntários Dom Bosco se inspira neste princípio fundamental da pedagogia salesiana e procura criar a base para uma sociedade melhor, na qual os valores cristãos caracterizem mais uma vez nossas vidas.

A Inspetoria alemã oferece oportunidades para que os jovens se encontrem em todos os estágios da experiência de voluntariado: reuniões de orientação, oferta de informação on-line, cursos de treinamento, festas e encontros anuais de intercâmbio de experiências, são todas atividades básicas nas quais o sucesso do programa “Voluntários Dom Bosco” é construído.

Uma equipe de coordenação formada por colaboradores do centro de treinamento juvenil Aktionszentrum Benediktbeuern e do escritório da missão em Bonn, apoiada pelo ecônomo provincial P. Stefan Stöhr e o responsável pela pastoral juvenil P. Johannes Kaufmann, administra e dirige todas as atividades, desenvolvendo o programa em todos os seus componentes.

A experiência de voluntariado começa com a inscrição no programa: os jovens que participam do programa nacional começam seus serviços em setembro e participam de 25 dias de treinamento durante o ano do voluntariado. Para os voluntários que pretendem ir ao exterior, o caminho é um pouco mais longo: após uma reunião de orientação no outono, são feitas seleções e os candidatos recebem informações de ex-voluntários que já participaram do programa no passado.

A fase de treinamento começa nos primeiros meses do ano e inclui um total de 12 dias de preparação, durante os quais os voluntários recebem informações sobre a pedagogia de Dom Bosco, o trabalho dos Salesianos no mundo, temas importantes como a comunicação intercultural e as precauções a serem tomadas em caso de emergência durante a experiência no exterior. Em julho, os voluntários recebem uma bênção e uma medalha Dom Bosco como símbolo de pertencer à Família Salesiana.

A partida dos jovens está prevista para setembro e, no meio do serviço, são oferecidas reuniões de reflexão nas diversas regiões onde os voluntários trabalham, realizadas pela equipe de coordenação da Inspetoria alemã.

A experiência termina com um seminário conclusivo, logo após o retorno do serviço no exterior, no qual são lançadas as bases para um futuro compromisso com a Família Salesiana. Anualmente, são organizadas duas reuniões na Inspetoria para todos que participaram do programa desde o início das atividades, nos anos 90. A equipe de coordenação da Inspetoria cuida de todos os aspectos organizacionais, incluindo: busca de casas salesianas interessadas em colaborar no campo do voluntariado; financiamento de atividades por meio de fundos ministeriais e europeus; apoio no caso de emergências; organização dos aspectos de seguro-saúde dos voluntários; comunicação com as famílias dos voluntários.

Mais de mil jovens já participaram do programa “Voluntários Dom Bosco” na Alemanha e no exterior durante os últimos 25 anos. Em um estudo realizado há alguns meses pelas Inspetorias alemãs, do qual participaram cerca de 180 ex-voluntários, constatou-se que os jovens continuam comprometidos com o trabalho social, mesmo muitos anos após sua experiência como voluntários. Particularmente evidente é o foco dos entrevistados em questões, como injustiça social, racismo, ecologia e desenvolvimento sustentável. Este estudo demonstrou o valor deste programa, não apenas em termos da ajuda imediata que os voluntários podem dar às comunidades anfitriãs durante seu ano de serviço, mas também em termos dos efeitos positivos que podem ser registrados a longo prazo, uma vez que eles tenham concluído seus estudos acadêmicos ou iniciado seu caminho profissional.

Um aspecto importante do programa “Voluntários Dom Bosco” é sua inclusão em programas nacionais e europeus, tais como o “European Solidarity Corps” da Comissão Europeia, os programas nacionais de voluntariado do Ministério da Família e Juventude ou o programa “weltwärts” do Ministério Federal de Cooperação Econômica, para que as ofertas de treinamento dos Salesianos possam ser mais visíveis para as instituições. Os constantes controles de qualidade realizados por associações competentes certificam a eficiência e a transparência da oferta de treinamento do programa “Voluntários Dom Bosco” em uma base semestral.

Um aspecto desses controles de qualidade muitas vezes diz respeito à cooperação entre nossos escritórios competentes e as estruturas anfitriãs na Alemanha e em diferentes países ao redor do mundo. Isto distingue a oferta salesiana de muitas outras agências privadas de voluntariado, que cooperam com várias organizações com os mais variados perfis. Nossos voluntários trabalham exclusivamente em instalações salesianas e estão especialmente preparados para esta experiência de vida.

Não importa se um voluntário é empregado em uma pequena vila no sul da Índia ou em uma metrópole europeia. Há algo que une todos esses jovens e os faz sentir-se em casa durante sua experiência: Dom Bosco, com sua presença nas comunidades anfitriãs, oferece-lhes um ponto de referência na vida diária e lhes dá conforto e proteção nos momentos mais difíceis. É claro que seria muito fácil dizer que uma experiência de voluntariado sempre vai bem ou sem problemas: especialmente a fase de assentamento pode criar vários problemas de integração para os voluntários.

Mas é justamente nessas situações que se pode observar o crescimento dos jovens, que aprendem a conhecer melhor a si mesmos, seus limites e seus recursos. O acompanhamento prestado pelas comunidades anfitriãs salesianas e pelo pessoal dos centros de coordenação inspetoriais alemães pretende transformar até mesmo as fases mais difíceis dessa viagem em oportunidades de reflexão e crescimento pessoal.

Muitos desafios nos esperam no futuro: os últimos dois anos nos mostraram que o mundo está mudando e o medo de que a guerra acabe com a perspectiva de uma sociedade mais justa parece estar crescendo nas novas gerações. O programa “Voluntários Dom Bosco” quer ser um lampejo de luz e uma fonte de esperança, para que nossos jovens possam construir um futuro melhor para nosso planeta mediante seu compromisso.

Francesco BAGIOLINI
Benediktbeuern, Alemanha

Galeria de fotos Voluntariado internacional em Benediktbeuern

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Voluntariado internacional em Benediktbeuern
Voluntariado internacional em Benediktbeuern
Voluntariado internacional em Benediktbeuern
Voluntariado internacional em Benediktbeuern
Voluntariado internacional em Benediktbeuern
Voluntariado internacional em Benediktbeuern





Mensagem do Reitor-Mor. Aquele jovem me disse: “Minha paixão é Cristo”

Fazia muitos anos que eu não ouvia essa expressão de um jovem em um contexto tão descontraído, na presença de todos os seus companheiros que se apinhavam ao nosso redor.

Caros amigos do Boletim Salesiano, “ultrapassamos” o início do ano, como se diz no linguajar marítimo, e enfrentamos o Ano Novo. Cada começo possui algo mágico, e o novo sempre tem seu encanto especial. O ano de 2023 parecia distante, e, no entanto, aqui está. O Ano Novo é cada vez mais uma promessa de que uma boa notícia virá também para nós. O Ano Novo brota da luz e do entusiasmo que nos foram doados no Natal.

«Há um tempo para nascer», diz o Qoelet na Bíblia (cf. Ecl 3,2). Nunca é tarde demais para recomeçar. Deus começa sempre de novo conosco, cumulando-nos com a sua bênção.

Uma lição que aprendi nesses últimos anos: preparar-nos para as surpresas e para o inesperado. Como diz São Paulo em uma carta: “Nunca um coração humano pôde provar o que Deus preparou para os que o amam” (cf. 1Cor 2,9). O conteúdo da esperança cristã é viver abandonado nos braços de Deus. Hoje, mudaram muitas maneiras de viver, de se expressar, de se comunicar. Mas o coração humano, especialmente o dos jovens, é sempre o mesmo, como um rebento na primavera, cheio de vida pronta para irromper. Os jovens “são” a esperança que caminha. O que lhes estou dizendo agora me parece muito apropriado para esta saudação do Boletim Salesiano do mês de janeiro, o “mês de Dom Bosco”.

Há algumas semanas, visitei as presenças salesianas nos Estados Unidos da América (EUA); e um dia, de manhã cedo, cheguei à St Dominic Savio Middle and High School, em Los Angeles. Passei várias horas com centenas de alunos, seguidas de um painel de discussão com quarenta e cinco jovens da escola secundária. Falamos de seus planos e sonhos pessoais. Foi uma hora muito agradável e enriquecedora.

No final da manhã, partilhei um sanduíche com os jovens no pátio. Eu estava sentado em uma mesa de madeira no pátio, com meu sanduíche e uma garrafa de água. Quatro outros salesianos estavam comigo naquele momento; eu tinha cumprimentado muitos jovens, alguns sentados às mesas, outros de pé. Foi um almoço alegre. Em minha mesa havia dois assentos vazios, e em certo momento dois jovens se aproximaram e se sentaram conosco. Naturalmente, comecei a conversar com eles. Depois de alguns minutos, um dos jovens me disse: “Quero fazer-lhe uma pergunta”. “É claro, diga”.

O jovem disse: “O que tenho que fazer para ser Papa? Eu quero ser Papa”.

Fiquei surpreso, mas sorri. Respondi que nunca me haviam feito tal pergunta e que fiquei surpreso com sua clareza e determinação. Espontaneamente tentei explicar-lhe que entre tantos milhões de católicos há muita concorrência e que não é tão fácil ser eleito Papa.

Reitor-Mor no Centro Juvenil da Família Salesiana localizado em Boyle Heights, leste de Los Angeles, EUA, novembro de 2022

Eu lhe propus: “Escute, você poderia começar se tornando salesiano”.

O jovem disse sorridente: “Bem, não estou dizendo não” e acrescentou, muito seriamente: “porque o que é certo é que minha paixão é Cristo”. Devo dizer que fiquei impressionado e agradavelmente surpreso. Creio que já faz muitos anos que eu não ouvia essa expressão de um jovem em um contexto tão descontraído, na presença de todos os seus companheiros, que agora se apinhavam ao nosso redor.

O jovem tinha um sorriso genuíno em seu rosto e eu lhe disse que gostava muito de sua resposta, porque entendi que era absolutamente sincera. Acrescentei que, se ele concordasse, gostaria de contar nosso diálogo em outro momento e em outro lugar, e assim estou fazendo.

Mas já naquele momento meus pensamentos haviam voado para Dom Bosco. Certamente Dom Bosco teria apreciado um diálogo com um jovem como este. Não há dúvida de que em muitos diálogos que ele manteve com Sávio, Besucco, Magone, Rua, Cagliero, Francesia e muitos outros houve muito disso, o desejo desses jovens de fazer algo de belo com suas vidas.

E pensei como é importante hoje, 163 anos depois do início da Congregação Salesiana, continuar acreditando profundamente que os jovens são bons, que têm tantas sementes de bondade no coração, que têm sonhos e projetos que muitas vezes trazem consigo tanta generosidade e doação.

Como é importante continuar acreditando que é Deus quem age no coração de cada um de nós, de cada um de seus filhos e filhas.

Parece-me que hoje, em nosso tempo, corremos o risco de nos tornarmos tão práticos e eficientes em olhar tudo o que nos acontece e o que experimentamos que corremos o risco de perder a capacidade de surpreender-nos a nós mesmos e aos outros e, mais preocupantemente, de não nos deixarmos “surpreender por Deus”.

A esperança é como um vulcão dentro de nós, como uma fonte secreta que jorra em nossos corações, como uma fonte que irrompe no fundo de nossas almas: envolve-nos como um vórtice divino no qual estamos inseridos, pela graça de Deus. Penso que, como ontem com Dom Bosco, hoje há milhares e milhares de jovens que querem ver Jesus, que precisam fazer amizade com ele, que procuram alguém que os acompanhe nessa bela viagem.

Convido-os a juntarem-se a eles, caros amigos do Boletim, e desejo que tenham tempo para se maravilhar e tempo para confiar, tempo para olhar para as estrelas, tempo para crescer e amadurecer, tempo para ter esperança novamente e para amar. Desejo que vocês tenham tempo para viver cada dia, cada hora, como um presente. Desejo-lhes também tempo para perdoar, tempo para doar-se aos outros e muito tempo para rezar, sonhar e ser feliz.




In memoriam. P. Davi FACCHINELLO, sdb

Uma vida pelos outros: P. Davi FACCHINELLO, sdb

            Nascido na cidade milenar de Treviso em 21 de maio de 1974, o P. Davi Facchinello foi batizado na igreja paroquial de Loria (Treviso) onde sua família vivia. Frequentou a escola obrigatória em seu local de nascimento e continuou como estagiário na escola gráfica de dois anos do Instituto São Jorge em Veneza, onde conheceu os Salesianos. Começou uma experiência na Comunidade Salesiana de Propostas em Mogliano Veneto, continuando seus estudos de design gráfico em Noventa Padovana, onde recebeu suas qualificações. Esta experiência o levou a conhecer as atividades do oratório paroquial em Mogliano, animação de verão e grupos de formação, que se tornariam catalisadores de sua resposta a um chamado divino, entrando no noviciado em 1993.
            Seu primeiro destino pastoral foi na casa de Mogliano Veneto Astori, com o cargo de catequista do ensino médio, onde permaneceu até 2011. Então recebeu um novo destino para a casa de Este, com a função de vigário da comunidade e animador pastoral entre os estudantes do Centro de Formação Profissional. Em seu coração nasceu o desejo de ter uma experiência pastoral em terras de missão, e se colocou à disposição da Congregação Salesiana para este fim. Apenas seus superiores indicaram o Peru como seu destino, imediatamente começou a estudar a língua espanhola, língua que continuou a aprofundar na realidade da missão, ao mesmo tempo em que imergiu na cultura local.

            Desde sua chegada ao Peru em 2017, após um período de hospedagem, foi enviado à comunidade missionária de Monte Salvado, na região de Cusco. Lá começou como vigário paroquial da Paróquia Maria Auxiliadora de Quebrada Honda, no Vale do Yanatile, na densidade da floresta, onde os salesianos acompanham as missões andinas. Após quase dois anos, foi nomeado pároco no dia 12 de abril de 2019.
            Assim que chegou, dedicou-se a conhecer o povo e se colocar a serviço pastoral, sendo fiel às instruções da Arquidiocese de Cusco e em colaboração com a comunidade local. Sendo uma paróquia missionária, visitava periodicamente todas as setenta e três comunidades, viajava para as aldeias mais remotas e chegava às casas mais humildes e distantes de uma vasta região. Ansioso para se aproximar ainda mais das almas que ele servia, começou a aprender a língua quíchua.
            Iniciou projetos de assistência e promoção, tais como a cantina paroquial e um amplo programa de assistência psicológica e, como bom salesiano, deu impulso a muitos oratórios nas diversas aldeias. Desenvolveu intensamente a renovação da catequese na linha da Iniciação à Vida Cristã, em profunda harmonia com o Projeto Educacional-Pastoral da Inspetoria. Seu compromisso com a Igreja local foi tão grande que foi nomeado decano da região pelo arcebispo de Cuzco. Entre os testemunhos do povo, destaca-se o cuidado especial que ele teve com algumas pessoas (os mais pobres dos pobres), que Davi acompanhava e promovia de forma especial e muito discreta.

            Os testemunhos recebidos confirmam que ele foi gentil e atento aos irmãos da comunidade, um religioso exemplar e um apóstolo laborioso e comprometido. Desde o primeiro momento, conquistou o coração de todos com sua bondade e alegria serena; conseguiu conquistar a estima e a confiança de todos: companheiros, colegas de trabalho, paroquianos e jovens, graças a seu otimismo, bom senso, prudência e disponibilidade.
            Além de todo esse trabalho apostólico, Davi era um irmão muito amado: adorava estar na comunidade salesiana, os irmãos apreciavam seu bom humor e sua capacidade de criar laços estreitos.

            Os jovens do Monte Salvado (a escola para jovens da selva que frequentam a comunidade missionária salesiana) o amavam muito, apreciavam o fato de que ele estava feliz por passar tempo com eles durante o intervalo, e ficaram impressionados com seu entusiasmo quando ensinava catequese: era um verdadeiro sacramento da presença salesiana.
            Sua viagem terrestre terminou ali: após compartilhar a festa da Mãe Auxiliadora com a comunidade paroquial em 24 de maio de 2022, na viagem de volta, partiu para o céu após um acidente de carro por volta da meia-noite. Sua última celebração a Nossa Senhora o terá acompanhado ao Paraíso.
            Dois traços fundamentais que Dom Bosco viu em São Francisco de Sales – caridade apostólica e bondade amorosa – são aqueles que ele mais encarnou. É quase um reflexo do que um de seus compatriotas, o P. Antônio Cojazzi, dizia: “Cara alegre, coração na mão, lá vai o salesiano”.

            Esperamos que, do céu, ele nos obtenha muitas e santas vocações para acompanhar os jovens em sua jornada terrena. Enquanto isso, vamos rezar por ele.
            Senhor, concedei-lhe descanso eterno, e que a luz perpétua brilhe sobre ele. Que descanse em paz!


Vídeo comemorativo




São Francisco de Sales. Vida (1/8)

São Francisco de Sales. Vida (1/8)

1. Os Primeiros Anos
Francisco nasceu no castelo da família em Thorens (a cerca de 20 km de Annecy). Ele nasceu de sete meses e “foi um milagre que, num parto tão perigoso, sua mãe não tenha perdido sua vida”. Ele é o filho mais velho seguido por sete irmãos e irmãs. A mãe, Francisca de Sionnaz, tinha apenas 15 anos, enquanto o pai, Sr. de Boisy, tinha 43! Naqueles tempos, o casamento, nas classes nobres, era uma oportunidade de subir a escada social (para juntar títulos nobres, terras, castelos…). O resto, incluindo o amor, vinha mais tarde!

                                 Igreja de São Maurício de Thorens, França

Ele foi batizado na pequena igreja de São Maurício em Thorens. Anos mais tarde, Francisco escolheu aquela humilde igrejinha para a sua ordenação episcopal (8 de dezembro de 1602).
Os primeiros anos de Francisco são passados com seus três primos no mesmo castelo: com eles ele brinca, diverte-se e contempla a bela natureza que o cerca e que para ele se torna o grande livro do qual extrairá mil exemplos para seus livros. A educação que recebe de seus pais é claramente católica. “É preciso pensar sempre em Deus e ser um homem de Deus” repetia seu pai e Francisco guardará este conselho como um tesouro. Os pais frequentam assiduamente a paróquia e tratam os empregados com justiça e sabem como fazer generosa caridade quando necessário. As primeiras memórias de Francisco não são apenas da beleza dessa natureza maravilhosa, mas também dos espetáculos de destruição e morte causados pelas guerras fratricidas em nome do Evangelho.

Chegou a hora de Francisco ir para a escola: saiu de casa e foi para o internato primeiro em La Roche por cerca de dois anos e depois por três em Annecy, na companhia de seus primos. Esse tempo é marcado por alguns fatos importantes:
– ele recebe sua Primeira Comunhão e a Confirmação na igreja de São Domingos (atual Igreja de São Maurício) e, a partir de então, receberá a comunhão com frequência.
– inscreve-se na confraria do Rosário e a partir daí passou a ter o hábito de recitá-lo todos os dias.
– pede para receber a tonsura: seu pai lhe concedeu permissão, já que esta etapa não implicava o início da carreira eclesiástica.
Francisco era um garoto normal, estudioso, obediente e com um traço característico: “nunca foi visto zombar de ninguém”.
A essa altura, a Saboia já lhe havia ensinado tudo o que podia. Assim, em 1578, Francisco, com seus inseparáveis primos e sob o olhar atento do preceptor Déage, vai para Paris, onde permanecerá por dez anos, aluno do colégio Clermont, dirigido pelos jesuítas.

2. Os dez anos que contam: 1578-1588
O horário do Colégio é rigoroso e as prescrições religiosas também são exigentes. Durante esses anos Francisco estuda latim, grego, hebraico, familiariza-se com os clássicos e aperfeiçoa seu francês. Ele tem excelentes professores.
Em seu tempo livre, frequenta círculos de alto nível, tem livre acesso à Corte, destaca-se nas artes da nobreza e faz alguns cursos de teologia na Sorbonne. Escuta, em particular, o Comentário do Padre Génébrard sobre o Cântico dos Cânticos e fica atônito: descobre na alegoria do amor de um homem por uma mulher a paixão de Deus pela humanidade. Sente-se amado por Deus! Mas ao mesmo tempo amadurece em sua mente a ideia de ser excluído deste amor. Sente-se condenado! Entra em crise e durante seis semanas não dorme, não come, chora, cai doente. Sai desse estado entregando-se a Nossa Senhora na igreja de St. Etienne des Grès com o ato de heroico abandono à misericórdia e bondade de Deus. Reza uma Salve Rainha e a tentação desaparece.
Enfim, tendo terminado seus exames finais, ele poderia deixar Paris, não sem desprazer. Que alegria para Francisco voltar para casa e abraçar novamente seus pais, seus irmãos e irmãs mais novos que, nesse tempo, chegaram para animar a família.
Tudo isso por apenas alguns meses, porque precisou partir novamente para completar “o sonho do papai”: tornar-se grande no campo do direito.

3. Os anos de Pádua: 1588-1591

Estes são os anos decisivos para Francisco em nível humano, cultural e espiritual.
Pádua é a capital da Renascença italiana com milhares de estudantes vindos de toda a Europa: na universidade há os professores mais famosos, os melhores espíritos da época.
Aqui Francisco estudou direito e ao mesmo tempo aprofundou sua teologia, leu os Padres da Igreja e se colocou nas mãos de um sábio diretor espiritual, o jesuíta P. Possevino. Provavelmente devido a uma febre tifoide, ele foi reduzido a fim de vida; recebeu os sacramentos e fez um testamento: “Meu corpo, quando eu expirar, dai-o aos estudantes de medicina”. Tal era o fervor pelo estudo e a sede pelo conhecimento do corpo humano que os estudantes de medicina, com falta de cadáveres, iam ao cemitério para desenterrá-los!
Este testamento de Francesco é importante porque fala da sensibilidade, que ele conservará pelo resto de sua vida, em relação à cultura e às inovações científicas típicas da Renascença.
Ele se recuperou, concluiu brilhantemente seus estudos em 5 de setembro de 1591 e deixou Pádua “graduado com plenos votos em utroque” (direito civil e eclesiástico). Seu pai está orgulhoso dele.

4. Voltado ao sacerdócio: 1593
No coração de Francisco há outros sonhos, muito distantes daqueles de seu pai, mas como contar-lhe? O Senhor de Boisy depositou todas as suas esperanças em Francisco!
Foi nomeado diretor da Catedral de Annecy. Com a força deste título honorário, encontra-se com seu pai para informá-lo da sua intenção de se tornar padre. Foi um confronto duríssimo e compreensível.
“Eu pensava e esperava que fosses o bastão da minha velhice e o apoio da família… Eu não compartilho de suas intenções, mas não lhe nego minha bênção”, concluiu o pai.
O caminho para o sacerdócio estava aberto: em poucos meses, Francisco recebeu as ordens menores, o subdiaconato, o diaconato e enfim, em 18 de dezembro, a ordenação sacerdotal. Preparou-se três dias para celebrar sua primeira missa em 21 de dezembro.
Alguns dias depois do Natal, Francisco de Sales pôde ser oficialmente ‘empossado’ como diretor da catedral e nessa ocasião fez um de seus discursos mais famosos, uma verdadeira alocução. Já se pode sentir o ardor e o zelo do pastor, em sintonia com o que o Concílio de Trento indicara como caminho para a reforma.

5. Missionário no Chablais: 1594-1598
O Chablais é o território que se limita ao Lago de Genebra. Os sacerdotes desta área de Saboia haviam sido expulsos pelos calvinistas de Genebra e as igrejas estavam sem pastores. Agora, porém, em 1594, o Duque Carlos Emanuel havia reconquistado essas terras e instou o bispo de Annecy a enviar novos missionários. A proposta foi redirecionada ao clero, mas ninguém teve coragem de ir para terras tão hostis, arriscando suas vidas. Somente Francisco se declarou disposto e em 14 de setembro, com seu primo Luís, partiu para esta missão.
Estabeleceu-se no castelo dos Allinges, onde o Barão Hermanance cuida de sua segurança. Assim, todas as manhãs, após a missa, ele desce em busca dos Senhores de Thonon. Aos domingos, prega na igreja de Santo Hipólito, mas os fiéis são poucos em número.

                                 Capela do Château des Allinges, França

Então, ele decide escrever e mandar imprimir seus sermões: coloca-os em lugares públicos e os desliza sob a porta de católicos e protestantes.
Seu modelo é Jesus pelas ruas da Palestina: inspira-se na sua doçura e bondade, na franqueza e sinceridade. Não faltou hostilidade e fechamentos, mas também vieram “as primeiras espigas”, as primeiras conversões.
Era severo e inflexível com o erro e aqueles que espalhavam a heresia, mas de paciência ilimitada para com todos aqueles que considerava vítimas das teorias dos hereges.
“Gosto da pregação que depende mais do amor ao próximo do que da indignação, mesmo dos Huguenotes, que devemos tratar com muita compaixão, não os lisonjeando, mas deplorando-os”. O espírito salesiano parece estar concentrado nesta expressão de Francisco: “A verdade que não é caridosa brota de uma caridade que não é verdadeira”.
Deste período extraordinário pelo zelo, bondade e coragem de Francisco, a iniciativa de celebrar as três Missas de Natal na igreja de Santo Hipólito, em 1596, ainda deve ser lembrada.
Mas a iniciativa que mais contribuiu para desmantelar a heresia do território do Chablais foi a das Santas Quarenta Horas, promovidas e animadas por um novo colaborador de Francisco, o padre Cherubino della Maurienne. Em 1597, foram celebradas em Annemasse, na periferia de Genebra.
No ano seguinte, as Santas Quarenta Horas foram realizadas em Thonon (início de outubro de 1598).
No final do ano, Francisco precisou deixar a “missão” e ir a Roma para lidar com vários problemas da diocese.
Em Roma, ele fez amigos importantes (Bellarmino, Baronio, Ancina…) e conheceu os padres do Oratório de São Filipe Neri e se apaixonou pelo espírito deles.
Retorna a Annecy via Loreto, depois foi de navio até Veneza; parou em Bolonha e Turim onde discutiu com o Duque o quanto o Papa havia concedido às paróquias da diocese.
Em 1602, foi novamente a Paris para tratar com o núncio e o rei sobre delicadas questões diplomáticas relativas à diocese e às relações com os calvinistas. Ali permaneceu nove longos meses e voltou para casa com uma mão-cheia de moscas. Se este é o resultado diplomático, muito rico e importante é o lucro espiritual e humano que ele soube tirar disso.
Decisivo para a vida de Francisco é o seu encontro com o famoso “Círculo da Senhora Acarie“: é uma espécie de cenáculo espiritual onde são lidas as obras de Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz e graças a este movimento espiritual, a reformada Ordem Carmelita será introduzida na França.
No caminho de volta, Francisco recebe a notícia da morte de seu amado bispo.

6. Francisco, bispo de Genebra: 1602-1622
Em 8 de dezembro de 1602, na pequena igreja de Thorens, Francisco foi ordenado bispo e permaneceu à frente de sua diocese por vinte anos. “Naquele dia Deus tirou-me de mim mesmo para tomar-me para si e assim entregar-me ao povo, o que significa que Ele me transformou do que eu era para mim no que eu deveria ser para eles”.
Desse período, destaco três aspectos importantes:

6.1. Francisco pastor
Brilha nestes anos o seu zelo nas palavras: “Da mihi animas”, que se tornam o seu programa.
“O padre é tudo para Deus e tudo para o povo”, repetia ele, e ele era o modelo, por primeiro!
Os problemas da diocese são muitos e muito graves: referem-se ao clero, aos mosteiros, à formação dos futuros ministros, ao seminário inexistente, à catequese, à falta de recursos econômicos.
Francisco começa logo a visitar as mais de quatrocentas paróquias, uma visita que durou cinco ou seis anos: falou com os padres, consolou, encorajou, resolveu os problemas mais espinhosos, pregou, administrou o sacramento da Confirmação aos jovens ou aos futuros esposos, celebrou matrimônios…
Para compensar a ignorância do clero, dá aulas de teologia em sua casa, reúne todos os anos os seus padres em um Sínodo, prega… “Durante alguns anos ele ensina aos seus cônegos em Annecy muitos temas de natureza teológica e lhes dava as aulas em latim.
Eram muitos os que aspiravam à vida religiosa ou ao sacerdócio: não eram as vocações que faltavam. Muitas vezes faltava a vocação!
Ele escreveu um opúsculo Avisos aos Confessores, uma joia de zelo pastoral onde se entrelaçam doutrina, experiência pessoal, conselhos…
Visita os numerosos mosteiros da diocese: fechou alguns, em outros transferiu o pessoal, fundou alguns deles.
Lutará até o fim para ter um seminário: havia falta de fundos devido ao egoísmo dos Cavalheiros de São Lázaro e São Maurício, que retinham as receitas devidas à diocese.
A característica dominante em Francisco pastor é sua capacidade de acompanhar as pessoas.
“É cansativo guiar as almas individualmente, mas um cansaço que faz sentir tão leves como o dos ceifeiros e colhedores, que nunca estão tão felizes como quando têm muito trabalho e muito para carregar”.
Características desta educação individualizada
Riqueza da humanidade: “Penso que não há almas no mundo que amem mais cordialmente e com mais ternura e, para dizer livremente, mais amorosamente do que eu, porque agradou a Deus fazer assim o meu coração”.
Pai e irmão: ele pode ser muito exigente, mas sempre com gentileza e serenidade. Não baixa a aposta: basta ler a primeira parte da Filoteia para tomar ciência disso.
Prudência e concretude: “Usai de muita atenção durante esta gravidez… se vos cansais de ficar ajoelhada, ficai sentada e se não tiverdes a atenção suficiente para rezar por meia hora, rezai apenas por um quarto de hora…” (Madame de la Fléchère)
Sentido de Deus: “É preciso fazer tudo por amor e nada por força; é preciso amar a obediência mais do que temer a desobediência”. “Deus seja o Deus do vosso coração”.
Francisco foi definido como a cópia mais verdadeira de Jesus na terra (S. Vicente de Paulo)

6.2 Francisco escritor
Apesar dos compromissos ligados ao fato de ser bispo, Francisco encontra tempo para dedicar-se a escrever. O quê? Milhares de cartas às pessoas que pedem a sua orientação espiritual, aos mosteiros da Visitação de recente fundação, a personagens proeminentes da nobreza ou da Igreja para tentar resolver problemas, aos familiares e amigos.
Em 1608, foi publicada a Introdução à Vida Devota: é o escrito mais conhecido de Francisco.
“É no caráter, no gênio, mas sobretudo no coração de Francisco de Sales que devemos buscar a verdadeira origem e a preparação remota da Introdução à Vita Devota ou Filoteia“: assim escreve na introdução à edição crítica de Annecy o P. Machey, que dedicou a vida ao estudo das obras do Santo. O prefácio traz a data de 8 de agosto de 1608.
Este livro recebeu uma entusiasmada acolhida.
A Joana Francisca de Chantal fala deste livro como “um livro ditado pelo Espírito Santo”. Em seus 400 anos de vida, o livro já teve mais de 1.300 edições com milhões de exemplares, traduzidos para todos os idiomas do mundo.
Quatro séculos mais tarde, estas páginas ainda mantêm seu encanto e relevância.

Em 1616, apareceu outro dos escritos de Francisco: O Tratado fo Amor de Deus, sua obra-prima, escrito para aqueles que querem apontar para as alturas! Ele os guia com sabedoria e experiência para viver o abandono total à vontade de Deus… até o ponto “onde os amantes se encontram”, ou seja, até o Calvário. Somente os santos sabem como guiar à santidade.

6.3 Francisco fundador
Em 1604, Francisco foi a Dijon para pregar a Quaresma, convidado pelo arcebispo de Bourges, André Fremyot. Desde os primeiros dias, ele ficou impressionado com a atenção e o comportamento devoto de uma senhora presente. Era a Baronesa Joana Francisca Fremyot, irmã do arcebispo.
Desde 1604, ano do encontro de Joana com Francisco, até 1610, data da entrada de Joana no noviciado de Annecy, os dois santos se encontraram quatro ou cinco vezes, cada vez durante uma semana ou uma dezena de dias. As reuniões são animadas pela presença de várias pessoas da família (a mãe, a irmã de Francisco) ou amigas (a Sra. Brulart, a abadessa de Puy d’Orbe…).
Joana gostaria de acelerar as coisas, mas Francisco procede com prudência.
Pouco a pouco os vários nós vão se soltando, chega o consenso, crescem a serenidade e a paz e isso permite que os problemas sejam melhor resolvidos.
Deus tomou posse do seu coração e a fez uma mulher pronta para dar a vida por Ele. Seu sonho longamente acalentado tornou-se realidade em 6 de junho de 1610: um dia histórico! Joana e suas duas amigas (Giacomina Favre e Carlotta de Bréchard) entraram numa pequena casa, “la Galerie“, e iniciaram o ano de noviciado.
Em 6 de junho do ano seguinte, as três primeiras profissões foram feitas nas mãos de Francisco. Enquanto isso, outras jovens e mulheres pediram para serem recebidas. Assim começou a família religiosa inspirada na Visitação de Maria.
A expansão da nova Ordem tem algo prodigioso. Alguns números: de 1611 (ano da fundação) a 1622 (ano da morte de Francisco) houve treze fundações: Annecy, Lyon, Moulins, Grenoble, Bourges, Paris…. Por ocasião da morte de Joana em 1641, serão 87 os mosteiros com uma média além de 3 por ano! Entre eles também dois no Piemonte: em Turim e Pinerolo!

7. Últimos anos
Francisco teve que fazer duas vezes o caminho para Paris nos últimos anos de sua vida: viagens importantes no plano diplomático e espiritual, viagens difíceis para ele que estava cansado e arruinado na saúde.
A fama de santidade de Francisco é conhecida em Paris, a ponto de o Cardeal Henri de Gondi pensar nele como seu sucessor e lhe fez a proposta. A simpática resposta de Francisco é observada: “Desposei uma mulher pobre (a diocese de Annecy); não posso divorciar-me para casar com uma rica (a diocese de Paris)”!
No último ano de sua vida, ele empreendeu outra viagem a Pinerolo, Piemonte, a pedido do Papa para restaurar a paz em um mosteiro de Foglianti (cistercienses reformados) que não conseguia chegar a um acordo sobre o superior geral. Francisco conseguiu conciliar mentes e corações com satisfação unânime.
Outra ordem do Duque exigiu que Francisco acompanhasse o Cardeal Maurice de Saboia a Avignon para se encontrar com o Rei Luís XIII.
Ao retornar, ele deteve-se em Lyon no Mosteiro das Visitandinas. Aqui encontra-se com Joana de Chantal pela última vez. Está esgotado, mas ainda prega até o fim, que chega em 28 de dezembro de 1622.
Francisco morreu com um sonho: aposentar-se dos assuntos da diocese e passar os últimos anos de sua vida no tranquilo Mosteiro de Talloires, às margens do lago, escrevendo seu último livro, Tratado do Amor do Próximo e recitando o Rosário. Estamos certos de que ele já escrevera o livro com o exemplo da sua vida; quanto à récita do Rosário, agora não lhe faltam nem o tempo nem a tranquilidade.

(continua)







Missionário na Amazônia

Ser missionário na Amazônia é deixar-se evangelizar pela floresta

A beleza do povo indígena do Rio Negro conquista os corações e faz com que o próprio coração mude, se dilate, se surpreenda e se identifique com essa terra, a ponto de ser impossível esquecer-se da “querida Amazônia”! Esta é a experiência de Leonardo, um jovem salesiano no coração da Amazônia.

Como surgiu no seu coração a ideia ser missionário?
Durante muitos anos este desejo amadureceu dentro de mim ao ouvir os relatos de missionários salesianos, seus testemunhos de portadores do amor de Deus ao mundo. Sempre admirei esses irmãos, que, experimentando o amor divino em suas vidas, não podiam ficar calados; antes, sentiam-se impelidos a anunciá-lo aos outros, a fim de que também eles provassem quanto são amados por Deus. Foi assim que pedi para fazer uma experiência nas missões salesianas da Amazônia entre os povos indígenas. Em 2021 passei, então, a viver e trabalhar como “tirocinante” na comunidade missionária de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas: foi uma verdadeira “escola missionária”, repleta de novas descobertas e experiências, de desafios nunca pensados, enfrentando realidades até então totalmente desconhecidas.

Quais foram suas primeiras impressões ao chegar a uma terra desconhecida?
Desde o primeiro momento em que olhei pela janelinha do avião e vi aquela imensidão de floresta e vários rios “caiu a ficha” em minha mente: realmente estou na Amazônia! Assim como sempre vi na TV, a região amazônica é de uma beleza exuberante, com paisagens naturais belíssimas, verdadeiras obras-primas de Deus Criador. Outra primeira impressão muito bonita é ver tantos irmãos e irmãs indígenas, com características físicas tão marcantes, como a cor da pele, os olhos brilhantes e os cabelos pretos. Ver a diversidade e riqueza cultural da Amazônia é fazer memória viva da nossa história, lembrar a nossa origem como Brasil e compreender melhor quem somos enquanto povo.

 

E por que a escolha da Amazônia? O que ela tem de particular para você?
A Igreja, incluindo nossa Congregação Salesiana, é essencialmente missionária. Porém, na região Norte isso ganha ainda mais intensidade, porque os territórios são imensos; os acessos, geralmente pelo rio, são difíceis e caros; a diversidade cultural e linguística é vasta e há uma enorme carência de padres, religiosos e religiosas e outras lideranças que possam levar adiante a evangelização e a presença da Igreja nessas terras. Por isso, existe muito trabalho e trabalho “pesado”, exigente… Não é apenas serviço de visitas, pregações, celebração dos Sacramentos, como pode se pensar da vida missionária, mas, é partilhar da vida e dos trabalhos do povo, carregar peso, sentir na própria pele a carência, a exclusão e o abandono do povo por parte dos políticos; ficar horas na estrada ou no rio; sentir as picadas dos insetos; comer a comida do povo simples, “temperada” com os temperos do amor, da partilha e da acolhida; escutar as histórias dos mais velhos, muitas vezes com palavras e expressões que não conhecemos bem; sujar os pés e as roupas de lama, desatolar carro; ficar sem internet e, às vezes, até sem energia elétrica… Tudo isso está envolvido com a vida salesiana missionária na Amazônia!

Conte algo mais da obra salesiana onde você morou… O que fazem os Salesianos em favor dos jovens da região?
Uma das finalidades de nossa comunidade salesiana em São Gabriel é o Oratório e a Obra social: é o pátio salesiano, nosso trabalho direto com a juventude “gabrielense” que, diariamente, frequenta nosso Oratório e encontra em nossa casa um espaço para brincar, se divertir e conviver de maneira saudável com seus amigos e colegas. Os jovens daqui amam o esporte, especialmente a paixão nacional que é o futebol. Como a cidade não oferece muitas opções de lazer e esporte, a garotada se faz presente em nossa obra durante todo o tempo que estamos em funcionamento e reclamam muito quando chega o horário de encerrar as atividades do dia. Uma média de 150 a 200 jovens passam por nossa obra diariamente. Além disso, o Centro Missionário Salesiano oferece cursos para os adolescentes e jovens, como informática e padaria.

E se algum jovem, conhecendo a vocês, e gostando do carisma expressa o desejo de ser salesiano, ele tem como se formar?
Sim, já a alguns anos funciona também em nossa comunidade o “Centro de Formação indígena” (CFI), que visa acompanhar e acolher os jovens indígenas de todas nossas comunidades missionárias, que desejam fazer um acompanhamento vocacional e serem ajudados na elaboração de um Projeto de Vida. Esse acompanhamento constitui o Aspirantado Indígena da Inspetoria Salesiana Missionária da Amazônia (ISMA). Além de oferecer esse itinerário formativo, o CFI oferece aulas de língua portuguesa, Salesianidade, cursos de informática e padaria, acompanhamento espiritual e psicológico e gradual inserção na vida salesiana. Realmente é uma experiência muito valorizada por eles, já que são os primeiros passos no caminho formativo e é feito no seu ambiente, com seu povo, com o carinho e proximidade dos salesianos e dos leigos animadores.

Você falou que existem outras comunidades missionárias além de São Gabriel? Como é isso? Como funciona o trabalho missionário no Rio Negro?
A nossa comunidade de São Gabriel, por ter mais conexões e serviços, é a base e aquela que cuida a vinculação e a logística com as nossas missões que ficam mais no interior, especialmente Maturacá (com o povo Yanomami) e Iauaretê (no “triângulo tukano”). Nessas realidades missionárias, não existe comércio formal e, quando há, os preços são extremamente elevados. Sendo assim, toda a compra de alimentos, produtos de higiene, materiais para reparos e combustível para as embarcações usadas nas “itinerâncias” (visitas pastorais às comunidades ribeirinhas) e para a produção de energia elétrica via gerador, são realizadas em São Gabriel e, depois, enviadas por nós, via transporte fluvial, até essas localidades. Trata-se de um trabalho braçal bastante intenso, porque temos que comprar e, depois, carregar muito peso até as embarcações que vão levar esses produtos para os nossos irmãos viverem e trabalharem nas outras missões. Carregamos sacos de alimento, caixas de isopor com carnes e vários “carotes” (vasilhames de plástico para transporte de líquidos) de 50L de combustível cada. Além disso, nossa casa tem vários quartos, sempre disponíveis e preparados para hospedar os irmãos missionários que estão de passagem por São Gabriel, seja indo ou voltando das demais missões. É um verdadeiro trabalho de assistência e em rede.

E dessas “itinerâncias” pelos rios, lembra de alguma experiência mais forte?
Sim, claro, em relação às “itinerâncias”, uma experiência que me marcou profundamente, foi a itinerância em Maturacá. Vivemos dias de profunda experiência do encontro com Deus mediante o encontro com o outro, com o diferente de nós, com o nosso próximo, porque fizemos a visita pastoral, conhecida como itinerância, às comunidades do povo Yanomami.

Visitamos, além da sede da Missão salesiana, em Maturacá, mais seis comunidades (Nazaré, Cachoeirinha, Aiari, Maiá, Marvim e Inambú). Foram dias intensos e bastante desafiadores. Primeiro porque cada comunidade está bem distante uma da outra e o acesso só é possível através dos rios da nossa querida Amazônia, percorridos num bote com motor (chamado de “voadeira”), debaixo de sol forte ou chuva intensa. Segundo, são comunidades Yanomami tradicionais, então, o choque cultura é inevitável, pois são hábitos, costumes e modos de vida completamente diferentes de nós, não-indígenas. Terceiro, tem os desafios práticos, como a falta de energia elétrica 24h, nenhum sinal telefônico, pouca oferta e variedade de comida, banhar-se e lavar roupas no rio, conviver com os insetos e outros animais da floresta… Um verdadeiro “mergulho” antropológico e espiritual. Celebramos a Eucaristia em todas as comunidades e vários batizados em algumas delas, fizemos visitas às famílias e oratório com as crianças. É uma experiência fantástica de encontro, dias especiais, dias de gratidão, dias de retorno ao mais essencial da nossa fé e da nossa Espiritualidade Juvenil Salesiana: o amor por Jesus, fruto do nosso encontro pessoal com Ele, e o amor pelo próximo, que se manifesta no desejo de estar com ele e se fazer amigo dele.

Essa “itinerância” marcante, sem dúvida deixou muita aprendizagem para sua vida, não é?
A itinerância é uma verdadeira “escola” e nos dá lições de vida: despojamento, porque quanto mais “coisas” vamos acumulando mais “pesada” se torna a caminhada; viver o presente, porque no meio da Amazônia, sem acesso a meios de informação, o único contato é com a realidade atual, aquela que está ao redor, a floresta, o rio, o céu, o bote; gratuidade, porque enfrentamos dificuldades e cansaços sem esperar gestos de gratidão humana. Enfim, a itinerância geográfica nos leva para uma “itinerância interior”, para uma conversão, um retorno ao essencial da vida e da fé. Navegar pelos rios da Amazônia é navegar para rios interiores.  Estar nas missões é ser constantemente provocado a libertar-se de ideias pré-concebidas e rígidas para ser mais livre para amar e acolher o outro e lhe anunciar a alegria do Evangelho.

Uma lição muito especial que aprendo todos os dias nas missões é que, para ser um bom missionário devo ser alguém profundamente marcado e alcançado pelo amor misericordioso de Deus e, somente a partir dessa experiência, posso me dispor a “levar” e “mostrar”, em todas as partes, como Deus nos ama e pode transformar a nossa vida inteira. Aprendo também que, sendo missionário, levo e mostro esse amor, primeiro, com minha própria vida entregue à missão. Sem dizer palavra alguma, com o simples fato de deixar minhas origens e abraçar novas culturas, posso revelar que o amor de Deus vale muito mais do que tudo aquilo que consideramos valioso em nossa vida. Portanto, a vida do missionário é seu primeiro e maior testemunho e anúncio!

Você viveu esta experiência missionaria, mas pode-se dizer que também você foi evangelizado? O que gerou satisfação no seu coração?
Enfim, estando em São Gabriel, município mais indígena do Brasil, “lar” de 23 etnias, pluricultural e multilinguístico, percebo diariamente que, ao nos chamar para ser missionários e missionárias, Deus nos chama para sermos capazes de nos encantar diante da beleza e do mistério que é cada pessoa e cada cultura do nosso mundo. Por isso, seguindo o exemplo do Mestre Jesus, missionário do Pai, nós somos chamados a “esvaziar-nos” de tudo para “preenchermo-nos” das belezas e maravilhas presentes em todos os cantos da Terra e associar a elas a preciosidade do Evangelho. Esta foi das vivências mais profundas para mim.

No fim disso tudo, acredito que a satisfação vem do sorriso e dos gritos dos nossos meninos e meninas brincando, correndo, pulando, jogando bola, contando suas piadas; vem dos olhares curiosos e brilhantes dos homens e mulheres da floresta; a alegria vem do contemplar a beleza da natureza, a generosidade do povo e a perseverança dos cristãos e cristãs que ficam, às vezes, meses sem a presença de um sacerdote, mas, olham e tocam com amor e devoção os pezinhos da pequena imagem de Nossa Senhora ou a cruz lá do altar. Nas missões salesianas do Rio Negro se aprende a viver sem os excessos, a valorizar a simplicidade e se alegrar com as coisas pequenas da vida. Tudo aqui se torna festa, dança, música, celebração, fé… Aqui vive-se naquela mesma pobreza e simplicidade dos inícios de Valdocco, onde viveram e se santificaram Dom Bosco, Mamãe Margarida, o menino Sávio, P. Rua e tantos outros. Estar na Amazônia com certeza nos enriquece muito como gente, cristão e Salesianos de Dom Bosco!

Entrevista do P. Gabriel ROMERO, com o jovem salesiano Leonardo Tadeu DA SILVA OLIVEIRA, da Inspetoria São João Bosco com sede em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Galeria de fotos da Amazônia

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Missionário na Amazônia
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Novos missionários

A mensagem do Reitor-Mor, Padre Ángel FERNÁNDEZ ARTIME

A primeira expedição missionária foi abençoada pelas lágrimas de Dom Bosco, que disse:

“Estamos iniciando uma grande obra. Quem sabe, se esta partida não possa ser como uma semente da qual surgirá uma grande planta?”.

A profecia se tornou realidade.

A primeira vez foi inesquecível. Era a festa de São Martinho, em 1875. O mundo não sabia, mas naquele bairro de Turim chamado Valdocco estava começando um empreendimento extraordinário: dez jovens salesianos estavam partindo para a Argentina. Eles foram os primeiros missionários salesianos.

As Memórias Biográficas narram aquele momento com acentos épicos: “Eram 4 horas e as primeiras notas dos sinos tocavam, quando um barulho impetuoso surgiu na Casa com um violento bater de portas e janelas. Tinha se levantado um vento tão forte que parecia que iria derrubar o Oratório. Pode ter sido um acaso; mas o fato é que um vento semelhante soprou na hora em que a pedra angular da Igreja de Maria Auxiliadora foi colocada; um vento semelhante se repetiu na consagração do Santuário”.

A Basílica estava lotada. Dom Bosco subiu ao púlpito. “Ao seu aparecimento, houve um profundo silêncio naquele mar de gente; um tremor de emoção passou por toda a audiência, que avidamente bebeu suas palavras. Sempre que ele acenava diretamente aos Missionários, sua voz se embargava até quase morrer nos seus lábios. Com esforços viris ele retinha as lágrimas, mas o público chorava”.

“A voz me falha, as lágrimas sufocam a palavra”. Só posso lhes dizer que se neste momento minha alma está emocionada com vossa partida, meu coração sente grande consolo em ver nossa Congregação fortalecida; em ver que, em nossa pobreza, também nós estamos neste momento colocando nossa pedrinha no grande edifício da Igreja. Sim, parti corajosos; mas lembrai-vos que existe apenas uma Igreja que se estende pela Europa, na América e pelo mundo todo, e recebe os habitantes de todas as nações que desejam vir se refugiar em seu abraço materno. Como Salesianos, em qualquer parte remota do globo vos encontreis, não esqueçais que aqui na Itália tendes um Pai que vos ama no Senhor, uma Congregação que em qualquer contingência pensa em vós, vos sustenta e sempre vos acolherá como irmãos. Ide, então; vós tereis que enfrentar todos os tipos de cansaço, de dificuldades, de perigos. Mas não tenhais medo, Deus está convosco. Ireis, mas não ireis sozinhos; todos vos acompanharão. Adeus! Talvez nem todos poderemos mais nos ver nesta terra” (MB XI, 381-390). Abraçando-os, Dom Bosco deu a cada um uma pequena folha de papel com vinte lembranças especiais, quase um testamento paternal para os filhos que ele talvez nunca mais volte a ver. Ele os havia escrito a lápis em seu caderno de anotações durante uma recente viagem de trem.

A árvore cresce

Em 25 de setembro, revivemos esse momento de graça pela 153ª vez. Hoje eles se chamam Oscar, Sebastião, João-Maria, Antônio, Carlos… São 25, jovens, preparados, mas carregam nos olhos e no coração a consciência e a coragem dos primeiros. Eles são a vanguarda daquilo que eu pedi a toda a Família Salesiana para este sexênio: audácia, profecia e fidelidade.

Dom Bosco tinha feito uma pequena profecia: “Estamos começando uma grande obra, não porque tenhamos pretensões ou a crença de que converteremos todo o universo em poucos dias, não; mas quem sabe, que não seja esta partida e este pouco como uma semente da qual surgirá uma grande planta? Quem sabe, que não seja como um pequeno grão de milho ou uma semente de mostarda, que pouco a pouco vai avançando e possa fazer um grande bem? Quem sabe, que esta partida não tenha despertado no coração de muitos o desejo de se consagrar a Deus nas Missões, unindo-se a nós e fortalecendo nossas fileiras? Espero que sim. Vi o número imenso daqueles que pediram para ser escolhidos” (MB XI, 385).

“Ser missionário. Que palavra!” testemunha um salesiano após quarenta anos de vida missionária. “Uma pessoa idosa me disse: «Não me fale de Cristo; sente-se aqui ao meu lado, quero sentir o seu cheiro e se este é o cheiro do Senhor, então você pode me batizar»”.

O quinto conselho de Dom Bosco aos missionários era: “Cuidai especialmente dos doentes, das crianças, dos idosos e dos pobres”.

Vivemos numa época que deve ser enfrentada com uma mentalidade renovada, uma mentalidade que “saiba como superar as fronteiras”. Em um mundo onde as fronteiras correm o risco de se tornarem cada vez mais fechadas, a profecia de nossa vida consiste também nisto: mostrar que para nós não há fronteiras. A única realidade que temos é Deus, o Evangelho e a missão.

Sonho que, hoje e nos próximos anos, dizer ‘Salesianos de Dom Bosco’ signifique, para as pessoas que ouvem nosso nome, que somos consagrados um tanto ‘loucos’, ou seja, ‘loucos’ porque amamos os jovens, especialmente os mais pobres, os mais abandonados e indefesos, com um verdadeiro coração salesiano. Esta me parece a mais bela definição que pode ser dada hoje dos filhos de Dom Bosco. Estou convencido de que nosso Pai quereria exatamente isto.

Eles ainda partem para dar suas vidas a Deus. Não apenas com palavras. A Congregação também pagou o tributo do sangue. O lema sacerdotal que o mártir Rodolfo Lunkenbein escolheu para sua ordenação foi “Eu vim para servir e dar minha vida”. Em sua última visita à Alemanha em 1974, sua mãe implorou-lhe que tivesse cuidado, pois eles a haviam informado dos riscos que seu filho corria. Ele respondeu: “Mãe, por que você se preocupa? Não há nada mais belo do que morrer pela causa de Deus. Esse seria o meu sonho”.

Tenho a firme convicção de que nossa Família deve caminhar nos próximos seis anos em direção a uma maior universalidade e sem fronteiras. As nações têm fronteiras. Nossa generosidade, que sustenta a missão, não pode e não deve conhecer limites. A profecia que devemos testemunhar como Congregação não inclui fronteiras.

Um missionário contava que ele havia celebrado a missa para os indígenas das montanhas perto de Cochabamba, Bolívia. Ele era um padre jovem e mal conhecia a língua quíchua; e, no final, enquanto se dirigia para casa, sentiu que tinha sido um fracasso e não tinha conseguido se comunicar de maneira alguma. Mas um velho camponês, mal vestido, apareceu e agradeceu ao jovem missionário por ter vindo.

Depois ele fez um movimento incrível: “Antes que eu pudesse abrir a boca, o velho camponês coloca as mãos nos bolsos de seu casaco e tira dois punhados de pétalas de rosas coloridas. Ele se levanta na ponta dos pés e, com gestos, pede que eu o ajude, abaixando a cabeça. Então ele deixa cair as pétalas na minha cabeça, e eu fico sem palavras. Ele volta a colocar as mãos em seus bolsos e consegue tirar mais dois punhados de pétalas. Continua a repetir o gesto, e a reserva de pétalas de rosas vermelhas, rosas e amarelas parecia não ter fim. Eu fico apenas ali parado e o deixo fazer isso, olhando para minhas sandálias de couro, molhadas de minhas lágrimas e cobertas com pétalas de rosa. Por fim, ele se despede e eu fico sozinho. Sozinho com a suave fragrância das rosas”. Posso dizer-lhes por experiência própria que milhões de famílias no mundo inteiro estão cheias de gratidão para com os salesianos que se tornaram o “evangelho” no meio deles.




Carta do Reitor-Mor. Apelo missionário 2023

Recordamos o dia em que há 163 anos -18 de dezembro de 1859 – Dom Bosco fundou a nossa “Pia Sociedade de São Francisco de Sales”. Desde então, ela nunca deixou de se difundir. Graças aos nossos missionários, hoje o carisma de Dom Bosco está presente em 134 países, e estamos a iniciar novas presenças na Nigéria e na Argélia no próximo ano. Já o 6º sucessor de Dom Bosco, padre Luís Ricceri, nos recordou que o espírito e o compromisso missionário não eram só um interesse pessoal do nosso Fundador, mas um verdadeiro charisma fundationis que ele nos transmitiu e a toda a Família Salesiana (ACG 267, p.14). Por isso hoje é uma bela ocasião para vos enviar este apelo missionário.

Ao enviar a primeira expedição missionária, em 1875, Dom Bosco havia feito uma profecia: “… Quem sabe, se esta partida e este pouco não será como uma semente da qual surgirá uma grande planta?… Quem sabe, se esta partida não despertará no coração de muitos o desejo de se consagrar a Deus nas Missões, juntando-se a nós e reforçando as nossas fileiras? É o que eu espero. …” (MB XI, 385). Com efeito, apesar de em 1875 haver só 171 salesianos (64 professos perpétuos, 49 dos quais sacerdotes, e 107 professos temporários) e 81 noviços, Dom Bosco havia enviado 11 salesianos para a Argentina. À sua morte havia 773 salesianos, 137 dos quais eram missionários enviados por Dom Bosco mesmo em 11 expedições missionárias. Hoje encontramo-nos num contexto muito diferente do tempo de Dom Bosco. Hoje ‘as missões’ não podem ser compreendidas só como movimento para ‘as terras de missão’, como outrora. Hoje os missionários salesianos provêm dos cinco continentes e são enviados pelo Reitor-Mor para os cinco continentes. Num mundo em que as fronteiras correm risco de se fechar cada vez mais, os missionários salesianos são enviados não só para responder à necessidade de pessoal, mas, sobretudo, para testemunhar que para nós não há fronteiras, para contribuir para o diálogo intercultural, para a inculturação da fé e do nosso carisma e para desencadear processos que possam gerar novas vocações locais.

Na minha primeira carta como Reitor-Mor manifestei a minha convicção de que “uma grande riqueza da nossa Congregação é mesmo a sua capacidade missionária” (ACG 419, p. 24). Estou firmemente convicto de que nós salesianos temos necessidade de caminhar para uma maior consciência da nossa intemacionalidade. E a generosidade missionária dos irmãos é um testemunho profético de que a nossa Congregação é sem fronteiras.

Com efeito, a presença dos missionários na Inspetoria ajuda a refletir melhor a intemacionalidade da nossa Congregação e a compreender que o carisma salesiano não é monocolor e que as diferenças e a multiculturalidade enriquecem a Inspetoria e a toda a nossa Congregação.

Pelo contrário, uma Inspetoria composta só de irmãos da mesma cultura corre o risco de se reduzir a um enclave étnico, menos sensível ao desafio da interculturalidade e menos capaz de ver para lá das fronteiras do seu mundo cultural. É por isso que insisti várias vezes que nós não fazemos profissão religiosa para um país ou para uma Inspetoria. Somos salesianos de Dom Bosco na Congregação e para a missão, lá onde houver mais necessidade de nós e onde for possível o nosso serviço.

Já em 1972 o nosso Capítulo Geral Especial havia considerado o relançamento missionário como “um termômetro da vitalidade pastoral da Congregação e um meio eficaz contra o perigo do aburguesamento” (CGE, 296). A capacidade dos irmãos de acolher e acompanhar os novos missionários enviados à sua Inspetoria é também um termômetro do seu espírito missionário.

Graças ao espírito missionário na nossa Congregação, há ainda irmãos que partem para dar a sua vida a Deus como missionários. Ao meu apelo de 2021 passado, 36 salesianos responderam enviando-me a carta da sua disponibilidade missionária. Após um atento discernimento, 25 foram escolhidos como membros da 153a expedição missionária deste ano. Os outros continuam o seu discernimento.

Portanto, com esta carta, convido-vos, queridos irmãos, a rezar e a realizar um atento discernimento para descobrir se o Senhor vos chama, dentro da nossa vocação salesiana, a ser missionários, escolha que implica um compromisso por toda a vida (ad vitam).

Convido os Inspetorias, com os seus Delegados para a animação missionária (DIAM), a ser os primeiros a ajudar os irmãos a cultivar o desejo missionário e a facilitar o seu discernimento, convidando-os, após o diálogo pessoal, a colocar-se à disposição do Reitor-Mor para responder às necessidades missionárias da Congregação. Depois o Conselheiro Geral para as Missões, em meu nome, continuará o discernimento que conduzirá à escolha dos missionários para a 154a expedição missionária que terá lugar, se Deus quiser, no domingo 24 de setembro de 2023, na Basílica de Maria Auxiliadora de Valdocco, como se fez desde o tempo de Dom Bosco.

O diálogo com o Conselheiro Geral para as Missões e a reflexão partilhada no Conselho Geral permitem-me precisar as urgências e identificar para 2023, para onde eu quereria que um número significativo de irmãos pudesse ser enviado:
• para a África do Sul, Moçambique e para as novas fronteiras do continente africano;
• para a Albânia, Kosovo, Eslovênia e para outras novas fronteiras do Projeto Europa;
• para o Azerbaijão, Bangladexe, Nepal, Mongólia e Yakutia;
• para as nossas numerosas presenças nas ilhas da Oceania;
• para as fronteiras missionárias da América Latina e com os povos indígenas.

Saúdo-vos, queridos irmãos, com verdadeiro afeto e com uma lembrança diante da Auxiliadora e de Dom Bosco aqui em Valdodeo,

Turim Valdocco, 18 de dezembro de 2022




Pastoral juvenil e familiar

Investir na educação dos jovens para construir as famílias de hoje e de amanhã

A educação dos jovens é tarefa originária dos pais, ligada à transmissão da vida, e primordial no que se refere à tarefa educativa de outros sujeitos; o papel da CEP é proposto, então, como complemento e não substitutivo do papel educativo dos pais. A contribuição da vocação familiar, geracional e de casal foi individuada em pelo menos três temas centrais: o amor, a vida e a educação.

O cuidado da família suscita grande interesse no mundo todo. Atenção especial é dada à questão através de artigos, publicações científicas e anais de congressos. Ao mesmo tempo, pede-se à família para cuidar dos vínculos que constituem a densa teia que sustenta a pessoa dos jovens em processo de crescimento e aumentam a qualidade de vida de uma comunidade. Por isso, é necessário promover estratégias educativo-pastorais adequadas ao apoio à família, no papel que ela desempenha na construção das relações interpessoais e intergeracionais, bem como na concepção global da educação e do acompanhamento das novas gerações.

Em sua complexidade, toda família é como um livro que preciso ser lido, interpretado e entendido com muito cuidado, atenção e respeito. Em nossa sociedade contemporânea, a vida familiar apresenta, na verdade, algumas condições que a expõem a fragilidades.

Encontrar Dom Bosco é uma viagem sempre atual. Acompanhar os seus sonhos; compreender a sua paixão educativa; conhecer o seu talento de tirar os jovens dos “maus caminhos” para torná-los “bons cristãos e honestos cidadãos”, educá-los na fé cristã e na consciência social, orientá-los para uma profissão honesta, é uma experiência de extraordinária intensidade humana e familiar. A experiência de Dom Bosco tem raízes distantes. Sua vida, de fato, é povoada por famílias, uma multiplicidade de relações, várias gerações, jovens sem família, histórias de amor e crises familiares, desde a primeira página da sua vida, quando deve enfrentar ainda muito pequeno a perda do pai.

A Comunidade Educativo-Pastoral é uma das formas, se não ‘a’ forma, com que se concretiza o espírito de família. Nele, o Sistema Preventivo torna-se operativo num projeto comunitário. Como grande família que se ocupa da educação e da evangelização dos jovens em um determinado território, a CEP é a atualização daquela intuição que, na origem do carisma salesiano, Dom Bosco repetia muitas vezes: “Sempre precisei de todos”. A partir dessa convicção, desde os primeiros dias do Oratório, ele construiu ao seu redor uma família-comunidade que não se preocupa com as diferentes condições culturais, sociais e econômicas dos colaboradores e da qual os próprios jovens são protagonistas.

A educação dos jovens é tarefa originária dos pais, ligada à transmissão da vida, e primordial no que se refere à tarefa educativa de outros sujeitos; o papel da CEP é proposto, então, como complemento e não substitutivo do papel educativo dos pais.
A teologia pastoral, nesse processo de empoderamento, afirma que a família é objeto, contexto e sujeito da ação pastoral. Esta reflexão levou-nos a questionar a originalidade da família no interior da CEP, podendo ocupar um lugar específico. A contribuição da vocação familiar, geracional e de casal foi individuada em pelo menos três temas centrais: o amor, a vida e a educação.

Por isso, tanto em nível local quanto inspetorial, é necessário começar a planejar itinerários de formação para os agentes/ formadores, integrando as famílias no PEPS, onde a proposta educativa e pastoral se estrutura em torno de ações que veem a família como protagonista em favor dos jovens. Esses itinerários devem ter como núcleo central a metodologia da pedagogia familiar e a espiritualidade salesiana.
Por isso, torna-se imprescindível programar juntos em sentido vocacional; ao mesmo tempo entrar no quotidiano das famílias, falar a sua língua, ficar ao lado delas na fragilidade das relações e reconhecer as durezas presentes na vida de muitas delas, cuidando dos jovens sem família, das famílias jovens, das situações familiares mais frágeis (pobreza, desigualdade e vulnerabilidade), promovendo a solidariedade entre as famílias. Torna-se, pois, necessário acompanhar o amor dos jovens casais/ famílias, cuidando deles e planejando uma boa e constante formação no amor para o desenvolvimento de todas as vocações.

Tudo o que se disse sobre Pastoral Juvenil Salesiana e Família requer, para ser realizado, o início de processos de formação para todos os membros da CEP, tanto os Salesianos consagrados como os leigos que apoiam a realização do PEPS e da Família Salesiana.